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FACULDADE DE DIREITO
GRADUAÇÃO EM DIREITO
FORTALEZA
2019
GRACIELE PALÁCIO GRAÇA SOBRAL
FORTALEZA
2019
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Universitária
Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Prof. Dr. Raul Carneiro Nepomuceno
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Prof. (a) Dra. Gretha Leite Maia de Messias
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Mestranda Geórgia Oliveira Araújo
Universidade Federal do Ceará (UFC)
A Deus.
Ao meu pai, Geraldo Felismino.
A todas as mulheres vítimas de feminicídio.
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, Geraldo Felismino, que representa o meu amor maior de uma vida inteira. São 19 anos
sem o senhor, mas não há um só dia em que eu não sinta a sua presença e o seu amor me guiando.
Obrigada por ser meu anjo da guarda.
À minha mãe, Conceição, por toda a dedicação a mim e aos meus irmãos. Obrigada por ser meu
porto-seguro e minha melhor amiga. Amo você de todo o meu coração.
Aos meus tios, Eudocia e Raimundo, que são como minha mãe e meu pai, bem como aos meus
primos/irmãos, Cleyton e Erisvaldo, por terem cuidado de mim com tanto amor. Vocês são, sem
dúvidas, um presente de Deus na minha vida. Gratidão por tudo.
Aos meus irmãos Gonçalo e Graziene que são meus maiores orgulhos. Amo tanto vocês, e sinto
saudade das nossas implicâncias diárias.
Ao meu irmão Eduardo, por sua amizade e cumplicidade.
Aos meus queridos avós, Chico e Maria, bem como a minha amada avó Gracília.
À minha tia Rita pelo carinho e afeto de sempre, bem como aos meus primos Matheus, Isadora e
Luís Guilherme. Amo vocês.
À minha prima Bruna, que tenho como uma irmã de coração, e à minha querida avó Beta.
A todos da minha família que sempre estiveram presentes na minha caminhada, e que tornam a vida
tão mais leve e feliz, em especial aos meus sobrinhos amados, Teo, Yan e Bruno, e às minhas
cunhadas, Indira, Diana e Brennda, por toda a amizade.
Ao Prof. Dr. Raul Carneiro Nepomuceno, orientador ímpar, grande responsável pelo meu contato
com o Direito Penal. Ser sua aluna, monitora, e agora orientanda, foram presentes da graduação
para mim. O senhor é um verdadeiro exemplo de dedicação ao magistério.
À Profa. Dra. Gretha Leite Maia, que me deixou muito feliz e honrada por aceitar o convite para
participar da minha banca. Seus ensinamentos em Teoria do Direito foram valiosos durante a minha
trajetória na graduação.
À Geórgia Oliveira Araújo, que gentilmente aceitou o convite para compor a banca, e me deixou
lisonjeada por saber que alguém que nutre a mesma inquietação que eu sobre a condição da mulher,
estaria presente na avaliação do meu trabalho.
Ao meu bem, Zenilton, por todo amor e companheirismo.
Às minhas amigas de infância, Bianka, Nalu, Flávia e Letícia, pela cumplicidade e amizade
verdadeira durante todos esses anos. Vocês são luz na minha vida.
Aos meus amigos, Bruna Gabrielle e Fernando Paes, por cada momento compartilhado ao longo do
curso. Vocês são um dos maiores presentes que a faculdade me proporcionou. Amo vocês.
A todos os meus amigos que compõe o grupo dos Ilibados, que tornaram os meus dias na faculdade
tão mais agradáveis. Sempre terei cada um de vocês em meu coração.
Aos amigos, Bruna Kelvia, Clara Marques, João Victor e Maria Taciane, por toda alegria e bons
momentos já compartilhados.
Ao meu amigo Gabriel, por toda a ajuda e incentivo em cada projeto, bem como à minha amiga
Débora por toda alegria e cumplicidade nos estudos do NECC.
A todos aqueles com quem tive o prazer de trabalhar quando bolsista na Procuradoria da UFC.
Aos que conviveram comigo na 12ª Vara da Justiça Federal do Ceará, e que me proporcionaram
valiosos aprendizados. Amo cada um de vocês.
Aos funcionários da Xerox, Caio, Xuxu e Marcelo, bem como ao Seu Odir, da Cantina, pela ajuda e
pelas boas conversas. Vocês trazem alegria para essa faculdade.
Ao seu Osvaldo, que tanto me apoiou na escolha do tema, bem como a todos os funcionários da
Faculdade de Direito que são sempre tão gentis e solícitos.
Às professoras e aos professores da Faculdade de Direito.
Aos meus professores do colégio, em especial à Antonella, a qual me ajudou muito para que eu
pudesse alcançar os meus primeiros objetivos acadêmicos.
A todos aqueles com quem tive o prazer de conviver durante a graduação, pelos momentos valiosos
de conversa e descontração, que tornaram os meus dias de estudo e trabalho tão mais gratificantes.
“No dia em que for possível à mulher
amar-se em sua força e não em sua
fraqueza; não para fugir de si mesma,
mas para se encontrar; não para se
renunciar, mas para se afirmar, nesse dia
então o amor tornar-se-á para ela, como
para o homem, fonte de vida e não de
perigo mortal.”
(Simone de Beauvoir)
RESUMO
O presente trabalho tem por escopo analisar a sistemática de proteção conferida às mulheres, para
garantia de seus direitos fundamentais, principalmente do direito à vida e à integridade física, sob a
ótica da vitimologia. Verifica-se que há um aparato estatal voltado a essa proteção, contudo, este
ainda se apresenta como ineficiente no combate e na prevenção desses casos. Isso se deve,
principalmente, à construção social machista e patriarcalista, que propiciou, durante anos, a
omissão, tanto por parte do Estado, como da sociedade, desse tipo de violência que acomete a vida
de tantas mulheres. Assim, pautada na análise crítica da bibliografia especializada, a pesquisa se
ateve à exposição e defesa de ideias que permitam uma aplicação das disposições penais referidas
às mulheres, sob um enfoque garantista, demonstrando a importância da aplicação dos preceitos da
vitimologia para tanto, visto que o Direito Penal é um ramo jurídico nitidamente voltado ao réu,
com poucas disposições que versem efetivamente sobre os direitos das vítimas.
This present work intends to analyze the systematic of protection directed to women to guarantee
their fundamental rights, mainly the right of life and physical integrity under the victimhood optic.
In fact, there is a status apparatus directed to this protection, however, it is still ineffective in the
combat and prevention of these cases. It accrue, mostly, to the sexist and patriarchal social
construction that provided, for years, the omission of the State as much as the omission of the
society to this type of violence that assaults the life of many women. Thereby, based on the critical
analysis of the specialized bibliography, the search was focused on the exhibition and defense of the
ideias that allow an application of the criminal arrangements referred to women under a guarantor
approach, demonstrating the importance of the application of the precepts of victimology for this
purpose, since the Criminal Law is a juridical branch clearly focused on the defendant with feel
arrangements that evidently discourse about the rights of the victim.
