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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO
MESTRADO ACADÊMICO

LISANDRA CRISTINA LOPES

A LUTA PELO RECONHECIMENTO DO TRABALHO DOMÉSTICO NO


BRASIL: GÊNERO, RAÇA, CLASSE E COLONIALIDADE

FORTALEZA
2021
LISANDRA CRISTINA LOPES

A LUTA PELO RECONHECIMENTO DO TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL:


GÊNERO, RAÇA, CLASSE E COLONIALIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Ceará, como
requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Direito. Área de concentração:
Constituição, Sociedade e Pensamento
Jurídico. Orientadora: Professora
Doutora Juliana Cristine Diniz

FORTALEZA
2021

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Universitária
Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

L1l LOPES, LISANDRA CRISTINA.


A luta pelo reconhecimento do trabalho doméstico no Brasil : gênero, raça, classe e colonialidade. /
LISANDRA CRISTINA LOPES. – 2021.
181 f. : il. color.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Programa de Pós-


Graduação em Direito, Fortaleza, 2021.
Orientação: Profa. Dra. Juliana Cristine Diniz .

1. Trabalho Doméstico . 2. Mulheres. 3. Reconhecimento. 4. Direitos . 5. Gênero. I. Título.


CDD 340

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LISANDRA CRISTINA LOPES

A LUTA PELO RECONHECIMENTO DO TRABALHO DOMÉSTICO


NO BRASIL: GÊNERO, RAÇA, CLASSE E COLONIALIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Ceará, como
requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Direito. Área de concentração:
Constituição, Sociedade e Pensamento
Jurídico. Orientadora: Professora
Doutora Juliana Cristine Diniz

Aprovada em: ______/_______/________

BANCA EXAMINADORA

____________________________________
Professora Doutora Juliana Cristine Diniz (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará (UFC)

____________________________________
Professora Doutora Ana Virgínia Moreira Gomes (Programa de Pós-graduação em
Direito – Universidade de Fortaleza)

____________________________________
Professora Doutora Geísa Mattos de Araújo Lima (Programa de Pós-graduação em
Sociologia - UFC)

____________________________________
Professor Doutor José Diniz de Moraes (UFRN)

____________________________________
Professora Doutora Patrícia Maeda

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Para minha mãe, Ditinha.
Para minha filha, Clarice.
Para as trabalhadoras domésticas do
Brasil.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço inicialmente à vida. Este trabalho foi redigido ao longo da


pandemia de COVID-19, que fez da morte uma presença constante; a morte narrada dos
jornais e retratada nas estatísticas, a morte de pessoas conhecidas, a transformação das
redes sociais em obituários. O medo da morte: a própria, a dos pais idosos, de membros
da família e amigos. O confinamento. Filha pequena em casa, ensino remoto, trabalho
remoto, necessidade de adaptação, acúmulo de tarefas domésticas. Pesquisas revelaram:
a produção científica das mulheres caiu ao longo da pandemia. Elas tiveram que se
desdobrar para se adaptar a esse novo mundo, tão parecido com o antigo, aquele que as
relegava ao espaço privado. Escrevi esta dissertação confinada. Sou imensamente grata
por ter conseguido finalizar. Ela oferece um testemunho da minha sobrevivência. Estou
viva, sobrevivi a 2020 e venho sobrevivendo nestes meses de 2021. Sinto uma dor
profunda por todos os que ficaram para trás. Como escrever sobre trabalho doméstico
sem lembrar que uma das primeiras vítimas fatais da COVID-19 no Brasil foi uma
trabalhadora doméstica? Como esquecer a morte de Miguel, garotinho de cinco anos, que
caiu de um edifício de luxo em Pernambuco enquanto sua mãe, empregada doméstica,
trabalhava durante a pandemia, levando os cães dos patrões para passear?
“Chegou um tempo em que a vida é uma ordem”, disse Drummond. Com
os ombros suportando o mundo, sigo essa ordem, pois a vida se tornou um dos maiores
atos de resistência. É com essa sensação de estar viva, paradoxalmente feliz (por mim) e
extremamente triste pelos outros, que dou forma à pesquisa resultante do mestrado.
Agradeço à Universidade Federal do Ceará, por existir como uma instituição
pública de qualidade.
À minha orientadora, professora doutora Juliana Cristine Diniz, que me
inspirou a persistir com os estudos de gênero, formou o grupo de pesquisa Altera e
fomentou essa pesquisa no âmbito da UFC.
Aos professores do Programa de Pós-graduação em Direito, em especial à
professora Raquel Machado, por sua dedicação à universidade e seu amor ao
conhecimento.
Ao grupo de Pesquisa Ágora - UFC, do qual participei ao longo de quase todo
o mestrado, que me inspirou e instigou a estudar questões relativas à democracia.
Ao professor Jawdat Abu-El-Haj, do Programa de Pós-graduação em
sociologia, que me acolheu na disciplina “Estado e classes sociais no Brasil”, junto com
alguns outros estudantes da área jurídica.

Aos servidores da Faculdade de Direito, em especial os da limpeza, que


desenvolvem um trabalho essencial e invisibilizado.
Aos colegas da faculdade, pela convivência e pelas trocas. Foi simplesmente
incrível respirar o ar universitário, sofrer com os fichamentos, rir e conversar. Depois,
compartilhar as angústias e dúvidas tão inerentes ao processo da escrita. Um
agradecimento especial vai para Geórgia Oliveira, pela amizade, pelas dicas teóricas, por
ter me ajudado a definir o tema da pesquisa e por ter estado presente, tirando dúvidas,
doando um pouco do seu tempo, mesmo quando ele estava bem escasso.
Ao Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, por ter me liberado para
assistir às aulas em Fortaleza nos dois semestres de 2019, acreditando na formação
continuada. Sem esse afastamento eu não teria conseguido; talvez não tivesse nem mesmo
tentado.
Aos meus pais. Meu pai, que só conseguiu cursar uma graduação tardiamente,
com muito esforço, e me apresentou ao direito. Minha mãe, que não conseguiu concluir
seus estudos, e foi a maior incentivadora dos meus. Sempre apostou tudo no poder da
educação. Vi-a inúmeras vezes descrita nos livros das teóricas feministas que tratam do
trabalho monumental que é dedicado pelas mulheres à reprodução social, trabalho nunca
reconhecido. É também por ela que postulo, por meio da presente dissertação, o
reconhecimento do trabalho reprodutivo.
Ao meu marido, Carlos, por estar sempre comigo. Pela compreensão das
ausências físicas, e dos meus desligamentos no período da escrita deste trabalho, quando
eu parecia flutuar em outra dimensão. Pelas viagens a Fortaleza, por ter mudado a sua
rotina para que eu pudesse cursar o mestrado.
À minha irmã Leila Lopes, pelo suporte em Fortaleza, pela acolhida, pelas
visitas!
A Brincalhão e Gatito, testemunhas felinas desta pesquisa.
A Clarice, pela companhia ao longo de todo o ano de 2019, quando foi para
Fortaleza comigo e experimentou uma nova vida. Pela imensa compreensão, do alto dos
seus oito anos, com a frase exaustivamente repetida, inclusive aos domingos: “Hoje
mamãe não pode brincar, porque precisa trabalhar na dissertação”. Pelos aviõezinhos de

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papel lançados na minha mesa, com recadinhos, impondo necessários momentos de
desconexão. Pelos momentos em que pediu licença e digitou “miau” no meio do meu
texto. Pelas vezes em que chegou e me deu um abraço silencioso. Clarice, meu amor:
Tudo que eu faço
E acho que talvez seja bonito
É só pra você, é só pra isso
Pra hoje, pra agora
Enquanto posso ouvir
Sua risada sonora
(Zélia Duncan)

Agradeço por você existir, ser fonte de luz na minha vida e motor de tantas
transformações. Eu disse, em tom de desafio, sob seu olhar incrédulo, que deixaria um
“miau” no meio nesta dissertação. Pois aqui está: Miau pra você!
À minha sobrinha Juju, pelas tardes que passou brincando com Clarice,
tornando menos sentida a minha ausência!

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A lembrança da empregada ausente me coagia. Quis lembrar-me de seu rosto,
e admirada não consegui – de tal modo ela acabara de me excluir de minha
própria casa, como se me tivesse fechado a porta e me tivesse deixado remota
em relação à minha moradia. A lembrança de sua cara fugia-me, devia ser um
lapso temporário.
Mas seu nome – é claro, é claro, lembrei-me finalmente: Janair.
(...)
Foi quando inesperadamente consegui rememorar seu rosto, mas é claro, como
pudera esquecer? Revi o rosto preto e quieto, revi a pele inteiramente opaca
que mais parecia um dos seus modos de se calar, as sobrancelhas
extremamente bem desenhadas, revi os traços finos e delicados que mal eram
divisados no negror apagado da pele.
Os traços – descobri sem prazer – eram traços de rainha. E também a postura:
o corpo erecto, delgado, duro, liso, quase sem carne, ausência de seios e de
ancas. E sua roupa: não era de surpreender que eu a tivesse usado como se ela
não tivesse presença: sob o pequeno avental, vestia-se sempre de marrom
escuro ou de preto, o que a tornava toda escura e invisível – arrepiei-me ao
descobrir que até agora eu não havia percebido que aquela mulher era uma
invisível.
(LISPECTOR, 2020, p. 38/39)

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RESUMO

A presente dissertação analisa o percurso do trabalho doméstico no Brasil sob a


perspectiva das lutas por reconhecimento de Axel Honneth. Parte-se da seguinte
pergunta: por que as empregadas domésticas demoraram tanto a alcançar direitos básicos
e por que permanecem, até o momento, sem plena igualdade em relação aos demais
trabalhadores? Ao longo dos capítulos, o trabalho doméstico é identificado com o
cuidado, afirmando-se sua centralidade para a existência humana. São apresentados os
conceitos de divisão sexual e racial do trabalho, produção e reprodução, pobreza de
tempo, além de se revelar a dimensão econômica do cuidado. Realiza-se um estudo sobre
gênero, raça e classe, demonstrando a incidência de tais narrativas sobre o corpo da
trabalhadora e a importância da interseccionalidade enquanto ferramenta analítica. Faz-
se uma análise da regulamentação legislativa do trabalho doméstico, das lutas por
reconhecimento e do grau de proteção jurídica incidente sobre a categoria. A pesquisa é
eminentemente qualitativa. Quanto à finalidade, classifica-se como exploratória e
explicativa. O aporte teórico é interdisciplinar. Foram utilizadas fontes bibliográficas,
documentais, legislativas e jurisprudenciais. Sua importância reside na abordagem
interseccional do trabalho doméstico, que possibilita um olhar abrangente para o instituto,
contribuindo para suprir uma lacuna na literatura jurídica, uma vez que a maior parte da
produção bibliográfica nessa área limita-se a comentar a legislação. As conclusões
apontam no sentido de que o pleno reconhecimento encontra óbices de natureza
estrutural, esbarrando no sexismo, no racismo e na discriminação de classe, e que tais
estruturas não só influenciam o direito do trabalho, como estão presentes em sua própria
constituição. A histórica discriminação jurídica sofrida pelas empregadas domésticas
desafia o caráter social e protetivo atribuído a esse direito, interpelando suas finalidades
e a real abrangência de suas disposições e princípios.

Palavras-chave: Trabalho Doméstico. Mulheres. Reconhecimento. Direitos. Gênero.


Classe. Raça. Interseccionalidade.

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ABSTRACT

This study analyzes the trajectory of work the housekeepers in Brazil from the perspective of
Axel Honneth's struggles for recognition. It begins with the question: Why did housekeepers
take so long to achieve basic rights and why do they remain, so far, without full equality in
relation to other workers? They are identified with care and there is a centrality to human
existence. The concepts of sexual and racial division of work, production and reproduction,
time poverty are presented, in addition to revealing the economic dimension of care. A study
on gender, race and class is carried out, demonstrating the incidence of such narratives on the
worker's body and the importance of intersectionality as an analytical tool. The work is made
with the legislative regulation of domestic work, the struggles for recognition and the degree of
legal protection applied to the category. The research is eminently qualitative. As for the
purpose, it is classified as exploratory and explanatory. The theoretical contribution is
interdisciplinary. Bibliographic, documental, legislative and jurisprudential sources were used.
Its importance is in the intersectional approach to domestic work, which allows a
comprehensive look at the institute, contributing to fill a gap in the legal literature, since most
bibliographic production in this area is limited just to commenting on the legislation. The
conclusions point to the fact that full recognition encounters structural obstacles, bumping into
sexism, racism and class discrimination, and that such structures not only influence work law,
but are present in its own constitution. The historical legal discrimination suffered by
housekeepers challenges the social and protective nature attributed to this right, questioning its
purposes and the real scope of its provisions and principles.

Keywords: Housekeepers; Rights; Class; Gender; Race; Woman; Intersectionality.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Organograma da teoria do reconhecimento ..............................................................84

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CEPAL Comisión Económica para América Latina


CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
FBPF Federação Brasileira pelo Progresso Feminino
ILO International Labour Organization
ONU Organização Das Nações Unidas
OIT Organização Internacional do Trabalho
PEC Proposta de emenda constitucional
STF Supremo Tribunal Federal
TRT Tribunal Regional do Trabalho

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 16
1.1 Percurso Metodológico.................................................................................. 19
1.2 Referencial Teórico........................................................................................ 21
2 A CENTRALIDADE DO TRABALHO DOMÉSTICO............................... 24
2.1 Um trabalho de cuidado................................................................................ 24
2.2 Uma ética do cuidado?.................................................................................. 31
2.3 Produção, reprodução e divisão sexual do trabalho................................... 34
2.4 Tornando visível o trabalho doméstico........................................................ 40
2.5 Divisão racial do trabalho. Interseccionalidade e consubstancialidade.... 47
2.6 Empregadas Domésticas versus cuidadoras................................................ 53
3 GÊNERO, RAÇA E CLASSE.......................................................................... 55
3.1 O Corpo: sexo e cor........................................................................................ 58
3.2 Representações do corpo: imagens de controle........................................... 60
3.3 Corpo de branco e corpo de preto: o mito da democracia racial.............. 67
3.4 O corpo confinado: quarto de empregada................................................... 70
3.5 O corpo no trabalho: de “mulas do mundo” a androides.......................... 73
3.6. O corpo versus outros corpos: classe, cidadania e invisibilidade............. 76
4 EMPREGADAS DOMÉSTICAS: UMA CATEGORIA EM BUSCA DO
RECONHECIMENTO........................................................................................ 80

4.1 A teoria do reconhecimento........................................................................... 81


4.2 Como tudo começou: o trabalho doméstico escravizado como exemplo
primário de reconhecimento denegado.............................................................. 85

4.3 A regulamentação do trabalho doméstico até a Constituição: entre a


repressão, o paternalismo e as resistências...................................................... 93

4.4 A Constituição de 1988................................................................................. 104


4.5. Trabalho digno e trabalho decente............................................................ 108
4.6 Reconhecimento no plano da solidariedade: da falta de estima social às
111
lutas e resistências através dos novos espaços discursivos..............................

14
4.7 Óbices ao reconhecimento............................................................................ 118
4.7.1 Um espaço híbrido...................................................................................... 118
4.7.2 Afetos e ambiguidades................................................................................ 119
4.8 Lutas por reconhecimento jurídico: associações e sindicatos................... 122
5 DIREITO DE AUSÊNCIAS. JURISPRUDÊNCIA DE EXCLUSÕES....... 126
5.1 Uma crítica às ciências.................................................................................. 126
5.2 Crítica ao direito do trabalho....................................................................... 129
5.3 O direito do trabalho e as “desigualdades juridicamente constituídas” 131
................................................................................................................................

5.4 Elas, as empregadas domésticas, vistas pelos doutrinadores..................... 134


5.5 Patroas e empregadas diante de juízes e juízas do trabalho...................... 139
5.6 Jurisprudência de exclusões. Trabalhadoras domésticas entre a aventura
jurídica e a resistência.......................................................................................... 142

5.7 Por um direito do trabalho antidiscriminatório e decolonial.................... 149


CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 152
REFERÊNCIAS................................................................................................... 155
ANEXO A: Poema Essa negra Fulô, de Jorge de Lima .................................... 175
ANEXO B: Poema Outra negra Fulô, de Oliveira Silveira................................ 179
ANEXO C: Cópia do Acórdão extraído do Jornal do Commercio .................. 180
ANEXO D: Pesquisa realizada em 1963 .............................................................. 182

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1 INTRODUÇÃO

O trabalho constitui um dos principais mecanismos para marcar a presença


dos seres humanos no mundo e descrever as relações que entre eles se estabelecem. Esse
trabalho é descrito como produtivo, transformador, exercido na esfera pública e apto a
gerar recompensas. Mas, além dele, existe o trabalho doméstico. Ambos se aproximam
no que diz respeito ao sujeito que executa (pessoa humana), no fato de demandarem
atitude, ação ou esforço, e de terem em vista uma certa finalidade. Mas se diferenciam
em sua história, no grau de valorização social e no reconhecimento jurídico, a ponto de
serem alocados em mundos diferentes. O “trabalho”, sem sobrenome, foi objeto de
regulamentações legais, disputas e teorias. O trabalho doméstico foi relegado a uma
condição de “não-trabalho”: não remunerado (e sem expectativa de contraprestação), não
produtivo, repetitivo, restrito à esfera privada, “coisa de mulher”. Feito por amor,
revelando uma dimensão repleta de expectativas e determinismos de gênero. Durante um
certo momento histórico do Brasil, ele foi realizado por escravizados, tornando-se
“sujo”, braçal, adquirindo uma dimensão racial que persistiu mesmo após o fim do
sistema escravista. Atualmente, em sua forma remunerada, constitui ponto de encontro
de marcadores de gênero, raça e classe.
A presente dissertação procura demonstrar a centralidade do trabalho
doméstico para a organização social e o funcionamento do mundo do trabalho produtivo,
e em última instância do próprio sistema democrático. Não é possível falar em igualdade
de gênero sem trazer para a discussão o trabalho doméstico, que estabelece hierarquias e
clivagens não apenas entre homens e mulheres, mas também entre as próprias mulheres.
Não é possível falar em democracia quando a sobrecarga de trabalho que se impõe às
mulheres, em especial as negras e periféricas, subtrai-lhe o tempo e extrai a força dos seus
corpos, tornando quase impossível a participação política. A pesquisa parte da hipótese
de que o trabalho doméstico remunerado não encontra pleno reconhecimento no âmbito
jurídico nem no social, utilizando a teoria do reconhecimento de Axel Honneth. Com base
nessa teoria, investiga o tratamento jurídico que lhe foi conferido em três frentes: a
legislação, a jurisprudência e a prática da justiça do trabalho. Analisa, ainda, as
representações desse trabalho no imaginário social. Busca-se examinar as múltiplas
dimensões do trabalho doméstico, revisitar a sua história no Brasil e procurar responder
à seguinte pergunta: por que as empregadas domésticas demoraram tanto a obter direitos

16
básicos? Por que, mesmo diante dos princípios da igualdade e da não discriminação,
atualmente consagrados na Constituição, o trabalho doméstico remunerado permanece
sem ser plenamente reconhecido?
Há um recorte espacial quanto à análise, que se limita ao Brasil, embora isso
não impeça a contextualização do tema com dados oriundos de organismos internacionais
e relativos ao contexto global, bem como referências à situação de trabalhadoras
migrantes exercendo serviço doméstico em outros países.
Essa investigação exige um retorno ao passado, às origens do trabalho
doméstico no país, e requer a utilização de ferramentas analíticas capazes de oferecer
perspectivas mais amplas ao estudo, como a interseccionalidade, que conjuga o exame de
opressões de gênero, raça e classe.
A pesquisa faz-se importante para preencher a lacuna existente no
pensamento jurídico, que busca, muitas vezes, examinar institutos e categorias como se
estes constituíssem objetos apartados do mundo, destituídos de contexto. No caso do
serviço doméstico, o tema ainda é pouco discutido na seara jurídica, limitando-se, na
maioria das vezes, a poucas páginas em cursos ou manuais de direito do trabalho, ou ainda
a manuais específicos que se destinam precipuamente ao empregador.
É importante esclarecer, logo na partida, alguns aspectos sobre certas palavras
utilizadas ao longo do texto. Opta-se pela flexão no gênero feminino (trabalhadora,
empregada) , não só em razão da predominância das mulheres na atividade, mas
sobretudo como decorrência da associação entre mulher, trabalho doméstico e
domesticidade. Considera-se que a trabalhadora doméstica é a empregada doméstica
contratada, com vínculo celetista formal ou informal, como também a diarista, que
executa faxina ou algum outro trabalho (a exemplo de lavar e passar roupas) e é
considerada autônoma. Trabalhadora, portanto, é a mulher que executa o trabalho. Já
empregada tem um significado mais restrito, vinculado a um contrato de emprego,
formal ou informal. Na presente dissertação, serão utilizados ambos os termos. Outra
questão relativa à nomenclatura diz respeito à utilização dos vocábulos “trabalho” e
“serviço”. Ambos são de uso corrente, todavia “serviço” costuma ser mais utilizado
quanto se trata de trabalho remunerado. Aqui, essa regra informal será observada, e a
palavra “serviço” será utilizada na hipótese de trabalho remunerado. “Trabalho”, porém,
será usado indistintamente. Uma última observação que se faz necessária diz respeito ao
vocábulo “Doméstica”. Se por um lado ele remete ao ambiente doméstico, residencial,
também traz uma conotação negativa quando se aproxima do sentido de “domesticação”:

17
“amansar”, domesticar animais, domesticar escravizados para se tornarem bons criados.
Esta dissertação procura utilizar uma linguagem que respeite a plena humanidade das
trabalhadoras, todavia as expressões “doméstico” e “trabalhadoras domésticas”
encontram-se presentes na lei e em convenções internacionais, sendo, portanto, muito
difícil evitar o seu uso. Já quanto aos termos “escrava” ou “escravo”, foram substituídos
por “escravizado” ou “escravizada”, para evitar a atribuição de uma identidade fixa à
pessoa que foi vítima do sistema escravista.
Feitos tais esclarecimentos gerais, é chegado o momento de apresentar com
maior especificidade a organização do presente estudo, que se encontra dividido em cinco
capítulos, contando com a presente introdução, a qual, segundo normas da Universidade
Federal do Ceará, também é numerada. Os capítulos 2 e 3 possuem uma estrutura mais
narrativa, expondo conceitos e categorias cujo conhecimento se faz necessário para a
abordagem jurídica do tema. A interdisciplinaridade encontra-se presente ao longo de
todo o trabalho, mas neles aparece de modo mais nítido.
No segundo capítulo, o trabalho doméstico é apresentado como sendo
fundamentalmente um trabalho de cuidado. Cuidado com pessoas (crianças, adultos
dependentes, idosos), cuidado com a casa (limpeza, arrumação), cuidado com a
alimentação (fazer compras, preparar refeições). Cuidado como prática, atitude e ação,
incidente tanto sobre corpos quanto sobre ambientes. Afirma-se a centralidade desse
trabalho, que constitui uma dimensão essencial da vida humana e interpela o mundo do
trabalho “produtivo”, masculinizado, bem como interpela a política e a própria
democracia. São abordados conceitos chave, como ética do cuidado, crise do cuidado,
divisão sexual do trabalho, produção e reprodução, uso do tempo, gratuidade, divisão
racial do trabalho e interseccionalidade. São apresentados dados sobre o valor econômico
do cuidado e é introduzida a discussão sobre os desencontros entre serviço doméstico e
cuidado. Por que as empregadas domésticas não se nomeiam cuidadoras? O que
fundamenta a pretensão de inaugurar uma nova categoria, a dos cuidadores?
O terceiro capítulo apresenta uma dimensão narrativa do gênero, da raça e da
classe, mostrando como tais construções operam no corpo da mulher, em especial da
mulher negra, que no passado foi escravizada e atualmente é presença marcante na
categoria das empregadas domésticas. É analisada a materialidade do corpo marcado pela
cor, pelo sexo e por um lugar social. São abordadas as representações do corpo, plasmadas
nas imagens de controle. Examina-se, também, o mito da democracia racial.

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O quarto capítulo apresenta a teoria do reconhecimento de Axel Honneth, que
fundamenta a premissa de que o serviço doméstico não é reconhecido nos planos do
direito e da solidariedade. A seguir, é traçado o percurso histórico desse serviço no Brasil,
que teve origem com a escravidão. São analisadas as progressivas regulamentações
surgidas ao longo dos séculos XIX e XX, até a Convenção n. 189 da OIT, buscando
sentido tanto para os dispositivos legais quanto para a ausência deles em determinados
períodos. O capítulo analisa, ainda, as lutas por reconhecimento no âmbito dos sindicatos
e associações e no que se considera um novo espaço discursivo: a internet.
No quinto capítulo é elaborada uma crítica à ciência e ao direito do trabalho
em específico, com aportes da teoria feminista e dos estudos decoloniais. São analisados
os manuais e cursos de direito do trabalho, a jurisprudência dos tribunais e as interações
entre patroas, empregadas, juízas e juízes do trabalho na primeira instância.
Nas considerações finais, são relatados os principais achados da pesquisa e
busca-se responder à pergunta que serviu de base à presente dissertação.

1.1 Percurso Metodológico

A pesquisa é eminentemente qualitativa. Quanto à finalidade, classifica-se


como exploratória e explicativa. Foram utilizadas fontes bibliográficas, documentais,
legislativas e jurisprudenciais. No penúltimo capítulo, foram feitas referências a perfis de
redes sociais. Inicialmente, foi procedida a revisão da literatura sobre o assunto, sendo
constatado que há farta produção sobre o tema no âmbito das ciências sociais e da história.
Consultas a bancos virtuais de teses e dissertações revelaram a abordagem do trabalho
doméstico sobretudo em suas dimensões de gênero e raça. Livros e artigos mostraram que
a questão do trabalho feminino é amplamente debatida nessas áreas, ao passo que no
direito essa visão mais abrangente do instituto é relativamente recente, estando mais
presente em trabalhos acadêmicos, muitos ainda sem publicação editorial. Esse contexto
trouxe uma forte necessidade de buscar apoio na interdisciplinaridade, porém procurando
nunca perder de vista que a presente pesquisa desenvolve-se no âmbito de um programa
de mestrado acadêmico em Direito.
Além de livros, artigos e jurisprudência, houve consulta a hemerotecas
digitais, anais do senado e documentos históricos, os quais compõem as fontes
documentais acima referidas.

19
Como afirmam Queiroz e Ferfebaum (2020), há uma tendência para se inserir
capítulos históricos em monografias, dissertações e teses jurídicas, o que os autores
atribuem ao contato dos juristas com os manuais desde a graduação. Muitas vezes, insere-
se um capítulo com a “evolução histórica” de um instituto como se estivesse cumprindo
uma obrigação, e tal capítulo aparece desconectado do texto e da pergunta de pesquisa.
Esse alerta provocou longa reflexão a respeito da necessidade de tratar o serviço
doméstico sob uma perspectiva histórica, no que diz respeito ao retorno às origens
escravocratas e à evolução de sua regulamentação legal. A conclusão foi no sentido de
que a resposta à pergunta de pesquisa exigia tal percurso, uma vez que ele fornece uma
compreensão mais adequada do problema, contextualiza o debate e ilustra ou reforça a
argumentação, observando, assim, os critérios indicados pelos autores acima citados.
O avanço na pesquisa, sobretudo ao tratar da teoria do reconhecimento no
âmbito da solidariedade, que se mostra por meio da estima social, trouxe consigo a
necessidade de olhar para as representações atuais sobre as trabalhadoras domésticas, com
base em artigos científicos, mas também em narrativas surgidas em um espaço
extremamente dinâmico e ao qual o pesquisador precisa estar atento: a internet. Houve,
então, um momento específico no qual foram feitas referências a perfis de redes sociais e
a informações contidas nestas redes; importante salientar que tais informações foram
apresentadas não como verdades científicas, e sim como dados da realidade, aptos a serem
analisados.
No capítulo 05, foram examinados alguns manuais de Direito do Trabalho,
com o objetivo de verificar o espaço conferido ao trabalho doméstico em tais livros, que
são comumente utilizados na graduação. A escolha dos livros observou o critério da
representatividade e da atualidade, excetuando, quanto a esse último item, o “Instituições
de Direito do trabalho”, que embora não seja atual foi trazido à análise por ser um livro
clássico, presente em bibliotecas de universidades e de muitos órgãos públicos. Efetivou-
se, também, uma pesquisa jurisprudencial, com a finalidade de verificar a percepção dos
tribunais quanto aos direitos das trabalhadoras domésticas, valendo-se de um portal de
pesquisa de jurisprudência e de uma compilação de acórdãos da editora Juruá. Na
compilação, foram lidos, no total, 74 acórdãos, provenientes dos seguintes Tribunais
Regionais do Trabalho: 2ª região, 3ª região, 4ª região, 6ª região, 9ª região, 10ª região, 11ª
região, 12ª região, 13ª região, 15ª região, 19ª região, 20ª região, 22ª região, 23ª e 24ª
região. No portal Jusbrasil, foi efetuada a busca com base nas palavras-chave
“doméstica”, “acidente”, “doença” e “insalubridade”.

20
1.2 Referencial Teórico

A tarefa de examinar o trabalho doméstico exige uma multiplicidade de


abordagens que constitui um verdadeiro desafio teórico. Teoria feminista, vista a partir
da metáfora das “ondas”? Feminismo Negro? Estudos decoloniais? Marxismo? Escola
Crítica? Interseccionalidade? Consubstancialidade? Construir argumentos sólidos
seguindo uma linha argumentativa e teórica coerente requer um esforço especial.
A primeira abordagem experimentada foi a do marxismo, até porque falar em
trabalho e não falar em marxismo pode parecer uma aporia. Entretanto, o aporte trazido
por Silvia Federici logo mostrou ser inviável a fidelidade ao marxismo. Federici, em três
obras examinadas – O calibã e a bruxa, O Ponto zero da revolução e O Patriarcado do
Salário - apresenta uma veemente crítica a essas teorias, por haverem desconsiderado o
trabalho doméstico, ignorando a força estruturante da reprodução humana e social para a
própria existência do sistema capitalista. A autora discorda, ainda, da ideia marxista de
que o trabalho assalariado nas fábricas seria a via de libertação das mulheres. Embora
seja Federici quem faz essa crítica mais direta ao marxismo, inúmeras outras teóricas,
ainda que utilizem conceitos advindos das teorias marxianas (e Federici também utiliza),
terminam por revelar indiretamente a sua insuficiência, uma vez que ele de fato não dá
conta de examinar e explicar o trabalho doméstico.
Deste modo, a presente pesquisa fez uso de múltiplos referenciais, no intuito
de oferecer um panorama mais completo. Parte do marxismo, valendo-se de conceitos
advindos dessa teoria, mas não se limita a ele. Guia-se sobretudo pelas teorias feministas.
Mas o guiar-se por “teorias feministas” suscita outra pergunta: de qual feminismo se está
falando? A resposta é: o feminismo negro, e sua principal ferramenta analítica, a
interseccionalidade. Com a interseccionalidade em foco, surge a necessidade de examinar
mais a fundo questões não só de gênero, mas também de raça e classe, e uma das autoras
que guiaram o presente trabalho foi a brasileira Lélia Gonzalez, que com seus escritos
antecipou, ainda sem nomear, a própria interseccionalidade, e discutiu de uma maneira
muito própria a discriminação racial, a colonialidade, o lugar da mulher negra e o mito
da democracia racial no Brasil. Nesse contexto, destaca-se, também, o conceito de
colonialidade, que surge como aporte teórico em alguns dos capítulos.
As questões relativas à raça motivaram, como já afirmado, a busca das origens
do trabalho doméstico no país, e para tanto foram utilizados trabalhos de historiadores,

21
antropólogos e cientistas sociais. Foram visitadas obras clássicas, como Casa Grande &
Senzala, de Gilberto Freyre, que surge em diversas oportunidades, ora utilizada como
fonte para expor uma determinada realidade, ora para ilustrar a construção de ideias
equivocadas sobre o período colonial, salientando que essa crítica a Freyre é feita por
diversos historiadores. Também aparecem no texto autores como Florestan Fernandes e
Darci Ribeiro, tidos como “intérpretes do Brasil”, todavia é afirmada a sua limitação para
tratar de questões atinentes a gênero.
Uma vez selecionadas as bases teóricas para fundamentar os estudos
interseccionais, restava um desafio: afirmar o não reconhecimento jurídico do trabalho
doméstico exigia um fundamento teórico sólido, e não o simples recurso ao conceito
corrente de reconhecimento. O que é um trabalho reconhecido? Por que o trabalho
doméstico não é reconhecido? Com base em que essa afirmação pode ser feita? A essa
altura, a pesquisa se voltou para as teorias do reconhecimento, sendo escolhida a exposta
por Axel Honneth.
O pensamento de Honneth enquadra-se na tradição da escola de Frankfurt,
que se encontra vinculada à Teoria Crítica. Honneth utiliza o modelo hegeliano de
reconhecimento, que se afasta do padrão marxiano da luta por autoafirmação econômica
e do paradigma meramente produtivista, embora seus escritos observem a centralidade
do trabalho e confiram importância, também, à luta por redistribuição (HONNETH,
2011).
A opção por Honneth, além de respeitar uma coerência teórica, em face de
esse autor dialogar com o marxismo, também oferece a oportunidade de cotejar a sua
teoria com as objeções formuladas por Nancy Fraser, teórica feminista. Mas ainda assim
surge um dilema: se a presente dissertação busca dialogar com o feminismo latino-
americano, tendo como uma de suas referências a brasileira Lélia Gonzalez, por que
buscar a teoria de um homem branco, do Norte? Na realidade, a teoria de Honneth oferece
tão somente o suporte para alocar a história do trabalho doméstico no Brasil em um
percurso. Ela organiza as várias etapas e fornece um referencial para essa trilha. É
instrumental. Além disso, o seu ideal de trabalho como atividade emancipadora,
afastando-se de uma concepção meramente economicista, amolda-se às necessidades das
trabalhadoras domésticas, que, embora não constituam propriamente um grupo
identitário, possuem características identitárias e aproximações com movimentos sociais,
em especial o movimento negro.

22
Importante frisar que alguns conceitos e categorias tiveram uma abordagem
apenas descritiva, sendo manifestada a opção por esta ou aquela definição, sem maiores
problematizações, uma vez que o valor de tais conceitos é instrumental, não sendo
cabível, nos limites desta pesquisa, ampliar discussões quanto a eles.
Por fim, uma observação que se faz necessária diz respeito à presença, nas
referências bibliográficas, de alguns manuais e cursos de direito do trabalho, oferecendo
um contraste com as demais fontes. Tais manuais foram utilizados no último capítulo da
dissertação não como fundamento teórico para a pesquisa, e sim para demonstrar como
esses livros, difundidos entre estudantes de graduação e aspirantes a cargos públicos,
inclusive de juiz, ora silenciam quase que completamente sobre o trabalho doméstico, ora
lhes dedicam poucas páginas e tratam o tema como se não houvesse praticamente
nenhuma problematização, naturalizando um lugar de desigualdade e exclusão.

23
2 A CENTRALIDADE DO TRABALHO DOMÉSTICO

2.1 Um trabalho de cuidado

...Esquentei o arroz e os peixes e dei para os filhos. Depois fui catar lenha.
Parece que vim ao mundo predestinada a catar. Só não cato a felicidade.
(JESUS, 2014, p. 81)

Quase todos os dias, Carolina de Jesus acordava cedo, ia buscar água,


preparava alguma refeição para os filhos (se houvesse alimento) e saía para catar papel,
muitas vezes carregando a filha mais nova, Vera Eunice. Aos mais velhos, deixava
diversas recomendações, como a de não sair para a rua. À hora do almoço, retornava e
cozinhava. Quando havia sabão, lavava as roupas. Limpava a sua casa, que era um barraco
na Favela do Canindé, em São Paulo. Preocupava-se com os filhos, em especial o mais
velho, que aos 09 anos lhe rendeu uma intimação para comparecer à delegacia. Mesmo
suportando toda essa carga sozinha, afirmava que não queria nenhum homem morando
consigo, pois enxergava as outras mulheres da favela como “escravas” de seus maridos
(JESUS, 2014). Os diários de Carolina, publicados na década de 1950, constituem um
testemunho do esforço e da solidão de uma mulher em permanente estado de alerta, que
tinha que cuidar sozinha de si mesma e dos filhos, lidando com a pobreza, o racismo e a
invisibilidade. Entre 1950 e 2021 transcorreu mais de meio século, mas a pobreza
continua sendo predominantemente feminina, e a luta cotidiana das mulheres pela sua
sobrevivência e pela sobrevivência de seus filhos permanece, em grande parte, invisível.
Este capítulo traz a perspectiva do trabalho doméstico como um trabalho de
cuidado, e discorre sobre uma de suas atribuições mais marcantes: a invisibilidade. Tal
invisibilidade contrapõe-se à sua importância para o funcionamento da sociedade e do
mundo do trabalho produtivo, aquele desenvolvido em fábricas, lojas, escritórios etc.
Defende-se a centralidade do trabalho doméstico para a análise das relações sociais e
laborais. Tanto em sua forma gratuita quanto remunerada, ele interpela categorias
fundamentais para o debate feminista contemporâneo: encontra conexões com a
estruturação do mercado de trabalho e com os limites e possibilidades do projeto
democrático, uma vez que engendra desigualdades, reproduz hierarquias e modula a
própria participação feminina na política, pois a sobrecarga de trabalho doméstico que se

24
impõe às mulheres lhes subtrai tempo para se dedicar a essa participação (BIROLI,
2018).
O cuidado é uma dimensão essencial da vida humana. Uma criança só se torna
adulta se receber cuidados; na velhice, eles se tornam ainda mais necessários. Entre a
infância e a velhice, ainda que se tenha a sorte de não possuir nenhuma necessidade
especial, há muito trabalho de cuidado indireto na agenda com a casa e a reprodução
social. Sem tal atividade “não poderia haver qualquer cultura, qualquer economia,
qualquer organização política” (FRASER, 2020, p. 262). Trata-se de uma afirmação que
parece banal, mas que é sempre convenientemente “esquecida”, uma vez que tal dimensão
é desvalorizada na mesma proporção da sua importância. Por mais que permaneça
institucionalmente invisível, o cuidado é uma questão permanente que não pode ser
ultrapassada e cuja negação implica não só a perpetuação, mas o aprofundamento de
graves desigualdades, tanto do ponto de vista do prestador quanto de quem necessita dele
(BIROLI, 2018).
Para designar o ato de cuidar, alguns estudos adotam o termo em inglês care,
por ser dificilmente traduzível e polissêmico, podendo significar, simultaneamente,
prática, atitude e disposição moral (ARAÚJO; HIRATA, 2020). Cuidar implica, ao
mesmo tempo, uma atitude e uma ação; cuidar é prestar atenção, estar vigilante em
relação a uma criança, idoso, doente crônico ou pessoa com deficiência. Mas significa
também agir sobre um corpo e sobre o ambiente. O cuidado pode incidir diretamente
sobre a pessoa, como pode, também, atender suas necessidades de alimento, roupa e
ambiente limpo, daí porque cuidar também abrange as tarefas de cozinhar, limpar, lavar,
passar, dentre outros1. A depender da localidade, inclui atividades como caminhar longas
distâncias para buscar água e lenha (LAWSON et al, 2020).
Trata-se de um trabalho de abrangência mundial, que alimenta hierarquias e
vulnerabilidades, inclusive em países do norte, no qual muitas imigrantes encontram
ocupação atualmente. Profundamente ligado à história da escravidão e do colonialismo,
encontra-se até hoje relacionado à servidão (OIT, 2010). Quando remunerado, é fator de
precarização2 e de clivagens entre mulheres; quando gratuito, é um fator determinante na

1
Por isso a distinção entre “cuidado direto” e “cuidado indireto”.
2
A precarização pode ser definida como um processo de avanço da instabilidade, com perda de direitos
trabalhistas, baixo assalariamento, fragmentação, intermitência e insegurança (RAMALHO E SANTOS,
2016). No caso das mulheres, um traço marcante da precarização é a informalidade.

25
exploração das mulheres no âmbito do sistema capitalista, integrando um ciclo que as
mantém em desvantagem econômica e vulneráveis à violência doméstica (BIROLI, 2018;
FEDERICI, 2019; FEDERICI, 2021; VÈRGES, 2020). Ou seja, trabalho invisível,
mesmo quando remunerado, marcado por indicadores de gênero, raça, classe e
nacionalidade. É também uma das ocupações com maior risco de violência e assédio
(BIROLI, 2018; CEPAL, 2019; VÈRGES, 2020).
Uma das principais razões para a invisibilidade e a ausência de
reconhecimento é a premissa de que o trabalho doméstico é uma espécie de extensão da
mulher, algo feito naturalmente, em consonância com suas características femininas. É
como se as mulheres fossem seres talhados para a domesticidade e o cuidado. Em razão
disso, Federici (2019) diz que qualquer luta será sempre frustrada se não for estabelecido,
em primeiro lugar, um ponto principal: o trabalho doméstico é trabalho. E embora
constitua uma atividade comum a praticamente todas as mulheres, apresenta repercussões
diversas a depender da classe social, da raça e da nacionalidade.
Há uma profunda relação de dependência entre o trabalho doméstico e os
padrões de organização e desregulamentação das relações de serviço remuneradas, visto
que o tempo de trabalho formal e remunerado impacta diretamente no tempo e nas
condições para o desempenho da tarefa de cuidar e vice-versa (BIROLI, 2018). Não por
acaso as mulheres, que gastam muito tempo no ofício de cuidar, possuem menos
disponibilidade para atividades que demandem jornadas mais longas e/ou inflexíveis,
viagens e outros compromissos. Isso impacta diretamente na sua colocação no mercado
de trabalho e deixa “reservadas” para elas funções com menor remuneração e maior
índice de precarização. A desregulamentação das relações trabalhistas e a consagração
no plano legal de formas de trabalho extremamente precarizadas preconizam um mundo
no qual só possui algum valor “de mercado” quem se disponibiliza por inteiro. Em
consequência, a possibilidade de delegação do trabalho doméstico atua como fator de
limite ao êxito da mulher no campo do trabalho remunerado. Como afirma Flavia Biroli:

(...) As relações de trabalho não atendem a uma lógica que incorpore a


dependência de outras pessoas em relação às trabalhadoras, os equipamentos
públicos são insuficientes e os recursos para compra de serviços no mercado
são escassos. (BIROLI, 2018, p. 107)

Como será exposto no capítulo 5, os modelos de contratação contemplam um


trabalhador do sexo masculino, sem responsabilidades familiares, pronto a dispor de
muitas horas por dia. Oculta-se uma verdade: o mundo da vida privada e o mundo do

26
trabalho são conectados e interdependentes, e é preciso haver tempo para ambos
(OLIVEIRA, 2003). Apesar de sua centralidade, o trabalho doméstico permanece sendo
relegado ao âmbito “feminino”, compreendido esse como o domínio das coisas não
importantes, privadas e de interesse restrito.
Uma leitura atenta do tema deveria ensejar a conclusão de que o cuidado é
um direito (CEPAL, 2019), com todas as consequências daí advindas no tocante à
participação do Estado. Todavia, ele se manifesta dessa forma para poucos. Como regra,
o cuidado é simplesmente uma responsabilidade institucionalizada das mulheres
(BIROLI, 2018).
O Estado brasileiro, por meio da Constituição, artigos 205 e 227, promete
solidariedade no cumprimento de funções domésticas, na medida em que assegura às
crianças, ao adolescente e ao jovem o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação3,
ao lazer, dentre outros direitos que se vinculam ao ato de cuidar (BRASIL, 1988). Uma
criança não sobrevive sozinha, sem alguém para vigiá-la, alimentá-la (o que inclui a
compra dos alimentos e o preparo das refeições) e educá-la. E, mesmo que boa parte da
educação seja transferida para a escola, para se fazer presente nesse ambiente a criança
precisa ter sido cuidada previamente.
A Constituição também promete, de acordo com o parágrafo primeiro, inciso
II desse mesmo artigo, programas de prevenção e atendimento especializado para pessoas
portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do
adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho
e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos (BRASIL, 1988).
E ainda, no artigo 230, erige mais uma vez a ideia de solidariedade no amparo a pessoas
idosas, dispondo, no parágrafo primeiro, que os programas de amparo serão executados
preferencialmente nos lares (BRASIL, 1988). O problema é que esse amparo não se
concretiza, uma vez que é das mulheres, em sua maior parte, a atribuição solitária de
cuidar dos idosos da família. Quando a mulher não realiza esse trabalho, ela delega a uma
empregada doméstica. Federici (2019), embora sem fazer referência ao sistema jurídico
brasileiro, elabora uma crítica a essa transferência de procedimentos para o lar ao afirmar

3
Quando o STF se defrontou com a missão de julgar a constitucionalidade ou não do home schooling, por
meio do acórdão do Recurso Extraordinário 888.815 (Rio Grande do Sul), restou evidente, nos termos
expostos no julgado, a solidariedade entre família e Estado. Da leitura do voto do ministro Ricardo
Lewandowski é possível perceber o quanto a missão de educar não é algo simples, que deve permanecer
restrita ao âmbito privado, visto que se destina a formar não apenas membros de uma família, e sim cidadãos
de uma república. Percebe-se, portanto, que o trabalho de cuidado desempenhado pelas mulheres possui
uma nítida função social que é sistematicamente negada.

27
que a preocupação que está no cerne desse processo é exclusivamente financeira, havendo
pouca consideração no que toca às estruturas exigidas para substituir os serviços
oferecidos por hospitais ou outras instituições.
De um modo ou de outro, essa transferência completa do cuidado para o
âmbito das responsabilidades privadas revela precariedades: muitas vezes a família se vê
às voltas com cuidados complexos, para os quais nunca recebeu treinamento, e as
cuidadoras são colocadas diante de serviços que podem envolver situações de
insalubridade sem que a legislação trabalhista brasileira lhes permita o acesso ao
respectivo adicional, que continua sendo um direito negado à categoria dos domésticos
até o momento.

