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Capa: fotograma dos irmãos Lumiére, Paris, inicio do século xx, gentilmente cedido pela

Cinemateca Brasileira

© 1995 The Regents ofthe University of California


Publicado originalmente pela University of California Press,
como Cinema and the Inventian af Modem Life

© 2001 Cosac & Naify


2' edição revista, 2004

Todos os direitos reservados

Coleção Cinema, teatro e modernidade

Projeto editorial e coordenação Ismail Xavier

Tradução Regina Thompson


Revisão da tradução Cristina Fino e Ismail Xavier
Revisão Paulo Roberto de Moraes Sarmento e Sandra Brasil
índice remissivo Maria Cláudia Mattos
Projeto gráfico e capa Elaine Ramos
Composição Jussara Fino

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro,SP,Brasil)

o Cinema e a invenção da vida moderna /


organização LeoCharney e Vanessa R.Schwartz;
[tradução ReginaThompson]. - 2. ed. rev.-
São Paulo: Cosac& Naify, 2004.-
(Coleção cinema, teatro e modernidade)

Título original: Cinema and the invention of modern life


Vários autores.
Inclui 65 ilustrações.
Bibliografia.
ISBN85-7503-309-3

1. Cinema- Aspectos sociais 2.Cultura popular - História-


Século 20 I.Charney, Leo.11.Schwartz, Vanessa R.III. Série.

CDD-302.2343

índices para catálogo sistemático:


1.Cinema e modernidade :Aspectos sociais 302.2343
():J, Aud 'I' SundvlH' /)(' S(/IIt1\i/!I~k' SIIIIIIIII}/t'r /1l'k~1 O)/11 1I/(ltll"', () 10: I, W, (:lIlwlrll~ 1'01111/1,

1928, p. 11,
63 "Kvinderne paa Maihaugen", GudbrnllclsdtIJ/ 'li, Lill 'hllntl1\ 'I', IlIlIbr, 1I ,
6 "En Visit til Det Norske Folkemuseum paa Bygde", Vesl/rlllr!slidclI', 11 jun. 1I 2,

6; Ame Ludvigsen, "Orn Flytning af gamle Bygninger" (Sobre a mudança li 'prédios 11111
f\1I~I,
em Fra Nationalmuseets Arbejdsmark 1940, Copenhague: Nationalmuscct, 1!)It .p, ,th, TREZE
66 "De Sandvigske samlinger, Lillehammer". Artigo de um jornal não idcntif lido dI' (:jl1vll,.
livro de recortes 4, p.l02, Arquivos Maihaugen. Estados Unidos, Paris,
67 Hegard, op. cit., p. 94·
Alpes: Kracauer
68 "Pâ Skansen", Vart land, Estocolmo, 5 out. 1891. , .
69 "Gudbrandsdalens Folkemuseum paa Maihaugen. en Sevaerdighed", "I,
Ajtel1pOSIClI, 1</'Isl 1111I (e Benjamin) sobre
31 maio 1903. o cinema e a
70 Anders Sandvig, I praksis og pã samlerferd, Oslo: Tanum, 1943, pp. 185-6.
71 Diversos filmes sobre museus de cera proporcionam um paralelo interessante li 'SS,' 1'" ,I modernidade
dela de confinamento. Uma das primeiras comédias dinamarquesas, Christiau Sellllld,', ,
Panoptikon (1910), retrata um turista exausto do trabalho no campo que acaba dO/'l~\illlil\ 11II Miriam Bratu Hansen
museu de cera próximo do horário de fechamento e é trancado nele, quando as f I!lU 111 III
id Do mesmo modo dois filmes norte-americanos
cera gan h am VI a.'
sobre museu d,' I ,'I li,
. .
Mystery ofthe WaxMuseum (1933) e a refilmagem em três dimensões de.Vmcent PI'I <,,""11 I
ofWax (1953), salientam a idéia de que, após algumas horas, o entretel11mento prllZ.'I'()SIII1II
museu de cera tem um aspecto mais sinistro e terminam com seqüências de armadillurx 1111 Genealogias da modernidade
porões dos prédios, onde cadáveres reais estão sendo banhados em cera.. ,
72 "Dansk Folkemuseum",Husvennen, v.13, pp. 326-8, 1885-1886; "Ramloftstuen paa Lillch.unuuu ,
No limiar do século XXI, o cinema pode muito bem parecer uma invenção
Verdens Gang, 26 jul. 1895.
"sem futuro", tal como previra Louis Lumiere de forma um tanto prematura
73 Curt, op. cit., p. 578.
74 "Elektriciteten och Skansen", Dagens nyheter, Estocolmo, 2 maio 1899·
em 1896,1 Contudo, está longe de ser uma invenção sem passado, ou passados,
75 "Elektriciteten och Skansen: Ett genmale till 'En Skansvdn'" (A eletricidade e o Skanscn: 1111111 ao menos a julgar pela proliferação de eventos, publicações e programas de
resposta a "Um amigo do Skansen"), Dagens nyheter, 10 maio 1899· rádio e televisão por ocasião do centenário do cinema. O que efetivamente
76 Ãgotncs & Buggeland, op. cit., p. 43· constitui o passado, contudo, e o modo como isso figura na história - e ajuda
77 "Sandvigs Intelligenssedlerne.
Samlinger", a compreender a própria história - permanece, em grande medida, um tema
78 Christian Krogh, "Lillehammer". Verdens gang, Kristiania, fev. 1901.
sujeito a debate, se não a invenções.
79 Ibidem.
80 Buggeland & Agotnes, op. cit., pp. 90-1.
Há mais de uma década os estudiosos do primeiro cinema têm modificado
81 Midttun, Gisle, "Flytning af Prestegaarden", Dale-Gudbrand, Lillehammer, 28 fev. 1901\, a imagem daquele momento que, antes visto como prólogo ou marco evolucio-
82 Ibidem. nário para um cinema que veio depois (ou seja, o cinema clássico hollywoo-
diano e seus similares internacionais), é agora considerado um cinema que se
fazia com regras próprias, um tipo diferente de cinema.> Essa mudança de
ponto de vista vem rendendo estudos pormenorizados das primeiras conven-
ções de representação e contato com o espectador, bem como de seus modos
paradigmaticamente distintos de produção, exibição e recepção. Ao mesmo
tempo, ele permitiu a ampliação do foco da investigação, deixando uma abor-
dagem institucional mais estreita para empreender uma investigação interdis-
ciplinar da modernidade, buscando situar o cinema em um conjunto mais
abrangente de transformações sociais, econômicas, políticas c cult LI ruis,
Nu me lida '111 <lu 'os hisroriudor 'S I 'sul I' lurum o .ln 'mil dos prtm 'if'O.
pr 'I 'li 10 'ont rtar a legitimidade e o valor d ss m do cI lastrcar a m d 'ml
tempo das narrativas v lu i nistas lei I i as du hisl ria do íilm ' -Ilissiro,
os estudos acerca do cinema e da modernidad passaram a gravitur rn torno
dad I inema na segunda metade do século XIX, porém creio que xista nlgo
do século XIX. Falando de modo mais específico, existe a tendência d ins 'rir o sintomático na facilidade com que diversos estudos parecem falar de um fi ti-de
siêcle para outro. O que está em questão aqui não é apenas a opção por con n
cinema no contexto da "vida moderna", observada por Baudelaire na Paris (lilo
centista de modo prototípico. Nesse contexto, o cinema figura como parte du trar a atenção em diferentes períodos ou estágios da modernidade, mas sim o

violenta reestruturação da percepção e da interação humana promovida p -1m status de versões concorrentes ou alternativas do modernismo, como os discursos
culturais co-articulados com a modernidade e os processos de modernização.l'
modos de produção e pelo intercâmbio industrial-capitalista; enfim, pela I' '110
Nessa concorrência, o eclipse do século xx não se limita aos estudos de cinema.
logia moderna, como os trens, a fotografia, a luz elétrica, o telégrafo e o t I -1<)111',
Marshall Berrnan, por exemplo, endossa expressamente uma visão de moderni-
e pela construção em larga escala de logradouros urbanos povoados por mult j
dade baudelaireana, que chama de "modernismo nas ruas", fazendo dela um
dões anônimas e prostitutas, bem como por flâneurs não tão anônimos assi 111.
programa político-cultural para o presente. Tal como proclamado por Berman:
Da mesma forma, o cinema surge como parte de uma cultura emerg ntc do
"Pode-se depreender, portanto, que ... a lembrança dos modernismos do século
consumo e do espetáculo, que varia de exposições mundiais e lojas de d ipurtu
mentos até as mais sinistras atrações do melodrama, da fantasmagoria, cios 11111 XIX pode nos dar a visão e a coragem para criar os modernismos do século XXI"'?

seus de cera e dos necrotérios, uma cultura marcada por uma proliferaçr 0('111 A despeito da postura polêmica de Berman, contrária ao pós-moder-
nismo, trata-se de um gesto um tanto pós-moderno, não só em decorrência de
ritmo muito veloz - e, por conseqüência, também marcada por uma e(,'J1WI'
dade e obsolescência aceleradas - de sensações, tendências e estilos. sua nostalgia patente, mas também pela própria noção de que existe mais de

