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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO
GRADUAÇÃO EM DIREITO

GRACIELE PALÁCIO GRAÇA SOBRAL

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER: A IMPORTÂNCIA


DA VITIMOLOGIA PARA PROTEÇÃO DAS VÍTIMAS E RESPONSABILIZAÇÃO
DOS AGRESSORES.

FORTALEZA
2019
GRACIELE PALÁCIO GRAÇA SOBRAL

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER: A IMPORTÂNCIA DA


VITIMOLOGIA PARA PROTEÇÃO DAS VÍTIMAS E RESPONSABILIZAÇÃO DOS
AGRESSORES.

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Direito da
Universidade Federal do Ceará, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Dr. Raul Carneiro


Nepomuceno.

FORTALEZA
2019
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Universitária
Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

S66v Sobral, Graciele Palácio Graça.


Violência doméstica e familiar contra a mulher : a importância da vitimologia para proteção das vítimas
e responsabilização dos agressores / Graciele Palácio Graça Sobral. – 2019.
63 f. : il. color.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito,


Curso de Direito, Fortaleza, 2019.
Orientação: Prof. Dr. Raul Carneiro Nepomuceno.

1. Violência doméstica. 2. Proteção da mulher. 3. Vitimologia. I. Título.


CDD 340
GRACIELE PALÁCIO GRAÇA SOBRAL

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER: A IMPORTÂNCIA DA


VITIMOLOGIA PARA PROTEÇÃO DAS VÍTIMAS E RESPONSABILIZAÇÃO DOS
AGRESSORES.

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Direito da
Universidade Federal do Ceará, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Aprovada em: __/__/_____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________
Prof. Dr. Raul Carneiro Nepomuceno
Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________
Prof. (a) Dra. Gretha Leite Maia de Messias
Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________
Mestranda Geórgia Oliveira Araújo
Universidade Federal do Ceará (UFC)
A Deus.
Ao meu pai, Geraldo Felismino.
A todas as mulheres vítimas de feminicídio.
AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, Geraldo Felismino, que representa o meu amor maior de uma vida inteira. São 19 anos
sem o senhor, mas não há um só dia em que eu não sinta a sua presença e o seu amor me guiando.
Obrigada por ser meu anjo da guarda.
À minha mãe, Conceição, por toda a dedicação a mim e aos meus irmãos. Obrigada por ser meu
porto-seguro e minha melhor amiga. Amo você de todo o meu coração.
Aos meus tios, Eudocia e Raimundo, que são como minha mãe e meu pai, bem como aos meus
primos/irmãos, Cleyton e Erisvaldo, por terem cuidado de mim com tanto amor. Vocês são, sem
dúvidas, um presente de Deus na minha vida. Gratidão por tudo.
Aos meus irmãos Gonçalo e Graziene que são meus maiores orgulhos. Amo tanto vocês, e sinto
saudade das nossas implicâncias diárias.
Ao meu irmão Eduardo, por sua amizade e cumplicidade.
Aos meus queridos avós, Chico e Maria, bem como a minha amada avó Gracília.
À minha tia Rita pelo carinho e afeto de sempre, bem como aos meus primos Matheus, Isadora e
Luís Guilherme. Amo vocês.
À minha prima Bruna, que tenho como uma irmã de coração, e à minha querida avó Beta.
A todos da minha família que sempre estiveram presentes na minha caminhada, e que tornam a vida
tão mais leve e feliz, em especial aos meus sobrinhos amados, Teo, Yan e Bruno, e às minhas
cunhadas, Indira, Diana e Brennda, por toda a amizade.
Ao Prof. Dr. Raul Carneiro Nepomuceno, orientador ímpar, grande responsável pelo meu contato
com o Direito Penal. Ser sua aluna, monitora, e agora orientanda, foram presentes da graduação
para mim. O senhor é um verdadeiro exemplo de dedicação ao magistério.
À Profa. Dra. Gretha Leite Maia, que me deixou muito feliz e honrada por aceitar o convite para
participar da minha banca. Seus ensinamentos em Teoria do Direito foram valiosos durante a minha
trajetória na graduação.
À Geórgia Oliveira Araújo, que gentilmente aceitou o convite para compor a banca, e me deixou
lisonjeada por saber que alguém que nutre a mesma inquietação que eu sobre a condição da mulher,
estaria presente na avaliação do meu trabalho.
Ao meu bem, Zenilton, por todo amor e companheirismo.
Às minhas amigas de infância, Bianka, Nalu, Flávia e Letícia, pela cumplicidade e amizade
verdadeira durante todos esses anos. Vocês são luz na minha vida.
Aos meus amigos, Bruna Gabrielle e Fernando Paes, por cada momento compartilhado ao longo do
curso. Vocês são um dos maiores presentes que a faculdade me proporcionou. Amo vocês.
A todos os meus amigos que compõe o grupo dos Ilibados, que tornaram os meus dias na faculdade
tão mais agradáveis. Sempre terei cada um de vocês em meu coração.
Aos amigos, Bruna Kelvia, Clara Marques, João Victor e Maria Taciane, por toda alegria e bons
momentos já compartilhados.
Ao meu amigo Gabriel, por toda a ajuda e incentivo em cada projeto, bem como à minha amiga
Débora por toda alegria e cumplicidade nos estudos do NECC.
A todos aqueles com quem tive o prazer de trabalhar quando bolsista na Procuradoria da UFC.
Aos que conviveram comigo na 12ª Vara da Justiça Federal do Ceará, e que me proporcionaram
valiosos aprendizados. Amo cada um de vocês.
Aos funcionários da Xerox, Caio, Xuxu e Marcelo, bem como ao Seu Odir, da Cantina, pela ajuda e
pelas boas conversas. Vocês trazem alegria para essa faculdade.
Ao seu Osvaldo, que tanto me apoiou na escolha do tema, bem como a todos os funcionários da
Faculdade de Direito que são sempre tão gentis e solícitos.
Às professoras e aos professores da Faculdade de Direito.
Aos meus professores do colégio, em especial à Antonella, a qual me ajudou muito para que eu
pudesse alcançar os meus primeiros objetivos acadêmicos.
A todos aqueles com quem tive o prazer de conviver durante a graduação, pelos momentos valiosos
de conversa e descontração, que tornaram os meus dias de estudo e trabalho tão mais gratificantes.
“No dia em que for possível à mulher
amar-se em sua força e não em sua
fraqueza; não para fugir de si mesma,
mas para se encontrar; não para se
renunciar, mas para se afirmar, nesse dia
então o amor tornar-se-á para ela, como
para o homem, fonte de vida e não de
perigo mortal.”
(Simone de Beauvoir)
RESUMO

O presente trabalho tem por escopo analisar a sistemática de proteção conferida às mulheres, para
garantia de seus direitos fundamentais, principalmente do direito à vida e à integridade física, sob a
ótica da vitimologia. Verifica-se que há um aparato estatal voltado a essa proteção, contudo, este
ainda se apresenta como ineficiente no combate e na prevenção desses casos. Isso se deve,
principalmente, à construção social machista e patriarcalista, que propiciou, durante anos, a
omissão, tanto por parte do Estado, como da sociedade, desse tipo de violência que acomete a vida
de tantas mulheres. Assim, pautada na análise crítica da bibliografia especializada, a pesquisa se
ateve à exposição e defesa de ideias que permitam uma aplicação das disposições penais referidas
às mulheres, sob um enfoque garantista, demonstrando a importância da aplicação dos preceitos da
vitimologia para tanto, visto que o Direito Penal é um ramo jurídico nitidamente voltado ao réu,
com poucas disposições que versem efetivamente sobre os direitos das vítimas.

Palavras-chave: Violência Doméstica. Proteção da Mulher. Vitimologia.


ABSTRACT

This present work intends to analyze the systematic of protection directed to women to guarantee
their fundamental rights, mainly the right of life and physical integrity under the victimhood optic.
In fact, there is a status apparatus directed to this protection, however, it is still ineffective in the
combat and prevention of these cases. It accrue, mostly, to the sexist and patriarchal social
construction that provided, for years, the omission of the State as much as the omission of the
society to this type of violence that assaults the life of many women. Thereby, based on the critical
analysis of the specialized bibliography, the search was focused on the exhibition and defense of the
ideias that allow an application of the criminal arrangements referred to women under a guarantor
approach, demonstrating the importance of the application of the precepts of victimology for this
purpose, since the Criminal Law is a juridical branch clearly focused on the defendant with feel
arrangements that evidently discourse about the rights of the victim.

Keywords: Domestic violence. Victimhood. Protection of women.


LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Homicídio de Mulheres no Brasil…………………………………………… 22


Tabela 02 – Violência praticada por parceiro íntimo………………………………….… 23
Tabela 03 – Tipos de violência por gênero……………………………………………….. 28
Tabela 04 – Meios utilizados nos homicídios……………………………………………... 44
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ….........................................................................................………. 13
2 ANÁLISE SISTEMÁTICA DA VIOLÊNCIA SOFRIDA PELA MULHER……. 15
2.1 Ciclo de violência ...........................................................................…………………. 15
2.1.1 Fase do Acúmulo de tensão .....................................................................…………… 16
2.1.2 Fase da Agressão……….……………………………………………………...…….. 17
2.1.3 Fase da Reconciliação ………………………………………………………………. 18
2.2. Tipos de violência praticados contra a mulher…………………………………….. 19
2.2.1 Violência Física………………………….……………………………..…………….. 21
2.2.2 Violência Sexual………………..…………………………………………………….. 22
2.2.3 Violência Patrimonial………………………………………………………………… 24
2.2.4 Violência Moral………………………………………………………………………. 26
2.2.5 Violência Psicológica…………………………………………………………………. 27
3 DIPLOMAS LEGAIS DE PROTEÇÃO À MULHER…………………………….. 31
3.1 Principais normatizações internacionais sobre o tema…………………………….. 31
3.2 Constituição Federal…………………………………………………………………. 33
3.3 Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006)………………………………………….…… 34
3.3.1 Medidas Protetivas…………………………………………………………….……… 36
3.3.2 Políticas Públicas para mulheres……………………………………………..……… 38
3.4 Decisões dos Superior Tribunal de Justiça…………………………………………… 40
3.5 Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015)………………………………………………… 41
4. VITIMOLOGIA E SUA APLICAÇÃO COMO FORMA DE PROTEÇÃO DA
MULHER………………………………………………………………………………………. 45
4.1. Conceito de Vitimologia……………………………………………………………….. 46
4.2 Tipos de vitimização…………………………………………………………………… 48
4.3 Vítimas vulneráveis…………………………………………………………………….. 51
4.4 Previsões normativas que tratam da condição da vítima…..………………………… 52
4.5 Prevenção e Redução dos efeitos da vitimização da mulher…………………………. 55
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………………………………………….…….. 59
REFERÊNCIAS…………………………………………………………………….…... 60
13

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata de um estudo acerca da violência de gênero, com


enfoque criminológico sobre as diferentes vitimizações sofridas pela mulher, e o papel que a
vitimologia pode desempenhar nesses casos.

Para tanto, realizou-se uma breve exposição sobre o histórico sociocultural que
propiciou esse quadro atual de violência e os possíveis desafios a serem enfrentados para
reverter, ou ao menos frear, tal situação.

De início, alguns pontos a serem observados sobre o tema são a prevalência da


cultura do patriarcado na sociedade, e como isso formou as bases para a atual conjuntura de
preocupante e notório desrespeito aos direitos e garantias das mulheres. Concomitantemente,
foi realizada uma breve análise das lutas feministas, abordando o papel determinante que elas
desempenham para essa alteração de paradigma.

O estudo, então, foi dividido em três capítulos, de forma a abarcar questões gerais
e específicas acerca da violência contra a mulher, elencando as previsões legais envolvidas.

O primeiro capítulo, cumpre o papel de nortear o leitor a respeito dos tipos de


violência, e como ela se desenvolve. Foi feita uma avaliação de como se dá o ciclo de
violência, pormenorizando cada uma de suas fases, ressaltando a importância de a mulher se
desvencilhar do agressor ainda na fase de tensão, pois os riscos à sua vida e integridade são
constantes.
Ademais, nesse mesmo capítulo, uma explicação conceitual pormenorizada de
como se dá cada uma das espécies de violência, que são mais costumeiramente promovidas
contra as mulheres, também foi promovido, com a apresentação de estudos que demonstram o
quão grave é a situação dessas vítimas.

No segundo capítulo, a análise foi norteada pela defesa do cumprimento e


aplicação dos direitos fundamentais que versam sobre igualdade de direitos, direito à vida e à
integridade, bem como acesso à justiça, os quais apresentam primordial relevância na
promoção de uma proteção efetiva das mulheres.

Foram aduzidos, ainda, breves comentários sobre as legislações que tratam do


assunto, perpassando-se, tanto pelas convenções de âmbito internacional que versam sobre o
14

tema, como pelas disposições constitucionais e infraconstitucionais nacionais.

Nesse contexto, um enfoque especial à Lei Maria da Penha foi dado, explicando-
se como seus dispositivos, em especial aqueles que tratam das medidas protetivas e das
garantias a um atendimento multidisciplinar, caracterizam um amparo especial e necessário às
vítimas desse tipo de violência, as quais se encontram numa situação de extrema
vulnerabilidade.

Por fim, no terceiro capítulo, após as relevantes considerações para um panorama


de como ocorre a vitimização da mulher na sociedade, foi dado um enfoque ao âmbito
criminológico, abordando os principais aspectos da vitimologia, explicando os tipos de
vitimizações, bem como ressaltando o quão relevante pode ser a aplicação da lei mais
direcionada à salvaguarda da mulher.

Ademais, é suscitada uma análise critica acerca do enfoque dispensado à vítima e


não ao delinquente nos casos de violência contra a mulher, discutindo-se como isso pode
auxiliar de forma efetiva no cumprimento adequado das políticas de proteção efetivamente a
ela dispensada.

