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RODOLFO MONDOLFO

O PENSAMENTO ANTIGO

HISTóRIA DA FILOSOFIA
GRECO-ROMANA

DESDE ARISTóTELES ATÉ OS NEOPLATôNICOS

EDITORA MESTRE JOU


SÃO PAULO
\

Primeira edição em italiano ... . ... .. . . . 1927


Terceira edição em italiano .... .. ..... · 1961
Primeira edição em espanhol .... . ...... . 1942
Quarta edição em espanhol ... .. ....... . 1959
Primeira edição em português ......... . 1964/65
Segunda edição em português .. ......... . 1967
Terceira edição em português ........ . . . 1973

CAPITULO II

ARISTóTELES

[Nascido em Estagira, em 384 a.C.; filho de Nicômaco, médico do rei da Macedônia;


chegou a Atenas aos 17 anos de idade e permaneceu durante 20 anos na escola de
Platão, aderindo primeiramente, com fervor, à doutrina do mestre, e até acentuando
o seu misticismo, no diálogo Eudemo ou da alma, e no Protréptico ou exortação à
TÍTULO ORIGINAL Filosofia: dois daqueles escritos juvenis tão gabados por Cícero pelo rio de ouro da
sua eloqliência, mas perdidos p ara nós. Sucessivamente, o diálogo Sobre a Filosofia
IL PENSIERO ANTICO (também perdido) assinala a primeira afirmação de uma crítica da teoria platônica
das idéias, e o preparar-se de Aristóteles para a formação de uma teoria própria,
que começa a delinear-se no sistema teológico-eosmológico aqui esboçado. Mas, so-
mente mais tarde, vários anos depois da morte de Platão, o pensamento de Aristóteles
REVISÃO DO atinge a sua maturidade independente c chega à construção do seu sistema próprio.
Após a morte de Platão (347), Aristóteles, juntamente com Xenócrates e outros con·
DR. VICENTE FELIX DE QUElROZ discípulos, deixa Atenas e dirige-se à Ásia Menor, em procura de alguns platônicos:
Professor Livre-docente da Faculdade de Medicina da USP Hcrasto e Corisco, e depois Hérmias, senhor de Atarneu, com cuja sobrinha Pítia
contraiu matrimônio, e, além disso, travou relações com o rei Felipe da Macedônia.
]>assando a Mitilene, funda uma primeira escola, que se mantém, todavia, no âmbito
do platonismo; logo, em 343, Felipe chama-o à Mac.edônia para cuidar da educação
TRADUÇÃO DE
de seu filho Ale.xandre. Com o advento deste último ao trono, Aristóteles volta a
Atenas, alguns anos depois (335); e, já senhor de um sistema próprio, funda sua
LYCURGO GOMES DA MOTTA esco la entre as sombreadas avenidas (perípatoi) que circundam o templo de Apolo
Liceu e o vizinho ginásio. Do lugar e do costume de Aristóteles de ministrar
suas lições passeando pelas mas arborizadas provêm os nomes de escola peripatética
ou do Liceu. Durante 13 anos, Aristóteles dedicou-se exclusivamente às ocupações da
escola, reuJúndo, com o apoio que lhe emprestava Alexandre, a primeira grande cole·
c;:flo de livros; compilando toda uma série de obras, perdida em sua maior parte,
que recolhia os materiais para os cursos sistemáticos (obras de ciências naturais,
exposições de doutrinas filosóficas precedentes e contemporâneas, compêndio das
dou trinas retóricas, coleção de 158 constituições gregas, e também de leis c costumes
de nações estrangeiras); e sobretudo, escrevendo, além das obras exotéricas (para o
Pliblico), as ~roamáticas (para a escola), que são as que, depois em boa parte,
DIREITOS RESE RVADOS PARA TODOS OS PAÍSES DE LÍNGUA I>ORTUGUESA chegaram até os nossos dias. Esta intensa atividade que chegou, segundo as relações
de Ptolomeu e de Andrônico, a mil escritos·, é interrompida com a morte de Alexandre
(323). Embora as relações com o rei se tenham afrouxado depois do assassínio de
PELA
Calistenes, sobrinho de Aristóteles, o ódio do partido nacionalista ateniense (de
EDITORA MESTRE JOU que era chefe Demóstenes) dirigiu contra o filósofo a acusação de impiedade. Aris·
lóteles, para se furtar à sorte de Sócrates, retirou-se para a Calcídia, onde morreu no
Rua Guaipã, 518- Vila Leopoldina nno seguinte (322) com a idade de 62 anos. Na escola, continuada sob a direção de
Tcofrasto, parece que se conservaram as obras, ainda depois de sua morte. Mas,
São Paulo segundo os relatos de Estrabão e Plutarco, estas obras colocadas sob a guarda de
8 R. MONDOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO 9
I
Neleu, filho de Corisco, foram deixadas em herança, com toda a biblioteca, aos seus tituída pelo problema. da alma, da sua imortalidade e natureza divina, da sua oposi-
parentes de Asso, que as depositaram em uma adega até serem vendidas a Apelicão. ção ao corpo e à virtude terrena, da sua aspiração à libertação final. A vida terrena
Após a morte deste, Sila transportara a biblioteca a Roma, e deste modo, mais tarde, é, em relação a esto~s problemas, de uma parte radicalmente desvalorizada, como
ter-se-ia oblida a primeira edição, graças a Andrônico de Rodes. vaidade e torpeza em si, suplício e penitência para a alma; da outra vem, pelo menos
As obras, chegadas até nós, dividem-se em cinco grupos: 1) de Lógica, recolhidas parcialmente, avaliada como possibilidade de contemplação do divino e, por isso,
no período bizantino sob o nome de órganon: Categorias, Da interpretação (sobre o de preparação à purificação total].
juizo), Primeiros analíticos (sobre o silogismo), Segundos analíticos (sobre a demons-
tração), Tópicos (regras da discussão), Refutações sofísticas; 2) Retórica e Poética; 1. A imortalidad'e da alma: preexistência e reminiscência.
3) de Ciências Naturais: a) físicas (Física, De coelo, Sobre a gerdção e a corrupção,
Meteorologia - foi posta em dúvida a autenticidade do 4.0 livro da Meteorologia e
outros: Mecânica, Problemas etc.); b) biológicas (sobre os animais, sobre as partes O divino Aristóteles expõe a razão pela qual a alma, ao vir de lá a
dos animais, sobre a geração dos animais, sobre o caminho dos animais, e, talvez, este mundo, esque:ce as visões que teve lá, enquanto que, ao sair deste
sobre o mo•i.mento dos an.inlals; e outras de duvidosa autenticidade); c) ps.icológicas mundo, recorda J:á as paixões daqui. . . Diz que alguns, passando da
(Da alma, e opthculos sobre a sensação e o sensível, memória e reminiscência, o
sono, os sonhos etc.); 4) de Filosofia primeira, colocados por Andrônico, em conti- saúde à e.nfermidade, incorrem no esquecimento até das letras alfabéticas
nuação aos de física (p,(Tá Tá qhxnxcO; daí o nome de Metafísica dado depois a eles que antes conheciam, enquanto que ninguém sofre algo semelhante ao
e ao argumento: são quase certamente, uma compilação sobre os apontamentos passar da doença para a saúde. A vida das almas livres do corpo, sendo
das lições deixados por Aristóteles ou tomados por seus discípulo9; são assim como conforme à sua matureza, assemelha-se à saúde; das que se acham no
demonstrou W. Jaeger, uma recopilação de vários corpos de lições, correspondentes interior do corpo, sendo contrária à sua natureza, assemelha-se à doen-
a diferentes fases da evolução filosófica de Aristóteles. Daí as discrepâncias que sur-
gem em seu conteúdo, agravadas pelo fato de não terem sido estes diversos corpos de ça. . . Assim aconttece naturalmente que, ao vir a este mundo, caiam no
lições dispostos em ordem cronológica, por seu antigo editor, pelo que a crítica moder· esquecimento das c:oisas lá de cima; mas, ao passar deste mundo ao outro,
na tem a difícil tarefa de procurar restabelecê-la; 5) de Moral e de Politica: ~ca a recordem as coisas. daqui de baixo (EU(Jemo, fr. 5, Walzer = 41 Rose).
Eudemo, Ética a Nicômnco, Política. A assim chamada Grande Ética, -simples extrato
das outras duas, é uma compilação realizada por um peripatético, e não obra de
Aristóteles. Spengel (1841) e depois toda a crítica posterior recusaram-lhe também a 2. Substancialidal(le da alma (contra a teoria da alma hannonia).
Ética a Eudemo, atribuindo-a ao seu discípulo Eudemo de Rodes. Mas os estudos
de W. J aeger e seus d iscípulos obrigaram a reconhecer que ela pertence a Aristóteles, Aristóteles argul!llenta deste modo, no Eutlemo: o contrário da har-
e que até constitui a primeira forma da sua ética, mais vizinha do platonismo e da monia é a desarmonia; mas não há contrário <la alma, porque é substân-
sua religiosidade.
Estas obras, que chegaram até nós, carecem geralmente de preocupação estilística, cia. . . Além disso., se a desarmonia dos elementos é doença do vivente, a
e da neces.sãria elaboração para uma publicação, sendo escritos destinados ao uso da harmonia seda a s:ua saúde; mas a alma não é isto <Eudemo, fr. 7, Wal-
escola, ou apontamentos de lições, preparados pelo mestre, ou tomados por seus zer = 45 Rose).
discipulos.
Os mais recentes estudos (de Jaeger e outros) puseram em relevo nestas obras, [A existência do contrário e, portanto, das gradações de mais ou de menos, pode-se
e especialmente na Metafísica, notáveis divergências entre várias partes, pertencentes dar para os atributos, não porém para as subst.'\ncias (como explica Aristóteles depojs
a fases diversas da evolução do pensamento aristotélico. Todavia a distiução e dis- nas Categorias, cap. 3): o que é, pois, substância, como a alma, diferencia-se de todo
tribuição cronológica destas partes e fases das obras da maturidade são mais n!ributo, como a harmonia, a s.aúde e outros semelhantes].
incertas e discutíveis que a assinalação das obras juvenis. Dos seus fragmentos
torna-se evidente, com toda a segurança, que duas (Eudemo e Protréptico) pertençam 3. Desvalorização da vida terrena: vaidade e torpeza; suplício para a
a uma primeira fase, de platonismo místico, e uma outra (Sobre a Filosofia) a uma
segunda fase de transição para a formação do sistema independente. Por isso, estas alma. - Mellhor não haver nascido.
duas fases preparatórias devem distinguir-se da exposição do sistema maduro, em
que a evolução ulterior do pensamento aristotélico dá lugar a divergências internas, As coisas que aos homem; parecem grandes são todas vãs aparências.
que em parte, pelo menos, assinalaremos com nota. Por isso, é verdadeira a afirmação de que o homem não é nada e que
A. As duas fases preparatórias: nenhuma das coisas humanas é firme. Pois força, grandeza, beleza são
irrisões e coisas que carecem de valor, e se a beleza parece ser tal é
I. A FASE DE PLATONISMO MÍSTICO.
porque não a vemos exatamente . .. Porque se os homens tivessem olhos
de lince e a sua vista penetrasse os objetos, não pareceria, acaso, sujo e
[Nesta fase, representada especialmente pelo diálogo juvenil Eudemo ou da alma to rpe o .corpo de Alcebíades, à vista dos seus intestinos, apesar de ser
e pelo Prolréptico, a preocupação dominante do espírito de Aristóteles parece cons- belíssimo no seu exterior? (Protréptico, fr. lO a, Walzer = 59 Rose).
...
I
' lO R. MONDOLFO

Os antigos dizem divinamente ... que a alma expia uma pena e que
nós vivemos em expiação de grandes pecados. Efetivamente, a união da
alma com o corpo assemelha-se em tudo a algo deste gênero: assim como
O PeNsAMENTo ANTIGO

Filosofia, se, como cremos, a Filosofia é aqulSiçao e emprego da sabe-


doria e a sabedoria acha-se entre os bens máximos; e não se deve, por
amor às riquezas, navegar para as colu nas de Hércules e expor-se, amiúde,
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dizem que na Etrúria, os bandidos, am iúde, atormentavam seus prisio- aos perigos e, em troca, querer evitar fadigas e gastos para conhecer
neiros amarrando os vivos (ace a face com os cadáveres colocados à sua
frente: de modo que coincidissem exatamente entre si as diferc.ntes partes
(Protréptico, f r. 5, Walzer =
52 Rose).
Para os homens, é preferível em si mesmo o saber e o conhecer, pois
do corpo, assim também a alma se acha disposta e unida a todos os sem e le não poderiam viver como homens . . . Pelo que, se o homem é
membros sensíveis do corpo (Protréptico, fr. 10 b, W aJzer = 60 Rose). um animal simples, e a sua essência está disposta conforme a razão e
~ vedado ao homem aquilo que se julga a melhor d e todas as coisas, e inteligência, a sua finalidade não é senão a verd ade perfeita. . . Se, ao
é impossível a ele participar na natureza do melhor: porque a melhor contrário, é composto de múltiplas faculdades, é evidente que a melhor
coisa para todos os homens e para todas as mulheres seria não terem nas- f unção dentre todas estas é sem pre aquela pela qual é naturalmente t rans-
cido (ingressando no devir). O hem preferível para os homens, depois formado em mais perfeito ... Mas nenhuma das funções do pensamento
deste, e o primeiro entre os alcançáveis aos homens, que é, porém, o ou da parte pensante da alma podem considerar-se melhores do que a
segundo (na ordem total) uma vez que nasceram, está n o poder morrer o verdade. A verdade, pois, é a fun ção soberana ... e a contemplação é o
mais cedo possível (Eudemo, fr. 6, Walzer = 44 Rose). fim soberano (Protréptico, fr. 6, Walzer).
E o viver de maneira perfei ta . . . deve atribuir-se a quem raciocina e
4. Revalorização da vida humana: o intelecto c a atividade contempla· emprega a razão cognoscitiva. . . Porém, a atividade perfeita e sem obs-
tiva ([>urificação da alma c prC(Jaração para a sua libertação). táculo traz ao seu lado a felicidade, de maneira que a atividade contem-.
plativa será, entre todas, a mais cheia de gozo (Protréptico, fr. 14, Walzer).
O homem não possui nada de divino ou bem-aventurado, salvo .. . tudo M as, neste mundo, talvez por achar-se a nossa espécie em um estado
o que em nós existe de intelecto e razão cognoscit iva. . . E pelo fato de contrário à natureza, é-nos difícil aprender e ver, e fastidiosamente o
participar de tais faculdades, embora seja a vida, por sua natureza, mi- advertiremos, por causa da iocapacidade congênita e da vida contrária à
serável e difícil, é, todavia, governada com tanta graça, que o homem, natureza; porém, se alguma vez t ivermos podido voltar novamente Já
em comparação com os demais viventes, parece ser um deus. "O intelecto para cima de onde viem os, é evidente que poderemos fazê-lo com maior
d e fato é nosso Deus", seja Hermót imo ou Anaxágoras quem haja dito prnzer c facilidade (Protréptico, fr. 15, Walzer).
isto, e que "a vida mortal tem uma parte eterna de um D eus". Por isso,
ou se deve filosofar, ou se deve dizer adeus ao viver e fugir daqui, como JI. A FASE DE TRANSIÇÃO: CRÍTICA DA TEOR IA DAS IUÉTAS.
se todo o resto pareça grande vaidade e frivolidade. Se possuímos a lmas PROVAS DA EXIST.êNC!A OB DElJS E TBOLOOlA ASTRAL.
imortais e divinas, deve-se crer que, quanto mais hajam elas estado em
seu c urso, isto é, na razão e no dese}o de investigar, e quanto menos se 1Esta fase de transição será representada, como o demonstrotl W. Jacgcr, pelo
tenham mesclado e envolvido nos vícios c erros dos homens, tanto mais d l(llogo Sobre a Filosofia (talvez posterior à morte de P latão) que, depois de uma
porto histórica (livro I), continha a critica ela teoria das idéias (livro 11), e depois,
fácil terão prepar ado a ascensão e a volta ao céu (Protréptico, fr. 10 c, 11111dn, a parte construtiva, d e Teologia e Cosmologia].
Walzer = 61 Rose).
A razão cognoscitiva é para nós o fim segundo a natureza, e o conhe- I. A crítica das idéias e dos números ideais.
cer é o fim último para o qual nascemos. P ortanto, se nascemos, é evi-
dente q ue existimos para conhecer e aprend er, e, de acordo com este Aristóteles ... também nos Diálogos protestava, de modo mais claro, que
raciocí.nio, bem disse Pitágoras que todo homem foi criado sob a direção n:io podia concordar com esta doutrina, embora alguém tivesse acreditado
de Deus, para conhecer e contemplar (Protréptico, fr. 11, W aJzer). que a repelia por amor à polêmica (De philos., fr. 1O, Walzcr = Rose).
Porque todos escolhem, sobretudo, as coisas de aco rdo com os próprios No segundo livro Sobre a Filosofia, assim se expressou: "Se as idéias
háb itos ... é evidente que o homem racional escolherá, acima de todas as co nstituem uma segunda espécie do número, diferente da das M ate má-
coisas, o conhecer racionalmente, pois este é o ato da sua facu ldade. De 1icas, não poderemos ter nenhuma compreensão das mesmas. Quem, de
maneira q ue é evidente que, de acordo com o juízo mais soberano, a J'ulo, pelo menos e.ntre a maioria de todos nós, pode entender um nl'1mero
ra zão cognoscitiva é o melhor dos bens. Não se deve, por isso, fugir da diverso do matemático?" (De pbiJos ., fr. 11 , W alzer = 9 Rose).
12 R. MONDOLPO o PF.NSAMENTO ANTIGO 13

