Você está na página 1de 80
vere srt ei CAMINHOS | INVESTIGATIVOS II Caminhos investigatvos i tutros meddos de pensar efacer pesquisa em educa Maria Vorraber Costa (organizadora) 1. ed: Rio de Jancio: DPA, © Lamparinaedivora Projeto gifico capa Femando Rodrigues Revisio (red) Ana Teresa Gotardo Proibida a reprodusio, total ow parcial por qualquer meio 04 proceso, sia sepaogsatc,fotogri cs, iio, aazrabbragent ie Estas proba apt se também as caractersdcasgrifcas ef editorias, A vioagio dos direitos Autorais € panivel como crime (Codign Penal, ar. 184 ¢ §§; Lei 6-895), ‘com usa, aprcensio indenizasies diversas (Le ,6rolo8 ~ Lei dos Disitos Awtorsis~amts. 123,133, 12467 CCatalogagio na fonte do Sindicaro Nacional dos Editores de Livros « Caminhos investgstivos Il outros modos de pensar © fazer pesquisa em educagio / Marisa Vorraber Costa (organizadbora) ~ 2. ed. Rio de Janeiro Lampatina edtora, 200: Incluibibliografia +. Pesquisa edocacional. 2. Pesquisa ~ Metodologia I Costa, Marisa . Vortaber (Marisa Cristina Vorraber, DD 370278 Lamparna editors Rua Joaquim Sive, 98, 2° andar, sal 201, Lape Cop 2028-110 Rio de Janeiro Rd Bros Telex (21) 2232-1768 lamparine@lamparina com.br MARISA VORRABER COSTA, (organizadora) CAMINHOS INVESTIGATIVOS II OUTROS MODOS DE PESQUISA EM EDUCAGAO NSAR E FAZER ALFREDO VEIGA-NETO. MARIA ISABEL, EDELWEISS BUJES MARIA LIICIA CASFAGNA WORTMANN ROSA MARIA BUENO FISCHER ROSA MARIA HESSEL SILVEIRA, 2 edigio SUMARIO APRESENTAGAO APRESENTAGAO DA SEGUNDA EDIGAO Capiculo 1 DESCAMINHOS Maria Isabel Edelweiss Bujes Capitulo » PARADIGMAS? CUIDADO COM ELES! Alfredo Veiga-Neto Capitulo 3 VERDADES EM SUSPENSO: FOUCAULT E OS PERIGOS A ENFRENTAR Rosa Maria Bueno Fischer Capitulo 4 ANALISES CULTURAIS ~ UM MODO DE LIDAR COM HISTORIAS QUE INTERESSAM A EDUCAGKO Maria Liicia Castagna Wortmann Capitulo 5 PESQUISA-AGAO, PESQUISA PARTICIPATIVA E POLITICA CULTURAL DA IDENTIDADE Marisa Vorraber Costa Capitulo 6 [A ENTREVISTA NA PESQUISA EM E ~ UMA ARENA DE SIGNIFICADOS Rosa Maria Hessel Silveira ICAGRO Capitulo 7 UMA AGENDA PARA JOVENS PESQUISADORES Marisa Vorraber Costa SOBRE AS AUTORAS © AUTOR 49 cariruto 1 DESCAMINHOS MARIA ISABEL EDELWEISS BUJES INTRODUGAO Comego 0 capitulo que me cabe neste livro justificando de saida o seu titulo, De onde vem esta idia ~ “descaminhos” ~ num livro que se propde a discutir abordagens contempora~ neas, questdes epistemolégicas, metodologias da pesquisa, “caminhos” no campo da educagao? Talver. eu veja como necessirio marcar logo uma postura, confirmar uma filia~ jo, apontar para um significado da atividade cientifica que se opde radicalmente a visio candnica que dela se teve até recentemente na sociedade ocidental.' E fago isto num tex- to que relata uma experiéncia recente como pesquisadora confessional, apaixonado, mas que nao tem a ambigao de fazer proselitismo, ganhar adeptos, sendo apresentar essa experiéncia para, no limite, quem sabe, convidar alguns, a quem ela sensibilize, a buscarem novas armas, A inspiragao para o titulo (mas também para as profun- das mudangas que ocorreram na minha trajetéria de pes- quisadora) me veio de Michel Foucault, do qual aponto uma passagem, entre tantas, onde esta idéia est explicitada com a forga que caracteriza 0 autor: De que valeria a obstinagao do saber se ele assegurasse ape- nas a aquisi¢ao dos conhecimentos ¢ ni, de certa maneira, « tanto quanto possivel, o descamiinbo daquele que conbece? (Foucault, 1998, p. 13 ~grifo meu). 1. Com relagio as formas de pensar a ciéncia que herdamos do baco- nismo e do cartesianismo, ver Azanha (1992). Falo de descaminhos nao para tentar descrevé-los como contrafagdes de caminhos conhecidos, nem para mostrar que por tras de toda atividade cientifica existe uma “ossa- tura l6gica” (Azanha, 1992) que pode ser deduzida e, uma ver descoberta, servir como uma senda iluminadora para nos conduzir mais propriamente a obtengao da “verdade”. Escolhi falar de descaminhos para concordar com Foucault que “existem momentos na vida onde a questio de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, € perceber diferentemente do que se vé ¢ indispensavel para continuar a olhar ow a refletir” (ib., p. 13). £ deste processo de desen- caminhamento, mas também das trilhas seguidas, naquilo que Costa (2002b, p. 8) denominou “conturbada trajetoria de pesquisadora moderna”, que falo a seguir. A INFANCIA COMO TEMA E COMO OBJETO ‘A temtica da infancia e de sua educagio tem sido, pelo ‘menos nos iiltimos anos, a referéncia marcante de minha produgao académica. Ainda que dela eu tenha me aproxi- ‘mado pelas injungGes da vida universitaria, o seu apelo me fez dar a cla uma centralidade inquestionavel. Mas € preciso referir que, nos seus inicios, o meu modo de ver a infancia nao diferia muito das visbes dominantes que a seu respeito vigem na sociedade. Uma infancia marcada especialmente pelo signo da diferenca. As criangas vistas como desiguais, desprotegidas, exploradas, excluidas, nos extratos majori tarios da populagao, Ou ainda, como diferentes, porque inocentes, imaturas, tanto do ponto de vista social quan- to cognitivo, “seres em falta” cujo “outro” seria o adulto, Uma infancia como passagem — um estado até certo ponto indesejavel, improprio, pouco confortavel ~ cujas marcas diferenciadas/diferenciadoras precisavam, no plano indi vidual, ser rapidamente superadas, apagadas, esquecidas. Criangas que dependiam inapelavelmente da protegio ¢ da autoridade dos mais velhos para se aproximarem do ideal de realizacao humana: seres maduros, equilibrados, produ tivos, centrados, coerentes, racionais, no controle de suas emogoes... Adultos, enfim! A esta concepgao de infancia, como diferenga e como passagem, correspondia uma crenga inabalavel no poder redentor da educagao (ou, pelo menos, uma grande esperan- ga de que ela viesse a cumprir este papel). Para um grande contingente de criangas, a quem as condigdes adversas de distribuigao das benesses sociais neste pais haviam marcado inexoravelmente, o processo de insergao nos sistemas educa- ionais piblicos, de preferéncia, significaria a esperanca de tuma infancia digna, produtiva, mais feliz. Uma experiéneia que garantisse um maior respeito por suas caracteristicas “essenciais” — a capacidade de aprender, de desenvolver-se ~ acompanhada de uma vivéncia de respeito aos seus dir tos, mas, sobretudo, a garantia de poder viver plenamente a sua infancia teria como resultado “natural” (esperava-se) oalcance de sua autonomia cognitiva e moral. Na outra ponta do espectro social, procurar-se-ia também garantit as criangas um espago de descobertas, de protegao, de des- preocupacio, de vivéncia deste hiato, até que a vida viesse a Thes impor responsabilidades. Se posso sintetizar estas duas visbes, tratava-se de dar conta da organizagio e da oferta de um espago educativo em que as melhores qualidades do género humano fossem favorecidas e levadas a desabrochar, representando um fu- turo para a humanidade mais fraterno, solidario, tendente a garantir a eqiiidade nas relagdes de poder e na distribui ‘cdo do saber etc. etc. etc. A escola infantil e as propostas pedagogicas nela desenvolvidas teriam, nesta perspectiva, ‘um papel preponderante na superacio da ignordncia e da opressio que caracterizariam © nosso sistema social ¢ cor tituiriam, por certo, um fator significativo na consecuga0 da eqiidade. AS FISSURAS AAs leitoras e 0s leitores deste texto hao de se perguntar por que falo do meu tema de pesquisa quando o que se trata neste livro é dos “caminhos investigativos”. E aqui € preciso fazer um primeiro aviso: da impossibilidade de engendrar caminhos “em abstrato”. Portanto, a pesquisa nasce sem- 15 | pre de uma preocupagdo com alguma questio, ela provém, | quase sempre, de uma insarisfagao com respostas que jt | mos, com explicagdes das quais passamos a duvidar, com | desconfortos mais ou menos profundos em relagao a cren- | cas que, envalgum momento, julgamos inabalaveis. Blase 16 {| jeonstitui na inquietagaa.- \ssim, foi preciso que a minha relagdo concreta e direta com 6 campo da Educacao Infantil - no plano tanto académi- ¢o quanto institucional, no campo tanto dos discursos quan to das priticas pedagogicas propriamente ditas ~ passasse por um rigoroso processo de questionamento e desestabiliza- ‘Wo para que eu pusesse em xeque a minha trajetoria de pes- quisadora moderna e fosse buscar em outro campo teorico as ferramientas que me permitissem identificar “minimamen- te” 0 que me inquietava. Deste modo, mais do que mostrar qual foi o ponto de ruptura na trajetéria, o que cabe aqui fazer é indicar por onde passaram as “fissuras” que acabaram por produzit as inquictagdes, 0s novos “lances” ou “sacagdes” que me levaram a abandonar um campo longamente cultivado das, certezas tebricas e de promessas tedentoras para me aven- turar por novas sendas de pesquisa. Penso que a desilusio acerca da Pedagogia como um es- pago de liberdade gestou-se nos longos anos de pratica em Contato com as instituigies educacionais, Mas foi preciso {que eu penetrasse no universo da Educagao Infantil, orien- | tasse estdgios, trabalhasse mais de perto com as criangas, | observasse stias condigdes adversas de vida, o abandono a | ‘que miftas cramsabmetidas; foliprocisoque cu coavivesse com praticas institucionais em que as marcas mais salien- | tes eram as da submissio, do siléncio e da ordem para que eu passasse, de forma crescente e continuada, a desconfiar dos ideais modernos para a educacio. Associado a este processo de “desidealizagao” da Pedago, reforgou-se a desconfianga de que © modo de conceber as. 1¢as tinha profundas implicagdes nas definigdes pedago- gicas ¢ nas priticas institucionais destinadas a elas. Havia um sem-niimero de componentes que determinavam os modos de significar as criangase a infancia. Parecia haver um liame, uuma trama a enredar as priticas cotidianas e que estava para Kém delas (ainda que nelas se fizesse presente) que conforma- vva os limites da ago e que, de certa forma, aprisionava outr formas de inteligibilidade destas praticas (Bujes, 1997) Assim, foi em busca dos liames e das tramas em que as pra ticas cotidianas se enredavam ~ do que hoje entendo como, redes de poder e de saber ~ que senti a necessidade de por ‘em questio as minhas convicgbes. Tratava-se mais precisa mente de busear n colocar num outro ponto focal, de as sumir um outro registro, sair em busca de novas perspecti vas. De me educar para olhar de outra maneira aquilo que eu nao podia ver sendo com as velhas ¢ confortaveis lentes. A questio era problematizar nogoes tradicionais (e correntes) ‘como infancia, Pedagogia, eurriculo e como tais significa dos haviam constituido minhas conviegdes como educadora (Bujes, 2001, p. 15). AS ESCOLHAS. [A descoberta que fiz. de Michel Foucault, em Vigiar e punir, constituiu, por certo, outro “grande salto”. Um daqueles no qual, depois de abandonarmos a firmeza do solo, 20 lev tarmos os olhos, deparamo-nos com uma paisagem int ramente diferente, estranha, inquictante, desestabilizadora. Foi através daquele texto que, pela primeira ver, tomei con- tato com a ~ ou tive mais plenamente a ~ idgia de um poder {que age produzindo “coisas”. As investigagdes relatadas na- quele livro abriram para mim um novo campo de compre ensbes sobre 0 processo de produgao da infaincia do qual eu tomara inicialmente consciéncia pela obra de Phillipe Aries.