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A. etnolog fo, classificago © an jais reunidos por pesquisadores no ym as cha- . O material da amplo, sen- jo pelos mais diversos do ele cons documentos, textos, discursos © outras produgSes culturais do homem. Ela nfo se limita, portanto, gat a mentalidade tribal (ou 0 mento selvagem”, segundo a expressio consagrada de Levy-Bruhl), mas estuda as atividades culturais sem considerar a sua origem, longingua ou préx tiga ou moderna — embora priv do, no conjunto destes representagées, os que se revelam como sendo os mais arcaicos, isto é, os mais constitutivos da humanidade do homem, Em seguida, ela se aplica nao somente a analisar as representagdes que chama- ram a sua atencio, mas tenta inferpre- télas, com 0 intuito de chegar a inter~ pretagoes is de alcance:geral, uni- versal e whist6rico, obtidas sobretudo pe- la utilizagio do método comparativo. Destarte, sua elaboracdo freqtientemente 6 mais te6rica do que vinculada a quisas no terreno, © que se exemp! nas pesquisas estruturalistas de Levi Strauss ¢ outros. Neste capitulo, procedemos pois & ané- lise da relagdo_ terapéuti pectiva tanto de antro quanto de antropologia cernir melhor os componentes.arcaicos ‘que, através de representagdes © fanta- sias, impregnam as interagSes entze 0 te- rapeuta © 0 paciente. Veremos que a apreensio do pano de fundo antropolé- ico essencial para a anélise © com- ‘ preensio da relagio médico-paciente, uma vez que esta nfo é uma relacio obj ow causel, mas uma relaglo intersubje- tiva de significagées, determinada am- plamente pela patticipacéo imaginéria e inconsciente de ambas as partes. ‘Agora, em que sentido o estudo da relacéo teraptutica poder informar-nos sobre as estruturas, catacteristicas © pro- priedades humanas, rem rev@ladas na sua funda ¢ mais ampla, isto é, propriamente antropolégica? Kis 0 primeiro ponto debater. 1A. A doenga e 0 processo de cura como reveladores antropolégicos ‘Se queremos responder & questo le- yantada, € preciso questionar o alcance ‘antropolégico da ocorréncia sobre a qual se estabelece qualquer relagio terapéuti ca: a doeng ferapia, 08 ‘A este respeito, podemos apc estudo de Valabrega(7) sobre a relacio médico-paciente, sendo que este autor se aseia em consideracdes tanto antropolé- gices quanto psicanaliticas. ‘A doenca é um fato universal que, co- mo tal, exige também uma interpretacao antropolégica. Ela se manifesta de ma- ira fatual ou acidental na vida de (duo determinado, mas ultra- pas tenciais, 0 quadro esttitar do doente. Faz irrupeao na ameagando a con- sncia que, até af, pode ter progredido de modo relativa- mente harmonioso. Porém, a crise da doenga abala 0 precério equilibrio des- harmonia e desvenda a icerces humanos — sejam eles aparen- nte firmes integrados na es- trutura de personalidade. Simultaneamente, a doenga surge co- mo um impedimento existencial e se presenta como uma “situagdo catastré- fied” (Valabrega) que nao deixa de evo- car 2 mortalidade. Por esta razio, mes- mo numa doenga benigna afloram facil- sentimentos: de perplexidade e de devidos a0 confronto, conscien- 'inconseiente, com a perspectiva da propria morte. Ora, é dbvio que a ati- tude diante da morte ser4 altamente re- levante para o estudo do homem, mar- cado fundamentalmente pela. transitorie- dade de sua existén inexoravelmente: ser tistrofe da doenea. Na sua investigago do inconsciente © na elaboragfio de uma teoria coerente do (ura interna preformada. Esta é ante- rior ao desnudamento provocado pela ir- io do agente patogénico que, deste », funciona como um simples reve- Uma tal crise, no. entanto, néo pro: duz. repercussées somente no individuo afetado pela doenca; afeta também a fa: iii, a tribo, a sociedade, todas as pes- soas que cercam o doente. Nao que estes sofram fisicamerite junto com aquele, lade que raramente se realiza; mas eles participam do seu desequilf- brio, da sua luta pela consecugio de um equilibrio renovado, através dos trata- mentos empreendidos com a finslidade, precisamente, de extirpar o mal ¢ de en- cerrat a crise, @ estruturacdo © os elemen- intes do “normal”. Além dis ma verdadeira “re- ana” quando afirmou a relevineia destes fenémenos marginais estudo do homem; revolugdo no de operar um “descentramento” |, 20 inverter os valores atribui- dos normalmente 20 centro Percebe-se, ento, que todo tratamento se efetua sobre um fundo coletivo, e que a relagio médico-peciente, longe de se restringir a esta dualidade, engloba vé- ros fatores e toca outras vaviaveis aléma das téonicas objetivas de tratamento. Além do impacto social da doenca como crise, cabe ressaltar aqui um outro aspec- to, enfatizado particularmente por Freud. al” se véem reabilitadas co- ticas manifestagdes humanas, es- 5 clarecedores sobre a estruturagéo psfqul Isto significa abol fo radical entre normal patol6- ico, bem como # segregagao que @ 50- ciedade (isto é, nés todos) estabelece de- fensivamente entre ambos: se 0 patolé- gico revela a estrutura preexistente do normal, aquele nfo pode ser constituido de outros elementos, de uma outra “es- mo um revelador cendo ao nosso entendimento amplas pos- sibilidades de penetragio na natureza humana, Se tentarmos agora definir positive: que € a doenga”, encontramos sérias dificuldades — as mesmas, aliés, que enfrentamos quando se trata de de- finir a “sade”, Esta, classicamente, se caracteriza pela austncia de doeneas ou disfungées orginicas (ou eventuelmente jeas), 0 que nfo deixa de ser uma definigao circular, além de referirse @ ‘uma nogio meramente estética de sat de. Ela néo pode ser concebida como ‘um. estado, mas representa um proceso evolutivo, em transformagfo perpétua, conforme & esséncia da prépria vida. Pe ra falar com Goldstein (citado por Vale- brega), trata-se de um “processo de ago métua do homem e do munc stuado numa permanente interagio “or- rigorosa do que seria a sade. jembrar a ob- ie(@), para “equilibrio sanitér Podemos, a este respeit servagio paradoxal de 6 _ tltima — dimensées 4 quem “a saéde 6 um estado raro, mas nem por isso patolégico”, o que ilustra bem o dilema ¢ a insu! sbordagem meramente epidemiol6gica, 2 feerto que podemos elaborar estatisticas sobre a ocorréncia de tal ou tal meno métbide, sobre a sua prevalénc numa populagéo dada ou sobre as ca racteristicas das pessoas preferencialmen- te afetadgs; mas todos estes dados quan- titativos “hao nos ensinarZo nada sobre a vivénciazexperimentada