Quanto à metodologia adotada, consistiu, em síntese, na revisão bibliográfica, do


tipo qualitativa, além da análise da legislação vigente, apresentando conceitos doutrinários e
jurisprudenciais, e respostas coerentes às indagações presentes, de modo a conciliar todos os
tópicos e subtópicos do trabalho.
15

2 ANÁLISE SISTEMÁTICA DA VIOLÊNCIA SOFRIDA PELA MULHER

A violência de gênero é uma problemática bastante discutida e de notável


relevância, não só para as Ciências Jurídicas, como também para diversos outros ramos do
conhecimento social, como a Psicologia e a Sociologia.
Inúmeros são os casos de agressões de mulheres, por seus parceiros, seja no
âmbito doméstico, ou não, e que, por serem praticados na esfera privada, são ainda
considerados por muitos como um ato isolado e não como um problema social.
Nesse contexto, para melhor entendimento acerca do assunto, faz-se necessária
uma breve consideração sobre o histórico de submissão e resistência das mulheres, bem como
sobre a influência da cultura do patriarcado nesse cenário de violência.
Simone de Beauvoir, em seu livro, O Segundo Sexo 1, defende que, na medida que
o modelo de propriedade privada se desenvolve, o homem torna-se proprietário também da
mulher, e que isso constitui a grande derrota histórica do sexo feminino, pois a atividade
doméstica desempenhada por ela, que antes apresentava um grau de importância similar,
senão superior à do homem, passa a ser menosprezada e tida como um mero anexo com a
nova divisão do trabalho. A família patriarcal seria, portanto, uma consequência do modelo
econômico. A autora defende, ainda, que a igualdade somente poderá ser restabelecida quando
os dois sexos tiverem direitos juridicamente iguais, mas essa libertação exige a entrada de
todo o sexo feminino na atividade pública.
Assim, essa estruturação cultural do papel que caberia ao homem e à mulher,
limitando, em sua maioria, o poder de escolha dessa, desenvolveu uma ideia de superioridade
do papel masculino e, com isso, um imaginário poder de mando sobre a mulher que, muitas
vezes, se exprime por meio da violência.
Diante disso, alguns estudos acerca de como esse tipo de violência se estrutura na
sociedade foram realizados, dentre os quais se destaca a teoria do ciclo de violência
desenvolvida por Lenore Walker, a qual passará a ser analisada.

2.1 Ciclo de Violência


A teoria sobre o ciclo de violência foi inicialmente desenvolvida por uma
pesquisadora e psicóloga chamada Lenore Walker, que desenvolveu seu estudo a partir da

1 BEAUVOIR, Simone de. Segundo Sexo. Tradução de Sérgio Milliet. 4ª impressão. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1970, p. 74/75.
16

análise de depoimentos de mulheres agredidas com quem trabalhava.2

Em 1979, ela apresentou as conclusões acerca dessa situação de violência e


defendeu a existência de um ciclo, pois haveria um padrão similar de comportamento que se
repetia em todas as situações de abuso observadas, o que se modificava era apenas o tempo e
a intensidade de cada período. O ciclo de violência seria, assim, composto por três fases: a
fase de formação da tensão, a de explosão ou de incidente grave de espancamento e a de
pausa calma e amorosa, também denominada de reconciliação ou lua de mel.

2.1.1 Fase do Acúmulo de Tensão


A primeira fase é a de tensão, onde ocorrem muitos desentendimentos criando um
ambiente de insegurança.3 A vítima tenta, muitas vezes, acalmar o agressor. Ela começa a
aceitar o abuso como algo legítimo, como se fosse culpada pelo comportamento violento
praticado por ele, ou então, muitas vezes, ela apresenta uma defesa psicológica denominada
de negação, na qual passa a acreditar veementemente que aquela situação em que se encontra
não é de agressão, que o autor da violência está somente passando por problemas externos
momentâneos e que a conduta dele é corrigível se ela se mantiver inerte e fizer o possível para
se esquivar dos momentos de confronto.4

Nesse momento, a mulher ainda acredita ter certo controle sobre o comportamento
do agressor, e continua apresentando uma postura passiva diante da situação. Com isso, o
homem acaba aprimorando sua conduta ofensiva e de opressão, como bem observa o livro
Violência contra a Mulher, publicado pela Casa de Cultura da Mulher Negra:5

O espancador não tenta controlar-se, apoiado na aparente passividade da


mulher diante de seu comportamento violento. A omissão social reforça no
agressor a crença de que ele está no seu direito de disciplinar a sua mulher.

Essa fase caracteriza-se, portanto, por ser marcada por uma violência psicológica

intensa e situações iniciais de agressão física que já abrem espaço para a segunda fase do

2 O ciclo da violência de Lenore Walker. Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/ciclo-da-


violencia-lenore-walker/ Acesso em: 20 de maio de 2019.
3 LIMA, Milka Oliveira; SOUZA, Ellem Dayanne Rodrigues Vinhal; SILVA, Fábio Araújo. Violência
doméstica: evolução do tipo penal. Rev. Cereus, v. 9, n. esp, p 189-205, ago-dez./2017, UnirG, Gurupi, TO,
Brasil.
4 Violência contra a mulher. Saúde – Um olhar sobre a mulher negra. Casa da Mulher Brasielira. Disponível
em: https://issuu.com/ccmnegra/docs/livro_-_viol__ncia_contra_mulher Acesso em: 01 de junho de 2019.
5 Idem.
17

ciclo. O ideal seria que as mulheres conseguissem se desvincular dessa situação de abuso já
nessa primeira fase. No entanto, isso dificilmente acontece, tanto pelo envolvimento afetivo
que há nessas relações abusivas, com a consequente crença de que é possível conter a situação
e o ofensor, quanto devido ao fato de haver uma errônea e perigosa ideia enraizada na
sociedade de que violência precisa necessariamente estar ligada a algo físico, que esses
abusos que tais mulheres alegam sofrer não poderiam ser caracterizados como tal. Contudo,
essa visão oriunda de uma sociedade machista e patriarcal tem se modificado ao longo dos
últimos anos, com a crescente e necessária atenção dada às mulheres nessas situações de
vulnerabilidade.

Nesse sentido de mudança da condição de insegurança da mulher, principalmente


nas questões que envolvem violência de outra natureza que não a física, o CNJ tem
apresentado um papel relevante, com a edição de enunciados que devem pautar a atuação
daqueles que trabalham com casos de violência doméstica, e, dentre eles, é possível destacar a
importância do Enunciado de nº 45 que diz que:

ENUNCIADO 45: As medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006


podem ser deferidas de forma autônoma, apenas com base na palavra da vítima,
quando ausentes outros elementos probantes nos autos – APROVADO no
IX FONAVID – Natal.6

Assim, mulheres em situação de violência psicológica ou moral podem gozar de


uma atuação legal mais efetiva, não sendo necessário que ela aguarde pela prática da violência
física, para que possa ter sua condição de vítima reconhecida e amparada pelas medidas
protetivas.

2.1.2 Fase da Agressão

Na segunda fase, denominada de explosão, a agressividade se evidencia. Para


conseguir manter a submissão, as formas de violência se multiplicam. Há um descontrole
absoluto por parte do ofensor, e a vítima tende a isolar-se, tanto por medo, por temer pela sua
vida e de seus familiares, quanto por vergonha, sentindo-se, muitas vezes, culpada e
constrangida diante da situação de abuso.

Esse ainda é, no entanto, o momento no qual reside a maior possibilidade de a

6 JUSTIÇA, Conselho Nacional de. Enunciados. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/lei-


maria-da-penha/forum/enunciados Acesso em: 01 de junho de 2019.
18

vítima se desvincular do agressor, mas também é a fase de maior risco, pois é quando ocorre a
maior incidência de feminicídios, seja porque durante as agressões perdeu-se o controle
absoluto da situação, seja pelo fato de a mulher decidir sair da relação e o homem, muitas
vezes, não querer aceitar essa decisão.

Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo demonstra que cerca de metade até
2/3 dos casos dos pedidos de ajuda para parentes, ocorrem após ameaças ou violências físicas,
mas que, no máximo, 1/3 dessas, se tornam denúncias. Isso demonstra bem a subnotificação
da violência contra a mulher, e como é nessa fase de agressão, que a vítima consegue ainda ter
uma percepção da situação de abuso na qual está inserida.7

2.1.3 Fase da Reconciliação


Na terceira fase, logo após a explosão, ocorre a chamada lua de mel, onde o
agressor demonstra arrependimento, culpa, e promete não repetir a conduta.

Em relato no seu livro “Sobrevivi...posso contar”, Maria da Penha fala sobre


como essa fase se fez presente na relação abusiva que vivenciou durante anos:

A violência doméstica contra a mulher obedece a um ciclo, devidamente


comprovado, que se caracteriza pelo “pedido de perdão” que o agressor faz à vítima,
prometendo que nunca mais aquilo vai acontecer. Nessa fase a mulher é mimoseada
pelo companheiro e passa a acreditar que violências não irão mais acontecer. Foi
num desses instantes de esperança que engravidei, mais uma vez.8

Isso ocorre muitas vezes porque o agressor percebe que a mulher começa a se
desvencilhar da relação. Ele se utiliza, então, de uma postura de bom marido arrependido e
apaixonado para enganá-la, fazendo-a acreditar que aquelas ações violentas foram episódios
isolados, que não votarão a acontecer.

No entanto, o que se percebe é que, após essa fase, volta-se à primeira,


perpetuando assim o ciclo. Com o tempo, os intervalos entre uma fase e outra ficam menores,
e as agressões passam a acontecer sem obedecer a essa ordem. Em alguns casos, o ciclo da
violência termina com o feminicídio, que é o assassinato da vítima pela simples condição de
gênero.9

7 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5 ed. rev., ampl. E atual. - Salvador. Editora
JusPodivm, 2018. Pág. 31.
8 PENHA, Maria da. Sobrevivi...posso contar. 2 ed. – Fortaleza. Armazém da Cultura. 2012
9 Ciclo da violência. Instituto Maria da Penha. Disponível: http://www.institutomariadapenha.org.br/violencia-
domestica/ciclo-da-violencia.html Acesso em: 03 de junho de 2019.
19

2.2. Tipos de violência praticados contra a mulher

A palavra violência é oriunda do termo latino vis, que significa força, ou seja,
violência seria o uso da força contra alguém para fazê-lo agir contra sua vontade.10

A Organização Mundial da Saúde define violência como o uso intencional da


força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra
um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão,
morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.11

Portanto, ao apresentar esse conceito, demonstrou-se a necessidade imediata de


atenção e cuidado não só com as práticas que envolvem danos físicos, mas também com o
estado psicológico de medo e tensão em que essas vítimas se encontram inseridas.

É importante ressaltar, também, que a violência não deve ser tratada como inata
ao ser humano. Os atos de violência estariam ligados a uma ideia de escolha, de decisão. Os
animais ditos irracionais é que seriam movidos pelo instinto, já os racionais teriam uma vida
psíquica consciente, pautada por uma tomada de decisões.12

Assim, uma violência não deve justificar-se como sendo uma mera resposta
instintiva a uma possível situação de risco, mas também como uma escolha do indivíduo em
apresentar tal postura. Em relação aos casos que envolvem violência contra a mulher,
inclusive, o que se percebe, muitas vezes, é que o indivíduo utiliza-se do seu maior porte
físico, ou de outras condições que lhes sejam favoráveis, para sujeitar a mulher a uma
condição de vulnerabilidade, situação essa vista, há não muito tempo, como algo aceitável
pela sociedade patriarcal e misógina apresentada. Trata-se, portanto, muito mais de uma
construção social do que propriamente de algo ligado a questões inatas ao ser humano.

A Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, apresenta um conceito


para o que seria essa violência doméstica perpetrada contra a mulher:

Art. 5o. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

10 VERONESE, Josiane Rose Petry; COSTA, Marli Marlene Morais da. Violência doméstica: Quando a vítima
é criança ou adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 25.
11 BRASIL. OMS. Portal da Saúde. Tipologias e naturezas da violência. 2002. Disponível
em:<http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto. cfm?idtxt=31079&janela> Acesso
em: 30 de maio de 2019.
12 LINTZ, Sebastião. O crime, a violência e a pena. Campinas – SP. 1987. p. 29.
20

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio


permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por
afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual.

Essa definição, trazida pela legislação reforça, portanto, a necessidade de


compreensão da maior vulnerabilidade apresentada nesse tipo de violência, instituindo que,
tanto a ação, como a omissão, nesses casos, devem ser apuradas e devidamente sancionadas.

Além disso, trouxe a ênfase necessária quanto a questão de gênero envolvida,


pois, como será posteriormente abordado, tal previsão normativa veio para trazer uma
proteção à mulher pela sua condição feminina, e que se encontre numa relação de abuso, seja
essa relação num âmbito, ou não, de coabitação.

E, por fim, esse conceito ressalta ainda a importância que deve ser dada a
afetividade envolvida nesses casos, pois é essa relação de afeto que, muitas vezes, dificulta a
vítima de se desvincular do agressor ou até mesmo de perceber que se encontra numa situação
de abuso.

Ademais, é importante que essa forma de violência seja vista como um grave
problema de saúde pública, pois há estudos que indicam que as vítimas de violência
doméstica e sexual têm mais problemas de saúde, custos significativamente mais altos de
tratamento e consultas mais frequentes aos atendimentos de emergência durante toda a sua
vida, do que os que não sofreram tais abusos, devido ao caráter de continuidade muitas vezes
presente nessas situações, o que propiciaria uma repetição da violência sofrida, bem como
pelo fato de deixar marcas profundas nos diversos âmbitos da vida de quem passa por isso.13

13 Linda L. Dahlberg. Etienne G. Krug. Violência: um problema global de saúde pública. Capítulo extraído
com autorização do autor do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. OMS, Organização Mundial de
Saúde. Genebra: OMS; 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v11s0/a07v11s0 Acesso em: 02
de junho de 2019.
21

2.2.1 Violência Física

A violência física consiste, como bem definido na Lei 11.340/2006, em qualquer


conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal. Ela se apresenta, portanto, por meio de
tapas, socos, empurrões, bem como outras atitudes que permitam uma percepção mais tátil da
violência.

Nesses casos, para aferição da responsabilidade, é indispensável a realização de


exame de corpo de delito, sendo determinado, inclusive, pela Lei 13.721/2018, que altera o
texto do Código de Processo Penal, que a mulher vítima de violência doméstica tenha
prioridade na realização do exame, assim como crianças, adolescentes, idosos ou pessoas com
deficiência que tenham sofrido violência.14

É importante dizer que essa medida representa um necessário avanço no


tratamento digno e mais atento à condição de vulnerabilidade em que essas classes se
encontram. Ela ressalta o cuidado que deve haver, principalmente, com as vítimas envolvidas
nesses casos, e como essa sutil mudança no tratamento pode gerar uma sensação de maior
eficácia para a vítima, tanto em sua proteção, como na punição dos agressores envolvidos.