* 2, ‘Trata-se da obra desse autor denominada Histéria social da erianca ce da familia, cuja primeira edigio brasileira de 1978, pela editora Guanabara, Mas, em Vigiar e punir, o registro é outro. Nao se trata de apontar como se constituiu, na Modernidade, um conce to de infancia, de como esta foi “descoberta” como uma preocupagdo social, de como um discurso sobre a infanci passa a ser manifestado de forma ampla em quase todas as camadas da sociedade. O que o livro me permitiu entender ~ medianamente, de inicio — foi o grande esforco da Moder- nidade em estabelecer uma sociedade da ordem, disciplinar, da qual a preocupagio com as criangas pequenas é uma das tantas faces visiveis. A idéia das instituigoes educacionais como dispositivos (como, de resto, as prises, 0s hospitais, as fabricas, os quartéis...) fascinou-me, pois me possibilitou co- locar as creches e pré-escolas e as suas praticas numa rede de inteligibilidade e compreender como elas se organizam para assenhorear-se do corpo infantil e torné-lo um objeto tan- to do poder quanto do saber. A pesquisa empreendida pelo filésofo me instigou e me desafiou, mas também funcionou a0 modo de um detonador que me incitou a ampliar a apro- ximago com as suas idéias e fez. com que me apercebesse do valor operativo dos conceitos. Perceber o discurso, como 0 faz Foucault, como uma pr: tica que forma sistematicamente os objetos de que fala, tem, ‘como nos diz Fischer (2002, p. 41), “conseqiiéncias tedricas ¢ praiticas imediatas”. E esta centralidade dos discursos para a perspectiva foucaultiana que faz com que estes passem a constituir o ponto focal das priticas investigativas. E. preci- so vé-los na sua temivel materialidade, como implicados na constituigao de corpos, de sujeitos, de priticas... As opgdes tedricas que fazemos e os conceitos com os quais trabalha- ‘mos acabam nao apenas por conduzir as escolhas em ter~ mos do corpus empirico da investigagio — no meu caso, os discursos sobre a infancia e sobre as praticas pedagégicas destinadas a sua educagao mas também por nos induzir a trilhar certas sendas de investigagao, ¢ nao outras. Assim, escolha de um tema, operagdes para constituir um probl ma de pesquisa, tratamento metodolégico dado ao material empirico etc., tudo se conecta no intrincado jogo que vem 4 s¢ constituir no nosso processo de investigacio. i 7 E aqui vai o segundo aviso: quando tratamos de ir afi- nando os nossos instrumentos para com eles engendrar nos- so problema de pesquisa, torna-se indispensavel pensar os conceitos de que langamos mao imersos numa rede de sig nificacdo. Tais conceitos s6 se tornam significativos para ngs quando inseridos numa trama, quando percebidos num conjunta de relacies que thes da sentido, Dai a importancia, para o engendramento de um problema de pesquisa, de que nos apropriemos das teorias. E preciso, como diz Corazza (2002, p. 120), “por os conecitos a funcionar, estabelece do ligacées possiveis entre eles, encaixando aqueles que tém serventia para o problema (que comega a ser configurado), € nos desfazendo daqueles que sao initeis”. Mas nao apenas isso. O nosso problema s6 se constituira se formos capazes de dar aos objetos do nosso universo de investigagaio um lu zgar nessa nova rede de significagao, problematizando “o que nio era tido como problematico, ou [reproblematizando] com outro olhar, 0 problematizado” (ib. ‘A opcio por tratar de determinadas questdes, segundo uum enquadramento te6rico especifico, circunscreve possi- bilidades, indica caminhos, acaba por orientar as direcies da investigagio, Uma das grandes descobertas que Foucault me possibilitou foi perceber que nao é suficiemte afirmar, por exemplo, a onipresenga do poder — capilar, insidioso, micro. fisico — em sua relagdo com a infancia. O que o filésofo nos insta a fazer & mostrar como este poder se exerce: em que cir cunstincias, uilizando que tecnologias, sustendo-se em que orden de saber. Como nos alerta Paul Veyne (1998, p. 254): “O método consiste, para Foucault, em compreender que as coisas no passam de objetivagdes de priticas determinadas, cujas determinagies devem ser expostas a luz, a que a cons- cigncia nio as concebe”. © CONTRAPONTO. [A moderna tradigio de pesquisa acostumou-nos a pensar em ‘um “receituario” ou modelo ndo s6 para levar a efeito as nos- sas priticas de investigacio, mas, principalmente, para clabo- rarmos 05 relatos de como decorreu este processo. Tratavamos de apresentar uma justificativa, depois os objetivos, a seguir as questoes de pesquisa ou as hipoteses, logo depois faziamos uma alentada revisao da bibliografia ou elaborsvamos 0 cha- mado referencial tebrico para enquadrar o nosso objeto num AAmbito de preocupagées de certa forma jé existentes no cam- po sob investigacao. Vinham, a seguir, as prescricBes quanto & metodologia, quando descreviamos 0 modo pelo qual con- duziriamos o estudo, selecionando instrumentos de pesquisa, escolhendo as formas de trabathar a analise dos dados, muitas ve7es definindo a que tipos de testagem estatistica submetert- amos tais dados etc. A estas etapas preparatorias se seguiria a coleta dos dados, a sua ancdlise e interpretagao que encami- nhariam as conclusdes de nosso trabalho. Neste quadro bem arranjado, cada um destes elementos corresponderia a uma das partes articuladas deste conjun- to que seria a nossa investigagao. Assim, nada de confundir 6 referencial com a metodologia, nem antecipar, na andlise, as nossas conclusdes. Se bem que tivéssemos a preocupacdo tem colocar todos os elementos em relagao, cada uum deles ti- nha uma identidade propria que nao poderia ser confundida com as demais. Os seus limites eram estritos. “Uma coisa era.uma coisa”, “outra coisa era outra coisa”. Nao é de se estranhar, portanto, que a teoria escolhi- da funcionasse como um selo de qualidade para os nossos achados. No afi de aplicagao da teoria ao problema inves- tigado, esta servia de elemento de codificagao dos proble- mas a serem analisados. A partir dela, definiamos o obje- to a ser investigado. Com ela, organizavamos os dados a serem submetidos 8 anslise, ¢ ela servia, ao mesmo tempo, de referéncia, de respaldo, para esta mesma analise. De um lado, encontrava-se a pratica (ou a realidade) com seus pro- blemas; de outro, a teoria; entre as duas, uma abordagem metodolégica que possibilitava aos iniciados submeter a pri- meira ao escrutinio da segunda. © que faziamos era a apli- cago mecanica do arsenal tedrico ao objeto. Deste modo, a “realidade” passava a ser iluminada por aquela teoria, a ser lida como um reflexo daquela teoria ‘Voltemos, portanto, & preocupacio que enuncie’ mais atras, ‘que é a de tomar as idéias, como nos ensinou Foucault, como as chaves de uma “eaixa de ferramentas”.’ Uma das desco- bertas que obtive da minha imersio no universo foueault no foi a da nio-separagao entre teoria e pritica. O autor € explicito a este respeito: uma teoria ndo expressa, no tra- duz, nem se aplica a uma pritica, uma vez.que ela é, também, uma pritica (Foucault, 1993). E aqui € preciso tomar mais explicito 0 uso do termo feo- ria na produgio dos campos pos-moderno, pés-estruturalista ‘¢dos Estudos Culturais, que tém relagao direta com o meu ob- jeto de estudo, O conceito de teoria sofre um profundo ques- tionamento a partir destes campos de estudo. Nas formula~ gies que os antecedem, a nogio de teoria implica a suposigio de que a tcoria descreveria 0 real, ela 0 “descobriria”. Assim, a teoria representaria ou refletiria a realidade, existindo um “real” que precederia as fornmulagdes destinadas a explicé-to. [Na perspectiva em que me coloco e que corresponde aos cam 108 citados acima, a teoria esta implicada na producao da salidade”. Ao descrever um objeto, a teoria também 0 pro- duz, uma ver que ela “conforma” certos modos possiveis de velo e de falar sobre ele. Portanto, um objeto € produto dos discursos que se enunciam sobre ele, Os conceitos que emi timos nao correspondem, definitivamente e de modo inques- tiondvel, a alguma “entidade real”, eles sio apenas um dentre ‘os modos possiveis de nos referirmos a algo que tomamos ‘como real: historicos, contingentes, ultrapassaveis, ‘Assim, se verdade e poder se implica mutuamente, 0 que cabe fazer é lurar contra as formas de poder Id onde ele € mais invisivel e mais insidioso, onde ele se exerce como “ver- 3, Acitagio € de Ewald (1993, p. 26), comentando a perspectiva em que ‘abalhou Foucault e que o flisafo coloca & nossa disposigl0, 04 nos convida a assumir; "Nada de imposigdes, ama possibildade entre ou tras, mas mais pertinente, mais efcaz, mais produtiva que uma outra E é bso que importa: nio produit algo de verdadeiro, no sentido de defntivo, absoluto, peremprério, mas dar pecas’ ou "bocados’, verda ddes modestas, novos relances,estranhos, que nao implicam um slén co de estupetagio ou tm burburinbo de comentiris, mas que sejam lizdveis por outros como as chaves de uma eaixa de ferramentas” a4 dade”. O poder penetra muito mais profunda e sutilmente quando atua “na ordem do saber, da ‘verdade’, da conscién- cia, do discurso” (Foucault, 1993, p. 71). Feito este longo preambulo, passo a explicitar 0 que pre~ tendo com a narrativa que desenvolvo neste capitulo, Sua fi- nalidade é mostrar, tomando como balizadora a persp va foues jana, como se foi constituindo, no meu exercicio de pesquisa, este didlogo entre 0 que tomamos usualmente como “teoria” e a propria pritica de pesquisa; como, neste exercicio, foram se modificando as minhas lentes e como elas, cem suas refragdes, foram desenhando um outro objeto que se foi ampliando, complexificando e sendo tecido em novas relagdes, permitindo que uma ordem de novas problemati- zagbes fosse “reconstituindo” esse objeto a medida que eu avangava na investigagao. ‘Trato, efetivamente, de delinear como a infancia pode ser concebida como inscrita num jogo de poder que manipula certas relagdes de forca ¢ como tais relagdes sao sustenta- das, por sua vez, por tipos de saber, ao mesmo tempo que os sustentam. CONSTITUINDO © OBJETO:’AS PRIMEIRAS APROXIMAGOES © que eu pretendia inicialmente investigar,* inspirada nas teses de Vigiar e punir, era como se dava o governamento* das criangas, como 0 poder penetrava 0s corpos infantis. 4. Trato, neste pesqui pitulo *O singular e plural", em minha ¢ maquinarias (Bujes, 2001) Usilizo © termo governamento com -governanca, no sentido de ato de gover _govero ~rclacionado 3 administragao superior, como poder execut vo que se encarrega da gestio do Estado, por exemplo (Ferreira, 1986). Justifio a uilizagio do termo (existente no Portugués antigo) no sen tide de diferenci-lo de governo ~ que indicaria tanto uma instancia de controle politico quanto uma institicio a qual cabe o exerecio da lautoridade ~ para sgnifci-lo como ato que se exerce sobre uma pes soa ou que ela exerce sobre si mesma, para controlar suas ages. Para 'maioresesclarecimentos, er Bujes (2001) e Veiga-Neto (2008) alho, apenas do processo de construcdo da minha rio que se refere a anslise das técnicas dsciplinares, no ca tese de doutorado Infireia Mas também como se constituia todo um conjunto de afir- mages, todo um aparato de saber que sustentava as pres~ crigoes pedagégicas, a partir de uma idéia de que constitui- am o “fundamento cientifico” para as praticas destinadas as criangas no interior das instituigdes de Educagao Infantil. Para realizar este propésito, escolhi como corpus empirico de minha investigagao o Referencial Curricular Nacional para a Educagao Infantil ~ RCN (Brasil, 1998). Eu partia de tum pressuposto, inspirada nas leituras prévias de Foucault, de que este documento assumia o carter de um dispositive pedagégico, pois punha em marcha discursos ~ filos6ficos, morais, “cientificos”... -, instituia priticas, definia a orga: nizagio do espago, orientava decisbes pedagogicas ¢ admi: nistrativas. Ele constituia uma rede de poder que articula- va todos estes elementos. O que ele possibilitava ~ a0 dizer coisas sobre as criangas ¢ ao definir modelos para conduzir a.agio pedagégica a clas dirigida — era 0 dominio dos cor- pos infantis, colocando-os como alvo de técnicas que nao eram da ordem da repressao ou do constrangimento, mas da produgao e da estimulagio da subjetividade. Assim, no jogo das minbas escolhas, eu lidava, de um lado, com a tematica da infancia; de outro, com a crenga despertada pelas leituras de Foucault de que esta infancia era alvo do poder; e, por outro, ainda, com a idéia de que a vontade de poder sobre os sujcitos infantis estava articu: lada a uma vontade de saber que engendrara 0 moderno quadro de saberes sobre a infancia. F preciso lembrar, en- 1tdo, que as nossas tematicas de pesquisa, por mais amplas ‘que sejam, inicialmente ~a infancia em suas relagdes com 6 poder, no meu caso -, esto sustentadas por um conjun- to de discursos que se constituiram historicamente. E esses discursos, nio 0 pano de fundo, como nos acostumamos a pensar, terdo um efeito crucial ¢ constituidor para a paula- tina “circunscri¢ao” do nosso objeto de pesquisa. Portanto, a infancia da qual falo em minha investigagao nao é qualquer uma; ela é fruto de “jogos de linguagem” que estabelecem 0 que sobre cla pode ser falado, em que circunstncias, com que limites, por quem... Estes limites 33 4s possibilidades de enunciagio sio 0 que Michel Foucault denominou “regimes de verdade”: Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “politica ge al” de verdade: isto é, 0s tipos de discurso que aceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instncias que permitem distinguir entre sentencas verdadeiras e falsas, 05 _meios pelos quais cada um deles & sancionado (1993, P. 12). Portanto, em que pesem todas as fragilidades dos sig- nificados, a sociedade busca constantemente estratégias € fticas para fixar certos sentidos, através das coergdes dos, discursos tomados como “verdadeiros”. E aqui seria também interessante recorrer a Rose (1997), para quem certos problemas ¢ temas particulares podem ser construidos apenas através de possibilidades que a lin- guagem torna disponiveis. Com suas palavras, vocabuld- rios, gramaticas, a linguagem torna apenas certos modos de sermos huma nos descreviveis [sic] e, a0 fazé-lo, apenas certos modos de sermos humanos tornam:se possiveis. Ser humano € agit € comportar-se segundo uma certa descrigdo ¢ a possibilida- de de deserigio ¢ dada pela linguagem (p. 238). Assim, o importante era mostrar, no inicio de meu traba- Iho, como as criangas entraram num regime de dizibilida- de, como passaram a se constituir como alvos da verdade. Como um corpo de especialistas