Esses contextos nos oferecem subsídios consideráveis para compr 'n(\I'1 uma modernidade (e de que o modernismo pode, e deveria, ser um termo
empregado no plural), noção que somente apareceu quando o moderno perdeu
mos as formas pelas quais a modernidade se concretizou no cinema 'IHII
meio dele, seja no cinema dos primeiros tempos, em específico, ou na inst it u] a condição de dominante cultural, para utilizar o termo de [ameson.s Tornou -se
possível pensar dessa forma a partir, entre outras coisas, da queda do indus-
ção cinematográfica em geral. Explicam, por exemplo, de que forma o im'lIl1l
trialismo fordista e do fim da guerra fria; da presença cada vez maior de grupos
não apenas representou o epítome de um novo estágio na ascensão do visuul
sociais e culturas marginais nas instituições de arte, na literatura e na acade-
como discurso social e cultural, mas também respondeu a uma crise 0111(111111
mia; e do surgimento de uma perspectiva global que destaca o modernismo e
da visão e da visibilidade.a E levam também em consideração o enorrn - 1'1H,I'I
do cinema em relação à "mobilização estrutural do olhar" - que transnuu 1111 a modernidade como fenômenos especificamente ocidentais, vinculados a uma
história de imperialismo e masculinismo. Na esteira dessas mudanças multi-
traumática reviravolta das coordenadas temporais e espaciais não só '111 111•1
facetadas, contundentes e inter-relacionadas, passou a ser possível questionar
zer visual mas também em uma "flânerie por algum outro lugar e algum 11111111
tempo imagínãrios",« Ao identificar desvios e ambivalências no d S invulv: a hegemonia do modernismo empregado no singular _ um modernismo
que, não obstante seus próprios ataques contra o legado do Iluminismo, reins-
mento do consumo feminino, tais contextos trazem complicações parn \ 1'11,1
creveu as terapias universalistas deste último entre as verdades ostensivamente
premissas sobre a dinâmica sexual e de gênero própria ao olhar nwd,'llId"
unívocas e isentas de valores oferecidas pela tecnologia e pela racionalidade
pelo cinema clássico. Além disso, uma vez que situamos o cinema em umu 111
instrumental. A crítica a este modernismo hegemônico se estende por vastos
tória de percepção sensorial na modernidade, em particular na espiral do .1111
campos, ramificando-se desde o modernismo tal como estritamente definido
que, da proteção em face dos estímulos e das sensações cada vez mais il1l"1111
na literatura e nas artes até a arquitetura, o planejamento urbano, a filosofia, a
("realidade!"), podemos reformular o debate acerca da condição do 'SI11"I I
dor em termos históricos e políticos mais específicos.5 economia, a sociologia e a engenharia social. Essa crítica aponta as mesmas
falácias utópicas no funcionalismo, no neopositivismo e no behaviorismo; em
Contudo, meu interesse aqui é pelo que esta genealogia do in '1111, di
Le Corbusier e na Bauhaus; na arte abstrata e construtivista, bem como nos
modernidade tende a deixar de fora: o século xx - a modernidad Ia pm"III,111I
murais monumentais de Diego Rivera; em Sergei Tretyakov e Bertolt Brecht e
em massa, do consumo em massa e da aniquilação em massa; da ra ionul ~III,III
::j.06 da padronização e dos públicos dos meios de comunicação. De íormn 111/-111111
I também em Ezra Pound Wyndham Lewis; e ainda nas posições polfticas que
variam do fordismo squl'rdiNII io 'litismo n lassi iSln,~
'I 7
uer motivad p Ia dt i a pós-moderna, qu r P .ln bus 'o I 01' l/'udl, t' Nu '111IIII( , nceber a relação entre modernismo hegem nico e a expe-
alternativas de modernidade, esse ataque d sferido contra o 111d rnisrnn IH'W' riên '111do vida moderna como uma oposição pode levar a conclusões errô-
mônico expõe-se ao risco de reproduzir, de modo desavisado, 0111 SI110t<lI,,1 neas, tal como também prematuramente definir essa relação com base numa
tarismo epistêmico que procura desbancar. Por um lado, ele reduz s nsp '~\(I,~ discussão sobre recepção, resistência e reapropriação. Não devemos subestimar
contraditórios e heterogêneos dos modernismos do século xx às pr tens: ('S IlI' o quanto o modernismo foi também um movimento popular ou, mais precisa-
um paradigma dominante, ou, em vez disso, às posições assumidas por 11111 mente, de massa. Se as promessas de modernização acabaram revelando-se
grupo específico, canônico, de intelectuais modernistas. Por outro lado, ,'SNI' ideológicas, não cumpridas, ou ambas as coisas, ainda assim houve um número
ataque provoca uma indesejada sobreposição entre o discurso do mod .ru iSII111 suficiente de pessoas que tiveram muito a ganhar com a implantação universal
e os discursos da modernidade, independente do grau de mediação qu 'po, 11 de direitos políticos assegurados ao menos formalmente; com um sistema de
haver entre esses dois conceitos. Isto é, a fixação crítica sobre o mod '1'I1IslI11, produção em massa atrelado ao consumo de massa (ou seja, a criação da possi-
hegemônico, em certa medida, acaba minando os esforços com O intuito dI bilidade real de aquisição de bens de consumo em base generalizada); com a
ampliar a discussão do modernismo para além da preocupação Ira licinnn] melhoria geral das condições de vida, viabilizada pelos avanços efetivos da
com movimentos artísticos e intelectuais e de compreender tais m vim '11111 ciência e da tecnologia; e com a eros~o de padrões hierárquicos sociais, sexuais
como indissociáveis dos processos políticos, econômicos e sociais da modt'lll e culturais estabelecidos de longa data. Não resta a menor dúvida de que essas
dade e da modernização, inclusive o desenvolvimento da cultura de mllS/H\ I' 11,1 promessas transformaram-se nos principais alicerces da mitologia capitalista
mídia. Em outras palavras, o ataque contra o modernismo hegemôni It'IHI, ,I ocidental, contribuindo de várias formas para conservar as relações de subor-
ocluir as condições materiais da modernidade cotidiana que distingu '111li v ItII1 dinação no Ocidente e em outras partes do mundo. Contudo, se quisermos
no século xx da vida no século XIX, ao menos para grandes parcelas lu P0l'" compreender o que houve de radicalmente novo e diferente na modernidade
lação da Europa ocidental e dos Estados Unidos. do século XX, temos também de reconstruir o apelo libertador do "moderno"
Caso queiramos tornar a junção de cinema e modernidade prof] 'li \ I'lI1.1 para um público de massa - um público que era, em si mesmo, tanto um pro-
esta discussão, temos de conceder à modernidade do século xx a m SI11:1Ull'II duto quanto uma vítima do processo de modernização.
ção voltada para a heterogeneidade, a assincronia e a contradição que 1111111 Dessa perspectiva, o cinema não constituiu apenas uma entre várias tec-
mente é dedicada às primeiras fases do moderno; isto, ao menos em pl'illlll'llI nologias de percepção, tampouco refletiu o ápice de uma determinada lógica
uma vez que a tentativa de reduzir e controlar essas dimensões ,i 1)1'/-1"
\'1/ do olhar; ele foi, sobretudo (ao menos até a ascensão da televisão), o mais sin-
mente, uma característica do modernismo hegemônico que nos salta nos 111111' gular e expansivo horizonte discursivo no qual os efeitos da modernidade
em diversas áreas. Não obstante, se procuramos situar o cinema no al11hilll .1'1 foram refletidos, rejeitados ou negados, transmutados ou negociados. Foi um
transformações do mundo vivido específicas ao século XX, particularmente I 111 dos mais claros sintomas da crise na qual a modernidade se fez visível e, ao
sua primeira metade, não há como confundir essas transformaçõ s 'o 11I, d 11 mesmo tempo, transformou-se em um discurso social por meio do qual uma
mos, as visões tábula rasa a elas impostas em nome de uma estéti a 'id.'III" 1'1 grande variedade de grupos buscou se ajustar ao impacto traumático da mo-
da máquina. A arquitetura modernista e o planejamento urbano, por ('XI'III/IIII dernização. Esta dimensão reflexiva do cinema, sua dimensão pública, foi logo
podem ter causado um impacto tremendo, e talvez prejudicial, s brc li v 1111.1,1 reconhecida pelos intelectuais, seja nos casos em que comemoraram o poten-
pessoas, contudo seria um erro simplesmente equacionar as intcn« 'S 11111111
I cial emancipador do cinema, seja quando, aliados às forças da censura e da re-
nistas com o uso social efetivo.w Da mesma forma, o cinema clãssico 1'0.11 11I forma moral, tentaram contê-lo e controlá-lo, adaptando-o aos padrões da
se norteado nos princípios fordistas-tayloristas de organização indllSI ri 11,111111 alta cultura e à restauração da esfera pública burguesa.»
binado, do ponto de vista funcional, com normas neoclássicas de 'si iliI I'lII ti ., Nas próximas pá inas, nduzir i lima discussão acerca da conexão entre
filmes; porém, a padronização sistemática da forma narrativa n I' 'SllIl t 1I I., cinema em d rnidudc 1 p trt ir In o! r) ti [ri d Kracauer e, por compara-
espectadores não podem explicar inteiramente a formação uhurnl d(ll 1111111 ção, do pensam inro I' Wllt 'I' lholll 1111111,
unorcs qu tinham praticamente a
a experiência real na sala escura e as dinâmicas de rec peão [uc VOI'1111
1'"1111 idade do in '111)qu ' Ilpll', I '" "I 1111doI ,tio til' 'HII,') I, S .nslbilidn I '0111
do ponto de vista local quanto histórico." rclucuo \0 '1111'I I, 1111 VII 1111'\I d,'
pupel lund 1111\'111111 o~"\llIk '~'I () vinil I
desempenhando na luta p elos slgnifi iodos du mod 'rni Iad i.Ambo« 'S 'r 'vi 1111 ('li '01 " lido I 'Y\merika"
na Alemanha da República de Weimar, que por si s tom LI-I{' L1m lOI os d\
modernidade clássica em crise e como crise, representando um p ríodo qU(' A América somente desaparecerá quando ela se descobrirpor completo.
viveu as contradições da modernização em sua forma ao mesmo t mpo ínrcli I [Kracauer, "Der Künstler in dieser Zeit", 1925]
e acelerada.» Kracauer e Benjamin eram amigos, e cada um deles lia e rcvisuvn
os escritos do outro; se a correspondência que trocaram é relativam nt 'x( Tanto nas análises retrospectivas da cultura da República de Weimar, quanto
gua, é porque se encontravam e conversavam com freqüência, principalm 'nl . nas da própria época, a condição do cinema como objeto privilegiado da vida
durante o exílio comum em Paris e, mais tarde, em Marselha. I 'il's
'4 Nenhum moderna é muitas vezes associada ao discurso do americanismo, à invocação
ocupava um posto acadêmico: Kracauer escrevia para o Prankfurter Zeit uns; da "Amerika" como metáfora e modelo de uma modernidade desencantada.
(atuando como seu editor de 1924 em diante), um diário de tendência lib rul O americanismo compreendia praticamente tudo, desde os princípios fordistas-
ao qual Ernst Bloch certa vez referiu-se como o "jornal primevo da solid '1." tayloristas de produção - mecanização, padronização, racionalização, eficiên-
(Urblatt der Gediegenheitv» Benjamin trabalhava como autônomo para div 'I'
cia, linha de montagem - e os padrões de consumo de massa daí decorrentes,
sas revistas literárias e estações de rádio. até novas formas de organização social, libertação em face da tradição, mobi-
Minha discussão estará concentrada em Kracauer, cujos textos mais im lidade social, democracia de massa e um "novo matriarcado", passando pelos
portantes sobre cinema, cultura de massa e vida cotidiana (centenas de artigos símbolos culturais da nova era - arranha-céus,jazz ("Negermusik"), boxe,
e críticas que datam do período entreguerras) são um pouco menos conh . teatros de revista, rádio e cinema. Qualquer que fosse sua articulação especí-
cidos do que alguns textos de Benjamin que se tornaram cânones dess 's fica (sem mencionar sua relação real com os Estados Unidos), o discurso do
assuntos. Se os últimos são tratados em um tom mais crítico, isso tem menos americanismo transformou-se em um catalisador do debate sobre moderni-
a ver com os textos propriamente ditos do que com sua recepção, em pari i dade e modernização, polarizado em torno dos ataques ou lamentações cultu-
cular a maneira pela qual a construção histórico-filosófica feita por Benju rais de natureza conservadora, de um lado, e elegias eufóricas ao progresso
min da Paris de Baudelaire é utilizada para elidir as dimensões do cinema ~' tecnológico ou sua aceitação resignada, de outro. Entre estes últimos, as linhas
da modernidade especificamente relacionadas ao século xx. Obviamente, de embates políticos passaram por entre aqueles que encontraram no evange-
não se pode simplesmente alinhar Benjamin a uma genealogia oitocentistn lho fordista a solução para os males do capitalismo e um caminho harmo-
da modernidade e Kracauer, por sua vez, a uma genealogia novecentista. Ik nioso em direção à democracia (então, o conceito de "socialismo branco") e
modo explícito, Benjamin derivou sua estruturação de uma análise da crise aqueles que acreditaram que a tecnologia moderna, juntamente com modos
do tempo presente (e seu ensaio "A obra de arte na era da reprodutibilidadc de produção e consumo com base nos recursos tecnológicos, propiciava as
técnica" conectou, como um telescópio, os dois contextos) ,16 e Kracauer, por condições, porém apenas as condições, para uma revolução genuinamente
outro lado, também voltou-se ao século XIX, notadamente com sua "biogrn proletária ("fordismo de esquerda").»
fia social" de [acques Offenbach, em que analisou o gênero da opereta como Durante os primeiros anos da República de Weimar, a associação entre
um protótipo da instituição do cinema.'? No entanto, o grosso da obra dl' cinema e americanismo não estava estabelecida, ao menos até a implantação
Kracauer em Weimar preocupa-se com a modernidade do século xx e, por do Plano Dawes em 1924 e a campanha em larga escala que a ele se sucedeu,
tanto, em sua base, oferece uma profusão de observações e reflexões sobre em prol da racionalização industrial de acordo com os preceitos de Ford e
-cinema e cultura de massa que não encontramos em Benjamin.w Dado S 'li Taylor. Quase que ao mesmo tempo, e por motivos relacionados, Hollywood
insistente engajamento empírico-reflexivo com a realidade contemporân 'li, consolidava sua hegemonia no mercado alemão. Em reportagem ao Prankfur-
Kracauer representa uma tentativa precoce de conceituar diferentes tipos dr ter Zeitung sobre uma conferência da Deutsche Werkbund em julho de 1924,
modernidade ou modernidades concorrentes entre si. Tentarei delinear essas Kracauer apresenta esse encontro de desenhistas, industriais, educadores e
modernidades concorrentes na obra de Kracauer, referindo-me a elas Sl' políticos como um centro de conexões perdidas. A conferência concentrou-se
gundo as próprias "imagens-pensamentos" do autor sobre os Estados Unidos, em dois temas principais, quais sejam, "o falo d arn ri anismo, qu par
Paris e os Alpes, respectivamente. avançar corno Lima rOI'~'nI1nllll'nl"l'n"l' nl'l(,~lirl\ do ti.ll11l·d' fil\'l o".JO
'kv, 11I,:in
Antes de entrar em detalhes, Kracau r id ntif ti, no '1l1<Hllll'I I si o 111111111111 L1 slMlll1i.utivo o fato de que Kracauer desenvolve os primeiros estágios de
pelos locutores ao abordar o americanism ,a gran I' rl1lhn em 'Si IIh,ll'll I I sua mctuffsi a da modernidade em um tratado sobre o romance policial, um