2. A Teologia e a Cosmologia. O supremo Deus espiritual (motor imóvel) O ser primeiro e sumo deve ser D eus absolutamente imutável e se é
e as divindades cósmicas. imutável, é também eterno (ibidem). ' '
Prin~ipio primeiro, ordenador dos outros. Dos princípios, ou há um só,
Aristóteles, no livro 3.0 Sobre a Filosofia, confunde muitas coisas, di- ou mUttos. E se há um só, temos o que procuramos; se são muitos, serão
vergindo de seu mestre Platão, visto que ora atribui toda a divindade à ordenados ou desordenados. Mas se são desordenados, ainda mais desor-
Mente, ora diz que o próprio mundo é Deus, ora propõe um outro ao denadas serão as coisas que se derivem dos mesmos, e o cosmos não será
mundo e atribui-lhe partes, de maneira que dirija e proteja o movimento cosmos (ordenação) mas desordem, e eJtistirá o contrário à natureza não
do mundo com uma revolução orbitária, ora diz que o éter (ardor celeste) existindo o que é segundo a natureza. Se ao contrário, estão ordenad~s, ou
é Deus, não compreendendo que o céu é parte <lo mundo que ele mesmo se ordenaram por si mesmos ou por uma catJSa exterior. Porém, se se
designou como Deus, em outra parte (De pbilos., fr. 26, Walzer e Rose). ordenaram por si mesmos, então têm algo de comum que os concilia e
este é o princípio (De philos., fr. 17, Walzcr e Rose). '
[Cícero, D:a natureza dos deuses, I, 13, 33, a quem pertence este testemunho, indica As fontes da idéia de Deus. Dizia Aristóteles que a noção de Deus
confusamente aqui os aspectos principais da Teologia e da Cosmologia aristotélica em nasceu nos homens, de duas fontes: do que acontece na alma e do que
sua Sobre 11 I•Uosofin: o Deus supremo espiritual (Mente), o mundo divino eterno acont~~ no céu. Do que acontece na alma, pelas inspirações divinas c pelos
(isto contra P latão), c o éter como elemento celeste, também divino e movido em pressag10s que esta recebe nos sonhos. Pois, quando no sono, a alma se
etema revolução por divinas inteligências motoras].
encontra. s.ó em si mes~a, recuperando então a sua natureza plrópria,
pode vattcmar e prenunc1ar o futuro. E do mesmo modo se encontra na
A prova ontológica da existência do Deus supremo. Geralmente, em morte, no seu separar-se das coisas corpóreas. . . Mas também do que
qualquer parte onde haja uma hierarquia de graus de valor (um melhor), acontece no céu: pois contemplando de dia o sol que realiza a volta e
aí há também um ápice de perfeição (um ótimo), e como no domínio das de noite o movimento bem ordenado dos outros astros, os homens crer~m
realidades existentes, existe sempre uma melhor do que a outra, haverá em um Deus, causa de semelhante movimento c ordem (De pltilos., fr.
também uma ótima entre todas, que será Deus (o divino) (De phllos., fr. 12, Walzer = 10 Rose).
16, Walzer e Rose).
[A d~pla. f~nte, isto é, a expe~ncia espiritual interior c a ordem celeste exterior
[Encontramos aqui, nota J aeger, o germe do argumento ontológico que aqui, a nós, Ja fo1 mdicada por Ptatão, Leis 966 d, p ara a origem da fé em Deus. Moderna-
porém, não incide no erro em que caíram depois Santo Anselmo e Descartes, de mente, nota J aeger, Kaot torna a indjcar como fonte p~rn o sentido do sublime 0
conceber o ser do ente perfeitíssimo como predicado já contido no conceito da céu estrelado acima de nós e a lei moral, em nós. Assim, a experiência espiritual a
perfeição e dele dcduzfvel. Em outras palavras, não se trata, aqui, da passagem que se refere c~da um dos três filósofos é diferente: a consciência da css€ocia eterna-
da idéia à realidade, mas do reconhecimento de uma realidade (a escala dos valores) me_nte em movunento, da alma, para Platão, as energias clarividentes da alma para
tenta-se concluir em umn realidade (o ápice), que aquela exige por si mesma]. Anstóteles, a consciência da lei ética, para Kant]. '

Imutabilidade e eternidade de Deus. O mutável muda, ou por si ou por Se alguém, sentado no monte troiano Ida, tivesse visto o exército dos
obra de outrem; e se por causa de outrem, de um superior ou de um helenos avançando pela planície, com ordem e disposição perfeitas ...
inferior a ele; e se por si mesmo, ou em vista do inferior ou atraído pelo sem dúvida ter-lhe-ia vindo a idéia de que existia um ordeoador de seme-
mais belo. Mas, nem Deus (o divino) pode admitir um superior a ele, pelo lhante ordem dirigindo soldados tão bem dispostos ao seu comando ...
qual seja movido, pois então seria mais divino do que ele, nem o superior Do mesmo modo, os primeiros que viram o céu e contemplaram o sol
pode sofrer a ação do inferior, e, por outra parte, se do inferior (a sofresse) percorrendo o seu caminho desde a ,aurora até o ocaso, e as danças orde-
adquiriria wn defeito, e nenhum defeito (pode haver) nele; mas também nadas dos astros, procuraram um artífice dessa formosa ordenação, não
não muda por si mesmo, atraído por uma coisa mais bela, porque não pensando que pudesse formar-se ao acaso, mas por obra de uma natureza
necessita de nenhum dos seus valores; e muito menos (se muda) em vista superior e incorruptível que é Deus (De philos, fr. 12, Walzer = 11 Rose).
do inferior, posto que nem ainda o homem se torna inferior por sua O dever da reverência ao tratar das coisas celestes e de Deus. Nobre-
própria vontade; não tem nenhum defeito. Poderia, entretanto, adquiri-lo mente disse Aristóteles que nunca se deve ser mais reverente do que
somente em conseqüência da mudança em inferior (De pbilos., fr. 16, qu~ndo se trata dos Deuses. Se entramos no templo respeitosamente, se
Walzer e Rose). batxamos o rosto quando nos aproximamos do sacrifício, se pomos em
14 R. MONOOLFO 0 P ENSAMENTO ANTIGO 15

ordem a toga, se em cada argumento adotamos uma atitude modesta, com O q ue seja a Ciência pode tornar-se claro pelo fato de que todos cremos
maior razão devemos fazê-lo ao falar dos astros das estrelas, da natureza, o que sabemos verdadeiramente não poder ser de outra maneira (o qu.e,
dos Deuses (De philos., fr, 14, Walzer e Rose). em compensação, poderia estar distintamente fora da nossa contemplação
Eternidade do cosmos. Aristóteles . .. disse que o cosmos 6 ingênito e mental, não se sabe mesmo se existe o u não). Portanto, o que é objeto de
incorruptível, e julgou que era tre menda impiedade a de quem pensasse o c iência é necessário. . . O homem sabe, verdadeiramente, quando tem uma
contrário (De philos., fr. 1 8, Walzer e Rose). convicção e conhecimento dos princípios, pois, se estes já n ão lhe são
A divindade dos astros e as suas almas motoras (teologia a"iral): a mais conhecidos do que a conc lusão, terã uma ciência casual (Et. nicom.
VI, 3, 1 138).
rotação como movimento inteligente voluntário. Como alguns seres a ni-
mados nascem na terra, outros na água, outros no ar, parece absurdo a Diferença entre a experiência e a s.'\bedoria. A sabedoria chega a todos
Aristóteles que, na parte mais adequada para gerar seres a nimados, não pelo conhecimento. Quer dizer que uns conhecem a causa e outros não.
haja nascimento nenhum. Mas as estrelas têm o seu assento no éter, e Os que experimentaram sabem o quê da coisa, mas não o porquê; outros
c,omo este é o mais sutil e está sempre em movimento é necessário que em compensação, conhecem o porquê e a causa . . . Isto é, são mais sá-
nele se origine algum ser a nimado, de sentido agudíssimo e de mobilidade bios . . . enquanto possuem a razão e conhecem a causa. . . Por outra
velocíssima. Por isso, nascendo os astros no éter, é natura l que ten ham parte as sensações não cremos que constituam nenhuma sabedoria apesar
sensibilidade e inteligência, e, portanto, devem considerar-se no número de serem elas os conhecimentos mais adequados do particular; mas não
dos Deuses. . . Acham-se também demonstradas plenamente a sensibili- nos dizem o porquê de a lguma coisa, como, por exemplo, porque o fogo
dade e a inteligência dos astros por sua ordem e sua constância (pois nada 6 quente, mas somente que é quente .. . ~ evidente, então, que a sabedoria
existe que se possa mover com razão e número, sem pensamento) . . . é c iência de causas e de princípios (Metaf., I, 1, 981-2).
Ora a ordem das estrelas e a sua constância em toda a eternidade não é
unidamente sinal de natureza (pois está cheia de razão) nem de acaso ... 2. Do contingente e do particular não se dá ciência.
Por isso, conclui-se que se movam espontaneamente por consciência pró-
pria e divindade . . . O que se move naturalmente é trazido para baixo
por seu peso, ou para cima pela leveza; mas nem uma coisa nem outra Q ue não é possível que haja uma ciência do contingente, tornar-se-á
acontece com os astros, cujo movimento é uma 6rbita circular: nem se evidente a quem procure ver o que seja o contigente. D izemos de cada
pode dizer que ocorra serem movidos por força maior, contrariamen te à coisa, ou que é sempre e por necessidade. . . ou que é geralmente, ou
natureza. . . Conclui-se, pois, que o movimento dos astros é voluntário bem que não é nem geralmente nem sempre e por necessidade, mas s6
(De philos., fr. 21, Walzer W 23-24 Rose). por acaso; como por exemplo, que na estação canicular sobrevenha o frio;
o ra, isto não acontece nem sempre, nem por necessidade, nem em maior
[M ais tarde Aristóteles abandona esta idéia do movimento voluntário. A sua Astro- 11t1mero de casos, porém, só pode acontecer a lguma vez .. . Dizemos e ntão:
nomia posterior atribui ao éter o movimento circular por natureza, c faz os astros ncontcceu; e é possível enqua nto se produz, mas não normalmente ...
girarem engastados nas esferas celestes, movidas por inteligê ncias motorM].
Das outras coisas, de fato, há causa'> e poderes produtores, destas não há
nenhuma regra ou poder determinado, pois, do que existe ou acon tece
B. O sistema mad uro:
por acidente, também a causa é acidental. . . É evidente, por isso, que
I. CIÊNCIA E FILOSOFIA. não há ciência do contingente, pois toda ciência é do que é sempre, ou na
maioria dos casos. De outra maneira, então, como se poderia aprendê-Ia
1. O saber é conhecimento das causas e do necessário. c ensiná-la?. . . Ao invés, o acidente encontra-se além destas condições
(Mctaf., XI, 8, 1 064 e VI 2, 1 027).
O mais alto grau do saber é co ntemplar o porquê (Anal. post., I, 14, 79). Por isso, não é possível nem definição nem demonstração para as
Cremos saber inteiramente uma coisa ... quando cremos conhecer a causa substâncias sensíveis particulares, porque têm uma matéria de tal natureza
pela qual a causa é, (e conhecer) que esta é precisamente sua causa e que q ue pode ser e não ser, mo tivo pelo qual todas, singula rmente, são cor~
não hã nenhuma possibilidade de que seja de o utra maneira (Anal. post., r uptívcis. Logo, se a demonstração é do necessário, e a definição é dirigida
I, 2,71 ). à ciência, e não pode (assim como não pode a Ciência) ser ora ciência,
16 R. MONDOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO 17

ora ignorância. . . é evidente que delas não haverá definição nem demons- 4. Liberdade e divindade da sabedoria.
tração. As coisas corruptíveis tornam-se obscuras para o homem de ciência
quando saem do campo das sensações, e .ainda permanecendo os conceitos E evidente que não procuramos (a Ciência das causas) por alguma uti-
na alma, não haverá definições nem demonstrações das mesmas (Metaf., lidade estranha; mas assim como chamamos livre ao homem que vive
vn, 15, 1 040). para si e não para os outros, assim, também, somente esta é livre entre
as Ciências, pois unicamente ela existe para si. Por isso, seria justo, tam-
3. O universal, as causas, o Bem. bém, considerar sobre-humana a sua posse . . . Porque é mais divina e
honrosa do que qualquer outra, e só ela é tal, por duas razões: pois é
Saber todas as coisas pertence, sobretudo, a quem possui a Ciência do divina entre as ciências aquela que Deus pode ter sobre todas, e a que,
universal, pois sabe, de .certo modo, todas as noções subordinadas. E as por sua vez, possa ter como objeto a divindade. Ora, esta Ciência é a
noções universais são as de mais difícil aquisição, por se acharem mais única que possui essas duas condições: pois Deus parece ser causa e prin-
afastadas da sensação. cípio de todas as coisas, e pode ser posse de Deus uma Ciência seme-
Mas as ciências mais perfeitas são as que concernem mais aos princí- lhante, ou somente ela, ou acima de todas as outras. Logo, podem ser
pios. . . Porém, mais suscetível ainda de ensinamento é a Ciência que mais necessárias todas as demais; porém, nenhuma melhor (Metaf., I, 2,
investiga as causas, pois ensina quem indica as causas de cada coisa. E 982).
quem escolhe o aprender e o saber por si mesmo escolherá, sobretudo, a
Ciência por excelência, sendo esta a ciência do cognoscível por excelência, 5. A Filosofia primeira e a Teologia.
ou seja, dos princípios e das causas, porque, por seu intermédio e por
elas, se aprendem as outras coisas, porém, não pelas coisas subordinadas. Se existe algo eterno, imóvel e separado (da matéria), é evidente que
E ciência -do pri.ocípios por excelência, e que está acima de toda outra compete a uma Ciência teórica conhecê-lo. Não é à Física, certamente,
subordinada, é a que dá a conhecer o fim de toda realização: que é o bem (pois esta se ocupa de seres em movimento) nem à Matemática: mas a
uma outra superior a ambas. A Física ocupa-se dos seres não separados
em cada coisa e o ótimo universalmente em toda a natureza (Metaf., J,
2, 982). da matéria nem imóveis; os objetos da Matemática são, em parte, imóveis,
porém, não separados, mas na matéria; em compensação, a Ciência pri-
meira ocupa-se dos seres separados e imóveis ao mesmo tempo. É neces-
Do particular (experiência) ao universal (Ciência); imlução (análise) e 1ledução
sucessiva. O caminho natural vai das coisas mais conhecidas e claras para nós, até sário que todas as causas sejam eternas, mas estas sobretudo, porque são
as mais claras e conhecidas por natureza: uma vez que não são o mesmo as coisas as causas do que aparece nas coisas divinas. De maneira que haverá três
conhecidas por nós e as conhecidas por si mesmas. Por isso, é necessário proceder Filosofias especulativas: a Matemática, a Física e a Teologia, pois não é
da maneira seguinte: das coisas menos claras por natureza, porém, mais claras para difícil chegar a ter consciência de que, se o divino existe em alguma parte,
nós, às mais claras e conhecidas por natureza. Para nós são manifestas e evidentes, existe em urna natureza de gênero semelhante, e a Ciência mais augusta
primeiro, as que em si são confusas; depois, destas, tornam·Se conhecidos os elementos
e os princípios para quem os distingue. Por conseguinte, dos universais deve.se partir deve ocupar-se do objeto mais augusto. Por isso, as ciências especulativas
para os particulares. Pois o todo, segundo a sensação, é mais conhecido; mas, tarn· são superiores às outras, e esta, a todas as outras especula tivas. . . Se existe,
bém o universo é um todo, porque compreende como partes do universal, os mullí· pois, uma substância imóvel, esta é anterior (às outras), e há uma Filoso-
plices (Física, 1, l , 184). O universal é conhecido pela razão; o particular, pelo fia primeira, que é universal enquanto é primeira; e a esta compete estudar
sen ti.do (Fís., I, 6, 188).
Necessidade do estabelecimento preliminar dos problemas. É necessário, para a o ser enquanto ser, a essência e os seus atributos enquanto ser (Metaf.,
Ciência por nós investigada, que, em primeiro lugar, passemos em revista os pro· VI, 1, 1 026).
blemas sobre os quais temos de discutir primeiramente . . . Para quem deseja solver
as dificuldades, beneficia-o, verdadeiramente, propor bem os problemas, pois a pos· [Como demonstrou W. Jaeger em seu Aristóteles (cap. sobre A evolução da Meta-
terior segurança de movimento não é senão a solução dos problemas anteriormente (isica), aqui se colocaram juntas duas determinações diferentes da Metafísica. Uma
propostos, pois não pode desatar um nó quem não o conheça. . . Por isso, é preciso tem por objeto o ser imóvel transcendente, espécie suprema do ser, porém, determi-
considerar previamente todas as dificuldades, seja pelas razões expostas, seja porque nada, pelo que também a metafísica se torna uma Ciência particular junto às outras.
quem investiga, sem haver previamente proposto os problemas, se assemelha àquele A outra define·a como Ciência do ser enquanto ser, isto é, não espécie particu lar,
que não sabe aonde ir; e além disso, não pode saber se encontrou ou não o que mas universalidade de todas as espécies, de maneira que também a sua Ciência é
procurava, pois não lhe é patente o fim, que somente é claro a quem antes haja universal. Aristóteles tenta conciliar o contraste, observando que a realidade trans-
proposto os problemas (Metaf., Ill, 1, 995). cendente (Deus), sendo anterior a todas as demais, abraça e contém a todas; pelo
18 R. MONDOLFO 0 PENSAMENTO .ANTiGO 19