Dado el envejecimiento y la longevidad de la población y el numero creciente


de personas que necesitan cuidados a largo prazo, la atencion ambulatoria em
los hogares va adquiriendo mayor importancia. Muchas trabajadoras que em
otros contextos corresponden a trabajadoras cualificadas del área de la salud o
de la enseñanza. Estas responsabildiades incluyen las de administrar fármacos,
controlar signos vitales (por ejemplo, la présion arterial y el nível de oxígeno
em la sangre ), cuidar la higiene y realizar traslados de personas mayores no
autovalentes, entre otras. (CEPAL, 2019, p. 157).

O cuidado com as crianças também continua sendo uma atividade


predominantemente feminina. O nível de concretização do direito à creche, previsto no
art. 7º, inciso XXV, é muito baixo, pois segundo o IBGE, a taxa de escolarização de
crianças na faixa etária de 0 a 1 ano no país é de 14,4% e de 2 a 3 anos, de 55,4%
(BRASIL, 1988; IBGE, 2019).
Assim, em resumo, no Brasil o cuidado se exerce nos lares, de forma privada,
por meio do trabalho de mulheres, muitas vezes gratuito.
A expressão “crise do cuidado” é utilizada para fazer referência às demandas
não atendidas, ou atendidas parcialmente, e fundadas na precarização de quem cuida. São
apontados, como fatores desencadeantes dessa crise, aspectos como envelhecimento da
população, aumento da expectativa de vida4, escassez de mão de obra feminina gratuita
(dado o avanço da mulher no mercado de trabalho), retração neoliberal, com reduções e
cortes em serviços públicos, além das mudanças climáticas, que afetam a dinâmica da
permanência das pessoas.

4
Segundo a ONU, o processo de aumento da expectativa de vida, iniciado no século passado, vem se
mantendo constante até o momento. Embora haja muita variação entre os países, a população ganhou 17
anos de vida nos últimos 55 anos. (apud CEPAL, 2019, p. 134).

28
A crise do cuidado se vê implicada com a questão da imigração. Segundo
Araújo e Hirata (2020), atualmente há um grande contingente de mulheres do sul que
migram para países do norte, nos quais passam a trabalhar com serviços de cuidado, ao
mesmo tempo em que deixam de realizar esse serviço em seu país de origem, que era
feito, muitas vezes, de forma gratuita, em prol de idosos e crianças da família. Figuram
no horizonte também as migrações sul/sul, tendo como beneficiários países como Chile
e Argentina. Essa crise, todavia, atinge os indivíduos de formas diferentes, a partir de sua
localização, classe e raça, havendo mesmo a percepção de que, para as mulheres negras,
pobres e periféricas, ela é permanente, uma vez que tais mulheres, como regra, sempre
tiveram que trabalhar fora de casa e encontrar meios de cuidar de sua casa e seus filhos.
Federici (2019) afirma que a globalização fez surgir uma crise de reprodução
social em diversos países, manifestada através de uma nova divisão internacional do
trabalho. Essa nova divisão aproveita-se da força de trabalho das migrantes, oriundas de
países periféricos, para assegurar os serviços de reprodução social e cuidado nas
“metrópoles”. Enquanto isso, na periferia do capitalismo, são os filhos e idosos das
famílias das migrantes que ficam sem assistência.

A nova divisão internacional do trabalho reprodutivo promovida pela


globalização depositou uma grande quantidade do trabalho de cuidado sobre
os ombros das mulheres imigrantes. Essa mudança foi muito vantajosa para os
governos, pois permitiu a eles economizar os bilhões de dólares que, em outro
caso, teriam que pagar para oferecer serviços aos idosos. (FEDERICI, 2019, p.
259).

Quando as mulheres do sul ou do interior do país migram, outras mulheres


fazem o serviço de cuidado para as famílias dessas migrantes por meio de nova delegação,
formando assim o que se intitula “cadeia global de cuidado” que nomeia esse movimento
de mulheres de zonas pobres para cidades ou países mais desenvolvidos.

Este fenômeno inclui rotas migratórias dentro dos próprios países da região
(das zonas rurais em direção às cidades), entre países da região (por exemplo,
mulheres peruanas que migram à Argentina ou Chile, paraguaias que migram
à Argentina, nicaraguenses que miram à Costa Rica) e até países fora da região
(por exemplo, aos Estados Unidos, Itália e Espanha). Em geral, essas
trabalhadoras sofrem com o maior nível de precariedade laboral e
vulnerabilidade que os trabalhadores locais, visto que a precariedade do
trabalho doméstico se associa também a condição de migrantes, o que as expõe
mais frequentemente às situações de discriminação e violência. (ONU
MULHERES apud CEPAL, 2020, p. 03)

Nancy Fraser (2020) compreende essa crise do cuidado como um capítulo de


uma crise mais geral que envolve economia, ecologia e política, sendo expressão das
contradições do capitalismo “financeirizado”, de caráter globalizante e neoliberal, que

29
transfere a indústria para regiões nas quais as condições de trabalho são mais
precarizadas, recruta mulheres para o trabalho pago e reduz investimentos sociais e
estatais no bem-estar social.

Expelindo de si o trabalho de cuidado e lançando-o sobre as famílias e as


comunidades, ele diminui, simultaneamente, as capacidades de que elas
dispõem para desempenhar esse trabalho. O resultado, em meio à desigualdade
crescente, é uma organização dualizada da reprodução social, mercadorizada
para quem pode pagar para dela usufruir, privatizada para quem não o pode –
tudo lustrado pelo ideal ainda mais moderno da “família de dois ganhadores
de dinheiro”. (FRASER, 2020, p. 268)

A crise do cuidado repercute na própria crise democrática, pois o cuidado


interpela as assimetrias existentes na estruturação do mundo (BIROLI, 2018; FEDERICI,
2019; ARAÚJO; HIRATA, 2020).
Em face de todas as implicações subjacentes ao tema cuidado, Federici (2019)
defende a sua politização, afirmando que qualquer luta contra a discriminação deve
envolver o tema da feminização da pobreza e seu avanço no contexto do capitalismo.
Embora Federici e Flavia Biroli tenham percepções diferentes a respeito dos caminhos a
trilhar, elas compartilham pontos em comum, e a necessidade de politização do cuidado
é um deles. Biroli (2018) também defende a politização do cuidado, com base na sua
influência em questões fundamentais para a democracia, tais como a participação política
das mulheres. Para ela, a privatização do cuidado é parte relevante dos mecanismos que
reproduzem a pobreza e as desigualdades sociais. Uma vez que a dependência biológica
e a vulnerabilidade constituem condições inafastáveis da vida humana, existe uma
demanda de justiça para que a sociedade reconheça que esse trabalho de cuidado reverte
em benefícios para toda sociedade no sentido amplo e que a defesa da igualdade requer a
valorização desse trabalho (BIROLI, 2018).

A centralidade do cuidado é fundamental para abordagem da democracia que


ultrapasse a igualdade formal, em direção a uma compreensão alargada dos
mecanismos de reprodução de vantagens e desvantagens para indivíduos e
grupos sociais. (BIROLI, 2018, p. 89).

No Brasil, Saffioti (1967) já antevia esse debate, afirmando que, uma vez que
os nascimentos e a socialização das novas gerações constituem interesses da própria
sociedade, deveria esta mesma sociedade “pagar” ao menos parte do preço da
maternidade, encontrando soluções para os problemas que essa maternidade engendra
para a vida profissional das mulheres.

30
Em suma, a questão do cuidado encontra-se no centro do debate feminista,
havendo grandes desafios teóricos. Valorizar e visibilizar esse trabalho, e ao mesmo
tempo retirar seu viés de gênero, é tarefa que implica uma equalização da questão das
diferenças entre homens e mulheres e das diferenças de raça e classe entre as próprias
mulheres, visto que família, maternidade e trabalho remunerado podem possuir
significados bem distintos a depender da mulher da qual se fala. Embora o trabalho
doméstico e de cuidado seja realizado pelas mulheres, as condições em que tal trabalho é
desenvolvido difere para mulheres brancas, negras, ricas e pobres, variando também de
acordo com as diferentes partes do mundo. Há uma verdadeira encruzilhada: valorizar o
trabalho doméstico e de cuidado e ao mesmo tempo fazer a crítica da opressão e das
vulnerabilidades que eles produzem para as mulheres (BIROLI, 2018).

2.2 Uma ética do cuidado?

Entre o final dos anos 1970 e a década de 1980, as teóricas Nancy Chorodow,
Carol Gilligan, Jean Betkhe Elshtain e Sara Ruddik desenvolveram uma perspectiva
política e filosófica que deu origem à chamada “Ética do cuidado” (BIROLI, 2018).
Especificamente, a pesquisa de Carol Gilligan - In a Different Voice – Psychological
Theory and Women’s Development - é bastante discutida quando se aborda a questão do
cuidado. Sua obra proporcionou uma inflexão nos estudos sobre desenvolvimento moral.
Ela defendeu uma teoria com uma concepção de maturidade baseada na ética do cuidado.
A autora relata que, ao longos dos anos, todos os estudos mostravam uma disparidade
entre o chamado “desenvolvimento humano” e a experiência das mulheres. A mulher era
enquadrada em rígidos esquemas feitos por homens e era tida sempre como uma figura
desviante. Deste modo, quando ela não correspondia a uma determinada expectativa
psicológica, era dito que havia algo “errado” (GILLIGAN, 1982).
Gilligan (1982) defende que as mulheres não possuem um desenvolvimento
ou um padrão de maturidade “errados”, mas apenas diferente. A suposta fraqueza moral
das mulheres, sua aparente difusão e confusão de julgamento seriam, na realidade,
atribuições da sua força moral, de uma preocupação maior com os outros, com os
relacionamentos e responsabilidades. As mulheres não somente utilizam o contexto de
relacionamento para buscar uma autodefinição, como também avaliam a si mesmas com
base na sua capacidade de cuidar. Os homens, por sua vez, mesmo sendo destinatários do
cuidado, tendem a desvalorizar esse processo e considerar que a preocupação com os

31
relacionamentos é uma fraqueza moral, e não uma força humana. Daí surgem
estereótipos que promovem uma concepção de vida adulta voltada para o trabalho
autônomo, independente, separado da vida “real”, e desvinculada de noções de amor e
cuidado. E assim, habilidades como racionalidade, autonomia e capacidade de decisão
passam a ser tidas como masculinas.
Para Gilligan (1982), as mulheres alteram a lente da observação do
desenvolvimento, focando no apego contínuo como caminho para a maturidade, ao
contrário do caminho masculino, da separação e da realização individual. Ela aponta
evidências de que mulheres interpretam a realidade social de forma diferente dos homens,
e o senso de integridade delas parece se ligar a uma ética do cuidado, de modo que a visão
de si mesmas é uma visão da pessoa em conexões.

Enquanto uma ética da justiça procede da premissa da igualdade – todos devem


ser tratados da mesma forma – uma ética do cuidado se baseia na premissa da
não violência – ninguém deve ser ferido. (...) Esse diálogo entre justiça e
cuidado não apenas fornece uma melhor compreensão da relação entre os
sexos, mas também dá origem a um retrato mais abrangente do trabalho adulto
e das relações familiares. (GILLIGAN, 1982, p. 174).

Logo se vê que a “ética do cuidado” baseia-se na ideia da diferença de


perspectiva entre homens e mulheres. Não passou despercebido o potencial desse estudo
para fundamentar posições conservadoras que procurassem manter as mulheres em seu
tradicional papel de cuidadoras, embora a própria Gilligan tenha afirmado expressamente
em sua obra que essa “voz diferente” encontrada não guarda relação de essencialidade
com o gênero feminino. Para ela, a associação com as mulheres decorre de uma
observação empírica, mas não é absoluta. Os dois modos de pensamento não implicam
generalizações quanto ao sexo. (GILLIGAN, 1982).
A intenção de Gilligan não foi, portanto, dar lugar a posições fixas de gênero.
Mesmo assim, sua teoria foi amplamente utilizada com essa finalidade. Faludi (2001)
afirma que essas teorias relacionais que apontavam o foco para características como
“pensamento contextual”, “ética do carinho” e outras especificidades culturais das
mulheres (enfim, teorias focadas na diferença) deram origem a um movimento
conservador, com teóricas antifeministas se valendo do argumento da diferença, e até
mesmo advogados de grandes empresas utilizando esse argumento para defendê-las em

32
processos que versavam sobre discriminação contra mulheres5. O livro de Gilligan, em
especial, tornou-se “um dos mais citados e influentes livros feministas dos anos 80, e se
transformou no mais famoso emblema erudito sobre a “diferença” da mulher” (FALUDI,
2001, p. 324). Fora do ambiente acadêmico, foi referenciado em seminários, livros de
autoajuda e revistas:

Até a Vogue invocou o trabalho da estudiosa nas suas considerações sobre as


roupas de alta feminilidade: Gilligan, ponderava a revista, “bem que pode ter
antecipado as referências da moda da próxima estação”. Na mídia, a Ms.
elegeu Gilligan a “Mulher do ano” e o New York Times dedicou-lhe uma capa.
(FALUDI, 2001, p. 325).

Assim, a ideia de uma “ética do cuidado” foi utilizada para revalidar posições
de subalternidade feminina. Scott (2019) formula uma crítica a essa teoria, tanto por
haver generalizado conclusões advindas de uma pesquisa feita com uma pequena
amostra, quanto por considerar que nela estão contidas abordagens a-históricas ou mesmo
essencialistas, reforçando o que o movimento feminista procura combater.
Flavia Biroli aponta os riscos da adoção da ideia de uma ética do cuidado ou
de uma voz diferente, com base justamente na distorção e na sua associação a
essencialismos:

Embora Gilligan seja clara na definição da sua posição, esclarecendo que a


“voz diferenciada” das mulheres não emerge da condição feminina, mas de
experiências decorrentes de sua posição social, essa abordagem tem permitido
aproximações entre cuidado e feminilidade. (..). A valorização do cuidado não
pode suspender a crítica ao fato de que nas sociedades modernas sua definição
como ética diferenciada deriva das condições de subordinação das mulheres.
As diferenças remetem ao papel desempenhado, não algum elemento essencial
nas identidades. (BIROLI, 2018, p. 76).

Biroli (2018) ressalta expressamente que sua opção é no sentido de não


resgatar valores comunitários nem atribuir qualquer superioridade ética à posição das
mulheres como mães e cuidadoras.
A defesa de uma “ética do cuidado” traz, efetivamente, mais prejuízos do
que benefícios à luta contra a responsabilização institucional e estrutural das mulheres

5
Um desses casos judiciais foi o “Caso Sears”, iniciado em 1979 e julgado entre 1984 e 1985, que consistiu
na abertura de um processo criminal por discriminação sexual movido pela Equal Employment
Opportunities Commission (EEOC) do governo dos Estados Unidos contra a Sears, Roebuck and Company,
empresa varejista que empregava grande quantidade de mulheres. A acusação era no sentido de que os
homens eram alocados em setores de maior remuneração, como o de vendas por comissão. A tese da Sears
foi que mulheres possuem outros objetivos na vida e outros valores que não estão relacionados à
maximização dos ganhos, característica que seria eminentemente masculina. Historiadoras foram
convocadas como testemunhas e prevaleceu a tese das diferenças, que resultou em perdas para a acusação
e, obviamente, para as trabalhadoras. (PIERUCCI, 1999)

33
pelo trabalho de cuidado. A tese de Gilligan evoca uma mulher universal, como se
houvesse um único “jeito feminino” de ser, com base em alguns achados de pesquisa, e
pode ser utilizada – como efetivamente foi – para construir modelos de cuidado e
maternagem impositivos para as mulheres e liberatórios para os homens. Talvez fosse
mais pertinente buscar-se uma ética da responsabilidade, capaz de impor a
responsabilização institucional de todos, homens e mulheres. Assim, no âmbito desta
pesquisa rejeita-se a ideia de uma ética do cuidado, que contribui somente para reafirmar
diferenças e ratificar posições e papéis sociais.

2.3 Produção, reprodução e divisão sexual do trabalho

Nos anos 70, um fato insólito ocorrido no exército suíço mereceu a primeira
página dos jornais de Genebra. Um jovem recruta apresentou-se ao serviço
militar levando no colo um bebê de três meses. (...) Apanhadas de surpresa, as
autoridades tiveram que se confrontar com o seguinte problema: o jovem
declarava ter sido abandonado pela mulher e não contar com nenhuma
possibilidade de apoio familiar. As creches suíças, àquela época, não se
ocupavam de crianças com menos de seis meses. Foi assim que o exército
encontrou-se a braços, literalmente, com um bebê recém-nascido. O fato, que
poderia ter sido tratado de maneira anedótica, foi levado a sério pela mídia e
serviu como demonstração cabal de que o serviço militar só era possível
porque as mulheres se ocupavam das crianças. O efeito pedagógico mais
devastador desse episódio foi a coragem que teve o recruta de afirmar que
preferia ficar junto do filho do que assumir suas responsabilidades
“masculinas” junto ao exército. (OLIVEIRA, 2003, p. 61).

O trecho citado na epígrafe mostra a perplexidade diante de um homem que


quer exercer seu papel de cuidador em detrimento de suas responsabilidades
“masculinas”. Ampliando a afirmação de Oliveira, de que o serviço militar só é possível
porque as mulheres se ocupavam das crianças, pode-se afirmar que qualquer tipo de
trabalho só é possível porque as mulheres se ocupam da reprodução e dos cuidados, por
força da divisão sexual do trabalho.
Compreender como operou e opera, ainda atualmente, a desvalorização do
trabalho doméstico, implica manejar certos conceitos que explicam a lógica da
exploração, tais como divisão sexual do trabalho, trabalho produtivo e reprodutivo.
O trabalho produtivo relaciona-se com um processo de produção que precisa
prosseguir indefinidamente, repetindo com certa periodicidade as fases anteriores. É uma
sequência. A reprodução compreende tanto a renovação da produção, quanto a geração
das condições para que essa mesma produção siga em frente, em um ciclo de renovação
e repetição. (BOTTOMORE, 2001).

34
Segundo Federici (2018; 2019), a reprodução compreende o complexo das
atividades que possibilitam a reconstituição diária da vida e do trabalho. Nessa categoria
está incluída a própria geração de seres humanos, que constitui a base de todo o sistema
político e econômico; e as atividades cotidianas que compõem o universo doméstico e se
encontram atreladas ao cuidado: limpar, lavar, passar, cozinhar etc. Para a autora, “a
imensa quantidade de trabalho doméstico remunerado e não remunerado, realizado por
mulheres dentro de casa, é o que mantém o mundo em movimento” (FEDERICI, 2019,
p.17). A comida não se faz sozinha, as roupas não se lavam sozinhas, e o trabalhador, que
desenvolve suas atividades na indústria, no comércio ou nos serviços, depende desse
trabalho reprodutivo para poder passar suas horas de trabalho fora de casa e, ao retornar,
poder descansar. São atividades, portanto, que fornecem todo o suporte para a vida diária,
sem as quais não seria possível o trabalho remunerado fora de casa.
Nesse contexto, é oportuno destacar a obra de Engels (2019) sobre as origens
da família, da propriedade privada e do Estado. A despeito de imprecisões históricas e
antropológicas6, ele pesquisou a gênese das desigualdades entre homens e mulheres,
situando-a fora da biologia, e tornando visível a exploração da mulher por meio do
trabalho doméstico, bem como as inúmeras restrições ao exercício da sua liberdade. O
autor busca elementos na história e na antropologia, narrando o processo pelo qual o
homem assumiu o comando dentro de casa, num regime autocrático de família
monogâmica e patriarcal, tornando a mulher “escrava do desejo do homem e mero
instrumento de procriação” (ENGELS, 2019, p. 99). Ele expõe a historicidade dessa
dominação e dos interesses econômicos em jogo, comparando o homem ao burguês e a
mulher ao proletariado. Além disso, expõe também a perda da importância do trabalho
doméstico feminino e a dicotomia entre público e privado que fundamentou boa parte da
produção teórica feminista, cujo slogan pregava que “o pessoal é político”:

A condução da casa perdeu seu caráter público. Deixou de concernir à


sociedade. Tornou-se um serviço privado; a mulher se tornou a serviçal
número um, alijada da participação na produção social” (ENGELS, 2019 p.
123)

Dessa forma, o caminho para a libertação das mulheres seria sua integração
ao processo produtivo (ENGELS, 2019), o que implica dizer, como bem assinala Silvia
Federici (2019 e 2021) , que para o marxismo a mulher estava em uma espécie de situação

6
Uma das imprecisões comumente citadas é a ideia de matriarcado como sistema hegemônico no passado
(ARAÚJO, 2019)

35
pré-capitalista, fora dos esquemas de funcionamento do capital. Entretanto, ressalvadas
as limitações da própria época em que foi escrito, esse trabalho de Engels desnudou as
principais causas da exploração das mulheres7.
As feministas marxistas tentaram examinar as bases concretas da opressão
das mulheres que vivem sob o sistema capitalista, e com tal propósito passaram a estudar
o trabalho doméstico nesse contexto. Pretendia-se incluir o trabalho doméstico nas
categorias de análise. E embora a tônica principal tenha sido a crítica, muitas utilizaram-
se do arsenal teórico produzido pelo materialismo histórico (ANDRADE, 2015). Outras,
como Federici, optaram por ultrapassar o marxismo, embora sem renunciar a alguns
conceitos e categorias marxianas.
Produção e reprodução atuam conjuntamente para movimentar a vida social,
porém a produção, tomada em seu sentido originário, ocorreria somente no espaço
público, no âmbito da indústria, e a reprodução estaria relegada ao âmbito privado.
Produção e reprodução, assim como o dualismo público x privado, articulam-se com o
conceito de divisão sexual do trabalho.
Segundo Kergoat (2009), a noção de divisão sexual do trabalho foi utilizada
inicialmente por etnólogos, designando uma explicação para a estrutura social da família.
Foram as antropólogas feministas que atribuíram um novo conceito à expressão,
observando que essa divisão era estabelecida com base em uma relação de dominação. O
conceito foi adquirindo a forma de uma categoria de análise. Embora o modo como a
divisão se realiza seja variável em cada sociedade, há características comuns, a exemplo
da destinação dos homens à esfera produtiva, com ocupações de maior valor, seja
econômico, seja social, e das mulheres à esfera reprodutiva. Atuam dois princípios
organizadores: a separação, segundo o qual existem trabalhos de homem e trabalhos de
mulher, e o da hierarquização, que indica que os trabalhos de homem valem mais do que
os de mulher (KERGOAT, 2009).
O ponto de partida para esses estudos foi justamente a consideração do caráter
laboral do trabalho doméstico. Em outras palavras, a afirmação de que trabalho doméstico
é trabalho. Kergoat e Hirata (2007) assinalam que, na França, o conceito se aplica a duas
instâncias: a divisão dos ofícios entre homens e mulheres (esfera pública, ou de mercado),
e a divisão do trabalho doméstico entre os sexos (esfera privada). Essa análise possibilita

7
É preciso cuidado, todavia, para não classificar Engels como “feminista”, em um anacronismo
descontextualizado e separado da análise de outras obras, nas quais ele afirma que o trabalho da mulher iria
“desagregar” a família e desestruturar o cuidado com as crianças (ANDRADE, 2015)

36
desnudar a sistematicidade das desigualdades e a hierarquização das atividades, mediante
a qual se produz um sistema de gênero, desmistificando a ideia de que a gratuidade era
justificada pela natureza, pelo amor e pelos deveres inerentes à maternidade (KERGOAT;
HIRATA, 2007).
Assim, o trabalho começou a adquirir um novo significado, para abarcar não
só as atribuições desenvolvidas na esfera profissional, mas também aquelas realizadas no
âmbito doméstico. O conceito pretendia articular essas duas esferas, a “profissional” e a
doméstica. Da mesma forma que se buscou desnaturalizar a família e as obrigações
femininas fundamentadas no aspecto biológico, questionou-se também o modelo do
trabalho assalariado, construído sob medida para o trabalho dito “produtivo”, do homem
branco e qualificado. Desse modo, é situado o referencial teórico em uma perspectiva
dinâmica, observando as relações sociais que se estabelecem entre os sexos, por meio das
quais aos homens é designada a esfera produtiva e as funções de maior valor, seja
econômico, seja social, ao passo que as mulheres são relegadas ao âmbito reprodutivo,
estabelecendo-se a premissa de que o trabalho do homem vale mais do que o da mulher.
(KERGOAT; HIRATA, 2007)
É importante ressaltar que essa divisão não é estanque, modificando-se ao
longo do tempo, sendo dependente de condições políticas e sociais, embora sempre
mantenha a hierarquia. Ela também não incide sobre homens e mulheres da mesma forma
e com a mesma intensidade. Ao contrário, opera conjugada com posições de classe e com
o racismo estrutural, de modo que as formas mais acentuadas de exploração recaem sobre
uma determinada categoria de mulheres, e não sobre todas as mulheres, abstratamente
consideradas.
A divisão sexual assume outros contornos quando se tem em vista a
globalização e as migrações de mulheres do sul para o norte, indo ocupar-se de serviços
domésticos em tais países. Por força desse deslocamento, as mulheres do norte
conseguem “terceirizar” os trabalhos domésticos, e assim ganham tempo para uma maior
dedicação à sua carreira. Um dos efeitos é um apaziguamento nas relações entre os sexos,
uma vez que a delegação do serviço doméstico neutraliza os conflitos em torno da divisão
do trabalho, possibilitando assim, que se esqueça ou pelo menos adie-se a reflexão sobre
a condição precária das migrantes. (KERGOAT; HIRATA, 2007).
Nesse contexto, surge o fenômeno da bipolarização do emprego feminino,
que, nos termos indicados por Hirata (2010), divide as mulheres entre aquelas que
possuem acesso a profissões como as de executiva, servidora pública e outras profissões

37
liberais, e do outro lado as que permanecem em ofícios tipicamente femininos, no
trabalho doméstico e de cuidados, na educação infantil e no setor dos serviços, em
atividades que não exigem qualificação específica. A bipolarização revela clivagens entre
as mulheres e perpetua desigualdades e hierarquias no próprio gênero feminino.
Deste modo, no âmbito público, a divisão sexual produz hierarquias entre os
dois gêneros e entre as próprias mulheres. No âmbito residencial, tido como espaço
reprodutivo, articula-se com os limites e as possibilidades profissionais de cada sexo fora
de casa. O tema encontra-se profundamente vinculado à questão do tempo: tempo para se
dedicar a atividades profissionais, tempo para o desenvolvimento intelectual e subjetivo,
tempo para se dedicar a atividades políticas, consolidando a posição de cidadão/cidadã.
Faz-se fundamental, assim, adentrar na questão da pobreza de tempo. Essa
dimensão da pobreza não se resume à sensação de falta de tempo em decorrência da
velocidade do mundo atual, estando fundamentada na percepção de que nem todas as
atividades diárias da vida são monetizáveis, havendo necessidade de um período mínimo
para realizá-las (FERRITO, 2021). Para Abramo e Valenzuela (2016), ela pode ser
calculada com base na soma das horas necessárias para trabalho remunerado, cuidados
pessoais (higiene, alimentação), transporte, trabalhos domésticos e necessidades
fisiológicas básicas. A pobreza se configura quando não se tem tempo suficiente para tais
atividades. E há déficit de tempo em uma residência quando pelo menos um dos seus
integrantes sofre com a pobreza de tempo. Segundo o relatório da CEPAL, em todos os
países com informação disponível, o tempo total de trabalho das mulheres ocupadas
supera o dos homens. E a sobrecarga de trabalho não remunerado imposto às mulheres
constitui obstáculo tanto ao seu ingresso no mercado de trabalho quanto à ocupação de
postos de trabalho mais valorizados (CEPAL, 2019). Assim, é comum as mulheres
sofrerem com a pobreza de tempo, em razão da divisão desigual das tarefas domésticas.
Muitas vezes, a carga horária total de homens e mulheres é parecida, todavia os homens
possuem mais tempo de trabalho remunerado, o que revela maior tempo livre para o
trabalho produtivo, ao passo que elas precisam abrir mão dessa disponibilidade para se
dedicar a trabalhos reprodutivos, o que é indicador de pobreza de tempo (FERRITO,
2021).
Revelam-se impactos também no âmbito do desenvolvimento político:

A sustentação de um projeto político coletivo no cotidiano se confronta com


as dificuldades do sujeito individual. O que nos parece uma questão
sociológica importante é o fato de que, para quem tem carência de tempo,
garantir um tempo para participação política já significa uma afirmação como

38
sujeito na construção da resistência à dominação/exploração. (ÁVILA, 2016,
p. 144)

Nesse sentido, a pobreza de tempo representa uma grande limitação para as


empregadas domésticas no tocante à participação ativa em sindicatos e associações.
Esse cenário, aliado às desigualdades sociais, gera nova diferenciação na sociedade
brasileira: as mulheres que já são pobres de renda são também pobres de tempo, por não
disporem de serviços públicos, de acesso à tecnologia ou de empregadas
domésticas/faxineiras para auxiliá-las. E são elas que, como empregadas, babás e
faxineiras, reduzem ou eliminam a pobreza de tempo das mulheres das classes média e
alta.
Hirata (2010) expõe quatro modelos de articulação entre vida profissional e
vida familiar: o modelo tradicional, que conta com um homem no papel de provedor e a
mulher nos serviços domésticos; o modelo de conciliação, segundo o qual a mulher possui
uma ocupação também fora de casa e precisa conciliar essa ocupação com o trabalho
doméstico, sem a divisão com o homem; o modelo de parceria, que supõe uma igualdade,
e segundo o qual homens e mulheres possuem ocupações remuneradas e dividem as
tarefas de cuidado e domésticas de um modo geral; o modelo da delegação, segundo o
qual a mulher delega a outras mulheres o trabalho doméstico.
Com a delegação, a mulher “terceiriza” uma atividade cuja responsabilidade,
teoricamente, lhe cabia, repassando suas atribuições domésticas a outra mulher, a
empregada, diarista ou babá (HIRATA, 2004). Ainda que eventualmente a mulher não
figure formalmente como contratante, é dela a responsabilidade de buscar a profissional,
entrevistar e coordenar a execução dos serviços.
Deste modo, os conflitos relativos à divisão das tarefas entre homens e
mulheres são amainados, ao mesmo tempo em que o trabalho de cuidado segue sendo
invisível, pois realizado por pessoas que são consideradas socialmente invisíveis.
A adoção de tal modelo, todavia, não repousa somente em uma decisão
individual; há todo um sistema social que fomenta ou outro tipo de organização. A
chegada das mulheres ao mundo público não foi acompanhada de mudanças consistentes
nos usos e costumes, e as responsabilidades pelo ato de cuidar continuam recaindo sobre
elas, de modo que a vida privada permanece sendo um “ponto cego” nas relações sociais
(OLIVEIRA, 2003). Nesse mesmo sentido, Flavia Biroli (2018) afirma que a isenção do
homem quanto a esse trabalho é coletiva e institucionalizada, de modo que motivações e
escolhas devem ser vistas dentro de uma dinâmica social, ao invés de explicadas em

39
dimensões individuais e sob perspectivas voluntaristas. Embora não existam
impedimentos legais para se buscar outros caminhos, nem o que se possa identificar como
coerção propriamente dita, há uma questão de responsabilização, que atua nos planos
institucional e estrutural. A alocação das responsabilidades por esse trabalho é
institucionalizada e permeia as relações cotidianas (BIROLI, 2018).
Hirata (2004) afirma que, na sociedade brasileira, o modelo de delegação de
cuidados e atividades domésticas superpõe-se ou supera o modelo de conciliação da vida
profissional com a vida familiar. É preciso, todavia, ler com cuidado tal afirmação, uma
vez que, conforme exposto adiante, por meio de dados do IBGE (2020), a delegação
mediante a contratação de empregadas domésticas é acessível a poucas famílias no país,
havendo uma grande massa de mulheres que trabalham fora e chefiam domicílios, tendo
que conciliar tais atividades, embora em algumas situações, com a ajuda de parentes,
filhos mais velhos e da comunidade.

2.4 Tornando visível o trabalho doméstico

Mulher & produto bruto


Uma piadinha corrente entre os economistas: empregada doméstica ganha
salário e, portanto, contribui com o aumento do produto interno bruto do país.
Se cada homem casasse com a sua empregada, o salário deixaria de existir. E
o produto bruto ia pro brejo. O machismo tem razões que a economia
desaprova”. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, O PASQUIM, 1978,
p. 08)

Quando se fala em trabalho doméstico, uma das palavras-chaves manejadas


em muitas pesquisas é “invisibilidade”. A invisibilidade do próprio trabalho, somente
percebido quando não realizado, ou quando realizado de modo deficiente. A
invisibilidade para uma das teorias sociais mais influentes do mundo ocidental (o
marxismo). A invisibilidade do corpo da empregada, que deve se vestir de maneira
“adequada” (que não revele uma “feminilidade” igual ou superior à da patroa, sendo o
uniforme um instrumento para tal fim). A invisibilidade desse mesmo corpo ao transitar
pela casa, sendo-lhe vedado tacitamente o acesso às áreas sociais quando não está
trabalhando nelas. Essa invisibilidade repercutiu por muito tempo nos censos, nas
estatísticas e estudos nos quais o trabalho doméstico não era contabilizado.
O Wages for housework foi um movimento que procurou chamar a atenção
para o trabalho doméstico silenciosamente realizado nos lares por meio da proposta de
pagamento de salário para tais atividades. Silvia Federici participou ativamente, e expôs

40
os seus fundamentos no livro “O ponto zero da revolução” (2019). Segundo os cânones
do Wages..., os salários para o trabalho doméstico seriam pagos pelo Estado, e não pelo
marido. Para Federici (2019), a questão dos salários estaria longe de se resumir ao âmbito
financeiro; ela rejeita a ideia de salário como “um dinheiro a mais” e suscita o caráter
político da questão: o simples fato de se postular salário para tarefas que eram tidas como
atribuições naturais, decorrência do amor, já acarretaria severo impacto nas expectativas
sociais sobre as mulheres. O objetivo final seria “desgenerificar” o trabalho doméstico.
A luta pelo salário seria, então, uma luta contra o papel social e contra a naturalização
dos serviços domésticos como algo ínsito à mulher (FEDERICI, 2019)
Na própria época em que surgiu, o Wages for Housework sofreu inúmeras
críticas. Se, por um lado, a ideia de pagamentos pelo Estado para trabalhos domésticos
pareceria ainda mais sem sentido no mundo de hoje, não se pode negar a verdade da
assertiva de Federici (2019) no sentido de que conseguir um emprego fora de casa nunca
libertou as mulheres do “primeiro emprego”, a luta diária com os afazeres domésticos.
Mesmo quando as mulheres podem pagar por uma empregada, ainda é como se aquele
trabalho fosse delas, como se elas apenas o estivessem delegando, tanto que a contratação
e a supervisão dos serviços, assim como a organização da rotina da casa, permanecem
sendo atribuições tipicamente femininas. Com ou sem empregada doméstica remunerada,
as mulheres não se libertaram da ideia de que trabalho doméstico é trabalho de mulher, o
que se expressa nessas duas vias: as pessoas que delegam são mulheres; as pessoas que o
exercem, ainda que de forma remunerada, também o são. Nesse sentido, possui total
pertinência a afirmação de Pereira e Nicoli (2020) de que o “Wages...” constituiu uma
importante provocação política.
O movimento é um capítulo na grande luta do movimento feminista para
demonstrar que o trabalho doméstico é trabalho, uma vez que sua classificação como
atividade de mero “valor de uso”, sem finalidade lucrativa e sem impactos econômicos,
condicionava o seu reconhecimento. Além de ser posto à margem do motor da sociedade
capitalista (a geração de lucro), esse mesmo trabalho é tido como não especializado, não
sendo necessária nenhuma competência especial ou qualificação para tal fim, haja vista
que as tarefas de cuidar e limpar são tidas historicamente como desdobramentos naturais
da condição feminina. Como afirma Hirata (2004), por competência entende-se uma
miríade de características atribuídas ao masculino, tais como criatividade, autonomia e
capacidades técnicas. Para ela, o reconhecimento do valor dessas qualidades, que devem
ser alçadas à condição de competências profissionais, constitui um dos momentos

41
fundamentais dessa correlação de forças estabelecida entre os gêneros e as classes sociais.
Ela salienta, todavia, que a mercantilização do trabalho doméstico pode levar tanto à
desvalorização quando ao reconhecimento.
Nesse sentido, é interessante ilustrar com o exemplo abaixo:

Muitas mulheres, chefes de família ou não, se engajaram em mutirões de


construção para conquistar uma casa própria. O setor da construção civil
descobriu que as mulheres eram ótimas azulejistas, realizando acabamentos
precisos e trabalhando com asseio. Porém, não foram contratadas ganhando
mais do que seus colegas homens por fazerem melhor serviço. Foram
contratadas ganhado menos, e a feminização da profissão concorre para a
diminuição de sua remuneração. (NOBRE, 2004, p. 62)

Uma das hipóteses suscitadas por essa autora é a de que o trabalho não possui
um valor intrínseco, estando relacionado ao reconhecimento social de quem o faz. A se
confirmar tal hipótese, as mulheres veem-se enredadas em um círculo vicioso, uma vez
que, sempre que conseguirem romper os limites dos nichos tipicamente femininos, todas
as atividades que “tocarem” serão desvalorizadas. Na prática, pode-se observar que o
contrário também acontece: atividades historicamente associadas à condição feminina,
como o ato de cozinhar, tornam-se competência profissional nas mãos de homens, que se
qualificam como “chefs”, e não, cozinheiros.8
Os censos ratificavam esse sistema de invisibilidade, considerando a dona de
casa como economicamente inativa, sem qualquer participação na formação do país e no
seu Produto Interno Bruto (PIB). Para Bruschini (1998), foram dois os elementos que
possibilitaram tornar visível o trabalho feminino: a discussão sobre a inadequação ou
insuficiência do marxismo para analisar e compreender o trabalho feminino; e um alerta
para os equívocos metodológicas nas pesquisas de levantamentos de dados realizadas por
organismos oficiais para coletar informações sobre o trabalho feminino. Os censos
adotavam como referência o trabalho produtivo sob os moldes capitalistas, de modo que
restavam omitidos o trabalho em domicílio remunerado para produção de alimentos e de
roupas, como também o trabalho doméstico. Além disso, utilizava-se o conceito de chefe
de domicílio, sempre associado ao gênero masculino. Além de conter muitos vieses, tanto
nas perguntas quanto na própria abordagem pelos recenseadores, essas pesquisas não

8
O domínio dos homens sobre a cozinha não é fenômeno recente, todavia a eles era destinada a cozinha
“especial”, a comida feita para nobres, enquanto as mulheres ficavam com as cozinhas menos requintadas,
“triviais “e nas quais não se exigissem competências específicas, ou mesmo a confiança. Da mesma forma,
na atualidade a cozinha “lucrativa” é domínio masculino, sendo comum que as mulheres ocupem lugares
subalternos, de mera assistência/ajuda. O ambiente costuma ser agressivo, e favorece a prática do assédio,
tanto moral quando sexual. (BRIGUGLIO, 2017; PENA; SARAIVA, 2019)

42
analisavam dados secundários. Foi somente nos anos 80 que foram sendo introduzidas
modificações nos questionários do IBGE. A partir dos anos 90, a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio (PNAD) sofreu diversas transformações que terminaram
resultando na reconfiguração da própria categoria “trabalho” (BRUSCHINI, 1998).
Atualmente, utiliza-se a expressão “economia do cuidado” para conferir
visibilidade ao trabalho doméstico, ignorado pela economia tradicional. A economia do
cuidado lida com todo trabalho não remunerado, realizado no âmbito das residências,
como também o trabalho de cuidado remunerado desempenhado na esfera do mercado,
abrangendo todo o valor que é gerado pelos serviços e atividades atinentes à existência e
à reprodução das pessoas e da própria vida social. Seu estudo permite que se analisem as
cadeias de cuidado e que se compreendam os fatores que contribuem para diversificar a
estrutura de produção e o crescimento econômico sob uma perspectiva de
sustentabilidade, como também favorece o desenvolvimento de políticas públicas
voltadas à criação de uma sociedade mais justa. (CEPAL, 2019).
Esse reconhecimento foi extremamente importante, mas na prática o trabalho
doméstico segue desvalorizado e a responsabilização institucional por desempenhá-lo
continua sendo das mulheres.
Outro recurso que auxilia na visibilização da atividade é a pesquisa sobre o
uso do tempo. Seu objetivo é descobrir quais as tarefas nas quais as pessoas empregam o
seu tempo em um determinado período, sendo utilizado, geralmente, o dia como
parâmetro. Desse modo, a pesquisa, por meio do uso de metodologias diversas, consegue
traçar “orçamentos de tempo”, muitas vezes com informações sobre as atividades
realizadas e quem se beneficiou delas (RAMOS, 2009). No Brasil não há pesquisa
orientada exclusivamente para tal finalidade, mas a PNAD contínua passou a revelar
alguns dados nesse sentido a partir da década de 2000. Em 2008, foi criado um comitê
técnico de estudos de gênero e uso do tempo (CGUT) para estimular a utilização dessa
perspectiva na produção e na análise das estatísticas do país. (MELO; CONSIDERA; DI
SABBATO, 2016)
Embora não seja objetivo deste trabalho fazer uma comparação rigorosa
quanto ao uso do tempo, é possível, por meio de amostragens básicas, observar como o
uso do tempo em tarefas domésticas sempre foi maior pelas mulheres. Na última pesquisa
divulgada, no ano de 2020, as mulheres ainda despendiam, em média 10 horas a mais do
que os homens em afazeres domésticos (IBGE, 2020).

43
Essa diferença na alocação do tempo implica graves limitações ao exercício
de tarefas remuneradas fora de casa, tolhendo oportunidades e reduzindo ganhos salariais.
Ao mesmo tempo, torna invisível tudo o que cerca o trabalho de cuidado realizado por
mulheres. Em 1970, a economista Ester Boserup publicou estudo tratando sobre a divisão
sexual do trabalho, mostrando como o cálculo do produto nacional ignorava a produção
de subsistência familiar – realizada, em sua maioria, por mulheres. Essa crítica inicial foi
ampliada pelas feministas com a tendência de visibilização do trabalho doméstico. A
partir de então, foram vários estudos estimando o valor do trabalho doméstico (MELO;
CONSIDERA; DI SABBATO, 2016).
Em janeiro de 2020, foi publicado o relatório “Tempo de Cuidar”, da Oxfam
Brasil9, revelando grandes disparidades nas relações de gênero e raça. Um dos destaques
foi a estimativa do trabalho de cuidado não remunerado:

O valor monetário global do trabalho de cuidado não remunerado prestado por


mulheres a partir da faixa etária de 15 anos é de U$$ 10,8 trilhões por ano –
três vezes maior do que o estimado para todo o setor de tecnologia do mundo.
(LAWSON et al, 2020, p. 06)

Essa renda, que pode ter sido subestimada, pois calculada com base apenas
no salário-mínimo, tem seus benefícios revertidos para os mais ricos. Esse mesmo
relatório indica que mulheres e meninas, sobretudo as que vivem em condição de pobreza,
dedicam 12,5 bilhões de horas por dia realizando trabalhos de cuidado gratuito, sem
contar as horas de trabalho com remuneração muito baixa. Essa situação faz parte de um
contexto de grande concentração de renda, encontrando-se no topo um grupo pequeno de
pessoas, composto predominantemente por homens. Se a extrema pobreza é feminina, a
extrema riqueza é masculina: os homens detêm, no mundo, 50% a mais de riqueza do que
as mulheres (LAWSON et al, 2020).
As mulheres desempenham mais de três quartos dos trabalhos de cuidado não
remunerado no mundo inteiro, e dois terços do trabalho remunerado nesse setor. As que
vivem em comunidades rurais e de baixa renda dedicam tempo cinco vezes maior do que
os homens no trabalho de cuidado não remunerado. Ainda segundo esse mesmo relatório,
em todo o mundo, 42% das mulheres em idade ativa encontram-se fora do mercado de
trabalho em razão de suas atividades não remuneradas, ao passo que isso ocorre apenas

9
Organização da sociedade civil criada em 2014, sem fins lucrativos e independente. In:
https://www.oxfam.org.br/historia/. Acessado em maio, 2021.

44
com 6% dos homens (LAWSON et al, 2020). Trata-se de um ciclo: as meninas que
precisam realizar o trabalho de cuidado não remunerado apresentam índice de
absenteísmo na escola maior do que as demais, permanecendo com poucas chances de
mobilidade social ao longo da vida, em razão da baixa escolaridade.
A situação muito se agrava com os cortes de serviços públicos, a privatização
de serviços diversos, como educação e saúde, que redundam em mais trabalho para as
mulheres. O envelhecimento da população e as mudanças climáticas delineiam um
cenário de piora. Ainda segundo o relatório da Oxfam Brasil (LAWSON et al, 2020), até
2025, um total de 2,4 bilhões de pessoas no mundo poderão viver em lugar sem água, o
que forçará mulheres e meninas a ter que caminhar cada vez mais para buscá-la.
Quando se trata de trabalho doméstico remunerado, os dados são também
desalentadores. Na América Latina, o Brasil é um dos países que possui a maior
proporção de mulheres ocupadas com o serviço doméstico remunerado. Considerando
América Latina e Caribe, estima-se que existam entre 11 e 18 milhões de pessoas nessa
ocupação, e, dessas, 93% são mulheres. Mais de 77% dessas mulheres trabalham em
condições de informalidade, ao largo de qualquer proteção trabalhista. A Organização
Internacional do Trabalho (OIT) estima que 17,2% das trabalhadoras domésticas são
migrantes. Segundo dados da CEPAL, com base no censo de oito países, 63% dessas
pessoas são afrodescentes. (ONU MULHERES, OIT, CEPAL, 2020).
Segundo o relatório da Oxfam Brasil (LAWSON et al, 2020), apenas 10%
das trabalhadoras domésticas possuem proteção legal na mesma medida dos outros
trabalhadores e somente cerca de metade possui acesso a salário-mínimo. Isso significa
que 90% delas são privadas de benefícios de previdência e assistência social. Para mais
da metade delas, não há previsão de limitação de jornada de trabalho na legislação, o que
foi o caso do Brasil até recentemente. Há ainda o trabalho análogo à condição de
escravidão, estimando-se que anualmente cerca de 8 bilhões deixem de ser pagos a essas
mulheres, que vivem em residências nas quais toda a sua vida é controlada.
O IBGE publicou recentemente um relatório com os destaques da evolução
do mercado de trabalho no Brasil, destacando dados da PNAD contínua de 2012 a 2020,
e os resultados foram os seguintes:

Os trabalhadores domésticos no Brasil, em 2012, compreendiam 6,1 milhões


de pessoas e atingiu o menor contingente em 2014, quando havia no País 5,9
milhões de trabalhadores domésticos. Em 2020, contudo, ocorreu a maior

45
retração dessa população, que passou de 6,2 milhões em 2019 para 5,1 milhões
de pessoas em 2020: queda de 19,2%.