relações realmente pertinentes: eles se aventuraram', xplorur I "d ,(111 1,1111 gênero de ficção popular que fez muito sucesso quando produzido em série e
espiritual" do americanisrno em seu todo; porém, ao se rnant 'r '11) Ild 1111111 que, na Alemanha, ocupava posição inferior na escala de valores culturais
duta defendida pela Werkbund, que se intitulava uma "or lanizll~'ll0 111111111111
quando comparado ao que se verificava na Inglaterra ou na Prança.» A leitura
acabaram por deixar praticamente intocadas as "pré-condiç 'S "011 111 I II ,
que Kracauer faz deste gênero não parte do aspecto exterior, em que seria inter-
políticas nas quais a racionalização ... está fundamentada". Embor I\) (11111111 pretado como um sintoma sociológico, mas sim como uma alegoria da vida
nentes e os críticos da racionalização parecessem articular suas opin] I' 111111 contemporânea. "Da mesma forma que o detetive revela o segredo submerso
grande convicção e clareza, o segundo tópico continuou mcr zulhnck I 1111 I 11II entre pessoas, o romance policial descortina, valendo-se do meio estético, o
fusão. "Curiosamente, talvez em decorrência de preconceitos pn Iund 111111111 segredo da sociedade 'des-realizada' e de suas marionetes sem substância:'
arraigados, a questão do cinema foi tratada de forma muito mais I '1111('111 11 I Assim, o romance transforma, em razão do modo como é construí do, a "vida
e impressionista do que o fato da mecanização, muito embora ambos 1\ 11111 incompreensível" em uma "contra- imagem" da realidade (pp. 116-7), um "espelho
menos, o americanismo e a composição dos filmes, pertençam, aíinul, ti 1111 deforrnante" no qual o mundo pode começar a ler seus próprios traços. Quando,
ma esfera da vida empírica," por volta de 1924, Kracauer passa a nutrir interesse teórico pelo cinema, seus
Em uma passagem bastante citada de seu romance serni-autohlugt 11111 motivos são semelhantes. Dadas suas capacidades formais de deslocamento e
Ginster, Kracauer faz com que o protagonista e seu amigo Otto d b 1I 1111 '1111 estranhamento, argumenta o autor, o cinema está singularmente ajustado para
tões de metodologia científica. Embora Otto proponha um métod qUI' li' 1111 I captar um "mundo sem substância e em processo de desintegração"; como
"temas secundários" (Nebensachen) e "caminhos latentes" tSchleich 1111',1/1') 1111111 conseqüência, ele cumpre uma função cognitiva, diagnóstica, com relação à
chegar a "hipóteses cientificamente convincentes", Ginster não a r' lil,l '1"1 I vida moderna, mais verdadeira do que a maioria das mais refinadas obras de
questão realmente seja a reconstrução de uma "realidade original": "1) , H 1111111 arte.26 Assim, a atenção dedicada por Kracauer à "superfície", a uma topografia
com sua teoria, Colombo tinha de aportar na Índia; descobriu a AIlII I I I1 dos produtos efêrneros e culturalmente desprezados do período, já está prefigu-
Uma hipótese só é válida sob a condição de perder sua finalidade in i 'i 111111 111 rada em sua primeira metafísica da modernidade, o projeto com leves matizes
pretendida, a fim de atingir outro objetivo desconhecido".» A es olha do I' I 111 escatológicos de se registrar o processo histórico em toda a sua negatividade.27
plo não é mera coincidência. O episódio ilustra não apenas a próprio 1111111111 Para Kracauer, seguindo os ensinamentos de seu mestre Simmel, o fascí-
gem de Kracauer à "realidade",» mas também seu peculiar engajam nll I 11111 I nio pelos fenômenos superficiais da vida moderna era simultaneamente uma
"Amerika", com a modernidade capitalista-industrial, dos meios de J1\" II rejeição da disciplina da filosofia, mais particularmente da tradição da filoso-
OS trabalhos de. Kracauer anteriores a meados da década de 2 p 'l'tl'llIl 111 fia idealista alemã. Ele percebeu que o pensamento teórico informado pela
de modo geral, ao discurso culturalmente pessimista que se produziu 111 1I referida tradição demonstrava-se cada vez mais incapacitado a apreender uma
período sobre a modernidade.» De uma perspectiva predominam 'nwlltl' 11111 realidade que passava por mudanças, uma "realidade repleta de pessoas e coi-
só fica e teológica, a modernidade nasce como o ponto final d um I 1'1111' 11 sas corpóreas't.s" Assim, o desespero de Kracauer em vista dos rumos do pro-
histórico de desintegração, um esvaziamento do sentido da vida, um I di 111 I1I cesso histórico transforma-se em desespero ante a ausência de um discurso
ção entre verdade e existência que lançou o indivíduo atomizad no ((111' ( :1'1111 heurístico, diante do fato de que "o objetivamente digno de nota" [das Objektiv-
Lukács chamou de estado de "desabrigo transcendental". Rc 01''' 'nclo 111 111 Neugierige] não dispõe de uma feição característica.w Como muitos que per-
logia contemporânea, em particular Simmel, Scheler e Web r, Kru .uu 'I' V I'" tenciam à sua geração, Kracauer buscou esse discurso heurístico nas obras de
processo como algo vinculado ao desenvolvimento de uma ratia (I'IZ o) 1111 I Marx e na teoria marxista de sua época, que se pôs a ler, intensamente, senão
gressivamente instrumentalizada, uma razão abstrata, f rrnal, dissOi Itlllll tlll de modo idiossincrático, por volta de 1925. Mas se os seus próprios escritos
contingência humana, e en amada na 011 mio 'apitlllisll1 l' no 1'('0 l\('I 11\'11 passaram a s guir uma linha mat rinlistu durante aqueles anos, foi também
ideal de"uma so i dadc ivilizndu COlllpkl 1l1wnll' rn 'iOllllizt1dll" (UII1I (,'" "" p rqu os v rdad iros I sdobrnll1 '1\111 1!l'o,','ldoN no lis urso da l110d rniza-
412 I/(/ft, P r OPOSiÇIO li (;/'IIII'iwfllll/I).' I ~'I () exigiam 111111\ nl or h\f.\ 'IH dikn'IIII',
orn a intr duçê d s prin (pios r r llsras tuyl rlslns ti 'pl'()dll~ () I 111111 lojas d 'ti 'P 11'1\111nt s, estações d trem, o metrô, albergues para os sem-teto,
na indústria quanto no setor de serviços e orn a ixpansat das j( I'nll\N '11I!111111 agên ias I' impr go): a mídia (fotografia, revistas ilustradas, filmes); e rituais e
de consumo de massa que acompanharam esse pro sso, os pr prius i: \1'ti' li III instituições de uma cultura do lazer em franca expansão (turismo, dança, es-
desenvolvidas para compreender a lógica da modernidade - "ra 'i()nnli:lll~ 111", portes, cinema, circo, espetáculos de variedade, parques de diversão). Tão notá-
"desmitologização", "alienação", "reíficação" - ganharam urna nova di 11H'II 1111, veis quanto a vasta gama de tópicos são a mudança de tom e a diferenciação de
e o conceito de ratio assumiu uma face mais concreta, mas também mnis '(111'1
di opiniões e posturas na obra de Kracauer. Embora a crítica do lastro capitalista
xa e contraditória. Com efeito, já haviam ocorrido experiências e debutes: (11111
1i da modernização seja uma constante - e torne-se cada vez mais dura ao nos
racionalização mesmo antes do advento do americanismo, a bem da Vl'l\lldl . aproximarmos do fim da década -, a atitude pessimista e normativa com base
antes da Primeira Guerra Mundial. Além disso, embora houvesse urnn Irl liII 11 na metafísica dá lugar a uma "afirmação incerta e hesitante do processo civiliza-
cia notável à adoção de métodos fordistas-tayloristas em meados dos 01111 11 tório", Essa postura, conclui Kracauer em seu ensaio "A viagem e a dança",
esses métodos não foram implantados em todos os lugares e em um 1111'11111
ritmo.s= Contudo, ainda que a racionalização intensa e meticulosa onl i111
II I é mais real do que um culto radical ao progresso, seja ele de origem racional ou des-
em grande medida, uma mera aspiração, e o discurso sobre seus efeitos IIlIdlll temidamente voltado ao utópico, e também mais real do que as condenações
vezes tenha redundado em mito, ela logrou constituir uma poderosa rc IlId liI, daqueles que à maneira romântica se evadem da situação que lhes compete. Ela
- quanto ao planejamento urbano e arquitetura, engenharia social, novu: IIII [essa postura] adia promessas sem se furtar a manifestar pensamentos; não se reduz
ticas culturais de vida e de lazer - que Kracauer viu tratada de mancl: I 11111 a observar categoricamente os fenômenos que se emanciparam de sua fundação,
tanto insatisfatória nas análises então predominantes sobre a modern idiu 1(, como desfigurações e reflexões distorcidas, mas lhes concede suas próprias possibili-
Na verdade, a crítica da racionalidade ocidental não ignorava os nu 1111
III dades, positivas afinal:»
capitalistas de produção e troca. Para Kracauer, no entanto, essa crft i 'li I11II1
teve-se enredada nas abstrações da filosofia transcendental, porquanto jll! 111 Que possibilidades específicas percebeu Kracauer nas manifestações cul-
lou a ratio como uma categoria trans-histórica e ontológica, da qual" 1111111 turais do americanismo? O que havia de especificamente novo e potencial-
fase do capitalismo seria meramente uma encarnação específica, imut IVI II mente libertador nesse regime particular de modernização? Embora Kracauer,
inevitável. Ele externou sua reprovação até mesmo a Lukács, cuja obra 111'1/11 I" vez por outra, ainda deplore o lado "máquina" da existência moderna, ele
e consciência de classe (1923) fundiu de forma bastante persuasiva li Il'Olll1 .I I começa a ficar fascinado por novas formas de entretenimento que transfor-
racionalização de Weber com a teoria do fetichismo da mercadoria tll'S\'IIVI,I mam a "fusão entre pessoas e coisas" em um princípio criativo. Ele observa
vida por Marx, dando um grande impulso à Teoria Crítica.» Kracau 'r 111111
I1 esse princípio em ação pela primeira vez nas revistas musicais ao vivo que fer-
rejeitou a noção de proletariado de Lukács como objeto e sujeito do di tll'l I I vilhavam nos palcos de vaudeville da Alemanha: "O vivo aproxima-se do me-
hegeliana da história, como também refutou a concepção da rcalidud« I 11 cânico, e o mecânico comporta-se como o vivo".« Com um entusiasmo que
quanto uma totalidade que o intelecto teórico supunha conhecer, olh I11ti ti II soa estranhamente próximo do discurso do "socialismo branco", Kracauer faz
de fora ou de cima. Para Kracauer, o reconhecimento do processo h1. 1\11/111 uma reportagem sobre o espetáculo apresentado em Frankfurt pelas Tiller
exigia a construção de categorias partindo-se de dentro, do interior do 1111\1 Girls (na verdade, uma trupe britânica), cuja temporada marcou o início da
rial de análise; atualizar Marx requeria uma "dissociação [Dissozih''''''',l:! .111 "era americana" na Alemanha:
marxismo na direção das diferentes realidades" Y
A dissociação feita pelo próprio Kracauer em busca das rcalidud 'S dll .111 o que elas conseguiram é um trabalho de precisão sem precedentes, um deleitoso
moderna pode ser observada, no plano mais óbvio, na sua escol ha til' 1(11111
II taylorismo de braços e pernas, um charme mecanizado. Elas tocam o tamborim, os
áreas. A partir de 1925, aproximadamente, seus artigos giram ada W'I. 1\111I 111 ritmos do jazz, aparecem vestidas de marinheiro: tudo de uma só vez, pura "duode-
torno de lugares e sintomas de mudança: objetos p rtcn nt 'S ao 1Il1iv\'1".111 ciunidade" [Zwolfeinigkeitl. Uma tecnologia cu]a graça é sedutora, uma graça que
cotidiano (a máquina de escrever, tini ir s, guarda .huvus, pinnolils)i" jlll,1I não depende do sexo, porq/lc se };II/111/ 1/11 III('Will tl« precis! o. li r pres intação das
físicos (logradouros públicos, pra\'ns ' 'dil'rl ios I1l'ljlllll'l lIicos. lI' Idll.• /11111 virtudes norte-nmcricanas, 1/1/1 /1"1'11' 1'1'1I1101//1'1 nula. \ ,\1
praz r qu Kra au r bt m 0111 a pr is. l1t o r si I' I11Un1I 'si II ,11 I .uliu: I di 111 di I, tal com incrna ..I9 Um de seus artigos sobre o Zirkus
tecnologia, mas sim nas configurações so iais s xuais ~u //11&1:11"1'1'/0., publi ado um ano antes de seu famoso ensaio "O ornamento de
frutificar. Na economia planejada do teatro d revista, o qu mp 'I1SIl n 1'11111 Ii massa", pode ser entendido como um esboço para aquele ensaio. Kracauer
nização é uma manifestação sensual do comportamento coletivo, urna vis Il compara a aparência da menagerie gigante em Frankfurt a uma "Internacional
ou miragem - de igualdade, cooperação e solidariedade. Trata-s ainda d~'\111111 de animais", descrevendo os animais como delegados involuntários de regiões
visão de mobilidade entre os gêneros (garotas vestidas de marinh ire),I"IVI' ampliadas globalmente. Eles estão unidos sob o encanto do americanismo:
próxima, de forma precária, de um recuo em relação à sexualidade. Né e ( bSIIIIIII',
Kracauer comunica o breve vislumbre de uma organização diferent das r '11\ (li' A fauna move-se com ritmo e forma figuras geométricas. Nada sobra para a
sociais e entre os gêneros - ao menos distinta da ordem patriarcal da lillllllll estupidez [Dumpfheit]. Da mesma forma que a matéria inorgânica se quebra em
da época do império dos Hohenzollern e dos padrões de diferença sexual qlll' I'" partículas de cristal, a matemática apreende os membros da natureza viva e os sons
traram em choque tanto com a realidade da mulher que ingressava n m '1" "li I controlam os impulsos. Também o mundo animal sucumbe aojazz. Sob a pressão das
de trabalho quanto com a própria sensibilidade homossexual de Kra aut,,'.lr, coxas de Hackanson Petoletti, um vigoroso garanhão dança a Valencia e se supera
A estética taylorista do teatro de revista também sugere uma OI1l'I'P\ (I em síncopes, muito embora seja de Hannover. Todos os animais participam da criação
diferente do corpo. Ao escrever sobre os dois "dançarinos excêntricos" (/i ,'" do império defiguras de acordo com seus próprios talentos. Zebus de Pious Brahmin,
trikti:inzer) que se apresentavam no Teatro Ufa, Kracauer assinala qu n PII'I ursos pardos tibetanos [Kragenbãren] e manadas compactas de elefantes: todos
são e a graça do espetáculo desses cavalheiros "transformam o corpo-nu q\l 1111 eles se ordenam de acordo com pensamentos que não imaginaram por si próprios ...
em um instrumento atmosférico". Eles desafiam as leis físicas da gravid 1111 • O couro mais espesso épenetrado pela mais tênue idéia;fica comprovado opoder do
da estática, não por assimilar a tecnologia ao fantasma de um corpo 111I I \I espírito, como um milagre. Por vezes eleparece não só subjugar a natureza pelas cos-
lino e completo (o corpo revestido pela armadura do soldado/herói), mI.l li 11 tas, por assim dizer, mas também emanar da própria natureza. Os leões-marinhos
jogar com a fragmentação e a dissolução desse corpo: "Quando, por ix '1\ 'I til I fazem malabarismos como sefossem animados pela razão. Com seus focinhos pon-
eles passam uma das pernas em torno de um grande arco ... ela na verdade 11111I tudos eles lançam ao ar e apanham qualquer coisa que seu instrutor, o Capitão von
está mais presa ao corpo: ao contrário, o corpo, leve como uma pena, trun 1111 Vorstel, lhes joga: tochas de fogo, bolas, cartolas. E nos intervalos eles comem peixe
mou-se em apêndice da perna que flutua no ar".37 Embora em rcsson 111 Ii para fortalecer os músculos do pescoço - o que parece bastante razoável. 40
com um desejo de superar as limitações do corpo "natural", essa irn IgloIII