que a Ciência primeira seria Ciência universal. Mas, observa J aeger, a contradição tituídos os princípios, forma a sua teoria em torno de uma parte da sua
não é eliminada, antes, toma-se mais evidente: existem aqui dois processos de pensa· matéria própria como linhas, ângulos, números e quaisquer das outras
mento incluídos um no outro. Um, <reológico platônico, separa o sensível do super-
-sensível atribuindo à Filosofia somente este último (para Platil.o as idéias, para quantidades (considerando) a cada uma delas, não enquanto entes mas
AristóteÍes o motor imóvel ou Deus); o outro, aristotélico, nas definições de ser como contínuos. . . Do mesmo modo. . . a Física considera os acidentes
enquanto ser compreende todo ente, supra-sensível e sensível igualmente. Na ·fase do c os princípios dos entes enquanto estes se acham em movimento e não
pensamento representada por esta passagem, Aristóteles conserva todavia o conceito como entes·. Já dissemos que a Ciência primeira considera os seus objetos
platônico teológico e quer conciliá-lo com o novo conceito filosófico aristotélico;
mais tarde, mantém somente o segundo, e define a Metafísica puramente como a enquanto entes e não sob nenhum outro aspecto. Por isso, as matemáticas
Ciência do ser enquanto ser, isto é, verdadeiramente universal, e como tal, superior u a Física devem ser consideradas como partes da sabedoria (Metaf., XI,
a todas as ciências particulares. Este conceito pode ver-se expresso nas passagens 4, 1 061). :B evidente que a uma só Ciência, isto é, a do filósofo, pertenc.e
do livro IV da Met:lfísica, citadas mais adiante, no número 10]. também a indagação dos axiomas; pois se aplicam a todos os seres en-
quanto seres, e nlio a um gênero especial separadamente dos outros ...
6. A Filosofia e as Ciências particulares. Por isso, nenhum dos que se aplicam a uma Ciência particular se atreve
lt dizer algo sobre eles, sejam verdadeiros ou não: nem o geômetra nem o
Há uma Ciência que considera o ser enquanto ser e as condições que uritmético ... E, também, a Física é uma Ciência, porém, não a primei-
lhe são intrínsecas por si mesmo. Ela não se identifica com nenhuma das t•u. . • A estas (Oiências particulares) convém abordar com um conheci-
que têm um objeto particular, porque nenhuma das outras considera o mento precedente (dos axiomas), llâO procurá-los, porém, no curso do
ser enquanto ser de maneira universal, mas, retalhando uma certa parte, cst udo. É evidente, então, que compete ao filósofo . . . também a inves-
consideram os acide11tes desta, como por exemplo, entre as outras ciências, tigação dos princíjpios da demonstração silogística (Metaf., IV, 3, 1 005).
as Matemáticas (Melaf., IV, 1, 1 003).
Procuram-se aqui os princípios e as causas dos seres, porém, evidente- Cfr. Mct:lf., lll, 2, 996: Discute·se· também se os princípios da demonstração per-
mente, como seres ... Em geral, cada Ciêlllcia intelectual ou partícipe do ll"nccn1 a uma só Ciência ou a mais. E chamo princípios da demonstração àquelas
intelecto volta a sua atenção para as causas e os princípios com maior •t•lllllnças comuns, da1s quais todos extraem as demonstrações; como seria: é neces-
"~ 'lo que toda coisa particular, quer se afirme ou se negue; e: é impossível que
ou menor certeza e rigor. Todas estas, porém, versam um certo ser, e,
t•11cla coisa seja ou mão seja ao mesmo tempo; e todas as outras proposições do
circunscrevendo um certo gênero, ocupam-se deste e não do ser simples- 111c~mo gênero.
mente enquanto ser, nem dão razões satisfatórias da sua essência, mas
procedendo deste ser e tornando-o evidente. Umas por via da experiência H. O princípio de contradição e a sua evidência indemonstráveL
sensível, as outras assumindo por hipótese a sua essência, continuam a
demonstrar assim, com maior rigor ou debilidade, as propriedades ine- O princípio mais firme de todos é aquele sobre o qual é impossível cair
rentes ao gênero de que se ocupam. Por isso, é evidente que de semelhante ~·m erro ... e de que é necessário o conhecimento a quem deseje conhecer
indução não se deriva uma demonstração da substância nem da essência, t(tlnlqucr coisa que seja, e a sua posse necessária a quem intente abordar
mas outra espécie de manifestação. E igualmente (as Ciências particulares) (t(Ull lqucr Ciência) ... O que isso seja depois, eis aqui: ":B in1possível
nem mesmo dizem se existe ou não o gênero de que tratam; porque com- que uma mesma coisa convenha ou não convenha ao mesmo tempo a
pete a uma mesma operação intelectual demonstrar a essência e a exis- um.t mesma coisa e sob a mesma relação". . . A esta última opinião re-
tência (Metaf., VI, 1, 1 025). duzem-se todas as demonstrações: é, pois, por sua natureza, o princípio
du lodos os outros axiomas (Metaf., IV, 3, I 005).
[Sobre a distinção entre Filosofia e cjências particulares, cfr. também Metal.
XI, 4, 1 064]. Somente por ignorância alguns crêem que também seja preciso demons-
ll'llr isto, pois é ignorância não saber distinguir as coisas que se devem
7. Os pressupostos das Ciências e a Filosofia: axiomas e princípios da demonstrar e quais as que não se devem. Uma vez que é absolutamente
demonstração. ltnpossível que haja demonstração de tudo, pois se chegaria até o infinito,
u nssim já não haveria mais demonstração (Metaf., IV, 4, 1 005).
Posto que o matemático se sirva também dos princípios comuns mas Mas, como se disse, o seu erro é o seguinte: que procuram uma razão
de modo particular, competirá à Filosofia primeira a investigação, tam- do que não se dá razão, porque o princípio da demonstraçrío não é uma
bém, dos princípios destas (Ciências matemáticas). A Matemática, cons- demonstração (Mettaf., IV, 6, 1 011).
20 R. MONDOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO 21

Possibilidade unicamente da refutação de quem o negue: Não se dá digo que delas se deriva, no sentido de que não é necessário nenhum
(destes princípios) nenhuma demonstração de per si mesmos, mas somente termo estranho para que se tenha necessidade (da conclusão) (Anal. pr.,
uma demonstração contra quem estabelece estas (afirmações contrárias). I, 24).
Se alguém tivesse interrogado ao próprio Heráclito, tê-lo-ia obrigado, deste c) A indução. A indução é a passagem dos particulares para os uni-
modo, a c.onfessar logo que não é nunca possível que as afirmações con· versais: por exemplo, se o piloto hábil é o melhor, e assim o auriga etc.,
trárias sejam verdadeiras ao mesmo tempo, sobre o mesmo objeto . .. Em também, em geral, quem é hábil em cada coisa, é o melhor. A indução é
geral, se a sua afirmação fosse verdadeira, nem mesmo ela seria verda- mais persuasiva e evidente, mais conhecida à sensibilidade e comum ao
deira, visto que é possível que a mesma coisa, de acordo com a mesma maior número; o silogismo, porém, tem mais força e mais eficácia contra
relação e ao mesmo tempo, pode ser e não ser . . . E mais ainda, se nada quem deseja contradizer (Top., I, 12, 105).
se pode afirmar com verdade, será falsa esta mesma afirmação de que não
d) A definição e a demonstração. Os princípios das demonstrações são
se dá nenhuma afirmação verídica (Metaf., XI, 5, 1 062).
definições de que não se pode dar demonstração. A definição concerne
~ também sumamente evidente que ninguém se persuade, nem entre os
ao que uma coisa é e à sua essência; as demonstrações propõem supor o
outros nem entre os que fazem semelhante discurso (Metaf., IV, 4, 1 008).
que é uma coisa, como as Matemáticas o que é a unidade, o par e o
Por que se adota tal sistema de alimentação quando o médico o ordena?
ímpar etc. A definição, pois, declara o que uma coisa é, e a demonstração,
Por que isto é pão em lugar de não o ser? Segundo esses princípios não
porque é ou não é (verdadeira) uma determinada coisa. (Anal. post., II,
devia existir diferença entre comer e não oomer. Porém, ·como se eles
estivessem certos da verdade dessa coisa determinada, se o alimento pre- 3, 90). A definição consta do gênero (próximo) e das diferenças (espe-
cíficas) (Top., I, 8, 103).
sente é o ordenado, tomam-no (Metaf., XI, 6, 1 063).
Diferença entre demonstração e refutação. ~ possível, também, fazer e) A divisão ou classificação. ~ fácil observar que a divisão por gêneros
disto uma demonstração por meio de refutação, mostrando que é absurdo, é uma pequeníssima parte do método: uma vez que a divisão é quase
se alguém tentar pô-lo em dúvida. . . Afirmo, porém, que o demonstrar sempre um silogismo débil: postula, efetivamente, o que deve demonstrar
por meio de refutação é diferente do verdadeiro e próprio demonstrar, (Anal, pr., I, 31, 46).
pois quem quisesse demonstrar manif~taria postular o princípio (o mesmo
a demonstrar); mas quando outro seja o responsável por semelhante con- 9. Dos princípios da demonstração tem-se inteligência e não Ciência -
dição, será refutação e não demonstração (Metaf., IV, 4, 1 006). A sabedoria (Filosofia) é por isso inteligência e Ciência.

[A demonstração por meio de refutação é a demonstração por absurdo: esta, De tais princípios, por si mesmos, não se dá demonstração. . . Pois
também, reduz,se ao princípio de contradição, e por isso é que vem a postular o não é possível derivar o raciocínio demonstrativo (silogismo) de algum
princípio mesmo por demonstrar. Todo pensamento e racioclnio apoia-se sobre o princípio mais certo do que ele mesmo (princípio de demonstrar): o que
princípio de contradição; daí que nem mesmo por via de refutação pode considerar-se seria necessário, se fosse possível dar uma demonstração em sentido pró-
demonstrável, isto é, conclusão de um raciocínio, que sempre deve postulá-lo).
prio (Metaf., XI, 5, 1 061).
As formas lógicas do pensamento científico: a) O juízo. Todo discurso
é significativo. . . porém, nem sempre é emwciativo: a não ser aquele Crf. também Metaf., lU, 2, 997. De que modo poderá haver Ciência deles? Já sabe-
em que se dá verdade ou falsidade: o que não se dá em todos: assim, a mos agora o que é cada um deles; por isso, scrvem·se dos mesmos, também, ~~tras
disciplinas, como de princípios conhecidos. Mas se se pudesse ter deles uma Cte~cta
prece é um discurso, sim, porém, não verdadeiro nem falso. . . Uma demonstrativa, seria necessário que houvesse um objeto especial, com suas detcrmma-
primeira forma de discurso enunciativo é o juízo afirmativo; depois vem ções e seus axiomas (pois não é possível que uma demonstração seja de todas as
o negativo (De interpret., 4-5). O juízo é um discurso que afirma ou nega coisas); com efeito, cada demonstração deve ser (derivada) de princípios determi~a~os
alguma coisa de alguma coisa (um predicado de um sujeito): é universal, e mover-se em torno de um objeto determinado e ser (composta) de proposJçoes
determinadas: aconteceria, assim, que todos os objetos das demonstrações constituiriam
ou particular, ou indefinido (Anal. pr., 1, 24). um só gênero, pois todas as demonstrações se servem de axiomas.
b) O silogismo. O silogismo é um discurso em que, estabelecidas algu-
mas coisas (premissas) se deriva necessariamente algo diferente das pre- Como a Ciência é uma concepção do universal e do necessário, e como
missas estabelecidas [conclusão], pelo fato mesmo de que elas são. Digo deve haver princípios das demonstrações e de cada Ciência (pois a Ciência
pelo fato de que elas são, no sentido que delas se deriva a conclusão: e implica o raciocínio), assim do princípio do saber não poderá haver
,_--

0 PENSAMENTO ANTIGO
23
22 R. MONDOLFO

Ciência ... porque o que é o objeto da Ciência deve poder-se demons- é o ser primeiro entre todos estes, como a que manifesta a substância.
trar. . . E pouco importa saber, pois é próprio de quem sabe possuir a De fato, quando queremos ~xpressar uma qualida~e de de~erm~nado ser,
demonstração dessas coisas determinadas . . . Resta, pois, que se tenha dizemos, por exemplo, que e bom ou mau, mas nao de tres cavados ou
inteligência dos princípios ... De modo que é evidente que a mais per- homem; quando queremos exprimir a essência, não dizemos: branco ou
feita das Ciências será a sabedoria. O sábio não somente deve saber as quente ou de três côvados, mas, por exemplo, homem. ou D eus. As outr~s
conseqüências dos princípios, mas também conhecer o verdadeiro a res- determinações chamam-se seres, porque são as quantidades, ou as quali-
peito dos princípios mesmos. De maneira que a sabedoria será inteli- dades ou as afecções ou algo semelhante, do ser assim considerado ...
gência e Ciência ao mesmo tempo (Et. nicom., VI, 6-7, 1141). Nenhuma delas existe naturalmente de per si nem pode separar-se da
substância . . . Mas parecem antes seres somente porque nelas há sujeito
1 O. Universalidade da Filosofia e o seu objeto: o ser em si. determinado, e este é a substância ou o indivíduo, que aparece em tal
categoria: e, sem ele não se ·pode dizer: bom, ou sentado (ou algo seme-
Ao filósofo compete a possibilidade de especular a respeito de tudo ... lhante). e.
claro, então, que só por meio deste pode existir cada um deles.
Pois, como há dleterminações comuns ao número como número (paridade De modo que a substância será o primeiro ser, e não qualquer ser, mas
e disparidade, comensurabilidade e igualdade, excesso e falta etc.) e estas 0 ser simplesmente. Logo, em muitos sentidos diz-se o primeiro; não obs-
pertencem aos DIJmeros tomados em si mesmos ou em suas relações recípro- tante, a substância é primeira entre todos pelo conceito, pelo conhecimento
cas, e como há, igualmente, determinações próprias do sólido (imóvel e c pelo tempo. Nenhum dos outros predicados. pode existir, separa~a~ente,
móvel, leve e pe:sado), há, também, as próprias do ser enquanto ser, e são mas unicamente ela. E é primeira pelo conce1to, porque e necessano que
estas o objeto sobre o qual compete ao filósofo especular a verdade o conceito de substância seja inerente ao de cada coisa. E quando sabemos
(Metaf., IV, 2, l 004). . 0
que é uma coisa, somente então é que acreditamos saber cada coisa ...
A palavra se1· emprega-se em muitos significados, porém todos os re- melhor do que quando sabemos qual, e quanto e onde, pois também destas
duzem a um e a uma certa natureza única. E não por simples homonímia, coisas conhecemos cada uma quando sabemos que é a quantidade ou a
mas do mesmo modo como se refere à saúde todo uso da palavra são qualidade etc. E por isso, antes, agora e sempre, a investigação e o
(seja com respeito à conservação, ou à produção ou aos sintomas, ou à problema: "que é o ser", equivale a isto: "que é a substância" (Metaf.,
capacidade da saúde), c à Medicina todo emprego da palavra médico ... VII, 1, 1 028).
etc., assim, também, o ser diz-se em vários sentidos, porém, sempre em A substância e os atributos essenciais considerados como gêneros su-
referência a uma única natureza; chamam-se, pois, seres, a uns, enquanto premos do ser (categorias). As categorias do ser deduzidas mediante a
substância, a outros enquanto atributos da substância, a outros, enquanto análise da linguagem. Das palavras expressas fora do nexo do discurso,
caminhos para a substância, ou corrupções ou privações ou qualidade ou cada uma significa ou a substância, ou a quantidade ou a qualidade ou a
produções ou g<:rações da substância, ou negação de alguma destas coisas relação ou o onde ou o quando ou a situação ou o hábito ou a a~dade
ou de substância . . . E como, então, é única a Ciência que estuda todas as ou a passividade. Substância é, por exemplo, homem, cavalo; quanti~~de:
coisas relativas à saúde, assim também acontece em relação a qualquer por exempl{), de dois ou de três côvados; qualidade: branco, gramatico;
outro caso. . . l~ claro, portanto, que também os seres pertencem a uma relação: duplo, médio, mai~r; onde: no Liceu, na praça; quando: ontem,
só Ciência (Metaf., IV, 1, 1 003). o ano passado; situação: jaz, está sentado; hábito: está calçado, está
armado; atividade: corta, queima; passividade: está cortado, está queimado
[Veja-se, a propósito da universalidade da Metafísica aqui afinnada, a nota anexa
ao níamcro 5]. (Categ., c, 4, I).
[As categorias resultam, assim, como elementos o condições necessàrias à con~epti­
ll. O SER. bilidade do real como real: se faltassem alguns destes elementos, faltaria a realidade
do ser concebido].
1. Substância •c atributos. Porque a anál.isc da linguagem nos dá n análise do que se pensa. Se a palavra não
tivesse um significado, não haveria possibilidade de conversar com os outros, e para
A palavra se:r usa-se em muitos sentidos. . . pois, de uma parte, sig- dizer a verdade nem mesmo consigo, pois não pode pensar quem não pensa uma
nifica a essêncht e a existência individual; da outra, a qualidade, a quan- coisa determinada. E se puder fazê-lo, darâ um nome único ao que pensa. Afir-
tidade e cada um dos outros atributos de espécie semelhante. Mas, aind~ mamos, pois, (como ~e disse desde o princfpio) que cada palavra tem um signilicado
empregando a palavra ser em tantos significados, é evidente que a essência e somente um (Metat, IV, 4, 1 006).
24 R. MONOOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO 25