pelo doente, 80- bre sua transiglo da sadide para a doen- g2 € sobre a relevancia existencial desta alivas © pro- priamente antropolégicas. Idades, no entanto, nfo (roduzir algumas dis- ela representa uma perturbagto -orgdnica, a “afeccio”, infecciosa, in ‘matétia ou funcional, como ¢ aborda ina de inspiragao anétomo-pa- tol6gica. E Obyio que nfo pode ser questio de negar ow minimizar a importincia do enfoque intraorginico; os prodigiosos progressos das disciplinas biomédicas des- de 0 séoulo pasado testemunham sufi- cientemente 0 aleance e o carter impres: cindfvel da abordagem “natural rém, ela é insuficiente quando se trata do ser humano, 2 indivisibilida- ide de sua globalidade psicossomética: to de alteracées orgénicas, biol siolégicas, quimicas ¢ psicoldgicas, mas diante de um doente. Este nfo so deixa reduzir a um simples portador da doen- nivel de uma inter- ga, a ser tratada vencio “veterin Em segundo luger, pelas razdes j@ evocadas, 2 doenga produz, além das al- teragées orgfinicas, todo um conjunto de perturbacGes ‘modificagées da dinami intraps{quica e de reagdes corresponden- tes, quer a nivel do comportamento ob- servével, quer proteladas ou manifes- tadas indiretamente, Tais repercuss6es, produzidas em qualquer doenca pelo aba- dda pessoa, intimo do vertentes, cuja separagio corresponde mais a uma necessidade didética do nos- jento do que a uma constata- ago orgénica, ividuo que é afetado em jade, conforme a sua ex truturagiio| i vvencia hist titucionalmente determinada, Aum ter ivel, devemos Jevar em conta as repercussdes je téncia do homem, Qualquer alteragio num individuo produz mudangas nos sis- temas interacionais dos quais faz parte, ‘mantendo com eles intensos vinculos afe- tivos ¢ cognitivos. A compreensio des- tas mudangas é de suma importa fa investigago do fendmeno “doen Em vista destas trés pondentes & global ensbes, corres iade biopsicossocial estudo do cadéver, mas no no set vivo. Os processos intra ¢ intersubjetivos sio partes integrantes da doenga humana, aluando em seu surgimento, sua evolu gio e seu declinio. Sao eles que determi- nam a dimensio antropolégica de sua ocorréncia. Podemos afirmar, pois, que a doenga izer entio que, a0 nivel hu- mano, ao nivel de prética médica, a doen- ‘ga, mesmo mais organica, envolve sem- pre pelo menos dois sujeitos, para set re- conhecida, tratada e eventualmente cura que tra ta (ou estuda) a doenca. Este envolvimento, além de ser funda- para a compreensio da doenga, determina a maneira pela qual ela seré ia: ela sempre seré um mal a ser erradicado, mesmo quando abordado em uma vez que a fica & sso nos leva a fo bbrega, que a doenca “é algo que se pas- sa entre o doente ¢ aquele que cuida de- Ie”, {6rmula aparentemente paradoxal, mas I6gica quando se consideram as suas implicagSes intersubjetivas. Parado- que preside também & dificul- 7 dade constatada pare definir adequade- ‘mente doenga ou satide e, por conseguin- te, de cingir os limites entre normal ¢ patolégico, Os trés termos assim eviden- ciados formam 0 que Pouillon(10), mu ma tentativa de sistematizagio interpre- , chamou de “tridngulo terapéuti- ‘a doenga (0 “mal”), o paciente © joutor”. A relagio terapéut ifica conforme a idéia que — como quarto elemento — faz da “causa” do mal, bem como-de sua pre- ‘senga nfo somente no doente, mas tan- bém na pessoa investida do poder de gia” de uma cifrar pela andlise de seus costumes tera- peuticos. sso nos leva a questionar a relagio terapéutica como 1.2, A relagio terapéutien e suas implicacées Focalizar a doenga como um termo in- termedifrio, como algo que “circula” en- tre o doente e o terapeuta — e, portan- to, dentro da sociedade — significa foca- lizéla ao nivel da relagéo. terapéutica, nfo como sendo uma “coisa”, mas como tum termo relacional, que pode ¢ deve ser abordado fora de qualquer coisifica- Go, para que seja possfvel entendé-la na dimensio do proceso curativo. Neste processo, gabe distinguir trés aspectos psicolégicos, presents. simultaneamente na sua efetuagao ¢ determinando seu de- senrolar pelas implicacdes méltiples que ‘acarretam, terelacional es} raptutica propriamente dita (chamada, hoje em dia, mais freqiientemente, de “relagdo médico-paciente”, sob cia de Balint(11); nogdo de porém, deve ser entendida, no sentido amplo, como “homem de medicina” ou “homem curandeiro”). Af se encontram jdades com papéis bem de- lineados; um com uma queixa, motivo da consulta ou do pedido de tratament ‘outro com um certo saber que o hal Tita a praticar certas intervenc6es na do primeiro, chamado entéo “‘pacient ‘ofrendo” estas intervengdes do parceiro Percebe-se que, assim descrito, este vin- culo & singelo, distinguindo-se de out relagées humanas pela polarizagio ex} cita a respeito de passividade ¢ ati de, pedir ¢ oferecer, submissfio e domi nagfo, erenga © saber. Em segundo lugar, temos que .consi- derar que as intervengGes decididas pelo terapeuta no concernem somente & doen- tga (pressuposta) ou ao “lugar doente”, mas interferem na vida global do doen- propésito da definigéo da doenca e 2 re- fencontramos agora como fator determi: nante do alcance existencial de qualquer interferéncia terapéutica. Em terceiro Iugar, devemos mencio- nar 0 aspecto propriamente antropoldgico inerente & relago terapéutica, ou © fundo irracional constituido de ‘eren as acerca do pada do homem moderno, como de- ‘monstra, por exemplo, a anélise do fen6- meno de identificago a0 personagem do médico. ‘Antes de snalisar sumariamente @ cura xamanistica para ilustrar este fundo an- , Fesponsdveis pelo seu teor antropol6gico, Sua compreensifo permi- liré perceber como elementos do pensar mento “primitive”, pré-l6gico, se fazem presentes em qualquer pedido de elivio ou de cura, mesmo nos dias de hoje. Em Particular, € preciso distinguir as diver- ‘sas concepedes (ou “crengas”) acerca dos fatores etiolégicos, bem como dos fatores curativos. Comegamos pela deseri¢ao destes dltimos, uma vez que eles deter tninam diretamente 0 desenrolar da re ago terapéutica. Se as consideragées acima desenvolvi- das nos Ievaram a falar de uma circula (70 da doenca entre 0 paciente © o tera elita, sob o fundo das representagdes que tegem as estruturas sociais, nfo hé avida que as diversas ctencas implicam ‘uma valorizacio privilegiada de um ou Bie! dos quatro tenmos dain cial 0, Cada um deles indica a presenca e certos elementos antropoldgicos, cujo tonjunto constitui o “fundo” sobre 0 ual