1 INTRODUÇÃO ….........................................................................................………. 13
2 ANÁLISE SISTEMÁTICA DA VIOLÊNCIA SOFRIDA PELA MULHER……. 15
2.1 Ciclo de violência ...........................................................................…………………. 15
2.1.1 Fase do Acúmulo de tensão .....................................................................…………… 16
2.1.2 Fase da Agressão……….……………………………………………………...…….. 17
2.1.3 Fase da Reconciliação ………………………………………………………………. 18
2.2. Tipos de violência praticados contra a mulher…………………………………….. 19
2.2.1 Violência Física………………………….……………………………..…………….. 21
2.2.2 Violência Sexual………………..…………………………………………………….. 22
2.2.3 Violência Patrimonial………………………………………………………………… 24
2.2.4 Violência Moral………………………………………………………………………. 26
2.2.5 Violência Psicológica…………………………………………………………………. 27
3 DIPLOMAS LEGAIS DE PROTEÇÃO À MULHER…………………………….. 31
3.1 Principais normatizações internacionais sobre o tema…………………………….. 31
3.2 Constituição Federal…………………………………………………………………. 33
3.3 Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006)………………………………………….…… 34
3.3.1 Medidas Protetivas…………………………………………………………….……… 36
3.3.2 Políticas Públicas para mulheres……………………………………………..……… 38
3.4 Decisões dos Superior Tribunal de Justiça…………………………………………… 40
3.5 Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015)………………………………………………… 41
4. VITIMOLOGIA E SUA APLICAÇÃO COMO FORMA DE PROTEÇÃO DA
MULHER………………………………………………………………………………………. 45
4.1. Conceito de Vitimologia……………………………………………………………….. 46
4.2 Tipos de vitimização…………………………………………………………………… 48
4.3 Vítimas vulneráveis…………………………………………………………………….. 51
4.4 Previsões normativas que tratam da condição da vítima…..………………………… 52
4.5 Prevenção e Redução dos efeitos da vitimização da mulher…………………………. 55
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………………………………………….…….. 59
REFERÊNCIAS…………………………………………………………………….…... 60
13
1 INTRODUÇÃO
Para tanto, realizou-se uma breve exposição sobre o histórico sociocultural que
propiciou esse quadro atual de violência e os possíveis desafios a serem enfrentados para
reverter, ou ao menos frear, tal situação.
O estudo, então, foi dividido em três capítulos, de forma a abarcar questões gerais
e específicas acerca da violência contra a mulher, elencando as previsões legais envolvidas.
Nesse contexto, um enfoque especial à Lei Maria da Penha foi dado, explicando-
se como seus dispositivos, em especial aqueles que tratam das medidas protetivas e das
garantias a um atendimento multidisciplinar, caracterizam um amparo especial e necessário às
vítimas desse tipo de violência, as quais se encontram numa situação de extrema
vulnerabilidade.
1 BEAUVOIR, Simone de. Segundo Sexo. Tradução de Sérgio Milliet. 4ª impressão. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1970, p. 74/75.
16
Nesse momento, a mulher ainda acredita ter certo controle sobre o comportamento
do agressor, e continua apresentando uma postura passiva diante da situação. Com isso, o
homem acaba aprimorando sua conduta ofensiva e de opressão, como bem observa o livro
Violência contra a Mulher, publicado pela Casa de Cultura da Mulher Negra:5
Essa fase caracteriza-se, portanto, por ser marcada por uma violência psicológica
intensa e situações iniciais de agressão física que já abrem espaço para a segunda fase do
ciclo. O ideal seria que as mulheres conseguissem se desvincular dessa situação de abuso já
nessa primeira fase. No entanto, isso dificilmente acontece, tanto pelo envolvimento afetivo
que há nessas relações abusivas, com a consequente crença de que é possível conter a situação
e o ofensor, quanto devido ao fato de haver uma errônea e perigosa ideia enraizada na
sociedade de que violência precisa necessariamente estar ligada a algo físico, que esses
abusos que tais mulheres alegam sofrer não poderiam ser caracterizados como tal. Contudo,
essa visão oriunda de uma sociedade machista e patriarcal tem se modificado ao longo dos
últimos anos, com a crescente e necessária atenção dada às mulheres nessas situações de
vulnerabilidade.
vítima se desvincular do agressor, mas também é a fase de maior risco, pois é quando ocorre a
maior incidência de feminicídios, seja porque durante as agressões perdeu-se o controle
absoluto da situação, seja pelo fato de a mulher decidir sair da relação e o homem, muitas
vezes, não querer aceitar essa decisão.
Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo demonstra que cerca de metade até
2/3 dos casos dos pedidos de ajuda para parentes, ocorrem após ameaças ou violências físicas,
mas que, no máximo, 1/3 dessas, se tornam denúncias. Isso demonstra bem a subnotificação
da violência contra a mulher, e como é nessa fase de agressão, que a vítima consegue ainda ter
uma percepção da situação de abuso na qual está inserida.7
Isso ocorre muitas vezes porque o agressor percebe que a mulher começa a se
desvencilhar da relação. Ele se utiliza, então, de uma postura de bom marido arrependido e
apaixonado para enganá-la, fazendo-a acreditar que aquelas ações violentas foram episódios
isolados, que não votarão a acontecer.
7 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5 ed. rev., ampl. E atual. - Salvador. Editora
JusPodivm, 2018. Pág. 31.
8 PENHA, Maria da. Sobrevivi...posso contar. 2 ed. – Fortaleza. Armazém da Cultura. 2012
9 Ciclo da violência. Instituto Maria da Penha. Disponível: http://www.institutomariadapenha.org.br/violencia-
domestica/ciclo-da-violencia.html Acesso em: 03 de junho de 2019.
19
A palavra violência é oriunda do termo latino vis, que significa força, ou seja,
violência seria o uso da força contra alguém para fazê-lo agir contra sua vontade.10
É importante ressaltar, também, que a violência não deve ser tratada como inata
ao ser humano. Os atos de violência estariam ligados a uma ideia de escolha, de decisão. Os
animais ditos irracionais é que seriam movidos pelo instinto, já os racionais teriam uma vida
psíquica consciente, pautada por uma tomada de decisões.12
Assim, uma violência não deve justificar-se como sendo uma mera resposta
instintiva a uma possível situação de risco, mas também como uma escolha do indivíduo em
apresentar tal postura. Em relação aos casos que envolvem violência contra a mulher,
inclusive, o que se percebe, muitas vezes, é que o indivíduo utiliza-se do seu maior porte
físico, ou de outras condições que lhes sejam favoráveis, para sujeitar a mulher a uma
condição de vulnerabilidade, situação essa vista, há não muito tempo, como algo aceitável
pela sociedade patriarcal e misógina apresentada. Trata-se, portanto, muito mais de uma
construção social do que propriamente de algo ligado a questões inatas ao ser humano.