Em estudo denominado de Mapas da Violência15, o qual utiliza o Sistema de


Informações de Mortalidade da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde
como fonte básica para a análise dos homicídios no País, percebe-se que a violência física
representa 48,7% dos tipos de violência notificados por mulheres no país, como se pode
observar na tabela:

14 Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou
indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que
envolva: (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018)
I - violência doméstica e familiar contra mulher; (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018)
II - violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência. (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de
2018)
15 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: FRACSO,
2015.
22

Tabela 01 – Homicídio de Mulheres no Brasil

Isso confirma a já citada dificuldade que elas possuem em sair do ciclo de


violência ainda na fase inicial, só havendo a notificação das autoridades competentes quando
a fase de agressão já se iniciou.

2.2.2 Violência Sexual

No Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, a violência sexual é definida


como:
[…] qualquer ato sexual, tentativa de obter um ato sexual, comentários ou investidas
sexuais indesejados, ou atos direcionados ao tráfico sexual ou, de alguma forma,
voltados contra a sexualidade de uma pessoa usando a coação, praticados por
qualquer pessoa independentemente de sua relação com a vítima, em qualquer
cenário, inclusive em casa e no trabalho, mas não limitado a eles.16

No âmbito da violência doméstica, essa definição torna-se um pouco mais


específica, direcionando-se, principalmente, às práticas perpetradas por parceiros íntimos ou
quaisquer outros familiares ou pessoas com quem a vítima tenha vínculo afetivo, como bem o
faz a Lei Maria da Penha:

III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a


presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a
utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; […]

16 Krug EG et al., eds. World report on violence and health. Geneva, World Health Organization, 2002. Pag.
147.
23

Em breve análise de estudo da OMS sobre a saúde e a violência doméstica contra


a mulher17, o qual apresenta um comparativo entre alguns países, percebe-se que, em alguns
locais, foi constatado que cerca de 50% das entrevistadas sofreram, pelo menos alguma vez,
um tipo de violência sexual, conforme a tabela a seguir:

Tabela 02 – Violência praticada por parceiro íntimo

Ademais, é importante observar que esses dados, apesar de preocupantes, ainda


destoam muito da realidade. Isso porque muitas mulheres sequer denunciam a violência
sexual para as autoridades competentes, seja por receio de serem estigmatizadas, ou por medo
de serem desacreditadas, já que muitos dos agressores são seus parceiros íntimos.
Cabe ressaltar que, as consequências mais comuns advindas da violência sexual,
são aquelas relacionadas à saúde reprodutiva, mental e ao bem-estar social. As mulheres que
sofreram abuso e que relatam experiências de sexo forçado geralmente apresentam
complicações ginecológicas, gravidez indesejada, bem como estão muito mais propensas a
terem doenças sexualmente transmissíveis.
A violência e a desigualdade de gênero, inclusive, conforme dados da
OMS/UNAIDS de 2010, são mais propensas a ampliar o risco de HIV através de vias

17 Garcia-Moreno C, Jansen HA, Ellsberg M, Watts CH. WHO multi-country study on women´s health and
domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women´s response.
Geneva: World Health Organization; 2005.
24

indiretas, incluindo relações cronicamente abusivas18 em que as mulheres são constantemente


expostas ao mesmo indivíduo e são incapazes de negociar o uso de preservativos para o sexo
seguro.19
Vale dizer, ainda, que elas estão sob um risco muito maior de depressão e estresse
pós-traumático do que as mulheres que não sofreram abuso, além de estarem mais propensas
ao suicídio.20

2.2.3 Violência Patrimonial

A violência patrimonial pode ser entendida como aquela ligada a questões


econômicas, bem como ao livre exercício de atividades laborais da vítima:21

Compreende-se como patrimônio não apenas os bens de relevância patrimonial e


econômico-financeira direta, mas também aqueles que apresentam importância
pessoal (objetos de valor efetivo ou de uso pessoal) e profissional, os necessários ao
pleno exercício da vida civil e que sejam indispensáveis à digna satisfação das
necessidades vitais.22

Assim, esse tipo de violência se revela por meio da proibição de realização de


trabalhos além do âmbito doméstico, bem como pela retenção de pertences pessoais e de
dinheiro da vítima. Essas ações têm a finalidade de torná-la o mais dependente possível do
agressor, o qual se aproveita da situação para que possa perpetuar ainda mais suas atitudes
abusivas. Pensando na condição de vida dos filhos, bem como em seu sustento, inúmeras são
aquelas que continuam em relacionamentos violentos por conta da sua precária condição
financeira. Nesse sentido:

18 A Lei 11.340/2006, apresenta, para as mulheres que tenham sofrido esse tipo de violência uma previsão
específica de acesso ao sistema de saúde necessário, conforme §3 o., do art. 9o.: A assistência à mulher em
situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as
diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de
Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o
caso. […] §3o. A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso
aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de
contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de
violência sexual.
19 Organização Mundial da Saúde. Prevenção da violência sexual e da violência pelo parceiro íntimo contra a
mulher: ação e produção de evidência. p. 17.
20 Krug EG et al., eds. World report on violence and health. Geneva, World Health Organization, 2002.
21 Conforme a Lei 11.340/2006, a violência patrimonial é aquela entendida como qualquer conduta que
configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo também os destinados a satisfazer as
próprias necessidades.
22 PEREIRA, Rita de Cássia Bhering Ramos et al. O fenômeno da violência patrimonial contra a mulher:
percepções das vítimas. p. 6.
25

É preciso aqui destacar que o empoderamento econômico das mulheres é um


fenômeno recente, e que a retirada dos obstáculos legais, burocráticos e culturais
para a livre disposição de seus bens, inclusive rendimentos, ainda está sendo
conquistada. Disso decorre que, em muitas situações, os homens permanecem na
condição de chefia da família, administrando os bens e monopolizando o poder
econômico da comunidade familiar, o que pode ser considerado moeda de troca ou
vantagem na imposição de sua vontade e manutenção de relação desigual de poder.23

No contexto da violência patrimonial, destaca-se como segmento mais vitimizado


a pessoa idosa.24Isso porque inúmeros são os casos de relatos de idosos que têm seu dinheiro e
pertences furtados por pessoas da própria família, mesmo que eles sejam, muitas vezes, os
únicos provedores daquele lar.
Entretanto, cabe salientar, que no caso de mulheres idosas vítimas de violência
patrimonial com caráter doméstico, a lei a ser aplicada não será o Estatuto do Idoso, mas sim
a Lei Maria da Penha, que apresenta uma legislação mais específica quanto a esses casos.
Outra questão bastante preocupante e que envolve esse tipo de violência, é a
previsão normativa dos artigos 181 e 182 do Código Penal Brasileiro que prevê as chamadas
imunidades absolutas e relativas, especificamente referentes aos casos de crimes patrimoniais
perpetrados entre cônjuges e pessoas ligadas por parentesco.
Há uma certa discussão sobre o fato de a aplicação desses dispositivos ter sido, ou
não, revogada pela Lei 11.340/2006, ao prever esse tipo de violência patrimonial. No entanto,
a interpretação jurisprudencial mais conservadora25, e ainda vigente, não recepcionou a tese de
que os artigos 181 e 182 do CP teriam sido derrogados pela Lei Maria da Penha, vale dizer, o
entendimento no sentido de serem inaplicáveis os artigos 181 e 182 do CP aos crimes de
violência doméstica e familiar. 26

23 FEIX, Virgínia. Das formas de violência contra a mulher – Artigo 7º. In: CAMPOS, Carmen Hein de
(organizadora). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen
Yuris, p. 201-213, 2011.
24 O estatuto do Idoso, também prevê proteção nesses casos: […] § 1 o Para os efeitos desta Lei, considera-se
violência contra o idoso qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado que lhe cause
morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico.
25 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE ESTELIONATO (ARTIGO 171,
COMBINADO COM O ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). CRIME PRATICADO
POR UM DOS CÔNJUGES CONTRA O OUTRO. SEPARAÇÃO DE CORPOS. EXTINÇÃO DO
VÍNCULO MATRIMONIAL. INOCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DA ESCUSA ABSOLUTÓRIA
PREVISTA NO ARTIGO 181, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. IMUNIDADE NÃO REVOGADA PELA
LEI MARIA DA PENHA. DERROGAÇÃO QUE IMPLICARIA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
IGUALDADE. PREVISÃO EXPRESSA DE MEDIDAS CAUTELARES PARA A PROTEÇÃO DO
PATRIMÔNIO DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR.
INVIABILIDADE DE SE ADOTAR ANALOGIA EM PREJUÍZO DO RÉU. PROVIMENTO DO
RECLAMO. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/133488986/recurso-em-
habeas-corpus-n-42918-rs-do-stj> Acesso em: 30/05/2019.
26 DELGADO, Mário. A invisível violência doméstica contra o patrimônio da mulher. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2018-out-28/processo-familiar-invisivel-violencia-domestica-patrimonio-
26

Alheia a essa discussão, a Lei 11.340/2006 prevê, em seu artigo 24, medidas que
possibilitem a proteção patrimonial da mulher nesses casos:
Art. 24 Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de
propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as
seguintes medidas, entre outras:
I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e
locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos
materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

2.2.4 Violência Moral


Deve ser considerada violência moral qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria. Para tanto, faz-se necessário conhecer a definição desses três delitos.

Calúnia, nos termos do artigo 138, do Código Penal, consiste em imputar


falsamente a alguém, fato definido como crime.

Difamação seria imputar a alguém fato ofensivo a sua reputação. Assim, tanto na
calúnia, quanto na difamação, a ofensa refere-se a honra objetiva, pois a consumação somente
ocorre quando terceiros ficam cientes da imputação.

Já a injúria, no entanto, fere a honra subjetiva, pois consiste na atribuição de uma


característica que atenta contra a sua dignidade ou decoro. Portanto, nesse caso, a consumação
ocorre com o conhecimento da vítima, não de terceiros.

Esses delitos, quando perpetrados contra a mulher no âmbito da relação familiar


ou afetiva, devem ser reconhecidos como violência doméstica, impondo-se o agravamento da
pena (CP art. 61, II, f)27:

Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
[…]
II – ter o agente cometido o crime:
[…]
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei
específica; (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

mulher#_ftn3> Acesso em 20 de maio de 2019.


27 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5 ed. rev., ampl. E atual. - Salvador. Editora
JusPodivm, 2018. p. 101.
27

Além disso, esse tipo de violência pode ensejar consequências na área cível, com
imposição de danos morais e/ou materiais, os quais podem ser fixados já na sentença penal
condenatória, conforme redação do artigo 387, IV, do CPP.28

A violência moral tem apresentado uma notoriedade devido ao maior uso das
redes sociais e, por consequente, os danos advindos da exposição massiva de conteúdos
ofensivos à honra de mulheres. Isso ficou bem explícito durante a candidatura e mandato da
ex-Presidenta eleita Dilma Roussef, bem como na época das eleições de 2018, quando a então
candidata à Vice-Presidência da República, Manuela Dávila, teve, em muitas ocasiões, fake
news compartilhadas na internet que iam de encontro veementemente à sua honra.

O que se constata, inclusive, é que essa tem sido uma ferramenta utilizada no
meio político para desmerecer a figura da mulher. Muitos suscitam questões de cunho pessoal
para atacar a figura feminina, questões essas que, quando atribuídas a um parlamentar do sexo
oposto, não demonstram qualquer repercussão ou interesse, o que só ratifica a presença do
machismo em diversos setores da sociedade.

2.2.5 Violência Psicológica


O conceito de violência psicológica foi incorporado ao de violência contra a
mulher na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica.
Influenciada por essa convenção, a Lei Maria da Penha traz, no inciso II, do artigo 7º, uma
definição do que configuraria essa forma de agressão:

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e
vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)

A violência psicológica foi considerada pela Organização Mundial de Saúde


(OMS) como a forma mais presente de agressão intrafamiliar à mulher, sua naturalização é
apontada como estímulo a uma espiral de violência:

28 Art.387, CPP: O juiz, ao proferir sentença condenatória:(Vide Lei nº 11.719, de 2008)


[…] IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos
sofridos pelo ofendido;(Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
28

Ainda que a força da correlação não seja expressiva, as variáveis mostram-se


relacionadas, em alguma medida, apontando a relevância de considerar as
experiências do sujeito em sua família de origem, além de outros aspectos
envolvidos no fenômeno da violência no conjugal. A família, como o primeiro
laboratório de relações interpessoais em que o ser humano é envolvido, parece
oferecer as ferramentas que o auxiliarão no estabelecimento de relações na vida
adulta. Diante disso, vivenciar, como vítima ou como testemunha, violência familiar
na infância oferece ao sujeito um modelo a ser perpetuado, ainda que seja gerador de
dor e um legado de sofrimento. Nesse sentido, promover, de modo preventivo e
terapêutico, a interrupção de ciclos conjugais de violência apresenta-se como fator
protetor não somente para o núcleo familiar atual, mas também para as gerações
futuras.29

Conforme quadro abaixo, que demonstra uma pesquisa feita para apurar quais as
violências mais recorrentes, pode-se aferir que a psicológica está, juntamente à violência
física, dentre as mais praticadas:
Tabela 03 – Tipos de violência por gênero

No entanto, apesar de os números serem alarmantes, constata-se que, devido à


subjetividade que permeia essa prática, há uma certa dificuldade no diagnóstico da violência
psicológica e, como consequente, uma subnotificação das mesmas.
Há, muitas vezes, uma dificuldade da mulher em perceber que se encontra numa
situação de abuso psicológico, pois muitas dessas atitudes se ocultam em posturas
identificadas e aceitas socialmente como sendo uma mera forma de ciúmes, ou até mesmo de
cuidado:
Geralmente, o abuso emocional acontece de forma gradual e sem que a vítima
perceba. Com o passar do tempo, esses padrões abusivos aumentam, fazendo com
que a vítima se torne cada vez mais dependente da relação e muitas vezes se isole de
amigos e familiares. O abusador utiliza de técnicas que vão desde a negação dos
fatos, como “eu não quero ouvir de novo” ou “nada disso aconteceu”, passando pela
banalização dos sentimentos da vítima “nossa, como você é exagerada” e “não é
motivo para tanto”.30

29 COLOSSI, P. M.; MARASCA, A. R., & FALCKE, D. De Geração em Geração: A Violência Conjugal e as
Experiências na Família de Origem. Porto Alegre, v. 46, n. 4, pp. 493-502, out.-dez. 2015. p. 498/499.
29

Infelizmente o fenômeno da violência psicológica possui precedentes enraizados


em uma cultura machista que se encontra sedimentada em conceitos primitivos sobre o papel
da mulher na sociedade, em que não se aceita a evolução do papel feminino no contexto
social:

O termo violência psicológica doméstica foi cunhado no seio da literatura


feminista como parte da luta das mulheres para tornar pública a violência
cotidianamente sofrida por elas na vida familiar privada. O movimento
político-social que, pela primeira vez, chamou a atenção para o fenômeno da
violência contra a mulher praticada por seu parceiro, iniciou-se em 1971, na
Inglaterra, tendo sido seu marco fundamental a criação da primeira "CASA
ABRIGO" para mulheres espancadas, iniciativa essa que se espalhou por toda
a Europa e Estados Unidos (meados da década de 1970), alcançando o Brasil
na década de 1980. 31

O reconhecimento da prática dessa forma de violência, portanto, mostra-se, muitas


vezes, como algo de difícil percepção para a própria vítima. Além de envolver uma condição
probatória mais delicada, já que, muitas vezes, não há provas materiais da ocorrência do
abuso, mas apenas a palavra da vítima. Com isso, as autoridades estatais responsáveis, muitas
vezes, apresentam uma postura de indiferença à condição dessas mulheres:
Quando se trata de dano psicológico não é necessária a elaboração de laudo
técnico ou realização de perícia para que a autoridade policial proceda ao
registro de ocorrência e encaminhe o expediente à Justiça. Infelizmente não é
o que ocorre diuturnamente. Quando não é imputada a prática de um crime,
as delegacias têm se negado a fazer alguma coisa. Limitam-se a sugerir à
vítima que procure um advogado ou a Defensoria Pública para que o pedido
da medida protetiva seja formulado perante a vara de família. A prática é
equivocada e abusiva.32

Neste contexto, apesar de não obrigatório, a utilização da perícia psíquica, que é


um procedimento que serve para qualificar e materializar as provas advindas de crimes que
não deixam vestígios ou lesões que possam ser visualizadas, sendo assim, plenamente cabível
em casos de violência psicológica, surge como algo essencial para frear esse descaso estatal
com as vítimas desses casos.33

Por fim, quanto à questão da violência psicológica, cabe ressaltar ainda, duas
modalidades que têm crescido assustadoramente com o uso das redes sociais, quais sejam, o

30 VICENTE, Fernanda. 14 sinais de que você é vítima de Gaslighting – o abuso psicológico. Disponível em:
<https://www.geledes.org.br/14-sinais-de-que-voce-e-vitima-de-abuso-psicologico-o-gaslighting/>. Acesso
em 06 de junho de 2019.
31 AZEVEDO, Maria Amélia.; GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Violência psicológica doméstica:
Vozes da Juventude. Lacri – Laboratório de Estudos da Criança. PSA/IPUSP, 2001.
32 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5 ed. rev., ampl. E atual. - Salvador. Editora
JusPodivm, 2018. Pág. 94.
33 PREUSS, Adriana de Abreu; PESSOA JUNIOR, Jeferson dos Reis. Violência Psicológica: Diagnóstico e
tratamento jurídico, para o efetivo cumprimento da lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha. p. 7.
30

stalking e a pornografia de vingança.

O stalking relaciona-se à invasão, pelo agente, da esfera pessoal da mulher. Há,


nesses casos, uma notória violação à privacidade, bem como à liberdade da vítima, a fim de
monitorá-la. Para esses casos, a Lei Maria da Penha prevê a aplicação de medidas protetivas
de urgência, tendo, inclusive, a possibilidade de adoção da prisão preventiva para os casos de
contumácia ou persistência, mesmo após a ordem judicial.

A pornografia de vingança é a forma de violência que se materializa por meio do


compartilhamento, na internet, de fotos e vídeos íntimos de mulheres pelos seus ex-cônjuges,
companheiros, e namorados com o propósito de causar humilhação.

Tais condutas são passíveis de indenização, devido à violação da intimidade. No


entanto, os danos gerados são tão intensos, que algumas vítimas chegam a cometer suicídio
por não suportar a exposição tão vasta e intensa que é gerada pela divulgação dessas imagens,
vídeos ou conversas.34

Recentemente, com o advento da Lei 13.718/2018, o Código Penal passou a


tipificar tal conduta, no Título que trata dos crimes contra a dignidade sexual, por meio do
artigo 218-C,§ 1º, o qual impõe aumento de pena quando há relação íntima de afeto ou
quando há o intuito de vingança ou humilhação na divulgação.35

34 Em 2013, Giana Fabi, uma adolescente de16 anos, cometeu suicídio após ter fotos íntimas expostas na
internet pelo seu ex-namorado, no Rio Grande do Sul. Tal fato ocorreu no dia 10 de novembro. Quatro dias
depois, outra adolescente, de nome Julia Rebeca, e com apenas 17 anos, enforcou-se com o fio da chapinha
de cabelo depois de ter um vídeo de sexo distribuído pelos celulares da cidade de Parnaíba, litoral do Piauí.
35 Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou
divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou
telemática –, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de
vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez
ou pornografia:(Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº
13.718, de 2018)
§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou
tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.(Incluído pela Lei
nº 13.718, de 2018)
31

3 DIPLOMAS LEGAIS DE PROTEÇÃO À MULHER

Para compreender como se deu a edição desses diplomas legais, cabe analisar a
luta dos movimentos feministas, que perpassa por três momentos distintos.36
No primeiro deles, entre o final do século XVIII até meados do século XIX,
buscava-se uma igualdade entre os gêneros, o foco das ações e demandas era relativo à busca
dos direitos políticos e civis das mulheres. Acreditava-se que, somente havendo uma maior
representatividade, seria possível alcançar essa equitatividade de direitos e obrigações.
Num segundo momento, percebeu-se que essa mera igualdade formal era
necessária, mas não seria suficiente para propiciar os direitos almejados. Foi então que os
movimentos feministas passaram a pautar-se pela ideia da total diferença entre homens e
mulheres. A partir disso, surgiu, posteriormente, por volta dos anos de 1970 e seguintes, o
terceiro momento, o qual veio para estabelecer uma nova orientação dessas lutas, as quais
deveriam ser direcionadas à busca pela igualdade na diferença, o que atualmente é bem
difundido como igualdade material.
Como meio de alcançar esses direitos, garantindo um papel mais protecionista à
condição de mulher, almejou-se um amparo legal que legitimasse essa luta e esses
movimentos. Com isso, diversos instrumentos foram sendo aprimorados até que os principais
deles começaram a ganhar força e aplicabilidade na norma interna de diversos países, como se
passa a analisar.

3.1. Principais normatizações internacionais sobre o tema


A Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as
Mulheres (CEDAW)37, em 1979, representou um marco importante nessa luta por garantias
feministas.
Em seu texto, a CEDAW apresenta o conceito do que seria uma discriminação
contra a mulher38, bem como determina a adoção de medidas pelos Estados-Partes, para
assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher.
36 TÍLIO, Rafael De. Marcos legais internacionais e nacionais para o enfrentamento à violência contra as
mulheres: Um percurso histórico. Revista Gestão e Políticas Públicas.
37 Foi adotada pela Resolução 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas – ONU, em 18/12/1979. Foi
assinada pelo Brasil, com reservas, em 1981, e ratificada apenas em 1984.
38 Art. 1 - […] significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto o
resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu
estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais
nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
32

Foi nesta convenção que a violência de gênero passou a ser reconhecida


oficialmente como um crime contra a humanidade, além de, a partir de então, influenciar
quase todas as políticas e iniciativas internacionais.39
Outro importante instrumento de proteção internacional à mulher, é a Convenção
Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, também
denominada de Convenção Belém do Pará.40
Essa convenção traz um amplo conceito de violência, ressaltando o quanto ela
afeta o pleno desenvolvimento dos direitos humanos, além de apresentar qual deve ser a
postura adotada pelos Estados-Partes para o efetivo cumprimento dos preceitos previstos
nesse instrumento.
Constata-se que o agente causador da violência pode ser qualquer pessoa, seja ela
particular ou, até mesmo, o Estado e seus agentes.
Ela suscita ainda a necessidade de um olhar específico para cada uma das
condições de vulnerabilidade em que a mulher se encontra, conforme bem explicita seu artigo
9º:
Para adoção das medidas a que se refere este capítulo, os Estados-Partes terão
especialmente em conta a situação de vulnerabilidade à violência que a
mulher possa sofrer em consequência, entre outros, de sua raça ou de sua
condição étnica, de migrante, de refugiada ou desterrada. No mesmo sentido
se considerará a mulher submetida à violência quando estiver grávida, for
excepcional, menor de idade, anciã, ou estiver em situação socioeconômica
desfavorável ou afetada por situações de conflitos armados ou privação de
sua liberdade.

Cabe salientar que a Convenção de Belém do Pará propiciou a criação da


legislação nacional mais protetiva direcionada à figura feminina, pois foi por meio dessa
legislação que o caso conquistou repercussão internacional.41

39 Idem.
40 Aprovada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA, foi adotada pela ONU em
1994, tendo sido ratificada pelo Brasil em 1995 e incorporada ao ordenamento jurídico apenas em 1996, por
meio do Decreto 1973/96.
41 Artigo 12 – Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida
em um ou mais Estados-Membros da Organização, pode apresentar à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação do "artigo 7º" da presente Concepção
pelo Estado-Membro, e a Comissão considera-las-á de acordo com as normas e os requisitos de
procedimento para apresentação e consideração de petições estipuladas na Convenção Americana sobre
Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
33

3.2 Constituição Federal


A Constituição da República Federativa do Brasil42, apresentou-se como um
marco na proteção da isonomia. Também conhecida por Constituição Cidadã, ela traz em seu
art. 5º, inciso I, a igualdade como um dos seus direitos fundamentais:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I-homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição; […]
Esse posicionamento adveio de inúmeras lutas feministas e reverberou a
necessidade de preocupação com a situação de vulnerabilidade social e legal em que as
mulheres se encontravam.
Ideias misóginas enraizadas na cultura permitiram uma construção familiar
totalmente pautada no patriarcalismo, onde as mulheres tinham que ser autorizadas pelos
maridos a realizar plenamente seus atos da vida civil.43
Além disso, durante muito tempo, homens puderam alegar legítima defesa da
honra para que pudessem assassinar suas mulheres em supostos casos de traição, e isso era
totalmente aceito do ponto de vista legal.44
Há, no entanto, muitos que afirmam que a criação de legislações específicas para
tratar da condição da mulher, dos tipos de violência que sofre, propiciando um amparo legal
mais efetivo a esses casos, seria uma afronta a essa suposta igualdade de direitos.
É importante dizer, no entanto, que essa postura apresenta-se como equivocada e
destoante da real vontade do legislador originário. Isso porque essa isonomia não deve ser
vista sob a ótica meramente formal, mas principalmente material. Ou seja, homens e mulheres

42 BRASIL, Constituição Federal Brasileira, 1988.


43 Artigo 6 do Código Civil de 1916: São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
[…] II-As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal. [...]
44 É importante ressaltar o marco que foi o dia 10 de outubro de 1980, onde um grupo de mulheres se reuniu
nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo para protestar contra a violência doméstica e todas as
formas de agressão à mulher. Elas denunciavam a impunidade de agressões e assassinatos e a aceitação, nos
tribunais, da tese da “legitima defesa da honra” – argumento de defesa utilizado por homens que se diziam
traídos e matavam as companheiras e seus supostos amantes. Foram cobradas mudanças no Código Penal,
para corrigir leis discriminatórias, e políticas públicas para combater efetivamente as agressões. A partir
daquele ato público, que desencadeou uma série de outros no país, o 10 de Outubro passou a ser reconhecido
como Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher. Disponível:
<http://memorialdademocracia.com.br/card/mulheres-reagem-quem-ama-nao-mata> Acesso em 03/06/2019.
34

devem ter igualdade de condições na medida da sua desigualdade, como bem defende Maria
Berenice Dias45:
Cada vez mais se reconhece a indispensabilidade da criação de leis que
atendam a segmentos alvos da vulnerabilidade social. A construção de
microssistemas é a moderna forma de assegurar direitos a quem merece
proteção diferenciada.

A garantia a uma proteção nos casos de violência doméstica, os quais, muitas


vezes, se inter-relacionam com a questão do gênero, mostra-se como uma situação em que se
faz necessário um posicionamento que demonstre maior preocupação e respeito à condição da
mulher, que em sua maioria é de vulnerabilidade.
Essa é uma atitude básica para o cumprimento do preceito da dignidade da pessoa
humana, o qual é um direito basilar dentre os direitos humanos previstos constitucionalmente.
Como poderia uma mulher apresentar uma vida digna, se muitas vezes o local onde reside
está marcado pela violência?! Fez-se necessária, portanto, uma ação mais efetiva do legislador
em apresentar um aparato legislativo que desenvolvesse essa ideia constitucional de promoção
de direitos humanos.
O STF se posicionou sobre essa questão46 e declarou a constitucionalidade da Lei
Maria da Penha, a qual seria, inclusive, uma boa aliada no cumprimento do preceito previsto
no artigo 226, §8º, da Constituição Federal, que diz que o Estado assegurará a assistência à
família na pessoa de cada um dos que a integram, por meio de mecanismos para coibir a
violência no âmbito de suas relações.

3.3 Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006)


A Lei Maria da Penha, ficou assim conhecida pelo famoso caso envolvendo a
farmacêutica e bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, a qual passou por duas tentativas
de homicídio perpetradas pelo próprio marido.
Na primeira ocasião foi baleada, o que fez que ela ficasse paraplégica. Num
segundo momento, após quatro meses de tratamento, ao retornar para casa, ela foi mantida em
cárcere privado por 15 dias, e Marco Antônio, que era seu esposo, tentou mais uma vez matá-
la, só que dessa vez eletrocutada durante o banho.