2. Vários signüicados do tenno substância: a substância primeira (o algo determinado, pode-se, mentalmente, considerá-Ia separadamente); em
indivíduo) e as substâncias segundas. terceiro lugar, a resultante de ambas, que só tem nascimento e morte, e
é a única que existe separadamente em si mesma (Metaf., VIII, 1, 1 042).
A palavra substância emprega-se pelo menos em quatro sentidos, se Por isso se alguém ao definir o que é uma casa, dissesse que são
não em mais: de fato, parece ser substância de cada coisa, a essência, o pedras, ladrilhos e madeiras, diria o que é a c~a em potência, pois, t~is
universal, o gênero e, em quarto lugar, o seu sujeito. O sujeito é aquele coisas são a matéria; quem, em compensação, dissesse que é um refug1o
a respeito de quem se enuncia alguma coisa; ao contrário, ele não enuncia de pessoas e de bens, ou outra coisa semelhante, diria o que é o at~ da
nada de outrem... Por isso, deve determinar-se primeiro, porque o coisa, e, finalmente, quem juntasse uma coisa a outra, expressaria a
sujeito parece ser a substância primeira por excelência (Metaf., VII, 3,
J 029). substância no terceiro sentido, resultante dos já citados (Metaf., VIII, 2,
1 043).
A substância, compreendida no sentido mais próprio, em primeiro lugar Em certo sentido, pois, chama-se ela matéria: em outro sentido, forma,
e por excelência, é o que não se predica de nenhum sujeito nem se en- e em um terceiro, a sua resultante: chamo matéria, por exemplo, ao
contra em nenhum sujeito; por exemplo: um homem determinado, um bronze; forma, à figura da idéia; à unidade (sínolo), a estãtua resultante
cavalo determinado . .. Substância por excelência, porque são o sujeito de
de ambas (Metaf., VII, 3, 1 028).
todas as outras realidades, c todas as outras realidades delas se entmciam
ou nelas se encontram. . . Cada substância parece designar um determi-
[Cfr. também Metaf., VII, 11, 1 036: a substância é a forma intrínseca cuja união
nado ser real. E verdade e estã fora de discussão que as substâncias pri- com a matéria se chama, em conjunto, substância.
meiras designam um determinado ser real, porque o que designam é De ani.ma, II, 1, 412: Dela (substância) há um aspecto como matêria, isto é, aqu~Ie
sempre um ser individual e um de número. Das substâncias primeiras, que por si mesmo não é um determinado ser; um outr? aspecto é a ~orma e n espéc1e,
nenhuma é mais substância do que as outras; assim, um homem deter- do acordo com a qual se denomina um ser detemunado e, tercetro, o que destes
minado não é mais substância do que um determinado boi ... Chamam-se, resulta. A matéria é potência, a forma é ato (enteléquia)].
logo, substâncias segundas as espécies em que subsistem as substâncias
primeiras; estas, e também os gêneros de tais espécies, por exemplo: um 4. A capacidade dos contrários na substância: a mutação e a matéria.
determinado homem encontra-se na espécie homem, e o gênero desta
espécie é animal; por isso, dizem-se substâncias segundas, tais como: Sobretudo, parece ser próprio da substância que, ainda sendo a mesma
homem e animal. . . Entre as substâncias segundas, é mais substância a e única de número, é capaz dos contrários ... como um certo homem,
espécie do que o gênero, porque mais perto da substância primeira (Categ., embora sendo um e mesmo, ora é branco, ora é preto, ora frio, ora
c, 5, 2-3). quente, ora desprezível, ora estimável (Catcg., 5, 4).
Se a mudança se produzir então. . . de um contrário a outro, é neces-
[Porque os indivíduos, embora sendo a realidade primeira, podem - por causa da sãrio que haja algo de subjacente, que mude na passagem de um contrário
sua contingência e mutabilidade - ser objeto unicamente de percepção sensível e não a outro, pois o que muda não são os contrários mesm_os. Este algo re~ta
de Ciência, acha-se explicado em Metaf., Vli, 15. 1 040, referido no número 2 do depois, enquanto o contrário não permanece; e por 1sso .é um tercell'o
c:apftulo precedente: Ciência e Filosofia].
termo além dos contrários, isto é, a matéria ... É necessáno que mude a
matéria, que tem a po~si bilidade de ambos (os contrários) (Metaf., XII, 2,
A realidade universal consta de seres individuais. De indivíduos consta, 1 069).
pois, o universo (Fís., I, 3, 186).
O mudar pressupõe o ser, pois a mutação é de alguma coisa para alguma
3. Os três aspectos constitutivos da substância: matéria, forma e sua coisa (Metaf., IV, 8, 1 012).
unidade (Sínolo), Chamo matéria aquilo que em si mesmo não pode considerar-se ne~
uma coisa, nem uma quantidade, nem nenhuma outra entre as determt-
A substância é, pois, o sujeito: sob certo ponto de vista é matéria naçõcs do ser. Existe, de fato, alguma coisa de que se enuncia cada uma
(chamo matéria aquilo que não é algo determinado em ato, mas somente delas (Metaf., vn, 3, 1 029).
çm potência); e, sob outro aspecto, é conceito e forma (enquanto sendo A matéria por si mesma é incognoscível (Met~f., VII, lO, 1 036).
26 R. MONDOLFO o P~NSAMENTO ANTIGO 27

Não há matéria de cada coisa, mas das que têm nascimento e mudança 6. Os três princiipios: a dupla dos contrários (forma c privação da mes-
recíproca (Metaf., VIII, 5, 1 044). ma) e o substrato (matéria).
:e evidente que a matéria também é substância, uma vez que em todas
as mudanças entre opostos há um. substrato das mesmas mudanças: assim
Assim, há três causas e três princípios: dois formados pelo par dos con-
naqueles lugares aquilo que ora está aqui, ora em outro lugar; nos de
trários, que são, um o conceito c a espécie (forma) e outro a privação;
acréscimo, o que ora tem uma determinada grandeza, c ora maior ou
e o terceiro é a matéria (Mctaf., XII, 2, 1 069).
menor; nos de alteração, o que ora é são, ora enfermo, e igualmente nos
de substância, o que ora nasce e ora morre (Metaf., VIII, 1, 1 042). :B evidente que todos supõem, de algum modo, os contrários como princípios.
a) Matéria primeira e matéria segunda. A respeito da substância ma- E com rnziío; porque acontece que não derivam os princíp~os un~ dos outro~ ~as
terial, não deve passar despercebido que, se todas as coisas derivam de todos dcles; e esta condição pertence aos primeiros contrános, que como pnmerros
um elemento primitivo ou dos mesmos elementos primitivos, e se uma não derivam de outros, e como contrários não provêm um do outro ... Mas o branco
provém do não-branco ... o musical do não-musical ... o harmô~co do ~!lo-harmônico
mesma matéria é princípio de todas as coisas geradas, há, não obstante, e o não-harmônico do harmônico, e o harmônico perde-se no marmôruco, e n ão em
também uma matéria própria de cada uma ... E podem existir mais qualquer que seja, mas no oposto. . . Se isso é verdade, pois c~d~ ser que nasce
matérias de uma mesma coisa, quando uma seja matéria da outra (Metaf., provém dos contrários, cada um que se d issolve perde:~ nos contranos ... De _modo
VII, 3, 1 044). que tudo o que se produz. na natureza ou são contra nos ou vêm dos contrános ...
b) A matéria e os elementos. Dissemos que há uma matéria dos corpos e pois evidente que os contrários devem ser princípios (Fis., I, 5, 188). Porém,
a~bos ~peram sobre um terceiro termo, diferente dos dois .. . Por isso é necessário ...
sensíveis, esta não é, porém, capaz de existência separada, mas sempre supor um terceiro te:rmo. . . E dizer, pois, que !rês são os eleiD:entos . . . P? dc parecer
com a possibilidade dos contrários, dos quais nascem os assim chamados que foi dito com ra2:ão . .. mas não mais do ,rres; porque a un•dade é suf•c•ente para
elementos (De gener. corrup., 11, 1, 329). sustentar (os contrádos). (lbid., I, 6, 189) . .. Definido isto, de todos os casos de
geraçiio, ao considerá~Ios, pode chegar-se à conclusão, como já se disse, de que semp!e
c) Matéria sensível e inteligente. H á, porém, uma matéria sensível e 6 necessário que acrescente algo que sob revenha. E isto se for um de número, nao
uma inteligível; sensível, como por exemplo, o bronze, a madeira ou qual- é um de forma ... O que surge, simplesmente, nasce ou por transformação, como a
quer matéria sujeita a movimento; inteligível, aquela que existe certamente estátua de bronze, ou por adição, como o que cresce; ou por redu ção, como da
nas coisas sensíveis, mas não enquanto são sensíveis, como as (proprie- pedra um Hermes; ou por composição, como uma casa; ou por tra?sfonn~ção, como
as coisas que mudam na matéria. Ora, tudo o que se torna assun, ev1dentemente
dades) matemáticas (Metaf., VII, 1O, 1 036). provém de indivíduos preeltisteotes ... Por isso, pode dizer-se que os princípios são .. .
três. . . :B evidente que algo deve sujeitar·se aos contrários, e que os contrários são
5. A matéria como potência. dois. . . Esta natu reza sujeita pode conhcccr·se por analogia. A mesma relação que
ná entre o bronze ~, a estátua ou entre a madeira e o leito, ou entre toda outra
Como depois o ser se apresenta sob dois aspectos, cada ser transmuta-se coisa que tem forma e sua matéria, ou o amorfo antes de receber a formn. é a relação
que existe entre a matéria e a substância ou um determinado se~ i~d~vidual e rea~.
do ser em potencial no ser em ação: por exemplo, do branco em potência Logo, é um princípio tlllico, porém, não é único e uno como ser mdmdual, dctermt·
ao branco em ação (e igualmente se diga em relação ao au mento e à nado, mas como conceito. E o seu contrário é a privação (Fís., I, 7, 190).
diminuição etc.). Assim, não somente é possível, sob certo ponto de vista,
o nascer do não ser, mas pode-se também dizer que tudo nasce do ser: 7. A privação e o desejo da forma na matéria.
bem entendido, do ser em potência, ou seja, do não ser em ação ... Assim,
se a matéria é única, chega a ser ação aquilo de que a matéria era po- Dissemos que a matéria e a privação são diferentes; e destas, urna, isto
tência (Metaf., XII, 2, 1 069). é a matéria é não ser em sentido relativo; a privação, ao contrário, é
a) A potência exclui qualquer lm,possibUidade. Se supomos o ser ou o devir daquilo n'ão ser em ~cntido absoluto, e aquela (a matéria) é vizinha da substância,
que não é mas é Possível, é necesslirio que ele não encerre nada de impossfvel e de certo modo, ela também é substância; em compensação, a privação,
(Metaf., rx, 4, 1 047). de nenhum modo. . . Uma, permanecendo sujeita, é causa, conjunta-
b) Potência ativa c potência passiva. ~ evidente que, sob certo ponto de vista, mente com a forma, do que nasce, e quase sua mãe; a outra, em vez ...
a potência de fazer ou de sofrer consti tuem uma mesma potência (porque algo está
em potência, tanto por ter o mesmo a capacidade de sofrer a ação alheia, quanto por poderia parecer albsolutamentc inexistente. Pois, se bá algo divino, bom e
ter a de fazer sofrer a outro a ação p róprio), mas são diferentes sob outro ponto desejável, dizemos. que existe também o contrário dele, que, por sua pró-
de vista. A potência está, sob certo aspecto, no paciente. . . sob outro, no agente pria natureza, deseja e apetece aquele. Porém ... não acontece que a forma
(Metolf., lX, 1, 1 046). aspire a si mesma, porque não está privada de si mesma, nem (pode
28
R. MoNOOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO 29

aspirar a ela) seu contrár~o, porque os contrários se destroem reciproca- olhos fechados, assim também o objeto derivado da matéria está para a
mente. Mas, es~e (que asptra) é a matéria; como se a fêmea desejasse ao matéria mesma, e o completamente acabado está para o objeto não ter-
macho, e o few ao belo,· salvo se nao - e' f ew
· nem femea
' em sentido minado; com o priimeiro termo destes pares de diferentes, toma-se definida
absoluto mas relativo (Fís., I, 192).
a ação; com o segundo, a potência (Metaf., IX, 6, 1 048).
8. A preexistência da matéria (potência) ao devir. a) Anterioridade e posterioridade do ato à potência. :e evidente que o ato é anterior
à potência .. . pelo conceito e pela substância; pelo tempo é anterior somente sob
Investi~ando quais s~o os princípios e os elementos das substâncias, e certo aspecto, e posterior sob outro. Quanto ao conceito, é evidente que é anterior,
das relaçoes e das qualtdades ... , torna-se evidente que. . . são os mesmos porque o que originariamente possui a potência está dotado de potência, enquanto
é capaz de passar ao ato: por exemplo, chamo construtor a quem tem a potência de
para todas as coisas. . . matéria, forma, privação e causa mot{)ra (Metaf construir; vidente, quem pode ver; visíveL o que pode sei visto etc. De modo que,
XII, 5, 1 071). ., necessariamente, o conceito e a noção de um precede ao de outro. E é anterior,
Tudo o que acontece, acontece por obra de algo, provém de algo, pois, pelo tempo, neste sentido, que o indivíduo em ação é anterior enquant·o é
~ansfo~ma-se em algo. De modo que, tal como se diz, o devir seria idêntico em espécie e não em número. Quero dizer que a este homem que está em
ação, e (assim) a este grão e a este vidente, são anteriores pelo tempo, a matéria,
Imposstvel. se algo não preexistisse. Então, é evidente que uma parte já a semente e a faculdade visual, que são homem, grão e vidente em potência e não
?eva, ~xtstrr necessariamente; esta parte é a matéria: .efetivamente está em ação. Mas, anteriores a estes no tempo são outros seres em ação, dos quais
Imphcita ~torna a.ser (Metaf., VII, 7, 1 032). ' nasceram estes, pois sempre o ser em ação deriva do que está em potência por obra
Produztr u~ O~Jeto determinado é extrair este objeto determinado de de outro ser em ação, por exemplo, o homem por obra de homem, o músico pelo
músico; em suma, sempre por obra de um motor precedente: e este motor já está
um ~ubstrato mte1ramente subsistente .. . (O artífice) dá existência a uma em ação. . . Mas (é anterior) também pela substância: primeiramente porque o que
esfera de ?ronze: produz nele a forma, e ist{) é a esfera de bronze . .. é posterior na geração é anterior na espécie e na substância .. . ; e depois porque
~g?, é evidente que o que surge não é o que se chama espécie ou subs- cada coisa que surge, se origina de um principio e um fim: princípio é o porquê, e
t~~cta.' m~s. o encontro que toma o nome da mesma, e que há uma ma- pelo fim realiza-se o devir. E fim é o ato, e graças a ele se estabelece a potência . ..
Mas, sobretudo, pelo seguinte: que as coisas eternas por substâncias são anteriores
tena tmphclta em toda coisa em que se torna e ora é esta ora aquela às corruptíveis, e nadla do que está em potência é eterno (Metaf., IX, 8, 1 049-1 050).
COISa (Metaf., VII, 8, 1 033). ' ' b) Polêmica contra a teoria que afirma a SCJ>aração e transcendêocL'\ das formas,
O que muda é a matéria; aquilo em que se transforma é a forma em lugar da sua unidade com a matéria e imanência nesta. (Critica das idéias
(Metaf., XII, 3, 1 070). platônicas):
I) As idéias separatdas e transcendentes não podem ser causa, nem explicar o devir
9· A forma como ato, e a sua relação com a matéria. nem o ser. Haverá talvez uma (outra) esfera fora destas (sensíveis), ou uma casa
fora dos tijolos? Se, assim fosse, nunca poderiam transformar-se nesta (esfera ou
Ato é a for~~· considerada separadamente, e (ato é também) a resul- casa). . . :É evidente que se a causa das espécies, que alguns costumam chamar de
idéias, fosse algo fo:ra dos seres singulares, não serviria para explicar nem o devir
tante da sua umao com a ~1atéria (enquanto é privação dela, por exemplo, nem as substâncias (Metaf., VII, 8, 1 033).
a obsc~r.I~ade ou a enfermidade); potência é matéria, porque é 0 que tem li) São uma dupllicata vã e absurda das coisas. Os que estabelecem as idéias
a possibilidade de chegar a ser ambos (os contrários: forma e · - como causas, tratando em primeiro lugar de compreender as causas destes seres aqui,
(Metaf., XII, 5, 1 071). pnvaçao) introduziram outros tantos novos. . . : para cada objeto singular há um do mesmo
nome. . . Além disso, os argumentos para demonstrar a existência das idéias nada
O Mo é .a existência da realidade, porém, não da maneira como dizemos demonstram. . . e de alguns deles derivaria a existência de idéias do que não cremos
que ela extst~ quando está em potência - (como, por exemplo, dizemos que exista, isto é, das negações ... , de coisas corruptíveis ... , das relações ... Mas,
que .na madeira está em potência um Hermes, ou a metade no todo no principalmente, o problema é: para que servem as idéias para as coisas sensíveis,
sen,t1do _de que poderiam extrair-se da madeira ou do todo ou diz;mos sejam eternas ou sujeitas a nascimento e a morte. Pois não são causa de nenhum
que esta em potência o sábio, também quando não está' especulando movimento e de nenthuma mutação para elas . ..
III) Não beneficiam ao conhecimento das coisas nem ao seu ser. E não servem
enquanto tem a capacid~de de especular) - mas quando está em ação: de auxílio nem mesnno à ciência das outras coisas (visto que não são a sua substân-
Torna-se claro ~ que dizemos se nos referimos a casos particulares ... cia; de outro modc•, não seriam imanentes nelas); nem ao seu ser, não estando
Na mesma relaçao em que se acha o que constrói efetivamente em relação presentes nas coisas que nelas participam . . .
ao que sabe construir, ':_U como o acordado em relação ao que dorme, IV) Falar de moddos e de participação é vão discurso. Dizer que são modelos, e
que as coisas neles participam, é vão discurso e metáfora poética. Que existe, de
ou o que olha em relaçao a quem, embora possuindo vista, conserva os fato, que obre visando às idéias? ...
30
R. MONDOLFO 0 P ENSAMENTO ANTIGO 31
'('> A substância não pode separar-se do ser de u A •
cena impossível que estivessem se a d Aq .e é substâncm. E, todavia, pare- 11. A sene das causas. Necessidade de causas primeiras e absurdo do
cia: de maneira que as idéias qt~e r:ã ass~b s~bst~ncJa e aquilo de que ela é substân-
scparadas das mesmas?. . . ' 0 5 ncias das coisas, como permaneceriam processo ao infinito.
VI) O problema da Ciência (expU f
Mas, na investigação da causa (como em qualquer outra investigação)
nece excluído. Em suma enquanto carC~~ ~nomenos e a realidade natural) perma-
A