uma variante lúdica da imaginação curiosamente masoquista d KI'IH 1111 I O regime da razão heterônoma exercitado no dorso dos animais seria me-
que (especialmente em seus romances mas também em seus nSllio.) 1'"1 ramente patético, não fosse pela presença dos palhaços, cujas piadas anárqui-
repetidas vezes encena a violação das fronteiras físicas e mentais por ohJl'I1 I I cas desbancam quaisquer pretensões imperialistas à racionalização: "Também
sensações estranhos. O desmoronamento da hierarquia entre centro " IHol1I eles querem ser elásticos e alinhados, mas não adianta, até os elefantes têm
ria no corpo do dançarino, bem como de sua expansão como umu 1" til. mais destreza, eles se atrapalham demais, é como se um duende aparecesse
acaba minando tanto as noções burguesas de uma "personalidad • inl •••.,lId I para estragar todos os elaborados cãlculos".« Embora suas extravagâncias
quanto as múltiplas tentativas (nos esportes e na "cultura do corpo") di' 1I I encerrem uma longa tradição, os palhaços assumem um papel de aguçada
truturar "o espírito" em uma unidade orgânica, natural.ar alteridade com relação ao processo contínuo de modernização; habitam a
Uma vez que o regime fordista-taylorista não pára no corpo hum 11111,1111 esfera intermediária do improviso e do acaso que, na visão de Kracauer, repre-
avança sobre o reino da natureza em sua totalidade, alguns d S .om '1111 I (I senta o suplemento que vem redimir aquele processo - que veio a existir ape-
mais interessantes de Kracauer sobre a racionalização podem s 'r 'I1WIIII "I" nas com a perda dos "alicerces" ou de uma ordem estável. 42
em seus trabalhos sobre o circo. Embora este seja uma inv nçuo do 11111111 A instituição na qual os palhaços podiam abraçar a racionalização, tal e
nismo e pertença a um modo de produçã art sanal, I bs rv 1 \I •••' 111.11 qual no seu próprio terreno, era obviamente o cinema. Nesse campo, os pa-
penetração da racionalização rn Sl110 m Ul11l1 instituiçüo qu " rupkl 111111111 lhaços lograram estabcl r S li próprio ôn 1'0, a comédia-pastelão, em um
6 vinha ficando para rrns r sendo sul slIlItld \ pOl' liwlI) III d 'si '1'1'1101'1" '/1111.1 "I v Iculo de ornuni .ação qu o
'111 'S 1,~Sq~lII'llVll ulcnnc de um públi o muito
maior do que o das apresenta s íocuis 'llovivo.Ell1il1lIlH'I·IHl'Íli Ii ,111 dad " ,~'ju I ,I" in apacidade de estabelecer uma distinção entre o eu e suas
cauer não tardou a endossar a ornédia-past I· (Gro/esk') 'OlHOUIlI I 1111
111I ima J .ns mult iplicadas (como observa Kracauer fazendo referência à cena da

cultural na qual o americanismo fornecia um anudoto muito 1'01'1111111 111 sala de spelhos em O circo), Chaplin encena uma visão "esquizofrênica" em
próprio sistema. Melhor que qualquer outro gênero. a 0111 diu-pust ·1,11
\ 1111'/ I1 que as relações habituais entre pessoas e coisas estão estilhaçadas, e diferentes
à cena a imbricação do mundo mecânico com a vida, subv rt .ndo () 11'1',11111 configurações parecem possíveis; assim como o clarão de um relâmpago, o
imposto pela ordem econômica em orgias de destruição, con flls.\o l' I) \ 1111\
111 riso de Chaplin "solda a loucura e a alegria". 48 O centro ausente da persona de

muito bem improvisadas. "Temos de reconhecer: com os Rim 'S 1'0:<1\'11\11.11 Chaplin dá margem à reconstrução da humanidade em condições de alienação

americanos criaram uma forma que serve de contrapeso à sua r 'ltl id Idl' 11 ("a partir desse vazio o puramente humano irradia-se de forma descontínua ...

naquela realidade eles sujeitam o mundo a uma disciplina muitas Vl'Zl' 1\ 11 É sempre descontínuo, fragmentário, intercalado no organismo"). Um aspecto

