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Contar uma coincidência


inusitada

J úlio César, famoso general romano, célebre


pela invasão e domínio da Gália, narrada
detalhadamente em sua brilhantíssima “As
Guerras Gálicas”, obra prima da prosa latina, que relata
as campanhas iniciadas em abril de 58 a.C., finalizadas
durante a primavera de 52 a.C., quando, após um cerco
de dois meses, aprisionou Vercingetórix, que depôs as
armas aos pés do audacioso conquistador do mundo
antigo.

Amante da poesia e exímio na arte bélica, esse


César foi o mesmo que perdeu a batalha pelo coração de
Cleópatra e anos depois traído por senadores num
triunvirato, comandando pelo seu filho adotivo Brutus.
O bom e velho César também era figurinha
recorrente nas aventuras de Asterix, o Gaulês, em
constantes investidas para conquistar a irredutível vila
que resistia bravamente ao invasor, graças a poção
mágica produzida pelo venerável druida Panoramix.

E a vida não era nada fácil para as guarnições de


legionários dos campos fortificados de Babaorum,
Aquarium, Laudanum e Petibonum.

Mas atravessemos o oceano do tempo chegando


ao iluminado século 21, que hoje sofre um novo tipo de
dominação: a invasão imobiliária. E vejam que
coincidência.

Conheci certa vez um outro César. Não era


general, mas vivia às voltas com suas estratégias.
Também precisava anexar novas terras ao seu pequeno
império: uma construtora em franca expansão.
César entrava em batalhas para aprovação de projetos na
prefeitura, lidava com a burocracia, precisa treinar a
tropa imensa de corretores e partir em intermináveis
campanhas.
Nas ruas, bandeiras e estandartes eram erguidos,
tremulando nas mãos de promotoras que respigavam
suor e cansaço, resistindo ao calor escaldante de um
novembro qualquer.

César seguia com os planos, vencendo suas


pequenas lutas diárias. Acrescentando uma nova porção
de terra que, depois de alguns meses, se transformaria
em um novo condomínio clube, perto de tudo e com
acesso às principais rodovias, equipado com lazer
completo.

Até aí tudo bem, tudo certo. Seria apenas uma


história comum, de um empresário chamado César, que
nada tem a ver com o imperador, não fosse mais um fato
curioso.

A esposa do César chamava-se nada mais, nada


menos, que Gália. Era ela quem cuidava de toda a
papelada mais chata, lidava com os fornecedores, com a
contratação do pessoal.

César e Gália, juntos de novo!


Em pleno século 21, só podemos dizer que o destino de
César era realmente conquistar a Gália.

CONTAR UMA
VERGONHA
Morreu uma tal de Nica. Foi assim que eu
dei o recado para a família numa tarde comum,
enquanto minha mãe e minha vó tomavam
calmamente o café da tarde. Minha falta jeito ao
telefone quando era criança chegou ao seu ponto
mais alto.

Eu nunca atendi direito aquela coisa, até


então uma novidade. Nos anos 90, pouca gente
tinha telefone em casa, demorou para termos um.
Então, volta e meia eu confundia tudo.

Tinha um problema muito grave, eu costumava


confundir tudo bem, com tudo bom. É difícil
explica. Coisa esquisita isso. A frase ficava mais ou
menos assim.
- Bom dia, tudo buem?
- Oi, tia. Tudo beon?
Isso era algumas das minhas confusões telefônicas.
Não gostava muito de atender, era meio caipira.
E naquela tarde, fora eu quem atendera o
telefonema fatal, por assim dizer. Parentes de
Piracicaba anunciavam a morte de uma tal de Tia
Nica. Somado ao problema com minha falta de
desenvoltura ao telefone, vinha outro problema.
Minha falta de contato com parentes.

Meu universo parental se resumia no meu pai, mãe,


irmãos, poucas tias e primos, minha vó e vô.
Tirando isso, não conhecia ninguém. Quando eram
os parentes de Minas, irmãos do meu pai, a coisa
piorava um pouco. Eles mal sabiam que eu existia.

O fato é que, naquela tarde, desliguei o telefone e


fui pra cozinha, sem cerimônia. A queima-roupa
anunciei:

- Morreu uma tal de Nica!

Minha vó quase cuspiu o café, estanhou os olhos,


assustadíssima.

- O que que você falou?


- Morreu uma tal de Nica, vó.
Minha vó e minha levantaram.
- Como uma tal de Nica?? Quem falou isso?
- Não sei vó, parentes de Piracicaba ligaram e
mandaram avisar.
- NICA É A MINHA IRMÃ!
Setenta e poucos anos de vida, minha vó jamais
imaginaria que um dia ia receber a notícia da morte
da irmã assim.

Uma TAL de Nica. A minha ficha caiu na hora, que


falto de tato a minha. Ainda sou péssimo em dar
recados. Especialmente os póstumos.

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