se desenvolye entio a relagdo tera- petit 1. Assim & que se pode enfatizar a presenga de forgas ou valores sobrenatu- fais no processo de cura, o que & pré- tio de uma concepeao “sacerdotat” (Va- labrega) do exercicio curativo. Dando priotidade a estas forgas, a cura seré ‘igeada na fé, numa atitude religiosa que sustenta uma dupia confianea no te- fapeiita: confianca no seu poder — nu- ma petspectiva animista facilmente atri- ‘buida a forcas mégicas, demoniacas, ex- ttatettesttes — e confianga na sua in- tengo benevolenie. Do seu lado, 0 “mé- se sentird engajado totalmente no ‘ato médico”, obedecendo a uma obtiga- . No caso onde os dica mesmo contemporéinea. No entanto, esta prética no sera mais, fem nossa época “esclarecida”, colocada de forcas sobrenaturais: mento renovado da confianca no médi- co, de um lado, de sua di lade © da seriedade do seu engajamento, do outro. Mas tanto o embasamento reli sioso quanto a exigéncia ética referem-se a valores, transcendendo, portanto — ‘mesmo na medicina “naturalista” — a apreensio empftica de uma doenga “ob- jetiva”. Eles sfo oriundos de uma certa concepeao do homem e do seu relacio- namento com os outros eo mundo, con- cepsio.onde dominam os fatores da con- lade na busca harmoniosa. Nao nos parece aberrante entiéo cha- mer esta concepséo, assim entendida, de sacerdotal, embora nfo mais no sentido de invocar diretamente a intervengio de forgas mégicas, mas de forges baseadas — pelo menos aparentemente — no sim- ples impacto psicol manas de compreensio ¢ de disponibili- dade, Veremos, entretanto, que 0 aspec- to da confianga, por exemplo, é deter- culturalmente diferenciadas. De outro la- do, € dbvio que a concepsto sacerdotal fende hoje a desaparecer, 8 medida que a orescente especializacao ¢ tecnologiza- 9 gfo da medicina esvazia 0 ato medical da sua configuragio humana, Isto, toda- via, no impede que este primeiro ele- mento antropol6gico procure outros ca minhos de expresso, as yezes através de préticas nem sequer disfarcadas. podemos, nesta eircula- elementos do trigngulo mencionar concepgies cujas impli antropolégicas coneernem & doenga como tal. Esta se deixa ‘eompre- ender — ow explicar — segundo dois eixos fundamentalmente diferentes, em- ora cabfveis de se sucederem ou mes- ‘mo de coexistirem. © primeito eixo € tri- butério de uma concepeao filoséfica ow ontoldgica, procurando penetrar no ser das coisas, ao Tongo de percursos espe- terapéur possuir, que se vineula diretamente com tuma coisa material, sendo que este vin- culo € concebido como de natureza me- efnica ¢ causal. ‘A concepgio ontolégica entende ent a doenga como sendo unt mal, misterio- so, de origem césmica, universal ou lo- cal, € que entra em choque com a aspi- ragio do homem 2 felicidade © & auto- determinacao. Necessariamente, uma concepgio des- te tipo refere-se a um sistema axioldgico, isto é, @ uma cosmovisio que mundo em entidades conflitantes, polati- zadas em volta do bem e do mal. En- tre elas o homem hé de se situar: néo ogra subtrairse ao sew impacto, nem & uta implacével inevitavel que elas tra- vam entre si. © homem e a sociedade nada mais so, entdo, do que o palco desta luta, inerente & prdpria natureza — 10 natureza esta concebida numa linha ani- mista, incluindo seres humanos, espiri- tos e forcas mégicas de diversas proce- déncias. ias_gregas, no infcio da era ram bem a concepefio do homem como um ser exposto © envol- vido, trégica e fatalmente, na luta de po- téncias divinas que o ultrapassam, em- ‘bora detegminando o seu destino. ‘As duas crencas etiolégicas universais, a serem tratadas abaixo, arraigam-se nes- te complexo de representagdes ontolégi- cas da doenca. Segundo Canguilhem(12), fa hist6ria da medicina demonstra uma oscilaco permanente entre © enfoque on- tol6gico ¢ o enfoque mecanicista, sen- do que o segundo nunca conseguity, nem no perfodo moderno, suplantar totalmen- te o primeiro. Na concepefo mecfinica, a doenga é considerada como resultante de certas causas objetivas que, hoje em Gia, sto facimente objetivvels, graces fs modernas técnicas de anél eg ic canteens esta abordagem o enfoque dinamico, a Pa de consideraghes sobre as fungdes ingées fisiolégicas, 0 que levou HL Ey(13) a falar de um “ritmo meca- ‘Apesar dos progressos impressionantes da medicina moderna, seu exercicio elf- co sempre ultrapassou seu corpus te6- he ae fa presenca de modelos on- toldgicos no interior das teorias mai clarecidas (ou as mais posi bre a etiologia das doencas nem 2 pesquisa mais “pura” fosse ca- paz de desartaigat certas representagdes “primitives”, nem do prdprio pesquisa- dor nem, menos ainda, da pessoa doen- te ou ameacada pela doenca. Aliés, como esta ameaca vale para todos os mi compreendese a presenca, até no pes sador de laboratério, de crengas “irracio- nais” de alta relevéncie humana. 3, Apresentase mais um aspecto an- ‘tropolégico quando se foceliza direta- mente a relagdo terapéutica sob 0 aspec- to da relagao interpessoal. Se € nototio, ‘como vimos acima, que um processo in- tersubjetivo faz parte da doenca, pelo fato de ela ndo se limitar a uma per- turbacdo intra-orgiiniea, nao devemos per- der de vista que este processo adota um matiz. especifico na relacdo que se esta- belece entre terapeuta e paciente. Esta relacfo, com certeza, nfo € unidireci nal, no sentido de provocar ou induzit tum efeito causal sobre 0 paciente, como se © médico fosse um simples agente instrumental do “ato médico”; mas, de outro lado, esta relago também nfo é reefproca, como poderia pretendé-lo uma certa concepedo “efusionista” do vinculo terapeutico. Este, de fato, € essencialmente assi- métrico, devido & “heterogeneidade fun- damental” das condutes e necessidades de ambos os protagonistas (Valabrega; yer 5.7,). Basta pensar, por exemplo, no aspecto da cot jd evocado, © que demonstra bem téncia de recipro- cidade; querer postulé-la dos dois Iados 6 propriamente descabido. Os fatores de heterogencidade so va- riados, embora todos dependentes da cir- culagdo da doenga e da finalidade do alo teraptutico, por cuja consecugio ele foi engajado: a de extirpar a doenga, 0 mal, Esta heterogeneidade, de fato, nfo € devida unicamente ao instrumentério nte — nem a evolugao técnica que conhecemos desde 0 Ela se deve a razdes mi tais do que & simples intetcalagio de aparelhos técnicos ou administrativos, im- pedindo ou dificultando diélogo com © paciente. Estas razdes sio precisamen- © que se dei- xa demonstrar