na sociedade tomou-as como fulcro de seus pronunciamentos, de seus escritos, de suas cruzadas morais etc. E. como tal regime discursivo pos- sibilitou, por seu lado, que o dispositivo pedagégico fosse montado para colocar estas criangas na ordem do poder. Como 0 aparato institucional, com suas arquiteturas, seus corpos profissionais, suas regras de funcionamento, suas di- retrizes pedagégicas e curriculares, foi se estruturando para colocar a infincia “em quarentena” naquela que constitui a instituigdio moderna por excelénciat a escola, E, por aqui, fica a terceira adverténcia: os objetos do mun- do social em sua constituigdo, que nos acostumamos a ver como naturais, nao estiveram ai desde sempre, imutiveis, pairando num limbo, a espera que viéssemos resgati-los ¢ falar sobre eles, como nos ensinou Foucault. Nao basta ‘que deles tomemos consciéncia tais objetos nao preexistem em si mesmos: € necessério, para que cles “surjam”, que se- jam inventados, engendrados, a partir de um complexo fei- xe de relagdes. Assim, foi preciso mostrar como os significados hoje atri- buidos a infancia sio o resultado de um proceso de cons trucao social, dependem de um conjunto de possibilidades {que se conjugaram em determinado momento da historia, iio organizados socialmente, sustentados por discursos nem sempre homogéacos ¢ em perene transformagio. Tais signi- ficados nao resultam, como querem alguns, de um proceso de evolugio, nem esto acima e & parte das divisdes sociais, sexuais, raciais, étnicas... $20 modelados no interior de rela- Bes de poder e representam interesses manifestos da Iereja, do Estado, da Sociedade Civil... Implicam intervengoes da filantropia, da religio, da Medicina, da Psicologia, do Ser- vigo Social, das familias, da Pedagogia, da midia... Contudo, esses significados nao sio estveis nem tinicos, e as lingu: gens que usamos, a0 mudar constantemente, sao indicativas da fluidez e da mutabilidade a que esto sujeitos. (Os regimes de verdade dominantes ~ para usar a tio co- nhecida expresso de Foucault -, a0 operarem a naturali- zagio desta concepcao de infancia, acabam por nos fazer esquecer este seu carater “fabricado” © que ela tem estado submetida a relagdes ¢ a interesses cujo propésito tem sido definir o que é “ser crianga”, fixar um sentido para a infat cia, Por outro lado, tais significados, constituidos nas redes de poder/saber, nao sé descrevem o sujeito infantil, mas con- tribuem, concomitantemente, para desencadcar as estrat ias que visam governé-lo, A educagao da infancia insere-se, pois, num conjunto de tecnologias politicas que vao investit na regulagao das populages, através de processos de con= trole ¢ de normalizagao. E de um tipo particular de tecno- logias, as disciplinares, ¢ de seus modos de operar que falo a seguir. Mas, antes de seguir adiante, talver fosse interessante fa- zzer mais um lembrete: se € de jogos de poder que estamos falando, nao se trata de mostrar apenas as formas de po- der que ele engendra, sustentadas permanentemente pela producio onipresente de um saber que 0 garante. O que se torna importante é mostrar também que nao basta “inven- tar” novos objetos, mas manté-los sempre, ¢ © mais possi- vel, sob a luz dos refletores. Garantir para eles um regime permanente de visibilidade. DESCREVENDO AS TATICAS: AS DISCIPLINAS EM EVIDENCIA Voltemos, portanto, para a idéia que enunciei mais atr a de que as nossas escolhas tedricas circunscrevem, orien: tam, organizam as possibilidades metodolégicas de nossa investigagao. Foucault, ao descrever as disciplinas, mostra- nos como uma “anatomia politica”, que € também uma “mecanica de poder”, ao se assenhorear do corpo humano, esquadrinha-o, desarticula-o e recompde-no. Esta é a ma- neira de operar de uma nascente maquinaria de poder que vai se instalar, na Modernidade, em instituigdes como as fa~ bricas, 0s quartéis, as escolas, as prises. O autor nos insta a dar atengao as miniicias, aos detalhes, as pequenas astti- cias. Esta prescricao, que 0 filésofo segue de modo exem- plar em Vigiar e punir, tem uma importancia capital para {que mostremos 0 exercicio do poder em sua face mais eco- némica: fazendo que o seu exercicio seja 0 menos custoso, que seus efeitos alcancem a maxima intensidade e que leve a0 maior rendimento dos aparelhos em que € exercido. Foi, portanto, para seguir tais prescrig6es e apontar 0 “como” do poder, que arranjei um modo de dispor os enun- ciados presentes no material empirico de minha investiga- ‘cao de modo a mostrar como os denominados “operado- res disciplinares” funcionam de forma potencializada pelos arranjos sutis que eles engendram, pela solidariedade mi: tua que entre eles existe. Agi, seguindo a precaugao sugeri da por Foucault de ir as minticias, mas também utilizando uma estratégia denominada por Veiga-Neto (1996) “efeito de saturagao”: ‘Valendo-me de varias passagens, de varios fragmentos dis ccursivos exemplares nio tanto no sentido de reforgar meus argumentos ~ nem, muito menos, no sentido de exempli ficar - mas, sim, no sentido de mostrar uma abundancia de uma recorréncia que expressa o quanto certas nogdes “de fundo” sio tomadas trangiiilamente, como prineipios fun: antes ~ pelos discursos que estou descrevendo e analisando (Bujes, 2001, p. 138). Fiz isto destacando “falas” que indicassem como 0 RCN, em suas proposigdes, suugere que se ponham em marcha as doperagoes de vigilancia, as sangOes que visam a normaliza- lo e as priticas de exame. Devo confessar que © material ‘empirico foi generoso comigo ¢ devo também admitir que nio foi preciso buscar uma “agenda oculta” no material que cu examinava, Ali estavam presentes em toda a sua inteireza as proposig6es que orientavam o governamento das criangas, ino no sentido de reprimi-las ou negar a possibilidade de que viessem a tornar-se cidadas plenamente ativas, mas a conti- nua incitagao a sua produtividade, ao seu ajustamento, a0 exercicio de sua autonomia, as escolhas tornadas pessoas Mas nao foram apenas as operagées disciplinares que atrairam a minha atengao. Era preciso admitir que 0 mate- rial me permitia ver mais do que isto. Tratava-se de mostrar como 0s operadores disciplinares, para agir de forma po- tencializada, valiam-se de uma série de técnicas de controle minucioso do corpo, de suas partes, das suas atividades, do tempo ¢ de suas forgas. O que se podia identificar no docu- mento examinado era o constante incitamento ao agencia~ mento sobre os corpos pelo seu confinamento, pela estrutu- 28 ragao do espaco destinado a cada crianga, pela codificagio continuada do tempo e do movimento e pela sugestio de que tais estratégias fossem exercidas incessantemente (Dreytus € Rabinow, 1995). O que pretendo ter mostrado nos parigrafos preceden- tes é que, a0 trabalhar com os procedimentos disciplinares, vistos em seu carater instrumental como priticas de gover- namento, fui levada por esta escotha a enveredar por um caminho que pds em evidéncia de modo minucioso as for- mas de operar destas praticas. O que fiz foi seguir, de uma forma bastante peculiar, as sugestoes propostas por Dean (1999, p. 21) quando detalha as operagoes que uma anal tica de poder deve seguil ‘Uma analitica de um particular regime de praticas busca, no minimo, identifica a emergéncia daquele regime, examinar as miltiplas fontes de elementos que o constituem e seguir os diversos processos e relagdes pelas quais estes elementos so reunidos em formas relativamente estaveis de organizagio e pritica institucionais. Examina como este regime da origem ce depende de formas particulares de conhecimento e como, ‘em conseqiiéncia disso, torna-se alvo de varios programas de reforma ¢ mudanga. Considera a dimensio técnica ou tecno logica deste regime e analisa suas téenicas, suas instramen- talidades e os mecanismos caracteristicos através dos quais, opera, tenta realizar as suas metas e através dos quais tem também uma multiplicidade de efeitos. ‘Ao examinar como a disciplina exercida sobre 0 eixo do corpo 0 coloca como alvo de um “sistema minucioso de coer- ‘cies materiais” (Foucault, 1995, p. 188), eu estava pondo em relevo como tais coergdes agem nao para subjugi-lo, mas para “propiciar simultaneamente o crescimento das forgas domin: das e 0 aumento da forga ¢ da eficacia de quem as domi- na” (ib). O que os estudos foucaultianos me permitiram perceber foi como, nos diversos sitios culturais — entre eles, a escola ~ 0s individuos so construidos pela utilizagao de for- mas especiticas de aco institucional. Como tais operagdes acabam por constituir formas proprias de subjetividade, E-talver aqui fosse importante trabalhar a idéia de efeitos que, em Foucault, apresenta-se de forma bastante distancia- da de nossos modos habituais de concebé-la. Ao trabalhar investigando como o poder entra nos “corpos” infantis, a0 descrever em detalhes como o RCN opera como um dispo- sitivo de poder, resta apontar para possiveis impactos que podem decorrer de colocar em circulagao as proposigies presentes num documento como este. Aqui, a concepea0 de impactos ou efeitos desconecta-se das formas tradicio- nais como foram pensados na Modernidade, numa relagio imediata e direta entre uma causa ¢ seu efeito (que nun- ca pode ser previsto, mas sempre deduzido a posteriori). A idéia aqui € de causa imanente, de uma causa que se atua- liza em seus efeitos ou, como diz Deleuze: Um efeito nao é, de modo algum, uma aparéncia ou uma ilusio, £ um produto que se difunde e se expande sobre uma superficie. Ele est estritamente co-presente a ~ € € ~ sua propria causa. Ele determina esta ‘causa como uma causa imanente, inseparavel de seus efeitos (Deleuze ap. Rose, 1997, p. 245): A idéia de examinar os efeitos, como pretendo sugerir aos meus leitores, ndo é a de deduzir de imediato que, como numa equagio moderna, se o poder opera, por exemplo, através de taticas de vigilancia, fixando cada corpo a um es- ago para permitir seu esquadrinhamento continuo, logo... Nao € disto que se trata. Ao trabalhar com as estratégias, de coagao sutil que se expressam técnicas disciplina- res, 0 que se deseja por em evidéncia é como, pela utiliza- do continua ¢ progressiva de tais coagdes, pretende-se, no limite, a internalizagao da disciplina. Mas é preciso con- siderar também que este processo se da numa perspectiva de singularizacio, j4 que uma das faces desses efeitos € a sua absoluta imprevisibilidade, © que acaba por produzir, 29 30 em qualquer circunstancia, individuos tnicos, em seus mo- dos de ser, agir e sentir. O disciplinamento, para Elias (1994), constitui 0 instrumento por exceléncia de disseminagao do codigo civilizado. O que cabe, entio, nao é justificar 0 po- der ou deplorar os seus excessos, mas desmascaré-lo onde quer que cle se exerga, mostrar as formas que toma. E, aqui, a tltima adverténcia deste texto: uma pesquisa que se en- volve com os chamados “métodos toucaultianos”, no afa de ‘compreender de que modo 0 poder se exerce nas praticas cotidianas, nao esta, de fato, preocupada apenas em forne- cer narrativas detalhadas de tais operagoes, em examinar seus rituais ou suas asticias mindsculas, mas, sobretudo, ‘em apontar para seus possiveis efeitos. Ewald (1993), quando discute estas idéias, adverte-nos, para o fato de que a concepgao do poder microfisico, para Foucault, supde que qualquer ago sobre 0 corpo é indisso- ciavelmente “produgao do corpo e da alma; qualquer te nologia politica é produgao do corpo, simultaneamente fi- sico e moral” (p. 49). Nesta perspectiva, a alma é o proprio corpo oposto a si mesmo, como juiz de stias proprias agdes. que as disciplinas visam nao ¢ apenas a inscrigao de mar- ‘cas sobre os corpos, imediatamente identificaveis, mas a in- ternalizagio das condutas apropriadas, num processo que orna cada um de nés 0 pastor de si mesmo. Nao pretendo descrever aqui, jd que este nao é 0 meu ob- jetivo neste texto, o conjunto de efeitos que as formulagoes do RCN me permitiram identificar como possiveis ao longo de seu exame, Talvez eu deva apontar apenas para o fato de que tais efeitos ja estio la presentes, tragados como objeti- vvos a serem alcangados, como referencias decisivas para a avaliagdo da eficécia da agio educativa das instituigoes de Educagao Infantil. La estdo identificadas, por exemplo, as priticas de indivi- dualizagao com a sua fungao singularizadora de classificagio, de diferenciagio, de fixagao em cada individuo de caracteris- ticas tinicas € particulares. Mas é preciso mostrar como esta individualizacao se apdia/corresponde a um processo conco- mitante de objetivagao. Ou, ainda, como os rituais de obje- tivagio acabam por instituir uma individualidade marcada por certos tragos, por certas medidas, por certas notas, por certos desvios. Como cada erianga se transforma, por estes rituais, num caso. O que espero ter apontado com este pe- queno exemplo € que os efeitos das taticas disciplinares nao podem ser identificados em seus limites estritos. Aprendi com Foucault que nao apenas tais taticas