(...)

Dentre as atividades de serviços, os Serviços domésticos tiveram a segunda


maior queda (19,0%) em 2020, perdendo apenas para o grupamento de
Alojamento e alimentação. A atividade passou a contar com 5,1 milhões de
trabalhadores em 2020, o que representa redução de 1,2 milhão de pessoas em
relação a 2019. (IBGE, 2021, p. 5 e 6).

O emprego doméstico é uma ocupação residual, que diminui quando o PIB


do país cresce e aumenta quando cresce a taxa de desemprego, o que denota que se trata
de um nicho para pessoas que não conseguem outras ocupações (DIEESE, 2020). A
atividade é marcada pela informalidade e desproteção. Em 2018, apenas 27% das
empregadas domésticas tinham carteira assinada. O pico de formalização ocorreu em
2015, com o percentual de 31,2%. Entretanto, está havendo retração desde 2016. Além
disso, considerando o total (tanto empregadas quanto autônomas), em 2018 apenas 38,9%
eram contribuintes para a previdência, o que implica a existência de milhões de
trabalhadoras sem qualquer proteção previdenciária, excluídas de benefícios como
auxílio-doença, acidente, salário maternidade e aposentadoria. (DIEESE, 2020).
Enquanto há um grande contingente de trabalhadoras domésticas no país, são
poucas as famílias que as empregam: 19,5% das famílias brasileiras são as contratantes,
sendo a maior parte delas (40,1%) composta por casais com filhos. As pesquisas indicam,
ainda, a permanência de uma maioria de mulheres negras na ocupação. Em 2018, eram
cerca de 6,23 milhões de pessoas, sendo que destas, 457 mil eram homens e 5,77 milhões
eram mulheres (92,7% da categoria). As mulheres negras representam um total de 65%
da categoria. Segundo o perfil atual, predominam mulheres na faixa etária acima de 45
anos (46,5%), o que se deve sobretudo às mudanças da década de 2000, com aumento de
ofertas de emprego no setor de serviços para mulheres mais jovens (DIEESE, 2020). Esse
aumento da faixa etária também é reportado a nível internacional, com um aumento médio
de quase oito anos ao longo de um período de menos de 20 anos (CEPAL, 2019).
As empregadas domésticas também apresentam uma grande participação no
orçamento familiar, sendo que 45% delas são chefes de domicílio:

Entre as trabalhadoras extremamente pobres, 58,1% são chefes de domicílio;


entre as pobres, 48,7% são chefes de domicílio; e entre as não pobres, 42,4%,
ou seja, há maior participação de mulheres chefes de família em situação de
extrema pobreza. Essa condição é ainda mais acentuada entre as domésticas
negras, das quais 46% são chefes de seus domicílios, contra 43,1% das não

46
negras. Entre as domésticas negras em situação de extrema pobreza, 59,3% são
chefes de domicílio, enquanto entre as não negras extremamente pobreza,
53,7% o são. (DIEESE, 2020, p. 9 e 10)

A remuneração média dessas trabalhadoras é abaixo do salário-mínimo (em


2018, era R$ 102,20 a menos). As diaristas possuem um salário hora mais alto, mas suas
jornadas, no geral, são mais instáveis, o que afeta a remuneração global. E em todas as
atividades a remuneração média das trabalhadoras negras permaneceu inferior à das não
negras (DIEESE, 2020).

2.5 Divisão racial do trabalho, interseccionalidade e consubstancialidade

A abordagem da divisão sexual do trabalho, as diferenças entre trabalho


produtivo e reprodutivo e as pesquisas sobre o uso do tempo são fundamentais para se
obter a compreensão do contexto que permeia o trabalho doméstico. Mas, quando
analisamos o serviço doméstico remunerado, faz-se necessário introduzir novos
conceitos, como a divisão racial do trabalho e a interseccionalidade, sendo fundamental
atentar para o protagonismo do feminismo negro. Autoras como Lélia Gonzalez, bell
hooks, Patricia Hill Collins e Angela Davis produziram material de estudo capaz de
identificar a condição da mulher negra na sociedade, abordando questões omitidas no
âmbito do feminismo tradicional, feito por mulheres brancas.
A divisão racial do trabalho tem origem com o movimento colonizador, que
inicialmente codificou as diferenças entre conquistadores e conquistados por meio da
ideia de raça, e a partir daí estabeleceu lugares hierarquicamente diferenciados para cada
um deles (QUIJANO, 2005). Mesmo com o fim da colonização, persistiu a lógica
colonialista de exploração e desumanização de pessoas, que continuaram a ser vistas
como “o outro”. Se a descolonização foi o movimento histórico de insurgência dos
colonizados contra os impérios, a decolonialidade é a insurgência contra a persistência
dessa lógica colonial e seus efeitos nos campos “materiais, epistêmicos e simbólicos”
(MALDONADO-TORRES, 2019, p. 36).
No Brasil, a divisão racial do trabalho é referida por Clovis Moura e Lélia
Gonzalez para identificar princípios semelhantes aos da divisão sexual (separação e
hierarquia), tendo como marcador o pertencimento étnico-racial. Moura (2019) situa a
construção dessa divisão no período escravocrata, tendo se racionalizado por meio de
teorias “justificadoras” no período pós abolição e perdurado até os dias atuais, refletindo

47
uma estrutura social estratificada de forma rígida: os trabalhos “nobres”, qualificados,
eram exercidos pelos brancos, enquanto o trabalho “sujo”, braçal, era feito pelos negros.
De modo similar, Gonzalez (2020) afirma que essa divisão faz com que, no Brasil, a
população negra ocupe-se predominantemente de posições laborais subalternas. A
mobilidade das pessoas negras, segundo ela, caracteriza-se por ocorrer em termos
individuais, ou seja, são pessoas que, por alguma razão particular, conseguem ascender
socialmente, a exemplo de jogadores de futebol. Assim, não é por acaso que a força de
trabalho negra permanece confinada em atividades que pagam mal e exigem pouca
qualificação, sendo fruto de uma sistemática discriminação.
Articuladas, a divisão sexual e a racial estabelecem nichos, lugares pré-
determinados para homens e mulheres, em especial as mulheres negras. O serviço
doméstico tem subsistido como um nicho para mulheres negras.

Lidar, por exemplo, com a divisão sexual do trabalho sem articulá-la com a
correspondente ao nível racial é cair em uma espécie de racionalismo universal
abstrato, típico de um discurso masculinizante e branco. Falar de opressão ã
mulher latino-americana é falar de uma generalidade que esconde, enfatiza,
que tira de cena a dura realidade vivida por milhões de mulheres que pagam
um preço muito alto por não serem brancas. (GONZALEZ, 2020, p. 142).

Lélia Gonzalez afirma que, no que diz respeito ao período posterior à década
de 1950, houve o fechamento de muitas fábricas têxteis, prejudicando a condição da
mulher negra operária. Embora novas perspectivas tenham sido abertas em setores
burocráticos mais baixos, essas atividades ainda exigiam algum nível de escolaridade,
que tais mulheres não possuíam. Em paralelo, tais profissões exigiam, também, “boa
aparência”10, expressão que, a seu ver, constitui “um código cujo sentido indica que não
há lugar para a mulher negra” (GONZALEZ, 2020, p. 57/58).

Por que será que ela só desempenha atividades que não implicam “lidar com o
público”? Ou seja, atividades onde não pode ser vista? Por que os anúncios de
emprego falam tanto em “boa aparência”? Por que será que, nas casas das
madames, ela só pode ser cozinheira, arrumadeira ou faxineira, e raramente
copeira? Por que é “natural” que ela seja a servente nas escolas,
supermercados, hospitais etc. e tal? (GONZALEZ, 2020, p. 85).

Essa falta de perspectivas direcionava a mulher negra para o serviço


doméstico, tido muitas vezes como inevitável, de modo que as meninas passavam a ser
treinadas para isso desde cedo (COLLINS, 2019).

10
No terceiro capítulo haverá menção a essa questão da aparência, abordando o sentido da expressão “cara
de empregada doméstica”.

48
Gonzalez (2020) aponta uma grande contradição do movimento feminista
brasileiro, uma vez que, quando se denunciava a exploração das empregadas domésticas,
era gerado um intenso mal-estar, sendo visível a existência de um “racismo por omissão”,
com base em visões de mundo eurocêntricas e neocolonialistas.
No caso da empregada doméstica, ela passava por um processo de
internalização da diferença e da suposta inferioridade que seria típica de sua condição.
Além disso, enfrentava a dupla jornada:

Após “adiantar” os serviços caseiros, dirige-se à casa da patroa, onde


permanece durante todo o dia. E isso sem contar quando tem de acordar mais
cedo (três ou quatro horas da manhã) para enfrentar a fila dos postos de
assistência médica pública, para tratar de algum filho doente (...) –
(GONZALEZ, 2020, p. 58)

A abordagem da divisão racial do trabalho sob uma perspectiva decolonial é


fundamental, mas necessita ser conjugada com a interseccionalidade (PEREIRA E
VIERA, 2015; AKOTIRENE, 2018), uma vez que a colonialidade não se restringe à
classificação racial, pois “atravessa o controle do acesso ao sexo, a autoridade coletiva, o
trabalho e a subjetividade/intersubjetividade” (LUGONES, 2020, p. 57).
A interseccionalidade constitui uma ferramenta muito importante para o
feminismo negro. Na maioria dos artigos sobre o tema, encontra-se a sua história contada
de forma mais ou menos idêntica: interseccionalidade seria um conceito cunhado por
Kimberle Crenshaw, no âmbito de sua área de atuação (jurídica) para tratar da observação
dos múltiplos cruzamentos entre raça, gênero e classe. Collins e Bilge (2021), todavia,
aprofundam o debate sobre o tema, explicando que as ideias centrais da
interseccionalidade foram elaboradas entre as décadas de 1960 e 1970, havendo várias
obras de intelectuais negras que tratam do assunto, a exemplo de The black woman, de
Toni Cade Bambara e Double Jeopardy: To be black and Female, de Frances Beal. Ainda,
em 1977 foi lançada a Declaração Feminista Negra, escrita pelo Combahee River
Colective (CRC). Além disso, os movimentos sociais vinham lutando incessantemente
pela inclusão em instituições sociais de pessoas que antes eram excluídas. Essa conjunção
de fatores tornou possível a sistematização e o ato de nomear a interseccionalidade, o que
foi feito por Creenshaw, que, segundo Collins, ocupava uma posição ideal para escrever
o artigo tratando sobre o tema, uma vez que conhecia os movimentos sociais dentro e
fora da universidade.

49
Importante registrar que, no Brasil, Lélia Gonzalez já antecipava as ideias do
que viria a se chamar interseccionalidade.
No artigo Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black
Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist
Politics (CRENSHAW, 1989), Kimberle Crenshaw analisa alguns julgamentos para
demonstrar como a experiência das mulheres negras não é percebida pelo judiciário. No
caso de Graffenreid vs. General Motors, a GM foi acusada de não haver contratado
mulheres negras durante certo período, e alegava que não houve discriminação sexual,
porque foram contratadas mulheres (brancas). Não teria havido, também, discriminação
racial, pois havia homens negros trabalhando. A corte afirmou que a ação deveria ser
examinada para ver se era encontrada uma causa para discriminação racial OU
discriminação sexual, mas não uma combinação de ambas. As discriminações foram
examinadas de forma separada e estanque, resultando em vitória da GM. Segundo o
julgado, não há nenhuma proteção especial para a categoria “mulheres negras”.
A autora segue analisando outros casos, e formula a célebre imagem de uma
avenida que possui quatro direções e fluxos. Caso ocorra um acidente, ele pode ser
causado por um veículo que vem em qualquer das direções, e, às vezes, veículos vindos
de todas elas. (CRENSHAW, 1989). Assim, as mulheres negras encontram-se no centro
dessa avenida, podendo sofrer discriminações diferentes daquelas que são
experimentadas por homens negros e mulheres brancas, com efeitos combinados de
práticas que discriminam com base em raça e sexo, de modo que as opressões enfrentadas
por esse grupo são mais amplas do que aquilo que é ofertado pelo discurso sobre a
discriminação.
Para Creenshaw (2012), as discriminações de sexo e de gênero operam em
conjunto, funcionando como limitações ao sucesso de mulheres negras. A
interseccionalidade pode então ser uma ponte entre várias instituições e eventos, e uma
categoria de análise nos discursos a respeito dos direitos humanos. A autora cita como
exemplos a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres (Cedaw) que se volta ao tema dos direitos humanos das mulheres
(abordagem de gênero) e a Convenção Internacional sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial (abordagem de raça), podendo ser
encontrados, com o apoio da interseccionalidade, mecanismos para que as instituições
operem em conjunto, abordando simultaneamente as duas formas de discriminação. A

50
interseccionalidade torna visível o fato de que existem grupos sobrepostos, e que a mulher
negra está no centro desse grupo (CREENSHAW, 2002; CREENSHAW, 2012).
Para Collins e Bilge (2021), Crenshaw defende a interseccionalidade como
um constructo de justiça social; seu artigo encontra-se atado a um ethos de justiça social,
que pressupõe que fazer análises mais abrangentes dos problemas sociais possibilita que
se pensem e se produzam ações mais eficazes. Lembremos que a análise de Crenshaw se
deu no âmbito jurídico. No caso do trabalho doméstico, podem ser vislumbrados os
benefícios caso tivesse sido utilizada a interseccionaldiade como ferramenta analítica,
tanto no momento da produção legislativa quanto, também, na prática das varas e
tribunais trabalhistas.
Akotirene (2018) entende a interseccionalidade de forma ampla, incluindo
outros marcadores de opressão, tais como a heterossexualidade, e articulando a discussão
com os estudos decoloniais. A autora enfatiza a necessidade de se afastar a visão de uma
hierarquia de opressões e sofrimentos, uma vez que todas as vias dessa estrutura encontra-
se conectadas.
A esta altura, faz-se necessário mencionar outra ferramenta analítica possível,
a consubstancialidade, mobilizada por Danièle Kergoat desde as décadas de 1970-1980.
Seus estudos partem da análise da divisão social de trabalho em três dimensões: classe,
gênero e origem (norte/sul). Ela busca compreender a sociedade com base na ideia de
relações sociais, sempre com perspectivas dinâmicas. As relações sociais, ao contrário
das intersubjetivas, são abstratas e opõem grupos numa disputa; são somente essas
relações que podem originar formas de resistência e apontar caminhos para mudanças.
Para a autora, toda relação social é conflituosa e coextensiva: em seu próprio
desenvolvimento, elas se reproduzem e se coproduzem mutuamente. A coextensividade
aponta para esse dinamismo, essa produção mútua. (KERGOAT, 2010).
Como se vê, a consubstancialidade apresenta diversos pontos de contato com
a interseccionalidade, com a diferença de que, enquanto a interseccionalidade foi
desenvolvida no contexto estadunidense, a consubstancialidade o foi na França. A própria
Kergoat (2010) aponta algumas distinções entre ambos. Ela afirma que, na
interseccionalidade, o cruzamento privilegiado se dá entre raça e gênero, sendo a classe,
muitas vezes, meramente uma citação obrigatória. Ela menciona, ainda, o pensar
“cartográfico”, explícito no artigo de Creenshaw, que pensa as categorias em posições
fixas, dissociadas das relações sociais nas quais foram construídas. Embora reconheça o
mérito do feminismo negro e dos estudos pós-coloniais, no sentido de desnudar a

51
heterogeneidade das mulheres e desconstituir o falso universalismo das teorias, ela
questiona se é suficiente falar sobre esses antagonismos entre as mulheres, quando há a
possibilidade de questionar o próprio gênero, construído de modo diferente de acordo
com as posições de raça e classe:

Colocar o problema nos termos da consubstancialidade das relações sociais


permite uma outra abordagem: de acordo com uma configuração dada de
relações sociais, o gênero (ou a classe, a raça) será – ou não será – unificador,
mas ele não é em si fonte de antagonismo ou solidariedade. Nenhuma relação
é em si fonte de antagonismo ou solidariedade. Nenhuma relação social é
primordial ou tem prioridade sobre outra. ou seja, não há contradições
principais e contradições secundárias. (KERGOAT, 2010, p. 99)

Hirata (2014) menciona o aprofundamento das críticas de Kergoat ao modelo


interseccional no livro Se battre, disent-elles, com base na refutação da multiplicidade de
pontos de entrada (casta, religião, etnia etc.) que pode conduzir à fragmentação das
práticas sociais e dissolução da violência existente nas relações sociais e ainda no
raciocínio em termos de categorias e não de relações sociais. Ela sintetiza as críticas
afirmando que o ponto essencial seria que a interseccionalidade “não parte das relações
sociais fundamentais (sexo, classe, raça) em toda a sua complexidade e dinâmica”
(HIRATA, 2014, p. 65), além de deixar a classe social menos visível.
Não chega a haver, no Brasil, uma disputa entre a prevalência da
interseccionalidade ou da consubstancialidade, sendo a primeira bem mais difundida.
Akotirene (2019) elabora uma forte crítica à consubstancialidade, defendendo o
pioneirismo das mulheres negras. Muitos dos estudos brasileiros sobre trabalho
doméstico e cuidado utilizam referenciais da doutrina estadunidense, em especial do
feminismo negro, no seio do qual se desenvolveu a interseccionalidade. Feministas
negras brasileiras, como Lélia Gonzalez, desenvolveram intercâmbios com as
americanas, a exemplo de Angela Davis. Além disso, a origem do trabalho doméstico no
Brasil encontra-se indissociavelmente ligada à escravidão da população negra, de modo
a explicar uma certa tendência a visibilizar a questão da raça. Em suma, as diferenças
entre o contexto do Brasil e da França, a conexão entre Brasil e África e as aproximações
com a história da escravidão no sul dos Estados Unidos permeiam a escolha teórica da
maioria das brasileiras pela interseccionalidade, escolha à qual esta dissertação se filia.

52
2.6 Empregadas domésticas versus cuidadoras

Como já afirmado, o trabalho doméstico constitui, essencialmente, um


trabalho de cuidado. Ao revés, nem todo trabalho de cuidado é doméstico, pois pode ser
exercido em instituições, como creches e asilos. Há uma disputa entre a categoria de
enfermeiros e cuidadores, no que diz respeito à regulamentação da ocupação, como
também uma questão identitária entre cuidadoras e empregadas domésticas.
Em 2002, a palavra “cuidador” foi inserida na classificação brasileira de
ocupações (CBO), excluindo expressamente os técnicos e auxiliares de enfermagem. O
vocábulo apresenta relações/desmembramentos com cuidador de idosos, cuidador em
saúde, babá e mãe social. Mas o fato de constar como ocupação não significa que a
profissão disponha de um estatuto próprio, pois no Brasil ela ainda não é regulamentada.
Nadya Guimarães Araújo (2020) realizou uma pesquisa com os termos
“cuidador” e “cuidadora” no jornal “O estado de São Paulo”, demonstrando a frequência
do uso de tais palavras entre 1875 e 2019. Ela registra que é no começo dos anos 1990
que o termo aparece relacionado a uma atividade feminina, tornando-se extremamente
presente na década de 2000 para a de 2010, muito relacionado ao cuidado de idosos.
É importante salientar a discrepância temporal entre a existência real da
cuidadora e sua nomeação:

É interessante que o nome “cuidador” se aplique apenas ao serviço de cuidado


a dependentes por idade (“cuidadores de idosos”), ou por algum limite ou
deficiência (“cuidadores em saúde”). Isso porque o serviço de cuidar de
crianças, embora incluído na mesma família ocupacional, é desempenhado por
outras profissões que, sendo do cuidado, não denominam seus trabalhadores
como cuidadores, mas com “babás” ou “mães sociais”. (ARAÚJO, 2020, p. 79
e 80).

Araújo (2020) também relata a existência de embates em torno da


regulamentação, envolvendo o campo da enfermagem. As enfermeiras procuram
assegurar o lugar já conquistado na categoria de pessoas que cuidam (diferentes dos
médicos, que “curam”). Por outro lado, as cuidadoras buscam se diferenciar das
empregadas domésticas, uma vez que a formalização do seu trabalho, a menos que
estejam em instituições, as insere nessa categoria, que apenas recentemente teve direitos
básicos reconhecidos e que sofre com estigmas sociais. Além disso, elas não se equiparam
aos demais trabalhadores, faltando-lhes, por exemplo, um direito que pode ser de muita
importância no serviço de cuidado: o adicional de insalubridade.

53
Embora possua relação com o acesso a direitos, essa busca por uma
regulamentação própria ultrapassa o aspecto meramente material, revelando uma faceta
identitária, com as cuidadoras procurando se afastar do status do trabalho doméstico, tido
como desqualificado.

Tal desconexão entre a atividade concreta de cuidar e o reconhecimento


profissional que lhes cabe como domésticas perpassa e organiza não apenas o
seu lugar nas estatísticas oficiais e nas interações da vida cotidiana (inclusive
com aquelas que podem dizer-se “cuidadoras”), mas esculpe a própria
representação que fazem, para si mesmas, o significado do trabalho
desempenhado. Por serem domésticas não lhe era possível ter o
reconhecimento como Cuidadoras, e não apenas por que estivessem excluídas
da categoria pela estatística oficial. Havia uma disputa identitária em jogo.
(ARAÚJO, 2020, p. 113).

Assim, embutida em um novo nome está a busca de uma nova identidade


profissional, apartada das empregadas domésticas e dos estigmas que acompanham o
serviço. Há que se questionar, todavia, se a simples alteração do nome e a busca por um
status diferenciado irá trazer alguma consequência prática ou apenas fragmentar ainda
mais a luta por reconhecimento, dadas as questões estruturantes envolvidas.

54
3 GÊNERO, RAÇA E CLASSE

A rejeição institucionalizada da diferença é uma necessidade absoluta numa


economia centrada no lucro que precisa de outsiders ocupando o papel de
pessoas descartáveis. Como integrantes de tal economia, todos fomos
programados para responder às diferenças humanas que há entre nós com
medo e aversão, e a lidar com elas de três maneiras: ignorar e, se não for
possível, copiar quando a consideramos dominante ou destruir quando a
consideramos subalterna.
(LORDE, 2019, p. 142)

Neste capítulo serão examinados conceitos e categorias que remetem à


diferença, fornecem as bases para a classificação de homens e mulheres e lhes designam
oportunidades e papéis sociais em conformidade com tal classificação. Mas a abordagem
não se dará em torno das categorias em si, que serão apenas descritas. O propósito é tratar
de gênero, classe e raça em suas dimensões narrativas incidentes sobre o corpo: o corpo
negro e feminino, que no passado foi marcado, silenciado e forçado a um trabalho
exercido com pele e fluidos: a reprodução, a amamentação, o cuidado com os filhos do
senhor, o trabalho sexual forçado. Também o corpo da trabalhadora doméstica do
presente, exausto, invisível, integrado à fileira de “descartáveis”, explorado sob a ótica
do extrativismo colonial em uma “economia de esgotamento” ancorada historicamente
na escravidão, que perpetua a condição de pessoa supérflua mas paradoxalmente
necessária (VERGÈS, 2020, p. 19 e 20).
As categorias/conceitos em questão são gênero, raça e classe, a tríade que
serve de base à análise interseccional.
Gênero é uma categoria de análise que designa a construção social das
identidades subjetivas de homens e mulheres, rejeitando justificativas biológicas. Ele é
constitutivo das relações sociais com base nas diferenças que se notam entre os sexos; “o
gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder” (SCOTT, 2019, p. 67).
Raça constitui uma construção sociocultural que data da modernidade, uma
vez que antes do século XV não havia essa referência às categorias diversas de seres
humanos, e as divisões encontradas eram mais de matriz religiosa (ALMEIDA, 2018;
COMAS, 1970). A colonização possibilitou uma classificação das pessoas com base em
uma estrutura biológica supostamente distinta, organizada no continente americano em
torno das diferenças de fenótipo de conquistadores e conquistados. A ideia da existência
de raças diferentes – superiores e inferiores – legitimou as relações de dominação que
foram impostas pela colonização. A colonialidade, sobrevivendo à colonização, persistiu

55
nos padrões de produção e controle do saber e no controle do trabalho, bem como de seus
insumos e produtos, de modo que a raça e a divisão (racial) do trabalho reforçam-se
mutuamente (QUIJANO, 2005). Para Lugones (2020, p. 56), a invenção da raça
proporcionou uma “guinada profunda”, um verdadeiro giro, que reorganizou as relações
de superioridade e inferioridade e deu ensejo a novas formas de dominação.
O conceito de classe tem origem marxista, identificando estratificações
sociais, estando relacionado tanto ao tema da mudança histórica quanto à “cisão do
caminho pelo qual a história avançou dialeticamente” (SCOTT, 2019). Trata-se também
de uma categoria de análise, forjada para tentar compreender a realidade experenciada no
mundo dos fatos (MATTOS, 2019).
A alocação em uma determinada classe, o pertencimento de gênero e o
étnico/racial não dão conta, isoladamente, de explicar a exploração e a opressão que
podem sujeitar um indivíduo. O processo é tão dinâmico que se torna praticamente
impossível dizer o que vem primeiro, de modo que se mostra certeira a defesa das
feministas interseccionais da inexistência de hierarquia de opressão.
Trata-se, portanto, de três conceitos que identificam construções sociais,
políticas e econômicas, relacionadas ao plano da cultura e do fazer humano. São
categorias históricas, que o próprio direito ajudou a construir. Entretanto, é sobre o corpo
que o gênero, a raça e a estratificação de classe incidem. As narrativas culturais encontram
nele a sua base material.
Supiot (2016, p. 70) afirma que “ao nosso direito repugna encarar os corpos,
i.e., a dimensão biológica dos sujeitos de direito”. Há, diz o autor, uma repulsa do corpo
do trabalhador no âmbito do pensamento jurídico. Dentre os muitos significados que se
pode atribuir a essa rejeição, uma visão possível é a de que “descer” ao nível do corpo
implica entrar em contato com situações de discriminação ocultadas.
Falar sobre o corpo das mulheres que no passado executaram o trabalho
doméstico no Brasil, e das que o executam na atualidade, é de suma importância. Embora
existam mulheres brancas na atividade, esse trabalho ficou associado, no imaginário, à
mulher negra. Não se trata de perceber “herança” escravocrata, mas sim de ver que as
ideias e os conceitos foram sendo permanentemente atualizados, amoldados às situações
emergentes, porém conservando estruturas de poder. Em outras palavras, é a permanência
da colonialidade do poder, que persiste atualmente, mesmo depois de finda a
colonização.

56
O corpo da escravizada doméstica traz inúmeros indicativos de como é
pensado o corpo atual da empregada doméstica: um corpo de mulher, que pode ser
branco, mas que é, em sua maioria, negro; que sofre a incidência de imagens de controle;
que se vê confinado a espaços específicos: o “quarto de empregada”, a entrada de serviço,
o elevador de serviço; que se movimenta incessantemente para lidar com a limpeza e o
cuidado, despendendo energia em uma atividade que se modifica ao longo do tempo,
mas que não apresenta perspectiva concreta de ser substituída pela tecnologia; e o corpo
invisível, que se vê excluído da dimensão da cidadania.
É importante ressaltar que não há aqui a ideia de retorno a um pensamento
essencialista, e sim a constatação de que, em se tratando de serviço doméstico, é preciso
falar sobre a materialidade do corpo, uma vez que é esse corpo que se debate na jornada
de trabalho. É sobre o corpo e sobre o sexo dessas mulheres que as construções culturais
e as narrativas incidem. Como é pensado o corpo das mulheres que se dedicaram e se
dedicam a esse trabalho? O que fez de uma mulher uma mucama, uma ama de leite ou
cozinheira? O que faz de uma mulher uma empregada doméstica ou faxineira nos dias
de hoje?
O corpo não constitui essência, tampouco destino; todavia, é a localização
primária da pessoa no mundo, sua primeira inscrição perante a realidade (BRAIDOTTI,
1991). Como instância primária, ele é também a base sobre a qual é construída a
identidade, inclusive a identidade que nega aquela que lhe foi atribuída biologicamente.
É no corpo que se inscrevem as estruturas de dominação e submissão. O corpo sente dor;
ele é concreto, pode ser oprimido, preso, violado, escravizado e explorado.
(CALDWELL; LEIGHTON, 2018).
Trata-se, portanto, do corpo não enquanto categoria estanque e/ou critério de
definição de identidades, e sim enquanto matéria, superfície que sofre ações de
disciplinamento e de governo (MENDES, 2006). Campo de intersecção de forças
materiais e simbólicas (BRAIDOTTI, 1991), que se encontra totalmente implicado no
âmbito político e é utilizado com finalidades econômicas. Para tanto, sofre a ação de
diversas tentativas de disciplinamento e moldagem, geralmente com o objetivo de torná-
lo dócil e apto à exploração. Para Foucault (2015, p. 237) “nada é mais material, nada é
mais físico, mais corporal que o exercício do poder ...”

Este investimento político do corpo está ligado, segundo relações complexas e


recíprocas, à sua utilização econômica; em boa parte, é como força de
produção que o corpo é investido de relações de poder e de domínio; mas, em

57
contrapartida, a sua constituição como força de trabalho só é possível se estiver
integrado num sistema de sujeição (em que a necessidade é também um
instrumento político cuidadosamente organizado, calculado e utilizado); o
corpo só se torna força útil se for simultaneamente corpo produtivo e corpo
submetido.” (FOUCAULT, 2015, p. 58)

O objetivo deste capítulo, portanto, é aferir como o corpo da mulher que


trabalha no serviço doméstico foi construído pela imaginação social, quais as perspectivas
de interação entre esse corpo e a tecnologia, no âmbito do trabalho, e quais as relações
entre esse corpo e os outros no âmbito da cidadania, com base na sua posição de classe.

3.1. O corpo: sexo e cor

Eu fêmea-matriz
Eu força-motriz
Eu-mulher
Abrigo da semente
Moto-contínuo
Do mundo.
(EVARISTO, 2019, p. 61).

Tanto no âmbito da escravidão quanto no do trabalho livre, as mulheres que


desenvolvem serviços domésticos laboram com o corpo. O corpo se movimenta para
fazer a limpeza, a mulher se abaixa para limpar o chão, movimenta seus braços na
cozinha, utiliza força muscular para ir buscar lenha e água. Enquanto escravizada, vê-se
destituída da posse do seu próprio corpo ao ter que cedê-lo para amamentar e embalar
filhos que não são seus, e, por fim, é violentada sexualmente e compelida a procriar para
atender a interesses econômicos de seus proprietários.
O corpo da mulher que exerceu o trabalho na condição de escravizada era,
muitas vezes, marcado com ferro em brasa, prática comum para identificar um cativo.
Segundo Gomes (2019), os que vieram da África eram marcados já antes de partir, alguns
com quatro sinais distintos: a identificação do comerciante responsável, o selo da coroa
portuguesa, uma cruz, que indicava já ter sido batizado, e outra com o nome do traficante
que estava despachando a “carga”. Chegando ao Brasil, poderiam receber nova marca,
com identificação do seu dono. Os que fugiam estavam sujeitos a receber um F maiúsculo
depois de capturados. Bell hooks, analisando o período escravocrata nos Estados Unidos,
afirma que, depois de marcados, todos ficavam sem nenhuma peça de roupa, o que era
uma espécie de lembrete da sua vulnerabilidade sexual. Ela registra que as pessoas
escravizadas precisavam ser “domadas” para se tornarem produtos vendáveis (HOOKS,

58
2019a). Eles eram submetidos a uma série de humilhações durante o processo de venda,
com exames corporais minuciosos, inclusive das partes íntimas:

“Inteiramente nus, eram pesados, medidos, apalpados, cheirados e observados


nos mínimos detalhes. Tinham de correr, pular, esticar braços e pernas, respirar
fundo e tossir. (GOMES, 2019, p. 298).

Depois de todo esse processo, não era raro que, ao chegar ao local onde iriam
trabalhar, recebessem castigos corporais “pedagógicos”, para desde logo aprenderem
quem manda (GOMES, 2019). Os homens geralmente iam trabalhar no campo, mas
alguns eram escolhidos para serviços domésticos. As mulheres poderiam ficar no campo
ou no serviço doméstico. Hooks (2019a) afirma que as mulheres negras eram tão
espancadas quanto os homens, mas tinham que suportar ainda os sofrimentos adicionais
relativos à sua vulnerabilidade sexual, sendo vítimas frequentes de estupro, e não só por
parte de homens brancos, mas também negros. Como se não bastasse, além da violência
sexual, tinham que suportar a hostilidade e a raiva das esposas brancas, que não raro se
manifestavam com elevado índice de crueldade (FREYRE, 2006; HOOKS, 2019a).
Adicionalmente, algumas eram tidas como reprodutoras, seus corpos utilizados para
fornecer mais força de trabalho, e seu leite para servir de alimento aos filhos dos senhores
(DEL PRIORE, 2009; COLLINS, 2019; HOOKS, 2019a).
O corpo da mulher escravizada era também um corpo silenciado. Grada
Kilomba (2019) aponta a máscara de metal colocada na boca dos escravos como símbolo
do silêncio imposto pelo colonialismo. Esse silenciamento “material” exercido contra o
corpo repercutiu sobre toda a estrutura de conhecimento, persistindo como silenciamento
epistemológico e como diferenciação entre as narrativas que podem circular e obter algum
tipo de chancela, e as demais, reprimidas e permanecendo sempre à margem.
Esse corpo que já havia enfrentado rituais de humilhação e controle, e que
estava sujeito ao uso exaustivo no trabalho, no sexo, na reprodução e no cuidado dos
filhos dos senhores, era também, frequentemente, comparado/equiparado a animais,
sendo muito comum o recurso a esse tipo de expediente para negar a humanidade e a
subjetividade dessas pessoas, buscando justificar o tratamento degradante que lhes era
conferido. Mulheres negras eram equiparadas a mulas, porcas, e dizia-se que podiam ter
filhos com a mesma facilidade dos animais (COLLINS, 2019). Em anúncios de jornais11

11
Esse modo pejorativo de se referir aos escravizados pode ser conferido por meio da leitura de anúncios
de jornais da época: Trocavam-se animais e coisas por escravos: cabras-bicho por cabras-pessoas, canoas
por negras, cavalos por molecões. Dentre os anúncios que ilustram esse gênero de comércio, é muito

59
era por vezes difícil saber se a venda ou troca de uma “cabra de bom leite” se referia a
amas de leite ou a animais (FREYRE, 2012, p. 101).
Davis (2016) afirma que a postura dos senhores em relação às mulheres era
baseada na conveniência: em determinado momento, extraíam a sua força de trabalho
muscular, da mesma forma que faziam com os homens; em outro, quando a exploração e
a punição eram peculiares ao corpo feminino, eles as reduziam à condição de fêmeas.
Embora o período da escravidão tenha sido longo e a condição das mulheres
escravizadas tenha variado bastante no decorrer do tempo, em especial no século XIX,
esse uso exauriente do corpo marcou de forma muito negativa a imagem da mulher negra,
tida como devassa, depravada, imoral, permissiva ao sexo, emergindo o estereótipo da
negra como “selvagem sexual”, ao mesmo tempo em que se consolidava uma espécie de
hierarquia sexual (Hooks, 2019a). São esses estereótipos, que funcionam como
justificativas morais para diversos tipos de violência, que serão abordados no próximo
tópico.

3.2 Representações do corpo: imagens de controle

Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor
Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
(BANDEIRA, 2013).

O poema de Manuel Bandeira ilustra a visão idílica das chamadas “mães


pretas”, focando no reconhecimento da bondade (praticamente uma santidade) da preta
boa, risonha, reverenciando o branco e sendo recompensada em outra vida, no céu, pelos
amorosos e fiéis serviços prestados na terra aos patrões. O mito da mãe preta retrata uma
mulher negra, assexuada, geralmente gorda ou obesa, com uma imagem de bestialidade,

expressivo o seguinte: “[...] uma negra que saiba cozinhar e engomar ou um escravo que sirva para pajem,
por uma canoa grande que carrega 1.500 tijolos [...]” (D. P., 4/2/1834). Igualmente expressivo é este
outro: “[...] troca-se, fazendo o preço nos seus valores, um negro cozinheiro e socador de açúcar, e para
todo o mais serviço, por uma negra que saiba cozinhar e engomar e sem vícios” (D. P., 31/1/1834). E não
raras vezes os anúncios de escravos à venda parecem referir-se a simples animais. Em 1830 vendiam-se
no Recife “três escravos, hum macho e duas fêmeas, ambas lavadeiras” (D. P., 22/4/1830). Em 1836,
desapareceu na mesma cidade, do Sítio do Bebedor, “huma cabra, bonita figura, julga-se já ter parido por
estar prenhe”, que não se sabe se era animal ou mulher (D. P., 21/4/1836). (FREYRE, 2012)

60
e que nutria grande amor pelas pessoas brancas. Ela tudo permitia, a todos obedecia,
amava os senhores e reconhecia sua própria inferioridade (HOOKS, 2019 b).
Bel Hooks aponta ainda o mito da mulher negra masculinizada, de grande
força, capaz de suportar trabalho pesado e privações. Esses mitos perduraram e moldaram
a imagem da mulher negra. Seu corpo se tornou “o campo de convergência entre racismo
e sexualidade” (HOOKS, 2019b, p. 129).
Tais mitos foram estudados em profundidade por Patricia Hill Collins (2019),
que sistematizou o conceito de “imagens de controle”, que seriam justificativas
ideológicas para as opressões de raça, gênero e sexualidade. Bueno (2020) as define como
“dimensão ideológica do racismo e do sexismo compreendidos de forma simultânea e
interconectada”. As imagens de controle perpetuam estereótipos e mitos para naturalizar
as injustiças sociais, fazendo com que pareçam inevitáveis e que despontem como fatos
decorrentes de culpa da própria vítima. Por meio do recurso a esses estereótipos, as
mulheres negras permanecem sendo “o outro”. (COLLINS, 2019).
Essas imagens se diferenciam dos meros estereótipos, pois a sua articulação
ocorre por força do poder dos grupos dominantes (BUENO, 2020). Collins listou os mitos
da mammy ou da mãe preta, da matriarca, da mãe negra sustentada pela assistência social
e de Jezebel. A mammy é a “serviçal fiel e obediente” (Collins, 2019, p. 16), a
trabalhadora que se entrega totalmente à família da qual cuida. Ela própria não tem
família, nem aspira a isso, sendo seu único desejo o de servir. É a trabalhadora amada por
todos, sobretudo por “conhecer seu lugar”, ser obediente e diligente.
Gilberto Freyre retratou a “tradução” da mammy, chamada no Brasil de mãe
preta, romantizando sua relação com a família branca:

“Quanto às mães-pretas, referem as tradições o lugar verdadeiramente de honra


que ficavam ocupando no seio das famílias patriarcais. Alforriadas,
arredondavam-se quase sempre em pretalhonas enormes. Negras a quem se
faziam todas as vontades: os meninos tomavam-lhe a bênção; os escravos
tratavam-nas de senhoras; os boleeiros andavam com elas de carro. Em dia de
festa, quem as visse anchas e enganjentas entre os brancos de casa, havia de
supô-las senhoras bem nascidas; nunca ex-escravas vindas da senzala.
(FREYRE, 2006, p. 435).

Vê-se muito dessa imagem na idealização das empregadas domésticas que


trabalham anos para a mesma família, criando os filhos dos patrões, dormindo no local
de serviço, sem condições de viver a própria vida. Segundo Collins (2019, p. 142), “a
mammy é a face pública que os brancos esperam que as mulheres negras assumam diante
deles”. Ainda que existam trocas afetivas, o fato é que, mesmo sendo “quase” da família,

61
ela jamais assumiu o status econômico daquela família, que pôde desfrutar do serviço
barato e da dedicação exclusiva da trabalhadora.
A mãe preta foi imortalizada na literatura infantil brasileira por meio da figura
da Tia Nastácia, da obra de Monteiro Lobato. Tia Nastácia é a cozinheira no sítio do Pica-
Pau Amarelo, totalmente devotada às crianças e à matriarca, Dona Benta. Não tem
família, vive no local, é querida por todos, na medida em que cumpre sua função de ser
totalmente subserviente e amorosa, sendo frequentes as passagens nas quais seu intelecto
é “amorosamente” depreciado12. Nos Estados Unidos, a figura da “Tia Jemima” também
ficou famosa, sendo seu rosto usado desde 1893 como símbolo comercial de uma mistura
para fazer panquecas. (LOPES, J. 2020).
Nessas análises das imagens de controle percebe-se a força instrumental da
interseccionalidade. A obra de Monteiro Lobato retrata o sítio do Pica Pau Amarelo como
um local quase que de reinado matriarcal, com a soberana Dona Benta na figura de líder.
Utilizando o mesmo raciocínio da corte de Chicago que julgou o caso Graffenreid vs.
General Motors, referido no primeiro capítulo desta dissertação, Lobato dificilmente
poderia ser acusado de machismo ou discriminação sexual, por exaltar a figura de uma
mulher. Somente quando se analisa a dimensão da raça é que se percebe o papel
subalterno designado à Tia Nastácia, mascarado pela subserviência voluntária e pela
aceitação amorosa dos comentários jocosos e discriminatórios que lhes são dirigidos.
Sales Júnior (2006) chama de “complexo de tia Anastácia” a articulação de
certas caraterísticas da sociedade brasileira, tais como cordialidade, patrimonialismo e
clientelismo, através da qual a trabalhadora negra surge como pessoa “quase da família”,
em um processo de integração subordinada, que valida a presença da mulher negra, desde
que ela mantenha o “pacto de silêncio” que fundamenta essa relação.
Outra figura analisada por Collins é da matriarca, ou a mãe negra “má”,
agressiva, castradora, que não dá aos próprios filhos a atenção que devota aos filhos dos
patrões, o que acarreta sérios problemas na vida da criança, culminando com a possível
criminalidade. Por força desse estereótipo, as mães se tornam culpadas pelo resultado
“desastroso” da conduta dos filhos (COLLINS, 2019).

12
Sobre a depreciação da Tia Nastácia por outros personagens, veja-se: GOUVÊA, Maria Cristina Soares
de. Imagens do negro na literatura infantil brasileira: análise historiográfica. Educação e Pesquisa, São
Paulo, v. 31, n. 1, p. 79-91, jan./abr. 2005. Disponível em https://www.redalyc.org/pdf/298/29831106.pdf.
Acesso em 09 de abril de 2020.

62
A terceira imagem de controle é da mãe dependente do Estado, visão que
atualiza a imagem da negra escravizada que atuava como reprodutora. É a mãe passiva,
de elevada fecundidade, que depende da assistência social proporcionada pelo governo e
não transmite aos filhos uma ética do trabalho. Essa imagem ataca mulheres negras
justamente quando elas conseguem acesso a alguns benefícios sociais (COLLINS, 2019).
A autora examina também a imagem da “dama negra”, mulher negra que
ascende socialmente, mas cujo sucesso é atribuído à utilização de ações afirmativas,
“roubando” vagas pertencentes aos brancos (COLLINS, 2019).
A última imagem de controle é a de Jezebel, prostituta ou hooche. Segundo
Collins (2019), a função dessa imagem era justificar os ataques sexuais de homens
brancos às mulheres negras. Por serem portadoras de uma sexualidade insaciável, elas
instigavam os homens à prática do ato sexual.
A romantização do sadismo e da violência praticada contra essas mulheres
encontra-se firmada no imaginário do século XX, com ecos até os nossos dias. Veja-se o
poema “Essa negra fulô”, de Jorge de Lima (1893-1953), considerado um clássico da
poesia brasileira, tendo figurado na coletânea “Os cem melhores poemas brasileiros do
século”. Ele narra, de forma ritmada e romantizada, o momento no qual a “negra fulô”,
uma “negra bonitinha”, mucama, vai sofrer castigos corporais em razão da acusação de
furto de objetos da sinhá. No momento em que ela é despida para ser açoitada, o senhor
magicamente por ela se apaixona, e ao final o eu lírico a acusa de haver “roubado” o
referido senhor13 (LIMA, 2001). A excessiva sexualização do corpo da mulher negra e a
lembrança do passado escravocrata serviram à prática de assédio de patrões e de iniciação
sexual dos filhos destes com as trabalhadoras domésticas.
Sobre a perpetuação das imagens de controle, Collins (2019) afirma que o
modo como as trabalhadoras domésticas eram tratadas nos Estados Unidos refletia sua
objetificação, uma vez que eram compelidas a trabalhar como se fossem animais ou
“mulas do mundo”. A autora faz menção também a rituais de deferência, como chamá-
las de meninas para infantilizar e tratar como um ser humano menos capaz, o que pode
conduzir à invisibilização.

13
É interessante observar que esse poema foi “reescrito” na década de 1990, tendo como protagonista uma
outra Fulô (ou, quem sabe, a mesma, porém com atitude diversa). Nele, Fulô decide utilizar seu corpo,
único instrumento de que dispunha, para seduzir o senhor e então matá-lo, fugindo, em seguida, com um
homem negro com quem estava se relacionando. Por expressarem tão bem esse antagonismo, essa disputa
narrativas, ambos os poemas encontram-se no anexo da presente dissertação.