·
derxamos d . • a JencJa procura a caus d · ., . é necessário chegar, para cada coisa, o mais longe possível: por exemplo,
e lado JUstamente essa (já que nada d. a as COISas VJSJVeis,
teve ongem); c, enquanto cremos explicar a ~se~os. da causa em que a mudança o homem constrói a casa porque é construtor, mas é construtor em virtude
q~e existem outras substâncias, mas de 0 5
bstan:Ja daquAela~, mais afirmamos da arte de construir; esta é, pois, uma causa anterior. E assim para cada
d rssemos: pois dizer que parti' . d ql e maneua sao substancJas daquelas nada
c1pam e as, com J'á d _' coisa (Fís., li, 3, 195).
nada. . . E no que se refere ao . o se cmoustrou, é nao dizer
evidente que também as I'de"a. t n:ovtmento, .s e estas coisas forem movimento é É evidente, portanto, que há um princípio, e que as causas dos seres
- J s es arao em movunento· e . , '
então? Chegar-se-ia, pois, a suprimir toda . ' ' ~e asstm e, de onde surgiu não são infinitas, nem em série linear nem em multiplicidade de espécie.
a pesqu1sa da F ísica (Metaf., I, 9, 990..992).
Pelo que se refere à causa material, efetivamente, não se pode ir até o
10. As quatro causas: forma, matéria, causa
infinito em derivar uma coisa da outra: por exemplo, a carne da terra,
eficiente ou motora, fim. a terra do ar, o ar do fogo e assim sucessivamente; nem quanto à causa
motriz, dizendo, por exemplo, que o homem é movido pelo ar, este pelo
!). evidente então que · ..
. (po. ' . ' necessitamos adqumr a ciência das causa . sol, e o sol pela discórdia, e assim continuando sem fim. E, igualmente,
meuas IS dJssemos que sabemos cada . s pn-
a causa primeira)· mas a pala ' COisa, quando cremos conhecer é impossível ir até o infinito para a causa final, explicando o passeio com
dos quais é que' consideramosvr:a~ausa usa-se em ~ua~ro sentidos, um a finalidade da saúde, esta visando à felicidade, a felicidade visando a
[forma] (com efeito, o porquê reduz-s~ ;~~s~lt:a substancJa .e a essência outra coisa e sempre assim, cada outra coisa em razão de outra. E do
princípio são 0 or uê . . 1D10 ao conce1to, e causa e mesmo modo em relação à essência. Com efeito, na série dos termos
terceiro, aquele ~on~e v~~merro): 0 , ~utro, a m~téria e o substrato; um médios, fora da qual há um último c um precedente, é necessário que o
0 pnnc1p10 do movimento [causa ef' · t 1
precedente seja causa dos que vêm depois .. . ; de modo que, se nenbuma
u.m quarto, a causa oposta a esta, ou seja o fim e o be ( . ICJenée ; causa é a primeira, não haverá mais, em verdade, nenhuma causa ... Além
fun de toda a g - d ' · m po1s este o
eraçao e e todo o movimento) (Metaf., I, 3, 983). disso, o porquê é o fim, e é tal que não se realiza por outro mas o resto
P~r exemplo, qual é a causa do homem como matéria? N- é tal por ele; de maneira que, se há um termo último desta espécie, não haverá
o menstruo? E qual é como motor? Não é ao vez processo até o infinito; se não houver, também não haverá um porquê.
como fo ? A A . • por acaso o esperma? E qual
Talvez e:a. e;s~n.cia. <?ual como fim? A finalidade (do homem). Mas, àqueles que •Consideram o proc.esso como infinito não ocorre suprimir
s duas Ultimas SeJam a mesma coisa (Metaf., VIU, 4, 1 044). a natureza do bem. E, não obstante, ninguém se esforçaria em fazer algo
se não tentasse conseguir um fim ...
Em um sentido diz-se causa aquil d · · Mas, nem mesmo a essência pode levar-se (ao infinito) a outra defini-
da estátua e a prata da redoma e ot~t e CUJa l~nerencJa nasce algo, como o bronze
A •

o modelo, quer dizer, 0 conceito d ras ~e~c antes; :m outro sentido, a esvécie e ção. . . pois se não h á um primeiro de uma série, também não existe o
relação de 2 a 1 na oitava em a 1esseu~ra e os generos desta: por exemplo, a que o segue . . . E não haveria conhecimento, porque como se poderiam
terceiro lugar, 0 princípio ~rimei;;r~ n~mero e os elementos da definição. Em
0
pensar os infinitos? (Metaf., II, 2, 994).
agente é causa (da ação) e o pai do f~h mu ança ot~ do repouso; por exemplo, o
quem muda do mudado E em t ° e em gera., quem faz e causa do feito e
quar o 1ugar, o fim·. que
'd é f'lfD' do passear.. · Com efeito A ta1 como a 12 . A cadeia dos móveis e motores: o primeiro motor e a sua imobilidade.
s~u e . é 0. porque,
sao; e, assim dizendo cremos d ' Por que se passeta? Dtzemos: para se estar
palavra causa resulta' que pode ahraa cau_s~ . . . Por esta multiplicidade de sentidos da Todo móvel deve ser movido por um motor. Portanto, se não tiver em
. ' (Fis., II, 3, 19 ). ver vanas causas da mesm a COisa · ... mas não no
mesmo sentido 4 si mesmo o princípio do movimento, é evidente que é movido por outro ...
[Das quatro causas, duas a formal f 1 - Uma vez que cada corpo móvel é movido por um motor, é necessário,
tíveis a uma Porém sob ' t e a ma • sao declaradas identificãveis e redu- também, que cada corpo movido no espaço nele seja movido por outro.
. • cer o ponto de vista també
na geração, idenillicável com a formal •
r· ·
m a ~ausa e JCtente aparece, E, então, o motor por outro motor, pois também se move, e este, por sua
geração do filho, como forma em a ã ' uma . vez que o PaJ é causa eficiente da
duas: matéria e forma a u · ç o. P?r Js,so as causas fundamentais são estas vez, por outro (Fis., VII, 1, 241). Mas isto não pode continuar até o
indivíduo}. ' ' rudade das quars (smolo) constitui a substância real ou infinito; deve deter-se em um ponto e haverá algo que será causa primeira
do movimento . . . (VII, 2, 242). Se (o motor) está em movimento, será
32
R. MONDOLFO 0 PENSAMENTO ANTlOO 33

necessário que se aceite que ele muda e é movido por alguma cois·a: pois 14 . l; causa final: inteligível e apetecível.
devemos parar e chegar a um movimento produzido por um imóvel (VIII,
15, 267). Mas de tal modo move o que é objeto do apetite; e o que ~ objeto da
Não é, pois, necessário que o móvel seja movido sempre por outro, inteligência move sem ser movido. . . A distinção (entre o flm e q~em
o qual se encontre, por sua vez, também em movimento; haverá, por- tende para ele), demonstra que a causa final se .ach~ ~ntre as cotsas
tanto, uma parada. Assim, o primeiro móveL será movido por um imóvel imóveis. Pois um ser tem um fim, e deles, um (o hm) e •m?vel, o outro
ou mover-se-á por si mesmo (Fís.• VIII, 5, 257). . . Posto, então, que (o que tende para ele) não é imóvel. Move (o fim) como objeto do a~or
todo móvel é movido por um motor, e que este é um imóvel ou movido, e (o que tende para ele) move todo o resto, enquanto ele mesmo é movtdo
e movido sempre por si mesmo ou por outro, chega-se a estabelecer que (Metaf.• XII, 7, 1 072).
há um princípio dos movimentos que, para os móveis, é o que se move Concepção intelectualista, não V()luntária do fim: objeto do lntel~cto .ante~ .que da
por si mesmo, e, para a totalidade do universo, é o imóvel (Fís.• VIII, 8, tendência. Os primeiros entre tais objetos (do intelecto e do apellte) 1dentif1cam·~·
259). Pois 0 que parece belo é objeto do apetite, e o prime1ro obJeto da vontade (apehte
racional) é 0 que é belo. Desejamo-lo enquanto nos pareça .belo, antes que ~1os pareç~
belo porque 0 desejamos. Porque aqui o princípio é o mtelecto. E . o mtelecto e
Uma vez que o motor deve ser eterno e nunca cessar, é necessário movido pelo inteligível, e a série do inteligível é diferente e d.e per SJ; e nela_ está
que haja um primeiro motor ... e que o primeiro motor seja imóvel (Fís.• a substância primeira, e das substâncias, é primeira a .que é sunples e e!D açao . · ·
vnr, 7, 258). Mas também se acham na mesma série o belo e o deseJável por SI, e o ót1mo ou seu
semelhante é sempre primeiro (Metaf., XII, 7, 1 072).
É preciso que haja uma substância eterna imóvel. . . Se o universo
é sempre o mesmo em seu movimento circular, deve existir algo que 15. O motor imóvel não tem extensão (grandeza).
permaneça agindo sempre do mesmo modo (Metaf., XJI, 6, 1 071). Existe
algo que sempre é movido de maneira inexaurível, quer dizer, circular ... ; :B evidente que 0 primeiro motor imóve~ n~~ pode t~r .extensão (~an­
pelo que será eterno o primeiro céu. Há, pois, alguma coisa que o move. deza). Pois se a tivesse deveria ser ou inf1mta ou f~mt.a.. Mas ja se
E, como o que é movido e move é mediador (entre motor e móvel), demonstrou na Física que não pode haver grandeza mfuuta, e qu~ o
há alguma coisa, pois, que move sem ser movida, sendo etema e todo finito não pode ter potência infinita, nem do finito pode ser mov1do
substância e ato. (Metaf.• Xll, 7, 1 072). Este não tem mais necessidade algo por tempo infinito; ora, o primeiro motor. m?ve ?:
modo ~terno e
de mudar, poderá, porém, mover sempre (pois não lhe causa nenhuma por tempo infinito. Portanto, é evidente que seja mdiVJStvel e nao tenha
fadiga mover assim); e o movimento por ele produzido é uniforme, ou ele partes, pois não tem grandeza (Fís., VIII, 15, 267).
só ou por excelência: uma vez que o motor não tem mudança de espécie
alguma (Fís.• VIII, 15, 267). 16. É inteligência pura, que tem a si mesma por objeto: Deus. Imu-
tável atividade e beatitude eterna de Deus.

13 . O motor imóvel deve ser ação pura. Então 0 céu e a natureza dependem de um princípio de tal natureza.
E essa ~ida que também para nós é a mais excelente, mas que ,some~te
Mas, se existisse um ser capaz de mover e de produzir, porém, que nos é concedida por breve tempo, ele a viv~ . sempr~ (par~ nos sena,
não estivesse em ação, não haveria movimento; já que o que possui a entretanto, impossível), pois para ele, a sua at1v1dade. e tamb,e~ gozo. · ·.
potência poderia, também, não passar à ação. . . Deve existir, portanto, o ato intelectual que é por si mesmo, tem por objet~ o ottmo por SI
um princípio de tal natureza que a substância seja a ação. E além mesmo; e 0 ato intelectual, por excelência, tem por objeto o ~tun~,, por
disso, substâncias semelhantes devem ser sem matéria; porque devem ser excelência. o intelecto pensa por si mesmo mudando-se em mteltgtvel;
eternas (se houver algo no mundo): logo, só é ação (Metaf., XJI, 6, 1 071). pois se faz inteligível no contato e. na . i'_!-teligência (de. si m~mo), po~
isso identificam-se o intelecto e o mteltgwel. Com efe1to, o. mtele~to e
Sendo ação pum, é única. Todas as coisas que são multíp!ices de número impJi. cap~cidade do inteligível e da substâ~c.ia; m~s, já os poss1:11ndo, e em
cam em matéria: pois é um e idêntico o conceito de múltiplos, como por exemplo, ação; por isso, 0 que parece ter de dtvmo o mt:lecto é ma1s aJuele do
da espécie homem, e é um, por exemplo, Sócrates. Mas a essência pura, que é a pri- que esta, e a ati vidade mais doce e exceleo,te e_ a co~templaça~ . · . E
meira dentre todas, não possui matéria, pois é ação pura (Metaf., XII, 8, 1 074). como 0 ato de compreender é vida, e ele e açao, ass1m, a açao pura
34
R. MONDOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO 35
por si mesma é a sua ótima e eterna vid p . .
é vivente eterno, ótimo . .. Pois isto é Deua. orMis~o, diz~mos que Deus terial e final), mas especialmente o fim porque este é causa da matéria,
q ' · , s · · · a~ e evidente també porém, a matéria não é causa do fim (Fís., Il, 9, 200).
ue e unpassiVel e inalterável (Metaf. XII 7 1 072 _ ) E ' m,
pensa o que há de m ais divino e au ' ' ' 3. ~1aro que ele E eis uma objeção. Que é que impede que a natureza opere sem um
seria para pior e já seria u _gusto, e nunca muda, pois a mudança fim e não para o melhor; mas, da mesma maneira C·omo Júpiter envia a
uma vez ~ , . m movimento. . . Pensa, pois, por si mesmo
mento ~e e .o otl!~·o, e o seu pensamento é pensamento do pensa~ chuva não para fazer crescer o grão, mas por necessidade, porque o
. ... assun esta ele sendo ação d-e pensame t vapor elevando-se deve esfriar-se, e esfriado desce transformado em água?
SI mesmo durante toda a eternidade (1\tletaf., XII, 9~ ~ 0~~~5;~ pensa a E que cresça o trigo, tendo acontecido isto, é contingente. Do m~smo modo
também se (chovendo) o grão se perde sobre as eiras, não chove para
17. A infinidade do poder divino. que se perca, mas isto é um fato contingente. Portanto, que é que
impede que, na natureza, aconteça o mesmo para os órgãos do corpo?
Das coisas já ex pressas, torna-se evidente
. pois que há uma b
A •
t anela Que, por exemplo, despontem os dentes por necessidade, e os da frente
eterna e imóvel e se arada d ' , '. su s-
monstrou que esta substânci: ~ ~s seres senstve!s. E também se de· aguçados e próprios para dilacerar, os molares largos e aptos para mas-
partes e indivisível Uma ve nao po e ter nenhuma grandeza, mas é sem tigar, sem que isso aconteça para tal fim, porém que (o efeito) seja só
· z que move por um t · f . contingente? ...
que seja limitado pode ter uma potA . . f' . empo m Ul!to, e nada
Infinita é toda potência como to;nc!~ tn Iruta (M~taf., XII, 7, 1 073 a). ... Mas é impossível que seja deste modo. Porque estas e todas as
' o numero (multidão) e tod d outras coisas que são por natureza acontecem assim sempre ou no maior
que u1trapassa a qualquer finita (Fís., VIII, 15, 267). a gran eza número de casos; das que são contingentes ou casuais, nenhuma. . . Se
[Nunca se Prestará bastante atenção a estas afi - . não é possível dizer que estas sejam contingentes ou causais, terão um
tram nele, adversário e negado r do infin, ( f rmaçoes de Anstóteles, que mos- porquê. . . Portanto, há um porquê nas coisas que acontecem e são por
mento da infinidade do poder em D Jto. c r. cap. segumte, n.o 3), o reconheci- natureza. E além disso, onde há um fim, por ele se realiza, seja o que
esquecidas. cus. InJustamente, estas afirmações são amiúde
A potência que nelas se atribui ao r' .
precede seja o que segue ... Também nas plantas parece produzir-se o que
téc:nico usual que tem a palavra potêncla 7e~r~ motor não. c~rresponde ao sentido beneficia o fim, como as folhas para a proteção do fruto. Por isso, se
açao (f.vlp-yeta). Ela significa a . f 8waJ,w;-), em Artstoteles, por oposição à
I, 7, 275 b, no curso da discu~~~ :::a causadora e operante, tanto que em De coelo,
Metafísica e da Fisica, a expressão ~r;s~ondeu~~ à que vnnos nos lugares citados da
por natureza e por um fim, a andorinha faz o ninho. e a aranha a teia,
e as plantas produzem as folhas para os frutos, e as raízes não estão
outra: • • , ' (f . ovvaJ,ttç es a mudada, como equivalente com a dirigidas para cima mas para baixo para a nutrição, é evidente que uma
Xtvovo-a w·xvç orça motriZ) Nos lugares c 1'tad Ar' , ' causa semelhante se acha presente em todas as coisas que se produzem
mente, o conceito de que po t · • . os, JStoteles expressa justa-
primeiro motor deve ter ;m a~o e~~: ~~:enc,_a /e uma açJo de duração infinita, 0 ou são por natureza (Fís., 11, 8, 199).
-Deve-se, pois, notar aqui: I) que o con~e~t tn nuta-de açao..
n ao somente de causa final mas também do da açao da dtvmdade é aqui ambíguo: a) Formas naturais e monstruosidades. E como a palavra natureza significa duas
2) que, em lugar do conceito ne ativ . e. c_ausa operan~e (co~o já em Platão); coisas, matéria e forma, e esta última é o fim e pelo fim realizam-se as outras coisas,
fora de si), aparece aqui um con:e·t o d? mfmtto_ (sempre Jmperfeito e tendo outro assim, esta será a causa ou o porquê ... ; e os monstros serão falhas do fim (ibid.,
pos,~vo (maior do que qualquer finito); 3) que
10
é reconhecida assim uma infin'dad li, 8, 199).
da infinidade em potência (du~açã~ ~~- ~i:o (forç~ operante i11finita) como condição b) As condições necessárias (matéria). Como nas coisas de arte, pois a casa é
à divindade, é reconhecida como pe~~-;~' da_ açao); 4) q~e, atribuída a infinidade esta coisa determinada, é necessário que se dêem certas condições [pedras e tijolos]
o Renascimento, para se propor 0 pr~~~a n:o como ~e!ei!O: D aqu i partirá, depois necessariamente, pois a saúde é esta coisa determinada, cujas condições determinadas
pode corresponder um efeito limitad ( d of~r~ se a mfJnidade da causa (Deus) devem produzir-se necessariamente a ser assim também p ara o homem, se é assim,
o mun o uuto)]. estas dadas condições e assim por diante (Fls., JI, 9, 200).

ill. A NATURBZA. 2. A contiugência.