45 DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha: lei constitucional e incondicional. Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq(cod2_796)maria_da_penha_uma_lei_constitucional_e_inco
ndicional.pdf> Acesso em: 04 de maio de 2019.
46 Ação Direta de Constitucionalidade – ADI 19-3/610, proposta quanto aos artigos 1º, 33 e 41 e Ação Direta
Constitucionalidade de Inconstitucionalidade – ADI 4424, quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41, todos da
Lei 11.340/2006.
35

Esses fatos ocorreram em 1983, mas só em 1991 ocorreu o primeiro julgamento,


e em 1996 o segundo, sendo que em nenhum deles o réu cumpriu a pena devido a meras
questões processuais.
Diante disso, em 1998, Maria da Penha, o Centro para a Justiça e o Direito
Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da
Mulher (CLADEM) denunciaram o caso para a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), e, ainda assim, o Estado
brasileiro se mostrou inerte diante da situação, até que foi formalmente responsabilizado no
âmbito internacional.47
Em 2002, foi formado então um Consórcio de ONGs Feministas 48 para a
elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, lei essa
que seria sancionada apenas em 2006, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Rompendo com a visão meramente punitivista, a lei incorporou as perspectivas da
prevenção, assistência e contenção da violência, além de criar medidas protetivas de urgência
e juizados especializados para o julgamento dos crimes praticados com violência doméstica e
familiar.49
As preocupações contidas no presente dispositivo habitaram, inicialmente, a
Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher,
aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1979, e ratificada pelo Brasil
em 1984. O art. 6.º, b, da Convenção de Belém do Pará, de 1994, firmada pelo Brasil no ano
de 1995, contém previsão semelhante:50
Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação
sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde
física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

47 Instituto Maria da Penha. Quem é Maria da Penha. Disponível em:


<http://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html > Acesso em: 10 de junho de 2019.
48 Esse consórcio de ONG´s Feministas era composto por: Centro Feminista de Estudos e Assessoria
(CFEMEA); Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos (ADVOCACI); Ações em Gênero, Cidadania e
Desenvolvimento (AGENDE); Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA); Comitê Latino-
americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM/BR); e Assessoria Jurídica e
Estudos de Gênero (THEMIS), além de feministas e juristas com especialidade no tema.
49 A CPMI da violência contra a mulhere a implementação da Lei Maria da Penha. Carmen Hein de Campos,
Estudos Feministas, Florianópolis, 23(2): 352, maio-agosto/2015. p. 2.
50 FEIX, Virgínia. Das formas de violência contra a mulher – Artigo 7º. In: CAMPOS, Carmen Hein de
(organizadora). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro:
Lumen Yuris, 2011.
36

A Lei Maria da Penha, modificou o então tratamento do estado brasileiro em


relação aos casos envolvendo violência doméstica, o que ocorreu, basicamente, por meio de
três vertentes: aumento do custo da pena para o agressor; empoderamento e condições de
segurança para que a vítima pudesse denunciar; e, por fim, aperfeiçoou os mecanismos
jurisdicionais, possibilitando que o sistema de justiça criminal atendesse de forma mais
efetiva os casos envolvendo violência doméstica.51
Ao construir uma legislação específica para nortear o tratamento legal da violência
doméstica, o feminismo disputa um lugar de fala até então não reconhecido pelos
juristas tradicionais. É que a afirmação dos direitos das mulheres, através de uma
legislação específica, ameaça a ordem de gênero do direito penal afirmada por esses
juristas. Dito de outra forma, os pressupostos teóricos sob os quais têm se sustentado
a formulação sexista sobre o que deve ou não ser considerado um tema de relevância
jurídica.52
Essa legislação representa, portanto, um marco na efetivação de direitos protetivos
da mulher, reconhecendo a importância da especificidade nesses casos.

3.3.1 Medidas Protetivas

As medidas protetivas têm caráter preventivo e são voltadas a providências


urgentes. De acordo com a Lei Maria da Penha, existem dois tipos de medidas protetivas: as
medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor a uma conduta53, e as medidas
protetivas de urgência direcionadas à ofendida, como o encaminhamento a programa de
proteção ou atendimento, o afastamento do lar, a separação de corpos e a restituição de bens.54
A violência doméstica passa, a partir dessa lei, a estar divorciada da prática
delitiva, não necessitando que essa tenha ocorrido para que haja a concessão das medidas
protetivas tanto por parte da autoridade policial, como pelo juiz.55
Assim, mesmo que não haja efetiva comprovação da ocorrência de um delito,
como nos casos da violência moral, em que há uma certa dificuldade probatória devido ao

51 CERQUEIRA, Daniel, et al..Avaliando a efetividade da Lei Maria da Penha. 2048 – texto para discussão.
Brasília, março de 2015. p. 10.
52 CFEIX, Virgínia. Das formas de violência contra a mulher – Artigo 7º. In: CAMPOS, Carmen Hein de
(organizadora). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro:
Lumen Yuris, p. 201-213, 2011. p. 7.
53 Como exemplos, pode-se citar, a suspensão do porte de armas, o afastamento do lar, a proibição de
aproximação ou de contato com a ofendida, a restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores e a
prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
54 CNJ. Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha. 2018. p. 11.
55 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5 ed. rev., ampl. E atual. - Salvador. Editora
JusPodivm, 2018.
37

caráter unissubsistente do fato, na dúvida da prática da violência, deve-se conceder a medida


protetiva, garantindo assim, a proteção da mulher.
Recentemente, com o advento da Lei 13.641/2018, que alterou o texto da Lei
11.343/2006, o descumprimento de tais medidas passou a ser criminalizado. Isso porque,
como não havia uma sanção efetiva em caso de descumprimento e como o poder público não
demonstra ter aparato suficiente para a fiscalização, o desrespeito quanto ao cumprimento das
medidas era quase certo, assim:
Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência
previstas nesta Lei: (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 13.641, de
2018)
§ 1oA configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz
que deferiu as medidas. (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
§ 2o Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá
conceder fiança. (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
§ 3o O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.
(Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)

Outra alteração legislativa ainda mais recente sobre a questão das medidas
protetivas ocorreu com a Lei 13.827/2019, que prevê a decretação de medidas protetivas não
só pela autoridade judicial, mas também pelo delegado de polícia quando o município não for
sede de comarca, bem como pelo policial quando, além de não ser sede de comarca, não
houver delegado no momento do comparecimento da vítima:
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade
física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus
dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de
convivência com a ofendida: (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
I- pela autoridade judicial; (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
II- pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou
(Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
III- pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver
delegado disponível no momento da denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.827, de
2019)
§ 1ºNas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado
no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a
manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério
Público concomitantemente. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
§ 2ºNos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida
protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso. (Incluído
pela Lei nº 13.827, de 2019)

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ingressou com uma ação direta
de inconstitucionalidade (ADI 6138) contra a Lei 13.827/2019, alegando que a mudança fere
o princípio da reserva de jurisdição. Conferir ao delegado de polícia ou ao policial tal
competência, implicaria, segundo eles, em clara ofensa ao inciso XI, que trata da
38

inviolabilidade do domicílio, bem como ao inciso LIV, que versa sobre o princípio do devido
processo legal, ambos do art. 5º, da Constituição Federal.56
No entanto, a alteração deve ser entendida como perfeitamente constitucional.
Não existe reserva de jurisdição para a decretação de medidas cautelares, ou seja, a
Constituição não exigiu prévia decisão judicial para a adoção dessas providências.57
Outra conquista para a proteção das mulheres, ocorrida há um lapso temporal não
muito considerável, foi a edição de uma Súmula pelo Pleno do Conselho Federal da OAB:
Requisitos para a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.
Inidoneidade moral. A prática violência contra a mulher, assim definida na
“Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher – ‘Convenção de Belém do Pará’ (1994)”, constitui fator apto a demonstrar a
ausência de idoneidade moral para a inscrição de bacharel de Direito nos quadros da
OAB, independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a
análise de cada caso concreto.58

Assim, considerando-se a prática de violência contra a mulher um fator de


inidoneidade moral que impossibilitaria a inscrição do agressor junto aos quadros da Ordem
dos Advogados do Brasil, essa instituição forneceu um fator desmotivador àqueles que,
formados na área jurídica, pensem em cometer algum delito dessa natureza, bem como
representou uma consciência da classe dos advogados, em relação à condição de
vulnerabilidade dessas vítimas.

3.3.2 Políticas Públicas para mulheres


A Lei 11.340/2006 traçou diretrizes para a atuação articulada entre os entes
públicos, revelando a necessidade de integração das instituições, a fim de garantir um
atendimento multidisciplinar a essas vítimas.59
56 POMPEU, Ana. Lei que autoriza policiais a conceder medidas protetivas é questionada no STF. Disponível
em: <https://www.conjur.com.br/2019-mai-16/lei-autoriza-policial-conceder-medida-protetiva-questionada>
Acesso em 02 de junho de 2019.
57 HOFFMANN, Henrique. Concessão de medidas protetivas por delegado amplia direitos da mulher.
<https://www.conjur.com.br/2017-nov-01/concessao-medida-protetiva-delegado-amplia-direitos-mulher>
Acesso em: 02 de junho de 2019.
58 Pleno do CFOAB decide que violência contra a mulher impede inscrição nos quadros da instituição.
Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/noticias/2019/03/pleno-do-cfoab-decide-que-violencia-contra-a-
mulher-impede-inscricao-nos-quadros-da-instituicao.12864> Acesso em: 10 de maio de 2019.
59 Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio
de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações
não-governamentais, tendo por diretrizes:
I- a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de
segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;
II- a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero
e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar
contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica
dos resultados das medidas adotadas;
39

Delegacias especializadas com atendimento realizado preferencialmente por


servidoras do sexo feminino, núcleos de Defensoria Pública, criação de Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal para o processo,
julgamento e execução das causas, com instalação de promotorias, são algumas das medidas
previstas pela lei para adequação do sistema criminal a essa já antiga realidade:
[…] ao mesmo tempo em que a lei alinha a intervenção frente aos casos de
violências a uma perspectiva criminalizante, nas três etapas da atuação das/os
agentes operadoras/es do Direito (policial, judicial ou já na fase de execução
da pena), também lança mão de instrumentos de proteção e de uma
perspectiva nominativa. Há dispositivos em que se destaca a dimensão
protetiva, como aqueles contidos no Capítulo II, que enuncia as medidas
protetivas de urgência. Por sua vez, a dimensão nominativa é marcadora
evidente da complexa luta política que resultou na aprovação da Lei Maria da
Penha. Neste nível interpretativo, presente no discurso dos/as agentes
pesquisados/as, é possível perceber, por exemplo, quais compreensões de
violências, feminismos, ou mulheres foram inscritas no texto normativo.60

Ademais, dotações orçamentárias específicas, promoção de programas


educacionais e de campanhas de enfrentamento da violência, disponibilização de serviços de
contracepção, criação de Casas-abrigo para acolhimento das mulheres e de seus dependentes,
dentre outros, permitem uma maior efetividade da legislação, se aplicadas, além de
demonstrar que o papel a ser desempenhado nesses casos requer uma atuação que supere o
âmbito penal.

III- o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a
coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com
o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição
Federal;
IV- a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de
Atendimento à Mulher;
V- a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a
mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de
proteção aos direitos humanos das mulheres;
VI- a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre
órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação
de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;
VII- a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos
profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de
raça ou etnia;
VIII- a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da
pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX- o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos
humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a
mulher.
60 MACHADO, Isadora Vier; GROSSI, Miriam Pillar. Da dor no corpo à dor na alma: o conceito de violência
psicológica na Lei Maria da Penha. p. 570/571
40

3.4 Decisões dos Tribunais Superiores


Em relação a temas pertinentes à violência contra a mulher, o STF possui algumas
decisões esparsas sobre o assunto, basicamente quanto à constitucionalidade de alguns
dispositivos da lei, no entanto é o STJ que tem apresentado, de fato, um posicionamento
significativo sobre o tema, principalmente por meio da edição de súmulas.
A primeira delas a ser aqui analisada é a Súmula 600, a qual defende a
desnecessidade de coabitação entre os sujeitos envolvidos nesses casos. Isso porque a Lei
Maria da Penha diz que o crime deve ser cometido no âmbito da unidade doméstica, da
família ou em qualquer relação íntima de afeto, não apresentando como requisito a coabitação
entre a vítima e o ofensor:
Súmula 600-Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista
no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se exige a
coabitação entre autor e vítima. (Súmula 600, TERCEIRA SEÇÃO, julgado
em 22/11/2017, DJe 27/11/2017)

Com isso, apesar de ser necessária a análise do caso concreto, prevalece a tese da
aplicação da lei inclusive às relações de namoro.61
Há, ainda, importante entendimento acerca da aplicação do Princípio da
Insignificância, considerando inviável a sua presença nesses casos, visto que o bem jurídico
tutelado seria de especial relevância:
Súmula 589-É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou
contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.
(Súmula 589, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017)62

Outro ponto discutido foi quanto à possível substituição da pena privativa de


liberdade pela restritiva de direitos nos casos de violência doméstica. O Tribunal entendeu que

61 "[...] A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, analisando o tema posto em debate, vem
manifestando seu entendimento jurisprudencial no sentido de que a ameaça cometida por ex-namorado que
não se conforma com o rompimento do vínculo configura violência doméstica, ensejando a aplicação da Lei
nº 11.340/06. Esta orientação decorre do raciocínio de que, nestas circunstâncias, há o pressuposto de uma
relação íntima de afeto a ser protegida, por ocasião do anterior convívio do agressor com a vítima, ainda que
não tenham coabitado. Aliás, o art. 5º da norma em questão não exige coabitação para que seja configurada a
violência doméstica contra a mulher, bastando a convivência, ainda que anterior. […]" (RHC 27317 RJ, Rel.
Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2012, DJe 24/05/2012)
62 "[…] LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU
BAGATELA IMPRÓPRIA. NÃO APLICAÇÃO. […] 1. No que toca aos delitos com violência à pessoa, no
âmbito das relações domésticas, não têm aplicação tanto o princípio da insignificância, que importa no
reconhecimento da atipicidade do fato, como tampouco da bagatela imprópria, pelo qual se reconhece a
desnecessidade de aplicação da pena, tendo este Superior Tribunal de Justiça firmado entendimento no
sentido da relevância penal de tais condutas." (AgRg no REsp 1543718 MS, Rel. Ministra MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/09/2015, DJe 22/09/2015)
41

seria inaceitável, visto que um dos pressupostos para essa mudança quanto ao tipo de pena
aplicada é a ausência de violência ou grave ameça no crime praticado:
Súmula 588-A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com
violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. (Súmula
588, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017)

A edição da súmula 542 foi de grande valia, pois há uma notável situação de
vulnerabilidade da vítima diante dessa situação de violência, o que, muitas vezes, faz que ela
não faça a representação necessária ao seguimento de uma possível ação penal contra o
agressor:
Súmula 542-A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência
doméstica contra a mulher é pública incondicionada. (Súmula 542, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015)
Assim, com esse entendimento, isso não seria necessário, pois o crime de lesão
corporal, mesmo os de natureza culposa ou leve, passam a ser de ação penal pública
incondicionada, cabendo ao Ministério Público dar início, sem que seja necessária a
representação da ofendida.

Ademais, não é possível a aplicação do sursis, bem como da transação penal nos
delitos sujeitos à Lei 11.340/2006:
Súmula 536-A suspensão condicional do processo e a transação penal não se
aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha. (Súmula 536,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2015, DJe 15/06/2015)

Cabe ressaltar que essa vedação se aplica tanto aos crimes, quanto às
contravenções compreendidas no âmbito de aplicação dessa lei.63

3.5 Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015)


O termo feminicídio foi citado pela primeira vez por Diana Russel e Jill Radford,
em seu livro, “Femicide: The Politics of Woman Killing”, publicado em 1992, em Nova York.
Anteriormente, essa expressão tinha sido utilizada pelo Tribunal Internacional de Crimes
Contra as Mulheres, em 1976, sendo retomada na década de 1990.

