Você está na página 1de 3

5

CONTAR UMA
VERGONHA

Morreu uma tal de Nica. Foi assim que eu


dei o recado para a família numa tarde comum,
enquanto minha mãe e minha vó tomavam
calmamente o café da tarde. Minha falta jeito ao
telefone quando era criança chegou ao seu ponto
mais alto.

Eu nunca atendi direito aquela coisa, até


então uma novidade. Nos anos 90, pouca gente
tinha telefone em casa, demorou para termos um.
Então, volta e meia eu confundia tudo.

Tinha um problema muito grave, eu costumava


confundir tudo bem, com tudo bom. É difícil
explica. Coisa esquisita isso. A frase ficava mais ou
menos assim.
- Bom dia, tudo buem?
- Oi, tia. Tudo beon?
Isso era algumas das minhas confusões telefônicas.
Não gostava muito de atender, era meio caipira.
E naquela tarde, fora eu quem atendera o
telefonema fatal, por assim dizer. Parentes de
Piracicaba anunciavam a morte de uma tal de Tia
Nica. Somado ao problema com minha falta de
desenvoltura ao telefone, vinha outro problema.
Minha falta de contato com parentes.

Meu universo parental se resumia no meu pai, mãe,


irmãos, poucas tias e primos, minha vó e vô.
Tirando isso, não conhecia ninguém. Quando eram
os parentes de Minas, irmãos do meu pai, a coisa
piorava um pouco. Eles mal sabiam que eu existia.

O fato é que, naquela tarde, desliguei o telefone e


fui pra cozinha, sem cerimônia. A queima-roupa
anunciei:

- Morreu uma tal de Nica!


Minha vó quase cuspiu o café, estanhou os olhos,
assustadíssima.

- O que que você falou?


- Morreu uma tal de Nica, vó.
Minha vó e minha levantaram.
- Como uma tal de Nica?? Quem falou isso?
- Não sei vó, parentes de Piracicaba ligaram e
mandaram avisar.
- NICA É A MINHA IRMÃ!
Setenta e poucos anos de vida, minha vó jamais
imaginaria que um dia ia receber a notícia da morte
da irmã assim.

Uma TAL de Nica. A minha ficha caiu na hora, que


falto de tato a minha. Ainda sou péssimo em dar
recados. Especialmente os póstumos.

Você também pode gostar