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Poesia Visual, Poesia Objeto e Livro-Objeto

Disponível em: http://www.artewebbrasil.com.br/marcelo/artigo.htm#relacoes

Acessado em: 10.11.2008

Artigo de Marcelo Terça-Nada!


Faz parte do Poro e da DoDesign-s além de manter o blog Vírgula-imagem.
Veja outros artigos do autor em: http://marcelonada.redezero.org/artigos/

1. Relações entre imagem e escrita nas artes


1.1 Poesia Visual: verbete e imagens-exemplo
1.2 Poesia Objeto: verbete e imagens-exemplo
2. Livro-objeto
2.1 Exemplos de Livro-Objeto
3. Referências bibliográficas

Antes de chegar aos conceitos livro-objeto, poesia objeto, e poesia visual tema deste artigo,
considerei importante escrever sobre a aproximação da literatura e das artes plásticas porque
essa aproximação é que torna possível o surgimento da poesia visual assim como de livros e
poemas objetos. A primeira parte trata brevemente das relações entre imagem e escrita no
século XX, as duas seguintes trazem algumas imagens-exemplo e os verbetes de poesia visual
e poesia objeto, a quarta parte trata de livro-objeto, tentando desenhar este conceito e
apresentando um pequeno histórico da presença do livro como objeto de arte no Brasil,
exemplificados através de imagens-exemplo na última parte.

1. Relações entre imagem e escrita nas artes

Durante o século XX pode-se perceber que houve grande diálogo entre as artes visuais e a
literatura, acompanhando a diluição de limites rígidos entre as diferentes linguagens e
consequente aproximação entre as artes, principalmente a quebra de fronteiras entre o texto e
a imagem. Poetas se conscientizaram da visualidade da escrita e da página, além de
incorporar elementos gráficos e imagens aos seus trabalhos. Artistas visuais retomaram a
origem visual da escrita, utilizando elementos textuais em suas obras: grafismos, letras de
diversos alfabetos, colagem de fragmentos de textos impressos etc., utilizando a escrita como
elemento gráfico e/ou conceitual.

Esse processo de aproximação e diálogo entre a literatura e as artes visuais aconteceu de


maneira recorrente e não linear durante todo o século, sendo verificada em diversas
ramificações que realizaram e realizam várias conexões entre si, sem obedecerem a nenhuma
hierarquia ou ordem[2].

A reaproximação[3] entre imagem e escrita se deu a partir do final do século XIX e início do
século XX. Nesse processo de resgate de vínculos entre a palavra e a imagem, tiveram grande
importância experiências como as do poeta francês Mallarmé[4], que passa a considerar a
visualidade da letra e do branco do papel como elemento de seus poemas, e o trabalho
pioneiro de Picasso e Braque, com os papiers collés que inauguram uma forte tendência da
arte contemporânea, incorporando na obra artística materiais não artísticos, letras, fragmentos
retirados de jornais, partituras musicais, papéis de parede etc., que foram utilizados em suas
obras de modo que as partes se ajustassem ao todo, tal como um quebra cabeça[5].

Modos de hierarquia entre as linguagens como, por exemplo, se explicitar uma imagem através
de uma legenda ou título, ilustrar um texto ou, ainda, estabelecer um discurso a partir de uma
obra visual, como uma pintura por exemplo, sofreram uma quebra nessas experiências que
negavam qualquer subordinação entre imagem e texto.
Ao mesmo tempo em que esse processo ia se manifestando e ocorrendo, houve o surgimento
e o desenvolvimento de diversas tecnologias e mídias desembocando na era eletrônica que
vivemos hoje. Principalmente a partir dos anos sessenta, os meios de comunicação
aumentaram sua penetração e difusão, passando a intervir em todas as instâncias da vida
cotidiana, fazendo com que o convívio com imagens caminhasse rumo à saturação. Com isso
houve uma crescente banalização da imagem e do texto[6]. O mesmo acontece com as
relações entre indivíduos e objetos, devido à cultura do consumo. Então, artistas e poetas
passaram a buscar maneiras novas de se relacionar com a arte e a escrita em experiências
onde os materiais e suportes tradicionais em arte foram sendo sucessivamente questionados
ou naquelas onde houve apropriação dos novos meios e tecnologias como suporte e material
para a arte.