1. Necessidade e finalidade na natureza: a
e a constância das leis. preeminência da finalidade Colocam-se também entre as causas a contingência e o acaso; e muitas
coisas dizem que existem e se geram fortuitamente e ao acaso. . . Há
É evidente que, nas coisas naturais 'd , quem duvide se (fortuna e acaso) são ou não uma realidade, dizendo
e por seus movimentos E f' . d' a l~ecess~ ade e dada pela matéria que nada acontece fortuitamente, porém, que tudo tem uma causa de-
. o ISico eve mvesttgar ambas as coisas (ma- terminada (Fís., 11, 4, 196). Antes de tudo, pois, como observamos que
36
R. MONDOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO 37

algumas coisas se produzem


mesrn . , . sempre, outras a maior parte das vezes, da infinito, uma vez que ... o corpo infinito devia e-stender-se em cada direção
a maneua, e evidente que a nenh d I . .
a contingência M , uma e as se atribUI como causa ao infinito. Mas o corpo infinito não pode :ler nem ainda simples e
··· as, como alem destas aconte único ... Não há um ·COrpo se.nsível semelhante além dos assim chamados
I hes atribuem existência fortuit , 'd ' . cem outras, e todos
têm uma realidade p t t a, ,e evi ente que a fortuna e o acaoo elementos ... Nem o fogo nem nenhum dos outros elementos pode ser
· · · or an o e necessário q · · infinito . . . E, evidentemente, é impossível dizer que o corpo é infinito, e,
as causas das quais proviria 0 f~rt .t p ue SeJ~m mdeterminadas
1
0
parece achar-se no campo d . tdu o. e que tambem a contingência ao mesmo tempo, que há um lugar natural para os corpos ... As espécies
h , o m etermmado e não 'f do lugar são as diferenças de acima e abaixo,. diante e atrás, direita c
ornem. . . E e causa acidentalm , no mam esto ao
nada ... (ibid., 5, 197). ente, porem nunca absolutamente, de esquerda . .. ; ma& é impossível que elas existam no infinito ... Então, não
se pode dar corpo infinito em ação (Fls., 111, 7, 205).
a) Diferença entre contingência e acaS() . b) A existência do infinito. Por outro lad•o, se negarmos absoluta-
acha mais extenso visto que tod
t' ' o
. . A dJferença está em que o fortuito se
contmgente é casual' rn as este na- o e, sempre
mente a existência do infinito, é evidente que disso se originam muitas
c0 n mgente. . . Sobretudo é difere t d . . impossibilidades; haveria um princípio e um fim do tempo, e as gran-
quando acontece um fetl,ômeno nt e o contingente nos fatos naturais porque
r . con ra a natureza - d' ' , dezas já não seriam divisíveis em grandezas, e o número já não seria
mgente,, mas que acontece fortuitamente. També ' ' énao JZemos! então, que é con-
de um e externa, a do outro interna (FÍs II 6m 197~Lferente UJsto: porque a causa infinito. . . E evidente, pois, que o infinito existe em certo sentido, em
b) A Ct@ncla é da lei e da necessídad' D ' . outro sentido, não. . . A grandeza não é infinita em ação, porém é tal
exemp~o, que isto deriva necessariamente d~ uileve-se demo~strar em tudo a razão: quanto à divisibilidade. . . Conclui-se, portanto, que o infinito existe em
na maiOria dos casos· e se J'sto est, q o e que denva de modo absoluto ou potencial. . . Também sob o ponto de vista da adição, o infinito existe
1 - ' ' a para acontece t
c usao das premissas; e porque esta é a essência r, mos rar, como se deriva a con-
modo absoluto, mas relativo à sub t' . d ' e porqu~ e melhor assim, não de assim em potencial; mas. . . não obstante, não pode ultrapassar a gran-
s ancra e cada cotsa (Fts., If, 7, 198). deza definida do todo, enquanto que na divisão ultrapassa toda deter-
3. O infinito. minação, e sempre haverá um menor (Fís., IIJ[, 8, 206).
c) Imperfeição do infinito: possibilidade uniicamente de um conceito
a) Argumentos a favor c dif' ld d negativo. Conseqüentemente, o infinito é o contrário do que afirmam:
nos movimentos naturais (lugar~c:ata ~:) a preeminê_ncia da finalidade porque o infinito não é aquilo f-ora do qual não há mais nada, porém
do cosmo, Os investigadores d . f' u~a•s e a necess•dade da limitação além do qual há sempre alguma coisa .. . Ora, aquilo que não tem nada
• · . 0 m IOJto fundam a cre
t ~neta em cmco razões: 1.0 ) do , . . n_ça na sua exis- fora de si é perfeito e inteiro ... ; mas aquilo fora do qual existe algo de
Sibilidade nas grandezas (po· tempo~ porque e mfmrto; z.o) a divi- que ele precisa, não é inteiro, seja -o que for que lhe falte (Fís., lll, 9,
que a geração e a destruiç~~ os-matematJcos se valem do infinito); 3.O) 207).
~o ~nfinito do qual surge o devir;n:~) s:Jé:t~~guem nun~a,. ~raças somente
lmutado em outra coisa, de modo uc , Jsso, ~~e o mfmlto está sempre [A este conceito puramente negativo do i nfin ito conltrapõe-se., em Aristóteles, com
termo, se todo termo deve a b q e necessano que não haja nunca evidente contradição, um conceito positivo dele: pela potência divina, pela grandeza
argumento principal, que torn~a :rd~;m~~e dem outro; s.o sobretudo, o
e pelo número. Cfr. mais adiante, na letra g].

vendo limite para o pensamento ta I ~~ a e ~omwu a todos: não ha- d) O infinito como matéria ou potência. O infinito é, de fato, a matéria
e as grandezas matemáticas e ' m em o numero parece ser infinito
t · d · · · 0 espaço fora do unive M da perfeição da grandeza, e o inteiro em potencial, não em ação. . . Por
~~-r~~~ o mfmito apresenta dificuldades porque ca. rso. : . . as, a isso, o infinit-o inclui-se melhor n-o conceito da parte do que no do todo,
SI 1 1 ades, seja negando ou af d • I em mmtas lmpos-
porque a matéria parte do todo, como o bronze da estátua de bronze
203). . . Ora, se a definição de c~;nan _o a su~ ~xi~tência (Fís., III, 5, (Fís., III, I O, 207).
não se poderá dar corpo infin't po é. ~ qu~ ~ limitado pela superfície,
infinito não pode ser nem co I o, nem I~tehglvel, nem sensível. . . O [Também a este conceito do infinito como matéria •Oll potência contradiz o reco-
. . mposto nem simples Nã á
corpo mfmito se os elementos 8 • t· . · o ser composto 0 nhecimento de um infinito em ação como fundamento do mesmo infinito em poten-
, . ' ao m1tos em número s · . cial. Cfr. o número 17 do cap. precedente].
sano que houvesse mais infinitos e , . : ena, POJs, neces-
não fosse infinito unicamente um ~~ ~~ntrarros se ~gu_al_assem sempre e
destruiria o finito Mas é ·m , les. · · O 1nf1mto esmagaria e e) O infinito no número: pensamento e rcalidladc. No número, ao con-
. 1 possJve1 que cada um (dos elementos) seja trário do que acontece com a grandeza, é racional que exista um limite
39
38 R. MONDOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO

. finito em um tempo finito (Fís., VI, 11,


nem mesmo o infinito pode percorrer o m
na direção do mtmmo, porém, na direção do máximo, possa superar-se
238). •
sempre qualquer multidão. De modo que o infinito existe em potencial, . do m · f.m1·to·· do concedo
f. · ~ es negativas
não em ação (Fís., DI, 11, 207). :á absurdo [sobre esse assunto] basear-se g) Contradição com ~. de 1DIÇO tência divina do n6mero, da gran·
no pensamento, porque o excesso e a falta não estão na realidade mas negativo ao positivo: infirudade da po ·nt· ·to· ' e nada que seja Jimi·
no pensamento. . . Tempo e movimento, sim, são infinitos-, e também o D ) ove um tempo 1 lDl ' ' , d
deza e d.o tempo.. ( eus m~ . infinita (Metaf., 1 073 a). Infinito e to a
pensamento, sem que subsista todavia o seu objeto. Mas a grandeza não é tado, pode possuu uma yotencta t da grandeza que ultrapasse qualquer
infinita, nem por adição nem por subtração mental ~., III, 13, 208). potência, como todo numero ed o ode definir:se o tempo infinito como
Impossibilidade da mudança infinita: unicamente o movimento circular. Nenhuma finito (Fís., 267). ~De ~erto mo a ~Ç (De coelo I , 12, 283).
mudança infinita pode realizar-se, porque toda mudança é ... de contradição e entre aquele do qual nao eXIste o m t ' .

contrários·. Por isso, a afirmação e a negação são limites dos de contradição (por . ., e tem sempre outra coiSa fora de si
exemplo, nascimento para o ser, destruição para o não-ser). . . A mudança é de (Assim o infinito não é maJs aqut o ~ si e por isso supera a qualquer
contrários, e assim o aumento e a diminuição, mas a translação não é limitada a (conceito' negativo) mas a.q~~o que tem.~~ ou~~ m'aior. M ais tarde dirá Sêneca da
este modo, porque não é toda entre contrários. . . E não acontece o que é impos- outro, e não oferece poss,t~Jltdade ~e e~~u:e apode pensar nada maior, uma ve: que
sível que aconteça. . . Por isso, o movimento não é infin ito nem pode percorrer uma infinidade de Deus, que da mesma -~· da infinidade divina, como da que na~ se
distância infinita, porque não é possível percorrê-la . . . De maneira que, dado que ela é tudo por si só", e este. 7onceJ o amento à prova ontológica de S. Anse mo.
haja um movimento único, não pode ser infinito no tempo, exceto em uma forma, P
ode pensar out'ra maior, servua de. fundh se então em Aristóteles, além de outro
t a sua ra1z ac a- . b. )
que é a translação circular (Fis., VI, 16, 241). T ambém sob este aspee o, . d f ento 16 do De pbilosop lll .
destacado por Jaeger, a prop6sllo o ragm
f) A divisibilidade infinita do contínuo. É impossível que um contínuo
conste de indivisíveis, como a linha de pontos, se a linha é contínua e o 4. O espaço.
ponto indivisível. . . Seria necessário que os pontos estivessem em con- ue os seres se acham em algum lugar,
tinuidade ou em contacto recíproco para que resultasse um contínuo; e a) Sua realidade. Todos pensam q 1 e entre os movimentos,
~ acha em nenhum ugar · · · , ·
o mesmo discurso aplica-se a todos os indivisíveis. . . Visto que estão e que o não-ser nao se 1 ~ ' o mais comum e propno . ..
· chama de trans açao, e
em ·continuidade as coisas entre as quais não se intercalou nenhuma in- o espacial, que . s~ rova evidente da existência do esp~ço ...
termediária do mesmo gênero, mas entre os pontos há sempre uma linha Da mutação ongma-se uma p ( . amente) por corpos diversos,
" , ocupado sucesstv
intermediária e, entre os instantes, um tempo. . . O mesmo argumento Quando o mesmo 1u,ar e . nele entram e nele se trans·
este parece diferente de todos os corpos que
conserva o sen valor para a grandeza, para o tempo e para o movimento
(Fís., VI, 1, 231). Por necessidade são as mesmas as divisões do tempo e formam (Fís., IV, 2, 208). ertamente as três dimensões
racteres Ele tem, c •
as do movimento. . . e do espaço em que se realiza o movimento ..• b) Sua natureza e Si!US ca d·~ d ) que determinam todo corpo; mas
Se o movimento é divisível, também o é o tempo . .. A conseqüência por (comprimento, largura e pr~fun a e 1
or ue então haveria dois .corpos
excelência da mudança é a divisibilidade de todos e ao infinito; pois ao é impossível que o espaço seJa. um corfpQ, p I~ um dos entes onde estaria?
E além dtsso se osse e ' - . se
mutável corresponde imediatamente o ser divisível e infinito (Fís., VI, 5, no .mesmo 1ugar.. . - Zen,ão merece alguma consideraçao, poiS,
235). Com efeito, nem o tempo consta de instantes, nem a linha, de pontos, Pots o proble~a que propoe existir também um espaço para o espaço,
nem o movimento, de unidades indivisíveis de movimento (Fís., VI, 15, cada ente esta. n? .espaç?, d:;e 3 209). Mas não é difícil ver que o es~aço
240). e assim até o Inftmto (Fís., 1 ' ' · (matéria e forma): po1s a
enhuma destas cotsas d
não pode ser mesmo n ar-se da coisa mas o espaço po e
Incompatibilidade de finito e infinito nas relações de grandeza, movimento e tempo. forma e a matéria não podem separ '
Visto que cada móvel se move no tempo, e no maior para maior grandeza, é impos- (Fís., IV, 4, 209):.. ' huma destas três coisas, nem a forma,. nem a
s!vel que em um tempo infinito haja um movimento finito, que não seja igual e Se o espaço nao. e nen . re diferente da extensão da COl~a que
parcial, mas total no tempo total. Logo, é evidente que, se o movimento é uniforme, matéria nem um mtervalo semp nte das quatro realtdades,
é necessário que o finito se mova em tempo finito. . . O mesmo deve dizer-se em • , ' ·0 se1
•a 0 remanesce
relação ao repouso: pelo que não pode ter nascimento nem morte o que sempre é muda de lugar, e necessan . teúdo entendo o corpo
, . . d continente. E por con d, 1
idêntico e uno. O mesmo discurso demonstra também que em um tempo finito não isto e 0 ltmtte o corpo é um lugar transla ave ,
pode haver movimento ou repouso infinito. . . Mas, como o finito não pode percorrer ' 1 - Mas como o vaso . . , I
móvel P'Or trans açao. . . . , Portanto o limite primeiro tmove
o infinito em tempo finito, é evidente que nem ainda o infinito pode percorrer o assim o espaço é um vaso lmovel. . . '
finito: pois, se aquele percorre este, necessariamente este percorre aquele. . . Porém
40 41
R. MONl)()LFO 0 PENSAMENTO ANTIGO

do continente, eis o que é o espaço (Fís., IV, 6, 211). Pensamos, pois, e) Negação do vácuo. O vácuo parece ser um espaço no qual não e~iste
que o espaço é o .primeiro continente do que se acha no espaço, e não nada. Isso porque se crê que o ser é corpóreo, c que todo corpo se
forma parte da 001sa; que além disso o primeiro espaço não é maior nem acha no espaço e que o vácuo é o espaço em que não há nada (Fís.,
menor (do que o universo contido); que, além disso, pode ser abandonado IV, 9, 214). :É evidente que deste modo o vácuo não existe, nem insepa-
por todo corpo singular e é separável dele; enfim, que todo espaço tenha rável nem separável . .. Nenhuma necessidade há de que, se existe o mo-
o alto e o baixo, e que por natureza cada corpo tenda para ou perma- vimento, exista o vácuo. . . Para o movimento no espaço ele não é neces-
neça no lugar que lhe é próprio, ou seja, no alto ou no baixo (Fis. IV sário, de fato; porque os corpos podem substituir-se mutuamente uns aos
6, 2 11). ' ' outros, sem que haja nenhum intervalo diferente e separado dos corpos
c) O alto e o baixo. De fato, o alto não é um lugar qualquer, mas para em movimento (Fís., IV, 10, 214). Ao contrário, observando-se bem, não
onde tende o fogo e o que é leve; e assim o baixo não é um lugar seria possível o movimento se existisse o vácuo ... ; porque não haveria
qualquer, n:as p~ra onde tendem os corpos pesados e compostos de terra: lugar para o qual, mais ou menos, tivesse maior ou menor razão de reali-
en~uanto nao d1ferem somente por posição, mas também, por potência zar-se o movimento, porque ele enquanto vácuo não admite diferenças ...
(FlS., IV, 2.: 20~). E, por isso, o cenrro do universo e o extremo confiro E todos os corpos mover-se-iam com igual velocidade, mas isso é impos-
da revoluçao cucular, em relação a nós parecem para todos 0 ser 0 sível. Admitir a existência do vácuo. . . é o mesmo que afirmar a exis-
alto e o ba·x 1' · ' '
I o por exce enc1a, porque aquele permanece sempre onde se tência de um espaço separado (dos corpos); mas já se disse que é impos-
acha, c o extremo limite do cír-culo permanece no mesmo estado (Fís. IV sível (Fís., IV, 11, 216).
7, 212). ' '
d) Espaç~ e~ ~ção e em potência: tudo no universo; nada de espaço 5. O tempo.
for:' ~este (ln~utaçao do ~~ço). O espaço coexiste com a realidade, pois •
o llmJte coex1ste com o lirrutado. Por conseguinte, um corpo acha-se no a) Movimento e tempo. Que é o tempo e qual a sua natureza? ... Parece
espaço, fora dele há um corpo que o collitém; do contrário não está no que o tempo é, sobretudo, um movimento e uma mudança . . . mas a mu-
espaço . · · . O umverso,
· ·
move-se em um sentido, em outro,' não: como dança e o movimento de cada coisa estão só na mesma coisa que muda,
t~tahdade não pode mudar de lugar, mas move-se circularmente. . . As- ou no lugar onde se encontra o mesmo móvel e mutável; em compen-
s~, certas ~isas estão no espaço somente em potência, outras, em sação, o tempo existe igualmente em todas as partes c para todas as
açao · . . O umverso, como eu disse, enquanto tudo, não está em nenhum coisas. Além disso, toda. mudança pode ser mais veloz e mais lenta, e o
espaço, não existindo corpo que o contenha. Enquanto se move porém tempo, não ... Por isso é evidente que não é um movimento (Fís., IV, 15,
I1 /- .
a um espaço para as suas partes ... ; pois no círculo cada parte' contém' 218). Mas não existe sem mudança, pois, quando nós não sofremos mu-
a outra. . . Mas o universo não está no espaço .. . , porque, além do uni· dança no pensamento ou não percebemos isso, não parece que tenha ha-
verso e ·do todo, nada há fora do universo. E por isso todas as coisas vido passagem do tempo. . . ~ evidente, ·pois, que o tempo não é nem
estão no céu, porque talvez o céu seja o universo. Mas o espaço não é movimento nem sem movimento (Fís., IV, 16, 218).
o céu, porém, um extremo confiro do céu e o limite imóvel em contato b) O tempo é número do movimento. E, como o móvel se move de um
com o co~po em ,movimento; e por isso a terra está na água, esta, no ar, ponto para o outro, e toda grandeza é contínua ... , por ser contínua a
o ar no eter, o eter no céu, mas o céu não se acha em nenhum outro grandeza, também o movimento é contínuo, e em virtude do movimento,
mais (Fís., IV, 7, 212).
também o tempo ... E como na grandeza há o anterior e o posterior, é
necessário que também no tempo haja o anterior e o posterior, em re-
[E~ta exclus~o de um espaço fora do cosmo Jirojtado contrasta com outras afir-
maçoes ~e Anstóteles: 1) a cxigênda do lugar, afirmada para qualquer corpo s.!ja lação com os de além. . . E, quando experimentamos o anterior e o
parte,, s.!Ja . tod?, ~o~tra a h ipótese do infinito, observando que este viria ~ ser posterior, dizemos então que existe o tempo, porque isto é o tempo;
conteo_d?, 1sto e,. limitado pelo seu lugar (Ffs., III, 205 a); 2) a definição de toda o número do movimento em relação ao antes e ao depois. De modo que
superf~.cJe (e_ ass1m, tam~ém do "limite imóvel em contato com o corpo em movi- o tempo não é movimento enquanto tem número . .. : o número numerado,
mento .no ceu) nada ma1s que como secção o divisão dos corpos, como as linhas das
superffc1es e os pontos das linh"s (Mctafís., IIJ, 15, 1 002 ab; XI, 2, 1 060 b); 3) a não aquele com o qnal numeramos. (Fís., IV, 17, 219). Mas não somente
declaração de que to~a curv:; circular é sempre, ao mesmo tempo, fim e princfpio medimos o movimento com o tempo, mas também, com o movimento, o
Porque nela a convex1dade nao pode separar-se da concavidade (Fís., IV, 13, 222)}. tempo, pois se determinam reciprocamente (FlS., IV, 18, 220).
42 R. MONDOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO 43

c) A unidade de medida na rotação (celestE~). Porque há um movimento 6. O movimento.