portável, o cinema, por sua vez, desmantela essa ordem auro-lmposh VIIdi fundamental inerente a essa humanidade é uma forma de comportamento
mim ético que desarma o agressor, quer pessoa, quer objeto, por meio da imi-
modo bastante contundente:' 43
Naturalmente Kracauer foi apenas um entre diversos artistas ,i Ilkkl IIlil tação e da adaptação, e que assegura uma vitória temporária do fraco, do mar-
da vanguarda européia (tais como os surrealistas) o lIdV\'1I11I
que festejaram dll ginalizado e do desfavorecido, de Davi sobre Golias.49
Para Kracauer, Chaplin não é apenas uma figura que reflete uma diãspora,
comédia _pastelão, e suas fileiras foram engrossadas com a inf xr o dI \ ~ 11111I
mas "o pária do conto de fadas", um gênero que torna os finais felizes imaginá-
realizada por Charlie Chaplin.44 Benjamin também atribuiu à com din \HI 1111II
veis e, ao mesmo tempo, passa-lhes a borracha. O vagabundo invariavelmente
elevada importância política, o que funcionou como complem '1110di' 111
aprende "que o conto de fadas não perdura, que o mundo é o mundo, e que o lar
apologias diligentes e, na melhor das hipóteses, esporádicas, do in '1\\11 IIVI
tico. Em sua defesa de O encouraçado Potemkin, por exemplo, I' 'qll I' 111111
[die Heimati não é o lar".> Se Chaplin é uma figura messiânica para Kracauer
cinema pastelão norte-americano russo pdl\ 111111
ao cinema revolucionário Ih (tal como argumenta Inka Mülder com bastante propriedade), é importante ter
em mente que ele ao mesmo tempo representa o encanto de uma humanidade
perseguir sem cessar uma "tendêncià' particular: "Sua polêm ica I SI"/ ,'11 t
utópica e a sua impossibilidade, a percepção de que o mundo "poderia ser dife-
voltada contra a tecnologia. Esse tipo de filme, na verdade, é ÔmilO.1I1I1 11
rente e ainda continua a existir".» Chaplin exemplifica essa humanidade em
risos que provoca flutuam sobre um abismo de horror.e Quan 10,11111111,,1
processo de apagamento tanto nos seus filmes quanto pela inegável amplitude
Benjamin retoma a questão juntamente com seu ensaio sobr li ohru I" \I li
de sua popularidade mundial que, visivelmente, transcende qualquer tipo de
ele discute o envolvimento da comédia-pastelão com a tecnolo riu Ilwd 111\\1"
distinção entre classes. Embora Kracauer mantenha uma postura cética com
conceitos de "choque" e "enervação". Neste contexto, Chaplin surge '1111111111111
respeito à função ideológica de relatos sobre como, por exemplo, o filme Luzes
figura exemplar, por ser o pioneiro na análise cinematográf H do 1\'\1\\11\111
da linha de montagem, uma demonstração "gestual" da dcs onlil1ulihul, I1 I
da cidade conseguiu provocar riso nos detentos de uma penitenciária em Nova
York e levar George Bernard Shaw às lágrimas, ainda assim ele aborda a ardilosa
ceptiva: "Ele faz um recorte do movimento expressivo do orpo 11111\\111111111
questão do "poder" de Chaplin de atingir os seres humanos independente de sua
uma seqüência de fugazes tensionamentos 1111
dos nervos (cn rvaç -s)", 11111
classe social, nacionalidade e geração» - a possibilidade, em última análise, de
cedimento que "impõe a lei das imagens cinematográficas sob!" I 11'\d" I
uma linguagem universal de comportamento mim ético que faria da cultura
tema motor humano". Ao praticar essa autofragmcnlaç •.o sisl('1I1 I 111. \
massa um horizonte imaginativo e reflexivo para as pessoas que tentam viver
interpreta a si próprio de forma alegórica". 46
suas vidas no terreno conflitivo da modernização.
O Chaplin de Kracauer não é nem tão barro o, n m Ii 1\ v 1111\11111.\1
Comparado a Benjamin, o interesse de Kracauer por Chaplin e pela comé-
quanto o de Benjamin. Enquanto este último pro u ra Iar n1'1\,(' I""1111li
dia-pastelão - como pelo cinema em geral- estava menos concentrado na
ção e à "auto-alienação" alegórica, Kracaucr situa a at rnç. o lu li~ul'lI (11'I \111\,1111
que tão da te nologia qu I, tarnpouco, concebia como uma força produtiva
emum"eu"jáausente:"Oserhuman in rporudo.ou
melhur, "1111111111111\
no s ntido rnarxistu, m\lilo 111'nos m um aparato cerceador. Kracauer inte-
por Chaplin, é um vazio ... Ele I ao possui v ntu I', 11011I~lIrdo 1\'11111
11 I
r'SSLlVIl se P .lu 1\11'(Il\il'",.ll\ I 01110um I' 'Him i soe: onômi o 'um dis urso
autopr s rvaçr o ou IIIS xlc poli '1\1\ O l'xisl(' 1\ulu 1\,I', I n 10 1'111111'I 111
dl'
culturnl que, k IlIodo 111ri qunlqucr ollll;nlol'llllll1l11 .rlor
,11'111IIIU do 11\11'
t, o hr;tllro qunuto OH( IIIIIHlNIH'V,do do A\, cn' y ,'I'j I pOI 111111 d, Idll\lI
de modernização, voltava-s par as mossas, constitulnd«
uma forrn i purtt 1i massa n () s apresenta uma crítica da razão instrumental e das visões corres-
larmente moderna do coletivo. A interrnediação
me âni ti pod situar n 'lil pendentes da história enquanto progresso conduzido pela tecnologia; ele
tura de massa no âmbito do "inautêntico" (das Uneigentliche), por m, uma v '" também desconfia da auto-reflexão crítica do intelecto masculino burguês. 54
que o caminho para "o autêntico" estava de toda forma bloqueado, Kra ;111~"
A preocupação subjacente - e, na minha leitura, crucial - desse ensaio é a
passou a defender cada vez mais a realidade e a legitimidade do « Ersatz"; 11
massa no "ornamento de massa". No projeto retórico de Kracauer, as Tiller Girls
própria distinção torna-se irrelevante diante da perspectiva, ainda qu ~ '011
claramente simbolizam uma configuração social e política mais ampla. Tal con-
temporizada, de que os meios de massa pudessem constituir o único horiZOI1I~' figuração não só inclui os padrões abstratos de corpos que se movimentam em
em que ocorria uma verdadeira democratização da cultura. Tal perspe Iivu espetáculos musicais de revista e exibições de ginástica arranjadas pela mão
também define os parâmetros da crítica: não só o próprio crítico tende S '111
invisível da racionalidade taylorista ("as pernas das Tiller Girls correspondem às
pre a ser um membro da massa consumidora, mas também a mídia propicia llS
mãos na fábrica") i também inclui a massa espectadora "que se relaciona com
condições para uma auto-reflexão crítica num âmbito de massa. [o ornamento] do ponto de vista estético e que não representa ninguém" - nin-
guém, acrescentaria, a não ser ela mesma. Embora o ornamento de massa pro-
Configurações da "massa" priamente dito permaneça "calado", sem consciência de si mesmo, ele passa a
adquirir significado sob o "olhar" das massas, "que o adotaram de forma espon-
o loeus classieus da análise de Kracauer sobre a cultura de massa fordista o tânea". Contrário aos "desdenhosos entre os letrados" (provavelmente a maioria
seu ensaio datado de 1927,"O ornamento de massà'.Aqui, as Tiller Girls trans dos leitores do Prankfurter Zeitung, onde o ensaio foi publicado), Kracauer sus-
formam-se em uma alegoria histórico-filosófica que, tal como se ressalta 0111
tenta que o "prazer estético do público com os movimentos ornamentais da
freqüência, antecipa alguns dos principais argumentos da Dialética do Ilutn! massa é legítimo"; ele é superior ao investimento anacrônico dos letrados nos
nismo [Dialética do esclarecimento], de Horkheimer e Adorno (1947)· Na ()II valores da alta cultura porque ao menos reconhece "os fatos" da realidade con-
dição de figura da racionalização capitalista, sustenta Kracauer, o ornam '1110
temporânea. Muito embora a força da ratio que mobiliza a massa ainda estivesse
de massa é tão profundamente ambíguo quanto o processo histórico qu ' (I
"bastante débil para encontrar [na massa] seres humanos e tornar suas figuras
gerou - um processo de desmitologização ou de desencantamento que cmun transparentes à cognição", não resta dúvida para Kracauer de que o sujeito
cipa a humanidade das forças da natureza, mas que, ao perpetuar relaçov« desse auto-encontro crítico tem de ser e somente pode ser a própria massa.»
socioeconômicas "que não incluem o ser humano", reproduz o natural,' Já em seu ensaio publicado em 1926 sobre os palácios de cinema de Berlim,
reverte-se em mito; a própria racionalidade tornou-se o mito predorninnnu "O culto da distração", o argumento de Kracauer gira em torno da possibi-
da sociedade moderna. Ao contrário de seus amigos da Teoria Crítica, '011
lidade de que nesses templos metropolitanos de distração poderia estar ocor-
tudo, Kracauer não identifica o problema no conceito de Iluminismo C0l110 1 Ii I rendo algo semelhante a uma auto-articulação das massas - a possibilidade,
(que, para ele, sob qualquer hipótese, está menos associado com o idealismo tal como ele próprio denomina em outro de seus trabalhos, de uma "auto-
alemão do que com o empirismo francês e a razão utópica - e a felicidade representação das massas sujeitas ao processo de mecanízação't.sé Pondo entre
dos contos de fada). Em vez disso, argumenta que, de fato, a penetraç, o d'I parênteses tanto o desdém cultural quanto uma crítica à ideologia, observa
razão na natureza não avançou o bastante: o problema com o capitalismo 1111I que, em Berlim, ao contrário de sua cidade natal, Frankfurt, e outras cidades
reside no fato de que "ele racionaliza demais", mas sim que racionaliza I di' provincianas, "quanto mais as pessoas se perceberem como massa, tanto mais
menos". Da mesma forma que se abstém de investir na alteridade da a rt ' i11111' rápido as massas desenvolverão poderes criativos no domínio espiritual que
pendente como o último refúgio de uma individualidade socialmcnt n '!J,íllhl, valem a pena ser patr cinados". Como conseqüência, as chamadas classes cul-
Kracauer rejeita toda e qualquer tentativa de ressuscitar formas pré- upit \!lSIII tivadas passam a p rd r S li stat us de elite provinciana e também o monopólio
de comunidade como uma solução alt rnativa:" pI'O sso avanço I ISS IlIdo cultural. "Isso dll ol'ig '1\1 I IIlItli~/I ia ostnopolita homogênea [das homogene
pelo cerne do ornamento d massa, nr de voltu u purt ir ti 'l'''.~\ Wellsltlrll-!)ttillikllllll '11\ qllt' t"d(),~ I '1'1 n 'J' ti li/li s spírito. d dir 101' do
A um só t I11pO,li '()mpllr:l~' o com I J>illl/ tiru tI/lI'Sr/tll'/'filll/'lIl/1 oh. ,1111'11
bnn .o no v 'IHkdOl', rlu dlv I 1111' 11'111 1.\1'do,", li ' lodos S 'j 1111" 111/1 S( 'sp(rito"
=120 'r .vcln umn dislill\'ilO illlplll't 1"11',1 o jlIII'IIII' (lI'1l 1\ (I 01>1\' (111I11 "111'''111 d, (l'ill/'~ Sillll/'S). iH" 1IIII,IIIIrl 11\11 ,1111111\11 1\0., I]U\' J11l 111\'1\ o !lI' IlIO KO 10 I I
por atrações que estimulem s S nti I s Ou ai ndu, m ilhor li~ n 10,por IL I" I J I 'id 'S IIllJ 111(11111,
Kracauer esboça uma teoria da esfera pública especifica-
ções, Eles se congregam no veículo de distraçt o ou div '1'1'to (Y,l'/,S(/,('llIlIlg)
mcnrc moderna que resiste a pensar as massas e a idéia de público como coisas
que, na guinada radical dada por Kracauer ao onc ito ultural ori innlm '1IIt' opostas (do modo como Habermas ainda faz em seu estudo de 1962, Mudanças
conservador, alia a ilusão da homogeneidade social a lima est ti a 1'1'01'\111111 estruturais na esfera pública), Nas palavras de Schlüpmann, Kracauer "nem
mente descentralizante e desunificadora, ao meno enquanto não SlI '\llIlh,' afirma a idéia do público contra sua própria [real ou suposta] desintegração e
completamente ao aburguesamento. Na "seqüência descontfnua de spk IIdl decadência, nem recorre ao conceito de uma esfera pública opositora" (à Ia
das impressões sensoriais" (o que provavelmente faz referência a lima Vl'I'S111 Negt e Kluge). Em vez disso, Kracauer vê no cinema o projeto de um público
já mais elevada do "formato variedade'ü.ss a audiência encontra "sua pr< plll alternativo que "somente pode realizar-se por meio da destruição da esfera
realidade", isto é, um processo social marcado por uma heterogeneidadc 'i 11, pública dominante", ou seja, das instituições burguesas da alta cultura, arte e
tabilidade cada vez maiores. Nesse ponto, Kracauer situa o significado pol (li, \) educação que perderam todo e qualquer contato com a realidade.e- Parece
da distração: "O fato de que esses espetáculos transmitem a milhares de ol I11) compreensível que tal interpretação tenha tornado Kracauer vulnerável à acu-
e ouvidos, de modo preciso e sem disfarces, a desordem da sociedad - jtu sação de que, ingenuamente, tenta ressuscitar a esfera pública liberal, mais
tamente isso que lhes dará condições de evocar e manter desperta aqu 'lu 1"11 uma vez reunindo a ideologia e os interesses capitalistas.e Com efeito, ele ade-
são que necessariamente precede a inevitável mudança [Umschlag]", sv re aos princípios políticos de acesso geral e irrestrito, igualdade, justiça e, talvez
Vale observar que Kracauer não pressupõe uma relação analógica '111r\' \I mais até que seus amigos marxistas mais ortodoxos, ao direito à autodetermi-
padronização industrial da mercadoria cultural e o comportamento e a idl'lll nação e à necessidade de tê-Ia, isto é, às formas democráticas de viver e interagir.
dade da audiência de massa que os consome (pressuposto este derivad ti 11\'\) Entretanto, Kracauer é materialista o bastante para saber que esses princípios
ria de reificação de Lukács, que viria a se tornar um axioma para a di i 11,I. não surgem como por milagre a partir do discurso comunicativo racional e
Adorno sobre a indústria cultural e, em grau diferente de valorização, par I \I competente de sujeitos centrados, muito menos de esforços que visem restau-
teses de Benjamin sobre arte e reprodução industrial). Por um lado, Krucnu 'I rar a autoridade de uma esfera pública literária. Ao contrário, a cognição tem
(como Benjamin) não fez objeções à produção em série, à padronizaçüo . , de estar fundada exatamente naquela esfera da experiência em que a mudança
transformação de praticamente tudo em mercadorias de consumo mo I \I •
histórica é mais palpável e mais destrutiva - em um discurso sensorial, per-
como pode ser evidenciado em suas numerosas resenhas sobre ficção pop\lllll ceptivo e estético que dá margem "à auto-representação das massas sujeitas ao
especialmente romances policiais e de aventura, bem como em suas rcit 'I' \lI" processo de mecanização".
senão, vez por outra, rancorosas, manifestações de admiração por l lollywm«], Frases como essas não eram uma raridade entre os intelectuais de esquer-
em comparação aos produtos da Ufa.60 Por outro lado, Kracauer mo pllll I 11 da de Weimar; sua validade crítica, em última análise, depende do conceito
da premissa de que as pessoas que vêem a mesma coisa necessariarn '111,'IH'II subjacente que se tem do sujeito em questão. A massa moderna, como forma-
sam da mesma forma; e.se elas realmente tomavam como modelo de 'Oll11H11 ção social que, para todos os efeitos, desprezou fronteiras de classe e status
tamento e aparência as personagens e as fábulas da tela, o probl ma 'SIIIVI 1\ \
social, somente chamara a atenção do público na Alemanha após a Primeira
ideologia escapista das produções do cinema alemão e no processo de 1111\11
f',tll Guerra Mundial. Se a revolução de 1919, por um breve momento, mobilizara a
samento da exibição cinematográfica, Em outras palavras, a crfti a ti ' I I' \I 1111
I
imagem de uma massa poderosa e ativa, os anos seguintes assistiram à criação
visava menos o engodo da identificação cinematográfica em g rol do 1111111 de uma massa marcada pelo estigma da miséria, o que culminou em 1923 com
práticas culturais e políticas responsáveis pela tendência não r 'li IiSI I di IltI a hiperinflação que estendeu a experiência da destituição e da perda para
identificação, a crescente negação das discrepâncias do pI'O SS soei,,!.',1 muito além da classe trabalhadora. Durante a breve fase de recuperação econô-
Para Kracauer, o cinema é um verdadeiro mbl ma da 11101'l'lIidlldl' 11\11 mica, as massas passaram a parecer menos sofredoras e mais consumidoras,
simplesmente por atrair repr s ntar as n assas, mus por '()n.~lil\lII' 1111111 tornando-se visfveis 0111 uma formaçã social em atos coletivos de consumo.
avançada instituição ulturnl '111 lU' IlS rnussus, ')lHO 1'01'11111
I' wl'llvltll\ll
Além disso, Lima v v. qu as 111'r ndoria» I onsurno qll poderiam ter COD-
rclativarn 111' h 'I rog 11'o, inclefin] 11 'd '/H:Ollh "I 111,podem ,I' II~I" 11 I ribuído pura m ilhor Ir IS l'oIHII,· I.'S d ' vidn (por 'x .mplo, refrig rador s)
-'122 pr '/\ '11111'01110fl/lIlli('(l, I d,' 1I1f',IIIIII'IIII\10 do ItIlPOIIIIIII'I'I\ I1\I til
NII 111111 [lindo .mrn l .m 111'110S 1It'l'SSwls do q\l' ""S 1(,I I 10. LJ"jdp,~,I'Ios pl'inriJ nis
'I :l
objetos de consumo eram as produ s c ambi '111'S fanllldosos ti I IIOVII1111 Inlll.~lol'IIIII~·o strutural da subjetividade e ocupava-se de um esforço colossal
tura do entretenimento. Neles, Kracauer divis u os 0111 1"I1()SI' umu l\lil ,I de nc uçuo - a classe dos trabalhadores de "colarinho branco" ou funcioná-
como sujeito que emergia e que, para o bem ou para ° mal, .ru prodll\ iVill'llI rios d escritório que proliferava, a quem Kracauer dedicou uma série pioneira
suas próprias necessidades e atos de consumo. de artigos,Die Angestellten (1929).68 Muito embora em fins da década de 20 os
O conceito de massa ou de massas de Kracauer deixou d d 'v 'r IS 11111 profissionais de escritório constituíssem apenas um quinto do total da força
truções tipológicas da teoria social da época e evoluiu para uma nl 01'(1\1',1'111 de trabalho, Kracauer os considerou, mais do que qualquer outro grupo, o
mais empírica, sociológica e politicamente determinada, embora sua prllllt' "I sujeito da modernização e da cultura de massa moderna. Não bastasse o fato
fase continue presente na segunda na condição de idéia regulad ra. Essa Id, 111 de o número desses profissionais ter quintuplicado (para 3,5 milhões, dos
começa a tomar corpo na cautelosa reavaliação feita por Kracauer das 11\\I , quais 1 milhão e 200 mil eram mulheres) no mesmo período em que o número
elitistas-pessimistas da massa, desde LeBon até Spengler, Klages e h iud, AI"I de operários de fábrica apenas dobrou, seu perfil específico de classe foi pro-
rentemente preparando-se para as críticas já esperadas, ele dissocia a l11i\,~1o 1,1,1 fundamente marcado pelo impacto, real ou percebido, causado pelo avanço da
comunidade orgânica do povo, ou Volk; da unidade mais elevada, "predr II racionalização entre 1925 e 1928. A mecanização, fragmentação e hierarquiza-
nada" da nação e, nesse sentido, das noções socialistas ou comunistas dOI I111 ção do processo de trabalho, os efeitos ameaçadores da desqualificação, o risco
tivo. Enquanto o tipo ideal da comunidade é composto de indivíduos si ngllllll" , de ser substituído a qualquer momento e cair no desemprego tornaram as
tradicionais e voltados para si ("indivíduos que acreditam ser formad S u 111111
I condições de vida e de trabalho dos funcionários de escritório efetivamente
de seu interior"), a massa é um corpo amorfo de partículas anônimas I' 1111 proletárias. No entanto, autoproclamando-se uma "nova classe média", culti-
mentadas que somente adquire significado em contextos pautados p '1[1I'X 111' varam a tendência de negar qualquer tipo de semelhança à classe trabalha-
versão, de seres voltados para o outro, seja tal contexto um proccss 111l'i1111 dora; em vez disso, passaram a reciclar os resquícios da cultura burguesa.
zado de trabalho, seja o de composições abstratas do ornamento de massa." 1'," I Diversamente do proletariado industrial, eram "destituídos de uma morada
Kracauer, o aspecto libertador do ornamento de massa reside justarn nll' 111' I espiritual", tentando escapar de sua real situação nas "ilhas de prazer" metro-
transformação da subjetividade - na erosão das noções burguesas d IWI'51
11 11 politanas (espaços de entretenimento como o Haus Vaterland, palácios de
lida de que postulam que "natureza e 'espírito' estão integrados em ha 1'111011
i i", , cinema etc.) - justamente o culto da distração ao qual Kracauer, três anos
ainda no "êxodo da figura humana do suntuoso esplendor orgânico 'do 111111111 antes, ainda imputara potencial político subversivo. Com o impacto da crise
individual para o anonimato't.ée A crítica que o ornamento de massa lil\'. I 11111 econômica internacional, o esvaziamento da consciência que atingia os funcio-
conceito antiquado de personalidade (inclusive os próprios esforços d K l'Ui 111,I, nários, processo para o qual Kracauer foi um dos primeiros a atentar, tornou-
em seus primeiros trabalhos, a fim de resgatar tal conceito) transforma (l 0111111 os vulneráveis às mensagens nacional-socialistas; foram esses "proletários de
de Medusa da massa anônima das metrópoles em uma imagem d ulieu I~." escritório em traje de luta por direitos" que não tardariam a contribuir de for-
libertadora e de infinitas possibilidades, e às vezes até mesmo em urna vi. ".I. ma decisiva para a vitória de Hitler nas umas.és
uma solidariedade que surge na diáspora - ou seja, ele divisa possibilhl 1,11 A concepção diferente da massa é uma das mais óbvias distinções entre
de vida onde outros só conseguem enxergar nivelamento e decad nci 1.(1 ~~'I Kracauer e Benjamin quanto ao modo de compreender o cinema e a mo der-
opinião de Kracauer, a democratização da vida social, econôrni a I 011 111,.\ nidade. Assim como Kracauer, Benjamin vê o fenômeno da massa se mani-
possibilidade de auto-organização das massas, são processos irr 'dllll vI'1 festar primeiramente em atos de consumo e recepção, mediados pelo fetiche
mente relacionados à rendição do sujeito masculino auto-referido, b '11111111\1
I da mercadoria (que Benjamin define, em grande parte, da perspectiva da
ao surgimento de uma subjetividade descentralizada, desarmada' que di I11 recepção, diversamente da abordagem de Marx, que o faz do prisma da produ-
ma, cujo exemplo é encontrado pelo autor na figura de haplin. ção e da circulação). Porém, nos pontos em que a análise de Kracauer concen-
Entretanto, como bem sabe Kra au r, ssa vis' stt\ mais relu, 1011,,1,1 tra-se no presente, a de Benjamin remete à problemática suscitada pela cultura
com os finais felizes dos COl1t S d fada I ((11' 0111os v '1'(\0 lciro« prOl I' " de massa, pela arte e pela tecnologia ao século XIX. Nesta genealogia, Benja-
de desenvolvirn nt s inl c polü ic«, SUl \hOl'<l1I '1\1IIHlis 'mp I'i I dll 111, min identifica traços do aparecimento das massas metropolitanas nos escritos
4 dad de milSSO .cnrrnv 11(1 0,'11111111
p,IIIIIIIqlll' 1111\1( 11'1111111111'1
(11111111
I1I1 d Baud lairc, Vitor II1Ig ) Poc litros autor s.A x mplo ~ Marx, B njamin 425
ontrasta as m assas ur lIMS r 'lrutndlls I 'Ios lit 'I' ltoS xuu 1"11\1\.N I dI' 11l!tl A l1It1sS110mb m 1', .. [ '11'\11111'1\10 Iiglll'l1d na noçã de Benjamin de
doproletariad ". " quc stã m jog nLO umn dctcrminudu cln I',111I11
ru " I tivida I ad rrn cida" do r .sp .ctiva imagem do capitalismo como um
pouco um coletivo, independente de sua forma d srrut uraçi o. ) 1111'
\' ti I 111 "sono pleno de sonhos" que "s Ia nçou sobre a Europa, trazendo consigo a rea-
jogo nada mais é do que a multidão amorfa de transcunt 'S, () 111'1111
\ I1 dll tivação do poder mítico",76 A enorme criatividade da industrialização e da
ruas",» O que há de engenhoso na leitura de Benjamin diz r .sp .ito 111)lilll 11I1 produção de mercadorias no século XIX havia gerado uma matriz de coletivi-
que ele assinala a presença dessa multidão urbana na poesia ti' 1\,\1111,,111
1I dade na fantasmagoria do consumo. Essa coletividade (que no Trabalho das
como uma "figura oculta", o "véu inconstante" através do qual os plll'llI I liI passagens claramente supera as fronteiras entre classes sociais), contudo, per-
palco de momentos de "choque", contrariamente às representações 111'111 manece "inconsciente". As massas que se dirigem a feiras mundiais e outros
encontradas nos contemporâneos menores do escritor, Tal COI11 '11\ llillld, eventos a elas voltados são formadas por indivíduos anônimos, isolados, cuja
laire, Benjamin vê a guinada da época em direção às massas codifi, ,,1111111 "alienação" só vem a ser aumentada pelas "distrações" que "os alçam à posição
arquitetura, nas tendências da moda, nos eventos e instituiçõe da alia I1II11111 de mercadorià'.77 Embora as noções de Benjamin sobre sonho e inconsciente
capitalista; ele não descreve ou analisa as massas, mas busca seu i111
pari I1I1111 tenham recebido contribuições dos surre alistas, sua insistência no momento
fundo sobre toda e qualquer área da prática cultural, do "despertar", no rompimento do ciclo de "estetização e desestetização"
Conforme destacado com freqüência, o vasto projeto de B njlllltlll di (segundo Susan Buck Morss), o situa na mesma linha dos esforços de Kracauer
"uma filosofia materialista da história do século XIx",71 a obra i11li '111i1dI para trazer as massas à (auto)consciência, literalmente, fazê-Ias recobrar os
sobre as Passagens de Paris ou Das Passagenwerk (Trabalho das P{/sslIg,'" ), sentidos." Ambos os autores possuíam, contudo, conceitos de mudança polí-
era indissociável, do ponto de vista metodológico, de seu interesse p '1,,'\ I I tica um tanto distintos: se Benjamin fundiu a teologia messiânica e o marxismo
atual", isto é, a ascensão do fascismo, a cumplicidade do capitalismo lilwllIll na expectativa desesperada de uma revolução proletária, Kracauer manteve a
o congelamento de uma alternativa socialista no stalinismo. Para B '!lj,"" li, maioria de seus anseios escatológicos dissociados do projeto crítico de fazer as
foi essa crise que levou os "destinos" da arte no século XIX para o "agol I II1I massas se perceberem como um público democrãtico.zs Contudo, eles concor-
reconhecimento", que a tornou reconhecível de uma forma "como num 11/tIl daram sobre o que aconteceria se as massas não acordassem, se continuassem
e nunca mais será".> Nessa construção histórico-filosófica, as massas '111111 em seu ilusório estado onírico. Como o espetáculo das manifestações e desfiles
cem em diversos tropos teóricos fundamentais. Um desses tropos I '111I1VII militares dos nazistas mediados pela massa logo deixariam terrivelmente claro,
com o estabelecimento de uma ligação entre novidade e repetição, t I'II~ I1 t 111 o fascismo ofereceu a ela uma "solução imaginária" (Scheinlosung) para os pro-
dinâmica capitalista da produção de mercadorias que o fascinou, em p \I II blemas e contradições reais que somente poderiam terminar em total opressão
cular o fenômeno da moda, Aqui, as massas entram como o corolário SIII 1,1 e aniquilamento em larga escala. Reiterando o argumento de Kracauer sobre a
da produção em larga escala, e Benjamin traça uma relação direta '11111'11 remitificação do ornamento de massa, Benjamin, no epílogo ao seu ensaio
figura da prostituta como um "artigo de massa" humano e os mais r '~'\'II" sobre a obra de arte (1935-1936), discorre sobre a estratégia fascista de dar às
teatros de revista, com suas apresentações de girls (em inglês no origill ti di massas uma "expressão" estética, uma representação semelhante à de um espe-
Benjamin) em uniformes impecáveis.zs O que o fascina na produçuo ,'111 lho, em vez de conceder-Ihes o direito que de fato lhes assistia, isto é, de reco-
massa, contudo, é uma dialética específica de temporalidade, a volta do ", "111 nhecer suas pretensões a mudanças nas relações de propriedade. 8o