63
Gonzalez (2020) menciona que, no Brasil, as principais imagens da mulher
negra foram a da mulata, doméstica e mãe preta. A mulata concretiza, no carnaval, a
reencenação do mito da democracia racial, quando se transforma em rainha, devorada por
olhares e consagrada. Entretanto, a outra face do endeusamento, ela afirma, ocorre no
cotidiano dessa mesma mulher, nos outros dias de não-carnaval, quando ela se
“transfigura” na empregada doméstica, de modo que mulata e doméstica constituem
atribuições de um mesmo sujeito. E a doméstica representa, justamente, esse contrário,
esse oposto da exaltação.
Diversos registros da naturalização da posição subalterna das empregadas
domésticas podem ser encontrados na imprensa brasileira. Foi realizada uma pesquisa
nos arquivos digitalizados do jornal “O pasquim”, que circulou entre os anos de 1969 e
1991. O critério de busca foi o vocábulo “doméstica”. O referido jornal tornou-se famoso
pelo humor ácido e por suas críticas à ditadura, sendo considerado um veículo de
imprensa de contestação, afinado com movimentos de esquerda. Ao mesmo tempo,
promovia muitas críticas ao feminismo, e a mais forte delas se devia à desconsideração
das empregadas domésticas. Todavia, de forma ambígua, ao mesmo tempo em que
denunciava as condições de vida e trabalho das domésticas, também reproduzia a visão
racista e colonialista sobre essas trabalhadoras. Serão transcritos, a seguir, trechos de
entrevistas com convidados que relatam a iniciação sexual por meio de trabalhadoras
domésticas. Em entrevista na edição de 1972, diz o entrevistado:

Lobo: Com quantos anos você conheceu a primeira francesa?


Bororó: A primeira não foi francesa. Você começa sempre pela fase doméstica.
A primeira francesa de cada um de nós nunca é francesa. Pra começar, em
geral, é sempre uma mulatinha.
Lobo: Todo mundo começa na cozinha
(FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, O pasquim, 1972, edição 00147,
p. 04).

Em um determinado momento dessa mesma entrevista, questionado se é


racista, diz o entrevistado: “De jeito nenhum. Adoro crioula” (FUNDAÇÃO
BIBLIOTECA NACIONAL, O pasquim, 1972, edição 00147, p. 04). Em outra edição,
nova entrevista:

“a primeira trepada, evidentemente, foi com a empregada doméstica lá de casa,


que, evidentemente, era preta, e foi ela, evidentemente, quem me convidou a
ir para uma gafieira. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL , O Pasquim,
1979, edição 00504, p. 10).

Nova referência pode ser encontrada em outra entrevista:

64
“O serrano. Começo da década de cinquenta. Tempos duros. Ou você encarava
namoro de aluguel, se virava numa doméstica gonorreica ou tinha que sair na
mão contigo mesmo”. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, O
Pasquim, 1981, edição 00651, p. 21)

Percebe-se, nesse trecho, a objetificação da empregada doméstica, tratada


como um corpo disponível à falta de opções mais viáveis, sendo notória também sua
associação com a doença sexualmente transmissível, o que sugere sua promiscuidade.
Em edição do ano de 1978, encontra-se a letra de uma música intitulada “A
doméstica”, que mescla elementos de culinária e referências animalescas ao suposto
desejo sexual incitado e cultivado pela empregada:

A DOMÉSTICA
De Maluco e Penteado

É melhor a empregada ir embora


Antes que o mal maior aconteça.
Enquanto ela esquenta o jantar
eu fico esquentando a cabeça (BIS)
Ainda ontem, a patroa foi ao centro,
lá no engenho de dentro,
pra tirar o mau olhado.
Maria Inês caprichou num ensopado
Com carne seca e quiabo
que eu babo só de lembrar.
De sobremesa me deu um papo-de-anjo
de fazer qualquer marmanjo
gaguejar no beabá.
No cafezinho, enquanto lavava o prato,
me exibiu lindo retrato
de um passeio a Paquetá,
No maiô verde
- meu Deus, que dirá madura!
Eu fiquei com a vista escura
Sem poder me levantar.
Ai, tanajura
Meu pudim de chocolate,
Acabo tendo um enfarte
Que eu já tô com 36...
Maria Inês, essa dezena é da cobra
Com um ensopado de abobra
Sei que eu me entrego de vez.
(FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL , O Pasquim, 1978, edição 00466,
pág. 23).

Os manuais elaborados para donas de casa e noivas, ao longo do século XX,


eram outra fonte de estereótipos:

Que a escrava foi em inúmeras famílias a iniciadora sexual de muito


brasileirinho de casta, parece fora de dúvida. (...) A criada de hoje – sucessora
da escrava de ontem – prolonga a tradição sexual até nossos dias, embora

65
menos sistematizada, menos frequente e menos conhecida nas comunidades
sociais industrializadas. (ALMEIDA, 1969, p. 63).

A autora do livro relata que uma pessoa de sua família estava escandalizada
com o exercício da “dupla função” de uma empregada doméstica, e ela tentava mostrar
que sempre foi assim, evocando "a tradição dos seios fartos e dos braços suntuosos da
mães pretas e as facilidades, o comodismo, a indulgência de respeitáveis famílias que
procuram iniciar sadiamente seus rebentos” (ALMEIDA, 1969, p. 64).
É possível notar, portanto, uma linha de continuidade entre a “dupla função”
desempenhada pela mulher escravizada e pela empregada doméstica, tida como um corpo
disponível para o sexo. Isso repercute no assédio sexual sofrido pela trabalhadora,:
instigado por esse imaginário e pela posição de maior subordinação, o assédio é mais
presente (DIAS, 2008; SILVA; BRASIL, 2020) e mais “direto”, com toques e
abordagens ríspidas14.
Grada Kilomba (2019) traz um exemplo do quão eloquente é o corpo da
mulher negra, ao narrar o que lhe aconteceu quando tinha entre 12 e 13 anos. Gripada,
ela foi ao médico, e, na saída, quando se dirigia à porta, esse médico a chamou de volta e
disse que ele, a esposa e seus dois filhos, de 18 e 21 anos, iriam viajar de férias, e então
perguntou se ela não poderia acompanhá-los, para cozinhar as refeições diárias, limpar a
casa e eventualmente lavar suas roupas.

Nesse cenário, a jovem menina não é vista como uma criança, mas sim como
uma servente. O homem transformou nossa relação médico/paciente em uma
relação senhor/servente: de paciente eu me tornei servente negra, assim como
ele passou de médico a um senhor branco simbólico, uma construção dupla,
ambas fora e dentro. Nessas construções binárias a dimensão do poder entre as
oposições é duplamente invertida. Não se trata apenas de “paciente negra,
médico branco”, ou “paciente mulher, médico homem”. Trata-se de uma
relação “paciente mulher negra, médico homem branco” – o duplo poder de
um em relação a outra (...). Parece que estamos presas/os em um dilema
teórico: é racismo ou sexismo?” (KILOMBA, 2019, p. 93 e 94).

A autora prossegue sua análise invertendo papéis, e questionando se o médico


faria idêntico “convite” a uma menina branca, ou se um médico negro ou mesmo uma
médica negra fariam tal pergunta a uma menina branca.

14
Os acórdãos listados a seguir evidenciam essa abordagem brusca:
1) BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 9ª região. RO 10326-2010-013-09-2. Relator: Marco
Antônio Vianna Mansur. Julgado em 06 de junho de 2012.
2) BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 1ª região. RO 01009589120175010471. Relator
Ângelo Galvão Zamorano. Julgado em 22 de maio de 2018.

66
E se a ênfase estava no gênero, então como a esposa, uma mulher como eu,
poderia me “possuir” como serva e não ser uma serva ela mesma? Se como
mulheres nós somos iguais, como ela poderia se tornar minha sinhá virtual e
eu a escrava figurativa? Quanto sua ausência teria um papel ativo na minha
servidão? E o que dizer sobre a filha, que é referida na proposta, como ela,
sendo mais velha, é protegida como uma criança, enquanto uma menina negra
muito mais jovem que ela é explorada como uma adulta? (KILOMBA, 2019.
p. 95).

É fato que existem muitas mulheres brancas no serviço doméstico. Mas o


corpo que se movimenta nesse trabalho continua sendo um corpo majoritariamente negro;
a mulher branca participa dessa força de trabalho, mas não carrega a associação direta
com a categoria das domésticas.
Gonzalez (2020) afirma que a mulher negra é vista como um corpo que
trabalha, a faxineira, arrumadeira ou cozinheira, a “mula de carga” do empregador branco.
A outra face, a da mulata, é vista como um corpo que fornece prazer, apto a ser
superexplorado sob o ponto de vista sexual.
Esse corpo continua invisível para as políticas públicas, e seu acesso a
inúmeros lugares é vedado, a não ser que assuma a condição de servente e ingresse
discretamente por alguma entrada de serviço. Mesmo liberado das máscaras de metal, das
marcações com ferro em brasa e dos castigos corporais, é um corpo situado à margem.
Estar na margem, para Hooks (2019b) é fazer parte do todo, mas permanecendo fora do
círculo principal. É conhecer ambos os lugares. É espreitar um mundo no qual pode
trabalhar em atividades subalternas, mas no qual não pode viver. Eventualmente até pode
morar, desde que permaneça circunscrita a certos limites: o elevador de serviço, a entrada
de serviço, o “quarto de empregada”.

3.3. Corpo de branco e corpo de preto: mito da democracia racial

Negros de alma negra se inscrevem


Naquilo que escrevem
Mas o Brasil nega
Negro que não se nega
(Minka, 2008, p. 76).

67
O poema de Minka, transcrito na epígrafe deste tópico, traz uma referência
implícita ao “negro de alma branca”15, expressão que se refere ao negro bondoso e
subserviente. O Brasil, ele diz, rejeita o “negro de alma negra”, aquele que se reconhece
em sua negritude. O país nega “o negro que não se nega” porque insiste em considerar
que não há racismo, numa tradição conhecida até hoje como mito da democracia racial.
A colonização criou a raça. A raça impôs determinações ao corpo, mesmo
depois de abolida a colonização. As imagens de controle se impuseram ao corpo das
mulheres negras, e no âmbito coletivo o correspondente a essas imagens foi o mito da
democracia racial.
Para a persistência de um sistema estruturalmente racista como o brasileiro,
era vital que se obtivessem justificativas. Nascimento (2016) afirma que, por séculos, o
sistema escravista desfrutou da fama de ser “benigno”, de caráter humano. Eram
utilizados argumentos como a preexistência de escravidão na própria África, a
inferioridade natural dos africanos, supostamente sentida até por eles próprios, e a
influência da igreja católica, que “humanizava” as relações. Essa ideia de benignidade do
sistema teria sido um mito fundamental para a propagação de outro mito: o da democracia
racial (NASCIMENTO, 2016; SCHWARCZ, 2012).
O Brasil, no fim do século XIX, era apontado como país multiétnico,
colorido, paraíso da miscigenação. Aqui dentro, a miscigenação era encarada como um
caminho para o branqueamento, o que se revela pela análise de documentos e congressos
eugenistas que ocorreram no início do século. As teorias sobre a raça aportaram no país
entre os anos de 1870 e 1930, onde foram muito bem acolhidas. (SCHWARCZ, 1993).
Em 1911, foi realizado o I Congresso Internacional das Raças, e na ocasião o
Diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, João Batista Lacerda, apresentou sua tese
que afirmava que os mestiços e os negros despareceriam do país quando viesse o novo
século, de modo que o Brasil seria “contemplado” com o advento do branqueamento.
(SCHWARCZ, 2012). Já em 1929, no I Congresso Brasileiro de Eugenia, o antropólogo

15
Há um campo de estudo sobre a identidade branca, ou simplesmente a branquitude, que no Brasil teve
seu início de forma mais sistemática por meio da tese de Maria Aparecida da Silva Bento: “Pactos narcísicos
no racismo: Branquitude e Poder nas Organizações empresariais e no Poder Público”, embora outros
autores tenham tratado do tema anteriormente, como Guerreiro Ramos e Abdias do Nascimento
(MUNANGA, 2017). Pode-se acrescentar, ainda, a própria Lélia Gonzalez. A branquitude pode ser
definida como um lugar social, o mais elevado da hierarquia racial, decorrente do pertencimento étnico
racial a uma categoria expressa pela brancura, mas não limitada ao fenótipo. A branquitude confere o poder
de classificar os outros e de ser beneficiário de privilégios raciais, tanto materiais quanto simbólicos
(CARDOSO e MULLER, 2017).

68
Roquette-Pinto afirmaria que o Brasil seria progressivamente um país mais branco. Ele
defendia a chamada “ciência do melhoramento racial”. (SCHWARCZ, 2012, p. 26).
Importante destacar que a Constituição de 1934 dispunha, em seu artigo 138,
alínea b, que competia à União, estados e municípios “estimular a educação eugênica”
(BRASIL, 1934).
Na década de 1930, “Casa Grande & Senzala” consolidava a imagem do país
como “paraíso racial”, propagando a ideia de uma escravidão “branda”. A Unesco, sob
a influência da obra de Gilberto Freyre, pretendia apresentar o Brasil como modelo de
democracia racial. Financiou, então, estudos sobre o tema na década de 1950. Os
resultados, todavia, não se coadunaram com as expectativas. Alguns autores, tendo como
expoente Florestan Fernandes, ao invés de confirmarem a ideia do paraíso racial,
mostraram que no país havia indicadores claros de racismo e discriminação, embora o
racismo fosse dissimulado. (FERNANDES, 2007; SCHWARCZ, 2012; MOURA, 2019).
Ainda assim, a ideia de democracia racial persistiu. Seu principal trunfo, no
dizer de Abdias Nascimento, é a mulata (NASCIMENTO, 2016). Nesse mesmo sentido,
Gonzalez (2020) afirma que o mito da democracia racial é reencenado com toda a força
no carnaval, na figura da mulata, endeusada ao longo da festa, mas que volta à sua
realidade subalterna, geralmente como empregada doméstica, tão logo cessa o carnaval.
Some-se a isso o suposto caráter “cordial”16 do brasileiro, e surge o cenário
de encobrimento, que leva, como mencionado por Florestan Fernandes, a que o brasileiro
tenha o “preconceito de não ter preconceito”(Fernandes, 2008, p. 155). No ano de 1988,
foi feita em São Paulo uma pesquisa, na qual se chegou ao resultado de que 97% dos
entrevistados disseram não ter preconceito, e 98% afirmaram conhecer pessoas que
tinham preconceito, o que significava que “ninguém nega que exista racismo no Brasil,
mas sua prática é sempre atribuída a outro” (SCHWARZ, 2012, p. 30 e 31).
A sociedade repelia a ideia de que o país fosse racista, enquanto todos os
indicadores econômicos e sociais mostravam a segregação das pessoas negras. Afirmar
que essa segregação existia não significa afirmar que nenhuma pessoa negra conseguisse
obter mobilidade social. É evidente e notório que havia casos de ascensão. E é justamente

16
Segundo Sérgio Buarque de Holanda, são características do homem cordial: a hospitalidade; a
generosidade; o emprego do diminutivo para se aproximar de pessoas e objetos; a forma de convívio que
tem como base uma “ética de fundo emotivo”, além do “horror às distâncias”. A hospitalidade e a
generosidade não devem ser confundidas com indicativos de boas maneiras, sendo muito mais uma “forma
natural e viva” do desejo de estabelecer intimidade, (HOLANDA, 2019, p. 177, 178 e 180)

69
nesse movimento que se cria a representação do “negro de alma branca”, que poderia
circular entre a classe mais alta, desde que aceitasse as prescrições morais da classe
dominante (FERNANDES, 2007).
Atualmente, o mito da democracia racial permanece presente, apesar de todas
as estatísticas que mostram a predominância de pessoas negras, em especial mulheres,
em posições subalternas, denotando a existência de estruturas fortes, que impedem os
avanços. Lopes, J (2020) registra a tradução desse mito para o âmbito jurídico na ideia
de que não havia, no país, dispositivos legais racistas, o que não se coaduna com a análise
da legislação que desde o século XIX disciplinou o trabalho doméstico, em especial as
Posturas Municipais, que serão vistas no capítulo 3.

3.4 O corpo confinado: quarto de empregada

“Começaria talvez por arrumar pelo fim do apartamento: o quarto da


empregada devia estar imundo, na sua dupla função de dormida e depósito de
trapos, malas velhas, jornais antigos, papéis de embrulho e barbantes inúteis.
(...)
Mas ao abrir a porta meus olhos se franziram em reverberação e desagrado
físico. É que em vez da penumbra confusa que esperara, eu esbarrava na visão
de um quarto que era um quadrilátero de branca luz; meus olhos de protegeram
franzindo-se.
Há cerca de seis meses – o tempo que aquela empregada ficara comigo – eu
não entrava ali, e meu espanto vinha de deparar com um quarto inteiramente
limpo.
Esperara encontrar escuridões, preparara-me para ter que abrir
escancaradamente a janela e limpar com ar fresco o escuro mofado. Não
contara é que aquela empregada, sem me dizer nada, tivesse arrumado o quarto
à sua maneira, e numa ousadia de proprietária o tivesse espoliado de sua função
de depósito”
(LISPECTOR, 2020, p. 32 e 35-36).

O quarto de empregada é quase um patrimônio brasileiro às avessas. A


história do trabalho doméstico no Brasil é uma continuação do trabalho escravizado, e
nesse sentido o quarto é considerado a “senzala moderna”.
Afirmar a continuidade entre a senzala e o quarto de empregada não é
simplesmente uma frase de efeito; a literatura especializada no campo da arquitetura
mostra que os primeiros “quartos de criada” surgiram no período republicano. Nas casas
menores, eles eram voltados para o quintal. Nas residências da elite, passaram a ser feitas
edículas, construções anexas à casa principal, com quartos e banheiros, em uma
arquitetura que chancelava a segregação dos espaços (CARRANZA, 2005; FORTY,
2007). Além da solução arquitetônica, outra forma de indicar a inferioridade dos criados
era mobiliar o cômodo com camas mais simples, sem ornamentos e de baixo custo:

70
O padrão geral do mobiliário da maioria das dependências de empregados era
muito menos confortável. Com frequência, eram mobiliados com refugos e
calculados para não dar à criada nenhuma chance de sentir que poderia haver
motivo para comparação entre ela e sua patroa. (FORTY, 2007, p. 115).

A rápida urbanização nos grandes centros foi dando início a um processo de


verticalização, despontando no horizonte os edifícios residenciais projetados para as
famílias de classe média, a partir dos anos 1920. Como as famílias não se sentiam atraídas
pelo formato de moradia coletiva, relacionada no imaginário aos cortiços, a solução foi
reproduzir, na medida do possível, a mesma divisão que havia nas casas, nas quais o
acesso de serviço era feito pelo quintal. Surgem então, as entradas e portas de serviço, e
à medida e que os prédios vão sendo dotados de elevador, tem lugar o elevador de serviço.
A metragem dos quartos geralmente é idêntica em todos os apartamentos, independente
do seu tamanho, possibilitando apenas a acomodação de uma cama e alguns armários,
com a agravante de raramente respeitarem o Código de Edificações nos quesitos
ventilação e iluminação (CARRANZA, 2018). Esse pequeno cômodo é construído como
uma anexo da área de serviços, sendo geralmente o menor da casa, feito com material de
qualidade inferior. O banheiro é minúsculo. O cômodo costuma servir também como
depósito, para guardar objetos que não estão sendo utilizados.
As condições de moradia nesse cômodo foram objeto de crítica no Jornal O
Pasquim, edição 00197, de 1973, com Millôr Fernandes comentando o I Congresso
Brasileiro de mulheres militantes na política:

Falo apenas das milhares de mulheres que trabalham num trabalho ainda
escravo, nas cozinhas de 2x2 de Copacabana, Botafogo (e bairros semelhantes
pelo Brasil afora) e, sustentadas por um salário indigno, vão dormir, depois de
12 a 14 horas de trabalho diário, num quarto-de-empregada em que só é
possível mesmo dormir em pé. (...) Exijam, dos jovens arquitetos (todos os
que conheço, em teoria são socializantes, mas, na prática, não sei de um que
se revele contra as grandes construtoras no tratamento desumano das serventias
de empregadas), que não aceitem construir quartos de empregadas com menos
de 3 x 3 (...).E é bom eu parar porque, é claro, o problema não cabe numa lauda
de papel. Mas cabe a afirmativa, que sempre repito: não respeito nenhum
movimento feminino que não cuide, em primeiro lugar, dessas desgraçadas
domésticas, até hoje ainda tratadas como caso de polícia. (FUNDAÇÃO
BIBLIOTECA NACIONAL , O Pasquim, 1973, edição 00197, p. 03).

Na edição 00169, do ano 1974, esse mesmo jornal traz uma série de pequenas
crônicas sob o título “O quarto de guardar crioula”:

Um quarto de empregada faz-se assim: depois de fixados os espaços dos


elevadores, das escadas, das circulações, do living, da sala de jantar, quartos,

71
banheiro social (dois), copa, cozinha, área de serviço, sobra um negocinho
mirrado, um quadradinho avaro: o quarto de empregada, um depósito de gente.
Mas empregada, ainda, por cima, tem necessidades, são umas ortodoxas do
metabolismo e precisam de banheiro. Desloca-se o tanque um pouco para lá.
Na planta é tão pequeno que não cabe o nome todo – banheiro de empregada,
nem mesmo ban. Emp – e vira WC, essa sofisticada e diabólica expressão.
Ambos, WC e depósito, constituem o binômio conhecido como dependência
de criados.

O WC
Para utilizar-se de tal compartimento, é necessário ler a bula que o recinto traz
afixado à entrada. Deve-se proceder assim: entra-se, sobe-se na privada
(existente no WC para fins metabólicos). Em seguida, a usuária abandona seu
posto sobre o vaso e atinge o chão. É importante prever a posição que se quer
ocupar, de acordo com as necessidades, antes de entrar no WC. Se é para ficar
de costas, deve-se entrar de costas; de lado, de lado; de frente, de frente. Se o
objetivo é banho, é fundamental esvaziar antes o recinto que, na esmagadora
maioria dos casos (100%), também, é um depósito de bacias, tabua de passar
roupa, desentupidor de pia, lata velha, enceradeira, barraca de praia, material
de limpeza, garrafas, jornais etc. O banho deve ser tomado com a usuária
agachada sobre a tampa do vaso, sendo o “Manual prático Zanine para usar o
Water closet”. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL , O Pasquim, 1974,
edição 00169, p. 06)

Desde o século passado houve grande redução da quantidade de empregadas


domésticas que residem no local de serviço, de modo que o “quartinho”, embora ainda
conste nas plantas de apartamentos, é mais utilizado como depósito, sendo alvo também
de modificações para se transformar em escritório ou closet (LIMA E TOLEDO, 2020).
Em agosto de 2018 entrou em vigor a lei 13.699/18, que modificou o Estatuto
das Cidades para determinar a exigência de garantia de acessibilidade, conforto e
utilização das dependências internas dos prédios urbanos, incluindo expressamente a
dependência das empregadas, “observados requisitos mínimos de dimensionamento,
ventilação, iluminação, ergonomia, privacidade e qualidade dos materiais empregados”
(BRASIL, 2018).
A recomendação 201 da OIT trouxe disposições no sentido de que tais
cômodos sejam privados e possam ser trancados pela trabalhadora, e que tenham
condições adequadas de iluminação e temperatura, em conformidade com o restante da
casa (GOMES; TORTELL, 2015).
Embora permaneçam, aparentemente, como resquício do passado, a crise
desencadeada pela Covid-19 tem dado ensejo a denúncias de que trabalhadoras
domésticas têm sido pressionadas a permanecer morando na residências, reavivando os
quartinhos (CEPAL, 2020). Não há dados oficiais no Brasil, de modo que somente no
futuro poderá ser avaliada tal situação.

72
3.5 O corpo no trabalho: de “mulas do mundo” a androides

Se no século XIX as trabalhadoras negras eram comparadas a animais, “mulas


do mundo” (COLLINS, 2019), no século XX a desumanização aparece com a
comparação a objetos:

“Empregada nova é tão desconfortável como sapato apertado, um número


menor”. (...)
“Empregada nova devia usar uma tabuleta “amaciando” como carros novos
(KAUFMANN, 1975, p. 35).

Uma empregada doméstica é muito mais útil do que um automóvel. Uma


empregada lava, passa, arruma e cozinha: já um automóvel nem mais água
ferve no carburador. Não sei se está escrito assim – o livro ficou lá em casa, na
minha mesinha de cabeceira – mas esta é uma das boas sacadas que eu me
lembro de ter lido no livro do Novaes, “O caso nosso de cada dia”, que foi
lançado semana passada e já está na lista. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA
NACIONAL , O Pasquim, 1974, ed. 265)

Empregados domésticos não vêm com manual de instrução. (FONSECA,


2005, p. 25).

Mas nada representou melhor o desejo de uma empregada-objeto,


empregada-máquina, do que o desenho animado “The Jetsons”. No episódio n. 0117 desse
desenho, a Sra. Jane decide alugar uma empregada doméstica androide. A primeira que
lhe é apresentada tem aparência mais antiga e trabalhou por último para um velho
professor, só aos finais de semana, e aparentemente é essa possível falta de
disponibilidade para o trabalho em tempo integral que a faz dispensar esse modelo. Logo
a seguir, é apresentada uma androide importada da França, com um corpo sexualizado, a
fala afetada, e com o motor localizado “na parte traseira”, o que faz com que Jane também
a recuse. Por fim, surge Rosey, uma androide já um tanto gasta, com aparência de mulher,
porém gorda e despida de qualquer atrativo físico. O vendedor avisa que ela é caseira,
inculta, mas Rosey logo diz que é esperta, e Jane decide-se por ela, dando início à história
de uma das androides mais famosas do universo dos desenhos animados, a empregada
doméstica engraçada, “quase” da família, outsider por sua própria constituição, que
possui comportamentos que apontam para a existência de autêntico afeto pelos humanos.
Esse episódio é rico em representações sobre a patroa e a empregada doméstica, em
especial as imagens de controle referidas por Patricia Hill Collins (2019), seja na

17
O episódio mencionado pode ser assistido na plataforma de vídeos Youtube. Disponível em <
https://www.youtube.com/watch?v=hnoEpUrucwE> Acessado em fevereiro de 2021.

73
sexualização da segunda androide, seja no aspecto de mammy atribuído a Rosey
(COUTO, 2015).
O desejo de libertação do trabalho doméstico acompanha o movimento
feminista, não havendo consenso sobre de que modo isso pode ser alcançado. Já o desejo
de libertação da dependência de trabalhadoras domésticas surgiu ainda no período
escravocrata, com o medo da transmissão de doenças e “más-influências”, medo este que
iria antecipar o pensamento eugenista brasileiro do século XX (RONCADOR, 2008).
Além disso, essa categoria paradoxalmente incômoda e necessária foi se tornando
“onerosa” à medida em que foi conquistando direitos mínimos. O desenho animado “The
Jetsons” traduz, então, esse desejo dos patrões através da materialização de um ser que
pode servir sem limitações de horário (e sem fazer jus a qualquer direito trabalhista), sem
vínculos familiares, sem memória, “e, portanto, sem corporeidade social que o faça
assomar como “um”, permanecendo um “outro” inoperante porque inofensivo, invisível
porque a-histórico” (COUTO, 2015, p. 175).
Os androides constituem uma aspiração distante dos lares brasileiros; é o
corpo humano que realiza boa parte dos serviços. Os próprios eletrodomésticos e/ou
eletroportáteis não são acessíveis a todas as famílias, embora seu consumo tenha crescido
muito nas últimas décadas (SILVA, 1988).
A tecnologia doméstica é classificada em três grupos: serviços de
infraestrutura, tais como eletricidade, coleta de lixo, água encanada; eletrodomésticos;
mercadorias, englobando produtos processados ou semiprocessados (SILVA, 1998). A
literatura sobre trabalho doméstico e uso de eletrodomésticos também é relativamente
escassa no Brasil.
O trabalho doméstico sofreu grandes modificações ao longo do tempo, mas
continua a exigir grande movimentação do corpo: varrer, esfregar, passar pano, cortar
alimentos, cozinhar, cuidar de pessoas. Matos (1994) analisa o cotidiano das
trabalhadoras em São Paulo, no período de 1890 a 1930, com rotinas rígidas que incluíam,
além da limpeza diária, tarefas como encerar pisos, vasculhar tetos, bater tapetes, passar
sapólio em metais, lavar cristais e globos de luz. A canalização da água e os fogões a gás
reduziram o trabalho, mas nesse período ocorreram surtos de epidemias18, surgindo novas

18
A pandemia de Covid 19, declarada em 2020, também trouxe diversas normas de higiene que acresceram
atividades às tarefas domésticas, tais como o uso intensivo do álcool e a limpeza minuciosa das compras,
antes de guardar. A presença das crianças em casa, com aulas remotas, também representou um acréscimo
de trabalho.

74
técnicas de higiene, que exigiam lavagem geral das casas e uso de produtos desinfetantes
mais agressivos. A cozinha também requeria muitas horas:

Os serviços na cozinha ocupavam praticamente o dia todo. Preparavam-se


refeições completas, com menus bem variados e sobremesas sortidas. Nem
bem se finalizava a limpeza da cozinha após o almoço, era hora de servir o
lanche da tarde, para o qual as prestimosas criadas preparavam
caprichosamente pão, biscoitos e sequilhos.; logo em seguida, já se iniciavam
os preparativos para o jantar. (MATOS, 1994, p. 197).

A lavagem das roupas geralmente era terceirizada para lavadoras autônomas,


que cruzavam a cidade carregando pesadas trouxas em direção ao rio, uma vez que não
era permitido subir em bondes com esses pacotes. Elas mesmas fabricavam o sabão e a
goma. (MATOS, 1994).
Embora as atribuições tenham mudado e a tecnologia tenha facilitado o
trabalho doméstico, todas as máquinas inventadas dependem de afazeres prévios e
posteriores: a máquina de lavar roupa requer que antes a roupa seja separada, inserida na
máquina, depois, se for o caso, estendida, passada, dobrada e guardada. A máquina de
lavar louças também implica uma limpeza prévia e o trabalho posterior de guardar. Não
há consenso na literatura sobre o efeito do uso dos aparelhos elétricos sobre o trabalho
doméstico, havendo autores que defendem que houve uma elevação nos padrões de
limpeza, acarretando aumento da necessidade de tempo, e reforço em padrões
conservadores de divisão do trabalho; outros veem essa relação como positiva, com
redução do tempo despendido (MARTINS, 2013). Uma outra vertente considera que a
liberação das mulheres do trabalho doméstico está no setor de serviços, seja privado, seja
socializado (SILVA, 1998; DAVIS, 2016).
Quem defende o caráter conservador dos eletrodomésticos afirma que
enquanto as ocupações masculinas foram mecanizadas, aquelas tipicamente femininas
não são ainda totalmente substituíveis por máquinas. As máquinas, que realizam um
trabalho apenas parcial, terminaram por proporcionar o retorno ao lar de atividades que
antes eram terceirizadas, como a lavagem das roupas (SILVA, 1998). No que diz respeito
ao desenvolvimento e fabricação de eletroportáteis e eletrodomésticos, a maior
preocupação não é com a redução do tempo, tampouco com a mudança do gênero de
quem faz esse serviço. A ideia que guia as inovações é aperfeiçoar o resultado da
atividade designada para aquele equipamento, e não tornar o processo mais rápido ou
mais simples (SILVA, 2010).

75
É possível inferir que a tecnologia tem tido papel conservador no Brasil. Silva
(2010) destaca que os eletrodomésticos, em domicílios de classe média, costumavam ser
utilizados nos finais de semana, quando a empregada estava ausente, ou então, mesmo
que a empregada pudesse utilizar, eram impostas diversas regras pela patroa.

Os modos pelos quais o desempenho das tarefas domésticas cotidianas é


facilitado ou dificultado refletem as divisões sociais desiguais. Por exemplo, é
tido como certo que a eletricidade não deve ser usada se puder ser substituída
pelo trabalho de empregadas, e também é amplamente difundido que as
empregadas podem estragar as tecnologias domésticas se forem autorizadas a
usá-las. (SILVA, 2010, p. 07).

O acesso a eletrodomésticos e a existência de um lugar para guardá-los é outra


questão que se impõe, sendo que existem mais eletroportáteis em casas do que em
apartamentos (MARTINS, 2013).
Silva (2010) afirma que a contratação de empregadas domésticas tem como
uma de suas consequências impedir o desenvolvimento de novas tecnologias a serem
utilizadas no trabalho doméstico, uma vez que o custo da contratação constitui fator
central para o desenvolvimento dessas tecnologias (e especialmente no Brasil esse custo
é baixo, dado o caráter informal e precário da atividade). A autora argumenta, ainda, que
por mais que o preço das tecnologias tenha diminuído ao longo do tempo, “o custo do
trabalho doméstico não aumentou suficientemente para tornar ativa a substituição das
empregadas pelas máquinas”. (SILVA, 2010, p. 11)
Deste modo, não há, no curto prazo, a perspectiva de substituição do corpo
pela tecnologia no trabalho doméstico. Ao invés de sonhar com “Roseys”, é mais humano
e mais pragmático tornar o serviço doméstico um trabalho decente.

3.6 O corpo versus outros corpos: classe, cidadania e invisibilidade

“Por mais que se divulguem boatos alarmistas, que ondas de pessimismo soem
de quando em quando, nós, as donas de casa, estamos protegidas pelo
analfabetismo, pela pobreza, pela assistência social deficiente, pela lentidão do
progresso industrial. Se assim não fosse, estaríamos com as nossas vidas
arruinadas, a nossa segurança doméstica desmoronada” (ALMEIDA, 1969, p.
17).

O trecho acima transcrito consta em um manual para mulheres, trazendo


conselhos e dicas para donas de casa. Nele, a autora mostra-se grata às desigualdades
sociais, pois as diferenças de classe constituem seu escudo contra a insegurança

76
doméstica, materializada na ausência de uma empregada. Este tópico irá analisar tais
diferenças, e um dos “atributos” das classe mais baixas: a invisibilidade.
Embora a noção de classe seja central na teoria marxista, nem Marx nem
Engels chegaram a fazer uma sistematização do seu conceito. A classe se forma como
uma decorrência de desigualdades e estratificações econômicas, sendo a luta de classes a
força motriz da história, atuando em prol do seu movimento dialético (BOTTOMORE,
2001).
As relações de classe se fundamentam na diferenciação, e a partir delas há
uma distribuição desigual de direitos e de poderes sobre os recursos da sociedade e os
seus produtos. Esse acesso diferenciado gera uma desigualdade no recebimento das
recompensas econômicas e sociais. A perspectiva de explicação da classe é relacional, ou
seja, uma classe opera sobre a outra, sendo que a base dessa relação é a exploração. O
pertencimento a uma classe delimita as oportunidades, as possibilidades de trabalho, de
consumo e, em última instância, de vida (SANTOS, 2008). Institutos de pesquisa
costumam estabelecer uma escala com base no uso de letras (classe A, classe B etc.),
delimitando a capacidade de consumo, o que pode ser considerado um reducionismo,
impedindo a compreensão da dinâmica relacional (MATTOS, 2019). Opta-se, nesta
dissertação, pelo uso da expressão “classe trabalhadora”, que revela uma dimensão mais
ampla.
As empregadas domésticas encontram-se em uma posição peculiar: o trabalho
por elas realizado ainda não é, em sua totalidade, considerado um verdadeiro trabalho; e
apesar dos esforços das associações e sindicatos, insiste-se em considerá-la pessoa
“quase” da família. Deste modo, elas são situadas no limbo do “quase”, não sendo
compreendidas como integrantes da classe trabalhadora, não lhes sendo reconhecidos, até
o momento, os mesmos direitos destinados aos demais trabalhadores, resultando em um
trabalho precário, isso quando não totalmente informal.
Santos (2008) realizou estudo de base estatística, utilizando dados da PNAD,
chegando à conclusão de que, entre os segmentos de classe considerados oprimidos, as
mulheres se concentram mais na categoria dos trabalhadores por conta própria precários
e dos empregados domésticos, o que indica a presença maciça e a força precarizante do
serviço doméstico.
O trabalho precário conduz à desigualdade social, e esta, por sua vez, resulta
em um déficit de cidadania e em invisibilidade pública. Cidadania é um conceito
complexo, mas sua presença costuma ser aferida por meio da observação da titularidade

77
e do exercício de direitos civis, políticos e sociais (CARVALHO, 2016). A invisibilidade
possui relação não com a presença ou ausência física, e sim com um sentido social. Um
dos exemplos é o dos nobres e senhores que ficavam despidos diante de seus escravos ou
serviçais, pois era como se eles de fato não estivessem ali. Essa forma ativa de
invisibilizar um indivíduo pode ser sintetizado na expressão “olhar através” (HONNETH,
2011). O olhar perpassa o outro, atravessa-o sem o reconhecer.
Trata-se de uma condição que, de modo geral, aplica-se a pessoas pobres,
sendo muito frequente nos serviços de limpeza em geral. A invisibilidade pública
encontra-se profundamente atrelada à ideia de humilhação social, uma “humilhação
crônica, longamente sofrida pelos pobres e seus ancestrais” (GONÇALVES FILHO,
1998). Isso implica a exclusão do espaço da intersubjetividade, da iniciativa e da palavra.
Gonçalves Filho define a humilhação como “uma modalidade de angústia disparada pelo
enigma da desigualdade de classes” (GONÇALVES FILHO, 1998, p. 15)
Se esse autor trabalha sobretudo com a questão da classe, por força de sua
filiação teórica ao marxismo, não se pode esquecer que a interseccionalidade desvendou
que a opressão não possui somente uma via; se o pobre sofre com a humilhação social, o
homem pobre e negro a sofre de forma mais intensa, e a mulher negra pobre ainda mais,
estando ela na base da pirâmide social.
Gonçalves Filho (1998) trata ainda da falta de percepção desse sofrimento por
quem é beneficiário dos privilégios, que frequentam com desenvoltura ambientes
públicos nos quais a presença dessas pessoas pobres não conta, a menos que seja na
posição de subalternidade. Com base nesse aporte teórico, o que dizer das entradas e
elevadores de serviço que as empregadas domésticas utilizam? Trata-se de um
mecanismo de exclusão. Tais trabalhadoras não se deslocam carregando materiais nem
sob qualquer condição que justifique o uso do elevador de serviço ou de uma entrada
apartada. A própria dependência de empregada, situada na área de serviço das residências,
é um indicativo da sua ausência de permissão para circular no ambiente, a menos que
esteja em serviço.
Tratando da questão da invisibilidade, Fernando Braga dispõe:

“A invisibilidade pública, desaparecimento intersubjetivo de um homem no


meio de outros homens, é expressão pontiaguda de dois fenômenos
psicossociais que assumem caráter crônico nas sociedades capitalistas:
humilhação social e reificação.
O fenômeno da humilhação parece exigir em psicologia social uma dupla
abordagem: política e psicológica.

78
A humilhação social apresenta-se como um fenômeno histórico, construído e
reconstruído ao longo de muitos séculos, e determinante do cotidiano dos
indivíduos das classes pobres. É expressão da desigualdade política, indicando
exclusão intersubjetiva de uma classe inteira de homens do âmbito público da
iniciativa e da palavra, do âmbito da ação fundadora e do diálogo, do governo
da cidade e do governo do trabalho. Constitui, assim, um problema político.
A exclusão política fabrica sintomas, infestando o afeto, o raciocínio, a ação e
o corpo do homem humilhado. Assume poder nefasto: ao mesmo tempo que
molda a subjetividade do indivíduo pobre, caracterizando-o muitas vezes como
um ser que não pode criar mas que deve repetir, esvazia-o das condições que
lhe possibilitariam transcender uma compreensão imediata e estática da
realidade. (BRAGA, 2012, p. 67-68)

É importante salientar que, embora a humilhação social possa atingir os


indivíduos em níveis diferentes, não se trata de mera percepção subjetiva, uma vez que
existe uma situação efetiva e real de rebaixamento, e há um sentimento de que não
possuem direitos (FILHO, 1998).
Dessa forma, a humilhação social decorrente da invisibilidade tem seu
oposto, ou melhor, seu remédio, no reconhecimento. No próximo capítulo serão
analisadas as causas do não reconhecimento do trabalho doméstico nas esferas do direito
e da estima social com base na teoria do reconhecimento de Axel Honneth.

79
4 EMPREGADAS DOMÉSTICAS: UMA CATEGORIA EM BUSCA DO
RECONHECIMENTO

No ano de 1973, o cantor Odair José, conhecido pelo estilo “brega”, ganhava
as paradas e emplacava a música “Deixe essa vergonha de lado”, através da qual
dialogava com uma empregada doméstica que procurava esconder dele a sua condição:

Eu já sei que essa casa onde você diz morar


Onde todo dia no portão eu venho lhe esperar
Não é a sua casa
Eu já sei que o seu quarto fica lá no fundo
E se você pudesse fugir desse mundo e nunca mais
Voltava
Eu já sei que esse garoto que você leva para brincar
E que todo dia na escola você vai buscar
Não é o seu irmão
Ele é filho dessa gente importante
E às vezes também é seu por um instante
Apenas dentro do seu coração
Deixe essa vergonha de lado
Pois nada disso tem valor
Por você ser uma simples empregada
Não vai modificar o meu amor
(JOSÉ, Odair, 1973)

A música lhe rendeu a fama de “terror das empregadas domésticas”


(FONSECA, 2015). Involuntariamente, sua canção terminou se transformando no
registro da situação de humilhação social e falta de reconhecimento da categoria, que na
época já se mobilizava, sobretudo junto ao movimento negro, em busca de melhores
condições trabalhistas e sociais.
Neste capítulo, será abordada a ausência de reconhecimento jurídico e social
do serviço doméstico. Faz-se necessário analisar a história do trabalho doméstico no país,
a fim de compreender o contexto no qual surgiram suas primeiras regulamentações. Esse
percurso tornará possível entender por que as empregadas domésticas demoraram tanto
tempo para obter direitos básicos, como a limitação da jornada, e porque até os dias atuais
elas não desfrutam da totalidade dos direitos conferidos aos demais membros da classe
trabalhadora. Também serão objeto de estudo a ambiguidade presente nas relações de
emprego doméstico e as lutas por reconhecimento nas esferas jurídica e social.

80
A premissa de que o serviço doméstico constitui um trabalho não reconhecido
possui seus fundamentos na teoria de Axel Honneth, que trata do reconhecimento como
um parâmetro normativo de justiça.

4.1. A teoria do reconhecimento

Um dos sentidos mais comuns da palavra “reconhecer” é o de recompensar,


agradecer. Para Nunes (2014), reconhecimento é a identificação consciente dos nossos
atributos nos planos cognitivo e afetivo, sendo, em um sentido mais comum, a
significação, a representação que temos perante o outro. O ato de nomear, classificar e
reconhecer revela uma dimensão de poder, pois atua na construção das identidades.
Quando se fala em reconhecer um trabalho, normalmente isso se encontra relacionado à
ideia de admitir a sua importância, agradecer e/ou recompensar. Afirmar que o trabalho
doméstico não é reconhecido significa dizer que sua importância não é admitida e que ele
não é suficientemente recompensado.
Para sistematizar sua teoria, Honneth parte da filosofia de Hegel, embora lhe
dê uma inflexão materialista com as ferramentas fornecidas pela psicologia social.
Honneth se posiciona em sentido diverso em relação a Maquiavel e Hobbes, que definiam
a vida social com base na luta pela autoconservação, adotando o modelo hegeliano de
reinterpretação dessas relações, considerando que essa luta social constitui um
acontecimento ético, e tem como objetivo obter o reconhecimento intersubjetivo das
dimensões da individualidade das pessoas. Em síntese, o reconhecimento ocupa, nessa
teoria, o lugar da autoconservação. Categorias morais como ofensa e rebaixamento
denotam formas de desrespeito ou de recusa do reconhecimento. Essa recusa representa
injustiça não só por dificultar ou impedir o exercício da liberdade de ação dos indivíduos
ou por lhe causar danos, mas também por feri-los numa compreensão positiva de si
mesmos. A denegação de direitos constitui o rebaixamento mais palpável (HONNETH,
2009).
Diversas críticas a essa teoria partiram de Nancy Fraser, identificando nela
uma excessiva psicologização, uma ênfase na estrutura psíquica em detrimento de
instituições e interações sociais, o que poderia conduzir a especializações e sectarismos,
com foco na política identitária. (KAMADA, 2012). Para Fraser, a justiça exige não
apenas o reconhecimento, mas também a redistribuição. Ela propõe uma teoria crítica do
reconhecimento, “que identifique e assuma a defesa somente daquelas versões da política

81
cultural da diferença que possam ser combinadas com a política social da igualdade”.
(FRASER, 2006, p. 231). O debate teórico resultou em um livro escrito por ambos, no
qual são discutidos os pressupostos teóricos do reconhecimento. Em resposta a Fraser,
Honneth afirma que considera muito problemática a restrição de “reconhecimento” às
demandas de minorias culturais, e que a resistência a uma determinada ordem social é
impulsionada pela experiência moral de não receber o que se considera o justo
reconhecimento. Para ele, a própria distinção entre redistribuição e reconhecimento não
se mostra útil, pois dá a impressão de que as demandas por redistribuição econômica
podem ser entendidas como desvinculadas da falta de respeito social (HONNETH, 2006).
A teoria de Honneth oferece um bom suporte para a compreensão do status
do serviço doméstico no Brasil. Rúrion Melo, estudioso da obra do autor, afirma que
uma das principais contribuições dessa teoria é a possibilidade de conduzir um projeto
emancipatório no qual a fundamentação crítico-normativa da teoria da sociedade esteja
ancorada no diagnóstico das relações sociais de dominação (MELO, 2013). Além disso,
é importante destacar que Honneth busca defender um conceito emancipatório de
trabalho, com um caráter mais humano, e advoga que o trabalho esteja, também, no centro
das reflexões críticas, porém desvinculado de uma mentalidade estritamente produtivista
(HONNETH, 2008).
Honneth trabalha com três formas de reconhecimento: o amor, o direito e a
solidariedade. Esse reconhecimento possui relação com uma expectativa recíproca de
comportamento e ação. O amor é analisado sob uma perspectiva psicanalítica, tendo por
base as relações primárias, as ligações emotivas fortes entre as pessoas, tais como as
desenvolvidas pais e filhos, entre um casal e entre amigos. Ele utiliza Winnicott como
um dos principais teóricos para dar base à fundamentação do amor como uma das esferas
do reconhecimento, que teria sua concretização através da dedicação emotiva, sobretudo
da figura materna. O amor, segundo Honneth, daria origem à autoconfiança do indivíduo.
A recusa do amor, que se configura sobretudo com os maus tratos e com os danos à
integridade física, impede que se configure essa primeira forma de reconhecimento
(HONNETH, 2009).
O reconhecimento em sua dimensão jurídica confere imputabilidade moral ao
indivíduo e a condição de membro de igual valor no âmbito de uma comunidade jurídica,
apto a participar da formação discursiva da vontade. Isso ocorre quando as pessoas se
veem diante da possibilidade de reivindicar certas pretensões, e quando podem contar
com a satisfação de tais pretensões de forma legítima (HONNETH, 2009). Reclamar

82
direitos permite que o indivíduo se expresse simbolicamente, e o caráter público dos
direitos possibilita que seu portador pratique uma ação que possa ser visualizada,
percebida pelos demais, e é isso que tornará possível a constituição do autorrespeito, que
seria essa condição de poder se referir a si mesmo de um modo positivo (HONNETH,
2009). O autorrespeito está para a relação jurídica assim como a autoconfiança está para
a relação amorosa.
Honneth cita Joel Feinberg, para quem ter direitos é o que nos capacita a nos
manter como pessoas, a possuir um autorrespeito mínimo, necessário para ser digno do
amor e da estima dos outros. Assim, a dignidade humana pode constituir justamente a
“capacidade reconhecível de afirmar pretensões” (HONNETH, 2009, p. 196).