Art. 5o. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
10 VERONESE, Josiane Rose Petry; COSTA, Marli Marlene Morais da. Violência doméstica: Quando a vítima
é criança ou adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 25.
11 BRASIL. OMS. Portal da Saúde. Tipologias e naturezas da violência. 2002. Disponível
em:<http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto. cfm?idtxt=31079&janela> Acesso
em: 30 de maio de 2019.
12 LINTZ, Sebastião. O crime, a violência e a pena. Campinas – SP. 1987. p. 29.
20
E, por fim, esse conceito ressalta ainda a importância que deve ser dada a
afetividade envolvida nesses casos, pois é essa relação de afeto que, muitas vezes, dificulta a
vítima de se desvincular do agressor ou até mesmo de perceber que se encontra numa situação
de abuso.
Ademais, é importante que essa forma de violência seja vista como um grave
problema de saúde pública, pois há estudos que indicam que as vítimas de violência
doméstica e sexual têm mais problemas de saúde, custos significativamente mais altos de
tratamento e consultas mais frequentes aos atendimentos de emergência durante toda a sua
vida, do que os que não sofreram tais abusos, devido ao caráter de continuidade muitas vezes
presente nessas situações, o que propiciaria uma repetição da violência sofrida, bem como
pelo fato de deixar marcas profundas nos diversos âmbitos da vida de quem passa por isso.13
13 Linda L. Dahlberg. Etienne G. Krug. Violência: um problema global de saúde pública. Capítulo extraído
com autorização do autor do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. OMS, Organização Mundial de
Saúde. Genebra: OMS; 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v11s0/a07v11s0 Acesso em: 02
de junho de 2019.
21
14 Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou
indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que
envolva: (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018)
I - violência doméstica e familiar contra mulher; (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018)
II - violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência. (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de
2018)
15 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: FRACSO,
2015.
22
16 Krug EG et al., eds. World report on violence and health. Geneva, World Health Organization, 2002. Pag.
147.
23
17 Garcia-Moreno C, Jansen HA, Ellsberg M, Watts CH. WHO multi-country study on women´s health and
domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women´s response.
Geneva: World Health Organization; 2005.
24
18 A Lei 11.340/2006, apresenta, para as mulheres que tenham sofrido esse tipo de violência uma previsão
específica de acesso ao sistema de saúde necessário, conforme §3 o., do art. 9o.: A assistência à mulher em
situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as
diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de
Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o
caso. […] §3o. A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso
aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de
contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de
violência sexual.
19 Organização Mundial da Saúde. Prevenção da violência sexual e da violência pelo parceiro íntimo contra a
mulher: ação e produção de evidência. p. 17.
20 Krug EG et al., eds. World report on violence and health. Geneva, World Health Organization, 2002.
21 Conforme a Lei 11.340/2006, a violência patrimonial é aquela entendida como qualquer conduta que
configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo também os destinados a satisfazer as
próprias necessidades.
22 PEREIRA, Rita de Cássia Bhering Ramos et al. O fenômeno da violência patrimonial contra a mulher:
percepções das vítimas. p. 6.
25
23 FEIX, Virgínia. Das formas de violência contra a mulher – Artigo 7º. In: CAMPOS, Carmen Hein de
(organizadora). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen
Yuris, p. 201-213, 2011.
24 O estatuto do Idoso, também prevê proteção nesses casos: […] § 1 o Para os efeitos desta Lei, considera-se
violência contra o idoso qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado que lhe cause
morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico.
25 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE ESTELIONATO (ARTIGO 171,
COMBINADO COM O ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). CRIME PRATICADO
POR UM DOS CÔNJUGES CONTRA O OUTRO. SEPARAÇÃO DE CORPOS. EXTINÇÃO DO
VÍNCULO MATRIMONIAL. INOCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DA ESCUSA ABSOLUTÓRIA
PREVISTA NO ARTIGO 181, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. IMUNIDADE NÃO REVOGADA PELA
LEI MARIA DA PENHA. DERROGAÇÃO QUE IMPLICARIA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
IGUALDADE. PREVISÃO EXPRESSA DE MEDIDAS CAUTELARES PARA A PROTEÇÃO DO
PATRIMÔNIO DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR.
INVIABILIDADE DE SE ADOTAR ANALOGIA EM PREJUÍZO DO RÉU. PROVIMENTO DO
RECLAMO. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/133488986/recurso-em-
habeas-corpus-n-42918-rs-do-stj> Acesso em: 30/05/2019.
26 DELGADO, Mário. A invisível violência doméstica contra o patrimônio da mulher. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2018-out-28/processo-familiar-invisivel-violencia-domestica-patrimonio-
26
Alheia a essa discussão, a Lei 11.340/2006 prevê, em seu artigo 24, medidas que
possibilitem a proteção patrimonial da mulher nesses casos:
Art. 24 Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de
propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as
seguintes medidas, entre outras:
I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e
locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos
materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Difamação seria imputar a alguém fato ofensivo a sua reputação. Assim, tanto na
calúnia, quanto na difamação, a ofensa refere-se a honra objetiva, pois a consumação somente
ocorre quando terceiros ficam cientes da imputação.
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
[…]
II – ter o agente cometido o crime:
[…]
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei
específica; (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)
Além disso, esse tipo de violência pode ensejar consequências na área cível, com
imposição de danos morais e/ou materiais, os quais podem ser fixados já na sentença penal
condenatória, conforme redação do artigo 387, IV, do CPP.28
A violência moral tem apresentado uma notoriedade devido ao maior uso das
redes sociais e, por consequente, os danos advindos da exposição massiva de conteúdos
ofensivos à honra de mulheres. Isso ficou bem explícito durante a candidatura e mandato da
ex-Presidenta eleita Dilma Roussef, bem como na época das eleições de 2018, quando a então
candidata à Vice-Presidência da República, Manuela Dávila, teve, em muitas ocasiões, fake
news compartilhadas na internet que iam de encontro veementemente à sua honra.
O que se constata, inclusive, é que essa tem sido uma ferramenta utilizada no
meio político para desmerecer a figura da mulher. Muitos suscitam questões de cunho pessoal
para atacar a figura feminina, questões essas que, quando atribuídas a um parlamentar do sexo
oposto, não demonstram qualquer repercussão ou interesse, o que só ratifica a presença do
machismo em diversos setores da sociedade.
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e
vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)
Conforme quadro abaixo, que demonstra uma pesquisa feita para apurar quais as
violências mais recorrentes, pode-se aferir que a psicológica está, juntamente à violência
física, dentre as mais praticadas:
Tabela 03 – Tipos de violência por gênero
29 COLOSSI, P. M.; MARASCA, A. R., & FALCKE, D. De Geração em Geração: A Violência Conjugal e as
Experiências na Família de Origem. Porto Alegre, v. 46, n. 4, pp. 493-502, out.-dez. 2015. p. 498/499.