atuam de forma poten- cializada ¢ solidaria como também constroem uma multi- plicidade, uma miriade de efeitos que procuramos distinguir apenas para torné-los inteligiveis e passiveis de andlise. NOVAS SENDAS F (DES)CAMINHOS No momento em que encerro a escrita deste capitulo, sinto ainda a necessidade de fazer algumas consideragdes 4 sa de um provis6rio fechamento. F preciso admitir que, a0 inicio da investigagao que serve de “mote” para este traba Iho, eu nao tinha, delineados de antemao, os caminhos que pretendia trilhar. Nao contava com uma selecio prévia de técnicas logicamente organizadas num arranjo metodol6gi: co (aquela ossatura a qual fiz referencia) previamente dese- nhado para guiar meu percurso. A inexisténcia de uma tal orientagao (e, principalmente, acreditar que ela de nada me valeria) permitiu-me um inusitado espago de liberdade. © que é importante ressaltar, apesar de ja té-o feito neste texto, foi o papel fundamental da teoria em produzir novas significagdes, em por em questo crencas longamente culti- vadas, em virar pelo avesso muitas das minhas conviecées. Tive a necessidade de buscar nos autores do campo pos- estruturalista, em Foucault, principalmente, mas também nas idéias pés-modernas e no ambito dos Estudos Cultu- rais, 0 apoio nao 6 para “desconstruir” verdades que me haviam constituido, mas especialmente para educar 0 olhar a sensibilidade. Fazia-se necessério estar aberta a novas ¢ sr 32 intrincadas formas de raciocinio que nio se baseavam nos pressupostos de um sujeito fundante, de uma realidade em constante aperfeigoamento e numa verdade iltima, Pude fazer a escolha de ferramentas, criar sendas, refa- zer passos, buscar saidas, sempre que necessario, ja que ‘io tinha compromissos com uma metodologia preestabe lecida, com estratégias ossificadas, com um trajeto fechado. Portanto, este foi um caminho inventado, de ensaios nem sempre bem-sucedidos, mas de qualidade profundamente provocativa e desafiadora, porque consisti em desbravar, engendrar, buscar armas novas (Deleuze, 2000). Procurei submeter material da investigagao — teorias, possibilida- des metodol6gicas, empiricas ~ a um rigoroso escrutinio, confronté-lo, voltar a ele muitas vezes; perguntar-me da possibilidade de estabelecer com/sobre ele novas relagoes €, quem sabe, alcancar nestes jogos outras formas de inte~ ligibilidade, Eu entrava, assim, num jogo que colocava por terra crengas antigas, confundia os caminhos que eu trilha- ra ¢ borrava inapelavelmente as fronteiras ou os limites do espago onde eu colocava as verdades iiltimas e inquestiond- veis, as mais firmes fundages, o terreno onde se assenta- vam minhas certezas mais caras ¢ que me permitiam viver ¢ produzir no cotidiano. “Tratava-se também de extrair visibilidades, como disse Deleuze (2000), de colocar novos focos de luz sobre as “coi- sas”, de aprovcitar as cintilagdes novas, os clardes, os refle xos para ver ali onde antes tudo era certeza, novos objeros. Pata isso foi preciso, a partir de uma massa de elementos, isolar alguns, po-los em confronto, discutir suas possiveis inter-relagdes, pensar sua pertinéncia, organizé-los em con- juntos (Foucault, 1997). O que busquei, a partir de narra- tivas atuais que se enunciam sobre a crianga e a infancia, consubstanciadas no RCN, foi mostrar como o discurso pedagégico tem construido para elas “posigdes de sujei {que se sustentam em uma determinada concepgao do sujeito infantil e que as idéias de desamparo da infancia tém sido responsaveis por justificar a intervengio educacional, dire- cionada para os ideais de racionalidade e cidadania, que tém imperado no discurso pedagégico moderno. O estatuto de dependéncia da infancia tem servido para justificar a tutela das criangas e das familias, as iniciativas de “ortopedia mo- ral” da filantropia, a proposigao de leis, a institucionalizago cada vez mais precoce das experiéncias de Educagao Infantil € a propria idéia de propor-Ihes um referencial curricular. © trabalho de pesquisa teve, entao, como algumas de suas estratégias, desterritorializar, desfamiliarizar, levar a0 estranhamento, num esforgo para engendrar novos proble- mas ¢ objetos de pesquisa. Nele, a metodologia organizou- se em estreita relagao com as questdes investigadas, tendo por objetivo levar-me a compreender alguns dos modos de operar do poder, a identificar suas estratégias, suas taticas, suas arquiteturas e suas maquinarias, mas, também, suas, estreitas relagdes com a produgao da verdade. O principal objetivo de meu trabalho foi mostrar o dispositivo discipli- nar em operaco. F disso que pretendo ter falado, ao lon- go deste capitulo, na certeza de que s6 posso fazé- refazendo, de certo modo, os meus passos. » agora, REFERENCIAS Ruts, Philippe. Historia social da erianga e da familia, Rio de Janeiro: Guanabara, 1981 AZANHA, Mario Pires. Uma idéia de pesquisa educacional. Si0 Paulo: Edusp, 1992. BRASIL. Ministério da Educagio do Desporto. Secretaria de Educagio Fundamental, Referencial curricular nacional para educacao infantil. Brasilia: MECISEF, 1998. 3 ¥. BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Anteprojeto para ingresso no pro -grama de doutorado. Porto Alegre: PPGEDU/UFRGS, 1997. Tr batho inédit. Infancia ¢ maguinarias. Tese de doutorado ~ PPGEDU/ conazza, Sandra Mara. Labirintos da pesquisa, diante de fer- rolhos. In: costa, Marisa V. (org,) Caminhos investigativos: novos olhares na pesquisa em educagio. 2. ed. Rio de Jane DP&A, 2002. 33 32 intrincadas formas de raciocinio que no se baseavam nos pressupostos de um sujeito fundante, de uma realidade em constante aperfeigoamento e numa verdade iltima. Pude fazer a escolha de ferramentas, criar sendas, refa- zer passos, buscar saidas, sempre que necessario, ja que nao tinha compromissos com uma metodologia preestabe- lecida, com estratégias ossificadas, com um trajeto fechado. Portanto, este foi um camino inventado, de ensaios nem sempre bem-sucedidos, mas de qualidade profundamente provocativa e desafiadora, porque consistiu em desbravar, engendrar, buscar armas novas (Deleuze, 2000). Procurei submeter 0 material da investigagao — teorias, possibilida- des metodolégicas, empiricas ~ a um rigoroso escrutinio, confronté-lo, voltar a ele muitas vezes; perguntar-me da possibilidade de estabelecer com/sobre ele novas relagées , quem sabe, alcancar nestes jogos outras formas de inte- ligibilidade. Bu entrava, assim, num jogo que colocava por terra crengas antigas, confundia os caminhos que eu trilha- ra ¢ borrava inapelavelmente as fronteiras ou os limites do espago onde eu colocava as verdades tiltimas e inquestioné- veis, as mais firmes fundages, o terreno onde se assenta- vam minhas certezas mais caras ¢ que me permitiam viver ¢ produzir no cotidiano. “Tratava-se também de extrair visibilidades, como disse Deleuze (2000), de colocar novos focos de luz sobre as “coi- sas”, de aprovcitar as cintilagdes novas, os clardes, 0s refle xos para ver ali onde antes tudo era certeza, novos objeros. Para isso foi preciso, a partir de uma massa de elementos, isolar alguns, po-los em confronto, discutir suas possiveis inter-relagdes, pensar sua pertinéncia, organizé-los em con- juntos (Foucault, 1997). O que busquei, a partir de narra- tivas atuais que se enunciam sobre a crianga ea infancia, consubstanciadas no RCN, foi mostrar como o discurso pedagégico tem construido para elas “posigdes de sujei {que se sustentam em uma determinada concepgio do sujeito infantil e que as idéias de desamparo da infancia tém sido responsaveis por justificar a intervengio educacional, dire- ladania, que tém cionada para os ideais de racionalidade ¢ imperado no discurso pedagégico moderno, O estatuto de dependéncia da infancia tem servido para justificar a tutela das criangas e das familias, as iniciativas de “ortopedia mo- ral” da filantropia, a proposigao de leis, a institucionalizagio cada vex mais precoce das experiéncias de Educagao Infantil € a propria idéia de propor-Ihes um referencial curricular. O trabalho de pesquisa teve, entao, como algumas de suas estratégias, desterritorializar, desfamiliarizar, levar 20 estranhamento, num esforgo para engendrar novos proble- mas e objetos de pesquisa. Nele, a metodologia organizou- se em estreita relagao com as questdes investigadas, tendo por objetivo levar-me a compreender alguns dos mods de operar do poder, a identificar suas estratégias, suas taticas, suas arquiteturas e suas maquinarias, mas, também, suas, estreitas relagdes com a produgao da verdade. O principal objetivo de meu trabalho foi mostrar o dispositive discipl nar em operacio. F disso que pretendo ter falado, ao lon- 0 deste capitulo, na certeza de que s6 posso fazé- refazendo, de certo modo, os meus passos. 0 agora, REFERENCIAS Ris, Philippe. Historia soctal da erianga e da familia. Rio de Janeito: Guanabara, 1981 AZANMA, Mario Pires. Uma idéia de pesquisa educacional. Sio Paulo: Edusp, 1992. sxAsit. Ministério da Fdueagio ¢ do Desporto. Secretaria de Educagio Fundamental. Referencial curricular nacional para 4 educacao infantil. Brasilia: MECISEF, 1998. 5 v sujes, Maria Isabel Edelweiss. Anteprojeto para ingresso no pro _grama de doutorado, Porto Mlegre: PPGEDUIUERGS, 1997. Tea balho inédito. Infancia ¢ maquinarias. Tese de doutorado ~ PPGEDUI UFRGS, 2001 conazzA, Sandra Mara. Labirintos da pesquisa, diante de fee- rolhos. In: costa, Marisa V.(o1g,) Caminhos investigativos: novos olhares na pesquisa em educagio. 2. ed, Rio de Jane DP6A, 2008 33 34 costa, Marisa Vorraber (org.) Cantinbos investigativos: novos ~olhares na pesquisa em educagio, 2. ed. Rio de Janeiro: DPA, Novos olhares na pesquisa em educaglo. In: Costa, Marisa Vorraber (org.) Caminhos investigativos: novos olhares na pesqui: sa em educagio. 2. ed. Rio de Jancito: DP&A, z00zb. bran, Mitchell. Governimentality: power and rule in modern so~ 1. Gra-Bretanha: Sage, 1999. DELEUZE, Gilles. Conversagdes. Rio de Janeiro: Fd. 34, 2000. breyFus, Hubert; RawiNow, Paul. Michel Foucault, unta trajets ria filosofica, Rio de Janeiro: Forense Universitaria, 1995. ELias, Norbert. O proceso civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.2 ¥. pwALD, Fran 1993. FISCHER, Rosa Maria Bueno, A paixio de trabalhar com Foucault ois. Foucault, a norma eo direito. Lisboa: Vega, In: COSTA, Marisa V. (org) Camtinbos investigativos: novos colhares na pesquisa em educagao, 2. ed. Rio de Janeiro: DPA, FOUCAULT, Michel. Microfisica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1993. ____. Vigiar ¢ punir. Petropolis: Vozes, 1995. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: tara, 1997, 0 uso dos prazeres. Janeiro: Graal, 1998. v. 2. nose, Nikolas, Assembling the modern self. In: roRreR, Roy (ed.) Rewriting the self. Londres: Routledge, 1997. Forense Universi 1: Historia da sexualidade. Rio de Governando a alma: a formagao do eu privado. In: stuva, Tomar Tadeu da (org) Liberdades requladas. Petropolis: Vozes, 1998 stiva, Tomaz Tadeu da (org,) Liberdades reguladas. Petropolis: Vores, 1998. veicanero, Alfredo. A orden das disciplinas Tese de doutorado - PPGEDUMUERGS, 1996. Governo ou governaniento? Trabalho inéc ‘evn, Paul, Foucault evoluciona a histor 4 historia, Brasilia: Ed, UnB, 1998. In: Como se escreve caviruno 2 PARADIGMAS? CUIDADO COM ELI ALFREDO VEIGA-NETO A linguagem esta enraizada nao na coisa perce bida, mas no sujeito ativo. E mais o produto de desejo e energia do que de percepgao e meméria (Sheridan, 1980, p. 75). As vulgatas que inundam a bibliografia pedagégica nacional esto recheadas de palavras da moda; sao palavras meio ma- gicas que servem como uma chave e um suporte para aque- Tes que as pronunciam, Paradigma é uma dessas palavras ‘meio mégicas; uma dessa palavras que, como um abracada- bra, pode servir para tudo e, nesse caso, acaba servindo para nada. Mesmo nesse mais amplo conjunto de saberes que se convencionou denominar “Ciéneias Humanas”, ela tem sido muito usada como moeda forte, capaz de conferir aqucle que a pronuncia um bom aumento do seu capital simbolico. No campo da Pedagogia, por exemplo, a expressao para- digmas do conbecimento € recorrente e, em geral, usada por discursos que pensam se colocar numa posigao acima para poderem se referir ae tematizar sobre ~ outros a partir de tum presumido metaparadigma, que se pretende mais abran- gente e, por isso, melhor. Aqui, cabe um rapido comentario sobre essas tentativas de subjugar, discursivamente, aquilo que se declara ser “os outros paradigmas”. Em termos epistemol6gicos contempo- neos, cai-se sempre numa falicia ao tentar hierarquizar os 36 outros discursos a partir de um suposto lugar (que seria) su- perior ¢ estavel. Como veremos, o maximo que se consegue €colocar um paradigma contra 0s outros, em embates di- retos. [sso no significa certamente que, na pritica, a todos se atribua valor igual. Ao contrario, em termos praticos uns valem mais do que outros; afinal, uns carregam um maior conteiido de verdade do que outros. Mas nao porque esse