tanto pela investigagio da relago xamanfstica quanto da relagio psicotergpica moderna, ambos tendo co- mo instrumentério “apenas” a fala. Temos entdo as resignaco, que testemunham a assime- tria da relagdo terapéutica, Esta se re- ela facilmente pela anélise desses fend- menos, que sempre se expressam atra- vés da lnguagen; Sob facetas de caré- tos (textos literdrios ou servagées foleléricas, etnol ciosas, pei terapeutica sob este angulo da assime- tia. Investigada em suas miitiplas ma- nifestagSes, esta revela o amplo universo das representacdes ¢ fantasias que domi- ram a-telagdo, conferindo-the um impac- to de ordem antropolégica © estudo das fantasias que cercam 2 relagio terapéutica langa Iuz particular. iva sobre as suas implicagGes psi- is € antropolégicas, na maioria in tes. Estas representam o “fundo” ial se desenrola o processo in- tersubjetivo particular da relago médi- YW ca, Destaca-se, nestas fantasias, 0 aspec- to da ambivaléncia que carecteriza a fi- gura do terapeuta: ele € autoridade si- ‘multaneamente venerada ¢ temida, o que provoca tanto a submissdo passiva diante de suas intervengdes, injungées © vere- ditos, quanto a revolta, em geral & sur- dina, contra 0 seu suposto poder. Cons- ta que este poder é atribufdo a ele co- mo também efetivamente exercido por mas num real deformado pelo imaginario individual e coletivo de uma populacso dada Dentre estas atribuigGes imaginéries iltrado, enriquecido € que so projetadas no “curandeizo” (de fato, trata-se mais de projegdes incons- cientes), cabe ressaltar 2 da onipoténcia magica, fantasia que participa, invarié- yel mas secretamente, de qualquer en- contro com um médico em exercicio do poder que the ¢ conferido pela socie- dade. Esta onipoténcia nao deixa de ser uma extrapolagao da crenga infantil ¢ animis- ta no “poder da mente” e na possibili- dade mégica de exercer influencias deci- sivas, benignas ou malignas (eis nova- mente a ambivaléncia) sobre outrem, & distancia e independentemente das condi- g6es espaco-temporais concretas. Contu- do, se uma tal extrapolagao se torna pos- sivel ainda no adult elementos infantis e tem nele, sem que ele saiba da sua exis- m da maneira como eles deter- minam, no caso aqui evidenciado, seu encontro com 0 médico, Convém mencionar alguns aspectos propriamente psicolégicos deste enredo fantasmético acerca da relacio terapéu- fica, Trata-se dos mecanismos de defesa 12 — dos quais jé assinalamos a projec, sem divida 0 mais primitivo deles — que estruturam qualquer relagio inter- subjetiva, mas que se expressam através de modalidades particulares, quando ¢s- ‘tio na mira dos fendmenos da doenga da cura. Crises existenciais como as doen- ‘gas ameagam 0 equilibrio e até a vida da pessoa, 0 que leva facilmente a uma exacerbagip das defesas. Mas, de outro Jado, @ relacio terapéutica oferece tam- bém cerlas vantagens afetivas (os “be- neficios secundérios” de Freud), 0 que pode suscitar no paciente 0 desejo de permanecer na doenga ou de se in rela para usufruir destas vantagens. ‘uma. aplicagio bem conereta do prin pio da circulacio da doenga, quando cla se toma um objeto de troca e mesmo de chantagem para obter gratificagses que, fora dela, fariam falta & pessoa Todos estes aspectos, embora gicos, tém relevancia antropol6gica, pelo fato de emanar do mesmo conjunto de fantasias que determinam ou até consti tuem o psiquismo humano. Neles, o ima- ginério se sobrepée ao real, tentando con- ferit-lhe conotagées e explicagSes huma- de congelarse num mundo de fantasias individuais facilmente alienantes. ado a relagio tera- menso antropol6gi do terapeuta, ou melhor, 0 seu papel so- cial e 0 seu p Nao hé-dévida homem-médico usuirui de certos ibal, seja na sociedade hodierna. Estes Thé conferem um status espe- que acarreta, entre outras con- bemos que eles representam, para Freud, complexo nuclear” do Edi- po, caracterizado pela aria tuniverso de ‘cenaco ou simbolizacdo destas represen- tages nos rites e ceriménias de uma tei- isento notadamente da observancia de tabus a serem respeitados pelo resto da tribo. Em “Totem e Tabu” (1912) (14), fundamen- essencialmente ‘uma sintomatologia da ambivalénci ‘Tanto pata o curandeiro (ou “xami quanto para o médico moderno, certos tabus no vigoram. Assim que ele tem, por exemplo, 0 direito de examinar o corpo do outro, de ver a sua nudez. € de entrar em contato direto com a doen- ga ou com aquelas forcas maléficas con- sideradas como responsaveis pelo mal-es- tar da pessoa afetada. De modo seme- Ihante, 0 tabu da morte ou da contami- nago pelos agentes patogenicos nfo vale microrganismos temerosos. Mas se ele sabe lidar com estes, € que dispoe, além do algo sus- De fato, como gerentir que néo ard esta intimidade com ‘as forgas 8 contra o paciente, isto é, se co- Tocando a0 servigo daguelas que pare- mo aliado do que com seus poderes terrificantes, dos tabus da sociedade, ele exerce suas funodes num “‘isolamento espléndido”, izavel para o fortalecimento de suas posigdes sociais, do seu prestigio e de sua veneragio a distinci , a insis- tGncia sobre a confionga no terapeuta bem que pode ser uma espécie de for- magio reativa para encobrir esta des- confianga arceica, hoje em dia conside- rada anacronica, visto que 0 fundo an- tropolégico da ambivaléncia 6 pouguis- simo consciente, Além da suspensio de tabus, 0 exer- cicio medical moderno se caracteriza ainda — pelas mesmas razGes, emanen- tes daquele investimento ambivalente — pela solenidade de sua encenaco, pelo prestigio atribufdo a sua autoridade, pela espera f ante que cerca 13 © atendimento, pelo manuseio do dinhei- ro, das regeas de pagamento € dos prin- cfpios profissionais que regem a con- duta tanto do terapeuta quanto do pa- ciente — conjunto astuciosamente arti- culado, investigado, no seu equilfbrio aparentemente irracional, pelo trabalho de Valabrega e outros. Resumindo estas consideragées, pode- mos dizer que a visto social da doenca depende da organizagao © da éyolugio de uma sociedade pe > apesar de certos elementos “primitives”, arcaicos, animistas e mAgicos estarem sempre pre- sentes, determinando a maneira pela qual o individuo aborda © fendmeno da doenga ¢ da cura em geral, a sua doenga ea sua relacdo terapéutica em particular. no que diz. respeito as duas otencas etio- 6gicas universais, de importincia pri- mordial para a compreenséio antropol6- gica da relacio terapéutica. 