É importante anotar que, a despeito das críticas sobre uma excessiva


psicologicação da teoria, e sobre a alegada desvinculação entre reconhecimento e
redistribuição, quando se trata do direito como forma de reconhecimento, Honneth deixa
claro que não basta a universalização dos direitos, mas também a universalização do
acesso a eles. É preciso que os direitos possam ser adjudicados aos grupos de maneira
uniforme. E ainda:

Reconhecer-se mutuamente como pessoa de direito significa hoje, nesse


aspecto, mais do que podia significar no começo do desenvolvimento do
direito moderno: entrementes, um sujeito é respeitado se encontra
reconhecimento jurídico não só na capacidade abstrata de poder orientar-se por
normais morais, mas também na propriedade concreta de merecer o nível de
vida necessário para isso. (HONNETH, 2009, p. 193).

Para o autor, a privação de direitos e a exclusão social constituem formas de


recusa do reconhecimento. Ele considera indissociáveis o reconhecimento e a
redistribuição, sendo perceptível sua preocupação com os direitos sociais. A existência
do autorrespeito é aferida indiretamente, fazendo comparações empíricas com grupos de
pessoas, uma vez que ele só se torna perceptível na forma negativa, ou seja, diante de sua
ausência, salientando que algumas vezes os próprios grupos atingidos debatem
publicamente a privação de certos direitos fundamentais, sob o ponto de vista de um
reconhecimento denegado (HONNETH, 2009). No caso das empregadas domésticas, o
reconhecimento jurídico veio de forma tardia e se mostra, ainda hoje, incompleto, como
será visto a seguir.

Para finalizar a exposição sobre a teoria de Honneth, há uma terceira forma


de reconhecimento, que é a de uma comunidade de valores orientada por concepções de

83
objetivos comuns, chamada de solidariedade. Assim como o direito, a solidariedade é
aqui apresentada como situada no âmbito da vida pública. Um modo de concretizar o
reconhecimento pela via da solidariedade é dispensar estima social aos indivíduos, que
vai despertar neles o sentimento de autoestima.
O modo de reconhecimento da solidariedade, que é a estima social, direciona-
se às propriedades particulares que diferenciam as pessoas. À medida que os objetivos
éticos de uma sociedade se abrem a diversos valores, à medida que uma ordenação
hierárquica e estamental cede seu lugar a uma concorrência horizontal, tanto mais a
estima social irá criar relações simétricas. A estima social aparece, portanto, como a
possibilidade de considerar que seus valores, ou valores de seu grupo, são igualmente
significativos para a práxis comum, criando relações solidárias (HONNETH). Dejours
(2007, p. 34) estabelece um forte nexo entre reconhecimento e sofrimento, e ainda entre
reconhecimento e construção da identidade, identidade que constitui, nas palavras do
autor, “a armadura da saúde mental”.
Para melhor entendimento, a teoria pode ser organizada com base nos
seguintes pilares abaixo (Figura 1):

Figura 1 – Organograma da teoria do reconhecimento


Reconhecimento

Amor

Direito

Solidariedade

(Fonte: Elaborada pela autora com base na interpretação dos conceitos de Honneth (2009))

Nas sociedades contemporâneas, há uma luta constante no âmbito das


relações de estima social, mediante a qual diversos grupos procuram elevar os valores
associados à sua forma de vida. Os movimentos sociais constituem exemplos dessa luta,
valendo ressaltar que essas relações de estima social associam-se, mesmo que de forma
indireta, com o problema da distribuição de renda, de modo que os confrontos

84
econômicos terminam por pertencer, de forma constitutiva, a essa luta por
reconhecimento (HONNETH, 2009)
Finalmente, a recusa do reconhecimento e a experiência do desrespeito
constituem fontes emotivas e cognitivas para a ocorrência de resistência e de levantes
coletivos. A tese de Honneth procura evidenciar, assim, como diz o próprio título do livro,
a gramática moral dos conflitos sociais, que são conflitos que podem ser entendidos pelo
viés da busca da construção da identidade, da dignidade humana e da preservação da
integridade física (IASINIEWICZ, 2017).
A ausência de reconhecimento do serviço doméstico no Brasil será analisada
tanto sob a perspectiva do direito quanto da solidariedade, uma vez que as duas instâncias
se comunicam em um sistema de retroalimentação e mútua influência.

4.2. Como tudo começou: o trabalho doméstico escravizado como exemplo primário
de reconhecimento denegado

Por isso, a gente vai trabalhar com duas noções que ajudarão a sacar o que a
gente pretende caracterizar. A gente está falando das noções de consciência e
de memória. (GONZALEZ, 2020, p. 78)

O reconhecimento jurídico implica, para o indivíduo, ter os mesmos direitos


conferidos aos demais membros da comunidade, de modo a ser considerado pessoa de
igual valor na formação discursiva da vontade. O serviço doméstico ainda não é
totalmente reconhecido no plano jurídico, por inexistir, mesmo no presente, uma plena
igualdade de direitos em relação aos outros trabalhadores. Para compreender esse
processo, é necessário retomar as origens do trabalho doméstico no país, e analisar suas
progressivas regulamentações, buscando sentido, inclusive, para a ausência de
regulamentação em certos períodos. Não se pretende, aqui, senão buscar o fio que liga
passado e presente, de modo limitado, uma vez que este é somente um percurso
necessário, mas não é o tema principal deste trabalho. Além disso, sabe-se que as histórias
contadas serão sempre parciais, pois a riqueza da vida social contrasta com os limites do
didatismo e da tentativa de produzir uma narrativa. “Ligar presente e passado em uma
radical linha direta, tão somente cronológica e evolutiva, é sempre perigoso”, dizem
Marcelo Paixão e Flavio Gomes (PAIXÃO e GOMES, 2012, p. 304). Ainda assim, é
preciso seguir esse fio que teve início no período colonial e vem se desenrolando até os

85
dias presentes, por mais que seja repleto de descontinuidades, lutas, rupturas individuais
e desvios que nem sempre cabem na pesquisa.
No período colonial, possuir pessoas escravizadas era uma forma de ostentar
luxo e riqueza (LIMA, 2021; PRADO JÚNIOR, 2011). Os trabalhadores domésticos no
período escravocrata ocupavam funções bastante diversificadas. Tratava-se de outro
mundo: não havia instalações sanitárias, eletrodomésticos, e o trabalho era bem mais
pesado. Era necessário cortar lenha, alimentar o fogo, buscar água, lavar manualmente
uma grande quantidade de roupa, cuidar do bem-estar dos senhores (o que incluía o
transporte em liteiras, cadeirinhas, redes), amamentar e criar seus filhos, além de realizar
toda uma gama de atividades para manter a casa grande em funcionamento (LIMA, 2021).
Dentre tais tarefas, uma das mais degradantes era a do tigre:

Ao escravo negro se obrigou aos trabalhos mais imundos na higiene doméstica


e pública dos tempos coloniais. Um deles, o de carregar à cabeça, das casas
para as praias, os barris de excremento vulgarmente conhecidos como tigres.
(FREYRE, 2006, p. 550).

Havia uma certa hierarquia entre os cativos. Lima (2021) registra que essa
hierarquia era determinada pelo grau e especialização das tarefas e pelo status de cada
ocupação, havendo também uma distribuição com base na cor da pele: quanto mais
retinta, mais recôndita ficava a pessoa escravizada.

Entre os cativos do serviço interno estavam em posição superior “os


mordomos, as governantas, os camareiros e camareiras, as amas secas, as amas
de leite e as mucamas”. Em seguida vinham “cozinheiros, cozinheiras,
copeiros e copeiras, costureiras, bordadeiras, lavadeiras, engomadeiras e os
que cuidavam da arrumação e limpeza”, chacareiros e tratadores de animais.
Entre os dos serviços externos estavam dispostos hierarquicamente os
carregadores de cadeirinha, cocheiros ou boleeiros, pajens, “moleques de
recado”, depois vinham os compradores, carregadores de água e, no degrau de
baixo, os tigres (despejadores de dejetos humanos e águas servidas) (LIMA,
2021, p. 85)

O serviço doméstico começava cedo para as crianças que eram “crias da


casa”, geralmente a partir dos nove anos, mas podendo ser aos cinco/seis anos de idade
(LIMA, 2021). As mulheres ocupavam um lugar especial no trabalho doméstico. Embora
tenham realizado também atividades externas, como lavar roupa e costurar (em especial
as escravizadas que trabalhavam no sistema de ganho ou de aluguel), havia um espaço na
casa grande delimitado em razão do seu gênero: amamentar, cuidar das crianças, fazer
companhia. A tese de Lima (2021) analisou o recorte temporal de 1830 a 1888, e

86
constatou que havia uma divisão sexual do trabalho doméstico escravo, e embora
houvesse muitos homens na função, nela predominaram as mulheres. Além disso, os
homens terminaram tendo oportunidades melhores nesses ofícios, pois para eles exercer
a função de cozinheiro tornava mais fácil o engajamento em atividades comerciais
remuneradas após a abolição (LIMA, 2021)

Dentre as funções domésticas das mulheres, uma das mais emblemáticas é a


da ama de leite, que Freyre considerava ser uma “promoção”:

É natural que essa promoção de indivíduos da senzala à casa grande, para o


serviço doméstico mais fino, se fizesse atendendo a qualidades físicas e
morais; e não à toa e desleixadamente. A negra ou mulata para dar de mamar
a nhonhô, para niná-lo, preparar-lhe a comida e o banho morno, cuidar-lhe da
roupa, contar-lhe histórias, às vezes para substituir-lhes a própria mãe – é
natural que fosse escolhida dentre as melhores escravas da senzala (FREIRE,
2006, p. 435 e 436.)

Os relatos de Freyre sobre o amor entre amas de leite e “nhonhôs” não se


coadunam com achados de historiadores, que explicitam a situação trágica dessas
mulheres, na maioria das vezes privadas do contato com seu próprio filho ou, quando
lhes era permitido ficar com a criança, tinham que dar prioridade absoluta ao filho de seu
senhor, pois havia uma nítida hierarquia entre ele e o pequeno escravizado (MACHADO,
2012).

Mesmo com toda a romantização construída por Freyre a respeito da doçura


da escravidão, em especial da doméstica, o autor não deixou passar o registro detalhado
das crueldades praticadas contra elas, em especial pelas sinhás, geralmente em razão de
ciúme.

Sinhás-moças que mandavam arrancar os olhos de mucamas bonitas e trazê-


los à presença do marido, à hora da sobremesa, dentro da compoteira de doce
e boiando em sangue ainda fresco. Baronesas já de idade que por ciúme ou
despeito mandavam vender mulatinhas de quinze anos a velhos libertinos.
Outros que espatifavam a salto de botina dentaduras de escravas; ou
mandavam-lhes cortar os peitos, arrancar as unhas, queimar a cara ou as
orelhas. (FREYRE, 2006, p. 421).

A questão de gênero sobressaía no período da escravidão. As mulheres


cativas representavam de 76,19% a 78,89% dos trabalhadores domésticos, considerando
o período de 1830 a 1888. (LIMA, 2021). Os serviços não se desenvolviam todos na casa
grande. Muitos deles eram postos à disposição de terceiros na função de cozinheiros(as),
lavadeiras, passadeiras e amas de leite (COSTA, 2013).

87
É importante salientar que o período escravocrata durou muito tempo, e não
pode ser considerado de forma monolítica. Foram inúmeras as transformações ocorridas,
em especial no século XIX, de modo que existiram diversas formas de viver e de
trabalhar. Durante certo período predominou a visão da chamada “família patriarcal”, tão
bem descrita por Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala, na qual o patriarca ocupava
espaço central, de onde emanava o poder sobre a esposa, filhos, noras, genros,
escravizados e agregados. Todavia, conforme assentam estudos de historiadores, esse não
era o único modelo, pois existiram arranjos familiares os mais diversos (SBRAVATI,
2008; LIMA, 2021). Del Priore (2009) também registra que havia muitos maridos
ausentes, mulheres chefiando lares e crianças sendo criadas com a ajuda de outras
mulheres, fossem da família, fossem da vizinhança. A autora afirma que a situação das
mulheres de classe baixa era totalmente distinta da descrição desenhada por Freyre.
Ao longo do século XIX também existiam trabalhadores domésticos livres,
com sutis diferenças em relação às condições dos escravizados (RONCADOR, 2008).
Como regra, os contratos ficavam no domínio puramente do privado e da livre negociação
entre as partes, com todas as restrições que a palavra “livre” poderia ter, em se tratando
de negociação entre ricos senhores e trabalhadores pobres. Segundo Carvalho (2016), a
essa população livre faltavam condições para o exercício dos direitos civis, em especial
a educação. Eles dependiam dos grandes proprietários para morar, trabalhar e sobreviver.
Sbravati (2008 ) examinou alguns contratos de locação de serviços, e estes muitas vezes
se davam com ex-escravizados, que tomavam de empréstimo certa quantia dos senhores
para comprar a alforria, e se comprometiam a pagar o valor mediante a prestação de
serviços, sendo que em tais casos era comum a cláusula segundo a qual os locatários
deveriam servir aos locadores como se ainda fossem cativos. Marques (2020) registra
também a existência de um mercado de trabalho para imigrantes pobres vindas de
Portugal, de aldeias do Minho.
Os costumes dessa época geraram uma associação entre trabalho manual e
escravidão19. Gilberto Freyre mostra o surgimento do desprezo pelo trabalho manual

19
Essa mesma relação pode ser encontrada nas crônicas do Padre Carapuceiro (Frei Miguel do Sacramento
Lopes Gama), que circularam entre os anos de 1832 e 1847:
“Há sem dúvida entre nós senhores de engenho ativos e laboriosos, que dispõem a tempo e acertadamente
do seu serviço, que vão muitas vezes vê-lo e dirigi-lo etc. Mas quantos não há por aí verdadeiros vadios e
fiéis retratos de Sardanapalo? Estes deixarão aos feitores a disposição do trabalho, que raramente visitam,
e tudo esperam dos míseros escravos, em tanto que suas senhorias jazem ressupinos em uma rede,
engrossando a pança, e adelgaçando as pernas. (...) Eu conheço mulherzinha que na linguagem econômica
é só consumidora; porque come abundantemente, veste com luxo, e não se emprega no mais pequeno

88
numa curiosa passagem na qual narra a “amizade” dos senhores pelas suas redes, das
quais não se levantavam nem para dar ordens aos escravizados; andavam em redes,
viajavam em redes, sempre carregados, sempre servidos, o que ocorria, também, com
seus descendentes (FREYRE, 2006, p. 518).
Caio Prado Junior refere semelhante característica negativa associada ao
trabalho manual, legada pela escravidão colonial, e sua contrapartida: o estímulo dos
senhores para a ociosidade.

Isto, para as atividades de natureza física, é regra praticamente universal:


nenhum homem livre se rebaixa a empregar os músculos no trabalho.
(...)
Uma tal atitude da grande maioria, da quase totalidade da colônia a relativa ao
trabalho, de generalizada que é, e mantida através do tempo, acabará
naturalmente por se integrar na psicologia coletiva como um traço profundo e
inerraigável do caráter brasileiro (PRADO JUNIOR, 2001, p. 368 e 369)

Tal desvalorização ingressou com tanta força na cultura brasileira, de tal


modo que Florestan Fernandes afirmou que a escravidão degradou e desvalorizou o
trabalho, trazendo obstáculos à criação de uma classe assalariada, bem como ao
surgimento de um setor de pequena agricultura. (FERNANDES, 2007).
Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil” (2014), também fala sobre
a desvalorização do trabalho manual e do esforço, que ele afirma ser típica do hispânico:

Uma digna ociosidade sempre pareceu mais excelente, e até nobilitante, a um


bom português, ou a um espanhol, do que a luta insana pelo pão de cada dia.
O que ambos admiram como ideal é uma vida de grande senhor, exclusiva de
qualquer esforço, de qualquer preocupação.(...)
O certo é que, entre espanhóis e portugueses, a moral do trabalho representou
sempre um fruto exótico. Não admira que fossem precárias nessas gentes, as
ideias de solidariedade. (HOLANDA, 2014, p. 44 e 45).

Essa característica cultural encontra eco atualmente, explicando, em boa


parte, as diferenças de hierarquia social entre trabalhadores que estão no mesmo nível sob
o aspecto econômico, porém com nítida diferença de status. (PEREIRAS, 2012)
No que diz respeito ao período pós abolição, os trabalhos braçais
permaneceram com as pessoas negras. Especificamente quanto ao trabalho doméstico, a

trabalho. Fica-lhe a quartinha a dez passos de distância, e se tem sede, há de chamar a pretinha para lhe
trazer água, porque a senhora está repimpada em um canapé e incomodar-se-ia se se ergresse. O sapato que
lhe caia do pé há de ser apanhado pela escrava etc. etc. (...) Aqui finalmente uma não pequena parte da
gente livre e da liberta entende que o trabalho só é próprio do escravo, e em consequência despreza-se tudo
que é serviço corporal”. (LOPES, 1996, p. 192, 193, 198 e 199)

89
transição do trabalho escravo para o trabalho livre operou-se de forma gradual, mantendo
estruturas de poder e de mando, e conservando condições de subalternidade. Nesse
sentido, é fundamental atentar para a historiografia mais recente, que aponta uma série de
avanços e recuos ao longo do século XIX, com suas múltiplas leis abolicionistas, todas
parciais, e com a concessão de alforrias, que iam tentando reduzir as tensões do
escravismo, ao mesmo tempo em que perpetuavam laços de dependência e dominação,
gerando vínculos de gratidão e dívida pessoal. Se assim foi com os ex-escravizados em
geral, com muito mais razão essa dominação foi mantida no âmbito doméstico. A
libertação gradativa se tornou, assim, um mecanismo que evitava lutas que pudessem
precipitar um fim brusco para a escravidão (LIMA, 2021)
Quando sobreveio a abolição total (em seu sentido formal), estabeleceu-se,
segundo Moura, (2019, p. 89), uma “ponte ideológica” entre a miscigenação (fato
biológico, facilmente aferível) e a democratização, esta um fato sociopolítico, que não
guarda qualquer tipo de afinidade necessária com a miscigenação. Essa ponte criava a
falsa ideia de democracia racial e de existência de boas possibilidades de mobilidade
social, quando na realidade a população negra foi relegada ao abandono e ao preconceito.
Nas palavras do autor, eles eram tidos como “indolentes, cachaceiros, não persistentes
no trabalho e, em contrapartida, por extensão, apresenta-se o trabalhador branco como o
modelo de perseverante, honesto...(...)”. (MOURA, 2019, p. 99). Paralelamente,
estabeleceu-se a política de imigração, gerando disputas por trabalho.
Idêntica constatação faz Fernandes (2007), ao afirmar que a miscigenação foi
considerada um índice de integração social e sintoma de fusão e igualdade, quando, na
realidade, todas as investigações antropológicas, sociológicas e históricas indicam que
ela só produz esse efeito quando ocorre em ambiente livre de estratificações sociais, o
que nem de longe foi o caso do Brasil, país no qual a antiga ordem escravista e o sistema
de dominação dos senhores converteram-se justamente em fatores de estratificação.
Assim, o pós abolição perpetuou a divisão racial do trabalho, permanecendo
os brancos com trabalhos qualificados, intelectuais, enquanto o subtrabalho, aquele
braçal, considerado sujo e muito mal remunerado sobrou para os negros livres, da mesma
forma que antes eram desempenhados por escravizados (MOURA, 2019, p. 103). Lélia
Gonzalez também trata da divisão racial do trabalho, através da qual o racismo denota a
sua eficácia estrutural:

Em termos de manutenção do equilíbrio do sistema como um todo, ele (o


racismo) é um dos critérios de maior importância na articulação dos

90
mecanismos de recrutamento para a posições na estrutura de classes e no
sistema de estratificação social. Desnecessário dizer que a população negra,
em termos de capitalismo monopolista, é que vai constituir, em sua grande
maioria, a massa marginal crescente. Em termos de capitalismo industrial
competitivo (satelitizado pelo setor hegemônico), ela se configura como
exército industrial de reserva. (GONZALEZ, 2020, p. 35)

Ao mesmo tempo, construiu-se o discurso de que, se o negro estava nessa


posição, isso se dava unicamente por culpa dele, uma vez que o país vivia um período de
democratização. (MOURA, 2019; FERNANDES, 2007).
Para Florestan Fernandes, a vítima da escravidão tornou-se também vítima da
crise do sistema escravista.

A revolução social da ordem social competitiva iniciou-se e concluiu-se como


uma revolução branca. Em razão disso, a supremacia branca nunca foi
ameaçada pelo abolicionismo. Ao contrário, foi apenas reorganizada em outros
termos, em que a competição teve uma consequência terrível – a exclusão,
parcial ou total, do ex-agente de mão de obra escrava e dos libertos do fluxo
vital do crescimento econômico e do desenvolvimento social. (FERNANDES,
2007, p. 85 e 86)

Para Florestan, a abolição foi um episódio de uma revolução feita “pelo


branco e para o branco”. O negro foi duplamente espoliado, não tendo recebido nenhum
tipo de indenização, garantia ou assistência, vendo-se depois em situação de competição
com os brancos (migrantes) em ocupações que antes eram repelidas por eles
(FERNANDES, 2007). Também Ribeiro (2015, p. 169) afirma que, no Brasil, “uma
sociedade doentia, de consciência deformada”, o negro é tido como o grande culpado de
sua própria penúria.

E qual a posição da trabalhadora negra nesse contexto? Fernandes (2017)


afirma que a mulher negra teve mais oportunidades de trabalho do que o homem, por estar
“protegida” pela experiência de trabalho nos sobrados e casas grandes. Tal afirmação
encontra várias contestações, uma vez que a vulnerabilidade feminina no mundo do
trabalho sempre foi maior do que a dos homens:

Outro critério a ser considerado como expressão da menor vulnerabilidade


masculina nos mundos do trabalho é a proporção deles nos demais ofícios,
tendo em vista que na amostra entre 1830-50 eles representaram 82,10% dos
trabalhadores na categoria “Outra” Ocupação, enquanto elas, 17,90%. Isso
sugere que os homens tinham um leque maior de atividades ocupacionais do
que as mulheres, portanto, mais oportunidades laborais para além dos
serviços de casa. (LIMA, 2021, P. 124)

91
A escravidão e a liberdade tiveram significados distintos para o homem e para
mulher escravizados. A descrição dos futuros papéis a serem exercidos pelas mulheres
outrora escravizadas era restrita a poucas possibilidades, e uma delas era a de
trabalhadoras domésticas nos domicílios de outras pessoas. (COWLING, 2018).
Apesar da manutenção da dominação colonial, as trabalhadoras domésticas
não se conformaram às tentativas de impor um regime senhorial. Muitas estratégias de
resistência foram utilizadas. Ainda no período escravocrata, essas estratégias iam desde
a dissimulação, a lentidão na realização das tarefas, o uso de ervas para preparar “poções”
e temperos prejudiciais, até a fuga. Entre as libertas, era comum a alta rotatividade nos
trabalhos, com o abandono das casas nas quais sofriam maus tratos, a realização do
trabalho de modo lento e irregular e os furtos. (LIMA, 2021; TELLES, 2013).
Se antes ter vários escravizados domésticos era símbolo de status, no período
pós abolição operou-se uma inversão dessa lógica, com o doméstico sendo apontado
como símbolo de contaminação e ameaça à saúde da família, tanto física quanto moral
(RONCADOR, 2008)
O fim da escravidão intensificou o medo que as elites tinham dos
escravizados:

(...) o antro do cativeiro foi simplesmente substituído no imaginário das elites


pelo submundo dos cortiços. A renovação da vida doméstica, ou sua
modernização, iniciada no segundo império, mas levada a cabo nos anos da
Velha República, contribuiria também para aumentar a desconfiança dos
patrões com respeito a seus empregados domésticos. Associados a doenças,
sujeira, criminalidades e outros males da classe baixa, o empregado doméstico
tornou-se uma espécie de classe incômoda, ou pior, inimiga do projeto de
modernização, ou civilização da vida e dos espaços domésticos, idealizado
pelas elites da virada do século. Contudo, ainda que temerosos, os patrões não
abriam mão de suas criadas. (RONCADOR, 2008, p. 49)

Esse período vai aproximadamente até a década de 1930, quando emerge o


discurso de Gilberto Freyre, que desautoriza o pensamento eugenista, ao mesmo tempo
em que propõe um olhar saudosista ao passado, com uma evocação nostálgica de
símbolos como a da mãe preta (RONCADOR, 2008).
Esse medo pautou diversas normas jurídicas no período pós abolição, todas
com a ideia de conter a “classe incômoda”. A abolição, assim, mostrou-se um processo
inconcluso, fruto de uma lei que não trouxe qualquer modificação estrutural para oferecer
algum lugar aos recém libertos, algum espaço para a construção da vida e da cidadania.
A abolição foi meramente formal. A lógica constituída foi de indenização aos senhores,
e não às pessoas escravizadas. Não houve julgamentos nem condenação do instituto da

92
escravidão. Houve, ao contrário, seu apagamento, por meio da incineração de documentos
efetuada em 1899 por determinação do Ministro das Finanças, Rui Barbosa
(NASCIMENTO, 2016; LOPES, 2020).
Diante desse contexto, nada mais propício do que a fala de Gonzalez, que
iniciou este tópico: é preciso falar de consciência e memória, que constituem uma chave
para a compreensão de problemas estruturais e persistentes.

4.3 A regulamentação até a Constituição: entre a repressão, o paternalismo e as


resistências.

Nós nem cremos que escravos outrora


tenha havido em tão nobre país...
Hoje o rubro lampejo da aurora
Acha irmãos, não tiranos hostis.
(BRASIL. Hino da República)

O jargão sobre a memória curta do brasileiro não parece destituído de


fundamento. A abolição ainda não havia completado dois anos quando o Hino da
República falava de um país no qual nem se acreditava que “outrora” tivessem existido
pessoas escravizadas. Esse apagamento, todavia, não conseguiu ocultar a memória da
escravidão nem a persistência de estruturas senhoriais.
Neste tópico, será feita uma retrospectiva da legislação que disciplinou o
trabalho livre até o período anterior à Constituição de 1988. O objetivo não é
simplesmente esboçar o perfil legislativo de um certo período histórico; é mostrar qual o
“espírito” da legislação que passou a reger o trabalho livre, e depois o trabalho doméstico.
A importância desse registro decorre do fato de o serviço doméstico ter sido constituído
juridicamente como um trabalho à parte, tanto que excluído da CLT. Assim, estudá-lo
sob o ponto de vista jurídico implica sempre compará-lo ao trabalho não doméstico,
comparar as leis que disciplinaram ambos os institutos.
O século XIX registrou debates legislativos sobre a regulação do trabalho
livre desde a década de 1830. Não obstante existissem alguns dispositivos nas ordenações
Filipinas, o primeiro regulamento específico a tratar de um contrato dessa espécie foi a
lei de 13 de setembro de 1830 (LAMOUNIER, 1988)20, que trazia rígidas disposições

20
Essa lei não era, ainda, numerada, e oficialmente é chamada apenas “Lei de 13 de setembro de 1830”.

93
para o prestador de serviço que não cumprisse sua obrigação, podendo permanecer preso
até indenizar o contratante:
Art. 4º Fóra do caso do artigo precedente, o Juiz de Paz constrangerá ao
prestador dos serviços a cumprir o seu dever, castingando-o correccionalmente
com prisão, e depois de tres correcções inefficazes, o condemnará a trabalhar
em prisão até indemnizar a outra parte.
Art. 5º O prestador de serviços, que evadindo-se ao cumprimento do
contracto, se ausentar do lugar, será a elle reconduzido preso por deprecada do
Juiz de Paz, provando-se na presença deste o contracto, e a
infracção. (BRASIL, 1830).

Havia, também, a possibilidade de prisão para o contratante que não pagasse,


mas esta ocorria somente após a condenação, enquanto o prestador de serviço estava
sujeito a prisões “correcionais” antes da condenação.
Nasce o trabalho livre no Brasil, portanto, sob o signo da coerção e de fortes
relações de dominação.
Na sequência, surgiram leis disciplinando contratos com colonos estrangeiros
e locação de serviços na agricultura. Discutia-se a necessidade de um instrumento legal
que se aplicasse aos nacionais, o que se agravou com as sucessivas leis que concediam
parcialmente a liberdade a alguns escravizados, como a lei do ventre livre. A questão se
ligava, também, à preocupação das autoridades à época em coibir a “vadiagem”. Os
projetos apresentados atendiam a um desejo de controle e direcionamento dos
trabalhadores, seja pelos proprietários de escravizados ou pelo governo. Os libertos
continuaram sob a gestão da lei do ventre livre, que os obrigava a permanecer sob
inspeção governamental durante cinco anos, tendo o dever de evitar a “vadiagem”. Já os
ingênuos21, depois de 21 anos seriam regidos pela lei de locação de serviços. À medida
que progridem as expectativas quanto à abolição geral, discute-se a necessidade de leis
para coibir “vagabundagem, mendicidade, parasitismo” e vadiagem. (LAMOUNIER,
1988).
As discussões entre juristas e legisladores eram conduzidas pelo viés de
conservar o controle e a dominação dos senhores, “atualizando” as antigas normas
vigentes na escravidão para o padrão dos trabalhadores livres, mas sem alterar as
estruturas de mando. Lamounier (1988) mostra como as sucessivas tentativas de legislar
ou alterar a legislação vinham a reboque das leis que foram aos poucos erodindo o sistema

21
Segundo Salles (2018, p. 126), os ingênuos eram as pessoas nascidas livres mas que, “por força da lei,
poderiam permanecer sob tutela de seus senhores até os 21 anos, se estes assim o desejassem, como ocorreu
em 95% dos casos”.

94
escravocrata, como a proibição do tráfico em 1850 e a lei do ventre livre. Havia uma
preocupação com uma transição “prudente”.
Essa regulamentação do trabalho livre iria dar origem, de forma mais visível
no século XX, a uma classe trabalhadora. Se essa regulação legal foi marcada pela
tentativa de manter estruturas de dominação, o caso do serviço doméstico é ainda mais
emblemático, pois eles se viram excluídos, ao longo de muito tempo, de direitos
concedidos à classe trabalhadora, estando alijados, na verdade, da própria integração a
essa categoria, sendo tratados na vida social e no mundo jurídico como uma classe
“especial”.
O serviço doméstico era regido por normas municipais, as chamadas Posturas
Municipais. Já no período pré-abolição, diversos municípios expediram regulamentos de
trabalho doméstico para o trabalhador livre, tornando os contratos mediados pela
secretaria de polícia, prevendo condutas para patrões e empregados, e punições como
multas para empregadores e prisão para trabalhadores. Mas um óbice a essa
regulamentação era a violação da privacidade no âmbito doméstico e da autoridade
pessoal dos patrões (TELLES, 2013).
No pós abolição, as posturas municipais tinham como base os relatórios do
Ministro da justiça, cujo objetivo maior era assegurar a ordem no ambiente das famílias
e coibir a vadiagem. Assim, as empregadas domésticas, comumente chamadas de “criadas
de servir”, eram submetidas a regras rígidas, e a um controle que era realizado por meio
da polícia (RODRIGUES, 2020). Os contratos de trabalho eram assentados perante o
delegado, em livros de inscrição de empregados e livros de certificados (TELLES, 2013).
Os “criados” possuíam uma caderneta na qual constavam registros de sua conduta moral,
trajetória de vida e de trabalho, bem como o motivo de eventuais dispensas. Havia, ainda,
um livro de inscrição do criado e um livro de registro. Existiam criadas que não recebiam
salário, apesar de isso haver sido estipulado na lei, trocando seus serviços apenas por
alimentação e moradia (COSTA, 2013). Em muitos códigos de postura, a trabalhadora
estava sujeita à demissão se ficasse doente ou se saísse à noite sem autorização, sendo
nítida, então, a intenção de controle (LOPES, J. 2020).
A domesticidade e o paternalismo também figuravam como elementos de
controle, e era no serviço doméstico que os senhores conseguiam manter mais forte a sua
ideologia, tanto que o trabalho doméstico prosseguiu sendo regido por uma lógica
escravista, mesmo quando livre. As leis da época já impunham uma série de restrições
sobre os trabalhadores, e os domésticos se submetiam a condições ainda piores, de modo

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a se poder afirmar que o escravismo foi o paradigma que norteou o serviço doméstico,
mesmo quando livre (LIMA, 2021)
Entretanto, assim como as pessoas escravizadas construíam seus mecanismos
de resistência, também as trabalhadoras livres buscavam se opor aos abusos. Em 09 de
fevereiro de 1890 foi realizado um comício de criadas e criados do Rio de Janeiro,
mobilizando-se contra as leis que regulamentavam os serviços de criados e amas de leite.
Tal mobilização teve como gatilho um edital publicado, exigindo a presença de todos eles
à delegacia de polícia, portando suas cadernetas, sob pena de serem considerados
vagabundos e punidos na forma da lei (COSTA, 2013).
Telles (2013) afirma que esse controle sobre as empregadas domésticas,
apesar de tudo, não foi sistemático nem duradouro, e que elas conseguiam opor
resistências diversas, por meio de mobilidade, ócio e furtos. A autora registra que o jornal
“O comércio de São Paulo”, em abril de 1903, trazia a lume a preocupação com a
identificação dos criados e com as cadernetas, para facilitar a prisão em caso de fuga ou
furto. Em 1914, outro jornal sugeria a aprovação de regulamento dos empregados
domésticos, sobretudo em razão da dificuldade dos patrões para controlá-los e para fazer
frente a questões como o furto.

As sessões legislativas sobre criados domésticos no período anterior e posterior


a abolição em São Paulo evidenciam que a transformação das relações de
trabalho foi um processo cadenciado pelos embates entre as necessidades dos
patrões e as agências dos empregados, que as legislações acompanhavam em
diferentes contextos. A relação de forças hierárquicas expressas nas posturas
revela o comprometimento do poder legislativo e policial no controle sobre os
trabalhadores pobres que agiam na contramão dos interesses dos patrões.
(TELLES, 2013, p. 80)

Havia muita alternância entre um trabalho e outro, uma casa e outra, e em São
Paulo, apesar de haver previsão de “justa causa” nas posturas municipais, dificilmente
essas causas eram mencionadas nas cadernetas, pois a recusa dessas trabalhadoras em
permanecer era, em grande parte, decorrência das tentativas de impor disciplina
semelhante à da escravidão. (TELLES, 2013)
Finalmente, com a edição do Código Civil de 1916, a prestação de serviço
doméstico ficou sob sua tutela, capítulo IV, seção II, que dispunha sobre a locação de
serviços. Nos termos do citado código, artigo 1216, “Toda a espécie de serviço ou
trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.”
(BRASIL, 1916).

96
A retribuição, que ainda não se chamava “salário”, seria objeto de acordo
entre as partes; não havendo acordo, seria fixada por arbitramento, em conformidade com
o costume local, o tempo e a qualidade do serviço, sendo paga depois de terminado o
serviço, salvo existência de alguma convenção em contrário (artigos 1212 e 1219). Havia
prazo limite de quatro anos para o contrato, podendo, porém, ser rescindido mediante
aviso prévio (BRASIL, 1916).
Ao mesmo tempo em que era altamente desvalorizado, o trabalho doméstico
surgia como fonte de renda de muitas brasileiras. Em conformidade com recenseamento
realizado em 1920, na cidade de São Paulo, os brasileiros ocupavam predominantemente
os setores de serviços, sobretudo atividades de correios, telégrafos e telefones, força
pública, administração pública, profissões liberais e serviços domésticos. Havia cerca de
10 mil trabalhadoras nessa função (domésticas), o que fornecia uma ideia tanto da má
distribuição de renda quanto da quantidade de pessoas “excedentes”, visto que o trabalho
doméstico costuma ser tido como uma ocupação residual. (BARBOSA, 2008).
Fausto (1984) afirma que era mais comum acharem-se as empregadas
domésticas em processos criminais do que em processos cíveis. Ele relata que, entre 1880
e 1924, classificando-se as vítimas de crimes sexuais, 41% eram empregadas domésticas
e 19,5% eram mulheres em “serviços domésticos”, que corresponderiam a lavadeiras,
passadeiras, faxineiras e costureiras que não residiam na casa dos patrões. O autor salienta
que, embora as mulheres pobres fossem vítimas mais frequentes desse tipo de crime,
havia ainda uma relação explicativa especial: o abusador quase sempre era patrão ou filho
do patrão. Na maioria dos casos, a defesa se focava na desqualificação da empregada, em
contraste com o perfil “sério e promissor” do acusado. A sociedade considerava normais
as “brincadeiras” dos jovens com as empregadas, e quando se chegava a um processo, a
finalidade maior era proteger os rapazes. Quando o acusado era o patrão, as mulheres
geralmente acobertavam. Os demais empregados se esquivavam, quando não defendia
abertamente o patrão e seus familiares
Era frequente, também, a prisão de lavadeiras, a maioria ex-escravizadas,
acusadas de vagabundagem (TELLES, 2013). Nos anos de 1912, 1915, 1917 e 1920, as
empregadas domésticas perfaziam a incrível porcentagem de 80% das mulheres presas
no decorrer de um mês (SOUZA, 2013) .
Não há uma base de dados unificada para se realizar pesquisa jurisprudencial
em relação a esse período, a fim de aferir a posição do judiciário em relação ao serviço
doméstico e a eventuais demandas judiciais de tais trabalhadoras. Seu acesso à justiça,

97
suas postulações nesses primeiros anos do século XX, tudo isso parecem ser questões
ainda pouco exploradas. Merece destaque, todavia, um acórdão localizado por meio de
pesquisa na hemeroteca digital, nos arquivos do jornal do Commercio do Rio de janeiro,
no qual é reconhecida a prestação de serviços domésticos em detrimento da alegação de
concubinato22. Mais ainda: o acórdão dispõe que todo trabalho lícito, como a da criada,
presume-se remunerado:

Justiça local. Corte de apellação . Terceira câmara Apellaçao cível n. 973

Todo trabalho lícito, como inquestionavelmente o é, o da criada e da


enfermeira, se presume remunerado. Não pode o patrão furtar-se à
remuneração de serviços dessa natureza, por ter durante o tempo em que fôram
os mesmos prestados vivido em concubinato com a empregada, sua doméstica.
A acção dos serviçaes para o pagamento dos seus salários prescreve em cinco
anos, contados do dia em que o salário fôr exigível, isto é, no caso ocurrente,
no fim de cada mês.
Vistos etc.:
Acordam os juízes da 3ª câmara da corte de Apellação, constituindo a quinta
turma julgadora, em dar provimento à apelação, por termo a fl. 89, para,
reformando em parte a sentença apelada, condemnar os reos a pagarem à
autora, pelo tempo decorrido de 2 de outubro de 1919 a 2 de outubro de 1924,
a quantia de 160$000 mensaes, como salários devidos à mesma autora, por
serviços de domestica e, por utimo, de enfermeira, prestados a Alceu José
Coelho da Rocha, irmão dos reos e do qual estes são os únicos herdeiros.
Bem decidiu a referida sentença, considerando os reos obrigados à
remuneração de taes serviços, isso por estar provado dos autos a prestação dos
mesmos, e por ser principio de direito que nenhum serviço lícito se pode
presumir gratuito ou não remunerado.
Pouco importa, para o caso, a circunmstancia, também provada nos autos, de
ter o de cujus se tornado amante da autora, passando a viver maritalmente com
a mesma, até o dia de sua morte, porque, como já decidiu este tribunal,
confirmando uma sentença do Dr. Juiz da 7ª pretoria cível (fl. 71), todo
trabalho lícito – como inquestionavelmente é de que se trata, criada a
enefermeira – se presume remunerado, não podendo o patrão furtar-se a essa
remuneração, sob o fundamento de ter vivido com a empregada ou doméstica,
durante o tempo em que os serviços foram prestados, pois só a mulher legítima
é que, pelo casamento, assume, com os apelidos do marido, a condição de sua
companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família (art. 240 do Código
Civil): mas então corre também ao marido a obrigação de, durante toda a
existencia da sociedade conjugal, manter a mulher e ampará-la, resguardando-
a de necessidades presentes e futuras (art. 233, n. V, do citado código).
(...)
Rio, 15 de maio de 1930.
Saraiva Junior, presidente
Sampaio Vianna, relator
Fructuoso de Aragão
Leopoldo de Lima

(Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. 1930, edição 00137)

22
Uma cópia do documento consta em anexo da presente pesquisa, gentilmente cedida por email enviado
ao Centro de Pesquisa Histórica, mediante pagamento de valor módico.

98
Embora o acórdão sedimente o “lugar” da mulher casada, ele possui diversos
elementos que o destacam como um pronunciamento judicial à frente do seu tempo, pois
reconhece, em primeiro lugar, a diferença entre trabalho e “amor’, nos moldes postulados
por autoras feministas contemporâneas como Silvia Federici, e afirma que esse trabalho
presume-se remunerado, ou seja, na visão da corte, já existe um pré-consenso no sentido
de que há um significado econômico-financeiro embutido no serviço doméstico23.
Até o ano de 1923, o serviço doméstico continuou sendo regulado pelo
Código Civil. Em 06 de janeiro de 1923, a lei 4.632 instituiu a carteira de identidade para
os domésticos. Nesse mesmo ano, foi aprovado o Decreto nº 16.107, de 30 de Julho de
1923, que regulamentava a locação dos serviços domésticos, definindo como domésticos:

... os cozinheiros e ajudantes, copeiros, arrumadores, lavadeiras, engomadeira,


jardineiros, hortelões, porteiros ou serventes, enceradores, amas secas ou de
leite, costureiras, damas de companhia e, de um modo geral, todos quantos se
empregam, à soldada, em quaisquer outros serviços de natureza idêntica, em
hotéis, restaurantes ou casas de pasto, pensões, bar, escritórios ou consultórios
e casas particulares (BRASIL, 1923).