29
Por fim, quanto à questão da violência psicológica, cabe ressaltar ainda, duas
modalidades que têm crescido assustadoramente com o uso das redes sociais, quais sejam, o
30 VICENTE, Fernanda. 14 sinais de que você é vítima de Gaslighting – o abuso psicológico. Disponível em:
<https://www.geledes.org.br/14-sinais-de-que-voce-e-vitima-de-abuso-psicologico-o-gaslighting/>. Acesso
em 06 de junho de 2019.
31 AZEVEDO, Maria Amélia.; GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Violência psicológica doméstica:
Vozes da Juventude. Lacri – Laboratório de Estudos da Criança. PSA/IPUSP, 2001.
32 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5 ed. rev., ampl. E atual. - Salvador. Editora
JusPodivm, 2018. Pág. 94.
33 PREUSS, Adriana de Abreu; PESSOA JUNIOR, Jeferson dos Reis. Violência Psicológica: Diagnóstico e
tratamento jurídico, para o efetivo cumprimento da lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha. p. 7.
30
34 Em 2013, Giana Fabi, uma adolescente de16 anos, cometeu suicídio após ter fotos íntimas expostas na
internet pelo seu ex-namorado, no Rio Grande do Sul. Tal fato ocorreu no dia 10 de novembro. Quatro dias
depois, outra adolescente, de nome Julia Rebeca, e com apenas 17 anos, enforcou-se com o fio da chapinha
de cabelo depois de ter um vídeo de sexo distribuído pelos celulares da cidade de Parnaíba, litoral do Piauí.
35 Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou
divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou
telemática –, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de
vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez
ou pornografia:(Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº
13.718, de 2018)
§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou
tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.(Incluído pela Lei
nº 13.718, de 2018)
31
Para compreender como se deu a edição desses diplomas legais, cabe analisar a
luta dos movimentos feministas, que perpassa por três momentos distintos.36
No primeiro deles, entre o final do século XVIII até meados do século XIX,
buscava-se uma igualdade entre os gêneros, o foco das ações e demandas era relativo à busca
dos direitos políticos e civis das mulheres. Acreditava-se que, somente havendo uma maior
representatividade, seria possível alcançar essa equitatividade de direitos e obrigações.
Num segundo momento, percebeu-se que essa mera igualdade formal era
necessária, mas não seria suficiente para propiciar os direitos almejados. Foi então que os
movimentos feministas passaram a pautar-se pela ideia da total diferença entre homens e
mulheres. A partir disso, surgiu, posteriormente, por volta dos anos de 1970 e seguintes, o
terceiro momento, o qual veio para estabelecer uma nova orientação dessas lutas, as quais
deveriam ser direcionadas à busca pela igualdade na diferença, o que atualmente é bem
difundido como igualdade material.
Como meio de alcançar esses direitos, garantindo um papel mais protecionista à
condição de mulher, almejou-se um amparo legal que legitimasse essa luta e esses
movimentos. Com isso, diversos instrumentos foram sendo aprimorados até que os principais
deles começaram a ganhar força e aplicabilidade na norma interna de diversos países, como se
passa a analisar.
39 Idem.
40 Aprovada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA, foi adotada pela ONU em
1994, tendo sido ratificada pelo Brasil em 1995 e incorporada ao ordenamento jurídico apenas em 1996, por
meio do Decreto 1973/96.
41 Artigo 12 – Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida
em um ou mais Estados-Membros da Organização, pode apresentar à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação do "artigo 7º" da presente Concepção
pelo Estado-Membro, e a Comissão considera-las-á de acordo com as normas e os requisitos de
procedimento para apresentação e consideração de petições estipuladas na Convenção Americana sobre
Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
33
devem ter igualdade de condições na medida da sua desigualdade, como bem defende Maria
Berenice Dias45:
Cada vez mais se reconhece a indispensabilidade da criação de leis que
atendam a segmentos alvos da vulnerabilidade social. A construção de
microssistemas é a moderna forma de assegurar direitos a quem merece
proteção diferenciada.
45 DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha: lei constitucional e incondicional. Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq(cod2_796)maria_da_penha_uma_lei_constitucional_e_inco
ndicional.pdf> Acesso em: 04 de maio de 2019.
46 Ação Direta de Constitucionalidade – ADI 19-3/610, proposta quanto aos artigos 1º, 33 e 41 e Ação Direta
Constitucionalidade de Inconstitucionalidade – ADI 4424, quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41, todos da
Lei 11.340/2006.
35
51 CERQUEIRA, Daniel, et al..Avaliando a efetividade da Lei Maria da Penha. 2048 – texto para discussão.
Brasília, março de 2015. p. 10.
52 CFEIX, Virgínia. Das formas de violência contra a mulher – Artigo 7º. In: CAMPOS, Carmen Hein de
(organizadora). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro:
Lumen Yuris, p. 201-213, 2011. p. 7.
53 Como exemplos, pode-se citar, a suspensão do porte de armas, o afastamento do lar, a proibição de
aproximação ou de contato com a ofendida, a restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores e a
prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
54 CNJ. Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha. 2018. p. 11.
55 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5 ed. rev., ampl. E atual. - Salvador. Editora
JusPodivm, 2018.
37
Outra alteração legislativa ainda mais recente sobre a questão das medidas
protetivas ocorreu com a Lei 13.827/2019, que prevê a decretação de medidas protetivas não
só pela autoridade judicial, mas também pelo delegado de polícia quando o município não for
sede de comarca, bem como pelo policial quando, além de não ser sede de comarca, não
houver delegado no momento do comparecimento da vítima:
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade
física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus
dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de
convivência com a ofendida: (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
I- pela autoridade judicial; (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
II- pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou
(Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
III- pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver
delegado disponível no momento da denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.827, de
2019)
§ 1ºNas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado
no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a
manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério
Público concomitantemente. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
§ 2ºNos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida
protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso. (Incluído
pela Lei nº 13.827, de 2019)
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ingressou com uma ação direta
de inconstitucionalidade (ADI 6138) contra a Lei 13.827/2019, alegando que a mudança fere
o princípio da reserva de jurisdição. Conferir ao delegado de polícia ou ao policial tal
competência, implicaria, segundo eles, em clara ofensa ao inciso XI, que trata da
38
inviolabilidade do domicílio, bem como ao inciso LIV, que versa sobre o princípio do devido
processo legal, ambos do art. 5º, da Constituição Federal.56
No entanto, a alteração deve ser entendida como perfeitamente constitucional.