1.3, As duas crencas etiolégicas universais A prop6sito das representagdes mentais logia, as “causas” da doenca, mentais, de origem arcaica, mas presen- tes ainda na medicina moderna, Trata-se sem dévida de representagies cujas es- trutures © expresses correspondem a es- orientam a cosmovis’o do homem — e particularmente sua concepco da causa- lidade —, a partir de esquemas simples © universais do entendimento humeno, Estas duuas modalidades esbocam-se em conexio intima com a vivéncia corpo- 14 ral, tocando a, progressive. diferenciagiio eu e no eu, dentro e fora, corpo pré- prio e mundo ambiental. Capital para a sobrevivéncia do individuo, para a sua maturagio e emancipagio da protegfo ‘materna, esta distingao determina de mo- do essencial as concopgées axiolégicas sobre as “causas” da doenca ou do mal. Estas podem, por conseguinte, situarse dentro ou, fora da pessoa, emanar do préprio cérpo ou assaltélo do exterior, segundo gs pormenotes psicossociais que regem as representagdes mentais num da- do momento. Porém, este esquema dualista dentro/ fora constitui um dado antropolégico fun- damental que ultrapassa de longe as eren- gas etiol6gicas sobre a origem do mal Basta citar, por exemplo, o problema da percepefio do mundo externo © os rios diferenciais para distingui-la da ilu- esta que s6 se deixa ope- Dalas em termos mais modernos as duas concepgies abordades, percebe- ‘mos, de um lado, uma concepgao exé- f@ saber um agente paté- geno, a ser extirpado do set corpo, se no da sua mente, . Percebe-se que estamos cepgies de origem animist ferirlhes um sélido embesamento fico (pensamos, por exemplo, na gia por infeccio microbia ela pode ser dupla ou mesmo mi em varias fra pessoa ou num “lugar” especifico, determinado pelo conjunto das crencas de uma populagio. Para apteender as formas concretas légicas, 6 im- vel enfatizar alguns as- pectos particulares destas crengas que 10s, universais em suas for- mas gerais Segundo certos antroy Clements, por exemplo, ca em uma causelidade interna, divuilga- da sobretudo através da idéia da perda de uma parcela de si mesmo, em geral a alma, roubada ou extravis seqiiéncia de certos atos. A sesso por um espirito maléfico e, em seguida, aquela da infragio de um tabu como causes de serminado estado doentio seriam relativamente recentes na evolugio das representagées humanas so- bre a etiologia, Conforme 0 contexto comunitério do hhomem indigena, estas representagées nao se limitam a imaginar ages individuais, uma vez que se cogita uma grande con- iidade entre 0 individuo © © mundo circundante. A doenca ou o mal que vém atecar um individuo de fora, ataca também a sociedade, sendo que o pri- meito dispoe de uma existéncia propria fora da comunidade, fora dos lagos ¢ fungdes criedos por ela. Por conseguin- doenca, 0 estado mérbido social que perturba a sociedade inteira, tendo entéo que ser tratado a nivel de tica, descrita abaixo). Destarte, a representacio da doenca ancora-se numa visio ontolégica © axio- Iogica de forgas benéficas e maléfices que movimentam 0 universo, © que conseqiiéncias profundas sobre a atitu- de do ii 10 diante de sua doenca, bem como sobre sua perspectiva terapéu- tica, Destaca-se dos dados antropolégi- 08 citados que a doenga it das representagdes implici- tas que o homem se faz de sua pr ¢0 no universo, Nao é surpreendente entio a obser- vacao deste autor, que o sucesso da teo- tia de Pasteur sobre a origem microbi: nna das doengas infecciosas seja devido, 15 je no pensamento médico, sendo vvas descobertas sobre as doengas infec- ciosas, parasitérias ou de caréncia for- talecem as concepgies exdgenas, em opo- sigo 0s progressos dos conhecimentos sobre distirbios endécrinos e outras ‘di fungdes”, corroborando as te: mistas ou funcionais ¢, portagto, end6. ‘genas. Contudo, em ambas as concepg6es, des tacase a compreensio da doenca como uma situaedo polémica, quer a Iuta do ‘organismo contra um agente patogénico estranho, quer a luta interna de forgas antagonistas que se afrontam, Em consegiiéncia desta concepgio axio- I6gica © maniqueista, a doenga como mal € fregiientemente encarada como uma punifo. Concebida como castigo ganga de um inimigo ou perseguicio de tum elemento malévolo, ela corresponde suposto, Se afiteneapeesT asain ividuo ou da comunidade. Neste a Rese “cura”, 0 processo te seja ele psiquico, somatico ou Percebe-se que estamos af um mecanismo que, na psicologia mo- 16 dema e particularmente a partir da psi- candlise, é tematizado sob 0 nome de projecdo. Arrancando o mal — ow a cul- pa — de si mesmo, ele € projetado no outro, isto é, lancado, arremessado nu- ‘ma pessoa ou num objeto adequado que, por sua vez, se toma contaminado pelo mal, enquanto novo portador de uma cul- pa que paira desde sempre sobre os ho- mens e que tem de ser eternamente redi- mide. Basta lembrar aqui o ritual do bode expiaidrio, bem conhecido graces importante também na psi- cologia do homem moderno. Pode-se dizer entio com Valabrega que © homem (primitivo) vive num combate perpétuo entre o bem e o mal, sendo que a doenga corresponde a uma cena privi- legiada desta altercagio:. se a docnga é um mal, o doente € 0 lugar onde as duas forcas se confrontam, deixando-o com- alido ¢ debilitado sob a veeméncia des- ta beligerdncia transindividual. Por con- seguinte, 0 proceso de cura visa preci samente deslocar 0 lugar de combate pe- Jo recurso ao mecanismo facilmente xi- tualizado — embora hoje muito mais in- consciente — da projecio. Neste contexto, cabe mencionar a pro- blematica da culpabilidade. Na visio psi- canalitica, 6 pelo reflexo da cilpabilida- de que o homem cria os deménios ¢ ou- tros espfritos melevolentes, para poder projetar neles a participagio pessoal na ide pelo acometimento. Ele tenta assim deslocar para fora sua pré- pria culpa, emanente da complacéncia para com 0 set desejo © suas intengGes agressives. io de uma doenca a um cas- corriqueira entre criancas (“bem pais © ctiancas, quan- ‘a doenca, por exem- Blo, como uta punigfe porter devobe- ido. ‘uma doenga incurével, que ele esteja “condenado” (ou “desen- ganado”) — aparentemente mero cos- ‘tume da linguagem popular, sem signi- ficagéo mais profunda, Contudo, sabe-se palavras nunca sé0 gratuites ou expressase ainda no fend- meno de procurar um agente responsd- vel — e facilmente’ personalizado. — quando alguém adoece, procura esta que surge espontaneamente, tanto da parte do doente quanto dos seus familiares ot vos, sendo que 0 culpado consegue as vezes comprovar