Poesia Visual

Pode ser definida por: produto literário que se utiliza de recursos (tipo)gráficos e/ou
puramente visuais,de tendência caligramática, ideogramática, geométrica ou abstrata,
cujo centramento gráfico-visual não exclui outras possibilidades literárias (verbais,
sonoras etc.). (Alvaro de Sá, 1978, p.49)

Para saber mais sobre Poesia Visual Brasileira, visite o site:


http://www.imediata.com/BVP

Para conhecer outras obras dos autores citados, clique nos nomes sob as obras.

Rio: o ir. Arnaldo Antunes,


Caligrama. Apollinaire, 1913-
1997.
Cai. Paulo Leminski, 1983. 1916.
+em Guillaume Apollinaire
ubu.com

CoraçãoCabeça. Augusto de Campos, 1980.


De adoratione Crucis ab opifice. Hrabanus
José de Arimathéia, s/d. Marus, 1605.
+em early visual poetry ubu.com

Poesia Objeto

Além dos elementos da poesia visual, na poesia objeto o suporte deixa de ser
somente a página bidimensional; incorpora o objeto, junto com suas propriedades e
significações; esse, pode variar de uma caixa de fósforo a um automóvel, passando por
uma dobradura de papel. Como o poema passa a poder acontecer em diversos planos/
faces/ camadas e a poder contar com o manuseio como elemento de leitura, as
possibilidades são ampliadas ainda mais.

Para conhecer outras obras dos autores citados, clique nos nomes sob as obras.

21 Veleiros. Arthur Bispo do Rosário, s/d.


Babel. Arlindo Daibert, 1989/92.
A vitória da lógica do belo sobre a do desempenho.
Ricardo Aleixo, 1993/98.
Poema objeto. Márcio Sampaio, s/d.

Como é que eu devo fazer um muro no fundo da minha casa.


Arthur Bispo do Rosário, s/d.

Livro-Objeto

Vários artistas e poetas se debruçaram sobre o livro o recriando enquanto objeto.


Fazendo diversas experimentações com sua forma, funcionalidade e materialidade,
casando em inúmeras possibilidades imagem, escrita e meio. Dessas variadas
experiências é que surgiram os livros-objeto, que extrapolam o conceito livro rompendo
as fronteiras comumente atribuídas aos livros de leitura para se assumirem como
objetos de arte. Normalmente, são obras raras, muitas vezes únicas, ou com tiragens
extremamente reduzidas. No livro-objeto, a narrativa literária é substituída por uma
narrativa plástica.

Para conhecer outras obras dos autores citados, clique nos nomes sob as obras.
Coração.Não . Getúlio Moreira, 1997.

Matisse/Talco. Waltércio Caldas, 1975.

Capa do Livro Ausbrennen des LandKreises Büchen


IV. Anselm Kiefer, 1974
El libro de los muertos. Pitti, 1995/96.

Moradas. Arlindo Daibert, 1989/92.

O Vôo Noturno. Waltércio Caldas, 1967.

Referências Bibliográficas

Livros

CLARK, Lygia. Lygia Clark. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1980.


______. Lygia Clark in Os Bichos. Barcelona: Fundació Antoni Tàpies, 1998.
DOCTORS, Marcio, MINDLÍN, José e SACCA, Lucilla.
Livro Objeto: A fronteira dos vazios. Rio de Janeiro: CCBB, 1994
DOLABELA, Marcelo. Poesia: A Experiência Visual. Temporada de poesia. Fascículo 6. Belo Horizonte, 1994.
ANTUNES, Arnaldo. Dois ou mais corpos no mesmo espaço. São Paulo: Perspectiva, 1997.
CAMPOS, Augusto de. Despoesia. São Paulo: Perspectiva,1994.
AGUIAR, Fernando e SILVA, Gabriel (org.). Concreta. Experimental. Visual: Poesia portuguesa 1959 – 1989. Lisboa:
Icalp, 1990.
MENEZES, Philadelpho. Poética e Visualidade: Uma trajetória da poesia brasileira contemporânea. Campinas: Unicamp,
1991.
GÓES, Fred e MARINS, Álvaro (sel.). Paulo Leminski – Melhores poemas. São Paulo. Global, 1996.
RIBEIRO, Marília Andrés e PEDRO, Fernando (org.). Um século de história das artes plásticas em Belo Horizonte. Belo
Horizonte: C/Arte e Fundação João Pinheiro, 1997.
CACCIARI, Massimo e CELANT, Germano (org.). Anselm Kiefer – Venezia Contemporâneo. Milão: Charta. 1997.

Periódico

SÁ, Álvaro de, CIRNE, Moacy. Do modernismo ao poema/processo e ao poema experimental: teoria e prática. Revista
de Cultura Vozes, Petrópolis, - v.72, n.1, jan. fev 1978, p.49.