63 "[…] O Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus nº 106.212/MS, julgado pelo Plenário no dia 24 de
março de 2011, estabeleceu que nenhum dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 aplica-se às
hipóteses da Lei nº 11.340/06. […] Mais do que a própria doutrina, o Supremo entendeu, por unanimidade,
que sequer nas hipóteses de contravenções que sejam processadas segundo o rito da Lei Maria da Penha, não
se aplicaria esses institutos despenalizadores, uma vez que o que a Lei estabeleceu, do ponto de vista político
normativo, foi uma regra específica para os casos de violência doméstica contra a mulher. […] ( HC 191066
MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro OG FERNANDES,
SEXTA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 20/06/2012)
42

Os casos de Feminicídio64 no Brasil, se tornaram evidentes com a vigência da Lei


nº. 13.104/15, conhecida como Lei do Feminicídio, reverberando efeitos nos campos jurídico,
social e político.65

Essa lei incluiu a hipótese como uma qualificadora do crime de homicídio,


previsto no artigo 121, do Código Penal, tornando-o, por conseguinte, crime de natureza
hedionda.

É importante dizer que existe uma parte da doutrina que defende que essa
qualificadora do crime de feminicídio tem natureza subjetiva:

O sujeito mata em razão da condição do sexo feminino. Em razão disso, ou seja, por
causa disso. Seria uma qualificadora objetiva se dissesse respeito ao modo ou meio
de execução do crime. A violência de gênero não é uma forma de execução do
crime, sim, sua razão, seu motivo. Por isso que é subjetiva.66

O STJ e a doutrina majoritária, entretanto, entendem que ela tem natureza


objetiva:

O agente não mata a mulher somente porque ela é mulher, mas


o faz por ódio, raiva, ciúme, disputa familiar, prazer, sadismo, enfim, por
motivos variados que podem ser torpes ou fúteis; podem, inclusive, ser
moralmente relevantes’, não se descartando, ‘por óbvio, a possibilidade de o
homem matar a mulher por questões de misoginia ou violência doméstica;
mesmo assim, a violência doméstica e a misoginia proporcionam aos homens
o prazer de espancar e matar a mulher, porque esta é fisicamente mais fraca’,
tratando-se de ‘violência de gênero, o que nos parece objetivo, e não
subjetivo.67

Em análise da pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública,


constata-se que, dentre os anos de 2016 e 2017, houve um aumento percentual de 21,9% para
24,8% na proporção de feminicídios ocorridos dentro do número de homicídios de mulheres.

Isso demonstra que, ao menos em questões estatísticas, a Lei, que teve sua
64 […] Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:(Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)[…]
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:(Incluído pela Lei
nº 13.104, de 2015)
I – violência doméstica e familiar;(Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.(Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
65 VILA, Eugênia Nogueira do Rêgo Monteiro. Os desafios impostos pelos 39 diferentes tipos de violência
contra a mulher. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/relatorio-
pesquisa-2019-v6.pdf> Acesso em 20 de maio de 2019.
66 BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flavio. Feminicídio: entenda as questões controvertidas da Lei
13.104/2015. Disponível em: <https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/173139525/feminicidio-entenda-
as-questoes-controvertidas-da-lei-13104-2015> Acesso em 20 de maio de 2019.
67 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Volume 2. Rio de Janeiro: Forense,
2017, p. 46/47.
43

aprovação em 2015, ainda não apresentou um caráter preventivo, com a consequente redução
do delito. No entanto, ela propiciou um maior debate sobre o quão grave é a condição da
mulher no país e permitiu que estudos como esses fossem realizados, já que antes não era
possível fazer essa aferição, devido ao fato de não haver uma delimitação do que seria o
feminicídio. E, sem dúvidas, para combater o problema, faz-se necessário conhecê-lo. A
implementação de sistemas de informação eficientes para investigar as condições desses
crimes é algo urgente e necessário.68

É importante dizer que a vítima desse crime é justamente a mulher que não
procurou ajuda ou que não teve a proteção do Estado. Dentre os 364 casos analisados em São
Paulo pela pesquisa Raio-X do Feminicídio, apenas 3% das vítimas de feminicídio, tentado ou
consumado, tinham solicitado/obtido medidas protetivas. E das 124 mulheres mortas nessas
condições, apenas 5 registraram boletim de ocorrência.69 Essa pesquisa constatou ainda que
84% dos sujeitos ativos do crime são parceiros ou ex-parceiros das vítimas (casados ou
conviventes) e que 12% eram namorados.

Pelos registros do SIM, entre 1980 e 2013, num ritmo crescente ao longo do
tempo, tanto em número, quanto em taxas, morreu um total de 106.093 mulheres vítimas de
homicídio. Efetivamente, o número passou de 1.353 mulheres em 1980, para 4.762 em 2013,
um aumento de 252%. A taxa que, em 1980 era de 2,3 vítimas por 100 mil, passa para 4,8 em
2013, um aumento de 111,1%.70

Com o advento da Lei Maria da Penha, em 2006, constata-se uma queda


considerável no número de homicídio de mulheres, no entanto, logo esses números voltam a
crescer até mesmo para patamares superiores.

Observa-se, por fim, que, nessa mesma pesquisa, a arma de fogo consta como o
mais relevante meio empregado no homicídio dessas mulheres, o que traz à tona a discussão

68 MOTA, Maria Dolores de Brito. Assassinatos de mulheres no Brasil. Um estudo do Instituto Sangari
contribuindo para o entendimento do feminicídio no país. Disponível em:
<https://fpabramo.org.br/2012/07/02/assassinatos-de-mulheres-no-brasil-um-estudo-do-instituto-sangari-
contribuindo-para-o-entendimento-do-feminicidio-no-pais/> Acesso em: 14 de maio de 2019.
69 SCARANCE, Valéria. Violência contra a mulher: um desafio para o Brasil. Fórum Brasileiro de Segurança
Pública. A vitimização de mulheres sofridas no Brasil. 2 edição. Disponível em:
<http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/relatorio-pesquisa-2019-v6.pdf> Acesso
em: 04 de junho de 2019.
70 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: FRACSO,
2015.
44

acerca do fato de a facilitação da posse de arma de fogo no país, propiciar um possível


aumento dos feminicídios:

Tabela 04 – Meios utilizados nos homicídios


45

4. VITIMOLOGIA E SUA APLICAÇÃO COMO FORMA DE PROTEÇÃO DA


MULHER

A atual Vitimologia surgiu, por volta de 1945, como uma forma de reação aos
fatos decorrentes das duas Guerras Mundiais, em especial a Segunda Guerra, que, por meio do
holocausto, ocasionou o genocídio de milhões de judeus. Em 1973, foi celebrado, então, em
Jerusalém, o Primeiro Simpósio Internacional sobre Vitimologia. Pode-se dizer que
oficialmente ela nasce, no âmbito científico e mundial, no ano de 1979, no Terceiro Simpósio
Internacional sobre o tema, celebrado em Münster (Alemanha), quando é fundada a Sociedade
Mundial de Vitimologia.71
Esse Simpósio propiciou as bases para a criação da Declaração dos Princípios
Fundamentais de Justiça, Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder, a qual
foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 40/34, de 29 de
Novembro de 1985:
Disposta em seis partes, esta carta de princípios define a vítima de crime e de
abuso de poder72, preconiza o seu acesso à Justiça e a necessidade de
tratamento justo a ela. Dispõe sobre o ressarcimento devido às vítimas - a
cargo do infrator-, a indenização pelo Estado - devida quando o
ressarcimento proveniente do delinqüente ou de outras fontes não seja
suficiente para a vítima resgatar as condições necessárias para a sua
manutenção e, ainda, da assistência material, médica, psicológica e social, a
ser prestada às vítimas através de meios governamentais, voluntários,
comunitários e autóctones. Recomenda que, para alcançar esses objetivos,
sejam fomentados o estabelecimento, o reforço e a ampliação de fundos
nacionais e, quando necessário, também outros fundos com os mesmos
propósitos, incluídos os casos de Estados da nacionalidade da vítima que não
estejam em condições de indenizá-la pelos danos sofridos.73
A Declaração defende, assim, a necessidade de aprimoramento do aparelho
judiciário e administrativo para responder às necessidades das vítimas 74. O Estado não deve,

71, Beristain, Antonio. Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia/ Antonio Beristain; tradução de
Cândido Furtado M aia Neto. - Brasília : Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado, 2000.p. 83.
72 No conceito adotado pela Declaração, entende-se por vítimas as pessoas que, individual ou coletivamente,
tenham sofrido um prejuízo, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um sofrimento
de ordem moral, uma perda material, ou um grave atentado aos seus direitos fundamentais, como
consequência de atos ou de omissões violadores das leis penais em vigor num Estado-membro, incluindo as
que proíbem o abuso de poder.
73 Estudos contemporâneos de vitimologia / Marisa Helena D’ Arbo Alves de Freitas e Roberto Faleiros Galvão
Júnior (orgs). –São Paulo: Cultura Acadêmica: Editora UNESP, 2011. p. 9.
74 Informando as vítimas da sua função e das possibilidades de recurso abertas, das datas e da marcha dos
processos e da decisão das suas causas, especialmente quando se trate de crimes graves e quando tenham pedido
essas informações; Permitindo que as opiniões e as preocupações das vítimas sejam apresentadas e examinadas
nas fases adequadas do processo, quando os seus interesses pessoais estejam em causa, sem prejuízo dos direitos
da defesa e no quadro do sistema de justiça penal do país; Prestando às vítimas a assistência adequada ao longo
de todo o processo; Tomando medidas para minimizar, tanto quanto possível, as dificuldades encontradas pelas
46

portanto, se omitir diante dessa situação, devendo garantir um amparo jurídico e social a essas
pessoas.
Assim deve ser nos casos que envolvem violência contra a mulher. Tanto que,
no caso da Maria da Penha, o Estado brasileiro foi responsabilizado por omissão, tendo sido
recomendada a edição de uma legislação que efetivamente assegurasse o direito à proteção
das mulheres. Tal Lei, assim como outras já suscitadas no capítulo anterior, apresentaram um
enfoque destoante do que se tem como padrão do Direito Penal interno, visto que elas têm um
direcionamento à vítima, enquanto que aquele apresenta disposições mais voltadas ao
agressor.

4.1. Conceito de Vitimologia

A Vitimologia alcança temas como a proteção da vítima e o reconhecimento de


seu papel preponderante como sujeito de direitos. Estuda, ainda, não só as vítimas de crimes,
mas também as agredidas em seus outros direitos fundamentais:
A vitimologia, enquanto área do conhecimento autônoma da criminologia,
não se restringe ao estudo da vítima do crime, abrangendo o estudo do
conjunto das vítimas em diferentes contextos. Pode-se pensar nas vítimas de
catástrofes naturais ou de problemas sociais e econômicos. No âmbito de
análise próprio da macrovitimologia, o genocídio possui um papel central
como referência de estudo. Já no âmbito da microvitimologia, que privilegia
a compreensão da problemática relação que pode ser estabelecida entre o
agente e a vítima de um crime, desponta o estudo da violência doméstica
contra a mulher como principal objeto. Reconhece-se que a violência contra a
mulher possui raízes culturais, relacionadas ao papel de subordinação que lhe
foi atribuído historicamente. Nesse aspecto, a macrovitimologia contribui
para a compreensão do fenômeno, na medida em que estuda a estrutura social
consolidada na repetição de modelos de conduta milenares, que apenas há
poucas décadas passaram a ser questionados de maneira mais profunda e
organizada, em especial, pelos movimentos feministas. 75
Ela permite, com isso, a retirada da ofendida de uma espécie de invisibilidade
que foi se desencadeando com o decorrer do tempo. Instauração essa advinda do domínio do
homem sobre a mulher, permitida por uma estrutura social que sustenta e protege tal
implantação, no caso de violência de gênero.

vítimas, proteger a sua vida privada e garantir a sua segurança, bem como a da sua família e a das suas
testemunhas, preservando-as de manobras de intimidação e de represálias; Evitando demoras desnecessárias na
resolução das causas e na execução das decisões ou sentenças que concedam indenização às vítimas.
75 GONÇALVES, Vanessa Chiari.Violência contra a mulher Contribuições da vitimologia. Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/sistemapenaleviolencia/article/view/23712> Acesso em: 12
de junho de 2019.
47

A vítima tem sido menosprezada pelo Direito Penal. Somente com os estudos
criminológicos é que seu papel no processo penal foi resgatado. Estudiosos do tema dividiram
o protagonismo das vítimas nos estudos penais em três grandes fases.
A primeira delas consiste na época de primazia da vítima. Seu período
compreenderia desde os primórdios da civilização até o final da Idade Média, na qual, com o
declínio do feudalismo e ascensão do soberano, modificou-se o sistema de justiça promovido
pela vingança privada para o sistema inquisitivo, na figura do Estado, que toma para si a
repressão do crime76:
O fato é que, com o fim da autotutela, da pena de talião, da composição, e,
fundamentalmente, com o declínio do processo acusatório, há uma certa
perda do papel da vítima nas relações processuais decorrentes de delitos.77
Nesse segundo momento, o papel punitivista passa a ser monopolizado pelo
Estado, o qual não mais permite que as vítimas castiguem seus ofensores, como ocorria na
época da vingança privada. Com isso, o papel dela vai sendo ofuscado, o que faz com que
passe a ter um caráter secundário, quase inexistente no sistema penal durante muito tempo.