sua inocéncia ¢ rej tar a responsabilidade sobre outro ele mento, em fun¢fo ainda da evolugéo da propria doenca. Quanto mais dencia de maneira soa adoecida continua sendo, até nos procura de um cul- jlogia espontainea é a ipabilidade se _mani- m consultar reconhe- © aspecto da festa ainda pela hesi uum médico, ato que off cimento da doenga, Uma pode, evidentemente, ter varios motivos, como 0 medo do médico ou 0 receio de uma revelagio desastrosa (preocupagdes que nfo carecem de implicagdes antro- poldgicas); mas, freqiientemente, consta- de um sentimento de ainda, de vergonha em doenga — como se esta ymente vergonhoso, re- provado pela sociedade, mas também pe- Jo médico, enquanto seu representante autorizado. go por causa do seu contedido sexual, representa, pot assim dizer, 0 protétipo do adoecimento por transgresséo, uma dissimulado © mais inconsciente, a saber, o sentimento de culpa e a secreta necessidade de castigo por ter infringido, sociedade, onde sempre cabe a0 indivi- duo a repressiio dos seus desejos agres- i visa destruir 0 outro leangar um poder so- bre ele. Repressio esta que nunca est completa ¢ bem-sucedida, 0 que deixa precisamente surgir a culpabilidade, Co- mo 0 individuo precisa desta pata po- der controlar a sua propria agressivida- de, a “desculpabilizagio” nfo é tarefa {cil — como bem sabem os psicotera- peutas — podendo encontrar éxito com maior facilidade quando encenada sob forma de ritual social, contando com o apoio do grupo inteiro. O rito ja men- cionado do “bode expiatério” € aqui um exemplo significativo. Se a nogio de contégio por agentes microbianos representa 0 protétipo da moderna etiologia exdgena, ela é recente apenas sob aquela forma objetivada que, precisamente, se enraiza numa con- a. A idéia de con- wagfio. por um ele- ‘mento maléfico externo, de-fato, se en- contra sob vérias formas nas diversas populagées tribais das quais temos hoje conhecimento. Mas, conforme as repre- sentagGes axiol6gicas do universo, com- pete 20 contdgio uma dupla fur patogénica (centripeta) e a terapéutica 18 (centrifuga); se a doenga tomou conta da pessoa em conseqiiéncia de um con- tagio de fora, ela pode se 1 terapéuticos encenam este jento de expulsar a doenca at ‘um outro, procedimento este falava,*s propésito deste processo de cura baseado na transmissio da doenca, de “ransferéncia” do mal para outra pes- soa, pelo intermédio do curand. cipitaria a sua transmissGo, muites ve- es assumindo ele mesmo a doenga, an- ara uma outra pessoa. Destarte, constatamos mais uma vez 4 I6gica inerente a estas prit indestrutivel; a doenca, por conseguinte, somente poderd ser transferida para um outro qualquer, mas nunca seré comple- tamente climinada ou destrufda. No mundo modemno, verifica-se a pre- senga desta dupla funcio do contigio até ‘numa prética médica profilética do maior alcance: vacinagto. Esta, como se sabe, baseis-se no principio de conta- minar a pessoa tum pouco, para que erie ticorpos com um elevado poder de izaco contra determinada doenca contagiosa. Assim é que a pessoa, para se livrar da doenga, contamina-se a si mesma a0 invés de contagiar uma outra, sendo que 0 curandeiro — ou aqui o médico — intervém novamente como 0 agente intermediério que transmite 0 efeito teraptutico. No entanto, aqui o sew papel ¢ invertido, uma vez que é ele mesmo quem contagia a pessoa pela inoculagao da substincia patogénica, o que sublinha bem a dupla fungao de que 6 investido o terapeuta. Na imaginagéo popular — da qual, no fundo, nés todos participamos — ‘le lida, pois, com poderes excepcionais ott até mesmo sobrenaturais, utilizaveis para o bem ou para o mal do paciente, dependendo da boa yontade do terapeu- ta, Em outras palavres, a figura tanto do curandeiro antigo quanto do terapeu- ‘2 moderno € considerada com um certo femor © com desconfianea, as vezes nem ‘mesmo dissimulada; ela suscita umia pro- funda ambivaléncia por causa desta sua ligago com as forgas do mal, maneja- des fora de qualquer controle do indi- viduo interessado — ou pelo menos sem que possam ser controladas aquelas ati- tudes que se enraizam em crencas irra cionais © animistas sobre a etiologia ¢ a cura das doencas. © médico, portanto, tem o direito © poder de fazer o mal para fazer o bem, mas paga para esta sua prerrogativa o prego da desconfianga dos seus sécios, ‘muito embora compensado, em geral, pe- la auréola que envolve sua posicao. ‘Uma prova da presenca desta ambi- yaléncia também nos tempos hodiernos, € encontrada na resistencia freqiiente- mente observada contra a vacinagio & que, as vezes, adota a forma.de verda- iras campanhas populares contra as as acima sobre a crenca animista in- consciente, concernente & etiologia das 0 mal doengas. Para o inconsciente, p ‘tem que ser expelido do corpo © tido em outros, razo pela qual a idéi da protesao profilética por autocontégio ndo encontra compreensio facil. Ela po- deré até ser combatida pela racionaliza- io, perfeitamente I6gica, “que o mal é sempre 0 mal” © que nio ha excegio para esta regra, visto que o mal é um problema ontolégico © nao quantitative. A luta contra esta conviceao, “aberrante” © coerente ao mesmo tempo, seré bem- -sucedida sob a condigéo de inclinar o balango da ambivaléncia para 0 Iado da confianca, conseguindo fortalecer esta, enquanto contrapeso & racionalizago © seu fundamento irracional, ‘Um dltimo exemplo referente a0 con- tégio diz respeito & crenga, divulgada iinda hoje em certas camadas da socie- dade, de que um homem com doenca venérea tem que contaminar uma mu- sm, para ficar curado. Segun- do esta idéia, cle deve transferir o mal contraido de uma outra mulher (com quem sabe), para intengGes_malé uma mulher “pure xual e sem pecado, apta, dese modo, a se carregar do mal e a purificar seu ‘renga paralela, Iher deve, para se livrar da doenca, man- ter relagdes com muitos homens, que com a expansio da AIDS, esta pro- blemética conheceu recentemente uma nova conflagracio, onde afloram com certeza numerosas representagdes. sobre facilmente encobertas pela sociedade mo- pela tecnologia pelo progresso 0, mas que se revelam em mo- mentos de crise: quando a pessoa se vé ameagada, recorre espontaneamente 2s crengas antropol6gicas sobre a etic das doengas, para assim poder explicar ificamos, em seguida, estes ‘mentos antropoldgicos em redor da do ga.e do processo teraptutico pela andlise da cura xamanistica. 