ccontetido seja intrinseco a eles, sendo porque os enunciados sobre os quais eles se assentam articulam-se segundo uma ordem que os instituem como mais verdadeiros, que 0s faz parecerem mais verdadeiros. Foucault resumiu isso numa frase simples e profunda: “A verdade é deste mundo”. Voltemos aos usos magicos de paradigma. Quando alguém diz: “Estou neste (ou naquele) paradig- ma”, pensando que esta dizendo muito, pode estar dizendo quase nada. Muitas vezes, paradigma vale como um escudo para proteger aqueles que se sentem encurralados frente a ‘uma pergunta embaragosa; nesse caso, é classica a resposta: “Estou num outro paradigma, por isso nao respondo a sua questo”, Outras vezes, ela vale como uma declaragio de ‘trégua ou como uma estratégia para a fuga ou suspensio da comunicagio ou do debate: “Nao chegaremos a um acordo porque estamos em paradigmas diferentes. Ponto final”. Em qualquer desses casos, perguntas do tipo “Que estas, querendo dizer com paradigma?” ou “Podes caracterizar melhor o teu paradigma?” causam embarago ¢ podem até implodir os argumentos do interlocutor. Isso € assim por dois motivos. Em primeiro lugar, porque, na medida em que paradigma tornou-se moda e moeda forte, a palavra é usada muitas vezes de modo aligeirado. Em segundo lugar, porque estamos lidando com uma palavra cuja polissemia € bastante ampla, Meu objetivo, neste capitulo, é discutir um pouco esse segundo motivo, ou seja, desenvolver algumas reflexes em torno da polissemia de paradigma, mostrando os descami- nhos pelos quais poderemos enveredar ao recorrer a essa palavra, F claro que esse segundo motivo esta na base do primeiro, ou seja, quanto mais polissémica for uma expres- sao, mais se pode valer dela para que, nao tendo muito 0 que dizer, dé-se a impressao de que se e portante. Além disso, ¢ a0 mesmo tempo, pret (© quio importante é ~ tanto para nés mesmos quanto para 05 outros que nos Iéem ou aos quais comunicamos o que fazemos identificarmos em que paradigma(s) nas si mos em nossas pesquisas. Conforme eu venho insistindo desde o inicio, por ser uma palayra cuja polissemia é muito ampla que pa- radigma pode ser usada como um despiste: nao tendo muito para dizer, para se explicar, para justificar suas posigbes, al- guém pode usé-la para dar a impressio de que esta dizendo muito, deixando que o interlocutor se vire para entender 0 {que quiser ou puder entender. Estariamos, neste caso, frente Aquilo que, em ourro capitulo deste livro, Maria Isabel B jes chama de “selo de qualidade”, ou seja, uma certificagio da qualidade do nosso pensamento. Uma tal palavra fun ciona como um selo, como uma griffe. Aliss, facil vermos que moda e selo de qualidade se articulam e se reforgam mutuamente, do que resulta o aumento de capital dos seus usurios. Ora esses usuarios sao vistos como mais bonitos, fora como mais importantes, ora como mais ricos, ora como ‘mais inteligentes. Entao, se nao quisermos fazer um uso aligeirado de para- digra, é preciso refinar-Ihe os sentidos, dar suas coordena- das no mapa semantico em que nos movimentamos Se partilhassemos do sonho positivista, 0 que terfamos, entio a fazer seria explicar melhor e definitivamente o que € mesmo ¢ afinal paradignta; isso significaria diminuir-lhe a polissemia, fixar-Ihe o(s)sentido(s) ~ e, de preferéncia, um 86 sentido... A grande tarefa seria extirpar a polissemia. Em outras palavras: dar-Ihe uma definigao definitivamente definitiva... Mas a Filosofia da Linguagem e a Lingistica jd abandonaram ha bastante tempo a ilusio de que isso seja 7 38 possivel. A linguagem é sempre ambivalente ~ ou, talvez melhor dizendo, polivalente (Wittgenstein, 1987). Assim como a linguagem “nao existe como armazém de ar- tigos, do qual os “locutores’(geralmente humanos) se servem para se exprimirem e comunicarem” (Lyotard, 19935 P- 55)s as palavras nao so esses supostos “artigos” dos quais pudés: semos langar maos para subjngar e domesticar os muitos sen- tidos do mundo dos discursos e, em tiltima andlise, do pro- prio mundo, Nas palavras de Wittgenstein (ap. Spaniol, 1989, p. 141), “as palavras s6 tém significado na corrente do pensa~ ‘mento ¢ da vida”; tal entendimento decorre do fato de que 0 sentido esta indissoluvelmente conectado a discursos que si0 partilhados por uma comunidade que 05 coloca em funciona- mento. E porque a “corrente do pensamento e da vida” é uma corrente que flui no tempo, os sentidos so necessariamente histéricos: eles se transformam ao longo do tempo. Dado, ento, que nao ha como definir inteira, suficiente ¢ definitivamente o significado de uma palavra, 0 que nos resta é falarmos, ¢ falarmos, e falarmos sobre as palavras, isto é, discursarmos sobre nossos proprios discursos. Nessas muitas falas, vamos construindo o mapa semantico que referi acima, € vamos clarificando os sentidos que damos a cada palavra, a cada expressio. Vamos consteuindo os contextos ¢ estabele- cendo 0s elos denotativos e conotativos, num processo ines- gotavel, porque infinito, de afinagao ¢ abrangéncias. que podemos (e devemos) fazer, entao, € determinar, com a maior aproximacio e rigor possiveis, alguns dos mui: tos sentidos que se podem dar a paradigma. Ao falar em “muitos sentidos”, alerto para o fato de que temos de nos situar num ponto que oscila entre a pretensio positivista de fixar aquilo que seria um tinico e definitivo sentido da pa- lavra e a dispersao total, isto é entre um suposto conceito nico e suficiente e um qualquer-coisa, um tudo-vale. ‘Uma rapida etimologia de paradigma mostra-nos que a pa- lavra vem da forma latina paradigma,atis que, por sua vez, vem do grego parddeigma,atos, com as acepgdes de “modelo” 1. Para mais detalhes sobre essas questdes, vide Garcia (1997) € “exemplo”, do verbo paradeiknumi (“por em relagio”, “em paralelo”, *mostrar”). Fste verbo forma-se da combina- sao do prefixo para (“ao longo de”) com o verbo deikrunai (mostrar), em que a raiz. indo-européia deik indica “mos- trar”, “apontar” € esti presente em muitas palavras na lin- gua portuguesa, como digito, dizer, dicionario, indicar, dexar, indiciario. Este exercicio etimol6gico nao pretende, é claro, determinar um sentido original, um sentido que seria (Supostamente) mais verdadeiro e que teria se corrompido a0 longo do tempo. No caso que nos interessa, 0 exercicio é ttl tanto para compreendermos os usos mais antigos de paradig- ‘ma quanto para quem quiser tragar algumas familiaridades € examinar os deslocamentos seminticos que ocorreram, 20 longo da “corrente do pensamento e da vida” " E facil identificar 0 marco a partir do qual paradigma en- tra com toda a forga nos discursos (primeiramente) epis- temol6gicos e (logo depois) académicos, na Modernida trata-se d’A estrutura das revolucées cientificas, o ja clas- sico livro de Thomas Kuhn, cuja primeira edigio € de 1962 (Kuhn, 1976). £ impressionante o quanto essa obra foi e continua sendo referida em intimeras publicagdes no cam- po das Ciéncias Naturais e das Ciéncias Humanas, para nio falar do campo da Filosofia e das Artes. De fato, com esse livro, Kuhn faz a sua propria revolugao em relacio a tudo o que até entio vinha sendo feito em termos de des- crever, analisar, explicar e problematizar a pratica e 0 co- nhecimento cientificos. Para os fins que aqui me interessam, nao entrarei em de- talhes sobre a imensa contribuigao de Kuhn ao nosso en- tendimento sobre a ciéncia e, de certa maneira, sobre 0 co- hecimento em geral? Vou me ater apenas as questdes mais relacionadas ao(s) seu(s) conceitojs) de paradigrna. 2. Para mais detalhes, vide: Veiga-Neto (1992, 1993), Barnes (1986), Lakatos e Musgrave (1979). 39 40 Na contramao do Positivismo ¢ de Popper, isto é a0 invés de estudar a ciéneia a partir da Epistemologia e ao invés de dizer como deve ser a pratica dos cientistas, Kuhn desenvolve ‘minuciosos estudos historicos — especialmente sobre a His- t6tia da Fisica © da Quimica — para mostrar que as Ciéncias ‘Naturais modernas tém sido uma pratica social circunscrita em paradigmas que se sucedem nao cumulativamente, mas em rupturas descontinuas. O paradigma funciona como uma imagem de fundo, qual uma imagem de um quebra-cabega, a partir da qual se vé e se compreende aquilo que se pode ver e compreender do mundo. Nao somos livres para ver € com- preender qualquer coisa, de qualquer mancira, sendo a partir dos “esquemas” dados por um paradigma. Assim, o para- digma funciona como uma fonte dos métodos e das propri perguntas possiveis ~e respectivas respostas ~ numa dada ‘comunidade cientifiea, Desse modo, Kuhn mostra 0 caréter radicalmente social nao apenas da pratica cientifica, como também do proprio conhecimento cies Ele diz que um mais ou menos longo periodo de ciéncia normal ~em que as regras de um paradigma dominante sio seguidas implicitamente~ acaba acumulando anomalias ~ elementos, fatos e medidas nao previstos € nao explicaveis pelo paradigma dominante em tal quantidade que se gera uma crise. Dessa crise resulta que muitos abandonam 0 pa- radigma ¢ passam a aderir a outro, capaz de acolher aquilo que no primeiro era visto como anomalia ¢ até a valer-se delas como pecas de um novo quebra-cabega. A crise se ma~ nifesta como um incomodo: uma desconfianga e até uma descrenga no paradigma, Entao, a cada periodo de ciéncia normal sucede um breve periodo de ciéncia extraordindria a qual, logo, vai se tornar também normal, uma nova cién- cia normal. A imensa maioria dos cientistas trabalha sempre no reforgo da (sua) ciéncia normal; cada um procura acu- mular mais evidéneias, como pedras de um quebra-cabeca, ‘que preencham melhor ~ mais completa ¢ amarradamente ~ 0 quadro do paradigma em que se inscreve. Para Kuhn, tendo em vista que a cada paradigma cor- responde uma particular visio de mundo (Weltanshauung), diferentes paradigmas a rigor nao estéo no mesmo mundo €, por isso, nao véem um mesmo mundo, nao falam de um ‘mesmo mundo. Isso significa que quaisquer dois paradigmas, por mais proximos que paregam estar, so incomensuraveis entre si. Além disso, sao incomensurdveis a quaisquer ou- tros, de modo que nunca se pode estar num supraparadigma, pois ndo existe uma relagio —nem hierérquica, nem de qual- (quer outra natureza — entre diferentes paradigmas. E mais: dois paradigmas diferentes, num mesmo campo, no coexis- ‘tem, o que equivale a dizer que, num determinado campo num dado momento, s6 existe e s6 funciona um paradigma. Nesse sentido kuhniano assim estrito, qualquer paradigma € sempre hegeménico, Numa detalhada leitura d’A estrutura das revolucdes cien- tificas, Mastermann (1979) identificou mais de vinte acep- ‘ges que o proprio Kuhn atribui a paradigma. Em parte or causa dessa polissemia jé gerada pelo proprio Kuhn, A estrutura das revolugées cientificas recebeu reiteradas cri- ticas, o que levou o seu autor a propor, no célebre Posfiicio 4 obra e escrito em 1969, a substituigao de paradigma pela expressio matriz disciplinar, sobre a qual tematizara deta, Ihadamente. Com isso, ele pensava resolver o foco mais pro blematico de sua paradigmatologia. Mas parece que ja era tarde: paradignta tinha ganhado vida e invadido a literatura cientifica e filos6fica, carregando consigo apenas alguns de seus significados parciais e gerando bastante confusio.. Entre todas as acepgoes levantadas por Mastermann, aqui duas me interessam mais: uma vai no sentido sociol6- gico — paradigma como um conjunto de realizagbes cienti- ficas socialmente accitas~; a outra, no sentido metafisico ~ paradigma como uma Weltanshawung ou princ io orga- 2 nizador que governa a propria percepcao que construimos sobre o mundo. A partir desses dois sentidos, compreende- se bem o porqué da forga que a palavra adquiriu nas th timas décadas. Mas, de certa maneira, eles restringem 0 uso que se pode fazer da palavra — pelo menos no sentido kuhniano -, pois derivam dessas duas acepcdes 0 carater hhegeménico de qualquer paradigma e a incomensurabilida- de interparadigmatica. Dessa maneira, se levarmos Kuhn bem a serio, nao ha como identificarmos nas Ciéncias Hu- manas nenhum “periodo de normalidade” em que um pa- radigma tenha se imposto sozinho, para depois entrar em crise e ser substituido por outro. Isso gerou (e ainda gera) muita discussao, Alguns ~ entre eles o proprio Kuhn disse- ram que apenas as Ciéncias Naturais eram “boas cigneias”, isto é, que apenas elas tinham atingido um estagio de ma- turidade plena e que, no futuro, as Ciéncias Humanas che- gariam la... Outros, ao contrario, simplesmente rejeitaram ora a incomensurabilidade, ora o carater necessariamente hegemdnico do paradigma, sem contudo se descartarem do resto da teorizagao de Kuhn; costumo dizer que, nesse caso, adotaram paradigma num sentido fraco. Outros mais optaram por tratar a questo a partir de outras perspecti- vas, fora do estruturalismo kubniano e sem praticar qual- ‘quer juizo de valor de cunho epistemol6gico sobre o esta- tuto das cigncias (Veiga-Neto, 1993). Seja como for, penso que podemos ficar com Kuhn, mas deixar um pouco de lado