pre o mesmo novamente" na chocante aceleração do novo, com qu 0\ 11'1 O terceiro, e em minha opinião mais problemático, uso figurativo da
talismo engendrou uma conjuntura altamente ambivalente e explosiv I li, massa nos trabalhos de Benjamin encontra-se na noção de uma "enervação
modernidade e pré-história ("Era de Ouro" mítical"Tempos Infernais") I coletiva" da tecnologia e do papel do cinema nesse contexto. O problema não
No âmbito dessa lógica, o cinema possivelmente seria mais uma respo: 11 I1 reside no conceito de enervação como tal, a interpenetração tecnológica do
imaginação histórica de Blanqui ou de Nietzsche do que ao surgimcnlo dll "espaço do corpo com o da imagem" sobre a qual Benjamin refletiu de forma
massas como sujeito econômico, social e cultural: "A doutrina do etcri li I I' mais radical do que qualquer de seus contemporâneos (com exceção, talvez, de
torno como um sonhar com as grandiosas invenções ainda por vir no 'U 11
'1"1 Ernst Iünger),": em vez disso, a qu stão gira em torno da tentativa de fazer o
- prol tariado "pegar o b nd ," ti iss ' proc 'sso tornar o in 'mo um ampo d
• da tecnologia da reprodução".» 427
testes para a cdu açao polir ~'I1i 'li, Assim '01110 I 1"11
'lIlI .r, 1\ njn 111
111 '11IPlt' ·OIlII'l.III"1I11 I .ompacta'tda P iqucun bur ucsla.d ifinida p I comporta-
tou de Béla Balázs a observação a cr d uma afinida I, 's/m/III'I//l'llll" 1\
ti
m .nro "prop 'liSO 10 pânico" cvidcn lado, p r exemplo, 110 militarismo, no
massas e o cinema fundamentada na especificidadc pcr cpriva, f 'nollwlloltl anri-s '1l1i11smo na luta cega pela sobrevivência, com a "massa proletária".
gica, desse meio de comunicação - a idéia de que o filme, nas pnlnvr I, ti. Benjamin argumenta que, de fato, esta última deixa de ser massa no sentido
Kracauer, "ao eliminar a distância do espectador, que até então fora 1ll1l111
idll leboniano na medida em que se encontra infundida de consciência de classe e
em todas as artes, representa um meio artístico voltado para as maHslIs",IIJA.I solidariedade. Em última análise, o proletariado "trabalha em prol de uma
contrário de Kracauer, Benjamin assume outra afirmação de Balázs, r'HII'1I1 sociedade em que tanto as condições objetivas como subjetivas para a forma-
caráter bem mais especulativo, de que, com o cinema, a sociedade lI"il 111II ção das massas não existam mais" .86
gerou um meio de produção que promove a própria abolição dessa so 'i 'ti I !t', Para Benjamin, as massas que estruturalmente correspondem ao cinema
e que portanto as massas atingidas pelo cinema caminham em dir '~.10 1111
não coincidem com a verdadeira classe trabalhadora (quer operários, quer
proletariado revolucionário - noção esta que Kracauer criticou r ilcl'lltlll burocratas), mas sim com o proletariado como categoria da filosofia marxista,
vezes como dogmática e romântica. De modo mais sistemático do qu i Hnl 'I ,
uma categoria de negação das condições existentes em sua totalidade. Isso
Benjamin estabelece o potencial revolucionário do cinema a partir de umn d I
explica a "conspiração da técnica cinematográfica com o meio social", discu-
cussão acerca do destino da arte na era da re/produção industrial-tecnok glt 1\ tida pelo autor em sua defesa a O encouraçado Potemkin, que surge como um
(que não cabe ser tratada em maiores detalhes no presente ensaioj.u 1\11.111 marco do desaparecimento da ordem burguesa: "O proletariado é o herói dos
dizer que o conceito das massas formulado por Benjamin, ao menos '111 I'" espaços para cujas aventuras o burguês, na sala de cinema, se entrega com o
ensaio sobre a obra de arte, deriva fundamentalmente das qualidades cSII'lIl11 coração palpitante, porque ele precisa degustar o 'belo' mesmo e principal-
rais da re/produção técnica - uniformidade, repetibilidade, proxirnidndc, mente quando este lhe fala da aniquilação de sua própria classe",87 Quer rejei-
"choque" (versus singularidade, distância, "aura"), da analogia entre linhn dt' tadas nos termos lebonianos, quer acolhidas como o protótipo empírico do
montagem e recepção cinematográfica - e não do perfil social, psicosse x I1 1I proletariado capaz de auto-superação, atribui-se às massas um grau de homo-
e cultural do público que freqüentava o cinema. geneidade que não apenas falha em contemplar sua complexa realidade mas
O conceito das massas como o sujeito do cinema, elaborado por Iklljl também, em última análise, deixa o intelectual em uma posição marginal, ren-
min, não leva em conta a mistura, real e sem precedentes, de classes sociais dendo-se à existência dessas massas, na melhor das hipóteses, como um Outro
e de gêneros e gerações - que já fora observada nas platéias de cin '111 I poderoso, embora ainda não desperto. Enquanto Kracauer conscientemente
(notadamente pela socióloga Emilie Altenloh em sua dissertação de li) I 'I)
"constrói" a realidade dos funcionários de escritório por meio de observações
Igualmente despreza - e sem dúvida implicitamente se opõe a elas - as 1II teorizantes - citações, conversas sobre determinados locais, sua própria con-
tudes muitas vezes condenatórias e culturalmente conservadoras com r 111\lt I dição de funcionãriow -, a imagem que Benjamin faz das massas, recuada ao
ao cinema por parte das tradicionais organizações da classe trabalhador I,
século XIX ou projetada para o "ainda não" da revolução proletária, perma-
inclusive o partido comunista (embora tenha havido, com efeito, importuuu- nece, em última análise, uma abstração filosófica, senão estética.
iniciativas a fim de criar um cinema para os trabalhadores a partir da d 011111 É possível argumentar que a análise feita por Kracauer da cultura de
de 20).84 Enquanto, nas massas do século XIX, refratadas pelo mundo de SII massa como uma cultura de trabalhadores/funcionários administrativos é tão
nhos das mercadorias, Benjamin pode ainda reconhecer os contornos de 11111 unilateral quanto a relação estabelecida por Benjamin entre o cinema e o pro-
coletivo diferente, em sua estimativa das massas do século XX, as intcnçoe letariado. Afinal, o próprio Kracauer salienta a especificidade da cultura do
empíricas e utópicas parecem se divorciar. Nos poucos lugares em que ele -li' lazer praticada em Berlim enquanto Angestelltenkultur, "ou seja, uma cultura
tivamente descreve uma formação de massa contemporânea (como em R/l1I ti" produzida por funcionários para funcionários e tratada como uma forma de
mão única, 1928), recai no discurso pessimista que enfatiza o comportarncnu I
cultura pela maioria dos funcionários't.ss Porém, afirmar que este enfoque
instintivo, animal, e contudo cegamente autodestrutivo "da massà'.85 Em IOIlp.I específico eclipsa todo o restante da sociedade, particularmente a classe traba-
nota à segunda versão de seu ensaio sobre a obra de arte, Benjamin rctomu lhadora, induzir-nos-ia a interpretações tão errôneas quanto as que depreen-
este discurso fazendo referência explícita a LeBon e à psicologia de massa, pOli deríamos ao conceber cultura de massa e cultura de funcionários como coisas 429
P Slas.'}OEm v ':to disso, ti anr lis de I'U "llll "'" 'ol1h" i um 'I '111 '1110 lumlu ti' rnis '1'1 ( rdl I 11 I cultur I h\l'~1I \ ( 'Il(),~ '011' 'iloS d '''inl ri ridad ","traço",
mental mediante o qual a cultura dos Iun ionãrios, m sua irnu .m 1I1110pl o «cxp '1'1. 11 na
." "I ' I 1 r 'SlI Iíunt
i li uur 1 l 'li ) pro dlIZ m Kracauer, arqUlite to de c10r-
clamada de nova classe média, vinha ocupando posiç h g 111 ni <1:SUlIS lilll l11aç , um "p sal' s urril" (skurrile Trauer) - um pesar acerca do impasse
tas ias de transcendência de classe, sua fixação na visual idade c sua onstru; 1111 histórico-político que impede a construção de apartamentos calcados nas
de um imaginário social, nacional e, especificamente, moderno. Em r 'spOSI 1 I necessidades humanas.ss E ele reage à cruzada funcionalista contra o orna-
desenvolvimentos históricos paralelos como a palestra de Lacan sob r ' n lilH\' mento (notadamente em Adolf Loos) demonstrando como o ornamental re-
do espelho,» Kracauer situa o poder desse imaginário em processos de id 'li primido acaba retornando na própria estética da tecnologia que predomina
tificação e de fantasia desligados dos interesses econômicos e de classe, c 1111 nos espetáculos com música e coreografia (chorus lines), eventos esportivos e
proliferação do "desempenho de papéis" como modelo de comportam '1110 comícios políticos destinados às massas. Em sua análise da Haus Vaterland,
socíal.» O cinema proporciona um excelente campo de testes para novas f()I enfim, ele dispara contra o estilo arquitetônico da Nova Objetividade (Neue
mas de identidade social por conta de seus mecanismos de identificação P '" Sachlichkeit) - que encontra ali em sua forma exagerada - pela sua cumplici-
ceptiva em que os limites entre imagens do eu e lmagens heterônimas fi UI11 dade velada com a indústria da distração: "Tal como a rejeição dos tempos anti-
mais tênues (ou melhor dizendo, tais imagens passam a ser reconhecidas, antes gos, também ela se origina no horror da confrontação com a morte" .99 A reflexão
de mais nada, como permeáveis), e que permitem ao espectador deixar-se sobre a morte, da qual se evade o funcionalismo e na qual insiste Kracauer como
"projetar polimorficamente".» Embora em meados dos anos 20 essa rn bi uma responsabilidade pública, contudo, não é simplesmente um memento mori
lidade psicoperceptiva ainda acene para o ensaísta com os deleites do auto existencial, mas visa atingir a recusa da sociedade alemã em enfrentar a expe-
abandono, inanidade e perda, por volta do fim da década ela o faz enxerga r (I riência da morte em massa vinculada à guerra da qual o país saíra derrotado.v=
cinema como uma transcrição da mitologia contemporânea: "As fantasias
cinematográficas idiotas e irreais são os devaneios da sociedade em que a ver Modernidades concorrentes, opções históricas
dadeira realidade vem para o primeiro plano e os seus desejos sempre repri
midos em outras circunstâncias tomam forma" .94 Até aqui enfatizei o fio condutor das reflexões de Kracauer sobre o cinema e
O conceito psicanalítico de repressão - que tanto Benjamin como Kru a modernidade de massa que revela sua "afirmação incerta e hesitante do
cauer concordaram que se fazia necessário como complemento aos conceitos processo civilizatório" - sua tentativa de buscar as origens de processos autô-
marxistas de ideologia e à noção de "falsa consciência'vs - age duplamenl '. nomos de desenvolvimento até então indefinidos, ressalvadas as suas transi-
As fantasias cinematográficas não apenas revelam os desejos reprimidos da gências; sua predisposição a conceder-Ihes "suas próprias, afinal positivas,
sociedade; elas também participam na repressão de aspectos da realidade qu ' possibilidades". Porém, em nenhum momento ele demonstrou uma postura
causariam distúrbios à ilusão de plenitude e mobilidade imaginárias: "O vôo não crítica com relação à modernização capitalista-industrial, na medida em
das imagens é o vôo para longe da revolução e da morte't.se Com o agravamento que mergulhou na nova cultura visual que lhe era correlata e, com ela, abraçou
da crise econômica e social, Kracauer passa a destacar cada vez mais a relaçao a oportunidade e o desafio de um horizonte expandido de experiência. Espe-
compensatória entre as agruras diárias dos negócios e o negócio do entreteni cialmente nos anos que precederam o fim da década, sob o impacto da crise
mento: "O contra-ataque perfeito à máquina do escritório é o grande mundo econômica internacional e o grande aumento nas taxas de desemprego, o toque
colorido. Não o mundo como ele é, mas sim como aparece nos sucessos mais surrealista evidenciado nos trabalhos de Kracauer acerca da cultura de massa e
populares. Um mundo do qual um aspirador removeu de todos os cantos a poeira da vida moderna recua para dar lugar a uma crítica da ideologia cada vez mais
do cotidiano. A geografia dos abrigos dos sem-teto nasce do sucesso popular".'!' severa. Se antes ele havia compartilhado do alívio lúdico do peso da tradição
A imagem do aspirador de pó não é coincidência. Kracauer manteve por e da hierarquia, agora ele ressalta a inadequação e qualidade póstumas das for-
todo o tempo uma postura cética com relação a tentativas de fundamentar mas americanistas de entretenimento, particularmente as chorus lines e o [azz>»
visões de mudança social no modelo da tecnologia, em particular a escola fun Nesta seção conclusiva, retomarei o lado mais obscuro da análise de Kracauer
cionalista de arquitetura moderna (Le Corbusier, Mies van der Rohe, Gropius acerca da modernidade fordista-taylorista - não com o propósito de concluir a
e a Bauhaus). A "cultura do vidro" tão celebrada por Benjamin como o golpe discussão sobre tal análise tratando-a de alguma forma como mais "verdadeira" 431
u mais realista, mas ti' silllli Ia '0111r 'Iaç 10 [N alt iruutlv IIi hislm t 1111111111 A impr 'SSI:O ti . íluxo c llquld "" 110N 'S rttos I I ra aucr sobre Paris ganha
disponíveis e politicamente imincnt s. rn is força, um trabalho ap s o outro, c m supcrposições textuais do imaginá-
A crítica da modernização desenvolvida por Kra au 'r I 'v' 01110 IdvlI rio do oceano e evocações da tradição e do ambiente marítimo. As massas de
precípuo o imperialismo com que a racionalidade te nológi a "I od '1011 'I III Paris exibem um processo de mistura que não suprime gradações e heteroge-
todos os domínios da experiência e os reduziu às coordenadas d 'I 'IllPO t' dl'l neidade; por si sós, são tão coloridas que, tal como afirma Kracauer, não sem
paço, a "uma onipresença depravada em todas as dimensões alcuhivcr-" 111 certa ingenuidade, mesmo descendentes de africanos podem se sentir em casa
Em termos mais específicos, ele investiu contra a destruição (I" 1111'1111111.1 - e portar-se como eles mesmos - sem ser "jazzificados" ou de alguma outra
levada a efeito, de diferentes maneiras, pela arquitetura, pelo plan 'j,IIIII'IIIII forma "exotizados't.ws Também naquela cidade os efeitos da americanização
urbano, pelas revistas e pela fotografia. Essa crítica oscila entre sua pri 1111' 111 parecem destituídos de sua força, ou ainda transfigurados, como no caso do
postura culturalmente pessimista sobre a modernidade e seu reconhc, illll'llllI anúncio luminoso (Lichtreklame) que projeta hieróglifos indecifráveis no céu
das formas pelas quais a própria racional idade tecnológica foi ut iliZlld I 1'11111 de Paris: "Lança-se para além da economia, e o que pretendia ser um anúncio
tornar naturais as contradições da modernidade, para transformá-Ias '111111111 transforma-se em iluminação. É isso que acontece quando os comerciantes se
nova eternidade mítica. intrometem nos efeitos da iluminação.ws
O local e o símbolo do tempo presente, da contemporaneidad ' ou tIll Paris, na visão de Kracauer, também é a cidade do surrealismo e a sede de
simultaneidade (Gleichzeitigkeit) é a cidade de Berlim, a "fronteira" dos I\sl 11 I11 uma produção cinematográfica que mostra as desafortunadas relações entre
Unidos na Europa.vo "Berlim é o lugar em que as pessoas rapidarncnt ' SI' I' pessoas e coisas de maneiras distintas das observadas nos filmes que respondem
quecem; de fato, parece que essa cidade possui a fórmula mágica para V.II·I·,'I 1111 ao regime do cronômetro. Nos filmes de René Clair e Jacques Feyder (principal-
mente todas as memórias. É o presente, e aposta na ambição de ser absoluíu mente Therêse Raquin, deste último), Kracauer elogiou o recurso fisionômico
mente presente ... Também em outros lugares a aparência das praças, os nouu que confere a objetos inanimados - edifícios, ruas, mobília - a memória e a
das empresas e as lojas mudam. Mas somente em Berlim essas transforma; 1H' fala, um argumento que conecta a estética cinematográfica de Balázs com a no-
arrancam o passado de modo tão radical da memória'o= Essa tcnd lli!tl ção do "inconsciente óptico" de Benjamin.n« É essa qualidade, a propósito, que
demonstra-se sobretudo incansável no mais importante bulevar da cidud«, 11 Kracauer também exalta nos melhores filmes soviéticos (como em sua notável
Kurfürstendamm, que Kracauer chama de "rua sem memória". Suas fa hudn crítica de O homem com a câmera, de Vertov) e que relaciona ao objetivo surrea-
das quais "os ornamentos foram completamente eliminados", "se aprcscnuun lista de "tornar estranho o que está próximo a nós e arrancar de tudo o que
sem nenhum ponto de referência temporal, constituindo um dos símb lo.~tIlI existe sua máscara familiar".»: Com seus atributos oníricos e fisionômicos, esses
mudança a-histórica que ocorre atrás delas".«> O correlato espacial do COIIH" filmes representam um ensaio do que Benjamin chamou de interpenetração dos
lamento do tempo e da memória em um presente aparentemente atempornl t' I1 "espaços do corpo e da imagem" e que Kracauer distinguiu como a chance de o
gesto imperialista com que os cinejornais, as revistas ilustradas e o turisuu: cinema ser o palco de encontros chocantes, fisiologicamente vivenciados, com a
criam a ilusão de fazer com que o mundo inteiro esteja ao alcance do consurul mortalidade e a contingência. Além disso, ele também começou a se ocupar
dor. Quanto mais se encurtam as distâncias até as mercadorias exóticas, II1I1It1 cada vez mais com filmes franceses contemporâneos (principalmente os de
mais sua proliferação turva a visão para o "exótico" que existe no que está pl'1l Clair), tecendo-lhes críticas por recaírem em sentimentalismo e afetação artís-
ximo, ou seja, "a existência normal em seu imperceptível horror"; a vida di, 1'111 tica, bem como por sua oposição romântica à mecanização.w
de milhões de pessoas em Berlim permanece "terra incógnita" .'06 Embora tenha oferecido asilo ao escritor alemão contra o reino da simul-
Como Benjamin, Kracauer encontrou uma contra-imagem à Berlim di' taneidade, da velocidade e da desumanização, Paris não era a alternativa para
seu tempo na cidade de Paris. Ali, o "entrelaçamento" - o "labiri n Io", iI Berlim ou, nesse sentido, para a "América"; tampouco Kracauer fez como Ben-
"mesentério" - das ruas permite-lhe ser um verdadeiro jlâneur, a abandon.u jamin, que tentou estabelecer um vínculo entre a invenção, no século XIX, da
se em uma genuína "embriaguez das ruas" (Strafienrausch).'07 Ali, a multidão, i' vida moderna e a crise da modernidade de massa de sua época. Do mesmo
encontra em movimento constante, circulando, em alvoroço, instável, impu- modo que "Berlim" já está presente na topografia de Paris, na constelação de
:2 visível, um "mosaico improvisado" que jamais se congela em "padrões legfvcis" bairros (faubourgs) e na região central que Kracauer traça em sua "Análise 433
I' UI11 11111"I, -I 111 1,",1\ 'dllll I unb m I' '1'" H '111 , O in " . 'I V ,I hori~,()III\' inud 'qll ulu 11"' 10 '" '"\li 11I li I, ,,11111" I "'OSSLl.II\) Â '0111l1 '11<; () vltul
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afinal, o "oásis da Europa" no to ant à difusê d pr sso I' ra -i nHljzll~' o aqu Ia xist 'I I' '1111" Pnl'Ís ' 1\ .rllm, IW1S sim entre a rnod rnida I qu .\
e ao consumo de massa, e a sátira "embaraçosa" de lair sobr a linha de mOI
paz de refletir s brc si m srna, revisitar-se e reagrupar-se, embora ril~'1II
tagem (em A naus Ia liberté) somente serviu como mais uma prova da in apll
custa de (um certo tipo de) memória, e uma modernidade que exploro '0111
cidade dos franceses de compreenderem "o quão profundamente o pro sso sucesso a sincronia tecnológica, transformando-a na atemporalidade d UI11
mecanizado de trabalho atinge nossa vida diãria".:» Em seu primeiro ensaio novo megarnito: o da natureza monumental, do corpo heróico, do ornam mlo
mais extenso sobre a capital francesa, "Observações de Paris" (1927), Kra ali 'I' de massa revestido de concreto - em suma, o modernismo nazista ex rnpli
desenvolve a temática da perspectiva "a partir de Berlim", fazendo um esboço
ficado por Leni Riefenstahl.
das percepções de um indivíduo hipotético que perdeu a confiança nas virtu- Tal constelação é elucidada na justaposição de duas vinhetas que mais
des da vida burguesa, que "questiona até mesmo a sublimidade da propriedade", uma vez projetam os problemas e as possibilidades da modernidad dos
que "vivenciou a revolução [de 1919] como um democrata ou um inimigo dela", meios de comunicação de massa para uma instituição mais antiga da cultura
e que "a cada três palavras que pronuncia uma é América". Embora não se do lazer, o Luna Park de Berlim. Em um artigo publicado em 1928, no Dia da
identifique exatamente com tal indivíduo, ele chega à parte final do ensaio Bastilha, Kracauer descreve uma montanha-russa cuja fachada mostra a pin-
rejeitando claramente a possibilidade de que a cultura e a civilidade francesas tura de uma vista geral (skyline) de Manhattan: "Os trabalhadores, as pessoas
possam se tornar um modelo para a Alemanha de então. "Os alemães não po- comuns, os funcionários que passam toda a semana sendo oprimidos p Ia
dem se mudar para um apartamento bem aquecido, que é como lhes parece a cidade, agora triunfam pelo ar sobre uma Nova York superberlinense". Uma
França da atualidade; mas talvez um dia, a França seja tão sem-teto [obdachlos I vez que chegam ao topo, contudo, some a fachada e surge um "esqueleto" nu:
quanto a Alemanha,":« O preço da vida e do brilho de Paris é a desolação e o
desespero das províncias e dos subúrbios, que Kracauer descreve em um dos Então Nova York é isso - uma superfície pintada e, atrás dela, o nada? Os tlSII;-
seus raros trabalhos impiedosos, "A cidade de Malakoff": ao contemplar os zinhos sentem um misto de encantamento e desencantamento. Não que eles desnrc
tristes bairros de Malakoff, ele encontra, por oposição, mesmo na miscelânea zem a grandiosa pintura da cidade, tratando-a simplesmente como um engodo; /l1I1.~
selvagem dos distritos da classe trabalhadora industrial alemã, sinais de espe- passam a ver além da ilusão criada, e o seu triunfo sobre as fachadas perde boa pnru:
rança, protesto, e um desejo de mudança.ns Quando finalmente Kracauer do significado que adquirira até então. Eles se deixam ficar no lugar em que as coisas
regressa de outra viagem a Paris em 1931, fica animado com uma discussão mostram sua dupla face, segurando os arranha-céus encolhidos na palma da /1/(10;
política que ouve no trem e, quando este entra em Berlirn, na estação Bahnhof foram libertados de um mundo de cujo esplendor, contudo, têm conhecimento. 'Z()