1.4. A cura xamanistiea como modelo da relagio terapéutica A relagdo intersubjetiva particular que tados acima, notadamente a circulacio da doenca no i do curandeiro. A primeira é atestada pe- Jas proprias priticas terapéuticas do xa- mé, em geral encenadas com o respaldo 20 do grupo e concentradas na. extirpagéo da doenca do corpo do paciente. ieee falar a este respeito de exte- fato desta transferénc mégica do mel basear-se essencialmente na sua projectio ara um outro, objeto ou pessoa. Apa renteniénte, trate-se af de uma projegto defengjva visando o bem do individ acometido pelo mal, mas percebe-se fe- cilmente que aspectos agressivos inter- vvém igualmente, sendo que a atribuicio do mal a um novo portador nfo passa de uma certa violéncia. Ali fi se encarrega sit € com 0 propés vio répido a0 doente para, em seguida, transferir o mal para um terceiro. além do mecanismo de pro- a.com 0 paciente, en- dossando transitoriamente seu mal. Se- gundo certos observadores, as vezes € € curandeiro, a tal ponto se confundem seus papéis no ritual terapéutico. O pa assimilada pelo xa no process terapéut Zidos num outro para simbolizar, por este! movimento de projecio ¢ introje- (40, a transferéncia mégica do mal pera foté do doente. Porém, a circulagdo da doenca nfo se gota neste aspecto da extirpapio do corpo do paciente. F preciso vinculé-la com a morte © a’ sua representacio ani- fnista na relagio xamanistica, Exis ira xamanistica, como observa Valabre- 4; uma complexa dialética entre tomar ta doenga) © dar (a cura), dial qilil os papsis podem se inverter, mas nO a distribuicao dos poderes. Apenas Oléurandeiro dispde do poder de curar, cmibora capacitado em utilizélo nao-so- mente para a cura, mas também para morte: ole pode tanto curar quanto riiatar, ou pode mater (simbolicamente) Pata curar. E numerosos so os ritos 03 quais 0 doente (ou o xama ficado com ele) tem que morrer para poder ressuscitar curado, 0 que em que os poderes do xamé sfo ambi- los, em ligagdo intima com toda uma Hepresentagao da circulagio da morte. ©’ Ris uma das raztes do temor que a figura do curandeico inspira (néosomen- 18/0 xamd antigo, mas tambéin o tera feuta moderno), devido fermedidria entre a vida e a morte, en- ‘fe @ savide © a doenca, com poderes ex: tteordindrios que The permite a clreula- que mantém e manif fortanto uma faca de The confere a face dup! gumes, 0 que ji mencionada, Percebemos, ento, como a ambivalén- cia, pela qual 0 homem comum encara © terapeuta, esti intimamente ligada & cireulagao da doenga (e da morte) na sociedade; 0 homem-medicina represen- doentios ou do na doenga e na morte. Ble tem que sofrer, por exemplo, uma morte simu- Jada, encenando uma agonia que pode es- tender-se por varios dias; em outtos ri- tuais, tem que conviver em contato pro- Jongado com um cadaver para acostu- arse A presenga da more — 0 que de lembrar a prética da au- fo médica moderna. Entretanto, se estas préticas inici eas tém como propésito familiarizar 0 candidato com as forgas do mal, elas vvisam também preparé-lo a suportar a gem mais moderna, podemos dizer que © seu “eu” tem que desaparecer, para que consiga fusionar-se com a sua fun- ‘fo, exercend ‘ractransferenciais” incontrolados interfi- ram em sua ago terapéut Lembrar estes aspectos aqui deve bas- tar para evidenciar a presenga de todos estes elementos antropolégicos na rela- so terapButica moderna; a cura xama- a4 nistica, embora totalmente transformada manifestagdes modernas, repre~ até hoje o micleo da relagdo tera s Tatentes que aflo- levantes do xamanismo, pessaremos & descricio mais concreta da cura x desenrola entre o nami o 0 dosnt, Esta pode consistir num contato direto, , por exemplo quando o membro rado; pode consistir na simulago de um combate contra as forcas do mal respon- sdveis pela doenga ou, finalmente, em certas encantacdes ¢ operagdes com 0 doente, que é deslocado de um lugar pa- 1a outro, implorado, exclufdo, perse ou purificado, até que seja “curado”, acompanhadas de rituais c&nicos, de can- uma linguagem. A populagio inteira participa deles, quer de modo passivo como meros espectado- res, quer, mais freqiientemente, de modo ative, revezando-se nos cantos com 0 pr6prio xem, A maneira do teatro grego. Se a expresso oral através de can tos, hinos, oragdes © ameagas esta cons- tantemente presente, representando 0 ins- trumento da tra o mal, manipulagdes orais participam simbotizando a extragdo (¢ a pro para fora) da doenga do corpo. Assim € que o curandeito pode sugar 0 mem- bro doente, a parte ferida,\para se cer- regar da doenga pela ingestio, antes de expelila para um novo portador, em ge- 22 Contudo, na perspectiva da relagao te- rapéutica moderna (sobretudo psicot pica), a expresso oral, isto é a utiliz fo da linguagem, 6 deveras mais impot- te db que a técnica oral. LeviStrauss ‘icado por uma tribo indigena do Pana- mé. Trata-se de um procedimento nio, mas uma forga benevolente, muito embora abusando, ds vezes, das suas fun- goes. Assim & que pode tomar posse da her para extraviéla do forgar 0 Muti a reintegrar com ela 0 cor- po da paciente, para que 0 trabalho de arto possa prosseguir sem dificuldad. pelo xema na sua busca do Mud, alma da mulher. izase 0 caminho (a vagi ercorrido pelo Mud, bem como sua motadia habitual, o titero, na qui © curandeiro tem que penetrar para for ‘gar 0 espirito a voltar ali. Nos termos de LeviStrauss, este itinerdrio represen- ‘uma “verdadeira anatomia mitica”; esta, todavia, no corresponde as formas reais dos 6rgdos genitais da mulher, mas bem mais a uma espécie de “geografia fa”, na investigagio da qual o gri- po oferece um importante apoio. # af, neste auxilio assegurado pelo grupo, que reside, segundo © autor, a chave para compreender a eficdcia des- tas curas xamanisticas — que, na maio- dos caso’, sio efetivamente bem-su- cedidas. Como & que uma encantagio, © uso de simples palavras e de encena- g6es simbolizando um itinerdrio imagt- nétio, pode resolver um problema oreé ‘como a mé posicao de uma crianga que esté para nascer? Como os proble- ‘mas objetivos, sométicos, colocados por um parto ou por uma doenca, podem set modificados por fatores psicol6gicos, ‘uma vez que estamos diante de uma ‘era “manipulagio psicolégica"? Para responder a esta pergunta ¢ para ¢ompreender 0 enigma da eficécia sim- , cabe analisar o desenrolar do ito € a Fungo preenchida pela assis- Yencia grupal. Numa longa introducéo (etca de trés quartos do canto), fala-se alma perdida da mulher, perambu- ido com