Não existe reserva de jurisdição para a decretação de medidas cautelares, ou seja, a
Constituição não exigiu prévia decisão judicial para a adoção dessas providências.57
Outra conquista para a proteção das mulheres, ocorrida há um lapso temporal não
muito considerável, foi a edição de uma Súmula pelo Pleno do Conselho Federal da OAB:
Requisitos para a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.
Inidoneidade moral. A prática violência contra a mulher, assim definida na
“Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher – ‘Convenção de Belém do Pará’ (1994)”, constitui fator apto a demonstrar a
ausência de idoneidade moral para a inscrição de bacharel de Direito nos quadros da
OAB, independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a
análise de cada caso concreto.58
III- o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a
coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com
o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição
Federal;
IV- a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de
Atendimento à Mulher;
V- a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a
mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de
proteção aos direitos humanos das mulheres;
VI- a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre
órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação
de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;
VII- a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos
profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de
raça ou etnia;
VIII- a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da
pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX- o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos
humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a
mulher.
60 MACHADO, Isadora Vier; GROSSI, Miriam Pillar. Da dor no corpo à dor na alma: o conceito de violência
psicológica na Lei Maria da Penha. p. 570/571
40
Com isso, apesar de ser necessária a análise do caso concreto, prevalece a tese da
aplicação da lei inclusive às relações de namoro.61
Há, ainda, importante entendimento acerca da aplicação do Princípio da
Insignificância, considerando inviável a sua presença nesses casos, visto que o bem jurídico
tutelado seria de especial relevância:
Súmula 589-É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou
contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.
(Súmula 589, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017)62
61 "[...] A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, analisando o tema posto em debate, vem
manifestando seu entendimento jurisprudencial no sentido de que a ameaça cometida por ex-namorado que
não se conforma com o rompimento do vínculo configura violência doméstica, ensejando a aplicação da Lei
nº 11.340/06. Esta orientação decorre do raciocínio de que, nestas circunstâncias, há o pressuposto de uma
relação íntima de afeto a ser protegida, por ocasião do anterior convívio do agressor com a vítima, ainda que
não tenham coabitado. Aliás, o art. 5º da norma em questão não exige coabitação para que seja configurada a
violência doméstica contra a mulher, bastando a convivência, ainda que anterior. […]" (RHC 27317 RJ, Rel.
Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2012, DJe 24/05/2012)
62 "[…] LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU
BAGATELA IMPRÓPRIA. NÃO APLICAÇÃO. […] 1. No que toca aos delitos com violência à pessoa, no
âmbito das relações domésticas, não têm aplicação tanto o princípio da insignificância, que importa no
reconhecimento da atipicidade do fato, como tampouco da bagatela imprópria, pelo qual se reconhece a
desnecessidade de aplicação da pena, tendo este Superior Tribunal de Justiça firmado entendimento no
sentido da relevância penal de tais condutas." (AgRg no REsp 1543718 MS, Rel. Ministra MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/09/2015, DJe 22/09/2015)
41
seria inaceitável, visto que um dos pressupostos para essa mudança quanto ao tipo de pena
aplicada é a ausência de violência ou grave ameça no crime praticado:
Súmula 588-A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com
violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. (Súmula
588, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017)
A edição da súmula 542 foi de grande valia, pois há uma notável situação de
vulnerabilidade da vítima diante dessa situação de violência, o que, muitas vezes, faz que ela
não faça a representação necessária ao seguimento de uma possível ação penal contra o
agressor:
Súmula 542-A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência
doméstica contra a mulher é pública incondicionada. (Súmula 542, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015)
Assim, com esse entendimento, isso não seria necessário, pois o crime de lesão
corporal, mesmo os de natureza culposa ou leve, passam a ser de ação penal pública
incondicionada, cabendo ao Ministério Público dar início, sem que seja necessária a
representação da ofendida.
Ademais, não é possível a aplicação do sursis, bem como da transação penal nos
delitos sujeitos à Lei 11.340/2006:
Súmula 536-A suspensão condicional do processo e a transação penal não se
aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha. (Súmula 536,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2015, DJe 15/06/2015)
Cabe ressaltar que essa vedação se aplica tanto aos crimes, quanto às
contravenções compreendidas no âmbito de aplicação dessa lei.63
63 "[…] O Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus nº 106.212/MS, julgado pelo Plenário no dia 24 de
março de 2011, estabeleceu que nenhum dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 aplica-se às
hipóteses da Lei nº 11.340/06. […] Mais do que a própria doutrina, o Supremo entendeu, por unanimidade,
que sequer nas hipóteses de contravenções que sejam processadas segundo o rito da Lei Maria da Penha, não
se aplicaria esses institutos despenalizadores, uma vez que o que a Lei estabeleceu, do ponto de vista político
normativo, foi uma regra específica para os casos de violência doméstica contra a mulher. […] ( HC 191066
MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro OG FERNANDES,
SEXTA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 20/06/2012)
42
É importante dizer que existe uma parte da doutrina que defende que essa
qualificadora do crime de feminicídio tem natureza subjetiva:
O sujeito mata em razão da condição do sexo feminino. Em razão disso, ou seja, por
causa disso. Seria uma qualificadora objetiva se dissesse respeito ao modo ou meio
de execução do crime. A violência de gênero não é uma forma de execução do
crime, sim, sua razão, seu motivo. Por isso que é subjetiva.66
Isso demonstra que, ao menos em questões estatísticas, a Lei, que teve sua
64 […] Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:(Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)[…]
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:(Incluído pela Lei
nº 13.104, de 2015)
I – violência doméstica e familiar;(Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.(Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
65 VILA, Eugênia Nogueira do Rêgo Monteiro. Os desafios impostos pelos 39 diferentes tipos de violência
contra a mulher. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/relatorio-
pesquisa-2019-v6.pdf> Acesso em 20 de maio de 2019.
66 BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flavio. Feminicídio: entenda as questões controvertidas da Lei
13.104/2015. Disponível em: <https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/173139525/feminicidio-entenda-
as-questoes-controvertidas-da-lei-13104-2015> Acesso em 20 de maio de 2019.
67 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Volume 2. Rio de Janeiro: Forense,
2017, p. 46/47.
43
aprovação em 2015, ainda não apresentou um caráter preventivo, com a consequente redução
do delito. No entanto, ela propiciou um maior debate sobre o quão grave é a condição da
mulher no país e permitiu que estudos como esses fossem realizados, já que antes não era
possível fazer essa aferição, devido ao fato de não haver uma delimitação do que seria o
feminicídio. E, sem dúvidas, para combater o problema, faz-se necessário conhecê-lo. A
implementação de sistemas de informação eficientes para investigar as condições desses
crimes é algo urgente e necessário.68
É importante dizer que a vítima desse crime é justamente a mulher que não
procurou ajuda ou que não teve a proteção do Estado. Dentre os 364 casos analisados em São
Paulo pela pesquisa Raio-X do Feminicídio, apenas 3% das vítimas de feminicídio, tentado ou
consumado, tinham solicitado/obtido medidas protetivas. E das 124 mulheres mortas nessas
condições, apenas 5 registraram boletim de ocorrência.69 Essa pesquisa constatou ainda que
84% dos sujeitos ativos do crime são parceiros ou ex-parceiros das vítimas (casados ou
conviventes) e que 12% eram namorados.