Nesse momento, portanto, a categoria não abrangia somente aqueles que


desenvolviam atividades em ambiente residencial. O que definia o doméstico não era o
local de trabalho, e sim o tipo de atividade. O decreto previa uma série de medidas de
controle, como a obrigação de apresentar a carteira de identificação à delegacia do
respectivo distrito sempre que a trabalhadora deixasse algum emprego, conforme previsto
no artigo 7º. Nessa carteira constavam, além dos dados do contrato, a declaração expressa,
aposta pelo patrão, a respeito da conduta e aptidão profissional (artigo 10, c). Eventual
litígio sobre a recusa para fazer tais anotações seria decidida pelo delegado de polícia, em
conformidade com o artigo 11. O decreto previa, também, no artigo 22, justas causas para

23
Muitos julgados atuais deixam de reconhecer a relação de trabalho quando há uma relação familiar.
Existem vários acórdãos que deixam de reconhecer até mesmo o vínculo da esposa do caseiro com o dono
da propriedade, mesmo que ela trabalhe em benefício daquele. Por trás da argumentação, percebe-se a ideia
de que esse trabalho é desempenhado por uma espécie de “senso de colaboração”, ou ainda como se a
mulher fosse mera extensão do marido. Nesse sentido, o acórdão: EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO.
MULHER DE CASEIRO. INEXISTÊNCIA. É bastante comum a esposa auxiliar o marido nas tarefas
diárias ou, esporadicamente, em afazeres domésticos, tanto de seu lar como da casa-sede da Fazenda.
Pode-se até dizer que é um costume e que a esposa, muitas vezes, o faz por sua própria liberalidade. Para
que reste configurado o vínculo empregatício em situação tão peculiar, faz-se necessária produção de
prova robusta que demonstre a presença simultânea dos requisitos principais (art. 3º da CLT). Recurso
desprovido. (TRT18, RO - 0010085-94.2015.5.18.0001, Rel. GERALDO RODRIGUES DO
NASCIMENTO, 1ª TURMA, 04/12/2015)

99
a ruptura do contrato por ambas as partes, e possibilitava a ruptura, mesmo sem causa,
mediante a concessão de aviso prévio (BRASIL, 1923).
É importante destacar que, a essa altura, já se constituía no Brasil um
movimento feminista atuante, que chegou a pautar, sem sucesso, a inclusão das
domésticas na lista de beneficiárias de certos direitos buscados para as “operárias”. Com
o advento da era Vargas, notou-se grande evolução nos direitos trabalhistas em geral, com
regulamentação de férias, reconhecimento de normas coletivas, limitação de jornada, e a
própria instalação de juntas de conciliação e julgamento, que dariam origem à justiça do
trabalho, que obteve pleno funcionamento no ano de 1943. Mas, no que diz respeito às
domésticas, mais uma vez elas foram tidas como alheias à classe trabalhadora.
MARQUES (2020) recupera um pouco dessa história, examinando o debate em torno da
regulamentação do serviço doméstico no âmbito do primeiro governo de Getúlio Vargas.
Para ela, a exclusão de tais trabalhadoras da proteção legal foi uma escolha política,
construída por vários atores, como, evidentemente, os parlamentares, mas também setores
da igreja católica e o próprio movimento feminista, por meio da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino (FBPV), que terminou recuando das posições defendidas no começo
da década de 1930.
Em março de 1931, foi editado o Decreto 19.770, que regulou a sindicalização
das classes operárias e patronais, fazendo constar, em seu artigo 11, a exclusão de quem
prestava serviços domésticos (BRASIL, 1931). Essa exclusão do direito à sindicalização
perdurou por longo tempo.
Em março de 1932, o decreto nº 21.175, instituiu a Carteira de Trabalho para
empregados do comércio e da indústria, tacitamente excluindo trabalhadores domésticos.
Em maio desse mesmo ano, surgiu o Decreto-lei 21.417, regulando “condições do
trabalho das mulheres nos estabelecimentos industriais e comerciais”, sem qualquer
referência às trabalhadoras domésticas (BRASIL, 1932; MARQUES, 2020).
Finalmente, em 1933, Bertha Lutz, feminista atuante no país, incluiu as
domésticas em seu discurso eleitoral, afirmando que o direito de trabalho igual para
salário igual deveria se estender a todas as trabalhadoras. Todavia, na Constituinte de
1934, direitos como o afastamento após o parto alcançavam apenas a operária. O
deputado João Beraldo, próximo a Bertha, questionou a não extensão de tal direito às

100
domésticas, sendo aparentemente24 o autor da emenda que estendia esse benefício a essas
trabalhadoras (BRASIL, 1934; MARQUES, 2020).
Com a Constituição de 1934, foi consagrada a competência da União para
regulamentar as relações de trabalho e foram instituídos muitos direitos sociais. Todavia,
se a Constituição não se referia expressamente à exclusão das domésticas quanto a tais
direitos, a legislação ordinária já o fazia. Da mesma forma, a legislação previdenciária
deixava de fora os trabalhadoras domésticas, que além disso, não eram sindicalizadas, o
que, para Carvalho (2016), era decorrência de uma concepção de política social como
privilégio, e não como direito, pois, se direito fosse, deveria beneficiar a todos.
Em 1936, a lei n. 185 instituía um salário-mínimo sem excluir expressamente
os trabalhadoras domésticos, o que gerou repercussão na imprensa, onde reverberou a
preocupação com o orçamento das famílias (BRASIL, 1936; MARQUES, 2021)
Em fevereiro de 1941, foi editado o Decreto-lei 3.078, de âmbito nacional,
que assegurava a carteira de trabalho ao doméstico e o definia como aquele que, mediante
remuneração, prestava serviço em residências particulares ou em benefício destas. O
contrato deveria ser anotado na carteira, e o Ministério do Trabalho deveria promover os
estudos necessários para a inclusão de tais trabalhadores na previdência. O decreto previa,
ainda no artigo 7º, “a”, que era dever do empregado “prestar obediência” e respeito ao
empregador, além de zelar pelos interesses dele (alínea e). Os serviços de identificação e
de expedição de carteiras profissionais permaneciam a cargo das polícias, nos termos do
artigo 11 (BRASIL, 1941).
Em 1943, desponta a Consolidação das leis do Trabalho, um marco na
história dos direitos sociais no Brasil, e dessa consolidação as empregadas domésticas são
excluídas expressamente, por força do artigo 7, “a” (BRASIL, 1943).
Marques (2021) registra que, a essa altura, as feministas da Federação
Brasileira para o Progresso feminino haviam recuado completamente de sua posição
crítica, chegando ao ponto de a feminista Maria Luiza Bitetencourt afirmar que, para
regular contratos domésticos, os costumes seriam suficientes.
Em 1949, adveio a lei 605, que disciplinava o repouso semanal remunerado,
e dele as trabalhadoras domésticas também foram excluídas expressamente, por força do
artigo 5º, inciso a, revogado apenas por meio da lei 11324/2006. (BRASIL, 1949).

24
Marques atribui a autoria da emenda ao deputado pelo fato de ter sido ele o primeiro signatário.
(MARQUES, 2020, pág. 192).

101
Safiotti (1978) registra que, até 1956, os locadores de serviços que
trabalhavam em condomínios sofriam com idêntica privação de direitos, por serem
considerados domésticos, todavia, a lei 2.757/56 passou a distinguir esses trabalhadores,
que foram incorporados à CLT.
Em 1960, os empregados domésticos passaram a ser considerados segurados
facultativos da previdência social, nos termos do artigo 161 da lei 3.807/60 (BRASIL,
1960)
Em 1963 surgiu o projeto de lei 181/63, de autoria do senador Vasconcelos
Torres, que pretendia estender aos domésticos os benefícios previstos na CLT. Por meio
do parecer 843/68 o relator, Sr. Bezerra Neto, opinou pela rejeição. Na justificativa,
alegou que a reparação das injustiças já vem sendo feita ao longo do tempo, por meio da
inclusão desses trabalhadores em regimes de previdência e por força da proteção quanto
a acidentes de trabalho. Argumentou que eles foram excluídos da CLT em razão de não
poderem as famílias arcar com os custos decorrentes de um contrato celetista (SENADO,
1968).
Nesse mesmo ano, novo projeto de lei dispôs sobre a criação do instituto da
empregada doméstica, com a finalidade de educá-la e distribuí-la em agências de
emprego. Para educar, seriam criadas escolas de aprendizagem. Havia previsão de
pagamento de uma taxa pelas empregadas que fossem alocadas em trabalhos, e os patrões
teriam a obrigação de lhes fornecer “tratamento humano”, além de pagar férias e conceder
licença remunerada para tratamento de saúde por até 15 dias. O projeto foi assinado por
Adalgisa Neri, parlamentar integrante dos quadros do PSB (Partido Socialista Brasileiro),
e conhecida por sua atividade como escritora e poeta. (CPDOC, 1968)
Ainda, surgiu o projeto Franco Montoro (836/63) para criar uma fundação de
previdência e assistência para cuidar da proteção a essas trabalhadoras. Para analisar tal
projeto, constituiu-se uma comissão de empregadas, donas de casa e assistentes sociais.
Nas discussões, foi feito o registro de que o empregado doméstico “encontra-se
praticamente à margem de qualquer proteção social, em situação de verdadeiro abandono.
Suas relações de trabalho guiam-se, antes pelos usos e costumes, do que pelas leis”
(CPDOC, 1963).
Importante registrar que, na ocasião, a Casa das Domésticas enviou ao
deputado uma pesquisa feita sob patrocínio da casa e da escola de serviço social da
Universidade Católica de Minas Gerais, que aferia, dentre outras coisas, o quanto as
trabalhadoras sentiam-se valorizadas e úteis para a sociedade. Os resultados foram os

102
seguintes: 85% das domésticas se acham úteis à sociedade; 51% gostam da profissão;
54% se sentem diminuídas nela; 33% acham que a sociedade lhes dá valor; 5% desejam
deixar a profissão; 18% estão satisfeitas com o salário que recebem atualmente; 98%
estão dispostas a lutar para reivindicar seus direitos. No tocante aos empregadores, foi
noticiado que 75% das famílias “ricas”, 95% das de classe média e 54% das de classe
média “inferior” eram favoráveis à proteção previdenciária para domésticas (CPDOC,
1963). Esse documento constitui um registro importante da atuação das empregadas
domésticas na luta por direitos.
Nesse mesmo ano de 1963, a associação das empregadas domésticas de São
Paulo enviou para apreciação parlamentar, especificamente para a câmara dos deputados,
um projeto de lei disciplinando o trabalho doméstico e outro buscando estender-lhes o
FGTS. A jornada é limitada a dez horas diárias, com duas horas de intervalo intrajornada
e com 10 horas de intervalo interjornada. O projeto assegura, também, descanso semanal
remunerado de 24 horas ininterruptas, devendo recair em domingo ao menos uma vez por
mês. Prevê férias remuneradas de 20 dias úteis e 13º salário, chamado de gratificação
anual. Ainda: licença de quatro semanas à gestante, com indenização de um salário caso
ela seja demitida em razão do estado gravídico, possibilidade de formação de associações
profissionais, inclusão como segurados obrigatórios da previdência, com instituição de
seguro obrigatório para os casos de acidentes de trabalho e moléstias profissionais. Na
fundamentação, a associação expõe as dificuldades encontradas pela categoria, incluindo
a falta de limitação do horário, o trabalho sem descanso e sem a possibilidade de se voltar
para outras atividades “que o tornem plenamente humano”. Nesse mesmo documento é
ressaltada a dificuldade do doméstico de obter provas para serem utilizadas na Justiça do
Trabalho ( CPDOC, 1963).
Parecer da Comissão de Constituição e Justiça examinou conjuntamente os
projetos 237/63, 1.477/63, 2.573/65 e 836/63, todos tratando da situação dos empregados
domésticos, separando-os em dois blocos: regulamentação da profissão e extensão da
cobertura previdenciária. Decidiu-se examinar somente o da cobertura previdenciária,
pois havia promessa do executivo de remeter um projeto disciplinando a profissão. E
assim se passaram longos anos sem que o legislativo atendesse aos apelos da categoria
(CPDOC. Parecer, 1963).
Em 1964, foi enviado ao Ministério da justiça um anteprojeto do Código do
Trabalho, que mencionava os empregados domésticos em 16 artigos, mas que
regulamentava a profissão em termos vagos no tocante a horário e concedia férias

103
reduzidas, de no máximo 15 dias consecutivos, além de simplificar bastante os motivos
para rescisão (SAFIOTTI, 1978).
Em 1972, adveio a lei 5.859/72, definindo o trabalhador doméstico como
aquele que prestava serviços de natureza contínua e finalidade não lucrativa a pessoa ou
família, no âmbito residencial destas. A lei trazia direito a férias remuneradas de 20 dias
úteis, ao invés dos 30 dias corridos usuais, e excluía diversos direitos, tais como o FGTS.
Tornou o empregado doméstico segurado obrigatório da previdência (BRASIL, 1972).
Essa primeira lei, mesmo negando vários direitos, suscitou reações negativas
por considerar que se estava concedendo “demais” a essas trabalhadoras. Juristas se
dividiam e demonstravam ceticismo quanto à definição de empregada doméstica.
Discursos anunciando um futuro catastrófico para as trabalhadoras domésticas eram
publicados em alguns jornais, prognosticando redução drástica de postos de trabalho e
aumento de prostituição. Empregadores também reagiam, demonstrando que as
domésticas já auferiam diversos benefícios extras, como moradia e alimentação. Por outro
lado, tais empregadas tinham, já, as suas associações constituídas, as quais professavam
um discurso de inclusão plena das domésticas como efetivas trabalhadoras. Mas a não
inclusão de tais trabalhadoras na CLT era defendida pelo próprio Ministro do Trabalho,
que afirmava que o país não estava preparado para tanto (KOFES, 2011).

4.4 . A Constituição de 1988

O advento da Constituição trouxe novos direitos à categoria, porém ainda de


forma incompleta. A Assembleia Nacional Constituinte foi instaurada em 01.02.1987,
composta por 559 congressistas, dos quais 26 eram mulheres. Não se tratava de uma
bancada politicamente homogênea, havendo mulheres de diversos espectros políticos, a
maioria filiada ao PMDB. O partido dos trabalhadores contava com duas constituintes,
Irma Passoni e Benedita da Silva, com destaque para esta última, que já havia
desenvolvido a função de empregada doméstica. Ela apresentou 92 emendas, das quais
25 foram aprovadas (SOUZA, 2008).
O tema referente às trabalhadoras domésticas foi amplamente debatido na
subcomissão dos direitos dos trabalhadores e servidores públicos, presidida pelo
Deputado Geraldo Campos, do PMDB-DF, a qual, por sua vez, integrava a comissão da

104
ordem social, presidida pelo deputado Edme Tavares, do Partido da Frente Liberal-PB25
(LACERDA et all, 2018; PILLATI, 2019). O anteprojeto, no tópico sobre direitos dos
trabalhadores, dizia respeito a todas as categorias, incluindo as domésticas. Na ocasião, a
representante dessas trabalhadoras, Lenira de Carvalho, entregou à assembleia um
documento – Carta das Trabalhadoras Domésticas aos Parlamentares constituintes -
diretamente a Ulysses Guimarães, presidente da assembleia constituinte. Ela proferiu um
discurso no qual são perceptíveis os anseios de reconhecimento, nos termos dispostos por
Honneth:

É por isso que vimos, hoje, cobrar, como todos os trabalhadores estão
cobrando, porque nós, domésticas, também votamos. Trabalhamos e fazemos
parte deste País, muito embora não queiram reconhecer o nosso trabalho,
porque não rendemos e não produzimos. Mas, estamos conscientes de que
produzimos e produzimos muito. E achamos que, numa hora em que há uma
Constituinte, uma nova Constituição para fazer, acreditamos, temos a
esperança de que vamos fazer parte dessa Constituição. Não acreditamos que
façam uma nova Constituição sem que seja reconhecido o direito de 3 milhões
de trabalhadores deste País. Se isso acontecer, achamos que, no Brasil, não há
nada de democracia, porque deixam milhares de mulheres no esquecimento
(LACERDA et all, 2018, p. 95 e 98)

Veja-se como a teoria de Honneth amolda-se ao discurso. A autora utiliza o


termo “reconhecimento”, postulando o direito de ser lembrada como integrante da
formação de vontade na esfera discursiva (“porque nós, domésticas, também votamos”).
Ela reivindica reconhecimento por ter consciência de que produz e de que é um ser capaz
de integrar a sociedade de forma racional e de contribuir para a formação coletiva da
vontade.
A referida carta dispunha:

Exmos.Srs.
Deputados Federais e Senadores Constituintes
(...) Somos a categoria mais numerosa de mulheres que trabalham neste país,
cerca de 1⁄4 (um quarto) da mão-de-obra feminina, segundo os dados do V
Congresso Nacional de Empregadas Domésticas, de janeiro de 1985. Fala-se
muito que os trabalhadores não produzem lucro, como se lucro fosse algo que
se expressasse, apenas e tão somente, em forma monetária.
Nós produzimos saúde, limpeza, boa alimentação e segurança para milhões de
pessoas. Nós, sem termos acesso à instrução e cultura, em muitos casos,
garantimos a educação dos filhos dos patrões. Queremos ser reconhecidos
como categoria profissional de trabalhadores domésticos e termos direitos de
sindicalização, com autonomia sindical. Reivindicamos o salário-mínimo real,
jornada de 40 (quarenta) horas semanais, descanso semanal remunerado, 13o
salário, estabilidade após 10 (dez) anos no emprego ou FGTS (Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço) e demais direitos trabalhistas consolidados.
Extensão, de forma plena, aos trabalhadores domésticos, dos direitos
previdenciários consolidados. Proibição da exploração do trabalho do menor

25
Atualmente, o partido se denomina Democratas

105
com pretexto de criação e educação. Que o menor seja respeitado em sua
integridade física, moral e mental. Entendemos que toda pessoa que exerce
trabalho remunerado e vive desse trabalho é trabalhador e consequentemente,
está submetido às leis trabalhistas e previdenciárias consolidadas.
Como cidadãs e cidadãos que somos, uma vez que exercemos o direito de
cidadania, através do voto direto, queremos nossos direitos assegurados na
nova Constituição”
(RAMOS, 2018, p. 61).

Importante destacar que o tom da carta, no mesmo sentido do discurso, é de


reivindicação de justiça, e não de compaixão, solidariedade ou “tratamento humanitário”.
Isso se contrapõe justamente ao discurso parlamentar em vigor até então, que se
compadecia da situação das empregadas, mas sempre colocava o atendimento de suas
reivindicações como questões de humanidade, o que, em última análise, seria a concessão
de um favor. É patente, portanto, a recusa do tom paternalista. Merece atenção, também,
o questionamento a respeito da finalidade econômica/lucrativa do trabalho doméstico,
que foi e é objeto de discussão no âmbito do movimento feminista. O tema do trabalho
infantil também foi abordado de maneira incisiva, demonstrando entendimento no sentido
de ser incabível o pretexto de “criar” crianças pobres para usufruir dos seus serviços.
Apesar disso, foram comuns os discursos de parlamentares mencionado as
empregadas como pessoas “quase da família”:

“Como se fosse da família”, portanto, não parece ser exatamente uma escusa
às exigências que estavam sendo feitas pelas trabalhadoras domésticas, mas
uma espécie de álibi para se desresponsabilizar da condição de vulnerabilidade
generalizada a que elas estavam submetidas. Ao argumentar que fazem as
mencionadas concessões generosas àquelas que prestam serviço em suas casas,
tentam deslocar o debate para uma questão pessoal, desonerando a dimensão
de disputa de poder que a permeia.
(RAMOS, 2018, p. 75/76)

A constituinte possuía uma comissão de sistematização, responsável por


receber os anteprojetos das comissões temáticas e elaborar o anteprojeto base, ao qual
qualquer constituinte poderia propor emendas. Depois de aprovado preliminarmente o
anteprojeto, ficaria novamente em discussão no plenário por 40 dias, sendo que nos 30
primeiros poderiam ser apresentadas novas emendas, inclusive populares (PILATTI,
2018). Nessa comissão de sistematização, a atuação de parlamentares mais
conservadores apresentou emendas retirando do texto a concessão de direitos às
trabalhadoras domésticas. Numa tentativa de não perder tudo, a deputada Benedita da
Silva negociou a permanência de alguns direitos. (LACERDA et al, 2008)

106
A Constituição, em 1988, estendeu às domésticas mais alguns direitos, porém
elas continuaram compondo uma categoria “especial”, excluída, por exemplo, das
determinações atinentes à jornada. De 34 diretos assegurados à classe trabalhadora,
somente nove foram estendidos, também, às domésticas (BRASIL, 1988).
Após a Constituição, a lei dos domésticos sofreu algumas alterações ao longo
dos anos, tornando facultativa a inclusão da trabalhadora no FGTS (e consequentemente
também o acesso ao seguro-desemprego) e concedendo estabilidade provisória à
empregada gestante.
Em 1991, a categoria foi incluída na Lei n° 8.212/91, sendo-lhes assegurados
diversos benefícios previdenciários.
Por fim, através da Emenda Constitucional 72/2013 foram estendidos outros
direitos, como a limitação da jornada de trabalho, reconhecimento das convenções e
acordos coletivos, dentre muitos outros, mas ainda subsistiram algumas desigualdades,
não havendo previsão para pagamento de adicional de insalubridade, periculosidade e
penosidade, piso salarial proporcional à extensão e complexidade do trabalho, jornada
para turnos de revezamentos (que poderia ser aplicada a cuidadores) e proibição de
distinção quanto a trabalho manual, técnico e intelectual. A Emenda Constitucional teve
grande impacto midiático, sendo chamada, por alguns, de “nova abolição”. Por outro
lado, especulou-se que elevaria os custos para os empregadores e poderia redundar em
demissões e informalidade, sendo ressaltada, também, a dificuldade de fiscalização da
jornada (BRASIL, 1991; BRASIL, 2013).
Em 2015 foi publicada a lei complementar n. 150, de 01.06.2015, que
passou a ser o novo regulamento do serviço doméstico no país. Essa lei pôs fim à
controvérsia judicial da distinção entre empregada e diarista, firmando, de modo
pragmático (dir-se-á, também, aleatório) que só terá vínculo a empregada que trabalhar
na mesma residência por mais de dois dias na semana. Traz disposições sobre horas
extras, adicional noturno, e diversos outros direitos, regulamentando o que fora fixado
na Constituição.
Em fevereiro de 2018, o Brasil ratificou a Convenção 189 da OIT, sobre
trabalho doméstico, aprovada pelo decreto n. 172, de 2017, que dispõe, dentre outros
itens, sobre a proteção aos direitos humanos dos trabalhadores domésticos, liberdade de
associação e liberdade sindical, eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou
obrigatório, erradicação efetiva do trabalho infantil, eliminação de discriminação em
matéria de emprego e ocupação, condições equitativas de emprego, condições de trabalho

107
decentes, respeito à privacidade para aqueles que residem no emprego, informações sobre
as condições de emprego e preferência com contrato escrito, com disposição especial para
o caso dos trabalhadores migrantes, além de garantir inúmeros outros direitos (BRASIL,
2017).

4.5. Trabalho digno e trabalho decente

A organização internacional do Trabalho – OIT tem se dedicado à promoção


do trabalho decente no mundo. Em 2013, a entidade propôs a adoção de uma “agenda do
trabalho decente”, cujo objetivo era fomentar nos países a adoção de políticas públicas
para efetivação do pleno emprego em condições dignas. As principais frentes para se
estabelecer um trabalho decente são a fixação de critérios mínimos, ou padrões no que
diz respeito a remuneração, liberdade de contratação e desenvolvimento das atividades,
segurança, fim do trabalho infantil, promoção de vida digna para o que vivem do trabalho,
incluindo ainda uma agenda de não-discriminação (PRONI, 2013; PRONI e ROCHA,
2010).

Um trabalho decente implica, conforme a proposição da OIT, não apenas ter


um emprego de qualidade, mas também a existência de um marco regulatório
da atividade laboral e da relação de trabalho. Implica, ademais, gozar de
adequados níveis de proteção frente às adversidades (acidentes e
enfermidades) e durante a velhice. Implica, ainda, o direito e a possibilidade
de representar ou se sentir representado e, desse modo, participar em processos
de diálogo social não só́ em nível microeconômico (a empresa) como também
em âmbito municipal, estadual e nacional. (PRONI E ROCHA, 2010, p. 14)

O trabalho decente, nos termos dispostos pela OIT, articula-se com o trabalho
digno. Mas o que é um trabalho digno? Tem o mesmo significado de trabalho decente?
Há uma longa discussão sobre o próprio conceito de “dignidade”, não cabendo, nos
limites desta pesquisa, investigações filosóficas profundas sobre o tema, de modo que de
antemão será adotada a concepção de Gosdal (2006), para quem a dignidade é uma
construção histórica, vinculada ao pensamento da modernidade e ao surgimento do
trabalho sob a forma capitalista. Trata-se de uma categoria aberta, de caráter dinâmico,
permanentemente atualizada. (GOSDAL, 2006).
Ainda segundo Gosdal (2006), a dignidade, em conformidade com um
enfoque trabalhista, pode ser entendida a partir da noção de trabalho decente da OIT.
Nesse mesmo sentido, Proni e Rocha (2010) dispõem que a dignidade está no cerne da
agenda de trabalho decente da OIT.

108
Se tanto trabalho decente quanto trabalho digno encontram-se entrelaçados
na agenda da OIT, percebe-se que o trabalho decente está mais assentado em condições
materiais, tais como remuneração, jornada e segurança, enquanto o trabalho digno
encontra-se mais associado à noção de reconhecimento social, a uma comunidade de
valores morais. Assim, a noção de reconhecimento possui um papel importante na
articulação entre as categorias trabalho decente e trabalho digno (ROSENFIELD e
PAULI, 2012).

É possível, pois, inserir o trabalho, simultaneamente, na esfera do direito e da


solidariedade social. A noção de reconhecimento é capaz de alçar o trabalho
ao ponto de cruzamento entre as noções de cidadania e de dignidade, afeita,
como já́ mencionado, à noção de direitos humanos (ROSENFIELD e PAULI,
2012, p. 325)

Com base nesse aporte teórico, surge o questionamento: o trabalho doméstico


é um trabalho decente? É um trabalho digno?
Em 2008 a OIT tomou a decisão de incluir na agenda da 99ª sessão da
Conferência Internacional do Trabalho a elaboração de normas para o trabalho doméstico.
A conferência ocorreu em 2010, e em 2011 a OIT aprovou a Convenção n. 189, em
2011, ratificada pelo Brasil por força do Decreto legislativo 172/2017, e depositada no
escritório da organização no ano de 2018 (ILO, 2018).
A adoção pelo Brasil da Convenção 198 é bastante recente, e há, no geral,
compatibilidade entre seu texto e a legislação brasileira. Todavia, como afirmaram
Gomes e Tortell (2015), há uma grande dissonância prática entre a Convenção e a
realidade brasileira, na qual se vê muita informalidade e a prática do trabalho doméstico
infantil. Outro ponto relevante diz respeito às dificuldades de fiscalização do trabalho
doméstico.
Existe também um grande déficit no quesito saúde e segurança do trabalho.
Para Supiot (2016), o trabalhador, no exercício de suas atividades, arrisca a sua
integridade física, e foi para proteger essa integridade que o direito do trabalho se
constituiu. No caso do serviço doméstico, essa proteção é incompleta e falha. Como
alertam Gomes e Tortell (2015, p. 155), “o trabalho doméstico por ter uma residência
como o local de trabalho é erroneamente visto como uma forma segura de trabalho”.
Existem, todavia, riscos químicos, físicos e por vezes biológicos, e não há qualquer
regulamentação atinente à matéria, com análise dos riscos e meios de eliminá-los.

109
Há uma romantização do cotidiano doméstico, tido como local seguro e isento
de riscos. Entretanto, isso não se coaduna com a realidade, como se vê na conclusão de
pesquisa específica sobre o tema:

Conclui-se que as empregadas domésticas estão expostas a diversos riscos


durante suas atividades laborais, tais como: queda, morte, choque elétrico,
fraturas, lesões, cortes, problemas posturais, luxações, dermatites de contato,
queimaduras, dores de cabeça, estresse, danos à audição, entre outros.
Em relação ao perfil destas profissionais, conclui-se que a maior parte
encontra-se em uma faixa etária de 40-50 anos, com baixo nível de
escolaridade, mais da metade já́ sofreram acidentes de trabalho, uma grande
porcentagem delas nunca recebeu treinamentos sobre segurança do trabalho e
consideram-se estressadas.
De forma a evitar a ocorrência de acidentes recomenda-se que as trabalhadoras
passem por um curso de capacitação em saúde e segurança do trabalho, onde
possam adquirir conhecimento dos riscos a que estão expostas e o modo de
como preveni-los. (BRASIL, 2014).

A naturalização alcança não só o ambiente, como também a própria


atividade, inclusive entre as trabalhadoras.
De um modo geral, as condições materiais para o trabalho decente encontram-
se nas normas, com algumas exceções, conforme visto no tópico anterior. Mas a falta de
políticas públicas e de interesse na concretização dos direitos é um óbice ao atendimento
dos requisitos previstos na norma.
No que diz respeito ao aspecto do reconhecimento vinculado à dignidade,
Lhuilier (2014, p. 16) aponta a existência de uma divisão moral do trabalho que cria um
campo de trabalho que ele denomina de “sujo”. Essa divisão produz uma “escala de
desejabilidade moral e psicológica das profissões e das atividades”. Essa escala valora as
profissões, destacando as privilegiadas das estigmatizadas ou desconhecidas.

Os julgamentos de valor sobre determinado trabalho contaminam também a


pessoa que o exerce. E os julgamentos dos outros pesam sobre a própria
autoimagem. As profissões que se encontram na parte de baixo da escala moral
do trabalho são as que condensam o "trabalho sujo", ou seja, tarefas física ou
simbolicamente nojentas, humilhantes, degradantes, tarefas que são sinônimo
de transgressão dos valores morais. É o caso, por exemplo, das profissões
ligadas ao lixo, à faxina, das profissões ligadas à ordem pública e à repressão,
das profissões que lidam com a morte, a loucura, a violência, a velhice, a
marginalidade, a deficiência etc. Trata-se de profissões ou tarefas que têm por
objeto o negativo psicossocial (Lhuilier, 2009), ou seja, aquilo que é rejeitado
e fica nos bastidores. Essa rejeição é sinônimo de clivagem e de projeção a
serviço da depuração, das tentativas de eliminar o negativo. (LHUILIER, 2014,
p. 16).

O trabalho doméstico encontra-se enquadrado como trabalho “sujo”,


indesejável, o que acarreta a conclusão de que está distante do reconhecimento social e,
via de consequência, da ideia de dignidade que se encontra presente nas normas da OIT.

110
A ausência de reconhecimento no plano da solidariedade será abordada no tópico
seguinte.

4.6 Reconhecimento no plano da solidariedade: da falta de estima social às lutas


e resistências através dos novos espaços discursivos

Portanto, posto de lado, por razões evidentes, o cri-criança, passemos ao cri-


criada. Delas podemos falar à vontade porque não são sindicalizadas, nem
catalogadas, nem alfabetizadas, fato indiscutivelmente importante para a
segurança das patroas. (ALMEIDA, 1969, p. 13).

O risco que assumimos aqui é o do ato de falar com todas as implicações.


Exatamente porque temos sido falados, infantilizados (...) , que neste trabalho
assumimos nossa própria fala. Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa.
(GONZALEZ, 2020, p. 78).

Os trechos acima transcritos ilustram o caminho a percorrer neste tópico,


mostrando inicialmente o discurso que dominava o mercado editorial, proferido pelos
empregadores, a imprensa e a mídia em geral, desqualificando e silenciando empregadas
domésticas.
Ao longo do tempo, tal discurso veio sendo objeto de resistências,
culminando com as trabalhadoras falando por si próprias, denunciando a ausência de
direitos e a falta de reconhecimento, tanto no plano jurídico quanto no da solidariedade.
No momento em que Gonzalez afirma que “o lixo vai falar, e numa boa”, ela se refere a
essa virada, proporcionada sobretudo pelo movimento negro, ensejando condições para o
advento de uma época na qual quem antes era silenciado passa a ter voz.
Desde o século XIX as empregadas eram tidas como integrantes de um grupo
social incapaz de contribuir para a práxis comum por outro meio que não o trabalho
braçal, e costumavam ser consideradas um mal necessário. A seguir, no âmbito de um
processo que pretendia “modernizar” a sociedade e a família, já adentrando no século XX
e perdurando por longos anos, a dona de casa foi chamada a assumir a direção do lar e a
criação dos filhos, sempre com o auxílio de uma trabalhadora doméstica, que ela deveria
instruir e comandar. No século XX foram muitos os manuais para as noivas ou mulheres
casadas, além de crônicas, dicas “femininas” em jornais, com o objetivo de “domar” as
empregadas, que permaneciam sendo um problema na vida da família, ao mesmo tempo
em que eram totalmente necessárias, inclusive porque a mulher moderna não poderia
renunciar a seu papel civilizador em prol da lavagem da louça ou do banheiro
(RONCADOR, 2008).

111
Dentre esses manuais, desponta o de Tania Kaufmann, intitulado “A aventura
de ser dona de casa”:

Ocorreu-nos que nossa experiência de trinta e cinco anos de “luta” com


empregadas poderia ser útil às jovens donas-de-casa que se iniciam e àquelas
que, mesmo experientes, se defrontam frequentemente com dificuldades
domésticas, permanecendo escravizadas ao problema-empregada, sem tempo
para viver.
Fala-se que a classe de empregadas está em extinção e que brevemente não
poderemos contar com seu auxílio, de todo, mas em criança nós já ouvíamos
falar disso, que era preciso aprender todas as tarefas domésticas, pois no futuro
não haveria mais quem as fizesse, as empregadas iam acabar ( o mundo
também sempre esteve para acabar...)
No entanto aí estão elas, as empregadas, muitas vezes longe de corresponder
ao nosso ideal de eficiência, mas livrando-nos de tarefas extenuantes e
monótonas, e permitindo-nos trabalhar em ocupações rendosas, ter mais tempo
para cuidar dos filhos, estudar, ler, ajudar o próximo – ou mesmo descansar,
que “ninguém é de ferro”...
E, a não ser que se modifique a atual estrutura socioeconômica, parece-nos que
poderemos contar com o auxílio de empregadas, por muito tempo, ainda.
(KAUFMAN, 1975, p. 19 e 20)

A ideia de uma “classe incômoda” aparece nitidamente no texto. A


empregada “escraviza” a patroa com problemas domésticos, sem lhe dar tempo para
viver. Mas ao mesmo tempo ter uma empregada pode proporcionar à patroa tempo para
diversas atividades, dentre as quais ajudar o próximo. A pergunta que se impõe é: quem
seria esse “próximo”? A própria empregada poderia sê-lo?
Kaufman reconhece que a “atual estrutura socioeconômica”, ou seja, a
situação de desigualdade que obriga uns a se sujeitarem a outros, é requisito para que as
trabalhadoras domésticas existam. Em outro manual, Inez Barros de Almeida afirma, de
maneira bem menos sutil, que as donas de casa estão “protegidas” pelo analfabetismo e
pela pobreza, dentre outros males, pois essas são condições que sempre as permitirão
desfrutar de empregadas. Ela assegura que é na relação empregada-patroa que repousa o
“fundamento da família brasileira”, e confessa-se apavorada por situações como a dos
países industrializados, onde “não existem patroas porque não existem empregadas”
(ALMEIDA, 1969, p. 17)
O manual de Kaufmann busca tratar o assunto com “humor”. Ela dá conselhos
sobre o relacionamento, indicando que se deve tratar bem a empregada, elogiar, mas
nunca desenvolver amizade íntima, pois isso irá diminuir a autoridade. Recomenda,
também, a não deixar que ela veja o preço dos produtos que a patroa compra, para não
desenvolver sentimentos de inveja, humilhação ou revolta. E segue fornecendo diversas

112
táticas de manipulação, fazendo jus à ideia inicial do manual, de ajudar as patroas na
“luta” contra a doméstica.

É claro que não vamos esperar gratidão em troca do que fizemos pelo bem da
empregada. Fazemo-lo por humanidade, por espírito de solidariedade, por
impulso de ajudar, porque é mais compensador ser bom do que ser mau, por
simpatia e, finalmente, por conveniência nossa, para conservar a empregada no
nosso serviço. (KAUFMANN, 1975, p. 67).

O manual instrumentaliza a “simpatia”, a preocupação, a afetividade e a


relação entre patroa e empregada com o propósito de mantê-la no serviço, enquanto for
conveniente. No capítulo VIII, surge a sempre presente preocupação com o furto,
aconselhando a dona de casa que só faça compras aos poucos, a menos que tenha uma
despensa trancada a chave. Menciona, ainda, a tática utilizada por uma amiga:

Uma médica amiga contou-me que ao admitir uma empregada dizia-lhe, logo
de início, que o delegado de Polícia do Distrito era seu primo, sempre disposto
a ajudá-la em qualquer embaraço que surgisse...Dizia isso a todas as novas
empregadas e, segundo me garantiu, o truque dava ótimo resultado, pois sua
conta de perdas & danos estava sempre insignificante. (KAUFMANN, 2015,
p. 125).

Como se vê, a polícia continuava sendo um recurso “preventivo” no trato com


a empregada, atualizando o que vinha disposto nas antigas Posturas Municipais.
A fala em tom desqualificador também esteve presente na mídia. Não é objeto
deste trabalho examinar de forma minuciosa as diversas representações que surgem na
mídia em geral mas apenas, por amostragem, fundamentar duas observações:
1) as empregadas domésticas eram faladas, eram objeto de narrativas e
discursos. Eram problematizadas e inferiorizadas. Suportadas em razão da
necessidade. Sempre que elas estavam prestes a obter alguma conquista, o
discurso entre os patrões, que repercutia em jornais e era encampado por
legisladores e pelo próprio governo, dava-se no sentido de que o avanço nos
direitos iria representar diminuição nos postos de trabalho. Além disso, as
trabalhadoras já tinham vários benefícios que não eram estendidos aos demais
empregados, tais como moradia, alimentação, itens de higiene pessoal etc.
Postular direitos era considerado uma ousadia.
2) seu modo de ser e de viver era tido como necessariamente inferior, e a
realização de qualquer ato que momentaneamente as igualasse às patroas (ir
ao salão de beleza, por exemplo) era tido como afronta.

113
Um momento em especial foi bastante marcado por tais discursos: o da
aprovação da Proposta de Emenda Constitucional n. 72, de 2013, conhecida como “PEC
das domésticas”. Dentre os vários enunciados surgidos nessa época, destaca-se o que
afirmava que o serviço doméstico “não é um trabalho como qualquer outro”, o que
“impediria um processo de universalização das predicações que determinam a
designação trabalho”. (BRASIL, 2013; FONTANA, 2017, p. 128).
Na mesma época, conforme narra Fontana (2017), surgiram reportagens com
a ministra Delaíde Mirante Arantes, integrante do Tribunal Superior do Trabalho, que já
havia exercido a função de empregada doméstica, enquadrando a sua história como um
caso de sucesso e superação, organizada no formato de “trajetória de herói”:

(...) estes processos narrativos projetam imaginariamente um efeito alegórico


sobre a figura da trabalhadora doméstica: indistinguem-se os traços singulares
dos percursos individuais para significar emblematicamente o caminho da
“ascensão social”, com o consequente apagamento da luta política, da
organização coletiva, das políticas públicas e dos avanços na universalização
dos direitos trabalhistas. (FONTANA, 2017 p. 137)

Segundo Fontana (2017), foi conferido pouco espaço para a fala das
trabalhadoras. Quando elas apareciam, eram “emolduradas" pelas edições das
reportagens.
Nesse mesmo ano, no mês de agosto, a jornalista norte-rio-grandense
Micheline Borges publicou em uma página de rede social um comentário sobre as
médicas cubanas que estavam no Brasil a serviço do programa “Mais médicos”26. Ela
disse que as médicas tinham “cara de empregada doméstica”, e não de médicas. Com base
na “cara”, ela questionou até mesmo se seriam médicas e ainda exclamou: “coitada da
população”. (DINIZ, 2014, p. 85; CESTARI; FONTANA, 2014, p. 168).
O tema “cara de empregada doméstica” merece algumas considerações. A
diferenciação entre patroas e empregadas é uma preocupação antiga, que atravessa
diversos âmbitos, como o do uso do uniforme, a segregação espacial, padrão do
mobiliário das dependências (FORTY, 2007). Qual seria, então, a diferença entre a
“cara” de uma médica e a de uma empregada?

26
O Programa Mais Médicos (PMM) foi criado pelo governo federal, com participação de estados e
municípios, com o objetivo de melhorar e ampliar o atendimento dispensado aos usuários pelo Sistema
único de Saúde – SUS. Uma das formas de atuação é mediante o envio de profissionais para regiões de
escassez ou mesmo ausência de médicos. Médicos cubanos participaram desse programa em razão de
acordo internacional entre Brasil e a Organização Pan-Americana da Saúde. (BRASIL. GOVERNO
FEDERAL. Programa Mais Médicos. Disponível em: http://maismedicos.gov.br/conheca-programa.
Acesso em: 25 jan. 2021)

114
“Cara de empregada doméstico é metáfora de quê? Se retomamos a tradição
brasileira de anúncios de emprego que exigem “boa aparência”, denunciada
insistentemente pelo movimento de mulheres negras, nos aproximaremos dos
sentidos de feias, negros, pobres para as que não se encaixam nesses anúncios
que sem explicitar os critérios raciais de seleção para suas vagas resistem a
contratação de trabalhadoras negras. Poderíamos também retomar uma outra
expressão corrente usada para qualificar certos espaços da cidade - os
chamados “lugares de gente bonita”. Se nos perguntamos quem são as pessoas
bonitas, novamente veremos o que os critérios para avaliação estética dizem a
respeito das posições sociais e raciais. Essa divisão da sociedade e do direito a
circular por seus espaços e a ocupar determinados postos de trabalho, que opõe
gente bonita, de boa aparência, com postura, capazes, bem formados, bem
vestidos a gente feia, burra, sem postura, descabelados, mal vestidos tem raízes
profundas na história brasileira, que produziu o discurso de democracia racial,
por meio do qual silencia e dissimula a violência das relações de exploração
econômica e de exclusão racial e social que dão uma cara ao Brasil.
(CESTARI; FONTANA, 2014, p. 176).

Em julho de 2016, todavia, aconteceu um fato que inverteu essa lógica da


empregada doméstica como objeto de narrações. A professora de história e rapper Preta-
Rara criou uma página na rede social Facebook chamada “Eu, empregada doméstica”, na
qual postou um relato de sua experiência nessa atividade e encorajou outras pessoas a
fazê-lo, utilizando aquele mesmo canal. No mesmo dia, a postagem disseminou-se, e ela
passou a receber inúmeros relatos. Surgiram notícias e reportagens sobre a página. Preta-
Rara concedeu entrevistas, inclusive internacionais, proferiu palestras e, em 2019,
publicou parte dos relatos em um livro, pela editora Letramento, que leva o mesmo nome
da página (PRETA-RARA, 2019). O livro tem início com a história de sua avó, depois
de sua mãe e em seguida a da própria Preta-Rara, em um encadeamento repleto de sentido,
mostrando como ela quebrou a corrente que a atava a um destino já seguido por duas
gerações.
Foi realizada uma análise do livro, com base no seguinte percurso:
inicialmente uma leitura completa, para captar o tom das narrativas, identificar
semelhanças e diferenciações. Em seguida, utilizando o dispositivo “kindle”, foi efetuada
uma contagem de palavras que foram vistas com frequência. Essa primeira leitura revelou
que algumas das histórias foram contadas por filhas, filhos e netas de mulheres que
exerceram ou exerciam naquele momento a profissão. Outros relatos foram feitos por
terceiros, pessoas que conheciam empregadas domésticas mas não tinham situação de
parentesco, haviam escutado delas as histórias, ou de alguma forma haviam presenciado
os fatos. Foi identificada a forte presença do vocábulo “humilhação”, e em menor grau
“abuso”. Como principais fontes de humilhação (que podem configurar também, a prática
de crimes e/ou atos ilícitos, passíveis de indenização), foram apontados o racismo, o

115
assédio sexual e as ofensas morais, inclusive com acusações de furtos e/ou utilização de
“testes” de honestidade, como o clássico ato de deixar dinheiro à vista da empregada para
ver se ela se apropriava ou não.
Foi bastante mencionado, também, o trabalho infantil (tanto por filhas/filhos
e netas, quanto em primeira pessoa). A palavra “escrava” foi bastante utilizada. Outra
presença marcante foi a questão alimentar: o não poder se alimentar com a comida da
casa, o ter que se alimentar em horário inadequado, em locais inadequados, porque
somente era permitido fazer refeição depois de todos; o alimentar-se com sobras e/ou
alimentos estragados, as repreensões por ousar comer algo que lhe era vedado, e mesmo
acusações de comer sem que a trabalhadora tivesse praticado tal ato. Outro elemento de
destaque é a marcação de uma posição diferenciada, o desestímulo à formação da
trabalhadora e/ou de seus filhos, sendo considerada uma pretensão infundada, por
exemplo, a de um filho de empregada doméstica cursar uma universidade. O uso do
banheiro também aparece como questão relevante, com a proibição absoluta de utilizar
o da residência. Essa separação era praticada também, muitas vezes, em relação aos
utensílios de cozinha. “Humilhação”, “humilhada” e “humilhando” aparecem 87 vezes
ao longo dos relatos. “Escrava” tem 15 ocorrências, e “escravizada” tem 3. “Lixo” surge
em quatro ocasiões para significar como a pessoa era tratada ou como se sentia.
Atualmente, Preta-Rara segue com perfil em redes sociais, como facebook e
Instagram, denunciando condições abusivas de trabalho e de ofertas de emprego, sendo
um canal aberto para a voz das empregadas domésticas.
Mas elas ainda querem falar mais. Em 2019, o ilustrador Leandro Assis, em
parceria com a escritora Triscila Oliveira, criou a série em quadrinhos “Os Santos”, com
a primeira tirinha publicada no Instagram em 05 de dezembro de 2019, e um dos
destaques da trama é o tratamento humilhante dispensado às empregadas domésticas. O
perfil de Leandro, onde as tirinhas são publicadas, foi ganhando visibilidade, e foi criada
mais uma série, “Confinada”, com a primeira tirinha publicada em 11 de abril de 2020,
tendo seu foco na relação entre Fran, uma rica influenciadora digital, e Ju, sua empregada
doméstica, que fica sozinha com ela ao longo da quarentena decorrente da Covid 19. Esse
primeiro episódio, no dia 14 de maio de 2021, contava com quase cinco mil comentários
de usuários da rede Instagram. Ao longo da história, Fran tenta passar para seu público a
imagem de uma pessoa requintada, que cultiva hábitos saudáveis e transmite mensagens
positivas. Nos bastidores, Ju é tratada com menosprezo e passa por diversas dificuldades.
Ela, todavia, em nenhum momento se mostra passiva ou submissa a seu suposto destino,

116
embora suporte algumas situações adversas e privações. Sua imagem não é a da
empregada doméstica inculta e submissa. Ela se afasta tanto da imagem da “mãe preta”
quanto da “mulata”, figurando como heroína da trama.
Deste modo, atualmente uma boa parte da luta visível pelo reconhecimento
está sendo travada em um novo espaço discursivo, o espaço da internet. Preta-Rara,
Leandro Assis e Triscila constituem exemplos de autores de contra narrativas, que
enfrentam as visões coloniais, racistas e elitistas a respeito das empregadas domésticas,
abrindo espaço para que suas vozes sejam ouvidas.
Nessa luta, o discurso oficial permanece sendo o da segregação, o que pode
ser ilustrado por uma cena de 2020, com o ministro da economia indignado com a
empregada doméstica que viaja para a Disney (LOPES, 2020).
Os riscos dessa disputa que assume ares identitários são bastante discutidos.
Para Fontana (2017), ao contrário do que ocorre no âmbito das entidades associativas e
sindicais, essa luta privilegia a enunciação de uma identidade e a legitimação de um lugar
de fala, em detrimento da busca por igualdade jurídica e da própria dimensão política,
histórica e social das relações. Embora considere que esse seja um movimento necessário
por trazer para o debate as práticas de exploração e humilhação, para Fontana (2017) há
o que ela chama de paradoxo discursivo:

(...) esse é o paradoxo discursivo que atravessa as políticas de reconhecimento,


ao transformar relações de classe, gênero e segregação racial em relações
morais intersubjetivas entre indivíduos humanos, as lutas pelo reconhecimento
podem deslizar inadvertidamente para o apaziguamento do conflito, dadas as
condições de produção da formação social brasileira, que ainda suporta
simbolicamente os efeitos do mito da democracia racial e das relações cordiais.
(FONTANA, 2017, p. 155).