Catálogos

CALDERA, Paulo. De Gutenberg à Informação Virtual. Belo Horizonte: UFMG, 2000.


FARIAS, Aguinaldo. Livros - Waltercio Caldas. Belo Horizonte: MAP, 2000/ Rio de Janeiro: MAM, 1999.

Inéditos

Veneroso, Maria do Carmo de Freitas. Caligrafias e Escrituras: Diálogo e intertexto no processo escritural nas artes do
século XX. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2000. Tese de Doutorado em Literatura Comparada.

Documentos eletrônicos

Instituto Cultural Itaú. Banco de Dados. URL: http://www.itaucultural.org.br/bd/biografia/biografia.htm [10 dez.2000]


UBU. UBU Visual, Concrete + Sound Poetry in Historical. URL: http://www.ubu.com/historical_frames.html [10 dez.2000]
Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri da PUC-SP. Acervo de Poesia Experimental. URL: http://www.pucsp.br/~cos-
puc/epe/ape/ [10 dez. 2000]
Menezes, Philadelpho (Org.). Poesia Intersignos - Do Impresso ao Sonoro e ao Digital. URL: http://www.pucsp.br/~cos-
puc/epe/mostra/ [10 dez.2000]

4. Livro-objeto
Por Marcelo Terça-Nada!

Disponível em: http://www.artewebbrasil.com.br/marcelo/livro_objeto.htm

Acessado em: 10.11.2008

“Vivemos, sim, um esgotamento dos termos tradicionais ‘pintura’, ‘escultura’,


‘desenho’. Não é uma questão de estarem mortos ou não como forma de
expressão, estão é cansados. Não dão mais conta da complexidade atual do
mundo. (...) A precisão ou nitidez de campos não interessa mais. O que interessa,
hoje, é a diluição de fronteiras ou uma nova precisão que não teme incorporar o que
está fora de definição, fora do controle, fora do saber.”

Marcio Doctors

Os livros-objeto não se prendem a padrões de forma ou funcionalidade, extrapolam o


conceito livro rompendo as fronteiras comumente atribuídas aos livros de leitura para se
assumirem como objetos de arte. São objetos de percepção. Normalmente, são obras raras,
muitas vezes únicas, ou com tiragens extremamente reduzidas. Resistem na contramão em
relação aos veículos reproduzidos em massa[1].

Essas obras poderiam representar uma das evoluções possíveis, e perfeitamente


aceitáveis, da forma convencional do livro, que prevaleceu desde Gutenberg, e que o livro-
objeto viria complementar, sem, evidentemente, substituí-la. Haja visto, por exemplo, a
introdução da terceira dimensão, ou o que tem sido feito no livro infantil, em que o livro se
desdobra, ao ser aberto, num conjunto que desperta a imaginação da criança e volta a ser um
simples livro quando se fecha[2].
No livro-objeto, a narrativa literária é substituída por uma narrativa plástica. Sua importância
se dá exatamente porque atravessamos um momento de amolecimento de fronteiras. As
estruturas atreladas ao pensamento tradicional da representação foram ficando enfraquecidas,
diluindo seus contornos e foram emergindo novas formas de expressão, ou melhor, antigas
formas de expressão foram retomando sua contundência, definindo outros campos. As
categorias tradicionais vão, aos poucos, perdendo sentido enquanto expressão necessária da
vida e do mundo, passando se a optar por formas expressivas que não temem sobrepor,
juntar, combinar o que antes parecia impossível de estar junto. Esse é o caso do livro-objeto.
A estrutura livro passa a ser capturada pela estrutura plástica vemos nascer uma outra forma
expressiva. O livro-objeto é um cruzamento de forças que estabelece um novo campo, o
exorbitar os limites e ao se configurar nos vazios criados tanto pela literatura quanto pelas
artes visuais[3].

Na construção dos livros-objeto, vários aspectos do objeto livro são explorados


plasticamente, como o fato de que um livro proporciona prazer intelectual através de seu texto,
mas também prazer táctil e visual. O livro pode ter uma leitura contínua, que desenha uma
linha, da capa à sua última página, mas que mantém uma relação de interatividade com o
leitor, que poderia ser chamado de manipulador, regente daquela orquestra de páginas, que,
hora abre aleatoriamente o livro e pode fazer uma leitura ao acaso, como em um livro de
poemas,

o melhor dos livros de poemas


é que sempre falta algum pra gente ler[4]

hora é guiado pelas sinalizações gráfico[5]/verbais[6] da narrativa do livro, como o maestro


que é regido pelo timbre dos instrumentos. Veja que o que se estabelece entre objeto/leitor é
um um diálogo semelhante ao que acontece quando se visita a obra Os Bichos, de Lygia
Clark, onde a estrutura dos Bichos reage, com seus movimentos próprios e definidos, às
estimulações do espectador[7], como um organismo vivo (CLARK, 1998. p121).