Pelos registros do SIM, entre 1980 e 2013, num ritmo crescente ao longo do
tempo, tanto em número, quanto em taxas, morreu um total de 106.093 mulheres vítimas de
homicídio. Efetivamente, o número passou de 1.353 mulheres em 1980, para 4.762 em 2013,
um aumento de 252%. A taxa que, em 1980 era de 2,3 vítimas por 100 mil, passa para 4,8 em
2013, um aumento de 111,1%.70
Observa-se, por fim, que, nessa mesma pesquisa, a arma de fogo consta como o
mais relevante meio empregado no homicídio dessas mulheres, o que traz à tona a discussão
68 MOTA, Maria Dolores de Brito. Assassinatos de mulheres no Brasil. Um estudo do Instituto Sangari
contribuindo para o entendimento do feminicídio no país. Disponível em:
<https://fpabramo.org.br/2012/07/02/assassinatos-de-mulheres-no-brasil-um-estudo-do-instituto-sangari-
contribuindo-para-o-entendimento-do-feminicidio-no-pais/> Acesso em: 14 de maio de 2019.
69 SCARANCE, Valéria. Violência contra a mulher: um desafio para o Brasil. Fórum Brasileiro de Segurança
Pública. A vitimização de mulheres sofridas no Brasil. 2 edição. Disponível em:
<http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/relatorio-pesquisa-2019-v6.pdf> Acesso
em: 04 de junho de 2019.
70 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: FRACSO,
2015.
44
A atual Vitimologia surgiu, por volta de 1945, como uma forma de reação aos
fatos decorrentes das duas Guerras Mundiais, em especial a Segunda Guerra, que, por meio do
holocausto, ocasionou o genocídio de milhões de judeus. Em 1973, foi celebrado, então, em
Jerusalém, o Primeiro Simpósio Internacional sobre Vitimologia. Pode-se dizer que
oficialmente ela nasce, no âmbito científico e mundial, no ano de 1979, no Terceiro Simpósio
Internacional sobre o tema, celebrado em Münster (Alemanha), quando é fundada a Sociedade
Mundial de Vitimologia.71
Esse Simpósio propiciou as bases para a criação da Declaração dos Princípios
Fundamentais de Justiça, Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder, a qual
foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 40/34, de 29 de
Novembro de 1985:
Disposta em seis partes, esta carta de princípios define a vítima de crime e de
abuso de poder72, preconiza o seu acesso à Justiça e a necessidade de
tratamento justo a ela. Dispõe sobre o ressarcimento devido às vítimas - a
cargo do infrator-, a indenização pelo Estado - devida quando o
ressarcimento proveniente do delinqüente ou de outras fontes não seja
suficiente para a vítima resgatar as condições necessárias para a sua
manutenção e, ainda, da assistência material, médica, psicológica e social, a
ser prestada às vítimas através de meios governamentais, voluntários,
comunitários e autóctones. Recomenda que, para alcançar esses objetivos,
sejam fomentados o estabelecimento, o reforço e a ampliação de fundos
nacionais e, quando necessário, também outros fundos com os mesmos
propósitos, incluídos os casos de Estados da nacionalidade da vítima que não
estejam em condições de indenizá-la pelos danos sofridos.73
A Declaração defende, assim, a necessidade de aprimoramento do aparelho
judiciário e administrativo para responder às necessidades das vítimas 74. O Estado não deve,
71, Beristain, Antonio. Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia/ Antonio Beristain; tradução de
Cândido Furtado M aia Neto. - Brasília : Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado, 2000.p. 83.
72 No conceito adotado pela Declaração, entende-se por vítimas as pessoas que, individual ou coletivamente,
tenham sofrido um prejuízo, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um sofrimento
de ordem moral, uma perda material, ou um grave atentado aos seus direitos fundamentais, como
consequência de atos ou de omissões violadores das leis penais em vigor num Estado-membro, incluindo as
que proíbem o abuso de poder.
73 Estudos contemporâneos de vitimologia / Marisa Helena D’ Arbo Alves de Freitas e Roberto Faleiros Galvão
Júnior (orgs). –São Paulo: Cultura Acadêmica: Editora UNESP, 2011. p. 9.
74 Informando as vítimas da sua função e das possibilidades de recurso abertas, das datas e da marcha dos
processos e da decisão das suas causas, especialmente quando se trate de crimes graves e quando tenham pedido
essas informações; Permitindo que as opiniões e as preocupações das vítimas sejam apresentadas e examinadas
nas fases adequadas do processo, quando os seus interesses pessoais estejam em causa, sem prejuízo dos direitos
da defesa e no quadro do sistema de justiça penal do país; Prestando às vítimas a assistência adequada ao longo
de todo o processo; Tomando medidas para minimizar, tanto quanto possível, as dificuldades encontradas pelas
46
portanto, se omitir diante dessa situação, devendo garantir um amparo jurídico e social a essas
pessoas.
Assim deve ser nos casos que envolvem violência contra a mulher. Tanto que,
no caso da Maria da Penha, o Estado brasileiro foi responsabilizado por omissão, tendo sido
recomendada a edição de uma legislação que efetivamente assegurasse o direito à proteção
das mulheres. Tal Lei, assim como outras já suscitadas no capítulo anterior, apresentaram um
enfoque destoante do que se tem como padrão do Direito Penal interno, visto que elas têm um
direcionamento à vítima, enquanto que aquele apresenta disposições mais voltadas ao
agressor.
vítimas, proteger a sua vida privada e garantir a sua segurança, bem como a da sua família e a das suas
testemunhas, preservando-as de manobras de intimidação e de represálias; Evitando demoras desnecessárias na
resolução das causas e na execução das decisões ou sentenças que concedam indenização às vítimas.
75 GONÇALVES, Vanessa Chiari.Violência contra a mulher Contribuições da vitimologia. Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/sistemapenaleviolencia/article/view/23712> Acesso em: 12
de junho de 2019.
47
A vítima tem sido menosprezada pelo Direito Penal. Somente com os estudos
criminológicos é que seu papel no processo penal foi resgatado. Estudiosos do tema dividiram
o protagonismo das vítimas nos estudos penais em três grandes fases.