Zoo, a cidade à noite parece-lhe "mais ameaçadora e mais dividida, mais pode-
rosa, mais reservada e mais promissora do que nuncà',116 Em suas caracterís- Mesmo nos gritos dos ocupantes dos carrinhos da montanha-russa
ticas, colocadas lado a lado, de "aspereza, acessibilidade ... e glamour", Berlim quando descem para o "abismo", Kracauer nota não só medo, mas tamb m
não é apenas a fronteira da modernidade, mas também "o centro das lutas em êxtase, a felicidade de "atravessar uma Nova York cuja existência está suspensa,
que o futuro da humanidade está em jogo".»> que não mais representa uma ameaça", Como argumentei em outra ocasit 0,
Paradoxalmente, quanto mais implacável se demonstra Kracauer na crítica esta imagem evoca uma visão da modernidade cujo encanto como progresso
aos produtos da modernidade midiática, tanto menos ele endossa seu pensa- é quebrado, cujos elementos em desintegração ficam disponíveis em uma
mento utópico anteriormente defendido de que, algum dia, "a América desapa- forma de recepção coletiva que abre espaço tanto para auto-abandono como
recerá" .n8 De fato, quanto mais a produção do cinema alemão atulhava as salas
para reflexão crítica.i=
com dramas de costumes e operetas que reavivavam mitos nacionalistas e Dois anos mais tarde, em um artigo de maio de 1930 intitulado "Alegria
militares, e quanto mais a indústria cinematográfica ajustava-se à maré polí- organizada", Kracauer faz uma reportagem sobre a reinauguração do mesmo
tica que conduzia à direita e também a promovia, tanto mais se tornava evi- parque de diversões depois de ter passado por uma grande reforma. Agora as
434 dente que a "América" não devia desaparecer, por mais medíocre, superficial e atrações foram racionalizadas, e "uma organização invisível providencia pa 1':\
qu 'tiS [ivers 'S S' lanc m $ br as rnosstls '111 limo s qo nctu pr 'd 'I 'fIlII
int '1Isldll<.k., o 1'l'!OI'I\O, l'm l'spd lidos til' revls! I i Illm '8 01 m .s, dos Alpes,
nada":» - um modelo para a Disneylândia ..Ao Ompt1fLII' omportnrn 'I\!O
do R no, do uni ign Vi '1)[1 • du Prússiu, dos tenentes, das confrarias e da realeza,
dessas massas administradas com o rodamoinho descontrolado das foir 'S de ele reconhece neles uma vcrs: o específica da modernidade tecnológica, uma
Paris, Kracauer faz a referência já familiar ao regime da linha de montng '111.
tentativa de nacionalizar e domesticar quaisquer efeitos libertadores e iguali-
Como no Circo Sarrasani, que ele havia criticado em termos s mclhanres tários que essa modernidade possa ter produzido.w'
alguns meses antes, esse regime não deixa "a menor lacuna"; não há mais Em sua primeira descoberta da "América", Kracauer ansiara por uma ver-
espaço para improviso e reflexão.os Ao chegar à nova montanha-russa recém são alemã da modernidade dos meios de comunicação de massa que fosse
reformada, a cena sofreu mudanças de acordo com o novo regime. A maioria capaz de resistir às tensões entre a economia capitalista industrial em crise
dos carrinhos é dirigida por moças jovens, "pobres criaturas jovens que safra J11 permanente e os princípios e práticas de uma sociedade democrática. Um
direto dos vários filmes em que simples vendedoras acabam se tornando espo- elemento crucial a esta modernidade teria sido a capacidade de o cinema e a
sas milionárias". Elas desfrutam da "ilusão" de poder e controle, e seus gritos cultura de massa funcionarem como um horizonte intersubjetivo em que
não são mais tão libertadores. "[A vida] só tem valor se mergulharmos nas pro- uma ampla variedade de grupos - um público de massa heterogêneo -
fundezas apenas para vir à tona já formando um casal [zu zweit]." O culto à pudesse negociar e refletir sobre as contradições vivenciadas, bem como
jovem, fabricado em série, deixa aí de estar associado a visões de mobilidade e encarar de frente a violência da diferença e da mortalidade, em vez de reprimi-
à igualdade dos gêneros, ligando-se mais à reprodução de sonhos íntimos de Ia ou estetizá-la. Quaisquer que fossem as inquietações dessa modernidade
formação de casais heterossexuais e à restauração do poder patriarcal mediante' vivida pela República de Weimar, ela não logrou mais encontrar uma forma
fantasias de ascensão social. Neste sentido, a crítica desse "culto à jovem" está alemã, muito menos européia, de longo prazo; Berlim jamais se tornou a capi-
longe de se apresentar, e muito menos de se articular, naquela esfera (ou meio) tal do século xx. Em vez disso, Berlim dividiu-se em metades irreconciliáveis:
do fenômeno propriamente dito (como ocorre na desconstrução de tal culto a de um modernismo internacionalista (norte-americano, judeu, "diaspórico",
pela própria Hollywood que Kracauer elogiara no filme Chicago, de Iribe e politicamente de esquerda) e a de um modernismo germânico, que incorpo-
Ursonk=- em vez disso, tal crítica fala a linguagem de uma crítica da ideologia rou a mais avançada tecnologia para reinventar a tradição, a autoridade, a
em que o homem intelectual fica de fora e acima da massa consumidora. comunidade, a natureza e a raça. Quando os nazistas aperfeiçoaram essa
O grande marco do entretenimento estabilizado, contudo, é o fato de que forma de modernismo na modernidade messiânica de total dominação e ani-
o símbolo da ilusão foi substituído. Em vez da silhueta de Manhattan, agora a quilamento em massa, a "América" teve de se tornar real, para o melhor ou o
fachada está pintada com uma "paisagem alpina, cujos picos desafiam qual- pior, para que Kracauer e muitos outros sobrevivessem.
quer depressão [Baisse]". De fato, por todo o parque de diversão, nos dese-
nhos acima de um ringue de boxe e em torno de uma mesa de roleta, Kracauer
Notas
atenta para a popularidade dos "panoramas alpinos" - "sinal gritante das
regiões mais elevadas que raramente são alcançadas a partir das baixas planí- A preparação do presente ensaio recebeu o generoso apoio da Fundação Alexander von
cies sociais". A imagem dos Alpes não só naturaliza e mitifica a desigualdade Humboldt. Pela inspiração, pelas críticas e pelo apoio, gostaria de agradecer a Bill Brown, Ed
econômica e social; também respalda uma Natureza atemporal diferente, ou Dimendberg, Tom Gunning, Andreas Huyssen, Gertrud Koch, Helmut Lethen, Tom Levin,
Alf Lüdtke, Klaus Michael, Ionathan Rosenbaum, Heide Schlüpmann, Karsten Witte, The-
melhor, idêntica, um lugar que paira além da história, da política, da crise e da
resa Wobbe e, especialmente, Michael Geyer.
contradição. Diante da "natureza urbana" (Stadtnatur), metafórica e midiática, A frase foi dirigida a Félix Mesguich, o cinegrafista de Lumiere, e aparece nas memórias do
com suas "ruas selvagens, maciços fabris e labirintos de telhados", as paisagens cineasta, Tours de manivelle, Paris: Editions Grasset, 1933. Desde então, a frase tem sido citada
alpinas, a exemplo dos filmes contemporâneos rodados em montanhas, ofere- de forma apócrifa, sobretudo por Godard em Le Mépris. Ver Georges Sadoul, Lumiere et
cem essa natureza supostamente autêntica, sem mediações, como uma solução Meliês, org. B. Eisenschitz, Paris: Editions Pierre Lherininier, 1985.
2 Ver Noel Burch, "Porter, or Ambivalence", Screen, v. 19, n. 4, pp. 91-105, 1978/79, e outros
para o mal-estar da modernidade.es O recurso de lançar mão de símbolos
ensaios compilados em Life to Those Shadows, org. e trad. Ben Brewster,Berkeley,Los Angeles,
antimodernos não torna essa alternativa nem um pouco menos moderna: na
Londres: University of California Press, 1990; Tom Gunning, "The Cinema of Attraction [sI",
medida em que Kracauer observa - e faz objeções - com cada vez mais Wide Angle, v. 8, n. 3-4, pp. 4-15, 1983; Charles Musser, The Emergence ofCinema: The American 437
S, 11"'11/0'VIII, NoviI VIII I :, \ Ilhlll" ,11)1)0: I )lIvld IIlIIdWI'Il, )11111'1.'1111 u,,, 1'" I fi '1'11011111 I 9 VI", 1'01' I'X\'l1lplo, o utuque I isf .rido pOI' Bcrmun 'onl ru () mod 'l'nISlll() du "uuto '$lrlldll".
'T! ( '/ / / " ' 11I ,
,11' ,1f.I~' :'IIOlld (:/11I'11I11: 1%11 SI 11"
11 //01/ utu! Mil",' 'U I"/ltll" 11/111 //1Ivnll, Nuvn VIII I : 1\ rmnnvop. it., pp. 164SS.; Harvey, op. cit., parte I; Peter Wollen, "Mod rn Times: inc-
(,olumblo Univ 'rSlly p" '88, '9M5, P 1/'1'.1; , tuml '111, 'l'hotuus I\I.~II'SN'r 8< Adllnl 1111" 1'1 ma/Americanism/The Robot'', em Raiding the Icebox; ver também Miriam Hansen, Ezra
(orgs,),/:'nr/y linetun: Space, Pramc, Nnrrative, l.ondr 'S: IIIIJ, f( I ,V '1'lIlndll Mldulll IIIIIS,'II, Pounds frühe Poetik und Kulturkritik zwischen Aujkliirung und Avantgarde, Stutt Metzler,
Babei and Babylon: Spectatorship in American Silent /:i/III, un bridg ': l lnrvnrd lInlV\"NII 1979, parte J.
Press, 1991, caps. 1-3. y
10 Ver, por exemplo, estudos recentes dedicados à construção de conjuntos habitacionais
3 Tom G~nning, "O retrato do corpo humano: a fotografia, os detetives c os prim ,.dios d" urbanos na Alemanha da República de Weimar e sua recepção, ou seja, práticas reais da
cinema ,neste ~olume. Ver também Ionathan Crary, Techniques of lhe Observar: 011 Vi,';/l1I vida diária desenvolvidas por seus moradores, pertencentes, em sua maioria, à classe traba-
and Modernzty 117 the Nineteenth Century, Cambridge: MIT Press, '990. lhadora: Adelheid von Saldern, "Neues Wohnen, Wohnverhaltnisse und Wohnverhalten in
4 Anne Friedberg, .Window Shopping: Cinema and the Postmodern, Berkeley, Los Angd 'S, GroJ3wohnanlagen der zoer [ahre", em Axel Schildt & Arnold Sywottek (org.), Massenwoh-
Londres: Universitv of California Press, 1993; ver também Stephen Kern, The CII/II/re /11 nung und Eigenheim: Wohnungsbau und Wohnen in der Groj3stadt seit dem Ersten Weltkrieg,
TIme and Space, Cambndge: Harvard University Press, 1983; e David Harvey, "Til11e-Spa 'l' Frankfurt, Nova York: Campus, 1988, pp. 201-21; Schildt & Sywottwk, "The Workers' Move-
Cornpressíon and the Rise of Modernism as a Cultural Force", em Harvey, The Condit ion oj ment and Cultural Patterns on Urban Housing Estates and in Rural Settlements in Germany
Postmodernzty, Oxford, Cambridge, Mass.: Blackwell, 1989. [A condição pos-moder un, Silo and Austria during the 1920S", Social History, V. 15,n. 3, pp. 333-54,1990.
Paulo: Loyola, 1992. J
11 Sobre cinema clássico e modos de produção fordistas-tayloristas, ver [anet Staiger, parte li,