No Brasil, a experiência de livros-objeto nasce nitidamente do encontro entre poetas e


artistas visuais nos períodos Concreto e Neoconcreto (final dos anos 50 e começo dos anos
60). A poesia concreta foi fundamental para sublinhar aspectos formais e sonoros das
palavras, fazendo com que se descolassem da sintaxe tradicional e inventando uma outra
sintaxe poética-visual para o texto. Como desdobramento das idéias desse período, os livros-
objeto de Augusto de Campos e Julio Plaza (Poemóbiles, Objetos Poemas e Caixa Preta) são
excelentes exemplos. Durante o Neoconcretismo, essas experiências são radicalizadas,
explorando a forma enquanto narrativa.

Outro momento fundamental nessa trajetória histórica é a obra editorial de Julio Pacello, um
grande artista gráfico argentino-brasileiro, foi o primeiro a editar álbuns de gravura brasileira e
livros como objetos de arte. Editor de rara sensibilidade, convida poetas e artistas plásticos a
trabalharem juntos, conseguindo resultados da mais alta qualidade do livro enquanto objeto.

Durante a década de 70, temos uma explosão de livros-objeto. A própria condição da arte
nesse período produziu um transbordamento de limites, fazendo com que os artistas se
lançassem em múltiplas direções, explorando as mais diferentes possibilidades de
expressão[8].

Diversos artistas brasileiros produziram livros-objeto, como Arthur Barrio, Lygia Clark,
Antonio Dias, Waltércio Caldas, Mira Schendel, Alex Hamburguer, Delson Uchoa, Augusto de
Campos, Julio Plaza, Liuba, Renina Katz, Lygia Pape.

A partir da aproximação entre literatura e artes plásticas, junto às realizações do


modernismo e neovanguardas, houve um amolecimento das fronteiras entre as categorias
tradicionais de arte: pintura, escultura, fotografia, literatura, objeto, desenho, colagem etc.
passam a ter um diálogo cada vez maior e a se fundir, abrindo espaço para experimentação.
Tornam-se possíveis obras que podem ser identificadas tanto como poema visual (uma
categoria da literatura), como pop arte (uma categoria das artes plásticas), sem nenhuma
incoerência. Como é o caso do Exemplo 30, de Philadelpho Menezes, mostrado na figura
abaixo:

O fazer que cruza os campos da imagem e da escrita cruza também vários modos de fazer,
e se apropria de suportes não convencionais. No século XX, o branco da página entra como
elemento da poesia, do mesmo modo que o desenho e signos da escrita entram como
elemento da pintura, e é natural que, a partir de um certo momento, as experimentações
também incorporem o ambiente, ganhem o espaço, incorporem significados, formas e
temporalidades de suportes tridimensionais, ou quadridimensionais, sejam eles um sapato, um
liquidificador, uma sala, uma gaveta, uma calçada ou um painel luminoso[9]. É o caminho que
vai a poesia visual à poesia objeto. É o caminho que chega ao livro-objeto, às instalações e às
intervenções.

[1] CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL. Livres Objetos. Rio de Janeiro: CCBB, 1994.
[2] MINDÍN, José. Livros-Objeto: A fronteira dos vazios. Rio de Janeiro: CCBB, 1994.
[3] DOCTORS, Marcio. A fronteira dos vazios. Rio de Janeiro: CCBB, 1994.
[4] Poema de Leo Gonçalves
[5] Exemplos de sinalização gráfica: setas, cores, mapas de leitura, marcas etc.
[6] Exemplo de sinalização verbal: uma frase, ou clímax de uma ação interrompidos pelo final
da página e continuando na página seguinte; reticências, indicações como “vá para a página
tal”, numerações, títulos, ABCDE...
[7] CLARK, Lygia. Lygia Clark in Os Bichos. Barcelona: Fundació Antoni Tàpies, 1998. p.121
[8] DOCTORS, Marcio. A fronteira dos vazios. Rio de Janeiro: CCBB, 1994.
[9] Referência ao trabalho Truisms, de Jenny Holzer, realizado em 1982 no Times Square,
Nova York.

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