No terceiro momento, haveria uma retomada desse papel da vítima no cenário


jurídico-penal e processual penal, inclusive invocando que seu comportamento pode algumas
vezes, e em determinadas situações, contribuir para a eclosão do delito. Mesmo que tais
períodos encontrem um certo questionamento, essa classificação é aceita pela maioria dos
autores:78
A redescoberta da vítima tende a influir em vários aspectos da política
criminal, entre eles, a redução da vitimização através do estudo de seu
comportamento face ao crime e melhoria na instrução criminal, a partir do
momento em que a vítima surge como sujeito de direitos e, em sendo
respeitada, passa a colaborar mais com as investigações. Entretanto são
tendências que deverão ser seguidas por nossa política criminal, mas que
ainda não se verificam empiricamente, acontecendo exatamente o oposto, o
total desrespeito à vítima de crime.79
Ademais, cabe ressaltar que, apesar de haver uma certa divergência, a
vitimologia deve ser entendida como um ramo autônomo da Criminologia, como já suscitado,

76 A doutrina aponta que a evolução da teoria do bem jurídico significou o desaparecimento dos interesses da
vítima do conceito de delito, ou seja, o delito é a violação ao bem jurídico, o bem jurídico penal é um critério
limitador da intervenção punitiva do Estado, significando, portanto, mais um avanço na expropriação pelo
Estado do conflito existente entre vítima e vitimizador.
77 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008. p. 28.
78 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008. p. 27-30
79 JORGE, Aline Pedra. Em busca da satisfação dos interesses da vítima penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2005. p. 14.
48

que tem ganhado grande espaço e reconhecimento quanto a sua importância. No entanto, faz-
se necessário definir o que seria Criminologia, a fim de demonstrar como essas ciências se
inter-relacionam:

A criminologia é uma ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do


estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do
comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida,
contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime -
contemplado este como problema individual e como problema social -, assim
como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de
intervenção positiva no homem delinqiiente". 80
A maior parte dos autores define a criminologia como uma ciência. 81 Ainda que
tal premissa não seja absoluta na doutrina, não há como negar que esta apresenta um método
próprio, um objeto e uma função.82
Essa ciência demonstra, então, que os resultados mais efetivos no combate à
criminalidade acontecem quando as raízes do problema são encontradas, de forma que se
possa incidir sobre as suas causas. E na raiz da violência contra a mulher está a desigualdade
de gênero, como a criminologia feminista já havia denunciado.83

4.2 Tipos de Vitimização


Vitimização ou vitimação é um processo no qual o sujeito vem a ser vítima de
sua própria conduta ou da conduta de terceiros. É um processo de inflição de sofrimento ou
prejuízo a alguém, podendo ser psicológico, físico ou econômico. Representa, portanto, o
processo no qual uma pessoa ou grupo de pessoas se converte em vítima.84
O fato criminoso desencadeia por si diferentes formas de vitimização,
contribuindo para a formação do fenômeno complexo que é a classificação vitimológica. O
que se entende, portanto, é que há a possibilidade de ocorrência de vitimização em três

80GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. Luiz Flávio Gomes; Antonio García-Pablos de Molina; tradução Luiz
Flávio Gomes – 8 ed. reform., atual. Eampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
81 Carlos Alberto Elber entende que a Criminologia não é ciência, pois não teria objeto e método próprios.
Referido autor sustenta que, apesar de não considerar a Criminologia uma ciência, ela está legitimada como
disciplina científica e interdisciplinar, na medida em que, sem dispor de um objeto unívoco, está em condições
de tratar temas relativos ao crime e ao controle social com coerência científica, valendo-se de objetos e métodos
de distintas disciplinas (ELBER, 1998, p. 143-144).
82 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008. p. 36.
83 FALCÓN CARO, Maria Del Castillo. Realidad Individual, social y jurídica de la mujer víctima de la
violencia de género. In: MORENO, Myriam Herrera (Coord.). Hostigamento y hábitat social: una perspectiva
victimológica. Granada: Editorial COMARES, 2008.
84 MOTA, Indaia Lima. Breves linhas sobre vitimologia, redescobrimento da vítima e suas várias faces:
algumas questões relevantes.
49

esferas, quais sejam a primária, a secundária e a terciária. Há também uma parte dos estudos
atuais da vitimologia que defendem haver uma vitimização quaternária.85
A vitimização primária consiste nas consequências diretas advindas da própria
prática do delito. Seria, assim, o sofrimento imediato causado à vítima pelo desencadeamento
de uma ação criminosa contra si.
Já a vitimização secundária ocorre posteriormente. Seria ela a decorrente do
contato entre a vítima e o sistema penal, o qual, muitas vezes, se encontra despreparado para
acolhê-la. Estudos demonstram que esse é um fator que influencia diretamente na continuação
processual de casos que envolvem mulheres vítimas de violência:
A vítima secundária é um derivativo das relações existentes entre as vítimas
primárias e o Estado em face do aparato repressivo (polícia, burocratização
do sistema, falta de sensibilidade dos operadores do direito envolvidos com
alguns processos bastante delicados etc.)86
Isso porque, muitas vezes, o que há é uma descrença e menosprezo quanto à
condição dessas vítimas, além de uma busca por um possível compartilhamento de
responsabilização entre vítima e autor nesses casos:
Numa sociedade de riscos como a que vivemos atualmente, o princípio da
auto- -responsabilidade, na prática, é inconcebível. Certamente, em algumas
situações o comportamento da vítima pode influir de forma efetiva para o
cometimento do ato delituoso pelo vitimizador, no entanto, entender que o
cidadão é quem deve proteger seu bem jurídico e, por isso, excluir a
responsabilidade do sujeito ativo do ato delituoso é um posicionamento
extremamente radical, que geraria grande instabilidade social e, por isso, este
entendimento deve ser repudiado.87
Em relação a isso, a Lei Maria da Penha proporcionou um grande avanço ao
prever que o atendimento dessas mulheres aconteça, preferencialmente, por outras servidoras
mulheres, o que permite uma maior possibilidade de empatia em relação à situação vivenciada
por aquela mulher.
A criação de locais, como a Casa da Mulher Brasileira, por exemplo, permitem
um maior apoio a essas vítimas e demonstram uma tentativa louvável de aproximação do
Estado e redução dessa espécie de vitimização, importando em um auxílio para além do
campo meramente jurídico.
Além disso, a adoção de medidas como a condição prioritária na realização do
exame de corpo de delito, prevista recentemente, para vítimas que normalmente se enquadram

85 HAIDAR, Caio Abou; ROSSINO, Isabela Bossolani. Redescobrindo a vitimologia: Estudos


contemporâneos da vitimização quaternária e da influência midiática na criminologia. p. 5.
86 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008. p. 55.
87 MOTA, Indaia Lima. Breves linhas sobre vitimologia, redescobrimento da vítima e suas várias faces:
algumas questões relevantes. p. 9.
50

nos tipos mais vulneráveis, representou um avanço na questão da desburocratização e respeito


à condição desses grupos, apesar de ainda haver muito para se conquistar.
A vitimização terciária ocorre quando a vítima sofre consequências que vão
além daquelas decorrentes do delito propriamente dito e da ausência da assistência necessária
por parte do aparato estatal. O ofendido padece de afastamento da receptividade social, logo,
o indivíduo é vitimado justamente por aqueles que o cercam, inclusive, por seu grupo familiar.
Tal categoria é decorrente da pressão imposta à vítima pela sociedade, da repulsa inconsciente
à identificação com quem simboliza atributos negativos.88
Há quem defenda, ainda, uma quarta espécie de vitimização, a qual seria
decorrente do medo de se tornar sujeito passivo de um delito:
A vitimização quaternária é, portanto, o medo de se converter em vítima –
manifestação da vitimização subjetiva – que se internaliza pela falsa
percepção da realidade a partir das informações levantadas pela mídia – os
tais “forjadores de opinião pública” – que apresenta a criminalidade de
acordo com uma série de interesses particulares (econômico-políticos), sem
preocupar com uma visão criminológica crítica. Até por essa razão, afirma-se
que, em geral, nem sempre se temem realmente as pessoas mais perigosas,
nem se tem noção dos índices reais da criminalidade dentro do contexto de
cada lugar.89

Em relação aos casos que envolvem mulheres, as quais são consideradas como
um dos grupos de maior vulnerabilidade, como será analisado adiante, têm-se que destacar a
denominada vitimização reiterada, visto que a maioria dessas vítimas de violência doméstica
passa por diversas situações de violência até que consigam efetivamente se desvencilhar do
agressor:
El tratamiento de la victimización reiterada nos introduce em el mundo del
“riesgo”, concepto muy escurridizo para las diferentes disciplinas, y que no
ha sido objeto de gran atención em el ámbito jurídico. […] la victimización
reiterada o repetida, también denominada revictimización o multivictización,
aparece cuando un misma persona es víctima de más de un delito durante un
determinado periodo de tiempo.90

Assim, vitimização reiterada deve ser vista como aquela que submete a vítima
a condições repetidas de violência. O agente aproveita-se da condição dela para perpetrar
diversos crimes. Isso se evidencia nos casos que envolvem violência doméstica, como já
ressaltado, pois devido ao envolvimento emocional, muitas vezes, a mulher não consegue

88 OLIVEIRA, Ana S. S. de. A vítima e o direito penal: uma abordagem do movimento vitimológico e de seu
impacto no direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. pg. 38
89 HAIDAR, Caio Abou; ROSSINO, Isabela Bossolani. Redescobrindo a vitimologia: Estudos
contemporâneos da vitimização quaternária e da influência midiática na criminologia. p. 5.
90 GONZÁLEZ, Juan Pablo. Panorama actual y perspectivas de la victimología: la victimología y el sistema
penal. Consejo General del Poder Judicial. p. 21/22.
51

perceber que está numa situação de abuso, ou, quando percebe, acredita que aquilo é algo
pontual, que pode ser revertido e, com isso, posterga a quebra do vínculo com o agressor, o
que permite que a violência, dos mais diversos tipos, ocorra mais de uma vez.

4.3 Vítimas vulneráveis


Vítima vulnerável deve ser considerada aquela que pertence à categoria de
problemas socialmente reconhecidos que reclamam a adoção de medidas, por parte do Estado
e dos órgãos institucionais, necessárias à minimização dos efeitos das infrações penais. A
mulher, o idoso, o negro, a criança e o adolescente, são alguns dos grupos que podem ser
considerados como tal.
A vítima sujeita-se, em razão do evento criminoso, a um processo de
vitimização primária, secundária e terciária, como visto, com danos nas mais diversas esferas,
experimentando, em geral, um sentimento de impotência e insegurança ante a conduta do
infrator, além de um notório descaso da sociedade e das instituições públicas. Contudo, na
condição de sujeito de direitos, ela deve ter acesso à proteção e à assistência integral,
principalmente nos casos que envolvem esses grupos mais atingidos pelo sistema:
As diversas classificações de vítima apresentadas pela doutrina consistem em
inseri-la numa escala da menor à maior contribuição à consumação do delito,
conforme seu comportamento. Existe uma classificação, ou seja, uma
tipologia da vítima, que faz referência à noção de “vítima latente”, que inclui
sujeitos considerados mais vulneráveis, ou seja, que teriam maior
predisposição para serem vítimas.91
Percebe-se que a mulher, como já citado, se encontra nessa situação de
vulnerabilidade. Isso acontece, não só por conta da relação afetiva muitas vezes havida entre a
vítima e o agressor, como também devido ao fato de ela estar submetida a uma relação de
dominação violenta, e, com isso, possuir dificuldade de enxergar uma solução viável para o
problema que vivencia.92

Ademais, quanto a essa questão que envolve maior suscetibilidade de certas


vítimas à situações de violência, principalmente nos casos que envolvem violência doméstica,
deve-se entender a questão da espiral de violência.

91 JORGE, Aline Pedra. Em busca da satisfação dos interesses da vítima penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2005. p. 27.
92 FALCÓN CARO, Maria Del Castillo. Realidad Individual, social y jurídica de la mujer víctima de la
violencia de género. In: MORENO, Myriam Herrera (Coord.). Hostigamento y hábitat social: una perspectiva
victimológica. Granada: Editorial COMARES, 2008 . p. 34.
52

Esse termo refere-se à possibilidade de transmissão intergeracional do


comportamento agressivo, ocasião em que as pautas da violência podem ser transmitidas de
uma geração à outra, por meio da aprendizagem social:
Assim, as pesquisas vitimológicas alertam para esse aspecto tão importante
do conflito vivenciado no meio familiar: a reversibilidade das categorias de
vítimas, uma vez que muitos são os infratores que foram vítimas de abusos
ou maus-tratos na infância e que, quando adultos, reproduzem esse
comportamento.93
Depreende-se do exposto que o estudo da Vitimologia não somente deve se
circunscrever ao sujeito passivo do crime, mas também aos atingidos pelo ato delituoso, ainda
que de forma indireta, como os filhos, pois isso pode possibilitar um freio em condições
vitimológicas que se projetam em diferentes gerações.
Isso reforça a ideia inicial de que o intuito desse protagonismo, que deve ser
dado à vítima, não exclui o papel de amparo que o Direito, principalmente o Direito Penal, dá
ao agressor.94 A Vitimologia, assim, não se preocupa somente com a reparação do dano
ocasionado pelo ato delituoso, como também com o comportamento da vítima e suas relações
com o vitimizador.
O fato é que a não percepção de consequências jurídicas realmente eficazes se
reverbera na vida desses jovens, que podem, inclusive, vir a se tornar agressores de mulheres.
Por isso a importância de se propiciar uma real proteção e responsabilização, nesses casos.
Não só pra garantir o efetivo cumprimento da lei naquele momento, mas também para
possibilitar um maior caráter preventivo ao Direito, principalmente no âmbito penal.

4.4 Previsões normativas que tratam da condição da vítima


Apesar de, como ressaltado, o Direito Penal ter se distanciado da figura da
vítima, o ordenamento jurídico brasileiro tem apresentado alguns avanços no papel a ser
desempenhado, bem como no amparo dado a essas pessoas.
O artigo 245, da CF, prevê a adoção de legislações específicas que tratem da
assistência que deve ser dada aos herdeiros e dependentes de pessoas vitimadas por crime
doloso, além da responsabilidade civil do autor do delito.

