Você está na página 1de 2

CONTAR UMA VERGONHA

Morreu uma tal de Nica. Foi assim que eu dei o recado para a família numa tarde comum,
enquanto minha mãe e minha vó tomavam calmamente o café da tarde. Minha falta jeito ao
telefone quando era criança chegou ao seu ponto mais alto. Eu nunca atendi direito aquela
coisa, até então uma novidade. Nos anos 90, pouca gente tinha telefone em casa, demorou
para termos um. Então, volta e meia eu confundia tudo.

Tinha um problema muito grave, eu costumava confundir tudo bem, com tudo bom. É difícil
explica. Coisa esquisita isso. A frase ficava mais ou menos assim.

- Bom dia, tudo buem?

- Oi, tia. Tudo beon?

Isso era algumas das minhas confusões telefônicas. Não gostava muito de atender, era meio
caipira.

E naquela tarde, fora eu quem atendera o telefonema fatal, por assim dizer. Parentes de
Piracicaba anunciavam a morte de uma tal de Tia Nica. Somado ao problema com minha falta
de desenvoltura ao telefone, vinha outro problema. Minha falta de contato com parentes.
Meu universo parental se resumia no meu pai, mãe, irmãos, poucas tias e primos, minha vó e
vô. Tirando isso, não conhecia ninguém. Quando eram os parentes de Minas, irmãos do meu
pai, a coisa piorava um pouco. Eles mal sabiam que eu existia.

O fato é que, naquela tarde, desliguei o telefone e fui pra cozinha, sem cerimônia. A queima-
roupa anunciei:

- Morreu uma tal de Nica!

Minha vó quase cuspiu o café, estanhou os olhos, assustadíssima.

- O que que você falou?

- Morreu uma tal de Nica, vó.

Minha vó e minha levantaram.

- Como uma tal de Nica?? Quem falou isso?

- Não sei vó, parentes de Piracicaba ligaram e mandaram avisar.

- NICA É A MINHA IRMÃ!

Setenta e poucos anos de vida, minha vó jamais imaginaria que um dia ia receber a notícia da
morte da irmã assim. Uma TAL de Nica. A minha ficha caiu na hora, que falto de tato a minha.
Ainda sou péssimo em dar recados. Especialmente os póstumos.
COIFE 30 anos

Você também pode gostar