de translação e uma de suas formas é o mov.imento circular, e cada coisa
mede·se com uma unidade do seu gênero . .. , assim também o tempo a) Pressuposto necessário. Não compete à Física conjeturar se o ser é
com um tempo determinado. . . Se então, o que é primeiro é medida de uno e imóvel ... Devemos aceitar como pressuposto que as coisas naturais,
todas ou em parte, estão em movimento: é princípio evidente por indução
todos os do seu gênero, o movimento circular, em sua uniformidade, é a
(Fís., I, 2, 184).
medida por excelência, porque o seu número é o mais fácil de conhecer
b) A natureza como princípio do movimento e do repouso. Os seres
(Fís., IV, 20, 223).
naturais parecem conter todos, em si mesmos, um princípio de movimento
d) O eterno fora do tempo; o mortal no tempo. E, como estar no tempo e de repouso, seja em relação ao lugar, seja em relação ao aumento ou
e como estar no número, dever-se-á considerar um tempo maior do que à diminuição, ou a respeito da mutação ... ; quanto à natureza, é um
o que se acha no tempo; por isso, necessariamente, todos os seres que princípio e uma causa de movimento e de repouso, naquilo em que ela
estão no tempo acham-se contidos no tempo . .. De modo que é evidente é inerente primeiramente, de per si e não acidentalmente (Fís., H, 1, 192).
que os seres eternos, enquanto são eternos, não estão no tempo, pois
tempo é medida do movimento e será também, indir.etamente, medida do A natureza: matéria e fonna. Assim, em certo sentido, chama-se natureza à ma-
téria-prima subjacente a cada um dos seres que contêm em si o princípio do movi-
repouSQ. . . Logo, todas as coisas mortais e geradas e, em geral as que mento e da mutação; em outro sentido, a forma e a espécie estabelecida na defini·
ora existem e ora não, estão necessariamente no tempo (Fís., IV, 19, 221). ção. . . E esta é mais natureza do que a matéria., pois cada ser se designa quando
está em ação, mais do que quando está em potencial (Ffs., li, 1, 193).
e) O instante, limite do tempo. O instan.te mede o tempo enquanto
anterior e posterior. O tempo é o número da. translação; e o instante ... c) Necessidade do conhecimento do movimento: caracteres, condições,
é como a unidade do número. E o tempo é contínuo por meio do ins- definições. Visto que a natureza é princípio do movimento e da muta-
tante e por ele se divide ... E é ainda claro que o instante não é uma ção, . . . é indispensável que não permaneça desconhecido para nós o que
porção do tempo, como a divisão não é uma porção do movimento, nem é o movimento, porque é inevitável que, ignorando este, se ignore, tam-
o ponto é porção da linha. . . D e modo que!, enquanto é limite, o ins- bém, a natureza ... O movimento parece estar no rol dos contínuos e o
tante não é tempo ... , porém é numero enquanlto serve para numerar (Fis., primeiro caráter que aparece no contínuo é a infinidade,. . . enquanto o
IV, 17, 220). Ele divide (o tempo) em potência. E como tal, que contínuo é divisível ao infinito. Além disso, é impossível o movimento
cumpre semelhante função (de dividir), o instante é sempre diferente, sem espaço, vácuo e tempo. . . mas não há movimento fora das coisas, pois
e enquanto une é sempre o mesmo, (como o ponto) nas linhas geomé· o mutável muda sempre na substância, ou na quantidade ou na qualidade
tricas. Mas como o instante é fim e princípio do tempo, porém não do ou no lugar ... cada uma destas categorias pode achar-se de duas maneiras
mesmo tempo, mas certamente fim do passado e princípio do futuro, em cada coisa: por exemplo, forma e privação no indivíduo (substância);
tal como o circulo terá, de certa maneira, no mesmo ponto o côncavo e o branco e preto, na qualidade; e na quantidade, completo e incompleto, e
convexo, assim, o tempo estará sempre no início e no fim ... e nunca igualmente na translação, acima e abaixo (isto é, leve e pesado). Assim,
faltará, porque sempre está no começo (Fís., IV, 19, 222). há tantas espécies de movimento e de mutação quantas do ser. . . E o
movimento é a ação do ser em potencial, quando, estando em ação, se
f) Indivisibilidade do instante; impossibilildade de movimento ou de realiza a si mesmo ou a outro, enquanto é móvel ... :!! claro que o movi-
repo060 nele. :e necessário também que o instante, considerado não em mento é a ação (enteléquia) do possível enquanto possível (Fis., III, 1,
sentido relativo, mas absoluto e primeiro, seja indivisível e assim perma- 201). Dizemos que o movimento é a ação (cntcléquia) do móvel enquanto
neça em qualquer tempo. Porque é extremidade do passado, além da móvel (Fís., VIII, 1, 250).
qual nada há de futuro; e é ext1·emidade do futuro, além da qual nada há d) Eternidade do movimento. O movimento teria talvez começado uma
de passado: chamou-se a isto o limite de amhos. . . Não é possível movi- vez, não existindo antes, e cessará novamente de modo que não se mova
mento no instante ... ; pois, se fosse possível, nele poder-se-iam mover mais nada, ou então não tem princípio nem fim, mas sempre foi e sempre
o mais rápido .e o mais lento ... ; por isso dlividir-se-ia o instante. Era, será, e é imortal, inesgotável e imanente às coisas, como uma espécie de
porém, indivisível: de modo que não pode dar-se movimento no instante. vida a todos os seres existentes na natureza?. . . Se o movimento não
Nem mesmo repouso (Fís., VI, 2, 234). existe ab aetemo ... , é claro que as coisas não se achavam em condições
45
44 R. MONOOLFO 0 P ENSAMENTO ANTIGO

.nf. .t é impossível em ação, possível somen-


de poder se moverem, umas, e de produzirem o movimento, as outras, sobre a ret,_a <: .. percorrer ~~nt:too movimento circular será único e con-
antes, era mister que alguma delas mudasse . .. Por isso, deverá haver uma te em potencta .. ) ... So . t e parte de si para si mesmo enquanto
mutação an terior ao primeiro ... E o mesmo raciocínio também tem valor tínuo ... ' porque e um m.ov•men o qu tro não une o fim com o
para a indestrutibilidade do movimento ... ; ter-se-ia aqui, igualmente, a til' vai de s1 mesmo para ou '· · ·
que o re ~ a ão une-os e é 0 único perfeito (VIII,
conseqüência de uma mutação posterior ao últim~. . . Mas, se isso é im- princípio. O errcular, em cot;npens ç ' . ·r entre as translações é a
possível, é evidente que o movimento é eterno (Fís., Vlll, 1, 250- 1). E será 12 263-5). É evidente, pms, que a pn~eJ a . e fe"•ta . e o
• , ·, é sunples e ma1s P r · · ·•
necessário, ou que o movimento seja eterno ou que não exista nunca, não circular, anterior a re~thnea, ?orque rtal por natureza, pela
podendo nascer do nada (Fís., VIU, 2, 252). perfeito é anterior ao IIDperfe•to, o eterno ao mo '
e) Eternidade do primeiro móvel. Mas se existe eternamente tal prin- ~ pelo tempo (VIII, 13, 265). . . .
razao e . ., d. f m-se princípio f• m e meiO . .. , no
cípio, que seja motor, porém, imóvel em si e eterno, é necessário que o No movimento retilíneo lS wgue ' , . . f de
. ~ . cada onto é igualmente princ•p•o, me•o e un,
primeiro móvel movido por ele seja eterno também . . . Visto que o imóvel circular, nao · · · , pois P. , . em fim e não está nunca. . . E
moverá sempre com um mesmo e único movimento da mesma maneira, modo que sempre está e~ pnnctpiO te) , medida dos outros. E somente
u ma vez que não muda, em absoluto, a sua relação com o móvel; mas de- porque é primeiro (o movunento circu ar e
pois o móvel movido por este móvel, que é movido pelo imóvel, será causa ele pode ser uniforme (VIII, 13, 265). ' "d de de um centro:
de movimentos diferentes devido à variedade das suas relações com as h) A eternidade do movimento celeste e a necess' ? . d d D é
t d geração A at1V1da e e eus
coisas (Fís., VIII, 9, 260). passagem à teoria dos e1e~en os e a . • é divino deve
imortal e constitui a sua vJda eterna. Por ISSO, tud.o o que d" .. )
f) Três espécies de movimento. É necessário que haja três espécies de
movimento: da qualidade, da quantidade e do lugar .. . considerando que, ter u:n· moviment~t~~rn~~Ec~~;o c~~:~r~ ~a~e(p~~:reu~0~ ~~ur;~~no~
0

em cada um deles, tem lugar a oposição. O movimento na qualidade tem, por e~se m ' C ão é tal todo o corpo do universo?
chama-se, então, mudança ... ; o da quantidade não tem nome comum move em Circulo. Por que, en ao, n c'rculo permaneça
p , necessário que do corpo que se move em •
(aos dois contrários), mas chama-se a cada um, respectivamente, aumento orque e T bém porque o seu movimento natural
e diminuição: aumento aquele que tende à grandeza perfeita, diminuição, firme uma parte no centro· · · am · t ·
dá e torno do centro. . . Por isso, é necessário que eXIsta a e,r~a.
o que parte desta. Logo, o movimento local não tem nome comum (aos se m . tr Porém se a terra é necessana,
. la permanece firme, no eco o . . . ' , , .
contrários), nem especial (para cada um deles): nós o chamamos pelo pOIS ~ , ' . .t outro por natureza, se e contrano . ..
nome comum de translação (Fís., V, 3, 225-6). E como são três as espécies tambem e ~ecessan~oq~e ee~s t~r~a é n~cessário que existam também os
de movimento: de lugar, de qualidade e de quantidade, é necessário, tam- Mas, se eXIstem o g . . d elementos tem uma contra-
bém, que os móveis sejam de três espécies (Fís., VII, 3, 243). corpos intermédi~s entre SI, pots cada um o~ do estes é preciso que
r"edade em relaçao a todo outro .. . Mas, aven ' .
g) O movimento originário: a translação circular. Das três espécies de I . - pela impossibilidade de ser eterno algum deles, po~s os
movimento: de grandeza, de qualidade e espacial, este último é necessaria- ex1sta a geraçao, . ~ ~ destroem-se reclpro-
contrários têm entre si relações de pa!Xao e açao, e . .
mente o primeiro: pois não pode haver aumento, por exemplo, sem alte- ente E além disso, é racional que não seja eterno o .móvel CUJO ~OVJ-
ração precedente .. . ; e tudo isto não se pode produzir sem mudança de ~:to ~at~al não possa ser ete.rno: e é ~~ o seu movimento. Por tsso,
lugar. De modo que, se é necessário que o movimento seja eterno, tam- torna-se evidente que deve existir a geraçao (De coelo, li, 3, 286).
b~m é necessário que a translação seja o primeiro movimento ... Ainda ...
nenhum outro movimento pode ser contínuo, exceto a translação; logo, · Geração recíproca dos
7. Os quatro elementos e os lugares naturals.
esta deve ser o primeiro movimento .. . (Fís., VIII, 10, 260). Que os ou- elementos.
tros não possam ser contínuos torna-se manifesto pelo seguinte: que todos
os movimentos e mudanças se realizam de contrário para contrário (VIII, D as coisas existentes, as primeiras são os elementos. . . E ser~ el:
11, 261). Demonstraremos agora que se pode dar um movimento infinito, menta dos corpos aquele e~ q~e. s,e dividem os outros co;~:s p~~e~s;é:ie
único c continuo, e que este é o movimento circular . . . É evidente que o potência ou em ação . . . mdJvtstvel ele mesmo em
corpo que percorre uma reta finita não tem movimento contínuo, porque diferente (Fís., III, 3, 302). _
deve girar sobre si mesmo; e girando em linha reta move-se por movi- E se as diferenças dos .corpos nao são infinitas, é evidente que os
• nf" . Al' disso, se cada elemento tem um
mentos contrários ... Então, não ·p ode haver movimento contínuo e eterno elementos não serão i lnttos . . · em
46 R. MoNDOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO 47

m~ovimento própr!o, e se o movimento do corpo simples é simples ... , sejam ... simples para os corpos simples, compostos para o& corpos com-
nao havendo n:a'~ .do que duas formas de translação simples, nem ha- postos, movidos pelo princípio predominante. Se há, pois, um movimento
~e?do lugares mflmtos, nem por isso podem ser infinitos os elementos simples, e tal é o movimento circular, e se o movimento do corpo simples
(ib1d., 4, 303) . . . Resta ver se são mais ou um somente. . . Observamos deve ser simples, e o movimento simples deve pertencer ao corpo sim-
que cada corpo físico tem um princípio de movimento: por isso, se todos ples ... , é necessário que haja um corpo simples que por sua própria na-
os. corpos fosse~m um só, o movimento de todos seria único. . . Assim, é tureza se mova c:om movimento circular. . . Ora, é preciso que seme-
evidente que nao podAe haver. um único elemento . . . (ibid., 5, 303-4). lhante translação seja a primeira, também, porque o perfeito é, por na-
De modo que, se tem movrmento para baixo e para cima 0 pesado e 0 tureza, anterior ao imperfeito: ora, perfeito é o círculo e nunca a linha
leve· · · ~ o te~d~r cada um para o lugar próprio não é senão tender para reta. . . Torna-se por isso evidente que deve haver outra substância cor-
a própr~a espec1e, . .. para o próprio semelhante (Fís., IV, 3, 310). Pesado, pórea além das constituições deste mundo, mais divina e anterior a todas
no sent1do absoluto, é o que se acha debaixo de todos, leve o que sobre- estas. . . de natureza tanto mais dominante quanto mais afastada dos cor-
nada a todoS> ... Pa~ce, a~im, que qualquer quantidade de fogo tende pos desta terra (Die coelo, I, 2, 268-9) . . . Então, nem todo corpo possui
para c:ma, se nada o •mpedn; qualquer quantidade de terra, para baixo . .. leveza ou gravidade. . . Grave é aquele que, por natureza, se dirige para
Mas sao pesa?os e leves :m sentido diverso (relativo) os que participam o centro, leve o qiUe dele se afasta. . . Mas o corpo que se move circular-
de ambos, po1s, se sobrepoem a algun& e permanecem abaixo de outros mente não pode ter nem peso nem leveza (De coelo, I, 3, 269).
como o ar e a água. Em sentido absoluto nem um nem outro são leve~ De maneira semelhante é razoável pensar que seja ingênito e indes-
ou pesados, poi& ambos são mais leves do que a terra e mais pesados do trutível e não suscetível de crescimento e variações: porque todo ser gerado
que o fogo ... ; mas, en;t relação um ao outro, são, absolutamente, um pe- provém de um contrário e de um substrato e dissolve-se analogamente, ha-
~ado, o outro leve: pOIS ? ar, por mais que seja, se sobrepõe sempre à vendo um substra1to e passando de um -contrário a outro ... ; ora, dos
agua, e a água, quanto haJa, sotopõe-se sempre ao ar .. . As coisas de terra contrários, também os movimentos são contrários. Ora, se disto não pode
sotopõem-se a todas e tendem para o centro ... De modo que se há haver contrário p•or não existir movimento algum contrário à translação
um corpo q.ue .se acha ac.ima de todos. . . é evidente que tende para a circular, parece que, logicamente, a natureza haja subtraído às oposições
extrema perifena. . . Por Isso, o fogo não tem, totalmente, peso, nem a dos contrários o que deve ser ingênito e indestmtível: porque no âmbito
terra, leveza, totalme_nte (ibid., 4, 311). O ar e a água têm, cada um deles, dos contrários se encontram o nascimento e a destruição. Mas também
le~eza e peso, e a agua jaz abaixo de todos, exceto da terra; o ar está o crescin1ento e a desagregação se realizam em todo corpo que seja capaz
acima de todos menos do fogo (ibid., 5, 312). disso mediante a introdução de outro do mesmo gênero ou pela dissolução
, E não podem ser .eternos (os .elementos), porque observamos que fogo, na matéria; e este elemento, em compensação, não tem outro de que tenha
agua e todo corpo Simples se dissolvem. . . Pelo que é necessário que os nascido. . . Assim, se o corpo que se move circularmente não admite
~lemen!os dos corpos sejam corruptíveis. . . E não podendo nascer nem do crescimento nem desagregação, é racional, também, que seja imutável ...
mcorporeo, nem de outro corpo, só é possível que tenham nascimento Por isso, por ser ü primeiro corpo diverso da terra, do fogo, do ar e da
uns dos outros. . . (Fís., III, 6, 304-5). água, chamaremos éter ao lugar superior, dando-lhe em todo tempo o
nome de correr sempre (àd -&€w) (De coelo, I, 3, 270).
8· ~ quinta-essência simples (o éter) primeira e mais divina: o seu mo-
VImento e a sua eternidade imutável. 9. O motor é movido - necessidade do contato entre motor e m6vel
- continuid11.de e unidade do sistema.
Todo~ os corpos e as grandezas naturais. . . têm em si um princípio
de mov1me~to por natureza. Mas, cada movimento espacial, ou translação, Como já se disse, o motor move-se, sendo móvel em potencial todo
é r~to ou Circular, ou m1sto: somente dois simples. . . o reto e o circular: motor cuja imobilidade é só repouso (uma vez que é unicamente repouso
o crrcular, em torno do centro; o reto. . . para cima (isto é do centro) a imobilidade em todo ser a que pertence o movimeruto); de fato, agir sobre
o.u para baixo (ou seja, para o centro) . .. E como alguns do~ corpos são o móvel como tal, é precisamente, movê-lo; mas fá-lo por contato, de
s•mple~ e, ~utros compostos destes (e -chamo simples a todos os que têm maneira que ao mesmo tempo também é passivo (Fís., III, 2, 202).
um pnncipiO de ~ovrmento segundo a natureza, como a terra, 0 fogo e Se é necessário que o que primeiramente é movido espacialmente e por
semelhantes e de 1gual gênero) é necessário também que os movimentos movimento corpóreo esteja em contacto ou seja contínuo com o motor,
-
48 R. MONDOLPO 0 PENSAMENTO ANTIGO 49

como vemos que acontece em todos os casos, resultará de todos juntos arrancadas, morrem. . . Sempre por pequena difer ença parece que uma
(móveis e motor) um sistema total, único e contínuo (Fís., VII, 2, 242). E antes da outra tenha mais vida e movimento (Hist. anim., VIII, I, 588).
o motor primitivo (não o final, mas aquele em que tem princípio o movi-
mento) deve estar junto com o movido, e dizendo junto, entendo que nada
há de intermédio (ibid., 3, 243). lV. A ALMA.