o sentido forte de paradigna. Nesse caso, no vejo maior problema em falarmos em pa- radigmas pedagogicos, desde que se tomem algumas me- didas cautelares. Em primeiro lugar, é preciso ter claro que nao se esta aderindo ao sentido forte de paradigma, isto é, a algum suposto cardter de hegemonia e de incomensurabilidade paradigmaticas. Isso significa dizer que se fica com Kuhn rnaquilo que ele nao tem de radical em sua paradigmatolo: ‘ou seja, fica-se com Kuhn, ma rion troppo: conserva-se i a sua teoria, mas adota-se paradigma no sentido fraco. Isso, dito assim, pode parecer simples, mas nao é Afinal, alguns enxergam no carster hegem@nico, enquanto outros enxer- gam na incomensurabilidade, a alma da contribuigao de Kuhn para os nossos entendimentos acerea da pritica e do, conhecimento cientificos. Mesmo assim, penso que nao ha maior problema se continuarmos falando em paradigma para nos referirmos a uma visdo particular de mundo, se- gundo a qual atribuimos determinados significados ~ e nio qualquer significado - a0 mundo. Em segundo lugar, temos de saber onde estamos e de onde falamos. Aceitando o sentido fraco de paradigma, pode-se dizer que ~ queiramos ou nfo, saibamos ou nao — sempre nos localizamos num paradigma, a partir do qual constituimos nossos entendimentos sobre 0 mundo e construimos nossas representagdes. No caso da Pedagogia, por exemplo, quando falamos em curriculo ¢ em didatica, quando falamos sobre as fungdes da escola e os papéis dos professores ¢ professo- ras, € assim por diante, nao estamos falando sobre “coisas” {que jd estavam simplesmente ai, 3 espera daquilo que temos a dizer sobre elas. O que estamos fazendo é entrando numa rede discursiva precedente que, antes, jd as havia colocado ‘no mundo na medida em que havia atribuido determinados sentidos a elas. Para usar uma conhecida expresso cunhada por Michel Foucault, a rede se apresenta como um regime de verdade que jd estava ai, partithada por comunidades lingiiisticas; ela se apresenta como um regime em que cada proposigao admite sempre uma das duas alternativas: ou ¢ falsa, ou é verdadeira. Se algo é ind 6 porque nao faz parte da rede; os indecidiveis estao numa exterioridade, fora do al cance da rede e, bem por isso, sio vistos ~ quando vistos... ~ como anomalias. ‘Tudo isso nos afasta da compreensio do conhecimento como correspondéncia aos fatos e aponta para 0 carter convencional e contingente do conhecimento, Trata-se de um 44 convencionalismo relativista que Hesse (1974) chamou de fi- nitismo semiéntico e outros chamam de holismo semantico. Essa segunda denominagao vem das descobertas feitas por Durhem (1954), segundo as quais 6 impossivel tomar qualquer conceito por sis6, isto é, tomar tum fragmento de uma rede de conceitos sem que se mexa na rede toda. Tentar isolar um conceito, por mais operacional que ele seja e mesmo que pertenga ao campo das Ciéncias Na- ‘urais mais formalizadas, ou deixa-o sem sentido ou arrasta consigo outros conceitos da rede. Em outras palavras, nao ha como adquirie um conhecimento por passos suficientes. $6 en- tendendo toda a rede, ainda que nao analiticamente, pode-se compreender qualquer parte dela (Veiga-Neto, 1993, p. 7)- Desse modo, as redes sio verdadeiros sistemas hermenk ticos, nao importa se estamos falando de Giéncias Naturais, Filosofia, Psicologia, Sociologia ou Pedagogia. Esses sistemas so tao mais estiveis quanto mais amarrados forem os acor- dos sociais ~ naturalmente sempre contingentes ~ que 08 cos- turam, Os acordos funcionam como estratégias de defesa ~ as assim chamadas estratégias defensivas de Durbem —cuja fungio é absorver e neutralizar os impactos que vem de fora, seja na forma de novas observagies, novas perguntas, novas dificuldades ou, nos casos extremos, novas anomalias. Em terceiro lugar, temos de pagar o preco por estar- ‘mos nos movimentando em campos que, bem diferente: mente do que acontece nas Ciéncias Naturais, sio vistos ‘ou como pré-paradigmdticos, ou como paradigmaticos no sentido fraco, ou mesmo como ndo-cientificos (porque nao- paradigmédticos). Ainda que, a essas alturas, nenhum des- ses enquadramentos deva nos preocupar mais, 0 fato € que ha um prego a pagar. Com isso, quero dizer que, enquan- to nas Ciéncias Naturais as comunidades cientificas assu- mem implicitamente os paradigmas em que se situam ~ de modo que aquilo que ¢ dito, explicado, discutido, descrito, demonstrado ete. j4 carrega antes de si mesmo, trangiiila € silenciosamente, as muitas € variadas pegas do quebra- cabega que compoem o quadro paradigmatico -, nas Cie cias Humanas € preciso fazer muito mais. E isso nos traz, muitas vezes, muito mais trabalh Dado o carter fortemente paradigmatico das priticas e saberes das Ciéncias Naturais, todas as discusses tudo de novo que é dito num campo sempre se escora num (nico ou quase-tinico) paradigma que ja estava af e que, como ja reteri, funciona como uma intrincada e bem urdida rede discursiva precedente. Esse paradigma que ja estava af passa pratica- mente despercebido enquanto paradigma, pois o seu conte do € visto como o resultado de descobertas de “coisas” que siio naturalmente proprias do mundo em que vivemos; desse modo, dificilmente ele ¢ visto como uma construgao social." resultado & que todos assumem o paradigma como uma plataforma nao-problematica, a partir da qual o que se tem a fazer nao é descrevé-la, explica-la e justifica-la, mas somente ampliar-Ihe o contetido de verdade. Nas Ciéncias Humanas, a situagao é bem diferente: nao havendo, na imensa maioria dos campos, um acordo paradig- ‘matico unitario, é sempre necessrio explicar onde se esta, de onde se fala, quais instramentos se adotam. Isso é to mais, importante na medida em que uma mesma palavra pode as- sumir ~ ¢, de fato, assume ~ sentidos bem diferentes, de pa: radigma para paradigma, ¢ até de teoria para teoria, dentro de um mesmo paradigma. ‘Temos um exemplo simples e quase grosseiro dessa situ- ago com a palavra trabalho. Se estivermos no ambito das Ciencias Naturais, basta nos referirmos a essa palavra que mesmo um conhecedor mediocre de Fisica jé sabera do que estamos falando: vém-lhe 4 mente alguns fenémenos, algu- ‘mas representagoes graficas, varios enunciados, algumas equagdes etc. Mas, se estivermos no ambito das Ciencias Humanas, teremos de explicar varias (ou muitas) coisas até situarmos nosso leitor ou interlocutor, pois essa pala- 3. Issomos nda a compreender em parte, por que 3 teoia kuhniana pe «eter demorado tanto a surgi no cenario dos estudos sobre a cincia, 4s vra assume diferentes significados conforme 0 campo em que estivermos situados. Trabalho refere-se a coisas muito distintas, mesmo num campo especifico, como na Sociolo~ gia, na Pedagogia ou na Economia. E mesmo dentro de um {inico campo ha, digamos, muitos trabalhos ~ ou sao da: dos muitos sentidos a essa palavra, Assim, se tivermos de dizer alguma coisa sobre trabalho, temos nesse caso, obri- gatoriamente, de explicar minimamente o que entendemos por essa palavra e como estamos usando-a. Em outras pa- lavras: temos de mapear o paradigma em que estamos nos movimentando, ao falar em trabalho. B.é claro que quanto mais conceitos vao surgindo, mais complicada vai ficando a situagdo, mais explicagdes temos de dar. A complicagao aumenta ainda mais quando tentamos ar- ticular conceitos entre teorias diferentes e, As vezes, transi- tar entre paradigmas diferentes. Em cada situagao dessas, paga-se sempre o preco de ter de situar, em detalhe, de onde estamos tirando os elementos para construir nossos objetos de pesquisa, de onde se pode dizer o que se est dizendo, que mundo ¢ esse sobre o qual estamos tematizando ete. Resumindo: nesse caso, 0 prego que temos a pagar é ex- plicar os) paradigma(s). A cada recomego, no podemos pressupor e exigir que todos saibam onde estamos e de onde falamos, saibam em que paradigma nos movimentamos, sai- bam quais sto as pegas do nosso quebra-cabeca. REFERENCIAS BARNES, Barry. T. S. Kubm y las ciencias sociales. México: Fondo de Cultura Econéimica, 1986. punta, Pierre. The aim and structure of physical theory. Prin- ceton: Princeton University, 1954 ancta, Othon M. Comunicacao em prosa moderna. Rio de Ja- neiro: FGV, 1997. Esse, Mary B. The structure of scientific inference. Londres: Macmillan, 1974. KUHN, Thomas. A estrutura das revolucdes ciemtificas, Sao Paulo: Perspectiva, 197% Lakatos, Imre; MUSGRAVE, Allan. A critica e 0 desenvolvimento do conbecimento. Sao Paulo: Cultrixs Edusp, 1979, Lyoragn, Jean-Francois. O pds-moderno explicado as eriancas, Lishoa: D. Quixote, 1993. MASTERMANN, Margaeth, A natureza do paradigma, In; LAKATOS, Imre; MuscRave, Allan. A critica e 0 desenvolvimento do co mhecimento. Sao Paulo: Cultrix; Edusp, 1979. p. 72-108. suextpan, A. Michel Foucault: the will to truth. Londres Tavistock, 1981 SPANIOL, Walter. Filosofia e método no Segundo Wittgenstein uma luta contra 0 enfeitigamento do nosso entendimento, Sio Paulo: Loyola, 1989. VEIGA-NETO, Alfredo. A cigncia em Kuhn ea sociologia de Bour- dieu: implicagdes para a anélise da educagio cientifica, Edu- cacao & Realidade, Porto Alegre, Faced/UFRGS, ¥. 17,1. 15 p.93-107, 1992. A teoria da ciéncia em Kuhn ea sociologia de Bourdieu: as diferengas. Educacao & Realidade, Porto Alegre, Faced! 2, P. §7-61, 1995. A perspectiva historicista da ciéncia e a sociologia da edu- cagio. Cadernos do DEC, Porto Alegre, UFRGS, n. 1, 1993. cia e pos-modernidade. Episteme, Porto Alegre, ¥. 35 1. 55. 143-156, 1998. wirtGENstEIN, Ludwig. Investigacdes filosoficas. Lisboa: Fun- dagio Calouste Gulbenkian, 1987. capiruLo 3 VERDADES EM SUSPENSO: FOUCAULT E OS PERIGOS A ENFRENTAR ROSA MARIA BUENO FISCHER A leitura ea apreciagao de dezenas de projetos de investiga s ‘lo, de dissertagbes e teses, em programas de pos-graduacao 0 em Educacao, Psicologia, Letras, bem como et | © contato cotidiano com mestrandos e doutorandos nos se: ! minrios de cada semestre, nos tiltimos anos, permitiram-me a eleigdo de alguns t6picos que aqui desenvolvo, sobre peque nos “dramas” na daboragao de nossas propostas de pesquisa em Educagio. Refiro-me as justficativas sobre asescolh: tematicas ¢ a0 éompromisso polit cae elas significams & {formulagio das pergunta} teéricas e empiricas que orientam, 1nossos trabalhos, as dificuldades em nos desprendermos da trangiilidade do ja sabido; ¢ & vinculagao dos temas selecio- nados as condigdes de sua emergéncia historia. Como se vera, busco em Michel Foucault, especialmente nele, mas igualmente em Gilles Deleuze ¢ Paul Veyne (no por acaso amigos e qualificadissimos leitores de Foucault), breves inspiragoes para os comentarios que aqui fago, os quais remeterdo por vezes a exemplos de pesquisas com que tive ou tenho contato, perseguindo o objetivo de dividir com Ieitores ¢ leitoras inquietagoes de uma pesquisadora que in- siste em falar em teoria nao desvinculada de método, na ne- cessidade de operarmos cuidadosamente sobre os materiais, ‘empiricos — pois af reside, a meu ver, a riqueza € a originali- dade de uma possivel autoria do pesquisador! -, e, ainda, na forme escrevi no capitulo “A paixio de trabalbar com Foucault”, ‘no livre Camunhas investigativos (Costa, 2002) pis ap ojapou oxsodins wn 9p snaed e aquasaud 0 vied s90S nos no searmeusoyye *eaqo ens wr9 ‘opurasng assaanso anb nolo ‘apepyyonxas vp PL4gAsiEY eAs ap [I] 9 |] SAUINIOA SOP ovdeoygnd v asqos mourqeyl [neg a snyxaaq] saqnpy e east snus wo *9|9 opuenb “yjneanog B 294 Bun steA 03302944 “ezainieu ¥aino ap oruioweUOr>Isod urn stUNsse 9p epIAnp was as-rrEAy,“Sazopesinbsad ‘Sazossajoud ‘sosorpns> ‘syemipayaiu owo> earajod oSisod essou ap ‘Sopnaso sossou ap ‘so1so8 sossou ap apepryesinau e soureriaoe ou wigquey anb apepias wiag 9° sesinbsad sessou seamed wreuopod ap seus sungje seaquu9] exed 9s ‘oursprioa 9 waéezipuasde “eIougjo1n aniua saoSejau se a1qos ‘onitofiepad orau ou urejnout> anb saz aqes S0 2190s ‘souvjoasa seoravad seunturur se axqos ~ ovSe> -npa ep odure> ou soprara sonuaumpadut 9 sasseduur sowuey so exed saghnjos sep efeut v no exlopepioa stew apepsan vp lovSyjaaar B se95ng to souauE oxnur ‘sazapod so sopor ts1t0> sepeiq azuowisayduns tuo sowreruaiuo> sou opt as ‘warssaudaa asanodny & sourefou ag -ovu ‘oqusuIesnSag “,seIDyf9p sep unpael,, opesadsa ov 0 ‘|vapt ogSnjos eumn Srueype Siew vavd ‘opueiounue ‘vanu3 euoay, ep sapjour sou opuezy, P91 SOUWeYUIA PI OWLO> ‘opepaisos ep [eqoys EaHLD v ‘sopm 89 Sossou ap saute ‘souMESeY anb opuodosd norsa OED Sey “wquies Sazopestnbsad owio> a ‘sters0U sajduuts oW09 ‘sajap ansed e soureaainbut sou a sourryey ‘sapepiyiqissod 2 seula|qoud sassau sosioumt soures9 :seaavjed senino wy, 104 SouLIaAIN ap Sopour sama19}1p so wosluiae anb steuorseusoiur sestasueuy seonyjod sep 9 opeaiaui op S303 jaqaanut seimvroueld sep se]ey wos — sted Ossou wa se>qyqnd seouyjod sejdure no sounruyw souripios ureaned sou anb 3 Sopeanalqns sows stenb sejad searo] sezmo sere uielos ‘onaexadsa op epeznaisa apeparcos ep se urelas ‘opeaiam op sv urelas ‘saqueurtop sesi8o] sv waodosd sou anb op stew wag eied eiouanstxa ap seuHIoy SouIsour sou ap aned v 9 sou wa aiznpoad ap ‘wnuto9 osuas Op wHp]e 41 9p souiat anb sap -eprtiqissod searuyur asenb sep wiafisew e opuessed sourersa ‘vu anb s1unsse ap as-eres “ew20j esau Lc] “oduto) Ossou ap ‘sooyosory ‘syeiny]n> ‘steuo!seInp9 ‘soa!eIQUOD9 “s1PID0s sewa|qoad saxes8 sop ufzew @ opuessed sowersa opu anb ruodens mi s2pmpi9g (20661) anesnog [>y> Hp 9p opepyPHd2s Hp euoIsHy ep 1 sumYOr (ou visa mnbe owes © owo>eassouda1 asaa9dl, ©2140 OFSSNONIP Y °~ “sogSedlasanuit sessou ap apepljeata v ered ‘auunsse pesusu -epuny vuso3 2s anb wia onuauioW win v SoWeRo4> “EIQ geoneid ep eIngutasap as oru viz0a1 v anb sowapuajap opuenb rien a6 anb ap ‘oewus sepy “voniesd opepi|puo!oua -uy vain exed asduias opueiuode sez1109) *eannsT) e0a], v sized apuess ula eujsua sou ow ‘9p wou SorSeaynisiw & > ovdeuotje & seisunuap ap vies 9s oFt anb sowsaut sou exed O1ep seus01 ostoaid 9 ovauD “ vppp assod seWIOI “ef INASP ‘ey-pB5u 7 ealssaidas uiapao v seiUa14u9 ap opow oo1uN oO Suisse ouitadas 2 ayjo3 sou o8je anbiod “ow no 01803 op -PuruisDi9p 4928} o1nuiad sou ovu o8|e no Wondje anbsod wapaans anb onal op wopaons sesio> sv anb ap ~ ;eatssaudou asoiodiy ep epriied ap o1uod o opursn sows ovu ag opeuydxa wing 198 vsiooud eants> ‘owioo ossitiosduro> 0 o1uea sourapuanuio jenb ojad opow o “auuaurelagg “e2nHD ep WAU ‘osstUtosdWoD op as 42d oWIXD sou ovu 494 naw v sorofoad sossou tua *ejaine> ENED Wo> “rewaye ap ovisanb sowiazey s9z04 seat 10109 ~ ,X,, O1UDIU -JpaqUODE tun *,x,, EDUaISIX ap Opour uN vUOde NO exIsOUE saxaiasap seuade wianb op ovSisod v s1wnsse *ewa0} ¥Isoqq “(o£ d ‘2g61 ‘uewyptey) ,eiouguiodya ap sarejnanied 8919 “3ds9 ureurunaiap anb 2 weany a1uaw]ea1 SeULIOU sejanbe amb wo svonpad sv aesijeuv,, a1uaurersn{ 9 oot owotes cuad op apepijiqestodtsar e “eyosoly vp wjaiva viidosd v Yoana -eflasonur o4jeqeai o ‘wisse puss ?,soonwad,, “ovdtuyop sod 2 “suduias ovs ~ saqes 2 4apod ap sodure> saitiazajip stew sou — steuoroninsut seal 9 SeuHOU st SepOR 2 SOsanasIp S0 :eISIA 2p oiuod ais9 Japuajep vied ayneonog oy>Ipy wa sur-o10dy VOLLY Wa VINA awaWaS J _VEKOAL v 200 EVSINDSAM VISA WOO OWSSY SOSSIVOMAWOD 3nd. “Jeuo.enpo odes ou esinbsad ap ssodisodoxd svssou ovSuaaut ap apequos a apepisosaus# ap asop vog euin woo souseUTUeXd eed saorsatins svas9poUN 49991940 t9q -We) ap OvSiqUE & OYUAI ‘SeUID[Goud seY]RIedWIOD seUdde ‘vu ouadsy “seonead 2 sossnosip ap apepyiqeredasut jeoipes 11 soanesiysoau soquansy of es apepioa v eSe9,, Cala OF) 9 apursd e ‘OIuApI9g OW ,19qUS ap apeiuon,, © 21q0s “1apod auqos wiunuod v :epunyosd 9 yjdwwe sieu wag eyunstiod euin ap ‘Yomne o exed ‘as-eAeIeAL ‘oxos ta J]e} ap SeULIO} [Nar reIUDAUT “reDqdA}MUE TeAOUE sopnaaiqos *9 waquins “ispod op sooSedou 9 sesnaau se oun! “squsuuayuaaiuaaiut *es9 Opuo7ey WeYyIA sapepII0s SesSOU anb 0 ‘oxas 0 s1uutadas ap same ‘onb ap asarodiy & seynu 10} 238 OSIN2SIP WD OaS,, 0 OPULDOIOD sOUIDIA pow anb ap opueiiorsty ‘oxas a1g0s SOSINDSIP SOP ero? LU vA issoudos asaiodiy w noyjnsout Siew sinb q -sopruntadas sous SouIseIye Sou > oBXted EUR eIAEY anb sod ‘oE1 ua Siages sing) ‘sepesadsout aiuaut]ti01 9 sieto} -nod saoSefieput stzimo e svsayp ate ‘wuyssazau vaunted run Sodusoy nos wo ‘eaeus0n 9s v9 OWIOS a1qos as-norunsod se-nowowsap “Ppp 21q0s noyjeqes “eap Noptanp ~ jaaruon sanbut wo varjnosio anb ejanbe ~ epesadsa ef eiuntizad ep nnued ayneanog ‘elas NG “oaissaudas ayuouyyeauoutepUny ‘owo> opipuaiua 498 ap v [eIaNI9 eanspIOIDeIeD Ns OwWO? NO -ynuapr anb wo epipaui eu ‘rapod op soreur eu ov Eun -ind vss9 norossv a}neanog fost anb op step “opedad v 9s -ravIposse oxas anb oda oBuo} ey tuEACUISuD sow aNb ap “sopruuidas soures9 anb ap w :oduioi nas ura sorew apepr9n ‘outo exe2yjdnjnut 9s anb op 2 exeiounue as anb op opuepta ‘sowrestoaud anb Ostiag Zopout oxino ap se|-g7ry souress9pod sou oan -euD ossanoad anb ap sned y gopejnurz0y soura1 se ow10) gorey a989 axqos o119j souras seaunitiad andy godway ower ey { epuor sou anb offtied assap eiuos opuep (oeu no) wel -v199 souszey anb sooSeSnsaaut seeA se EpIpaut anb wy goupaid aiuoureuiasix9 ooy gad oulsua un soureyuaa epUTE ‘iq Op Soaue> soups ap stediorunw seanniajaad uta sezopea ou! stiguguiadxa seizes ap zusade ‘sanueus9A08 9 So9IU993 9p ‘sraamu so sopor ap sazossayoud ‘sazopesinbsad ‘sosoipmasa ap ‘osuadsns ua sopepsoy *s0810489 sossou s0 sopos ap sesade stag ou ‘anb ap 9189 ofluad osopuosnso wn e198 oeu soeSeoyduiaxs ap ofman & ontowiog zes080 “(oy auatuesioaud ‘aentoajuo euesioand NO tauaijua ovSeoapg ¥ softuad anb ssou-seauniod eos oSou 9 wog wn zanjes ‘011080 393 mutepesodsosop “sozoa sod wumay anb ototozd a ap “doug to joy etan 9p 2aurerp “orn “seonsjod opout windje ap audwas oFs “sen ous wsinbsod ap seyjoasa sessou 2189 9 epnsed op o1vod ¢) AVINAWANA V SODIA Sod VILTODSA V sno guazva SVINADWA IND ‘soduiai saisau aeaua.jua sofyad aaqos euvnjneonoy easodoud v a1uourepnap stett osjoauasap ‘ainas v o>idor oN jneanoJ 9p WZ sou anb so ‘odwwaxa aod ‘owo9 sowwtuins se anb sietouaiayas solidoad so wio> jaanediuoout aausuter ‘njosqe “Jenao9)aIUt EIsdasse vayssaoxa LUIN e SOU-sHZNPUOD apod * seanviojes aitawesour sa0Seasasqo v9 Sousianbtu -Pu! P 118ny sod *0913001 exsia ap o1uod opeuttuaax9p wn 9p ‘onuop ‘aiuauniiad 9 jaarrBopp 91e apmane vuin elas exoquiD 9 © ovdejar wa atuoureanefou Wau ealusod WU soWDIeU -o1aisod sou ovu anb op ‘oqusurtoaquode yea sowzesynf ovu vsinbsad essou wo anb ap ory ov sanuas9}93 ‘svjaine> sep -eauasaide woq og1 9 seme wos ogsednooaad v :e198 NO, (98t *d $8661) ofluad jediou 9p 9 Pip wpe e197) souaaap anb vonyjod-oon9 eyODs9 © an oyay (>) sazey ¥ ofr auduias Soman ovIN9 “osoritiod 9 opm as, “osoStiod 9 opm seu: id.0.9 pond seusuion uns anb ou tL 0 aPUALUEIEXA vay Usis ov anb o 3 opm wou anb 9 oviuido eyurpy :ezuanus neonog *eastinissod owsis -heiodiy,, un v erarznpuo> audtuyasissed “1p oursaut 2p auH9]Uo> “onuourbuoIarsod nas ‘oesIuO> ojad Seaede v as ~seflasiua ‘99 eae “earoyruis opu seaneuaoiqe opuessng 2s -saansa anb avau “upi0g “opuodosd eyuta a8 feauspis0 apep 21908 ¥ ovtuD aye anb saoSezieUID|qoad sep visojeausé PUN s9704 waelasap anb wis 2 ‘Soa1ssp]> SofasH sou opesnu0dua 11 sompesiszane soquitey s ues fo>1199) onaqH09 umn e osuduia eurD|qoxd WN aIuaL -euaessaau wajnopae sepp ‘sen osrawd wo ‘anb opow ap Sovdeurojsuesa ap ossad0ad osopepin> wun 9440s westooud ‘nb seu SSaqueAafas 01499 40d seaunBod 9p 98-eIeN “IQ 9 80 aun ee wa8ezipuoide ¢ soanepas Fordeneae e ‘auauspeisadsa ‘9 outs -ua 0 anb 10g gorsu9H ap sogseiuasasdos se sIN2ISHOD |1SEIK, “ou apeproyyqnid e ap seuiioy se stent) eslaistsq eaprin ep ov> sowie steuref anb apnayjdare [e1 woo sequniied s9sa12s9 20d sazan seamnus soueqLoe $91 -uatie>1J09) sepeULoyuT ‘saquaysisuo> seaunsizad sep no ew ap ovdeioqe|9 Pu soutsesUD> sou 9p S>AU OF :EIDUapUN e 9 ¥1s9 anbuod “tig “apeplueuany ep sewiojqoud saaeas 9 sop -uei so “easodosd wsinbsad ejad “aajosar elasap anb ajenb ep orSisod eu vias ‘saiuautasad wioras sowestadsns ‘orsorea|e ‘opoui ap ‘onb sagSesiepur sv sepor ezino v sod euun ejoue aqusuresaes90inq wanb ap faded ou elas “(294 extountad ead sepetounua opurs wiassaansa seja 2S OWOD Saza4 start) $203 -sonb ap watieist] vuin ap ovSnpoud sajduns e eptznpos x98 ‘aap ovu vjaey vsso anb oureury “orsesnsaaut ap stasodoxd Ssessou tiouge anb 9 sourejnuz0y anb seiunsad se oESepas up waquter voiseq orSnesaid essa soureyuar anb oyuodoxd ‘ueaviounua 0 vl sou ap same s9z0a sesoumut anb asus ap a89][03 OU ‘OL6r ap o1quidzap wa “osendsip Op map10 tyne a1qa99 ens ula (1261) yNeINOg NaXa12s9 Wag EI AOD ~ osinasip sonbyenb sowreangineur steurel onb as-opopuaiu'y opep Piso vf anb 0 aatowis2jd | -tuis wreaidas ovu sepp anb fer opour tun ap seauniod rej -20) ap opepind 0 sowreyuian “opmiaiqos *sepy “opnis2 ossou ap opsemnsineul,, ap oauawou orxe sjanbep sapepigissod sep o12uop opuazey sows o anb opueatsoe ‘seunsi9d JP] -nutsoy :a1s9 squoweiexd elas zones “eWay opeurtUsaap WIN sowiodoad opuenb ‘jetus oyjeqean oq “oeSeanpy wo sesinb -sod sessou vied souayjoase anb seurayqord 2 seuiad s0 2xq0s, suadsns wa sapepaay ‘ossantads07eX] op orSezineinbisd v2 oxSeuz904d ap seimpuo sep oebeze20s v ‘eSutus ep oxos op ovSertfosepad e 94) ep 1od209 op oSeztarsiy 08s (e661) apepnemxas np PHuDIIA| tts 3p J 9ummos ou yneonog sod soxupsap so>raoiesis9 soutnlaas anienb so) °¢ ‘ose ou Sopuszey sou Sout sou anb ‘2x4 28 apepatoos anb sojduis stew seunduad sep sepranp ‘oiuaureasapowu ‘sowap -od svyq “a Mean ap apepy|eiuds souian Ov 01399 Jog “oyjeqen oudosd o a1gos seiuniod zejnutioy ap opmiaiqos Saviasoaut op oot atuou -Pwio8iX9 opow tun ap opezipuaade o aquawueynoiaed sou essauaiu Ego ESSap SOUIEIAP SOU “inbe *SoULsOpUaIsa sou ap vies2 98 OPN “aiueIp 0d WHSse a ‘|e190s od10> ov ovSE|21 a [PAx9s 0di09 op visuEYOdUH e axgos ‘spodo1g 0 a1Gos opssnasip e se394> 918 ‘s1uaUHESOIMUTUL “soIL49sap OLS OAs -odstp op sauaie 9 soua9u09 stedisutud so anb tua epipow USO BU as-tIE|MUINoE SeIUniad SY “]]TAX 0}298 0 epH -1vd 9p omuod owiod opuewion cururexa aja anb ,‘2u9pI4Q ‘ou apeptjenxas ep oatusodsip ov soaraejas soarsioxesis9 soi -unluo9 sapues8 so seiuasaide esed siodap opunazed ‘ov: -snexa v auyap 0 a — sapod 0 ~ jedisutad ona2u03 nas 90d -x0 soine 0 anb oypan assau J gesinbsad exno ovu a ¥1s9° anb 404 20301 wa eaeiso anb © zorolosd nas o owisau vai -t11 98 onb ap “jeuye seiunSiod ‘seorigjopon aur seyunsiod ‘seo1z003 seaunisad ‘seiungliad ap anaed e ‘por 1ox28409 28 anb orx un (e661) 4ages ap apriuoa y 2p AL ojnades ou ‘sowsr] “sesinbsad sv vavoipap 28 anb oduioy owsow ov seiunaiad sens reuruexa ap nosues 2s ‘ou ayneanog jaysiyy anb sequriqns 9 ibe exsodut anb (11 *d ‘qo66r “yjnvonog) soualns owod wie99 -ayuoo91 26 2 turesIMnIsUO> 2s SonprArpUt so stenb sep sized v‘e8iuy e925 v apsap ‘sersodosd opuas we10} o8Isuos ovdvjau ap sopepijepow 9 seuri0y anb ‘oxta{ns 0,, won op -PUISap opuas 10} a1U9pI90) ou anb o esijuE e sodoxd 28 oviua 2 oprznpord vy anb o auawesopepimns nounuexs “seiino mojnuiso, ‘Seiuniaad seuisaur sess SERN WD MHA 24 “apopyDNxes Pp PluoIstyY eNS ap SaULN|OA SIEUIAP SO NOI afoad opuenb ‘smas y “(eo66r ‘ynvDNO.J) apepI|euoIses 2p *e2189] ap oda o1199 un v epE|NdULA *,OX9S OU 2 OXD8 OP 11 soaneSiysoau sogurse-y (oR6t “ynean04) 29g0s op piBoyoonban y ego ep anu w awuouirayseg (2007 age) .OBSEDNP UID OSINDSIP OP 35H, ‘eu € 9 ajneanog., oBle ou aqua) ess9 DUDUIEPEIOWSP AfORUDSOCT “S| svaqigaa ‘s1e1908 saoSeiainbut sessou ved “vizeUH]e9 OW ‘opseajes owos opep 9 sot anh aymbep opsertieatayqoad ‘pu asoAUT PoglUils oss] “omtWapede OIoW OU IeUODUES E 2 s¥jnuaoy e Souepnle SowsaUr sou sazaa se anb 19] Eun 2p *,!9] Bp €10j oanod UM, SoWAED0]09 sou ap norpsno4 2p op 0 aeuioae “opnuas 9s6aU “SHUPSSDIOIE BIDS Z98]E, jousto9 2 eIautoU aIusuHjeMaUIA9 (~ owsow ajo anb 9 ossow! ras9 owsaw app anb wo seuaqoud sop o1jalts owo> sopesinbsad op ovSipuos vudod v sow -sunurexo anb 4181x9 tuo29sed sosn snas ap ovdesy dime 2 ovsnyip v ‘ovdeonp3 ep odures ou osou aiuaweare|s4 01 1309 tun ap a1ea2 98 aN OLUSALL FOIuSLHOW a1S9t “90g “oduioa o2uv) vy opursuad soweyurs anb op auswio1u919} ap ovSeanpa v aestiad ‘s[ap saxene ‘opeinooid sowar opout anb ap 9 saodeSsanut sessou exed auesoduut og eiuauies 2} EUAN NOUIOS 28 o3129U09 [ea “OyUdUEEDLZOIsIY FOO 21g0S sequnSiod aqe2 sou anb osud Soprauas assy “opueinsaxut souteys9 anb eoqaptia) & SeAHEp ,“SEAISINDSIp-OLU 9 SEAIS -angpip ‘seanyad seaauinut se Sonp2u09 Sossou seuO!