A posição de Fontana, acima transcrita, coaduna-se com muitas das críticas


às teorias do reconhecimento, que parecem trazer implícita uma ameaça de abandono da
arena institucional e das lutas por direitos materiais.
Entretanto, essas lutas no campo moral exercem grande influência sobre o
direito. Há uma relação dialética entre reconhecimento social e jurídico. Ao longo de
muito tempo, as narrativas predominantes foram construídas pelos empregadores, e foram
muito importantes para impedir o reconhecimento jurídico da profissão.
No próximo tópico serão analisados alguns fatores e argumentos discursivos
que atuaram como óbices ao reconhecimento.

117
4.7 . Óbices ao reconhecimento

Os principais obstáculos ao reconhecimento jurídico do trabalho doméstico


foram e permanecem sendo os seguintes:
a) não ser “lucrativo”;
b) ter os recursos para seu pagamento extraídos do orçamento doméstico
(“família não é empresa”);
c) ser realizado por pessoa que se integra (quase) à família, participando de
sua intimidade, gerando relações de afeto ambíguas;
d) ser realizado em um espaço que, além de privado, é residencial.
Todavia, a análise da história do instituto permite-nos identificar o não dito,
que se esconde por trás do caráter afetivo e cordial do discurso:
e) ser um trabalho braçal, socialmente desvalorizado, com uma clara relação
de continuidade da escravidão;
f) ser um trabalho eminentemente feminino, que não implica a existência de
uma formação específica, estando muito associado a um “saber-fazer” que se espera das
mulheres em geral (BLETIÈRE, 2015).
g) ser desempenhado, em sua maioria, por mulheres negras, pobres e
periféricas.
Já foram discutidos, ao longo desta dissertação, aspectos de gênero, classe,
raça, desvalorização do trabalho braçal e valor econômico do trabalho doméstico e de
cuidados, de modo que neste momento serão objeto de análise mais específica a questão
do espaço doméstico, das ambiguidades e afetividades.

4.7.1. Um espaço híbrido

Bletiére (2015, p. 144) pontua que o trabalho doméstico se desenvolve no que


ela chama de “espaço mestiço”, que para o empregador é o lar, e para a trabalhadora é o
local de desenvolvimento de suas atividades laborais. Nesse espaço híbrido, misturam-se
relações de trabalho com relações íntimas, dando ensejo a identificação de novas formas
de reconhecimento, mas também de desrespeito. O fato de o trabalho se desenvolver nesse
ambiente gera duas consequências diversas, mas que constituem, ambas, entraves ao
reconhecimento: a dificuldade de fiscalização e o surgimento de relações de afeto e de
trocas.

118
A fiscalização constitui uma ação indispensável para coibir ilegalidades. No
âmbito do trabalho doméstico, ela se depara com uma aparente impossibilidade, em razão
do disposto na Constituição brasileira, artigo 5º, XI, que assegura a inviolabilidade do
domicílio. Uma primeira saída para esse impasse seria a realização de uma fiscalização
indireta, com envio de notificação para que o empregador compareça em dias e horários
determinados a fim de prestar esclarecimentos. Existem, todavia, situações nas quais
somente uma fiscalização direta poderá ser efetiva, como no caso de trabalho em
condições análogas à escravidão, ou ainda, trabalho infantil (BRASIL, 1988; COSTA e
GOMES, 2016).
Nesses casos, como afirmam Costa e Gomes (2016, p. 09), há necessidade de
sopesar tais valores, com base no princípio da proporcionalidade:

A família ao empregar uma trabalhadora doméstica transforma seu domicílio


em um ambiente de trabalho. É esse o ato que justifica a atuação da fiscalização
do trabalho. A inviolabilidade do domicílio será respeitada na maior medida
possível, considerando-se meios alternativos à fiscalização direta. Porém, em
casos extremos, como suspeita de trabalho forçado e trabalho infantil
doméstico, faz-se necessária a ação imediata dos AFTS. Nesse contexto, a
fiscalização direta no caso do trabalho infantil doméstico aparece como uma
medida proporcional. (COSTA e GOMES, 2016, p 10).

A chave para dirimir a questão encontra-se na afirmação, acima transcrita, de


que o empregador transforma a sua residência em local de trabalho no momento da
contratação de uma trabalhadora doméstica. O espaço perde seu caráter meramente
privado. Caso deseje preservar a inviolabilidade absoluta, a solução é não contratar.

4.7.2. Afetos e ambiguidades

Sobre o tema dos afetos, a ambiguidade é uma marca das relações de trabalho
domésticas ainda presente na atualidade. Por um lado, são comuns situações nas quais se
formam laços, todavia tais laços são condicionados e limitados pela hierarquia e pelas
desigualdades entre patroa e empregada (BRITES, 2007). Para Kofes (2001), a
desigualdade se revela principalmente por meio das doações e dos favores que partem da
empregadora em direção à empregada, mas tal desigualdade não impede o surgimento de
embates e eventuais inversões de poder. Ela chama a atenção para o termo “amiga”,
comumente invocado pelas trabalhadoras para se referir às empregadoras com as quais
possuem maior interação, sendo que, em sua pesquisa, não encontrou empregadoras

119
utilizando esse termo. Com “amiga”, as empregadas se referiam a uma maior proximidade
social, tolerância em razão de certas necessidades de sua vida pessoal (exemplo: ter filhos
pequenos e precisar, por vezes, faltar), dando uma ideia de identidade entre mulheres.

Às vezes, como já observei, as empregadas também concordam que o cálculo,


que muitas patroas fazem, de que o salário real da empregada é de fato muito
maior que seu salário nominal, considerando-se “casa, comida, roupas”.
Também avaliam o acesso a bens fundamentais que, na nossa sociedade, é
restrito a poucos: condições para comprar uma casa, um terreno, material de
construção, acesso a atendimento médico mais bem qualificado, empréstimos
financeiros, compras à prestação etc. (KOFES, 2001, p. 178)

As “facilidades” advindas dessa amizade, tais como acesso a crédito,


empréstimos pessoais e auxílios os mais diversos, e até mesmo a um tratamento mais
pessoalizado e afetuoso, constituem, muitas vezes, entraves à mobilização da categoria,
que se vê dividida entre as que têm “sorte”(por terem boas patroas) e as desprovidas de
sorte. A essa ideia de amizade corresponderia, do lado dos empregadores, o conceito de
“quase da família”.

A expressão “membro da família’ expressa um mecanismo ideológico


fundamental nessa relação, mas não no sentido de que os agentes envolvidos
estejam iludidos por um real falso. Talvez nenhuma das parceiras (polares)
dessa interação acredite no que afirma essa frase, mas nesse caso não se trata
de acreditar ou não. O efeito ideológico dessa afirmação , do ponto de vista da
patroa, é que torna possível a aceitação de uma pessoa socialmente estranha
dentro de casa, compartilhando o cotidiano da família. Trata-se de uma
justificativa, em seus próprios termos, quase como uma estratégia de “efeito
adequador”. Essa expressão, no que concerne à empregada, expressa outra
estratégia, que é abrir vias de acesso que estruturalmente ainda lhe são
fechadas. É justamente contra (e dialogando com) esta afirmação que se
colocam as associações profissionais das empregadas domésticas. (KOFES,
2001, p. 179).

É preciso observar todavia, que se essas estratégias oferecem vantagens para


ambas as partes, é porque a sociedade é excludente e extremamente desigual. Se as
trabalhadoras domésticas tivessem acesso facilitado a crédito e a todos os direitos
trabalhistas, e se seu poder de compra fosse maior, tais “favores” perderiam sua razão de
ser.
A “amizade” e os presentes constituem também, muitas vezes, formas de
suprir o reconhecimento ausente nos âmbitos legal e social:

Na esfera do mercado laboral, a oferta de bens materiais é, frequentemente,


utilizada como forma de substituição de regalias ou, até mesmo, dos próprios
direitos das trabalhadoras. Assim, as “prendas” oferecidas às trabalhadoras
domésticas acabam por ser, por vezes, um instrumento a favor do empregador
na gestão da relação laboral. Um preço a pagar pela confiança. (BLETIÉRE,
p.136)

120
Rodrigues (2020) questiona se utilizar o recurso de a trabalhadora ser “quase
da família” constitui de fato uma concepção ou uma estratégia discursiva, e afirma que
essa cordialidade fornece a regulação para um sentimento de gratidão, que se articula com
o consequente sentimento de dívida. A autora, em sua tese, analisa o discurso de
empregadoras, observando a ambiguidade em diversos momentos, quando ora a
empregada é tratada como “funcionária”, ora como “quase da família”, ora como “braço
direito”. Outra circunstância diga de nota é que a empregada é “incorporada” à família
sem que seja questionada quanto a esse desejo de supostamente pertencer, mas sem
pertencer de fato, inclusive porque ela tem seus próprios familiares, que não são objeto
dessa mesma integração. Pode carecer de repetição por ser óbvio, mas as condições de
vida de quem é “quase da família” são totalmente distintas de um membro efetivo da
família. Isso se encontra muito bem retratado na fala de uma trabalhadora doméstica
sindicalizada, reproduzida a seguir:

Aqui trago, em contraposição ao discurso da trabalhadora como sendo da


própria família, o discurso de Lélia, integrante do Sindoméstica. Por várias
vezes a ouvi contar às demais trabalhadoras que sempre que sua ex-
empregadora lhe dizia que ela era “da família”, Lélia lhe respondia
negativamente, afirmando em seguida que ela era da família “x” (dizendo seu
próprio sobrenome) e que a empregadora era da família “y” (dizendo o
sobrenome desta). Dizia-lhe ainda que se ela não participava das decisões
familiares, não estava inclusa no plano de saúde da família nem no plano
funerário, se não se alimentava na mesma mesa dos empregadores(as), não
poderia ser da família – reiterando que a residência da empregadora se tratava
de seu local de trabalho. Lélia contava que muitas vezes, por conta de seu
discurso, era chamada de “atrevida” (de forma “divertida”) pela empregadora.
Nesse sentido, romper com o “pacto de silêncio”, como diz Sales-Jr, é romper
com a “cordialidade racial”, tratando-se de “atrevimento”. (RODRIGUES,
2019, p. 222-223)

Joaze Bernardino-Costa (2007), afirma que o discurso hegemônico, moldado


por autores como Gilberto Freyre, sempre ressaltou a integração e a harmonia, ocultando
desigualdades e iniquidades. Em razão disso, não é surpresa para o autor que as
interpretações acerca das relações entre patroas e empregadas sempre ressaltem a
harmonia entre elas.
A questão da afetividade entre empregadas e patroas é bastante complexa, e
no geral essa aproximação é desejada por ambas, pois umas criam expectativas de
proteção e de ganhos, e outras a expectativa da lealdade. Todavia, na maior parte dos
casos, a afetividade desaparece quando surge a necessidade de colocar a empregada “em
seu devido lugar”, com a patroa reassumindo o seu posto na hierarquia (NUNES 2013).

121
É sobre a luta pelo reconhecimento fora da ambiguidade do “quase da
família” que trata o tópico seguinte, abordando a questão das associações e sindicatos.

4.8 . Lutas por reconhecimento jurídico: associações e sindicatos.

A história do ativismo e da militância das empregadas domésticas é pouco


conhecida. Joaze Bernardino Costa decidiu contar essa história em sua tese de doutorado,
afirmando que seu foco nas empregadas domésticas sindicalizadas baseou-se em três
questões: a transformação que se opera na empregada sindicalizada, pois ela é
ressocializada, em um primeiro momento, em conformidade com os parâmetros de sua
empregadora, e no sindicato adquire novos valores, vendo-se entre iguais; a
sindicalização representa o rompimento do isolamento ao qual elas são submetidas pela
natureza e pelo local de trabalho; o sindicato promove uma reelaboração da relação entre
a trabalhadora e a empregadora, deixando de lado a visão paternalista. (BERNARDINO-
COSTA, 2015)
Existem atualmente cerca de 40 sindicatos de trabalhadoras domésticas no
país. Embora elas tenham começado a se organizar politicamente ainda na década de 30,
foi a partir da década de 60 que o movimento adquiriu contornos nacionais, impulsionado
por discussões suscitadas no âmbito do movimento negro. Em 1936 surgiu a primeira
associação de empregadas domésticas no país, Associação profissional dos domésticos
de Santos, através da liderança de Laudelina de Campos Melo, que já era militante do
movimento negro. Seu objetivo era obter o status jurídico de sindicato, e o grande
questionamento era a igualdade jurídica em relação às outras categorias de trabalhadores.
Em 1937, a associação foi fechada pelo regime estabelecido pelo Estado Novo, reabrindo
somente por ocasião da redemocratização (BERNARDINO-COSTA, 2015).
Em 1944 foi criada em São Paulo a casa de Santa Zita. Sua fundadora era
graduada em Serviço social e havia iniciado, quatro anos antes, uma espécie de prática
político-religiosa junto às domésticas. Em 1951, foi instalada a Congregação de Santa
Zita, que tinha objetivos ao mesmo tempo sociais e religiosos. Na definição de suas
atividades estava o oferecimento de formação profissional, lazer e catequese. A casa
servia também como intermediadora, fornecendo profissionais domésticas às famílias
(KOFES, 2001).
Da mesma forma, outras instituições e até secretarias de promoção social,
como a de Campinas, forneciam cursos e serviam como agências de emprego. Kofes

122
(2001) destaca que foi no curso oferecido pelo Mobral, com alcance em todo o território
brasileiro, que a formação da empregada doméstica apareceu com base contratual,
definida efetivamente como um trabalho.
Na década de 1960, a igreja católica, por meio da juventude operária, realizou
uma conferência nacional, o Primeiro Encontro Nacional de Jovens Empregadas
Domésticas do Rio de Janeiro. No ano seguinte, o Primeiro Congresso Regional, em
Recife, reuniu trabalhadoras também de outros estados. Como resultado dessa atuação da
juventude operária, surgiram associações de trabalhadoras domésticas pelo país
(BERNARDINO-COSTA, 2015). O sindicato das trabalhadoras domésticas do Recife
encontra-se bastante ligado, em suas origens, à Juventude operária católica.
Em maio de 1961, Laudelina, já residente em Campinas, fundou uma
associação de empregadas domésticas na cidade, a Associação Profissional Beneficente
das Empregadas Domésticas de Campinas, que tinha ligações com o movimento negro,
por meio do Teatro Experimental do Negro, tendo realizado diversas atividades culturais,
além da defesa dos interesses gerais das trabalhadoras. A associação foi fechada em 1964,
e a partir daí passou a atuar como uma entidade de caráter beneficente (MAEDA, 2021).
Bernardino-Costa transcreve uma carta anônima recebida por Laudelina, na qual o
subscritor afirma que as empregadas vestem-se melhor do que as patroas, as quais
precisam enfrentar o preço elevado dos alimentos e os baixos salários dos maridos, e
acrescenta:

Apesar dessa comodidade que as mesmas possuem, 90% são vaidosas,


desobedientes, faltosas nos horários, humilhando com palavras irreverentes à
mártir patroa que, por necessidade as suportam. Hoje, sem mesmo essa
objetiva e altruística ideia sua, já elas têm até a petulância de dizer à patroa que
lhe dê uma ou duas horas para irem ao cabeleireiro e ao manicure.
(BERNARDINO-COSTA, 2015, p. 83 a 85)

A patroa, que para Kauffman era “escrava” da empregada, aqui aparece como
mártir. Percebe-se nesse discurso a indignação do subscritor com a possibilidade de uma
empregada doméstica utilizar seu tempo – que pertence à patroa – para ir a serviços que
lhe são “inadequados”, como cabeleireiro e manicure. O “atrevimento” da trabalhadora
doméstica é um item recorrente na revolta dos patrões.
Laudelina estendeu sua atuação a nível nacional, visitando o presidente da
república e o Ministro do Trabalho para expor as demandas da categoria. A associação,
todavia, teve um período de paralisação, a partir de 1968, retornando em 1979 e
formalizando as atividades em 1983. Após a reabertura, teve grande atuação, inclusive

123
junto à assembleia constituinte. E logo após a promulgação da Constituição, tornou-se
sindicato (BERNARDINO-COSTA, 2015).
Entre os anos de 1968 e 2011 foram realizados dez congressos nacionais de
trabalhadoras domésticas (BERNARDINO-COSTA, 2015; MAEDA, 2021). A partir da
década de 1980 último foram excluídas as reivindicações que tinham por base a
filantropia e o paternalismo, a fim de dar à reunião um caráter mais político, de busca da
construção de uma identidade de trabalhadora. Em tais congressos foram discutidas
questões pertinentes à previdência, aos direitos e condições de trabalho (KOFES, 2011).
Para obstar essa luta, foi criado em São Paulo, por uma advogada, um
sindicato de empregadores domésticos. A fundadora concedeu uma entrevista a um jornal
de Campinas em 30 de abril de 1989, valendo destacar parte desse discurso:

Somos empregadores, e não subalternos delas, das domésticas. Chega de


obedecer às imposições das domésticas, fingirmos que não entendemos a
arrogância, o despreparo, os abusos de todos os dias. O abandono do serviço,
as faltas sem justo motivo, os atrasos diários, os assaltos à geladeira. A vida
para nós, mulheres que lutamos nas demais profissões, está duríssima. Nós
temos horário, regulamentos a cumprir. Por que somente elas estão com todos
os direitos? Não terão deveres também? (KOFES, 2001, p. 345).

A análise revela que sua subscritora considera arrogante qualquer postura que
busque, não uma sobreposição, mas uma posição de igualdade. Assim, se uma empregada
doméstica reivindica seus direitos, é considerada “atrevida”, ingrata. Percebe-se franca
indignação com a pretensão delas a terem direitos; ora, se ela, mulher “que luta nas
demais profissões”, está com dificuldades, como então essas trabalhadoras podem querer
exigir alguma coisa?
Bernardino-Costa (2015) afirma que, até meados da década de 80, a luta das
empregadas era compreendida, inclusive no âmbito da igreja católica, como luta de
classes. Embora articulações envolvendo gênero e raça estivessem presentes, sobretudo
pela associação do quarto de empregada à senzala, a bandeira era a integração à classe
trabalhadora e a equiparação às demais categorias em termos de direitos. Uma meta a ser
alcançada pelas associações era a interação com a CUT. Quanto à integração com o
movimento feminista, consolidou-se na constituinte, quando as feministas encamparam
o projeto de lei das trabalhadoras domésticas. Entre 1985 e 1988 houve grande
mobilização entre elas, com idas frequentes ao congresso. Com a Constituição, muitos
direitos ainda foram deixados de lado, mas elas ganharam o direito à sindicalização.

124
No ano de 1985, houve o V Congresso Nacional das Trabalhadoras
domésticas em Olinda, no qual se elaboraram as principais reivindicações trabalhistas da
categoria. Há registro, também, de passeatas e manifestações públicas (BERNARDINO-
COSTA, 2015).
Um dos pontos comuns às campanhas era o pleito para que as trabalhadoras
morassem em suas próprias casas, e não com as patroas.
Em 1997 foi criada a Fenatrad - Federação Nacional das trabalhadoras
domésticas, que, segundo seu site, é uma associação composta por 22 sindicatos e mais
uma associação. As entidades filiadas à Fenatrad possuem sede nos estados do Acre,
Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Paraíba, Paraná, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do
Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Sergipe. (FENATRAD – Federação
Nacional das trabalhadoras domésticas).
Segundo Bernardino-Costa (2015), a partir de 2001, do oitavo congresso
nacional das trabalhadoras domésticas, a gestão da federação tem buscado
reposicionamento de seus vínculos com os movimentos negro e feminista, embora sem
descuidar do relacionamento com o próprio movimento sindical. Passa a haver, também,
a busca de parcerias com atores internacionais, como a ONU mulheres, rede internacional
de trabalhadoras domésticas (International Domestic Work Network) e a própria
Organização Internacional do Trabalho.
O intuito da apresentação desse percurso histórico da atuação sindical foi
demonstrar que, nos termos prescritos por Axel Honneth, houve, ao longo do tempo, uma
luta por reconhecimento. As dificuldades impostas pela dinâmica da profissão eram
muitas: longas jornadas, baixos salários, isolamento social, ausência de espaços diários
de interlocução, bem como o fato de muitas morarem no próprio local de trabalho, o que
constituía um elemento de limitação à mobilidade. Ainda assim, houve mobilizações,
envios de projetos de lei, congressos, dentre outras ações.
Nesse sentido, o movimento sindical das empregadas domésticas representa
no Brasil um “movimento social de resistência à colonialidade do poder e reexistência
das trabalhadoras domésticas” (BERNARDINO-COSTA, 2015, p. 58), buscando não
somente o reconhecimento jurídico, mas também uma sociedade mais igualitária.

125
5 DIREITO DE AUSÊNCIAS. JURISPRUDÊNCIA DE EXCLUSÕES.

Boaventura de Sousa Santos afirma que não há uma única maneira de


produzir ausências, e sim várias. Ele trabalha com a “sociologia das ausências”, assim
nomeando a investigação que busca mostrar que aquilo que não existe é produzido
ativamente como não existente, como uma alternativa inválida, por ausente. Essa
investigação busca transformar “objetos impossíveis em objetos possíveis”. Dentre as
formas de produzir ausências, estão a classificação social, que naturaliza desigualdades e
hierarquias, e a lógica produtivista, baseada na produção capitalista, que forja a não
existência de muitos trabalhadores (SANTOS, 2010, p. 36). A não existência do trabalho
doméstico se constrói sobretudo com base nessas lógicas. Neste capítulo final, é utilizada
essa sociologia das ausências para falar, por meio da analogia, de um direito de ausências,
um direito alheio à interdisciplinaridade e à reflexão, forjado pela colonialidade do poder
e pelo androcentrismo.
Esse direito de ausências deu origem a uma jurisprudência de exclusões, que
se tornou o testemunho da marginalização dessas trabalhadoras, dispensadas durante a
gravidez, sem direito a estabilidade, trabalhando em jornadas ilimitadas, sem direito a
horas extras, sem prazo para pagamento da rescisão, dentre muitas outras situações.
O ponto de partida será uma crítica feminista epistemológica à própria ciência
e ao conhecimento, expondo os limites da suposta neutralidade acadêmica. A seguir, com
aporte nas teorias decoloniais e na interseccionalidade, será exposta a crítica ao próprio
direito do trabalho, que atua na reprodução de desigualdades. Os fundamentos para essa
crítica serão trazidos por meio da análise de cursos e manuais de direito do trabalho, da
dinâmica de juízes/juízas, empregadas e patroas em audiência, e do exame da
jurisprudência, norteada por determinadas palavras de busca e cortes metodológicos. Por
fim, será revelada a opção por um direito do trabalho de matriz deolonial e
antidiscriminatória como horizonte para o pleno reconhecimento do trabalho doméstico
remunerado.

5.1 Uma crítica às ciências

E é somente nessas relações de luta e de poder – na maneira como as coisas


entre si, os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar uns aos

126
outros, querem exercer, uns sobre os outros, relações de poder – que
compreendemos em que consiste o conhecimento. (FOUCAULT, 2013, p. 31).

O feminismo move-se por múltiplos caminhos que se cruzam: a política, a


militância, a arte, a academia. Para Sandra Harding (2019) o primeiro esforço da teoria
feminista foi o de trazer novas interpretações para as categorias de estudos teóricos, com
a finalidade de conferir visibilidade às atividades e às relações sociais das mulheres
dentro das mais diversas tradições intelectuais. No âmbito da pesquisa, uma de suas
principais frentes é a crítica à ciência em geral, que tem o androcentrismo como uma
espécie de “super paradigma”, ou “a soma de todos os gêneros” (CRUZ, 2014, p. 18).
Ciência cartesiana, utilizando em seus estudos os parâmetros e valores masculinos,
pretendendo-se neutra ao considerar o homem como o ser humano universal. E esse
homem remete sempre ao “branco-heterossexual-civilizado-do-Primeiro-Mundo (CRUZ,
2014, p. 19).
A questão de quem faz ciência é também muito relevante. Hubbard (1993, p.
23) afirma que a aprovação dos projetos se dá por “semelhança”, o que significa que
“gente de cabeça parecida, de origens pessoais e acadêmicas equivalentes reúne-se para
decidir se determinado projeto de fabricação de fatos tem suficiente valor para receber
financiamento”. Assim, o grupo dos que fazem ciência (predominantemente masculino
e branco) se perpetua no poder. Essa mesma autora critica o paradigma da própria ciência
natural, afirmando que a grande contribuição das teóricas feministas é a insistência de
que a subjetividade e o contexto não são passíveis de eliminação e precisam ser
reconhecidos.

Uma das coisas mais importantes é frisar o conteúdo e o papel políticos da


ciência. A pretensão de que ela é objetiva, apolítica e neutra em termos de
valores é profundamente política, porque obscurece o papel político que a
ciência e a tecnologia desempenham para manter a atual distribuição de poder
na sociedade. Nenhum componente ativo da sociedade – e ciência e tecnologia
são isso – pode ser politicamente neutro. (HUBBARD, 1993, p. 33).

No campo das ciências humanas, o pensamento feminista vem se juntar à


crítica do paradigma positivista e da busca de uma objetividade “importada” das ciências
naturais, uma vez que essa objetividade traduz-se na já conhecida hierarquização entre
racionalidade e neutralidade masculinas e a suposta afetividade e parcialidade femininas.
Para Cruz (2014, p. 22), uma das contribuições mais importantes do feminismo para as
ciências sociais foi a construção de categorias como o cotidiano, a vivência e a emoção,

127
fazendo a interpelação entre o público e o privado, e considerando a mulher como sujeito
político.

Delineia-se um novo agente epistêmico, não isolado do mundo, mas inserido


no coração dele, não isento e imparcial, mas subjetivo e afirmando sua
particularidade. Ao contrário do desligamento do cientista em relação ao seu
objeto de conhecimento, o que permitiria produzir um conhecimento neutro,
livre de interferências subjetivas, clama-se pelo envolvimento do sujeito com
seu objeto. (CRUZ, 2014, p. 23).

Mas a desconstrução desse homem universal não resolve, nem de longe, os


dilemas enfrentados. Sandra Harding reafirma a importância do movimento feminista
para essa desconstrução, mas demonstra que, a cada passo, surge uma nova frente, a
exemplo da “consideração da infinidade de mulheres que vivem em intrincados
complexos históricos de classe, raça e cultura”, advindo daí a necessidade de se eliminar
a “mulher universal”. (HARDING, 2019, p. 96). Nesse sentido, foi o movimento
feminista negro que operou a desconstrução desse novo mito, desse ser feminino
universal, que na realidade dizia respeito à mulher branca, heterossexual e de classe
média/alta.
Bell hooks e Patricia Hill Collins demonstraram como a posição da mulher
negra confere a ela uma perspectiva privilegiada. Hooks tratou da mulher negra como
situada à margem, vivendo em seu mundo, mas frequentando o outro “como empregada
doméstico, zeladora e prostituta” (hooks, 2019b). Collins (2014), por sua vez, destacou
a posição da mulher negra como “outsider within”, termo que não possui correspondente
exato em português, mas que quer significar, também, a participação no mundo dos
brancos, mas sempre sem uma integração completa; é alguém “de fora” que está “por
dentro”. Essa dupla visão possui o potencial de trazer um grande enriquecimento aos
estudos sociológicos, sobretudo por meio da detecção de anomalias não visíveis para
outros estudiosos. Collins não só critica a separação entre pesquisador e objeto, e a
suposta neutralidade decorrente desse sistema, como vai além: propõe utilizar uma
abordagem segundo a qual as intelectuais “aprendam a confiar em suas próprias
biografias pessoais e culturais como fontes significativas de conhecimento” (COLLINS,
2014, p. 123).
De forma semelhante, Foucault afirma que as condições de existência de um
indivíduo não constituem um obstáculo ao conhecimento, sendo justamente através delas
que são formados os próprios sujeitos do conhecimento e as ordens de verdades
(FOUCAULT, 2013, p. 34).

128
A crítica ao conhecimento e à ciência formulada pelas feministas fornece o
aporte teórico e a “coragem epistêmica” para elaborar uma crítica ao próprio direito do
trabalho, crítica esta que não é isenta de ambiguidades, como se verá adiante, mas que se
mostra extremamente necessária.

5.2 . Crítica ao direito do trabalho

Pois as ferramentas do senhor nunca derrubarão a casa-grande. Elas podem


possibilitar que os vençamos em seu próprio jogo durante certo tempo, mas
nunca permitirão que provoquemos uma mudança autêntica.
(LORDE, Audre, p. 137).

A afirmação de Audre Lorde possibilita uma conexão com a ideia de ruptura


epistemológica, de reinvenção dos instrumentos de análise e de mudança das “regras do
jogo”. Quem escreve esse jogo, e para quais jogadores ele se destina? Essas questões são
essenciais para nortear uma análise crítica do direito do trabalho.
Esse ramo do direito é considerado um marco nas conquistas sociais dos
trabalhadores. Ele serve de anteparo à lógica da máxima exploração, oferece proteção à
saúde e confere um mínimo de solidez à vida do trabalhador, seja garantindo estabilidade
em alguns casos, seja assegurando a limitação da jornada, o pagamento das férias e de
verbas rescisórias em caso de dispensa. Também cumpre uma função econômico-social
de redistribuição de renda, que é bastante visível sobretudo em municípios do interior,
quando o pagamento de direitos aos trabalhadores movimenta todo o comércio local. A
Justiça do Trabalho é uma engrenagem que faz circular dinheiro na sociedade e que
minimamente recompõe os danos que as demissões causam aos trabalhadores.
Assim, criticar o direito do trabalho desperta uma grande ambiguidade, pois
em um primeiro momento essa crítica pode tender a se confundir com a crítica
midiatizada, muito comum nas últimas décadas, que surge como instrumento de um
discurso liberal, utilizando, muitas vezes, comparações equivocadas entre o Brasil e
outros países, situando-o como um local de permissividade, de custos trabalhistas
exorbitantes, direitos excessivos, legislação “engessada”. Nesse discurso, a Justiça do
Trabalho aparece como mecanismo de espoliação dos empresários, aqueles que de fato
constroem o país, esses seres explorados pelos maléficos empregados. A extinção da
Justiça do Trabalho está sempre em pauta, com maior ou menor visibilidade.

129
Esse discurso atende a uma lógica muito específica. Como afirma Dejours
(2007), paira sobre o país a ideia de uma constante ameaça de derrocada econômica, numa
conjuntura que muito nos lembra a de uma guerra, estando sempre em perigo a própria
sobrevivência da nação. Para tempos de guerra, medidas extremas. Austeridade e
controle. Ajustes fiscais, redução de direitos. E a exclusão social passa a ser vista com
uma naturalidade cada vez maior, como um mero efeito colateral dessa guerra. Ainda
com Dejours, desvincula-se a pobreza e a exclusão da ideia de injustiça:

Em outras palavras, para muitos cidadãos, há aqui uma clivagem entre


sofrimento e injustiça. Essa clivagem é grave. Para os que nela incorrem, o
sofrimento é uma adversidade, é claro, mas essa adversidade não reclama
necessariamente reação política. Pode justificar compaixão, piedade ou
caridade. Não provoca necessariamente indignação, cólera ou apelo à ação
coletiva. (DEJOURS, 2007, p. 19).

Trata-se, portanto, de um contexto delicado, mas ainda assim é preciso aceitar


essa ambiguidade e seguir adiante com o propósito não de eliminar o direito do trabalho,
e sim de torná-lo permeável à percepção das sujeições e desigualdades que ele ignora e
até mesmo oculta.
Pereira e Nicoli (2020) afirmam que o direito do trabalho possui “segredos
epistêmicos” muito bem guardados, que não são ensinados aos estudantes nos manuais,
nem são revelados nas sentenças ou nos acórdãos dos tribunais. A revelação desses
segredos passa pela análise de como a colonialidade, a raça, o gênero e a sexualidade
encontram-se no cerne da sua produção e da sua aplicação (PEREIRA; NICOLI, 2020,
p. 514).
Além disso, o direito do trabalho e suas instituições constituem uma resposta
mínima do Estado, quando interpelado pelos trabalhadores, e essa resposta amortece
tensões e atua como elemento de pacificação social. Ele próprio é responsável pela
legitimação dos modelos de Estado e de sociedade posteriores à derrocada dos regimes
absolutistas monárquicos, Estado centrado em uma racionalidade que se põe a serviço da
produção capitalista (ANDRADE, 2012).
Nesse sentido, a colonialidade do poder torna-se central para demonstrar a
persistência de relações que não cessaram com o fim da colonização, e continuam a
produzir seus efeitos nas esferas da economia, da política, do mundo social e da
epistemologia. Esse conceito abre a perspectiva de serem ouvidas as vozes outrora
silenciadas e de serem valoradas linguagens e conhecimentos que foram reprimidos pela
ideia de superioridade do colonizador. (MURADAS E PEREIRA, 2018).

130
Nos termos expostos por Lugones (2020, p. 57), a colonialidade não se refere
apenas à raça, pois “toda forma de controle do sexo, da subjetividade, da autoridade e do
trabalho existe em conexão com a colonialidade”.
Deste modo, decolonialidade e interseccionalidade se complementam, uma
vez que o eixo da colonialidade necessita de uma ferramenta capaz de dar conta também
dos aspectos relativos ao gênero (LUGONES, 2020; PEREIRA e VIEIRA, 2015).

5.3 O direito do trabalho e as “desigualdades juridicamente constituídas”27.

Uma primeira observação a ser feita é a de que o direito do trabalho não é do


trabalho em um sentido amplo: é o direito do emprego, do trabalho regulamentado pela
CLT. Há uma imensa massa de trabalhadores que vivem à margem desse mundo,
sobretudo os que se enquadram na categoria de trabalhadores “por conta própria”, a
maioria de modo muito precário: ambulantes, vendedores de porta de escolas,
universidades e órgãos públicos, feirantes e os muitos vendedores que se acumulam nos
sinais, alguns vendendo balas e carregando uma placa dizendo que querem ser
empresários, e “tudo tem um começo”. Citando Gorz, Andrade (2015, p. 42) menciona
a “autoexploração e a autocomercialização do Eu”.
A verdade é que há muito mais pessoas excluídas do direito do trabalho do
que incluídas. Trata-se de um direito que deveria proteger quem vive da renda
proveniente do seu trabalho, mas que não alcança nem metade desse universo
(ANDRADE, 2012), e que foi construído para um trabalhador muito específico, o que
leva Flávia Pereira e Pedro Nicoli a afirmarem que as normas trabalhistas são dotadas de
cor, classe e sexo (PEREIRA; NICOLI, 2020). Esse trabalhador contemplado pela norma
trabalhista é homem, trabalha em tempo integral e dispõe de uma mulher para realizar
todas as tarefas domésticas (VIEIRA, 2018).
Ao mesmo tempo em que se dirige a esse trabalhador típico, supostamente
universal, o direito do trabalho nega sistematicamente a presença do elemento “gênero”
como categoria de análise. As questões de gênero, raça e classe devem ser tidas como
transversais nas teorias sociais e no direito, visto que elas atravessam os institutos.
Entretanto, no direito do trabalho o gênero só aparece quando são expostas as normas

27
A expressão encontra-se entre aspas porque foi extraída do artigo de Pereira e Nicoli (2020), referenciado
ao final desta dissertação.

131
“especiais” de proteção à mulher, de modo que, como em todas as ciências, as mulheres
são tratadas como o desvio do padrão masculino. É preciso, então, despender tempo
pensando em soluções para os “problemas femininos”: maternidade, amamentação etc.,
numa dinâmica segundo a qual as questões relativas à reprodução da vida são tidas como
uma espécie de lapso, entrave ou exceção, ao invés de constituírem elementos
indispensáveis e inseparáveis da organização da vida laboral ( VIEIRA, 2018). Nesse
sentido, é pertinente observar que mesmo essas normas especiais, desviantes, contidas na
CLT, foram feitas para “um certo tipo” de mulher: a mulher branca, heterossexual, no
geral casada, de classe média. Eram normas que vedavam o acesso a diversos tipos de
trabalho, marcando territórios masculinos, e protegiam não propriamente as mulheres, e
sim a “honra” de seus maridos, impedindo-as, por exemplo, de trabalhar à noite (LOPES,
2020).
Quanto às empregadas domésticas, elas constituem as “outsiders within” do
direito do trabalho. Estão dentro e fora ao mesmo tempo. Possuem vínculo empregatício,
mas estão excluídas da CLT. São trabalhadoras subordinadas, mas não são totalmente
equiparadas às demais classes trabalhadoras. Integram um grupo “particular”,
desempenham uma função “específica”. O direito do trabalho não foi feito para elas; suas
principais categorias não pensaram as empregadas domésticas e o serviço por elas
prestado. O trabalho doméstico resulta, assim, no que Pereira e Nicoli (2020, p. 519)
denominam uma “desigualdade juridicamente constituída”.
Existem muitos indícios dessa desigualdade juridicamente constituída. Vieira
(2018) chama a atenção para o fato de que o trabalho doméstico não remunerado é posto
na esfera do direito de família, de modo a enfatizar a separação e a incomunicabilidade
entre tais atividades e o mundo do trabalho “verdadeiro”, reforçando uma ideia que se
encontra fortemente atrelada à desvalorização da categoria das domésticas: a ideia de que
o trabalho doméstico não constitui trabalho, já amplamente debatida no primeiro capítulo
desta dissertação. Além disso, o direito do trabalho reforça a dicotomia entre público e
privado, remunerado e não remunerado, dirigindo-se a um trabalhador abstrato, que
aparentemente não possui nenhum encargo familiar além de assegurar o sustento por meio
do salário, e pode destinar a sua vida ao trabalho.
O próprio conceito de salário foi fundamental para essa separação, constituído
com a pretensão de ser suficiente para sustentar a família, criando a figura do “provedor”.
Como já retratado no capítulo 1, a mulher era tida nos censos como “inativa”. Já o salário
da mulher, quando existente, era considerado um simples “complemento”. A partir dos

132
anos 1980, mesmo com o maior ingresso das mulheres no mercado de trabalho e a
falência prática do “homem provedor”, as diferenças de remuneração persistiram
(VIEIRA, 2018).
Outro conceito que favorece a discriminação das trabalhadoras domésticas é
o da onerosidade, que normalmente é interpretada como sinônimo de expectativa de
contraprestação, ou seja: mesmo que um trabalho seja realizado e não seja pago, ainda
assim a onerosidade estará presente, só que terá havido um descumprimento consistente
nessa ausência de pagamento. No caso do trabalho doméstico, em especial o de cuidado,
feito por uma mulher integrante da família, o direito pressupõe essa ausência de
expectativa de contraprestação, afirmando que ele foi realizado em nome do amor e/ou
da responsabilidade. Segundo Pereira e Nicoli (2020) só se imagina a existência de
onerosidade no caso do trabalho doméstico contratado, terceirizado. Os autores citam
jugado do TRT de Minas Gerais, do ano de 2019, no qual uma senhora ingressa com ação
trabalhista alegando ter sido cuidadora de seu irmão mais velho, que vem a falecer. Tanto
a sentença de primeira instância quanto o acórdão negam o vínculo, sob o argumento de
que há presunção de que a “ajuda” decorreu de relação de parentesco e que não havia
intuito de compor uma relação de emprego. É curioso, aliás, como o julgador elabora
uma presunção de que não havia o intuito de formar vínculo empregatício contrariando a
prova desse intuito, que é o próprio ajuizamento da ação em busca do reconhecimento.
No que diz respeito ao tempo, o direito do trabalho se apropriou de uma noção
meramente quantitativa, quando o tempo do trabalho doméstico possui também
dimensões qualitativas, relacionadas a tarefas e a um estado mental de atenção,
responsabilidade e disponibilidade, estados esses que são contínuos (VIEIRA, 2018).
Importante destacar, como afirmam Pereira e Nicoli (2020), que aquilo que o direito do
trabalho entende como tempo, e como valor, é algo de natureza mercantil e inserido em
uma estrutura sexista. Os autores defendem que o tempo do cuidado não é linear, e é
muito mais do que contínuo: é permanente. “Ou seja, quem cuida se vê permanentemente
atravessada pelo cuidado”(PEREIRA; NICOLI, 2020, p. 524).
Os direitos possuem uma forte carga de instabilidade, e obter alguns, em dado
momento histórico, não significa que a partir daí a situação esteja resolvida e que não
surjam outras demandas ou questões. Assim, se por um lado a delimitação da jornada em
horas foi uma conquista fundamental para a classe trabalhadora no momento histórico em
que foi obtida, por outro lado a crítica feminista ao direito do trabalho convida a

133
reimaginar esse instituto, revolvendo o que constitui um dos seus pilares: o tempo.
Pereira e Nicoli (2020) trazem importantes questionamentos quanto a isso:

Como pensar a partir da experiências de permanência, de mobilização


subjetiva, que o cuidado projeta no tempo de vida das cuidadoras? O que fazer,
em termos jurídico-trabalhistas, com o fato de que para as mulheres o cuidado
é um trabalho mais do que não-eventual, é quase permanente? Isso deve ter
alguma relevância para o direito do trabalho? (PEREIRA; NICOLI, 2020, p.
525).

Vieira (2018) adota a concepção de que a melhor forma de equacionar o tema


será adotar jornadas de trabalho menores para todos, tornando possível o desempenho das
responsabilidades familiares compartilhadas. A mesma solução é pensada por Pereira e
Nicoli, ou seja, para eles a solução passa pelo movimento de repensar as jornadas, a fim
de que o tempo de cuidado possa ser incorporado à vida das pessoas.
Andrade (2003) propõe, também, uma “reengenharia do tempo”, com
diversas mudanças no funcionamento de serviços e nas jornadas, a fim de conciliar o
tempo do “privado” com o tempo destinado à esfera pública.

5.4 . Elas, as empregadas domésticas, vistas pelos doutrinadores

Everaldo Gaspar Lopes de Andrade elabora uma crítica à doutrina jurídico-


trabalhista plasmada nos manuais, que deixa de lado qualquer indagação menos óbvia e
reproduz, “há quase cem anos, os mesmos argumentos” (ANDRADE, 2012, p. 38). Se é
certo que os cursos e manuais não constituem fonte da melhor teorização sobre institutos
trabalhistas no geral, quando se trata do trabalho doméstico eles conseguem superar a já
conhecida superficialidade.
Uma primeira observação a ser feita diz respeito ao pequeno espaço dedicado
ao trabalho doméstico nos “manuais” e livros indicados na graduação. Sabe-se que os
manuais procuram fornecer uma visão geral, sem aprofundar discussões. Quando se trata
do trabalho doméstico, isso se mostra ainda mais marcante. Foram examinados, no total,

134
08 livros28, além de um manual escrito por um magistrado29, porém dedicado ao
empregador doméstico, e mais um livro específico sobre “Igualdade de gênero” no âmbito
laboral30. Nos manuais e cursos, além do espaço reduzido, não há qualquer discussão ou
problematização, limitando-se a uma rápida análise dos direitos que são devidos às
empregadas. Já no livro que trata da igualdade de gênero, não há nenhum capítulo ou
tópico sobre as trabalhadoras domésticas; fala-se da mulher “universal”, a trabalhadora
branca, e em nenhum momento há qualquer preocupação com o destino de todo o trabalho
doméstico que ela deixou (ou não) de realizar para estar presente na empresa.
A análise será iniciada pelo livro de Carlos Henrique Bezerra Leite, autor que
faz um grande investimento teórico na questão dos direitos sociais, considerando-os
componentes da dimensão da cidadania. Ele define o próprio direito do trabalho com base
em uma perspectiva de igualdade material, como sendo um ramo que:

“visa à correção das desigualdades sociais e econômicas entre as forças do


capital e do trabalho e à efetivação dos valores, princípios e regras que têm por
objeto a dignificação da pessoa humana na relação empregatícia, no plano
individual e coletivo, com tendência expansionista para alcançar outras
relações de trabalho.”(LEITE, p. 108)

Não há em seu livro, todavia, menções expressas à falta de cidadania das


trabalhadoras domésticas em razão da sistemática negação de direitos sociais. Parece
existir uma barreira, um véu de invisibilidade impedindo que se perceba a discriminação
a que estão sujeitas.
Na extensa obra “Instituições de direito do trabalho”, que conta, no total, com
mais de mil e quinhentas páginas, o trabalho doméstico surge no volume II, na parte
destinada ao trabalho em condições especiais, ocupando um parágrafo, menos de meia
página. No parágrafo em questão, os autores trazem os resultados de uma pesquisa do
IPEA a respeito da quantidade de trabalhadoras domésticas no país (com a flexão do

28
Foram eles: GARCIA, Gustavo Filipe. Manual de Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2015.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: saraiva, 2019.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro; NASCIMENTO, Sandra Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 29
ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. 8 ed. São Paulo: Método, 2019.
SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. 20. ed. São Paulo: Ltr, 2002. Atualizada
por Arnaldo Sussekind e Lima Teixeira.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: Ltr, 2018.
MARTINS, Sérgio. Pinto. Manual do trabalho doméstico. São Paulo: atlas, 2004.
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto. O novo direito do trabalho doméstico. São Paulo: Saraiva, 2015.
29
FONSECA, José Geraldo. Vá procurar seus direitos! Tudo sobre empregados domésticos. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2005
30
BARBUGIANI, Luiz Henrique. Igualdade de gênero. O redimensionamento da concepção da igualdade
material no âmbito laboral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015

135
gênero: trabalhadoras), quantas estão na informalidade e quantas são chefes de família.
No mais, remete a disciplina do contrato à lei 5.859/72. (SUSSEKIND et al, 2002).
Apesar de ter escrito manuais genéricos, Sérgio Pinto Martins elaborou um
“Manual do trabalho doméstico”, no qual especifica os direitos e conceitos estabelecidos
pela lei. Em nota introdutória, ele afirma que a grande discussão quanto aos direitos dos
domésticos diz respeito à aplicação ou não da CLT, havendo necessidade de um estudo
para esclarecer tal ponto para o empregador e para o próprio empregado (MARTINS,
2004). Mas o que se vê ao longo da obra é que o intuito é meramente técnico, e fornece
subsídios somente ao empregador, sem qualquer intenção de se comunicar com a
trabalhadora, trazendo inclusive modelos de recibos e contratos.
Outro livro frequentemente indicado para estudantes é o Curso de Direito do
Trabalho, do ministro do TST Maurício Godinho Delgado. Nele encontramos, logo no
início, diversas referências à “especificidade” do contrato de trabalho doméstico:

Empregado doméstico é uma modalidade especial da figura jurídica de


empregado. Seu tipo legal compõe-se dos mesmos cinco elementos fático-
jurídicos característicos de qualquer empregado — embora um desses
elementos receba, no tocante à relação empregatícia doméstica, conformação
jurídica algo distintiva em face do padrão celetista imperante.
Ao lado desses elementos fático-jurídicos gerais (um recebendo conformação
especial, repita-se), apresentam-se, na relação de emprego doméstica, também
alguns elementos fático-jurídicos especiais, nitidamente próprios a esta
relação empregatícia especifica. (DELGADO, 2019, p. 441. Grifos não
constantes do original).