93 OLIVEIRA, Ana S. S. de. A vítima e o direito penal: uma abordagem do movimento vitimológico e de seu
impacto no direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.p. 99.
94 Sobre essa questão da espiral de violência e o CP, há, inclusive a previsão de uma atenuante denominada de
inonimada e que tem sido utilizada, por exemplo, nos casos em que a pessoa sofreu um caso de abuso
durante a vida e é perceptível a influência disso no comportamento delitivo do agente: Art. 66 – a pena
poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não
prevista expressamente em lei.
53

Assim, direcionando a aplicação desse dispositivo à questão das vítimas de


feminicídio, tentado ou consumado, por exemplo, faz-se necessário um amparo, não só à
vítima, mas também aos seus familiares, o qual pode se dar tanto por meio de um auxílio
financeiro, para aqueles que dependiam da vítima para sua subsistência, como também por
meio de assistência jurídica gratuita, ou, ao menos, pela não perpetuação de uma vitimização
secundária, a qual é praticada pelo Estado e seus agentes, quando familiares, ou até mesmo a
ofendida, procuram o poder público, a fim de uma responsabilização efetiva do agressor.
No âmbito da compensação patrimonial dos danos sofridos pelas vítimas, deve-
se ter em conta que, no Brasil, desde o Código Criminal do Império de 1830, já havia normas
prevendo a obrigação de satisfazer os danos causados pelo delito. 95
O Código Civil, Lei n. 10.406/2002, regulamenta, em seu artigo 186, que
aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar prejuízo a
outrem comete ato ilícito, ficando obrigado a reparar o dano, conforme o artigo 927.
Estabelece, ainda, em seu artigo 935, que:
“A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo
questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor,
quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”.
Além disso, esse mesmo Código regulamenta a reparação em alguns crimes
específicos, como: homicídio96, lesões corporais dolosas ou culposas97 e crimes contra a
honra98.
Essas previsões se mostram de grande valia para os sujeitos passivos em geral
desses crimes, mas cabe ressaltar o avanço que isso representa na proteção das mulheres
vítimas de violência, pois, como já analisado, os crimes contra a honra, que configuram
violência moral, de acordo com a Lei Maria da Penha; as lesões corporais, que representam as
violências físicas mais comuns, tanto que, para o caso de violência doméstica, a ação penal
possui um caráter de pública incondicionada nesses casos, a fim de garantir uma maior
95 Estudos contemporâneos de vitimologia / Marisa Helena D’ Arbo Alves de Freitas e Roberto Faleiros Galvão
Júnior (orgs). –São Paulo: Cultura Acadêmica: Editora UNESP, 2011.
96 Art. 948, CC. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da
vida da vítima.
97 Art. 949, CC. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do
tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido
prove haver sofrido.
98 Art. 953, CC. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas
resulte ao ofendido.
Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor
da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso.
54

protetividade; bem como a questão dos homicídios, que nesse caso, devido à especificidade,
denomina-se de feminicídio; apresentam-se como alguns dos mais preocupantes e frequentes
crimes cometidos contra essas mulheres em âmbito doméstico.
Ademais, o Código de Processo Penal, Decreto-Lei n. 3.689/1941, por sua vez,
reserva um título específico para cuidar da ação civil ex delicto, e devido aos efeitos
patrimoniais decorrentes da sentença penal condenatória transitada em julgado, o sistema
processual penal possibilita a intervenção, em juízo, da figura do assistente de acusação, o
qual atua auxiliando o Ministério Público, a fim de garantir o cumprimento da lei.
Esse assistente representa uma solução dada pelo Código, para que as vítimas
tenham como acompanhar mais de perto o andamento da ação, e com isso, garantir a
reparação dos danos decorrentes, bem como uma efetiva punição do infrator, o que bem se
aplica aos casos de violência doméstica.99
O Código Penal, apesar de ser uma lei que trata primordialmente do réu,
abrangendo seus direitos, por meio dos princípios que o regem, bem como da sua
responsabilização, por meio dos dispositivos da parte especial, apresenta também,
pontualmeente, alguns artigos que tratam do ofendido.
A previsão da prestação pecuniária na legislação penal, incidente nos crimes
comuns como modalidade de pena restritiva de direitos, é um exemplo presente nesse Código
que amplia a extensão da tutela dos interesses das vítimas e que consolida a tendência que
vem se manifestando na legislação especial, de preocupação com essa condição.
Ademais, os dispositivos que tem uma atuação adstrita à situação da mulher em
condição de vulnerabilidade, já foram abordados nos capítulos anteriores, em especial no
segundo, que pormenorizou alguns dos direitos previstos nessas leis, dentre os quais
destacam-se as medidas protetivas, bem como a assistência multidisciplinar a essas mulheres.
Assim, constata-se que não somente a legislação de âmbito penal deve se ater a
essa vulnerabilidade e apresentar medidas que visem ao amparo dessas vítimas. Na verdade, o
Direito Penal deveria ser a “ultima ratio”,ou seja, a última das medidas a ser adotada para
frear essa condição instalada de discriminação de gênero.

99 Art. 268.Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o
ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.
Art. 31.No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer
queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Art. 271.Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o
libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público,
ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598.
55

No entanto, a condição de violação de direitos humanos, para esses casos, já se


apresenta num nível tão elevado, que apenas medidas de caráter de responsabilização civil já
se mostram ineficientes.
Na verdade, até mesmo as medidas de caráter penal têm-se mostrado como
ineficazes no combate a essas violações, o que demonstra a necessária ação conjunta das mais
diversas áreas para que uma proteção dessas vítimas seja viável, como se passa a defender.

4.5 Prevenção e Redução dos efeitos da vitimização da mulher

A vitimização da mulher, como já analisado, ocorre em diversos níveis e pelos


mais variados fatores. Sem dúvidas, uma legislação penal que confira uma responsabilização
do agente que vai de encontro aos seus preceitos, faz-se necessário.
No entanto, conforme suscitado, um caráter meramente punitivo não se mostra
suficiente, nesses casos, pois eles envolvem questões criminológicas e sociais que pedem
medidas que possam ir além do âmbito repressivo.
Assim, outras ações, tanto por parte do poder público, como também da
sociedade, mostram-se tão ou mais oportunas no combate e prevenção desse tipo de violência.
Pode-se citar, dentre elas, algumas decisões em sede de recursos que estão
sendo tomadas para garantir que as vítimas de violência que sejam servidoras públicas e que
precisem ser removidas do seu local de trabalho para outras localidades como forma de
proteção, possam fazê-lo, com amparo na previsão que a Lei Maria da Penha trouxe, o que
veio a somar às hipóteses de remoção já previstas na Lei 8.112/1990.
Cabe ressaltar que essa remoção é dada em caráter prioritário em caso de
violência doméstica, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, podendo ainda ser
determinada de ofício pelo juiz, caso a ofendida não se oponha.100
Nesses casos, aduz-se que a dignidade da servidora deve se sobrepor ao
interesse da Administração, devendo, inclusive, ocorrer a remoção, mesmo que não haja cargo
vago. Isso demonstra um avanço considerável, pois muitas mulheres podem passar a
reconstruir suas vidas em outros locais, distantes dos agressores.

100 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5 ed. rev., ampl. E atual. - Salvador. Editora
JusPodivm, 2018.
56

Uma proteção também é conferida àquelas que trabalham no setor privado, só


que, nesse caso, refere-se a hipóteses de afastamento. A empresa empregadora será informada,
pelo juiz, e tem a obrigação de cumprir tal determinação judicial.101
Além de garantir uma proteção imediata da integridade física, tais previsões,
que vão além da mera responsabilização do agente e que representam uma real preocupação
com a condição da vítima, conferem ainda uma proteção patrimonial, que acaba por afastar o
vínculo da dependência econômica.102
A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 é outro bom exemplo de política
pública de abrangência nacional que se mostrou uma grande aliada na proteção da mulher.
Essa central de atendimento telefônico da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da
Presidência da República tem por objetivo receber denúncias ou relatos de violência,
reclamações sobre os serviços da rede e orientar as mulheres sobre seus direitos,
encaminhando-as para os serviços da rede quando necessário. A Central funciona pelo número
de telefone 180, podendo ser acessada gratuitamente de qualquer terminal telefônico, todos os
dias, inclusive domingos e feriados.103

Em 2007, dois anos após a sua criação, a maioria dos atendimentos realizados
consistiu no encaminhamento de mulheres em situação de violência para os serviços da Rede
de Atendimento à Mulher (57%) e na prestação de informações relacionadas à questão da
violência, mas também a outros direitos das mulheres (32%). As denúncias ou relatos de
violência, por sua vez, responderam por quase 10% do total de atendimentos realizados.104

Esses percentuais confirmam que, mais do que fornecer denúncias, o foco da


Central é orientar e oferecer ajuda às mulheres em situação de vulnerabilidade. Isso pode se
apresentar como algo extremamente eficaz, principalmente nos casos que envolvem violência
psicológica, pois permite que a vítima possa ter um esclarecimento sobre a sua condição e
sobre os seus direitos.

101 Idem.
102 Art. 9,§ 2o,, Lei 11.340/06: [...] O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar,
para preservar sua integridade física e psicológica:
I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis
meses.
103 BONETTI, Alinne et al.Violência contra as mulheres e direitos humanos no Brasil: uma abordagem a partir
do Ligue 180.

104 Idem.
57

Outra medida que pode ser analisada como forma de gerar maior efetividade à
lei, nesses casos, é o Formulário de Aplicação de Risco (FRIDA), o qual foi desenvolvido
pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), com parceria do CNJ, Ministério das
Relações Exteriores, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Ministério dos
Direitos Humanos, Delegação da União Europeia no Brasil (DELBRA) e Observatório
Nacional de Violência de Gênero.105
Cabe dizer que o Conselho Nacional do Ministério Público tem desempenhado
um papel fundamental no desenvolvimento de alternativas de combate a tais crimes,
especialmente por meio de projetos internacionais de cooperação com a União Europeia,
através de um programa denominado Diálogos Setoriais União Europeia-Brasil:106
Intitulado de FRIDA, o Formulário Nacional de Risco e Proteção à Vida, que
surge em razão dos projetos capitaneados no âmbito do CNMP, traz
perguntas, cujas respostas contribuem na identificação do grau de risco em
que a vítima mulher se encontra. O FRIDA, que foi estudado e desenvolvido
cientificamente pelos peritos Ana Lúcia Teixeira, Manuel Lisboa e Wania
Pasinato, indica, de forma objetiva, o grau de risco da vítima em virtude das
respostas dadas às perguntas do formulário, o que pode reduzir a
probabilidade de uma possível repetição ou ocorrência de um primeiro ato
violento contra a mulher no ambiente de violência doméstica.107
Assim, esse formulário tem como finalidade não só prevenir atos de violência
contra a mulher no ambiente doméstico, mas também tentar quebrar o ciclo de violência,
retirando a ofendida de uma possível situação de vitimização reiterada que poderia vir a gerar
um feminicídio.
O formulário propicia um conhecimento mais minucioso e documentado, o
que, por consequente, em posterior análise massiva dessas informações elencadas, pode
auxiliar na compreensão do verdadeiro cerne do problema, garantindo assim mais eficiência
na proteção dessas mulheres.

105 Conselho Nacional do Ministério Público. Formulário de Aplicação de Risco - FRIDA. Disponível em:
<http://www.cnmp.mp.br/portal/images/noticias/2019/maio/Proposta_de_kit.REV.pdf> Acesso em 12 de
junho de 2019.
106 É um programa de parceria estratégica entre o Brasil e a União Europeia, visando a aproximar as posições
dos dois países diante dos grandes desafios globais e a ampliar oportunidades de intercâmbio e cooperação
entre os parceiros brasileiros e europeus em questões de interesse mútuo.
107 Conselho Nacional do Ministério Público. Formulário de Aplicação de Risco - FRIDA. Disponível em:
<http://www.cnmp.mp.br/portal/images/noticias/2019/maio/Proposta_de_kit.REV.pdf> Acesso em 12 de
junho de 2019.
58

A situação no Brasil, quanto a esse tipo de vitimização, é alarmante. Uma


pesquisa demonstrou que ele desponta em quinto lugar no número de homicídios de mulheres,
atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Federação Russa, e que, apesar de todos
os esforços, esse número vem crescendo desde 1980.108
Tais dados demonstram, portanto, que há uma ineficácia por parte do Estado no
combate a violência contra a mulher e que os riscos para esse grupo desponta dentre os mais
críticos do país.
Há um notável atentado aos direitos humanos. É inaceitável que mulheres
estejam sendo assassinadas todos os dias pela sua condição de gênero. É necessário que haja
um efetivo estudo sobre como frear essa situação que, por muito tempo, apresentou-se como
uma pauta de completa omissão do Estado.
Deve-se então priorizar um enfoque vitimológico a esses casos, pois o campo
de estudo da Vitimologia é mais amplo do que o do Direito Penal tradicional, o que permite
conhecer as bases sociológicas de que decorrem tal violência, a fim de que, efetivamente,
possa haver uma proteção dessas mulheres e responsabilização desses ofensores.

108 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: FRACSO,
2015.
59

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo, ao perpassar pelos tipos de violência envolvidos nesses


casos, bem como pelas peculiaridades das legislações internacionais e nacionais que tratam do
assunto, demonstrou que, apesar de fundamental, a mera previsão normativa voltada à
proteção e atuação da mulher mostra-se ineficiente, cumprindo, assim, o papel de sintetizar os
principais pontos referentes às temáticas.
Depreende-se que a Lei Maria da Penha, bem como outras legislações que
trazem um direcionamento especificamente voltado à mulher, são de especial relevância no
cenário de atual desrespeito aos direitos básicos, como o direito à vida e à integridade.
Uma visão mais crítica da criminologia, entretanto, permite suscitar o fato de
que essas previsões normativas dificilmente terão eficácia, se não estiverem aliadas a outras
políticas sociais de enfrentamento desse quadro.
A violência contra a mulher, principalmente quando ocorrida no âmbito
doméstico, envolve questões de saúde e família, normalmente atreladas a uma condição de
vitimização reiterada, que se dá devido a maior vulnerabilidade dessas vítimas.
Assim, defende-se que a mulher deve ter uma especial proteção a ser concedida
pelo Estado. A Lei do Feminicídio, por exemplo, apesar de não ter apresentado maiores
avanços na redução da morte de muitas mulheres, tem permitido, sem dúvidas, ao menos uma
discussão mais presente desse tema, demonstrando o quanto esse tipo de situação precisa ser
excluída da nossa sociedade, ou, pelo menos, contida, e propiciando, ademais, um meio de
obter dados mais concretos sobre quantas mulheres, todos os anos, morrem por conta de sua
condição de gênero.
É inadmissível, portanto, que panoramas de desigualdade e discriminação
ainda ocorram veementemente numa sociedade tão plural. É possível perceber o quão urgente
e necessário se faz discutir tais questões, trazendo não só a mulher, como também os homens,
para essa pauta, a fim de que se possa reformular o atual sistema misógino e patriarcal em que
todos estão inseridos.
Nesse sentido, destaca-se o papel que a vitimologia tem desempenhado, por
viabilizar esse destaque à vítima, buscando, por fim, a preservação de seus direitos e garantias
essenciais, bem como a responsabilização efetiva de seus agressores.
60

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<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/sistemapenaleviolencia/article/view/23712/1
4728> Acesso em: 20 de maio de 2019.
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Violência contra a mulher. Saúde – Um olhar sobre a mulher negra. Casa da Mulher
Brasielira. Disponível em: https://issuu.com/ccmnegra/docs/livro_-
_viol__ncia_contra_mulher Acesso em: 01 de junho de 2019.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil.


Brasília: FRACSO, 2015.

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