>E|BA E souL1e2qpop sou 2 086998 sowi9sa3 gs srenb soe ‘sony!2ad -so ‘soavjnonaed souatuousy vied ovsuaasdwwo9 essou suige fogu sod wieqeae anb seu “eznpeyay sanbjenb wa wenus (gS -d *zg61) ausag, jneg exquia] owOD ‘onb soaey> se71, in sod sowrrgeae ‘S920 s\y *sa1vjoasa sodedsa sou 214090 ‘nb ojinbep w]e exed zej 96 opSeanpa v anb soure>y|dx vied a,eyp eatapepsas euin sou eed noWOL as anb a £9889 ‘owio> opipunyip o€2 o9u09 wn osuadsns wa auaUIEEeE -oduian sowse20[09 ap o1autOUL o opesays eyuAr zanqer nb ourSew *esngjno bu opSeans{qns ap soxsa2oud So 21q0s se1uesa] v afoy souressed anb sosmiodiy av8au ap 28u0"] -amuerp sod wns -sv 9 ureanatgns watouis9jus ean ap empuoD ap sazeyeaid -soy sesfou se “ureaniaigns jnueyut eanyes94] ap Sosa “esnat -qns epnte-omne ap [enuieut uin ‘eanotqns A J, ap ewesSord ‘uin ‘opSeanatqns ap sopour os opna “eanaiqns sou opna losuadsns ua sapepiry spwe2n04 0184 998 3p *forSeatalqns) owous -esuad op onusp ap ope] o no staqop sy, o|nKde> ou onta>u09 an89 Diqos 25} (1661) aznajaq_ anb oessnosip aueyjig eoutsodoud € 9, “p sSoLoIeHago asenb ‘erFojooIsq 9 ovSeonpy wd opSenpeas -sod ap semeriiosd sunsip 2p sorstoad wo ‘suowyenae as-uses f -eus03 (ajnenog [ay>PY ap opeUen) oBderHilqns op 0 oWo> sox2ot09 ‘ojduiaxa sod “wissy “earadsns eLiostaoud qos 3850] -09 ap *ueuoHsonb ap apepinayip eunus sown stenb sv “esinb -sad 9p soiatqo sossou 9p ovSnunsuod vu seizoieS1ago asenb seo1eu opueuior as ova anb “/sesmno 2u2u9 ‘o3uatuO} ap seI> -uae sod seay saoSeijeac ‘esinbsod ap sequy ana ‘s1usu -vusoqut ‘9 seuresSoid anus seSuai9yip ap saoSeuaye 2 se1 -ndsip ‘opSenpes3-sod ap seuiessioad ap seisodoad “ojduiaxa 4od) steuorominsur seanead ‘0913091 ste!ouaz9j04 ‘so3199u09 9p ous eu sod SouraissoMun 9 o2yIUiD!9 o1aWH OU ‘sopes -halgns aqusuraiueasue sowos owod v Inbe aw-o1y>x, ‘SoDILIgPEDe IYSIXO 2 sesuad ap sopow so1dosd sossou ure? ~igey sozan sexu anb saoSequasaidas (osusdsns wo se|-290[09 souaut oad no) wo> sodusos ap as-rie11:08st anb op sie “(HE -d $661 *no1pinog) sooSeziuvSso0 9 sogSmnanstt “Ip Sep soL221U1 Ou “uIyuD ‘sosInosIp ‘sod09 ‘seas ‘seULIO ‘seu wesoaas9sut as p{ anb sejanbep auawuyenst seur ‘steis0s sodna® sop @ sonpraipur sop epta ep stisgjdunr Sagi -91 Sep PPAJU OU Os ovU sepeynaed saodeauasaidan sejonbe wio9 “uINUUOD osuDs 0 Wo> 19duwos Yopmaaigos ‘9 Oy!UIID or algo win amnaasuos :,ealxayas erojoI30s ewin v ovSNposUT,, ‘01X91 Oprayuod ou n9A27959 NaIpanog anb o wo viauIp ors) efi] a1 oueIpno> 9 sou anb ov oebe jas wo omUDWIEYLEZISD © -IILYa Ya0d, stodvsinbsaa a oswadsns wa Saavawaa :n0 zoaivs yf oa avatana and wou -aeyiwry 9 ouvrpnos 9 a4] anb opinbe ovde] | 96 -24 up sopesinbsad op onoureyuesis ouinus8 tun re11003 -up souressod sejau anb ‘aiuousjeuy §anb exed, ‘anh od, ‘gant oe sn, ais sgbebypu muoueedoxtan®) | op steur“,sowos, so no ¢,srenb sepad sewiop, se ¢,sopou, | \\ 50 o1qos SaoSefepur ‘opdejnuoy ens uo “urejuai an gq) | I someStgssou sogutsey spud y (0L1 -d “qy) euopeaiaut v ‘odun ossou ap wi9q ‘owaadins op aeyey vied *,01289, ‘,oRSe159, *,01199009,, 0140 sessvyed ap 2s-uretsdorde (epout ep einsnpul co1aosaide naa) eonpuuojUT & ‘apepmoygnd v “eipruse jenb oad opout © euonsenb anb woquits a9 7 ‘orSeonpy & sepeuOIse|>r a -uowreiouip 4324 naw B 'svay!oadsa omnut Seany 981x9 aNb Ory = (tor-f9r -d *266r ‘sn9ppq) ope>raus o ese 2 op peaNy|ND ‘wiapuo vu sopesnersut soquie ogis9 anbsod seus ‘1s annua sa4 usiz024109 ayUauu|eIOU9ss9 WELDS SoLdoad saj2 anbsod oF “sosedsa sossout (Sepeaoyns 9 soiues04ns “ovw9 “no) sesOPe1I9 sopepi[erouaiod se ovsejau ua ovssaudxa ap solaus sasso Soper aesuod ap as-caean ‘99 eave :stensiaoipne steLaIeU SO 9 SOs -t] so annua ovSepaa v auqos asau9sa opuenb ovd_stumus0> ap sor9U So ,opout o23no ap, sesUDd Aepnte sou 9pod “ofdwox aod *PUI3IID op osoxpmass tun waquIEa oj anb “9zn9,>q, -requniad ap sewi0y seanno souueosng aivaureueipo> ap opniuas ou ‘epsene sou opesiosse oyjeqen tp, “sHedes © souiapuasde anb sonouo> ap oun o> ofpg, win 21qos sean vjed sanaug sessou ap ogdnpas xa zapides v wio> aajosas as ) -a|qoad ap sowiaa zorsisuFZA J, PU PIDURIOA 9p saLL|y 2 apEpI -PunUILs9 vp OAUAWRE 92109 PIoUIP OKSEI>s LUNN 9p OIUOUIID}, -aqeas9 OU no etGsatN 1S 40d eyesROWOd ep OKSEUApUOD ELL a1e9 as +0€s1Ag}a1 9 EIDU}OLA “OXAS ap JUILy OWIOD ‘OEIUD “NC 0 godtay nas op seroustixa sv apuodsas ovu vl anb ejo2so v 244 “os ‘ui99] opt anb suaaol a1qos “eaLi9s9 vaaeped e euomnsqns onb susfewi st auqos ‘1eq ap sesauu Seu winquuea “eiprus eu “vjooso eu sanuejnou1> “umuo> osuas op SOpEISUNUD S9ruDD -sisul v sapuodsos owor) “erpitu ep suasiewir ssuueuEDsey Sep aquetp suaso! 9 soquaosajope ‘seSuvu> sod sopeaowindx OopSeanalqns ap sopour some so a1qos ,sopeype,, sossou ap 1up|e 41 souressapod ovu 9s oaunsirad ‘saajo2so seorSosepad seonvad sv ovdujas tuo ovSeo!unWOD ap soIoUE so soUTEpTas opurnb :ey1ay inbe are ovSemaunsize e opuinsas ‘wsinbsod ap sooSefouionut seaou seurfews exe Sojduioxo un voy “(hr -d ‘40661 syneanog) .SINDUIUDNOpIP sesuad yp sHIULIDd 9 ‘ouuDUEsOroUDHS estIod cosuodens me sopepiog a9 anb ojmbep ouswesuad o sesaqy,, exed erzoasiy ead -oad wns sesuiad ap oyjeqess ov a1auo> o “elas anb sajduis zod ‘ovsesinsaauy epeunuaaiap eum agdoid anb aponbe vied ‘opis ‘rf romuresuod oudoad nas v ‘oursou 1s & sessed -en1]N v SPU “osTEIEPEDe NO OLvUIPIO “UINUIOD OSUdS 0 OS ou zessedegn ve opeweyp 9 ‘oyoso]y 0 owoD ‘onb apanbe |) \\° fowsow Is ven] oxautd wa “eUZOysuEN anb aponbe ‘owion sopesinbsad op oyjequan op inbe opuejey soureisy “(b9t-£91 “d*2661) ,ovSvousauop ap sazapod, soe ovSisodo we ,se1opels> seiougiod,, sejad ovSdo wun 494 nau & SeHapuodsasao9 omuaUMeUOIDISod Jer ‘9zn9]9¢] tied vf “(86 d “qo66r) vyosoqy ep apepiane euudoad w “yne> “nog Opuniias ‘sodur sossou wis “inESUOD anb o osst 9 ‘reuye ~ omauresuad oudoid ossou a1qos oo1i129 oyjeqenr ou sounsmfassoud exed jeauowrepuny o£51pu0> owoD svyjo ossou 1aLI9At109 ap apepissaoau |eoipes v eiuode sou anb ‘soursau sou ap sou-seavdas aynuH40d sou anb apepisouns vjanbe ‘oquaur1s9yuo> oF oxdeja1 ue apepisouns vaneus bun snunsse eresyiusts oss! ayneono4 eavd (6g61) vdio -ied enb op oaynuais oduiv> op vamyn9 eudoad v en “too sopesinbsad op vyjoaaz euin & euapuodsoiz09 apmiue essa ‘natpinog eed “ooulapese wiNtOD osUDs 6 LHdquIEL Seu ‘o1svutpio ‘wnuoD ostias 0 9s oFU aeUOHSaNb Sowa -eataoe ‘oupegen assap sgavuae ‘onb za4 wun “sea1Bofopor us SAPEPINDYIP SEALE ¥IeA3T SoU SoLUvIIUOD oj9d sO] -inbues stew rrextop sou ovu amiauen99 apnane [ep “soaiadura steuiaew sossou lu sourazey anb ssosanout sesrauitid se 9 s1e:>UDI9}04 Sasso annua sa9Sejas s999]aqes9 opursno ‘squdUs|eI20d89 9 SOT ered seanas sousar Z94[e1 SEHINO WO> se]-PI2309 opuesno ‘sjemusouo3 saquoj seiusauu sesso seuoIsUa) opuErsnd ‘Sou -esuad anb 0 eulz0} vnino ap zesuad ap a12e vp o11o10x9 oF Uwppiatoo sou saa anb wa epypaut eu a1udwierexa “esinbsod ap vurajqoad ossou ap orSejnusoy v exed searinpoud sey -uaureaj‘soquaasistio> sazu0} soudsIUODUD steNb SOU S905 ~ezu4oa 9 soxomne s2janbeu 1w4|NBs9Ur 9 sez>1499 sep OUDI9s ofie] 0 sen exed sowisexiap 9 a11aioa ¢ “seorsigjoporsu 9 1 sonny sou) 8s 19 -apfinj 01499 win Sortrowiow: o1s99 uMM “UNIO 2399 2p OP -vanalqo,, Se[> 40d 10y o1elqo aanbe anb “esiny osround ua “soupuoade “esinbsad ap o1nlqo ossou v sepeuorseyox seonpad sepeurmoiap sowsanasosap ov ‘auson yneg vuaye ‘wor “epeziye20} ‘eperep wiaq e2!eid ejanbe no vIs> 23q0s ‘ovhuawe essou se3sodap 9 “eaadso sou anb ,apepyjeaneu., essap seYjO 0 AeIASap auaMIEIExa osioaxd 9 anb ‘steamIeU soralqo py ovu anb stuapisuo> wos “(a1ueip sod unsse 9*ej09 -$9 DU OBSEHEAP 40, ‘OBSIADP 2, ‘ODHIAN OUISU ,0,, 24] Wu 8) Sopluyap softe v ‘Seugssa v sou-sesseUIe 30d souiugeae ‘Sorelqo sop 9 sou92U09 sop apepiyesuasso-ovu ve sowauiaye anb seu! sod ‘anb uso vloaso zaayea apep{no \y‘esinbsad ap saorsanb sessou sourejnusioy opuenb 2 -tiayju & vwia|goid apuvs 0 elps zasyea ass “soureMpaI2e sozan aod owo> wisse so1ago OL1 OLS sof-ysuad vied sour viode sou anb wa setu0a) Se wou SoULUINY SOE} SO WON, (281-181 -d *LI091 wUJODs9 KUL as MMSSY savssaav vied aqusuretsosisosd opep 9 SOU anb [ead assa avoytxojduwos ayuouresexo wisioidoud sou anb soutsou0> sunt <[v 9p snuvd v ‘odio ossou ap somuvaoinbut saodemas ‘sopep 100 sone sesuad 2 sIRuNsUOD ‘Sefpp zen] OU “eae SeZO1599 $99 opis sopejonce sucsts op obaus a aE 2 visodun anb ¢ ZoEW anb sod “opepioyjay woqurey so0sn]> osuadsns we sopmpion (251 -d 7961) ,souore sno os onb seueu ny stossod se sotalgo wa wewojsuen aabaod soy-puapuo> “eino 2 ‘ooyjqnd op ewe © uiEy>ueus > stesous! ofS anbuod sony pusouod. sey so seuapuod 9 ws09 eu, #3493083 *ofduaxs sod NKaq pe, “9 39 TSIOSNPUT*SSOSEIIN SIOSNSIT“OMIUTTIjOS Znposd anb LOTADE (serstjprsadeo capersussayip sreus so owo> sxeas0Ur s9}duus so onuea) apeparaos © Payiqou nb OpMbY- ota se nb oj nbe oESuow 9p “opepllEnTe ap “9pepHGIsUDs 9p "eUT sudo 2p *eImin] 9p ‘ouoLiadas ap aLUSUTESTSEG Fe as-vIEN ‘wag coduai ossou 9p eusnusd opdeznews|qoud vain e ap ~vodso1209 vui23 01199 uIn anb s1uyap v seo" oW0> seyY “(40661 ‘yneonog) odso> wewor > ueFeWOL “wanansuoo 96 9 uresina1asu0> 2s saoSeznewia}qoad seuisout sessa stenb sep solsotur ou seo;ead seiidoad sv saxos9sop ‘onno ap ‘9 sopestiad souisas ap apepiss220u 918 9 9pepiiq ~tssod ouioa sopinansto> opts Soul sou sienb sep sgaesie spoSvzneuio}goad se ‘opey win ap ‘s9x91989p sod seus ‘sap epljeiuaus 2 stigp sep eHorsiy vjod ovu aeido auourersnt 10} ‘seotSojopoiau a sto1ugai seza1i99 seusdosd se ‘omuaures -uad o1zdoid o osuadsns ura 42009 ap apne ejpnbr wos aiuaiz09 oyunu in nasosed ay] anb 0 SynEanog [yA vaed ‘ti0 “ootuiduta sido 099 wn v 9 eons? epeULLH ~apiap vn v seanejad ‘sreamyjn> 9 steID0s ssqSeiuasasdos sep ‘seigpr sep ‘soiouerzodwio> sop vioisiy e no asifeue e 197 -8) ulanbsnq anb sopmiso ap visodoud v oeSeiuon ew sinan -st09 9-apod ‘S1e190§ 9 SeUEUIN}Y SEIDUDL> Sep OdwYD ON SONVIvAH SOLVs Sod aavanAVa y OYSNALV Vv :n0 {OawaL NAW OG Viva ysIAdsAa Visa _Feauayua e afoy souat sotiyiod anb aaqos ovSeBepur eum ap snsed v waz} os onb seiunfiiod seaou 9p eareis9 ovSepnuLio} wu aNsoAUt 9 “oIAgo ‘oquapiaa sieu a2azed sou anb o reuonsanb ap 28-e3ea uk, [neg vsed ows ‘app exeg ‘oxSeonpo 9 expr azua ssodepu se augos zesuid ap sauuas2}Ip sopow vpranp wos zaposiut ‘S011 “$9 9p oBSUDAUL B “O1Ie B oRSEHD v OpruOIDL}as S3UaKKIEIOAIP ‘owoo sopesuad op ‘oospiy op jaded ou vougisisut ens svur foraqg 0 axass9 aznajaq anb 4971p a1e soweHapod “easia va 1 sonmrisonu soguouey 09 ol I! (2008 ‘s1uodoy tz00r Sojsaneyy $1008 pata #t00r “Soto :se!989N9}94 398) SALA “OED ‘eanp'y Wid ogdenpeas-s94 ap eueso.g op “svodo | Hpddns uefa ojpose Wy MDOMY 9p PAGES “INIA 0S}>> ‘SAMI or: ‘uupy ejotg :sopuriuauo snow Jod “p1uoutesroodso4 ‘sepe2t coqustnepue wo seeynbead op evotpiiss 9p rojduioxs ymbe ats 19 anb wing sod rp} ‘osrsuauy omaurEreA] ap SapEpIUL) seu ‘orSeiadnoas ap sejes seu ‘apepijersadso ejpnbep no ei ap sa1usop sop seje stu ‘ojduraxa sod ‘oonjqnd yeuidsoy um ap souaIUt ow Watiews9jUD ap Seanad a4qos vsinbsod eu) -“uresseu srenuiew sowsaun sajanbe anb seonead seu espad an _rpia e seur “(orSdo rurn wipquita 22s eysopod anb o) omains ajanbep no arsap oauawrodap 0 a1uaureatordxe ovu zozen 2 “0904 U9 voraPUUDn & {HOD *[euoISsYoud ‘[kossad wrsuatIAdsa cucdoud wssou ap somutaige] sojad ‘sagSiminsut sep sas0pais0> sojad “ears0y eumnspe ap ‘reuorsinou sounsapnd — sosiosip So} -odooid ‘srexaipn! sossas0ad ap soane *e1911913090 ap SOsAI| sorxon-souay]‘sienuieur sUst[euL ‘odW9Xd 10d “ontIa/Go OWOS ‘opual owsau ~ as apepisuap wa weyues sagdeasDssip a Sasa ‘oausoisiy eisia ap o1uod op weusesua 9s se|9 as aauaWIOS SeAIA Uieus01 as Sesinbsad se anb 9 vasis op o1uod nopy {BUOASTY] J972y ap Opout assa v uNEYSaud 9s seurni sossoyy ,geuopeonpa-a11e-eaossajoud v amMinsUoD ap 9 aue ep rUoISIY € seAsCU ap Sopow! so “earayISeAq LPH vu apepiusareut vp oxnisodsip op sooduanur se ‘owsaut 15 2p otunsuos ap aiua2sajope e>tigisa eurn ap oednpoad ¥ SomudUt -luaiasiu9 op eLsnpur eu [EW Op saoseIMByuo> se souratiaja and ‘spun so19> ap onsodoxd v ~ sodaoo sou sepeozeu seHs03514 ‘symeono,y euistis sou ouo> “ersugtuaaogd ap SeLIOISIY 19X91 -sop Janissod sos owtoo :enungizod vamno epure euaqe> inby -ovSedinsaaut ap euior ossou sutz0;u0> ‘oiuerp 10d wnsse 9 ‘sorejndod sepeureo ap soiansajope ‘sesfou ‘seu *soroyymu seauiou ered apepioygnd rppd no exjiseaq ovsiazjan ead se -{9} SeyJo2se Sep OnIqUIE OU OWISaUI No “{exaPa4 OUIAAO5 OP sreuoreanpa stureationd soatsnadas 9 sapueat sou seamidns sv 9 seiougaz090 se ‘ose9 OU ‘sapepinuntossop se ‘siuoused found ‘9 sefougniooas se ‘sapepinuriuod se Hs SEW “SOU suodons me sopepens -09 sonburSuo] so ‘suatio se ogreasnq 9s anb voyiusis OE sowuaaa sop eotsoisiy ov5tpuod [e2qpes E WoD seypeqeay.- sopeznewajqosd woquier welas sor -januoo snas 9 euusalu e[> anb *euuns Wi ‘eAoad © ePED0O> “epezijeuo}esado elas ‘esta wy 26 v1i0m v anh mnusod e J opow ap ‘sootuidwo steaiew sou epunjosd opsiatut Buln 9p 0 viu98 494 Nowe“ ast|PUE ap szdi09 0 opiyjoass ‘se1 aniad se seatoj‘stedioutid sox1a2u09 so sopeuot2oy9s opts opuai ~ aiumnfas ossed 0 ‘onuea exed *sepy -(1661) faaer>—s uns op 2 fpatsta op e109 sep ost>axd 9 “aznajaq opulnsos “seunejed sezino wy gopejnouts visa ajo aiusurerressoz0u [enb oe soreur oxunluo> win ap oxalgo ossou opujost sozoA seatmu soumeyseas9 Opn, esinbsod ap vuian ossou v ontadso2 ‘wazip anb seanead sep o1unluo> ov opep sour ovsuare an ‘feuye :zezijeou e sowsodoad sou anb sesinbsad se ead Jewowepuny eus|qord umn ap mbe opueren sours oy (gS1-d “261 ‘oudaq) ‘9p exed o1p9u0> 0 sour ou seuu Ss9f9p BIDU!DSUOD “aIuOU -ouonbouy ‘Sowa :Jess9a1un vLoNsty ep 2 sowuauRELFodUIOS sossow ap apepijeaor-asenb ep aos ep ryjused vpp anbiod aauouuso|duns 9 +, 812qa91 op eyno aired, 9p ej-eureyp ‘a1 -uouteyiostsoad ‘sowiopod as > *prpuoasa,, *opiaurs 02499 » luo “vaso vonesd 9g “(21p anb 0 aiusurewxd vayiUss PAE} ed t) seossad se wozey anb 0 9 :011n90 JOIOUL WH *eL0I8H ep ojosqns wn ‘esouaastur eiouyasus vuun > yayad = “ei esteisyo svuresSoad sassap ontodsoy v Ae “stedirunus 9 stenpeiso‘siesapay ‘sarejonsa‘stenoureusasod f° Sf, soodinasut seu waste, ‘of! wa oF3s9 ‘svalsanosip-opu : 2 swatsanosip ‘seonwad ang *,ej09sq-vsjoq.,, 0 ordeanpg || > 2 vu voneULIOJUL, EP o ,e}Orxy PU ALL, PP © oWDD steIayo PX (> seuivatioad ‘ojduroxa sod ‘sefusaaui soures opuenb een as S29 2nb ossp 92 ‘nue od use 2‘yeamno vunsnpur epow8 » Jy >, -npoid ap od opeuruuoiop wn ‘ovsejndod euin “dnd tun *, ureanalgo onb seonpad se ovg “(P61 d *zg6r ‘ousaq) ,soyjo 2 sossou v ureoytaa v anb soxaiqo so oruas 494 ste! OH EI vonvad v soutaoanbsa,, sazaa searnus ‘sesinbsod sessou wrt 1 soanesnsanu soquiuec,

Você também pode gostar