A primeira delas consiste na época de primazia da vítima. Seu período
compreenderia desde os primórdios da civilização até o final da Idade Média, na qual, com o
declínio do feudalismo e ascensão do soberano, modificou-se o sistema de justiça promovido
pela vingança privada para o sistema inquisitivo, na figura do Estado, que toma para si a
repressão do crime76:
O fato é que, com o fim da autotutela, da pena de talião, da composição, e,
fundamentalmente, com o declínio do processo acusatório, há uma certa
perda do papel da vítima nas relações processuais decorrentes de delitos.77
Nesse segundo momento, o papel punitivista passa a ser monopolizado pelo
Estado, o qual não mais permite que as vítimas castiguem seus ofensores, como ocorria na
época da vingança privada. Com isso, o papel dela vai sendo ofuscado, o que faz com que
passe a ter um caráter secundário, quase inexistente no sistema penal durante muito tempo.
76 A doutrina aponta que a evolução da teoria do bem jurídico significou o desaparecimento dos interesses da
vítima do conceito de delito, ou seja, o delito é a violação ao bem jurídico, o bem jurídico penal é um critério
limitador da intervenção punitiva do Estado, significando, portanto, mais um avanço na expropriação pelo
Estado do conflito existente entre vítima e vitimizador.
77 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008. p. 28.
78 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008. p. 27-30
79 JORGE, Aline Pedra. Em busca da satisfação dos interesses da vítima penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2005. p. 14.
48
que tem ganhado grande espaço e reconhecimento quanto a sua importância. No entanto, faz-
se necessário definir o que seria Criminologia, a fim de demonstrar como essas ciências se
inter-relacionam:
80GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. Luiz Flávio Gomes; Antonio García-Pablos de Molina; tradução Luiz
Flávio Gomes – 8 ed. reform., atual. Eampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
81 Carlos Alberto Elber entende que a Criminologia não é ciência, pois não teria objeto e método próprios.
Referido autor sustenta que, apesar de não considerar a Criminologia uma ciência, ela está legitimada como
disciplina científica e interdisciplinar, na medida em que, sem dispor de um objeto unívoco, está em condições
de tratar temas relativos ao crime e ao controle social com coerência científica, valendo-se de objetos e métodos
de distintas disciplinas (ELBER, 1998, p. 143-144).
82 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008. p. 36.
83 FALCÓN CARO, Maria Del Castillo. Realidad Individual, social y jurídica de la mujer víctima de la
violencia de género. In: MORENO, Myriam Herrera (Coord.). Hostigamento y hábitat social: una perspectiva
victimológica. Granada: Editorial COMARES, 2008.
84 MOTA, Indaia Lima. Breves linhas sobre vitimologia, redescobrimento da vítima e suas várias faces:
algumas questões relevantes.
49
esferas, quais sejam a primária, a secundária e a terciária. Há também uma parte dos estudos
atuais da vitimologia que defendem haver uma vitimização quaternária.85
A vitimização primária consiste nas consequências diretas advindas da própria
prática do delito. Seria, assim, o sofrimento imediato causado à vítima pelo desencadeamento
de uma ação criminosa contra si.
Já a vitimização secundária ocorre posteriormente. Seria ela a decorrente do
contato entre a vítima e o sistema penal, o qual, muitas vezes, se encontra despreparado para
acolhê-la. Estudos demonstram que esse é um fator que influencia diretamente na continuação
processual de casos que envolvem mulheres vítimas de violência:
A vítima secundária é um derivativo das relações existentes entre as vítimas
primárias e o Estado em face do aparato repressivo (polícia, burocratização
do sistema, falta de sensibilidade dos operadores do direito envolvidos com
alguns processos bastante delicados etc.)86
Isso porque, muitas vezes, o que há é uma descrença e menosprezo quanto à
condição dessas vítimas, além de uma busca por um possível compartilhamento de
responsabilização entre vítima e autor nesses casos:
Numa sociedade de riscos como a que vivemos atualmente, o princípio da
auto- -responsabilidade, na prática, é inconcebível. Certamente, em algumas
situações o comportamento da vítima pode influir de forma efetiva para o
cometimento do ato delituoso pelo vitimizador, no entanto, entender que o
cidadão é quem deve proteger seu bem jurídico e, por isso, excluir a
responsabilidade do sujeito ativo do ato delituoso é um posicionamento
extremamente radical, que geraria grande instabilidade social e, por isso, este
entendimento deve ser repudiado.87
Em relação a isso, a Lei Maria da Penha proporcionou um grande avanço ao
prever que o atendimento dessas mulheres aconteça, preferencialmente, por outras servidoras
mulheres, o que permite uma maior possibilidade de empatia em relação à situação vivenciada
por aquela mulher.
A criação de locais, como a Casa da Mulher Brasileira, por exemplo, permitem
um maior apoio a essas vítimas e demonstram uma tentativa louvável de aproximação do
Estado e redução dessa espécie de vitimização, importando em um auxílio para além do
campo meramente jurídico.
Além disso, a adoção de medidas como a condição prioritária na realização do
exame de corpo de delito, prevista recentemente, para vítimas que normalmente se enquadram
Em relação aos casos que envolvem mulheres, as quais são consideradas como
um dos grupos de maior vulnerabilidade, como será analisado adiante, têm-se que destacar a
denominada vitimização reiterada, visto que a maioria dessas vítimas de violência doméstica
passa por diversas situações de violência até que consigam efetivamente se desvencilhar do
agressor:
El tratamiento de la victimización reiterada nos introduce em el mundo del
“riesgo”, concepto muy escurridizo para las diferentes disciplinas, y que no
ha sido objeto de gran atención em el ámbito jurídico. […] la victimización
reiterada o repetida, también denominada revictimización o multivictización,
aparece cuando un misma persona es víctima de más de un delito durante un
determinado periodo de tiempo.90
Assim, vitimização reiterada deve ser vista como aquela que submete a vítima
a condições repetidas de violência. O agente aproveita-se da condição dela para perpetrar
diversos crimes. Isso se evidencia nos casos que envolvem violência doméstica, como já
ressaltado, pois devido ao envolvimento emocional, muitas vezes, a mulher não consegue
88 OLIVEIRA, Ana S. S. de. A vítima e o direito penal: uma abordagem do movimento vitimológico e de seu
impacto no direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. pg. 38
89 HAIDAR, Caio Abou; ROSSINO, Isabela Bossolani. Redescobrindo a vitimologia: Estudos
contemporâneos da vitimização quaternária e da influência midiática na criminologia. p. 5.
90 GONZÁLEZ, Juan Pablo. Panorama actual y perspectivas de la victimología: la victimología y el sistema
penal. Consejo General del Poder Judicial. p. 21/22.
51
perceber que está numa situação de abuso, ou, quando percebe, acredita que aquilo é algo
pontual, que pode ser revertido e, com isso, posterga a quebra do vínculo com o agressor, o
que permite que a violência, dos mais diversos tipos, ocorra mais de uma vez.
91 JORGE, Aline Pedra. Em busca da satisfação dos interesses da vítima penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2005. p. 27.