5 Susan"Buck-Morss, ''Aesthetics and Anaesthetics: Walter Benjamins Artwork Essay Rcconsi de Bordwell, Staiger, Thompson, op. cit. Sobre formações culturais de recepção, ver Hansen,
dered .October, v. 62, pp. 3-41, outono 1992. Ver também Vanessa R. Schwartz, "O espectador Babei and Babylon, pp. 87-98; e também capítulos 3,11 e 12.
cmematogi"áfico antes do aparato: o gosto do público pela realidade na Paris fin-de-siêcle" 12 Essas tentativas ganharam força principalmente ver Anton Kaes,
no caso da Alemanha;
neste volume. '
"Literary Intellectuals and the Cinema: Charting New German Critique,
a Controversy",
6 Caso assumamos que o modernismo, em seu sentido mais amplo, refere-se a bem articula- V. 40, pp. 7-33, inverno 1987; Heinz- B. Heller, Literarische Intelligenz und Film, Tübingen: Nie-

das.respostas intelectuais, artísticas e políticas à modernidade e aos processos de rnoderni- meyer, 1985.
zaçao,_então a distin?ãO entre os termos se dá em terreno movediço: Baudelaire, por excm 13 Detlev J. K. Peukert, Die Weimarer Republik, Frankfurt: Suhrkarnp, 1987, pp.11-2.
plo, nao apenas registrou, de modo puro e simples, os fenômenos que percebeu como 14 As cartas reunidas em Walter Benjamin, Briefe an Siegfried Kracauer, Marbach: Deutsches
destacadamente novos e dIferentes na vida "moderna" como também lh . . Literatur-Archiv, 1987, sugerem um relacionamento generoso e de respeito mútuo; os percal-
fi . . ' es emprestou slgnl-
ca~opela for~a como os mseriu em seus escritos - e, como um novo tipo de intelectual ços desse relacionamento surgem, no entanto, da correspondência dos autores com outros
Iiterário, tambem fez parte desses fenômenos. Contudo, parece importante não fundir os amigos, particularmente com Theodor W. Adorno, Leo Lõwenthal e Gershom Scholem.
dOIS termos caso desejemos sustentar a pretensão heurística de que a modernidade com- Sobre algumas dessas constelações pessoais-intelectuais, ver Martin [ay, Permanent Exiles:
preende as condições materiais de vida (independente do que os intelectuais pensavam a seu Essays on the Intellectual Migration from Germal1y to America, Nova York: Columbia Univer-
re~peIto), como também o horizonte social geral da experiência, isto é, a organização da vida sity Press, 1985; ver também Klaus Michael, "Vor dem Café: Walter Benjamin und Siegfried
p~bhca como a matriz em que uma ampla gama de eleitores se relacionava com essas condi- Kracauer in Marseille", em Michael Opitz & Erdmut Wizisla (orgs.) "Aber ein Sturm weht
çoes de VIda, e uns c~m os outros, tendo acesso ou não à representação e ao poder. A litera- vom Paradise her": Texte zu Walter Benjamin, Leipzig: Reclam, 1992, pp. 203-21.
tura sobre a modermdade e o modernismo é demasiado vasta, o que impede de listarmos 15 Sobre a posição de Kracauer no Frankfurter Zeitung, ver Thomas Y. Levin, prefácio a Kra-
suas obras aqUi; Harvey, op. cit., capo 2, oferece um resumo bastante original, mas muitas cauer, The Mass Ornament, org. e trad. para o inglês de Thomas Y. Levin, Cambridge: Harvard
vezes ImpreCISO. Outro ponto de partida está em Benjamin et aI (o H. D. Buchloh
) University Press, 1994, e Andreas Vo!k, "Siegfried Kracauer in der 'Frankfurter Zeitung': Ein
M derni d . . rgs.,
o ernzsm an Modernzty: The Vancouver Conference Papers, Halifax: Nova Scotia College Forschungsbericht", Soziographie, V.4, pp. 43-69,1991 (Schweizer Gesellschaft für Soziologie).
of Art and Design, 1981, bem como em Andreas Huyssen,Ajter the Great Divide: Modernism, Sobre o destino político do jornal. ver Wolfgang Schivelbusch, Inteúeksuellendammerung:
Mass Culture, Postmodernzsm, Bloomington: Indiana University Press, 1986. Zur Lage der Frankfurter Intelltgenz in den zwanziger [ahren, Frankfurt: Suhrkamp, 1985,
7
Marshall Berman,All Th~t Is Solid Melts imo Air: The Experience of Modernity, [1982J reimp., pp. 55-76; e Uwe Pralle, "Eine Titanic bürgerlinchen Geistes: Ansichten der 'Frankfurter
Harmondsworth: Pengum, 1988, pp. 36, 171.Para outra tentativa de resgatar um modernismo Zeitung'", Frankfurter Rundschau, 20 jan.1990. Sobre a concepção do Feuilleton como uma
alternatl~o, pré-c1ássico (em orientalismo, hedonismo, androginia e desenho decorativo do referência crucial, "iluminadora" para o público de Weimar, ver Almut Todorow, '''Wollten
fin-de-szecle), ver Peter Wollen, "Out of the Past Fashion/Orientalism/The Body" e w.]] die Eintagsfliegen in den Rang hõherer Insekten aufsteigen?' Die Feuilletonkonzeption der
R 'di th J, b fi .ern o en,
az mg e ce ox: Re ections on Twentieth-Century Culture, B1oomington: Indiana Univer- Prankjurter Zeitung wãhrend der Weimarer Republik im redaktionellen Selbstvestândnis",
srty Press, 1993.
Deutsche Vierteijahresschrift, V.62, n. 4, pp. 697-740, 1988.
8
Fredric Iarneson, Postmodernism, or, The Cultural Logic of Capitalism, Durham: Duke Uni- 16 Ver Benjamin a Werner Kraft, 28 de outubro de 1935, Benjamin, Gesammelte Schriften (dora-
~erslty Press, 1991. [Pós-modernismo ou a lógica cultural do capitalismo tardio, São Paulo: vante citado simplesmente como GS), V.5, org. Rolf Tiedemann, Frankfurt: Suhrkamp, 1983,
Atica, 1996. J
p. 1151.O trecho completo é citado em Gertrud Koch, "Cosmos in Film: On the Concept of 439
Spu í' I" Willí'l 11'IlJUlllll' 'Wíll'k 011\1'1', HN, uy", 11I I. plll 1111111'1 ,11' NIIII Y W"IIII,', 1)11
Pnrle, v. 5, n. 2, p. 62, " I 2. 1\/1//111/1'1 ('It'IIZJ.lIIIIJ.lcrzlV;~I'IIclI 'J'IIL'Or!c1111//UIt'I'IIIII1':Sc/III' /1'11111'11
SfllrijlclI 1!)I.l II)JJ,
17 Siegfried Kracaucr,Jacqlles OjJimbach 11c/ das Paris sciuer Zcl! (I' .17), II'lIuu~,ldo puru o "l'I
/,I SllIll/l'"I: M '11./'1',11115, parte I; Mi hu ,I S hrõt 'r, "W'lIzcrfull und R 'k nstruktion: Zur
como Offenbach and the Paris of His Time, trad. ,wenda David 'I\ri Mosbu iher, 1.01111'1': Physiognomik Text -I- Kritik, v. 68, pp. 18-40,1980; ver também David
Si .gfricd Kracaucrs",
Constable, 1937. Frisby, I'ragments of Modernity: Theories ofModerniiy in the Work of Simmel, Kracauer, and
18 O próprio ~racauerobservou essa disjunção de interesses cognilivos c rogou li 11'l1jll 111111, Benjamin, Cambridge: MIT Press, 1986, capo 3.
em uma cnnca a Origin ofGerman Tragic Drama [A origem do drama barroco 1// '111(/0,Silll 24 Kracauer, Der Detektiv-Roman, in Schriften, V. 1, P.105. A expressão "desabrigo transcenden-
Paulo: BrasilIense, 1984] e a EinbahnstrajJe, que aplicasse "o método do livro barroco dI' tal" pertence à obra Theory of the Nove! de Georg Lukács (1920) [Teoria do romance. Editora
~:ssociar unid.ades imediatamente vivenciadas" a uma análise da realidade contcmpor 11,'11 34, 2000 J, sobre a qual Kracauer elaborou duas críticas; ver a versão mais extensa, "Georg
( Zu den Schnften Walter Benjamins", Frankfurter Zeitung [doravante FZJ,15 jul, '92!\, l'I:pll von Lukács' Romantheorie", Neue Blãtter für Kunst und Literatur, V. 4, n. 1,1921-22, republi-
blicado em Kracauer, Schriften, v. 5, org. lnka Mülder-Bach, Frankfurt: Suhrkarnp, '990, parte ), cado em Schriften, V. 5.1, pp. 117-23. A oposição entre "Gemeinschajt" [comunidade] e
pp. 119-24; antenormente publicado na coleção do próprio Kracauer de seus ensaios dUI'IIlIII' "Gesellschaft" [sociedade] foi estabelecicla de modo notável por Ferdinand T onnies em 1886
o período de Weimar, Das Ornament der Masse, Frankfurt: Suhrkamp, 1963 [doravanlc di' (correspondente a oposições entre "cultura" e "civilização" e entre "unidade" e "distração"
signado co:n0 OdM (Ornamento de massa)]. O volume 5 dos Schriften de Kracauer foi puhli [Zerstreuung]), ainda gozava de grande popularidade após a Primeira Guerra Mundial e
cado em tres partes, daqui em diante referidos como v. 5.1, 5.2, 5.3). fazia parte do repertório antiamericanista. Ver também a investigação epistemológica de
19 Para uma amostra dos textos durante a República de Weimar sobre o americanismo, VI'1 Kracauer, Soziologie ais Wissenschaft (1992), republicado in Schriften, v. 1, e seu importante
Anton Kaes (org.), Weimar Republik: Manifeste und Dokumente zur deutschen Literatur, '91H ensaio programático, "Die Wartenden", FZ, 12 mar. 1922, republicado em Schriften, V. 5.1,
1933, Stuttgart: Metzler, 1983, pp. 265-86; e Anton Kaes, Martin Iay, Edward Dil11enclbcrg pp.160-70 (também em OdM).
(orgs.), The Weimar Sourcebook, Berkeley, Los Angeles, Londres: University of Californiu 25 Esse tratado foi escrito entre 1922 e 1925, mas não seria publicado até 1971, no volume 1 de
Press, 1994, cap.ay, Para fins de pesquisa, ver Frank Trommler, "The Rise and FaU of Arncri Kracauer, Schriften. Publicou-se um excerto do trabalho intitulado "Die Hotelhalle" [O lobby
canism in Germany", em Trommler & Ioseph McVeigh (org.), America and the Germans: Ali do hotel] em OdM, pp. 157-70. Para um resumo, ver David Frisby, "Zwischen den Sphãren:
Assessment of a Three-Hundred: Year History, Filadélfia: University of Pennsylvania Prcss, Siegfried Kracauer und der Detektivroman", em Michael Kessler & Th. Y. Levin (orgs.) Siegf-
1985, v. 2, pp. 332-42. Ver também Helmut Lethen, Neue Sachlichkeit, 1924-1932: Studien zur tied Kracauer: Neue lnterpretationen, Tübingen: Stauffenburg Verlag, 1990, pp. 39-58.
Literatur des 'Weiflen Sozialismus', Stuttgart: Metzler, 1970; Erhard Schütz, Romane der Wei 26 Ver Miriam Hansen, "Decentric Perspectives: Kracauer's Early Writings on Film and Mass
marer Republik, Munique: Fink, 1986, pp. zoss., Peukert, op. cit., pp. 178-90. Sobre o binóm io Culture", New German Critique, v. 54, pp. 47-76, outono 1991. Os textos mais relevantes são,
cmema e americanismo, ver Thomas J. Saunders, Hollywood in Berlim: American Cinemn entre outros, as críticas de Kracauer sobre Die Straj3e (Karl Grune, 1923), FZ, 3 e 4 fev.1924, e
and Wei,~ar Germany, Berkeley, Los Angeles, Londres: University of California Press, '99/1. sua discussão desse filme em outro ensaio programático, "Der Künst!er in dieser Zeit", Der
Sobr~ o fordisrno de esquerda", ver Wollen, "Medem Times". Minha abordagem teórica ao Morgen, V. 1, n.r, abril, 1925, republicado in Schriften, V. 5.1, pp. 300-8.
amencamsmo deve muito a Victoria de Grazia, particularmente pelo seu trabalho "Amerí a 27 Hansen, "Decentric Perspectives", pp. 51 SS. Para uma leitura diferente do interesse de Kra-
rnsm for Export", Wedge, v. 7-8, Pp.74-81, inverno-primavera 1985. cauer pela "superfície", ver Inka Mülder-Bach, "Der Umschlag der Negativitiit: Zur Verschrãn-
20 Kr. [K~acauerJ, "Die Tagung des Deutschen Werkbunds", FZ, 29 jul.1924. As traduções para kung von Phânomenologie, Geschichtsphilosophie und Filmãsthetik in Siegfried Kracauers
o mgles, salvo indicação em contrário, são de Miriam Bratu Hansen. Metaphorik der 'Oberflache'", Deutsche Vierteljahresschrift, V. 61, n. 2, pp. 359-73, 1987.
21 [KracauerJ, Ginster: Von ihm selbst geschrieben (1928), in Schriften, v. 7, org. Karsten Wiu . 28 Kracauer, "Die Wartenden", p. 169. A rejeição da filosofia, que também marca o desenvolvi-
Frankfurt: Suhrkamp, 1973, p. 34. ' mento de Benjamin, permeou o pensamento dos intelectuais alemães durante os anos pós-
22 Muitas vezes o conceito de "realidade" elaborado por Kracauer é caracterizado com referên guerra; ver, por exemplo, Margarete Susman, "Exodus aus der Philosophie", FZ, 17 jun. 1921.
cia a duas afirmações programáticas de sua série de artigos sobre funcionários de escritório, Sobre a fase antifilosófica de Kracauer, ver Eckhardt Kõhn, StrajJenrausch: Flanerie und kleine
D:,eAngestellten (1929): "Somente a partir desses extremos a realidade pode ser desvendada", Form: Versuch zur Literaturgeschichte des Flaneurs bis 1933, Berlim: Arsenal, 1989, pp. 225-30.
e ~ma ce_ntena de relatos sobre uma fábrica nada acrescenta à realidade dessa fábrica, 29 Kracauer, "Künstler in dieser Zeit", p. 304.
porem serao sempre uma centena de visões sobre uma fábrica. A realidade é uma constru- 30 Ver Alf Lüdtke, Eigen-Sinn: Fabrikalltag, Arbeitererfahrungund Politik vom Kaiser bis in den
ção", Schriften, v. 1, Frankfurt: Suhrkamp, 1978, pp. 207, 216. Sobre o "realismo" de Kracaucr Faschismus, Hamburgo: Ergelmisse- Verlag, 1993, pp. 244-54.
ver H,~ide Schlüpmann, :'Phenomenology of Film: On Siegfried Kracauer's Writings of th : 31 Martin Iay, The Dialectical Imagination: A History of the Frankfurt School and the Institute of
1920S .New German Cru/que, v. 40, pp. 97-114, inverno 1987; Schlüpmann, "The Subject of Social Research, 1923-1950, Boston, Toronto: Litt!e, Brown & CO., 1973; Eugene Lunn, Marxism
Survival: On Kracauer's Theory of Pilm", New German Critique, v. 54, pp.ru-ze, outono 199 ; and Modernism: An Historical Study of Lukács, Brecht, Benjamin and Adorno, Berkeley, Los
' Angeles, Londres: University of California Press, 1982, pp. 188s., 198s.; RolfWiggershaus, Die
e M.Hansen, '''With Skin and Hair': Kracauer's Theory of Film, Marseille 1940", Critica!
lnquiry, v. 19, pp. 437-69, primavera 1993. Frankfurter Schule: Geschichte, Theoretische Entwicklung, Politische Bedeutung, Munich: Han-
23 Com respeito a esta fase da obra de Kracauer, ver o estudo pioneiro de Inka Mülder, Siegfried ser, 1986, pp. 95-7; Frisby, Fragments, p. 123S.Sobre a radicalização de Simmel e o patos antii-
dealista da Lebensphilosophie de Kracauer, ver RolfWiggershaus, "Ein abgrundtiefer Realist: 441

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