Os destaques na citação acima transcrita têm o propósito de mostrar o quanto,


para o autor, o serviço doméstico é diferente, não é um trabalho como qualquer outro.
Para ele, o elemento que recebe conformação especial é a continuidade. E os distintivos
são a finalidade não lucrativa, empregador pessoa física ou família e realização do serviço
no âmbito residencial (DELGADO, 2019, p. 441).
A posição de Delgado quanto à interpretação da expressão “continuidade” foi
muito influente perante a jurisprudência. A continuidade estava presente na lei 5.859/72,
que definia o empregado doméstico como “aquele que presta serviços de natureza
contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas”
(BRASIL, 1972). Mas essa lei não especificava em que consistia essa continuidade.
Uma interpretação possível era a de que o trabalho ao longo de meses ou anos iria
configurá-la, no entanto a doutrina e a jurisprudência estabeleceram que a continuidade
significava o labor em dias seguidos, sem pausa, ou com pausas mínimas. Fixou-se como

136
requisito o trabalho em pelo menos três dias da semana. Estabeleceu-se, assim, a regra de
segundo a qual quem trabalhasse em pelo menos três dias da semana era empregada
doméstica, e quem trabalhasse apenas dois era diarista, independente de haver ou não a
subordinação31. Definiu-se, portanto, que um dos pilares fundamentais do contrato de
emprego, a subordinação, ainda que presente, não seria suficiente para configurar o
vínculo. Muitas instruções processuais se baseavam, então, em procurar saber em
quantos dias a trabalhadora se fazia presente. Importante observar que para os demais
trabalhadores, geralmente bastava a não eventualidade, de modo que a interpretação
conferida à continuidade consistiu em mais um fator de exclusão.
Em 2015, a lei complementar 150 incorporou tal orientação à definição do
empregado doméstico, considerado “aquele que presta serviços de forma contínua,
subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no
âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana” (BRASIL, 2015).
Deste modo, além de não possuir, ainda, todos os direitos adjudicados aos
trabalhadores “normais”, a empregada doméstica possui, em sua própria definição, um
requisito a mais, não previsto para outros trabalhadores.
Prosseguindo na análise dos manuais, passa-se ao livro de Amauri Mascaro
do Nascimento. O autor considera que o trâmite da Emenda Constitucional 72 foi “muito
precitado, desencadeando inúmeros questionamentos e críticas”. Ele assevera que a
emenda “confundiu” o empregador doméstico, “pessoa física e, em sua grande maioria,
de classe média, assalariado ou aposentado”, com uma empresa. Afirma que o trabalho
doméstico não gera lucro e, sendo assim, deve ter tratamento diferenciado. Mostra-se
contrário à limitação da jornada e adicional noturno, visto que o trabalho noturno decorre,
por exemplo, da natureza do trabalho da babá (NASCIMENTO, 2014, p. 2.114). Mas o
mesmo autor não questiona, em nenhum momento, o adicional noturno para o vigia
noturno, que teoricamente também teria o trabalho nesse horário como sendo
“decorrência lógica” da sua atividade. Ele se insurge, também, com a extensão de direitos
atinentes a segurança e saúde, pontuando que o esforço deveria ser para incentivar a
formalização desses empregos e para obter o acesso da categoria aos seus direitos
“enquanto domésticos”, sendo isso suficiente para “dignificar” a profissão

31
Vejam-se, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos:
1) TST - RR: 2717620125240072, Relator: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento:
25/11/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/12/2015;
2) TST - AIRR: 11636220115020482, Relator: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento:
04/02/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: 06/02/2015

137
(NASCIMENTO, 2014, p. 2.115). Em suma, para Nascimento, os direitos existentes são
suficientes.
Entre “cursos”, manuais e outros títulos, merece destaque o livro intitulado
“Vá procurar seus direitos! Tudo sobre empregados domésticos”, de 2005, escrito por
José Geraldo da Fonseca, que atuou como magistrado do trabalho. Na abertura, ele
explica que o livro foi escrito para que os amigos deixassem de “encher o saco na fila do
banco 24 horas, no elevador do prédio, no catamarã ou nas festinhas de crianças por causa
das picuinhas de suas empregadas domésticas” (FONSECA, 2005, p. 11). E acrescentou
que é uma obra para “gente simples”, e não para o sujeito de “terno e gravata, anel de
grau, juridiquês fluente”.
Essa nota introdutória traz duas visões acerca das empregadas domésticas:
são pessoas que criam “picuinhas” e são um assunto menor, que não interessa àquele
sujeito masculino (pois de terno e gravata) que utiliza seu juridiquês para tratar de
assuntos do direito. Emprego doméstico é tema prático, menor, cotidiano.
No primeiro capítulo, ao tratar da demissão, o autor desenha um cenário de
caos familiar em razão da ausência da empregada e da atribuição de toda a
responsabilidade pela contratação à esposa. É à esposa que o livro se reporta. É com a
mulher que ele dialoga em linguagem “simples” sobre as empregadas domésticas, numa
curiosa atualização dos manuais para noivas e esposas citados no capítulo 02 desta
dissertação.
O livro ainda “brinca” comparando a empregada doméstica a objetos, e
ratifica a desconfiança generalizada sobre as profissionais:

Domésticas, arquivos de computador e táxis em dia de chuva costumam sumir


sem deixar rastro. (FONSECA, 2005, p. 15)
(...)
Empregados domésticos não vêm com manual de instrução. Alguns se
parecem com boneco de ventríloquo: têm cabeça, tronco e membros mas cada
parte funciona sem combinar com a outra para que lado vai. Por pouco não
perguntam para que serve o fogão. Tem aqueles que parecem secretárias
eletrônicas: você liga da rua, ela atende, você deixa o recado. Se o filho liga
depois, ele apaga o primeiro. E tem aquele que parece cafeteira elétrica: não
serve para mais nada além daquilo (FONSECA, 2005, p. 25).

Torna-se patente a desconsideração da humanidade da trabalhadora,


rebaixada de forma generalizada em seu intelecto, comparada a objetos e tendo seu valor
aferido com base nas finalidades para as quais ela “serve”. O capítulo que se inicia com
esse segundo texto destacado é intitulado “Contrato de experiência – test drive. Ou seja,

138
ele compara um contrato de experiência a um teste feito em veículos, antes de tomar a
decisão da compra.

Outra coisa: nunca dê cópia da chave da casa à empregada, especialmente com


um mês ou dois de trabalho. se não tiver jeito, deixe a chave com o porteiro ou
com a vizinha do lado. A primeira coisa que você tem de fazer depois de
dispensar a empregada é chamar o chaveiro da esquina. (FONSECA, 2005, p.
15)

Vê-se aqui a já conhecida associação entre empregada e furtos. O autor cita,


em nota de rodapé, livro escrito por outro magistrado no qual se diz que não há nenhuma
garantia de que o patrão não será furtado por sua empregadas, e que esse crime existiu
“mesmo ao tempo em que as domésticas tiravam carteira profissional nas delegacias de
polícia (FONSECA, 2005, p. 18).
É preciso ressaltar que, embora não seja um livro destinado a acadêmicos, ele
foi escrito por um magistrado trabalhista, e publicado no século XXI, ano 2005.
Atualização dos antigos manuais para noivas e esposas, só que com uma abordagem
jurídica, o livro é uma compilação de estereótipos e discriminações.
Quanto aos cursos e manuais, embora não cheguem a tanto, eles carregam
consigo uma cegueira em relação ao serviço doméstico, contribuindo para a disseminação
de uma cultura jurídica de omissão e discriminação.

5.5 . Patroas e empregadas domésticas diante da juíza e do juiz do trabalho

O Poder Judiciário constitui um local de ritos e formalidades, e o juiz é tido


como uma figura de poder. A Justiça do Trabalho possui uma dinâmica um tanto diferente
das outras esferas, por lidar com um volume diário muito grande de audiências e possuir
ritos processuais, no geral, mais simplificados, sendo que um dos princípios regentes é o
da oralidade. O fato de estar um trabalhador (geralmente desempregado) em um dos
polos também adiciona camadas a essa diferenciação, uma vez que o trabalhador costuma
se vestir de modo menos formal, sobretudo por questões econômicas, e na maioria das
vezes não possui acesso a ambientes de poder e burocracia. Os átrios ou salas de espera
constituem locais quase sempre lotados, nos quais pequenos grupos conversam. Isso
repercute na própria dinâmica do trabalho, na linguagem utilizada pelos juízes e

139
advogados, tanto em suas petições quanto nas audiências. Em suma, a Justiça do
Trabalho se torna uma justiça menos formal32.
Ainda assim, a percepção que as partes têm desse local pode ser muito
diferente. Há poucas pesquisas enfocando essa relação que se estabelece entre os
litigantes e a figura da juíza ou do juiz em audiência. No caso específico de empregadas
domésticas, Fábio de Medina da Silva Gomes realizou uma pesquisa empírica e
interdisciplinar entre novembro de 2013 e agosto de 2014, assistindo a 37 audiências
relativas a litígios domésticos, encontrando exclusivamente mulheres em todas elas, tanto
no polo ativo quanto passivo. O autor discute, em alguns artigos e na sua dissertação de
mestrado, o entrelaçamento das emoções na vivência da relação de trabalho e na Justiça
(GOMES, 2015). Aqui, o enfoque será sobre o sentimento de trabalhadoras e patroas em
relação à Justiça, e a percepção das juízas e dos juízes em relação a tais litígios.
No tocante à dinâmica judicial, Gomes (2015) relata ter presenciado uma
grande quantidade de acordos, sendo que em relação a alguns deles a empregada não
concordava, sendo depois “convencida” pelo advogado, com o apoio do julgador ou
julgadora. Sua percepção foi de que tais acordos geralmente eram em valores mais baixos
em relação a processos de outros tipos.
O autor (2015) destaca a distinção entre cenas e bastidores; a cena ocorria no
interior da sala de audiência e se tornou repetitiva:

As partes, doméstica e patroa, chegavam à sala de audiência, sentavam-se à


mesa e não se entreolhavam. Evitavam olhar diretamente nos olhos uma da
outra. (...) Entre elas havia um grande silêncio, contrastando, muitas vezes,
com muito barulho na sala. Era impressionante ver um olhar conotando tanta
frieza. (GOMES, 2015, p. 296 e 297).

Nos bastidores, ele registrou o choro, muitas vezes com o apoio de amigos
e/ou familiares que aguardavam o término da sessão. O sentimento, após a audiência, era
de ruptura, da certeza do fim de uma relação íntima. A maioria das empregadas
entrevistadas relatou algum sentimento de perda em razão de se considerar “parte da

32
Tais constatações são fruto da vivência da pesquisadora, que exerce a profissão de juíza do trabalho desde
junho de 2001, tendo, ao longo desse período, trabalhado em diversas varas do interior e da capital dos
estados de Pernambuco e Rio Grande do Norte. Tal experiência é trazida à presente pesquisa com a
“permissão” de todas as teóricas feministas que criticaram o ideal de total afastamento entre pesquisador e
objeto. Cumpre salientar, também, que GOMES (2014, p. 15) chegou a semelhante conclusão em sua
pesquisa empírica, apontando que sofreu estranhamento inicial com essa informalidade, ressaltando o
aspecto das vestimentas dos advogados e advogadas, o diálogo “menos frio” entre juízes e advogados e
uma maior simpatia dos juízes em relação às partes.

140
família”, o que redundava no sentimento de humilhação por estar no judiciário. Uma
das entrevistas afirmou:

Se eu me sentia da família? Lógico. Mas aqui, quando eu sentei naquela


cadeira, eu tive a certeza de que não era nada da família. Tinha certeza de que
essa ingenuidade acabou quando sentei. (GOMES, 2015, p. 298).

Em relação às patroas que ele conseguiu entrevistar, uma delas proferiu um


relato digno de nota:

Eu me senti muito mal aqui na Justiça, me senti traída, porque eu a tinha como
uma amiga. Pior do que o diagnóstico de câncer foi vir aqui. Não era
necessário. Não dá pra confiar em ninguém. Em ninguém. (GOMES, 2015, p.
298).

Não obstante a pesquisa tenha sido feita há alguns anos, o tema das
intrincadas amizades entre patroas e empregadas permanece extremamente atual. Essa
pesquisa mostrou como as emoções são trazidas ao judiciário, e como o sentimento de
ser “quase da família” se desdobra em rancor de formas diferentes para trabalhadoras (a
ruptura, a humilhação) e empregadoras (a traição, a perda da confiança).
Além de um local de ruptura, a sala de audiência aparecia como um ambiente
para reviver situações difíceis, de humilhação e rancor, por meio dos depoimentos das
partes e testemunhas. Em relação aos juízes e juízas, ele registrou que muitos lhe
disseram que julgar um processo de domésticas se equiparava a julgar um caso de
divórcio numa vara de família. Sobre a prevalência de emoção ou tecnicidade, uma juíza
lhe respondeu que tudo era emoção, enquanto outra relatou que a relação seria emocional,
mas o julgamento era técnico. (GOMES, 2015).
Sobre a percepção das entrevistadas em relação aos juízes, o autor relata que
algumas mencionaram sensação de desamparo e medo. Em suas conclusões, ele afirma
que “as emoções não são bem recebidas no espaço do judiciário”. (GOMES, 2015, p.
310). Em outro momento, relata que uma entrevistada, empregada, disse ter se sentido
“sozinha” na frente da juíza, e que a representação dela sobre a figura da magistrada era
de uma pessoa dotada de muito poder. Para ele, o judiciário, na visão das empregadas, é
um espaço formal, repleto de símbolos ininteligíveis (GOMES, 2014).
Em síntese, o judiciário surge como um espaço hostil, de simbologias
desconhecidas e de rupturas. Não foram localizadas pesquisas empíricas recentes que
pudessem ensejar comparação com os resultados obtidos por Gomes, e a pandemia de

141
Covid 19, com a suspensão de todos os atos presenciais na Justiça do Trabalho, tornou
impossível a realização de pesquisa específica para a presente dissertação.
O autor afirma ainda:

Uma frase muito repetida entre os juízes do trabalho era “Eu não posso
sobrecarregar o empregador doméstico na mesma medida que eu penalizo uma
empresa.” Esse discurso ratifica as desigualdades, desmerecendo as tarefas
domésticas e justificando os valores pequenos dos acordos entre domésticas e
patroas.
Nesse caso, mais do que uma desigualdade, uma invisibilidade. No judiciário,
quase sempre se opta por acordos, com valores pequenos, se comparados aos
de outros trabalhadores. Na verdade, todo trabalho ligado à reprodução carrega
a representação de desimportante.
(GOMES, 2015b, p. 41)

Esse mesmo autor (GOMES, 2015 b) chama a atenção para uma situação
presenciada: uma juíza teve que modificar sua rotina de audiências porque a empregada
doméstica faltou ao trabalho. Com base nisso, ele traz reflexões a respeito de duas
“feminilidades” detectadas, duas formas de ser mulher, que não são apenas diferentes,
mas também hierárquicas. As empregadas domésticas normalmente são associadas à
pouca formação e à ausência de mérito: vai trabalhar em serviço doméstico quem não
estudou, quem não “venceu na vida”. Já a juíza é tida como figura de autoridade, alguém
que conseguiu alcançar um objetivo e se destacar no âmbito profissional. Uma, entretanto,
depende da outra para poder fazer seu trabalho: a juíza depende da empregada doméstica,
e, no entanto, o trabalho doméstico é invisibilizado.
Percebe-se, então, que as empregadas domésticas quase não possuem espaço
no direito do trabalho, e quando ingressam em juízo para disputar a pequena parte que
lhe cabe carregam consigo todas as representações que incidem sobre a profissão,
havendo a possibilidade de que isso resulte em prejuízos financeiros, como a realização
de acordos em valores mais baixos.

5.6 Jurisprudência de exclusões. Domésticas entre a aventura jurídica e a


resistência

Segundo Queiroz e Feferbaum (2020), pesquisas jurisprudenciais constituem


investigações científicas que devem ser orientadas por uma metodologia e devem se guiar
por perguntas que possam ser respondidas através da análise dos julgados. Nesse sentido,
foi elaborada pesquisa jurisprudencial por meio do portal Jusbrasil e de uma compilação
de acórdãos da editora Juruá do ano de 1997, que reuniu matéria trabalhista com acórdãos

142
de 15 tribunais diferentes33. A justificativa para utilizar esse livro antigo é justamente o
recorte que se deseja analisar: o período anterior à emenda constitucional n. 72/2013 e à
lei n. 11.324/2006, que concedeu estabilidade à gestante empregada doméstica. A busca
teve como finalidade principal verificar qual o tratamento jurídico concedido a pedidos
de horas extras e estabilidade quando não havia previsão expressa na lei, observando se
havia alguma discussão que envolvesse a aplicação do princípio da igualdade ou a
declaração de inconstitucionalidade difusa de lei. Outro foco diz respeito às disputas pela
condição de empregada doméstica quando há alegação de que a trabalhadora é diarista, e
a possibilidade de pagamento de salário inferior ao mínimo legal por força da incidência
de descontos relativos a moradia e alimentação. No que diz respeito ao portal Jusbrasil,
o alvo da busca foi adicional de insalubridade, doença profissional e acidente do trabalho.
Ao longo da pesquisa, defrontou-se com alguns outros temas, que, em
consideração à relevância, também serão aqui expostos
Com base nos acórdãos pesquisados, foi constatado que sempre houve
disputas judiciais a respeito da concessão de certos direitos, negados pela lei, não tendo
existido uma conformação à ideia de exclusão.
A expressão “aventura jurídica” tornou-se uma espécie de bordão utilizado
em peças processuais para designar uma ação ou um pedido específico em relação ao qual
não haja, supostamente, nenhum tipo de base legal. Uma das propostas deste tópico é
discutir a existência de pedidos de direitos que eram expressamente negados pela
lei. Tais pedidos podem ser interpretados como “aventura jurídica” ou como uma
forma de resistência e de tensionamento do sistema judicial, com a finalidade de
tentar provocar alterações e criar teses?
Uma primeira leitura da compilação da editora Juruá, a fim de selecionar os
julgados que seriam citados, revelou a utilização, em quase todos os acórdãos do livro,
de expressões como “inaplicabilidade”, “exclusão”, “indevido”, “indevidas”, “não faz
jus”, “não há previsão legal”. Também a ideia de não extensão (“não se estendem aos
domésticos...”). Uma jurisprudência, portanto, composta por muitas ausências, negativas
e exclusões.
Constatou-se a ocorrência de muitas disputas em torno do vínculo
empregatício e do enquadramento como doméstica ou diarista, e quanto ao

33
A jurisprudência é proveniente dos seguintes Tribunais Regionais do Trabalho: 2ª região, 3ª região, 4ª
região, 6ª região, 9ª região, 10ª região, 11ª região, 12ª região, 13ª região, 15ª região, 19ª região, 20ª região,
22ª região, 23ª e 24ª região. Total de acórdãos lidos: 74.

143
enquadramento como doméstico e outras atividades, como trabalhador(a) rural,
recepcionista e vigia. Nota-se uma gradação em busca de maior proteção legal:
trabalhadoras informais, tratadas como diaristas, buscam o reconhecimento do vínculo
como empregadas domésticas. E trabalhadores que realizam atividades que não se
restringem às tradicionais buscam uma reclassificação para excluir a condição de
doméstico.
O tema das horas extras mostrou-se muito presente. Partindo de um acórdão
que citava o nome de José Serson como doutrinador que admitia o pagamento das horas
extras às trabalhadoras domésticas, foi possível localizar um livro escrito por esse autor,
no qual ele defendia que a empregada doméstica fazia jus ao pagamento da diferença das
horas trabalhadas a mais, uma vez que o valor do salário-mínimo era fixado para uma
jornada de 220 horas mensais. Assim, embora ela não tivesse direito ao adicional de horas
extras, poderia receber o pagamento da hora na forma simples, sem o adicional.
(SERSON, 1994).
Essa tese, todavia, não encontrava ressonância nos julgamentos, embora isso
não signifique que não fosse invocada. Em acórdão do TRT da 9ª Região, foi encontrada
seguinte fundamentação:

Nem o parágrafo único do art. 7º da CF/88, nem a Lei 5.859/72, assegura aos
trabalhadores domésticos o direito à limitação da jornada laboral. Portanto,
data vênia do ilustre José Serson, o salário daquela categoria não se encontra
dimensionado para o cumprimento de 220 horas de trabalho mensal, eis que
não há restrição legal à duração de sua prestação de serviços. As únicas
limitações temporais ao trabalho doméstico são o direito ao repouso semanal
remunerado e o direito às férias, o que, de forma alguma, conduz à conclusão
a que chegou o respeitável doutrinador. (BRASIL, TRT 9, 1994, p. 59).

No que diz respeito à estabilidade gestante, a posição dos tribunais também


era taxativa. Foram localizados acórdãos nos quais as trabalhadoras postulavam o
benefício alegando que se tratava de direito constitucional, mas a resposta era sempre a
mesma: empregados domésticos estão excluídos.

Tendo-se em conta que a reclamante estava no oitavo mês de gestação, é


despiciendo o argumento da reclamada de que ela não lhe comunicou o seu
estado gravídico, pois que este se evidenciava. Mas a gravidez da doméstica
não lhe assegura estabilidade provisória. (BRASIL, TRT 2, 1994, p. 27).

O trecho em destaque, por sua sequência, deixa bastante nítido o caráter


discriminatório do direito em relação à empregada doméstica. Atesta uma dispensa

144
ocorrida no oitavo mês de gestação (e a alegação da empregadora de que desconhecia tal
fato). Grávida, dispensada em decorrência da gestação, mas sem nenhum amparo legal.
Um tema que não havia sido objeto de pesquisa proposital, mas que, uma vez
localizado, foi trazido para a presente dissertação, em decorrência de sua relevância, foi
a visão da subordinação da trabalhadora doméstica, expressa nesse julgado do TRT da 2ª
região:

A relação empregatícia no âmbito doméstico é pessoal e contínua; torna-se


incompatível pela cumulação de reações e comportamentos desagradáveis e
contrários aos costumes familiares. Assim, inviabiliza a convivência sobre
quem os patrões (marido, mulher, filhos, noras etc.) não exercem autoridade
familiar de donos da casa ainda que mais jovens do que o empregado. Não há,
pois, que se falar em fato culminante do despedimento por justa causa quando
se trata de trabalho doméstico. O fato de a reclamante ser mal-humorada, reagir
ao cumprimento dos serviços habituais, responder inadequadamente, ou, às
vezes, até o simples fato de dar uma resposta quando não deveria dar,
justificam sobejamente a despedida (BRASIL, TRT 2, 1993, P. 35).

Esse acórdão cria um requisito a mais para o contrato de trabalho doméstico:


a subalternidade. Muito mais do que subordinada (conceito já carregado de colonialidade)
a empregada doméstica precisa ser subalterna e silenciosa. A leitura desse acórdão remete
à pergunta formulada por Spivak34 que serviu de título ao seu livro: pode a subalterna
falar? Para o relator, e para os demais desembargadores que ratificaram o voto, a resposta
é negativa: “o simples fato de dar uma resposta quando não deveria dar” pode ser
fundamento para uma dispensa, e não uma dispensa qualquer, e sim por justa causa.
Outro ponto digno de nota é a tese de negativa do vínculo empregatício pelo
empregador sob alegação de ser “pessoa da família”. No caso abaixo transcrito, a sentença
de origem havia julgado improcedentes todos os pedidos, por inexistência de vínculo. O
tribunal, todavia, modificou a decisão:

Entretanto, não prosperam as alegações dos reclamados: em cidade como São


Paulo, alguém a colher uma desconhecida em sua residência por não ter onde
morar, de início por pouco tempo até que arrumasse emprego, permanecendo
aí por dois anos e meio, sem nenhuma atividade sem procurar trabalho,
subestima a boa fé alheia. (BRASIL, TRT2, 1993, p. 36).

O relator narra depoimento de uma testemunha no qual é dito que a


reclamante foi acolhida “como se fosse pessoa da família”, e nessa condição realizava
atividades domésticas. Importante ressaltar que houve voto divergente, reconhecendo
legítima a situação da autora como “membro da família”.

34
Spivak, Gayatri C. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: UFMG, 2010.

145
Em outra situação, pronunciou-se o Tribunal da 12ª região:

Trabalho doméstico. Não ocorrência. A prestação de serviços em decorrência


da natural gratidão da demandante, acolhida na infância na residência de seu
tio, e do próprio método de educação familiar, dispensado igualmente a própria
filha do reclamado, não constitui a relação de emprego de doméstica,
porquanto carece de subordinação jurídica. (BRASIL, TRT 12, p. 67).

Em certo ponto do voto, é dito, ainda, que a reclamante executava serviços


domésticos da mesma forma que a filha do reclamado também os executava. Nesse caso,
o tribunal pressupõe a existência de um sentimento de gratidão e de gratuidade dos
serviços domésticos de duas mulheres. Tem-se aqui a naturalização do trabalho
doméstico feito por mulheres e a pressuposição que é realizado por amor. Se o sentimento
de gratidão fosse realmente preponderante, teria a reclamante ajuizado a ação? Perceba-
se que o acórdão “fala” pela trabalhadora, afirmando a existência de um sentimento que
ela mesma nega.
No que diz respeito ao adicional de insalubridade, trabalhadoras domésticas
ingressam com o pedido, mesmo diante da perspectiva forte de negação. Não foi
localizado nenhum julgado concedendo o adicional; ao contrário, em alguns deles a
insalubridade é efetivamente reconhecida, mas ainda assim o pedido é negado:

EMPREGADA DOMÉSTICA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE.


Embora o laudo técnico conclua pela existência de condições insalubres na
atividade da reclamante, o direito ao respectivo adicional não é extensível à
categoria dos empregados domésticos, por força do caput do art. 7º, da
Constituição Federal e da exclusão expressa da CLT.
(TRT-4 - RO: 01390005320085040016, Data de Julgamento: 24/11/2010,
1a. Turma).

Acórdão do ano de 1993 mostra, em seu relatório, que a reclamante,


empregada doméstica, postulou o pagamento do adicional e não só teve indeferido o
pedido, como também a própria realização de perícia. Diz o acordão, rejeitando o
argumento de afronta à isonomia:

Realmente, a proteção ao trabalhador doméstico, infelizmente, não evoluiu


com a mesma rapidez notada em relação ao trabalhador urbano. Com efeito, a
lei não confere os empregados domésticos os mesmos direitos dos empregados
celetistas (...). Não há que se cogitar de violação ao princípio da igualdade, já
que isto implicaria em concluir que o próprio parágrafo único, do art. 7º, da
CF/88 é inconstitucional, por não ter incluído em seu rol o inciso XXII do
mesmo artigo, o que obviamente é um absurdo. (BRASIL, TRT 4, 1997, p. 49)

Embora o vocábulo “infelizmente” denote certo compadecimento com a


situação da trabalhadora doméstica, percebe-se que o compadecimento ou o sentimento

146
“humanitário” são os únicos ganhos possíveis, visto que a declaração de
inconstitucionalidade de uma lei claramente discriminatória é tida como “um absurdo”.
Outro tema sensível diz respeito à saúde e segurança. A naturalização das
tarefas domésticas (tidas como simples, do tipo que qualquer um pode realizar) cria vieses
de julgamento a ponto de o julgador decidir contra o laudo pericial, com base apenas em
suas convicções pessoais35. A atividade é tida como sendo isenta de riscos ergonômicos36.
No que diz respeito às trabalhadoras que residiam no local, muitos tribunais
possibilitavam o pagamento de salário inferior ao mínimo legal com base na possibilidade
de o empregador descontar o valor a título de alimentação, material de higiene e, em
alguns casos, moradia. Importante verificar que aqui havia uma inversão do discurso
segundo o qual a CLT não se aplica aos domésticos. Tal discurso, fartamente usado para
indeferir direitos, era escamoteado quando se tratava de negar:

(...) Embora as disposições consolidadas sobre a matéria não sejam aplicáveis


aos empregados domésticos – eis que seus contratos de trabalho são regidos
por lei especial – não lhes é devida a diferença salarial para o mínimo legal
quando, além das utilidades fornecidas pelo patrão, recebem, em pecúnia,
quantia que percentualmente supera a que seria devida, como salário básico, a
qualquer trabalhador.
(...)
Quanto a esse aspecto da lide, convém observar que não prospera a objeção da
reclamante no que pertine a consideração do salário in natura como parte
integrante do salário mínimo, pelo fato de não ter havido ajuste expresso das
partes quando da formação do contrato de trabalho, porque “na falta de acordo
ou prova sobre condição essencial ao contrato verbal, esta se presume
existente, como se tivessem estatuído os interessados, na conformidade dos
preceitos jurídicos adequados a sua legitimidade, como estabelece o art. 447
da CLT, que se aplica a espécie, a falta de norma especial específica, por
analogia, de acordo com artigo 126 do CPC. (BRASIL, TRT 6, 1996, p. 55).

No acórdão acima transcrito, como visto, a CLT foi utilizada por força de
analogia para indeferir uma pretensão da pare autora.
Entre negativas e exclusões, as trabalhadoras sempre tentaram obter direitos
pela via judicial. Merece destaque, pela excepcionalidade, acórdão do TRT da 13ª região

35
Um exemplo: “Como se vê, o fundamento apresentado pelo laudo de que a doença (bursite/tendinite
do ombro direito) teve como fator agravante o trabalho não pode ser aceito, até porque baseado apenas
na experiência do perito, uma vez que nem sequer especificou as atividades da autora que possam ter
acarretado as lesões.
O trabalho executado na reclamada não pode ser considerado um fato certo acelerador da doença, sem a
análise do caso concreto, na medida em que as atividades realizadas pela autora (limpar, cozinhar, cuidar
de idoso) faz parte do cotidiano doméstico. (TRT2. Processo Nº RO-1002342-64.2016.5.02.0053
Relatora: Bianca Bastos).
36
TRT-11 - RO: 00007333320175110003, Relator: Jose Dantas de Goes, Data de Julgamento:
13/12/2018, 3ª Turma, Data de Publicação: 18/12/2018)

147
que, ao tratar de um pedido relativo a férias, fundamentou com base nos princípios da
igualdade e da não discriminação:

No que pertine a pretensa ilegalidade da concessão de férias proporcionais e


dobradas ao empregado doméstico, cumpre proclamar que a lei do empregado
doméstico, 5859/72 é conflitante com os princípios fundamentais da lei maior
do país, promulgada em 05/10/88, que assegura direitos iguais para todos os
trabalhadores. Ora, se as férias estão asseguradas ao empregado doméstico na
CF/88, a regra aplicável é a que condiz com a CLT, em toda sua plenitude,
porque nesta parte foi a lei do empregado doméstico revogada nas disposições
incompatíveis com a CF/ 88.
Com efeito, os preceitos constitucionais demonstram a vontade do poder
constituinte em excluir da nossa legislação quaisquer normas discriminatórias
que não se adequem com o ideal de justiça e ao princípio da igualdade.
(...)
No direito do trabalho, a principal âncora a sustentar o intérprete é o objetivo
social, a promoção da melhoria das condições de vida do trabalhador. Neste
compasso, e ao silêncio da lei, é lícito ao aplicador do direito valer-se dos
meios integrativos do sistema, consoante prevê o art. oitavo da CLT,
preenchendo as lacunas da norma através da analogia, dos princípios gerais do
direito e da equidade, conforme o caso. (BRASIL, TRT13, p. 83).

A resposta à pergunta sobre se esses pedidos judiciais de direitos negados pela


lei constituem aventura jurídica ou resistência é, talvez, frustrante, eis que aberta.
Julgadores, principalmente no âmbito da segunda instância, costumam ter perspectivas
muito mais pragmáticas, voltadas à subsunção exata dos pedidos à lei. Há uma tendência
para repetir proposições cristalizadas e naturalizar seus próprios conceitos no momento
de refletir sobre o direito. No geral não há a busca de ferramentas analíticas ou empíricas
para auxiliar nos julgamentos (POSNER, 2021; RODRIGUEZ, 2013). Sob essa
perspectiva, os repetidos pleitos das empregadas domésticas talvez sejam considerados
uma “aventura”. Mas observando por outro prisma, as petições iniciais nesses processos
constituem um pedido de tratamento igual, de aplicação de princípios constitucionais.
Mesmo considerando que tais petições não representem a voz das próprias empregadas,
pois muitas não tinham conhecimento dos seus direitos e buscaram a mediação de um
advogado ou advogada, ainda assim esses processos podem significar a agência de uma
categoria que, ao contrário do que diz o senso comum, não se conformou com a
desigualdade e buscou espaços de manifestação. Nesse sentido, o poder judiciário, ainda
que por meio de um olhar retrospectivo, surge como um espaço de fala para essas
mulheres (parcial e mediada). A resposta a essas demandas, que compõem, em sua
maioria, uma jurisprudência de exclusões, desponta como o retrato de como o direito
pode ratificar desigualdades.

148
5.7 Por um direito do trabalho antidiscriminatório e decolonial

“Hoje, o que se torna inadiável é que a


cidadania redescubra as potencialidades
democráticas do trabalho”. (ANDRADE,
2012, p. 43)

Ao longo de todo esta pesquisa, foram expostas questões históricas e


estruturais que resultam na desvalorização e na ausência de reconhecimento do serviço
doméstico. Procedeu-se ao exame da legislação, da doutrina, da jurisprudência e da
dinâmica das audiências trabalhistas. Criticou-se o direito do trabalho, por construir e
reproduzir desigualdades. Diante de todas essas constatações, faz-se necessário
questionar: quais os limites do direito para lidar com questões estruturais tão complexas?
Pode o direito emancipar?
Taylisi Leite afirma:

(...) concluímos que jamais haverá verdadeira emancipação das mulheres por
meio da positivação de direitos e da tutela estatal, por uma questão lógica de
que, estruturalmente, direito e Estados foram projetados para reproduzir um
valor masculino. (LEITE, 2020, p. 458).

De fato, a forma assumida pelo direito é masculina. E não só masculina, mas


também branca e eurocêntrica. A doutrina trabalhista que prevalece é a que oculta
sujeições interseccionais resultantes da divisão sexual e racial oriundas da colonização,
que persistem até os dias de hoje em razão do que se denomina colonialidade do saber e
do poder. Uma abordagem diferente, com a ideia de visibilizar e combater essas sujeições,
pode advir de uma crítica ao próprio direito, com base em um pensamento pós-colonial,
que desmistifique o processo de produção de conhecimento, de matriz eurocêntrica, e que
deixe de reproduzir a lógica colonial (MURADAS E PEREIRA, 2018).
Nesse cenário, destaca-se o projeto de um direito antidiscriminatório, que se
insere numa perspectiva decolonial. A prática de um direito antidiscriminatório possui
relação com a ideia de proporcionar a todos os grupos o reconhecimento nas esferas
jurídica e da solidariedade, uma vez que no seu cerne está a consideração de que todos os
indivíduos possuem idêntico valor moral e devem ser considerados aptos e hábeis para a
deliberação e a participação política. A igualdade, um conceito notadamente relacional,
pressupõe a incompatibilidade de certos tipos de hierarquia social com o próprio regime
democrático (MOREIRA, 2020).

149
O direito antidiscriminatório apresenta todo um aporte teórico plenamente
aplicável a direito do trabalho, uma vez que ele não constitui uma disciplina autônoma,
estanque, e sim um estudo que atravessa todos os “Direitos”.
Conforme registra Moreira (2017), há muitos normas jurídicas no país
vedando a discriminação, todavia tais normas utilizam uma linguagem que mostra o
manejo de uma concepção de discriminação intencional e arbitrária. Essas normas
regulam determinados comportamentos que de modo intencional iriam impedir o
exercício de algum direito.
Nesse sentido, Moreira (2020), afirma que legisladores e doutrinadores
entendem a discriminação basicamente em sua manifestação direta, mediante a imposição
a outro de um tratamento de desvantagem com base em um critério que a lei considera
inválido. Assim, faz-se necessário um avanço para detectar as assimetrias estruturais e o
papel do direito na reprodução de tais assimetrias.
A história das trabalhadoras domésticas é uma história de discriminação, que
tem suas bases em sistemas de dominação nos quais racismo, sexismo e desigualdades
se articulam. Essa história desafia o direito do trabalho, interpela seu caráter protetivo e
sua abrangência. Quando Sojouner Truth, mulher negra, proferiu seu célebre discurso em
1852, em Akron, Ohio, suscitou um questionamento que ressoa até hoje no movimento
feminista : “E eu não sou uma mulher?”:

“Olhem pra mim! Olhem para meu braço! [...] Eu lavrei e plantei e juntei os
grãos no celeiro e nenhum homem conseguia passar na minha frente – e eu não
sou uma mulher? Eu conseguia trabalhar tanto quanto qualquer homem
(quando conseguia trabalho), e aguentar o chocote também – e eu não sou uma
mulher? Pari cinco crianças e vi a maioria delas ser vendida para a escravidão,
e quando chorei meu luto de mãe, ninguém além de Jesus me ouviu – e eu não
sou uma mulher?”(HOOKS, 2019, p. 253)

À maneira de Sojouner Truth, as trabalhadoras domésticas continuamente


interpelaram o direito do trabalho, por meio do envio de projetos de lei, de postulações
judiciais e do movimento associativo e sindical, questionando: “E eu não sou uma
trabalhadora?” A categoria, que ainda não obteve reconhecimento pleno, continua sendo
um desafio a esse direito, uma vez que sua situação de marginalidade diz muito sobre os
limites da proteção trabalhista.
Pode o direito emancipá-las? A presente pesquisa não responde a esse
instigante questionamento, mas sugere que a interseccionalidade, a decolonialidade e
a construção de um direito antidiscriminatório podem ser estratégias para se imaginar e

150
se buscar um outro mundo, no qual elas possam redigir novos capítulos da luta por
redistribuição, reconhecimento e justiça social.

151
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação abordou o longo percurso rumo ao reconhecimento


jurídico e social do serviço doméstico, percurso este que ainda não está completo, uma
vez que persistem diferenças entre a categoria e os demais trabalhadores, tanto sob o
aspecto da concessão legal quanto das condições para efetivação de alguns dos direitos,
sobretudo àqueles relativos à saúde e segurança.
Buscou-se responder à pergunta: por que esse trabalho, que constitui um
mecanismo essencial ao funcionamento da sociedade, é sistematicamente ignorado pelo
legislador e pelos juristas? Por que subsiste o entendimento de que o trabalho doméstico
não é um trabalho “como outro qualquer”?
A investigação teve início com pesquisa bibliográfica, sendo constatada uma
lacuna na literatura jurídica, que avança timidamente em direção a uma análise mais
ampla do instituto. Foi observado que falar sobre serviço doméstico implica falar sobre
trabalho doméstico gratuito e sobre o esforço da teoria feminista para afastá-lo da posição
de “não trabalho”. As estatísticas sobre o serviço doméstico no Brasil indicaram a
necessidade de se investigar a razão da presença predominante de mulheres negras e
periféricas na função, o que induziu a uma pesquisa sobre raça e classe. A teoria do
reconhecimento de Axel Honneth permitiu a fixação de uma base teórica, fornecendo os
pressupostos sobre os quais foram buscados elementos que atestassem o nível de
reconhecimento obtido por esse tipo de serviço.
A hipótese inicial da ausência de reconhecimento foi plenamente confirmada.
As respostas para a pergunta de pesquisa foram no sentido de que diversos fatores
convergiram e convergem até o momento para o não reconhecimento: a persistência da
associação entre mulher e trabalho doméstico; a presunção de que não há intenção de
recebimento de contraprestação, ou em outras palavras, a expectativa de que esse trabalho
seja feito por amor; a histórica exclusão do trabalho doméstico do mundo “produtivo”, e
a ideia de que a reprodução social constitui um tema privado, desconectado da produção
e irrelevante para o interesse público; a persistência da divisão sexual do trabalho; o baixo
ou quase nulo status social do trabalho braçal, historicamente associado à escravidão, e o
enquadramento do serviço doméstico nessa categoria de trabalho braçal e “sujo”; o nexo
de continuidade entre o trabalho doméstico escravizado e o serviço doméstico
remunerado; a divisão racial do trabalho, que reserva para pessoas negras os trabalhos
mais desvalorizados; o colonialismo persistente não só na legislação, mas também nos

152
vieses que moldam a visão de grande parte dos juristas, os quais reproduzem a
naturalização das discriminações e as repassam às novas gerações de estudantes do
direito.
No que diz respeito ao nexo de continuidade entre trabalho escravo e serviço
doméstico, restou evidente o quanto a constituição da categoria de trabalhadoras
domésticas livres buscou preservar sistemas de dominação e mando. Se a classe
trabalhadora brasileira foi se formando em um contexto de tentativa de preservação de
estruturas coloniais, a classe de trabalhadoras domésticas, sempre um passo atrás, sentiu
ainda com mais força os efeitos de um processo de abolição que se deu unicamente no
interesse dos brancos.
O direito e as relações sociais são inseparáveis, e há uma retroalimentação
entre a discriminação jurídica e o sistema de exclusão social, apontando para tais
trabalhadoras lugares pré-determinados de exclusão e humilhação. Constatou-se, todavia,
que nunca houve uma total conformação a esse lugar, ao contrário do que prega o senso
comum. O acesso a fontes documentais revelou a apresentação de projetos de lei, que
jamais foram aprovados, e uma mobilização associativa e sindical que refletiu uma
intensa resistência, ante todas as dificuldades para a militância, impostas pela falta de
condições financeiras, pelo isolamento das trabalhadoras e pela falta de tempo para
participar das atividades políticas, sobretudo em épocas nas quais era grande o número
de residentes no trabalho. Foi identificada, também, uma resistência narrativa, que agora
conta histórias de empregadas domésticas, lhes confere o acesso a espaços de fala e
constrói novas representações, confrontando estereotípicos, imagens de controle e lhes
dando protagonismo.
Ao final, tornou-se necessária uma crítica ao próprio direito do trabalho, sem
fugir da ambiguidade e do desconforto de criticar um direito socialmente relevante, em
diversos aspectos uma grande conquista da classe trabalhadora, mas que por outro lado
possui uma estrutura de pensamento que naturaliza hierarquias e exclusões.
A conclusão da pesquisa é no sentido de que o direito precisa da
interdisciplinaridade para poder observar os institutos com uma visão mais abrangente.
Nesse sentido, ele precisa, também, conhecer e fazer uso de uma ferramenta analítica
muito eficiente, a interseccionalidade. A histórica discriminação das trabalhadoras
domésticas desponta como um desafio a esse direito, pois questiona seu caráter protetivo
e a real abrangência de suas disposições e princípios.

153
Há uma nova geração de juristas atenta a esses temas, produzindo trabalhos
científicos nesse sentido, divulgando por meio da publicação em livros, da discussão em
podcasts e em redes sociais. No que diz respeito ao trabalho doméstico, essa produção é
extremamente necessária. Espera-se que a presente pesquisa possa se juntar a tais
trabalhos, constituindo um material de estudo e reflexão para auxiliar na construção das
transformações que ainda estão por vir, rumo à plena igualdade da categoria.

154
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174
ANEXOS

ANEXO A – Poema de Jorge de Lima: Essa negra fulô.

Essa negra fulô

Ora, se deu que chegou


(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô!


Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!

Essa negra Fulô!

Essa negrinha Fulô!


ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!

Essa negra Fulô!


Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)

175
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!

Essa negra Fulô!

"Era um dia uma princesa


que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco".

Essa negra Fulô!


Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".

Essa negra Fulô!


Essa negra Fulô!

176
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!

Essa negra Fulô!


Essa negra Fulô!

O Sinhô foi ver a negra


levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).

Essa negra Fulô!


Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!

Essa negra Fulô!


Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.

177
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.

Essa negra Fulô!


Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?

Essa negra Fulô!

178
ANEXO B – Poema Outra nega Fulô, de Oliveira Silveira.

Outra Nega Fulô

O sinhô foi açoitar


a outra nega Fulô
– ou será que era a mesma?
A nega tirou a saia,
a blusa e se pelou.
O sinhô ficou tarado,
largou o relho e se engraçou.
A nega em vez de deitar
pegou um pau e sampou
nas guampas do sinhô.
– Essa nega Fulô!
Esta nossa Fulô!,
dizia intimamente satisfeito
o velho pai João
pra escândalo do bom Jorge de Lima,
seminegro e cristão.
E a mãe-preta chegou bem cretina
fingindo uma dor no coração.
– Fulô! Fulô! Ó Fulô!
A sinhá burra e besta perguntou
onde é que tava o sinhô
que o diabo lhe mandou.
– Ah, foi você que matou!
– É sim, fui eu que matou –
disse bem longe a Fulô
pro seu nego, que levou
ela pro mato, e com ele
aí sim ela deitou.
Essa nega Fulô!
Esta nossa Fulô!

179
ANEXO C – Cópia do Acórdão extraído do Jornal do Commercio, 1930

180
181
ANEXO D: Cópia da pesquisa de 1963, sobre direitos das empregadas domésticas, com
vistas à aprovação de projeto para incluí-las como seguradas perante a Previdência Social.

182

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