Mui no mundo af fora. Esta ‘odugo, aparentemente supérflua, vi GH de fato levar a parturiente a identi ficar-se com a procura do espitito per- io, bem como a identificar-se (nova- te) com a tribo ¢ a sua cosmovisao, qual a paciente teria se afastado em fisequléncia das dificuldades softidas. fitase, portanto, de abolit 0 proceso izacio” percorrido pela her, o que a fez perder a fé na capa- idade do grupo de resolver 0 sett pro- blema; trata-se de reintegrar a paciente € de restabelecer a sua confianca pela experiéncia da coesfio afetiva do grupo, na qual ndo podia mais acteditar, A introdugéo representando est quecer a distingdo entre realidade exter- na e interna, entre vida do grupo e vida vamente nos valores defendidos pelas is, representados pelos ri- tivo sobre a parturiente, produzindo as- sim uma experiéncia nova, a saber, 0 re- encontro com 0 respaldo afetivo do gru- poe a conseguinte reinsergo na sua cos- movisto, Destarte, a sugestio Teva nfo tértico sobre os sofrimentos da pessoa. Isto, sem divida, no deixa de ter um de uma intervengdo um efeito orginico — di todavia, nfo tem vez no mundo pré-car- 23 tesiano da crenga animista © do nosso fundo antropolégico comum, LeviStrauss levanta em seguida a ques- ‘tio de saber se a diferenca entre os mo- enguanto que os microrganismos ". Mas uma tal colocagio € reducionista deihais, des- conhecendo o alcance antropolégico da concepeéo animis i esta nfo se refere a0 modelo da causalidade como o faz a relagdo mi -doenga, mas a um con- junto de ages situadas a nivel simbélico. Néo se trata, pois, causalista ou natural lagio.simbol de uma relago xa de wma dada populagio. Ou seja, tals Ietivo criado em geragdes anteriores ¢ reconhecido pelo grupo atual como ele- mento fundamental da concepedo da vi- dae do universo ¢ da coesio afetiva do grupo dat decorrent cura xamanistica visa, deste modo, reintegrar 0 doente nas significagées do mito compartithado pelo grupo, reinte- gracHo esta que representa precisamente 6 efeito curativo da cura, pela reestru racdo que ela proveca no mundo ficativo do paciente. Ocotre assim uma verdadeira transformagao no seu set-no- -maundo; ele consegue re-situar-se no gra- po, sentirse aceito e acreditar novamen- te nos valores, sas vigentes, © que permite 0 reste- beelecimento nfo somente da ordem do mundo, através da cosmovisio grupal re- 24 encontrada, mas tembém da ordem orgé- nica do préprio corpo. Nos termos do autor, tratase af de ‘uma propriedade indutiva, pela qual uma estrutura — no caso, a estrutura mental da fé, da crenca coletiva — pode in- fluenciar uma outra, isto é, @ estrutura orginica, e produzir nela mudangas fi- jol6gicas sem nenhuma intervengao de agentes fisico-quimicos ou. microbianos, quico €,0 somético, Ambos podem ser compreendidos turas homélo- gas, sendo que a eficdcia simbélica con- siste neste efeiio produzido pele reatti- culagio de uma estrutura sobre uma outra. Nio pretendemos aprofundar esta con- cepgfio estruturalista de LeviStrauss. Ela assinala a compreensio da cura tanto ani- quanto psicoteripica pela referti cia & ordem simbélica, tocada pela v induzindo o efeito terapéut cangar a mudanga almejada — ow ai da, podemos dizer, pela localizagiio do resente em ambas as formas de terapia, Com efeito, pode-se afirmar que, na modernidade, a netirose corresponde a um mito particular construfdo pel dividuo para escapar aos seus conflitos e/ou ao peso da realidade(19). Jé numa populagdo animista, este mito nao de- corre de uma construgio € recebido como um bem cultural das geragées anteriores. Enquanto valor co- fo, ele pode entio ser utilizado co- na, 0 mito do neurétieo nao pode ser utilizado para este fim, mas deve, en- quanto sintoma, ser “desconstruido”; no se recorre mais a um mito coletivo © & sua encenagio, sob a pressio © com 0 apoio do grupo, mas & a propria relacio afetiva com o terapeuta, a chamada que funciona aqui co- transformador da viven- consiste precisamente © processo terapéutico, independentemente do contexto cultural © hist6rico. © cotejo esbocado por Levi-Strauss entre a cura xamanistica © a pia moderna ilustra adequadamente, a rosso ver, a presenga do fundo antro- oégico no homem modemo, Bra obje superadas pela ci- vilizagio moderna; pelo contrario, elas. nio foram superadas, mas freqiientemen- te soterradas, isto é encobertas pelo ra cionalismo triunfante da época moder- na, Basta, no entanto, prestar atencio a0 discurso popular ou de qualquer um dos seus membros, s suas representagoes, fantasias, jogos sonhos, para perceber do somente a presenca, mas a atuagio permanente de tais elementos, influindo diretamente na vivéncia da comunidade © do individuo. Devemos reconhecer entéo que exis- tem estruturas universais que fazem com que todos nés tenhamos percepedes idén- jcas ou pelo menos semelhantes, do mundo ¢ da vida humana; percepgies que criam representagies animistas aflo- rando, sobretudo, em toro da doenca, maneiras pelas quais el iano — scja ao ni gia clinica, seja ao nivel das micropato- logias de cada um — é parte imprescin- divel na formagio do futuro psicotera- peuta, Dependeré desta sua se cdo para a dimensio antropol6gi sua capacidade de ouvir e compreender © discurso dos seus pacientes além do lo explicito da queixa, onde 0 apelo a0 outro ndo se esgota, mas ape- r trabalhado e Bibliografia e notas 1, FRANKL, V. E. Fundamentos Antropol6- sicos da i 8 : Be fe 9 & & 3 2 mena, Em: Handbuch der Psychologie, vol. 8/1: Klinische Psychologie. Géttingen, Verlag fr Psychologie, 1977. 3. GADAMER-VOGLER (org.). Nova An- ropologia, vol. 5: Antropologia Psicol6ei- ‘ea, Sio Paulo, EPU-EDUSP. 1977. 4, HOLZKAMP, K. Pressupostos antropol6- sm LHomme, Invariants biologiques et tater culturels, Centre Royaumont tora Imago, 1976.) KUBIE, L. S. The fundamental nature of the distinction between normality and neu- rosis. Paychoanalytical Quarterly, 23/2, 15, CANGUILHEM, G. Op. cit. na nota (12). Mythe et Pensée chez les © capitulo $.: La caté- ranscrevemos o artigo tobre Xama- Enciclopédia Delia-Larousse (p. secundirios. O xami desempenha © duplo papel de homem-medicina © sacerdote, através do Sxtases que the permitem aban- donat 0 proprio corpo. Entre tribos n samericanas, © xamanismo engloba os pectos mais importantes da vida religis como na maioria das regides onde o fend- ‘© papel principal do influfncias piritos protetores e afastando. negativas”.

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