92 FALCÓN CARO, Maria Del Castillo. Realidad Individual, social y jurídica de la mujer víctima de la
violencia de género. In: MORENO, Myriam Herrera (Coord.). Hostigamento y hábitat social: una perspectiva
victimológica. Granada: Editorial COMARES, 2008 . p. 34.
52
93 OLIVEIRA, Ana S. S. de. A vítima e o direito penal: uma abordagem do movimento vitimológico e de seu
impacto no direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.p. 99.
94 Sobre essa questão da espiral de violência e o CP, há, inclusive a previsão de uma atenuante denominada de
inonimada e que tem sido utilizada, por exemplo, nos casos em que a pessoa sofreu um caso de abuso
durante a vida e é perceptível a influência disso no comportamento delitivo do agente: Art. 66 – a pena
poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não
prevista expressamente em lei.
53
protetividade; bem como a questão dos homicídios, que nesse caso, devido à especificidade,
denomina-se de feminicídio; apresentam-se como alguns dos mais preocupantes e frequentes
crimes cometidos contra essas mulheres em âmbito doméstico.
Ademais, o Código de Processo Penal, Decreto-Lei n. 3.689/1941, por sua vez,
reserva um título específico para cuidar da ação civil ex delicto, e devido aos efeitos
patrimoniais decorrentes da sentença penal condenatória transitada em julgado, o sistema
processual penal possibilita a intervenção, em juízo, da figura do assistente de acusação, o
qual atua auxiliando o Ministério Público, a fim de garantir o cumprimento da lei.
Esse assistente representa uma solução dada pelo Código, para que as vítimas
tenham como acompanhar mais de perto o andamento da ação, e com isso, garantir a
reparação dos danos decorrentes, bem como uma efetiva punição do infrator, o que bem se
aplica aos casos de violência doméstica.99
O Código Penal, apesar de ser uma lei que trata primordialmente do réu,
abrangendo seus direitos, por meio dos princípios que o regem, bem como da sua
responsabilização, por meio dos dispositivos da parte especial, apresenta também,
pontualmeente, alguns artigos que tratam do ofendido.
A previsão da prestação pecuniária na legislação penal, incidente nos crimes
comuns como modalidade de pena restritiva de direitos, é um exemplo presente nesse Código
que amplia a extensão da tutela dos interesses das vítimas e que consolida a tendência que
vem se manifestando na legislação especial, de preocupação com essa condição.
Ademais, os dispositivos que tem uma atuação adstrita à situação da mulher em
condição de vulnerabilidade, já foram abordados nos capítulos anteriores, em especial no
segundo, que pormenorizou alguns dos direitos previstos nessas leis, dentre os quais
destacam-se as medidas protetivas, bem como a assistência multidisciplinar a essas mulheres.
Assim, constata-se que não somente a legislação de âmbito penal deve se ater a
essa vulnerabilidade e apresentar medidas que visem ao amparo dessas vítimas. Na verdade, o
Direito Penal deveria ser a “ultima ratio”,ou seja, a última das medidas a ser adotada para
frear essa condição instalada de discriminação de gênero.
99 Art. 268.Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o
ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.
Art. 31.No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer
queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Art. 271.Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o
libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público,
ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598.
55
100 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5 ed. rev., ampl. E atual. - Salvador. Editora
JusPodivm, 2018.
56
Em 2007, dois anos após a sua criação, a maioria dos atendimentos realizados
consistiu no encaminhamento de mulheres em situação de violência para os serviços da Rede
de Atendimento à Mulher (57%) e na prestação de informações relacionadas à questão da
violência, mas também a outros direitos das mulheres (32%). As denúncias ou relatos de
violência, por sua vez, responderam por quase 10% do total de atendimentos realizados.104
101 Idem.
102 Art. 9,§ 2o,, Lei 11.340/06: [...] O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar,
para preservar sua integridade física e psicológica:
I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis
meses.
103 BONETTI, Alinne et al.Violência contra as mulheres e direitos humanos no Brasil: uma abordagem a partir
do Ligue 180.
104 Idem.
57
Outra medida que pode ser analisada como forma de gerar maior efetividade à
lei, nesses casos, é o Formulário de Aplicação de Risco (FRIDA), o qual foi desenvolvido
pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), com parceria do CNJ, Ministério das
Relações Exteriores, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Ministério dos
Direitos Humanos, Delegação da União Europeia no Brasil (DELBRA) e Observatório
Nacional de Violência de Gênero.105
Cabe dizer que o Conselho Nacional do Ministério Público tem desempenhado
um papel fundamental no desenvolvimento de alternativas de combate a tais crimes,
especialmente por meio de projetos internacionais de cooperação com a União Europeia,
através de um programa denominado Diálogos Setoriais União Europeia-Brasil:106
Intitulado de FRIDA, o Formulário Nacional de Risco e Proteção à Vida, que
surge em razão dos projetos capitaneados no âmbito do CNMP, traz
perguntas, cujas respostas contribuem na identificação do grau de risco em
que a vítima mulher se encontra. O FRIDA, que foi estudado e desenvolvido
cientificamente pelos peritos Ana Lúcia Teixeira, Manuel Lisboa e Wania
Pasinato, indica, de forma objetiva, o grau de risco da vítima em virtude das
respostas dadas às perguntas do formulário, o que pode reduzir a
probabilidade de uma possível repetição ou ocorrência de um primeiro ato
violento contra a mulher no ambiente de violência doméstica.107
Assim, esse formulário tem como finalidade não só prevenir atos de violência
contra a mulher no ambiente doméstico, mas também tentar quebrar o ciclo de violência,
retirando a ofendida de uma possível situação de vitimização reiterada que poderia vir a gerar
um feminicídio.
O formulário propicia um conhecimento mais minucioso e documentado, o
que, por consequente, em posterior análise massiva dessas informações elencadas, pode
auxiliar na compreensão do verdadeiro cerne do problema, garantindo assim mais eficiência
na proteção dessas mulheres.
105 Conselho Nacional do Ministério Público. Formulário de Aplicação de Risco - FRIDA. Disponível em:
<http://www.cnmp.mp.br/portal/images/noticias/2019/maio/Proposta_de_kit.REV.pdf> Acesso em 12 de
junho de 2019.
106 É um programa de parceria estratégica entre o Brasil e a União Europeia, visando a aproximar as posições
dos dois países diante dos grandes desafios globais e a ampliar oportunidades de intercâmbio e cooperação
entre os parceiros brasileiros e europeus em questões de interesse mútuo.
107 Conselho Nacional do Ministério Público. Formulário de Aplicação de Risco - FRIDA. Disponível em:
<http://www.cnmp.mp.br/portal/images/noticias/2019/maio/Proposta_de_kit.REV.pdf> Acesso em 12 de
junho de 2019.
58
108 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: FRACSO,
2015.
59
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61
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