O motor imóvel, na periferí:1 do untversB. f> necessário que esteja no centro ou na


periferia: pois estes são os princípios. Mas o que se acha mais próximo ao motor 1. A alma e o corpo e a sua relação.
se move com movimento mais rápido. Tal é o movimento do céu· e aqui se acha
pois, o motor {Fís., Vlll, 15, 267). ' ' Dizemos ... que o ser animado difere do inanimado enquanto vive ...
A alma é o princípio das seguintes faculdades e por elas se define: nutrição,
1O. Os movimentos dos planetas, as inteligências motoras e as esferas. sensibilidade, pensamento, movimento (De an., TI, 2, 413).
Na maior parte dos casos, ela nada parece poder padecer, nem fazer,
Porque além da simples translação do céu (cuja causa atribuímos à sem o corpo: por exemplo, encolerizar-se, ter valor, desejar e, em geral,
substância primeira e imóvel), vemos que há outras translações eternas, ter sensação. Sua função própria parece, por excelência, o pensar; mas
as dos planetas ... é necessário, também, que cada uma destas translações também este ato, seja ele imaginação ou sem imaginação, nem mesmo
seja movida por uma substância imóvel por si mesma e ete.rna. . . Evi- poderia ser sem corpo (De an., I, 1, 403).
dentemente, pois, é preciso que haja outras tantas substâncias, eternas Para tal comunhão, um age e o outro padece, e um é movido e o outro
por natureza e imóveis em si, e em extensão. . . Cada um dos planetas move; e nenhuma dessas relações recíprocas podem dar-se entre seres to-
tem mais de um movimento. . . E, se todas as esferas juntas devem dar mados ao acaso (De an., I , 3, 407).
a razão dos fenômenos, é necessário que para cada planeta haja outras A alma é aquilo no qual primeiro vivemos, sentimos e pensamos, pelo
tantas esferas, menos uma, que girem inversamente e reconduzam sempre que ela será razão e forma, não matéria ou sujeito ... A matéria é potência,
ao mesmo ponto de posição a primeira esfera do astro que está debaixo, a forma é ação (enteléquia), e, como o ser animado resulta de ambos, o
pois só assim pode produzir-se todo o movimento dos planetas ... O nú- corpo não é ação da alma, mas esta é ação de um certo corpo. . . E por
mero de todas as esferas, que os movem em um e outro sentido, será de isso está em um corpo, e em um corpo deste gênero ... ; porque, de toda
55, porém, se para o Sol e a Lua não se juntarem os movimentos acima coisa, a ação se gera naturalmente no que está em potencial e em sua
referidos, todas as esferas serão 47 (Metaf., XII, 8, 1 073-4). matéria própria (De an., li, 2, 414). Por isso, a alma é o ato primeiro de
um corpo natural que tem a vida em potencial. Este é o corpo orgânico ...
11 . A continuidade na natu.r cza. de modo que a alma será a ação primeira do corpo natural orgânico, e
por isso não se deve pesquisar se a alma e o corpo são uma só coisa, como
A .natureza age com continuidade, desde os seres inanimados até os (não se deve investigar se são um) a cera e a figura, nem em geral a
seres animais, através dos seres, viventes, sem dúvida, mas não anima- matéria de cada coisa e aquilo de que ela é matéria (De ao., li, 1, 412).
dos, de modo que pareçam diferir um do outro, em grau minimo, pela
A alma é causa e o corpo é instrumento. A alma é causa e principio do corpo
recíproca vizinhança (De part. anim., IV, 5, 681). A natureza parte dos vivente ... em três sentidos: porque a alma é causa como princípio do movimento,
seres inanimados para os animais, em graus tão pequenos que, na con- e como fim e como substância dos corpos animados. Como substância é claro; poi!
tinuidade, não se percebe a qual dos dois campos pertencem os de limite a substância é causa do ser para todas as coisas, e o viver é o ser dos viventes,
e os inte rmediários, porque depois do gênero dos inanimados segue pri- e causa e princípio deles é a alma. Além disso, a ação é a razão do ser em potenciaL
Logo, é claro que a alma também é causa final, pois, assim como o intelecto age
meiro o das plantas, c dentre estas, uma difere da outra porque parece visando a um fim, assim também a natureza, e isto é o fim para ela. E assim é nos
que participa mais da vida; e todo o gênero, em comparação com os animais a alma também por natureza, pois todos os corpos naturais são instrumentos
outros corpos inanimados), parece quase animado; em confronto com os da olmo, o como os dos animais, nssim também os das plantas, enquanto são por
animais, inanimado. A passagem destas para os animais é contínua ... causa da alma. Mas a alma é, também, princípio do movimento local (De an.,
11, 4, 415).
pois algumas espécies marinhas propõem o problema para saber se são
Anaxágoras diz que o homem é o mais sábio dos animais porque possui mãos:
animais ou plantas, porque se acham unidas ao solo, e muitas delas, mas é racional (dizer) que, porque era o mais sábio, foi dotado de mãos, porque
50 R. MoNDOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO 51

as mãos são .instrumentos, e a natureza, como um homem sãbio, distribui sempre como ao combustível, que não queima por si mesmo sem aquilo que tem
cada coisa a quem se acha em condições de servir-se da mesma .. _ O homem ... a propriedade de queimar. . . As coisas que fazem com que a sensibili-
é o único entre os animais que tem posiçllo ereta, porque a sua natureza e subs-
tância é divina, e a função mais divina é entender e pensar, o que não seria fácil dade chegue à ação acham-se no exterior, ou seja, o visível, o audível e
se sustentasse corpo muito volumoso (De part. animal., lV, tO, 686-7). assim os outros objetos de sensações. A sua causa é que a sensação em
ação tem por objeto os seres particulares, enquanto que a Ciência tem
2. As faculdades da alma e a lei da sua série. por objeto os universais: estes, de certo modo, estão no próprio espírito;
por isso compreender depende de nós mesmos, quando queremos; porém,
Em alguns seres acham-se presentes todas as faculdades da atroa; em sentir não: pois é necessãria a presença do sensível (De an., li, 5, 417).
outros algumas, e em alguns, uma somente: e chamamos faculdade à nu- O objeto sensível. . . pode ser o próprio de cada sentido e o comum
trição, ao apetite, à sensibilidade, à locomoção, ao pensamento. . . 1:! a todos. Chamo próprio ao que não pode ser percebido com outro sentido
necessário investigar a causa pela qual se acham assim em série: pois a e sobre o qual o sentido não se pode enganar, como a visão sobre a cor,
sensibilidade não se dá sem a faculdade nutritiva; mas, nas plantas, a o ouvido sobre o som e o gosto sobre o sabor. . . São, pois, comuns o
nutritiva está separada da sensitiva; de outra parte, sem tato não se movimento c o repouso, a figura, a grandeza (De an., li, 6, 418).
exerce nenhum dos outros sentidos, porém, o tato existe sem os outros ... A sensibilidade recebe as formas sensíveis sem a matéria, como a cera
Entre os seres sensíveis, alguns possuem locomoção, e outros, não; enfim, recebe a impressão do anel sem o ferro ou o ouro. Ela acolhe em si
pouquíssimos possuem raciocínio e pensamento: aqueles, de fato, entre os a impressão do ouro ou do bronze, mas não enquanto ouro ou bronze (De
mortais, que possuem raciocínio, possuem, também, todas as outras fa- an., IJ, 12, 424).
culdades; mas, os que possuem somente uma, não têm raciocínio (De an.
a) Não pode haver senão cinco sentidos. t fácil convencer-se de que não pode
li, 3, 414).
haver mais do que os cinco sentidos (isto é: vista, ouvido, olfato, paladar e tnto),
pelo seguinte .. _ todos os objetos que sentimos por contato são por nós perce~idos
3. A faculdade vegetativa. pelo tato, tal como o temos; em compensação, todos os que percebemos por me1o de
intermediáveis e sem contato, fazemo-lo por meio de corpos simples, como o ar e a
A atma vegetativa (nutritiva). . . é a primeira e mais comum facul- água. . . Então todos os animais q11e não sejam incompletos ou mutilados pos~uem
todos os senHdos ... assim, se não existir outro corpo ou qualidade que não seja do
dade da alma, por meio da qual possuem a vida todos (os viventes); as
algum dos corpos deste mundo, não pode faltar-nos nenhum sentido (De an., Jll,
suas funções são gerar e nutrir-se, porque a mais natural entre todas as 1, 425).
funções dos viventes, acabados e não malogrados, ou nos quais a geração b) O senso comum como consciência do sentir a faculdade de distin~ão. Quando
não é espontânea, é produzir outro !'er semelhante a si: o animal, um percebemos que vemos e ouvimos, 6 necessário que se perceba sentir por meio da
animal, a planta, uma planta, a fim de que participem do eterno e divino vista ou de outro sentido (De an., IIL 2, 425)- Em todo sentido há, pois, algo de
próprio e algo de comum: próprio da vista é ver, do ouvido, ouvir, e assim para
em tudo o que lhes seja possível. Efetivamente, todos tendem para ele, cada um dos outros, mas também existe uma potJlncia comum que acompanha a
e esse é o fim de toda a sua atividade conforme a natureza (De an., Il, todos os sentidos, pela qual quem sente percebe que vê e ouve, pois não é com a
4, 415). vista que percebe que vê, nem julga nem pode julgar que são diferentes o brnnco
Também por isso parecem viver todas as plantas, pois aparentam ter do doce: nem com o paladar nem com a vista, nem com ambos, mas uma parto
comum a todos os (órgãos) sensoriais: há, de fato, um sentido único e um único
em si tal faculdade e tal princípio, pelo qual crescem e decrescem em suas (órgão) sensório principal (Oe somo., 11, 455). Quando comparamos o branco e o
partes opostas ... ; e sempre vivem a fim de que· possam nutrir-se. E esta doce e cadn um dos sensíveis com cada um dos outros, com que percebemos que
faculdade pode existir separada das outras, mas, em compensação, as são diferentes? S preciso que seja com a sensibilidade, porque são coisas sensíveis ...
outras não podem, sem ela existir nos mortais (De an., n, 2, 413). Mas não se pode julgar com sentidos separados que o doce é diferente do branco;
todavia devem mostrar-se ambos a um sentido único, porque, de outro modo, mesmo
Que se sentisse um eu e o outro tu, devia ser evidente que são distintos entre si.
4. A faculdade sensitiva e os seus objetos: recepção somente das formas Mas algo único deve dizer que siio diferentes: porque 6 diferente o doce do branco;
sem a matéria. porém, quem o diz é um mesmo (De an., 111, 2, 426).
c) Passagem da senslbilidadc no pensamento:
1) Dltwença entre sen~ibUJdade e pensamento. S evidente que perceber e refletit
A sensação tem lugar quando somos movidos ou sofremos uma ação,
não são a mesma coisa: de fato, de um participam todos os animais; do outro, apenas
pois parece ser uma espécie de alteração. . . l?, evidente que a faculdade alguns. Mas, nem mesmo o intelecto, no qual se dá o justo e o injusto ... , é o
de sentir não é tal em ação, mas somente em potencial; por isso acontece mesmo que o sentir: pois a sensação dos sensíveis próprios é sempre verdadeira t
52 0 P ENSAMENTO ANTIGO 53
R. MONDOLFO

p~rtcnce a todos os an~mais; o raciocínio, ao contrário, é capaz também de erros e 11 unidade sintética do eu. Afirmação importantíssima, esquecida por todos os que
nao pertence a quem nao possua também a razão (De an. Ili 3 427) continuam dizendo que toda filosofia antiga é puramente objetivista e ignora o
. ll) A imaginnçã~ como passagem da sensibilidade ao 'intciecÍo. A . imaginação é valor do sujeito].
diferente da sensaçao e do pensamento discursivo: nem ela pode nascer sem sensação
nem. ~e;"l ela pode nascer a concepção. . . Quanto ao pensamento. . . é distinto d; 7. A faculdade intelectiva.
sen~Ib1lidad':! e, por uma parte yarece ser imaginação, por outra, concepção ...
A lffiagi~açao parece s7r um movimento, ~ não se gerar sem sensação, mas somente
nos paci~ntes e das COISas das quaiS se da sensação. . . Portanto, a imaginação será a) A receptividade do intelecto explicada como potencialidade (inte·
um movimento gerado pel~ sensaçã? q~e está em ação ... E, por sua persistência e lccto passivo ou possível). Se o pensar é corno o sentir, será um receber
so:mel~ança co.m. a. sensaçao, os anunais realizam por ela muitas ações: uns porque uma ação da parte do inteligível ou algo semelhante. É preciso, então,
nao t~m ,mte!igencia, com? os irracion~s, os outros porque a sua inteligência se
encontra as vezes obscurecida pelas paixoes, enfermidades ou sono, como os homens que [o intelecto] seja a um tempo impassível e capaz de receber a forma
(De an., III, 3, 428·429). (idéia), e semelhante a ela em potência, porém distinto dela: ou seja na
relação mesma em que se encontra a faculdade sensitiva a respeito dos
5. A autoconsciência como certeza da existência (cogito, ergo sum). sensíveis, assim deve ser o intelecto aos inteligíveis. . . De modo que a
sua natureza não pode ser senão esta: estar em ,potencial. . . E tem razão
Quem vê percebe que vê, e quem ouve percebe que ouve, e quem anda quem diz que a alma é o lugar (receptáculo) das idéias, não se compreen-
percebe que anda, e, .analogamente, nos outros atos, existe algo (em nós) dendo, porém, a alma inteira, mas somente a intelectiva, e não idéias em
que percebe que reahzamos ações; por isso, percebemos perceber e pen- ação, mas em potencial . ..
samos pensar; ora, o fato de que percebemos e pensamos é que existimos Poder-se-á perguntar: se o intelecto é simples e impassível e sem nada
urna vez que o existir é sentir e pensar (Ética Nicom., IX, 9, 1 170). ' de comum com algo (como diz Anaxágoras) de que modo poderá pensar,
se o pensar significa receber uma ação? Pois, somente enquanto há algo de
[A antecipaç~o do cogito,, ~rgo sum cartesiano nesta afirmação de Aristóteles é comum entre dois seres, parece que um possa exercer e o outro receber
real, embora seJa menos exp!tc1ta do que parece a Carlini Studi aristotellci "Logos"
19~9: Aristóteles _não disse, ~m realidade, que o perceber e 0 pensar ;ignifique~ uma ação. . . Mas. . . já se fez esta distinção de que o intelecto é, de
existir, mas tambem ~ propost~ão recfproca: que o existir (do homem) significa per- certo modo, os inteligíveis em potencial, mas não é nenhum em ação, antes
ceber e pensar. TodaVIa, o C~gJto cartestano resume-se no seguinte: que, se o perceber de pensá-la. Deve ser nele, pois, como na tabuleta, em que nada se
e ? pensar ? s~?er de sentir e pensar, é, por isso também, saber de existir, pois encontra já escrito em ação: e este é, precisamente, o caso do intelecto
Anstóteles diz: o fato de que sentimos e pensamos mostra que existimos"].
(De an., III, 4, 429).
6. A autoconsciência como condição de toda síntese cognoscitiva. o [Desta comparação com a tabuinha encerada em que nada se acha ainda escrito
"eu sinto" é, ao mesmo tempo, "eu penso". e tudo pode escrever-se originou.se posteriormente a definição da alina qual tabula
rasa originária, afirmada pelos empiristas].
Há uma potência comum.' que acompanha todos os sentidos, pela qual
o homem. percebe ver e ouvrr (De somn., 11, 455). Mas não se pode jul-gar, b) Intelecto passivo (matéria) e intelecto ativo (causa operante). Na-
com seuudos separados, que o doce é diverso do branco ... ; porque, de tureza separada c divindade do intelecto ativo (único imortal). Como em
outro modo, embora percebesse um eu e o outro tu, deveria ser evidente toda a natureza há alguma coisa, que é a matéria para cada gênero (e isto
que são distintos entre si. Mas algo único deve dizer que são distintos: é o que são todas as coisas em potencial) e algo mais que é causa e agente,
porque é diverso, sim, o doce do branco; quem o diz, porém, é um mesmo; enquanto produz todas as coisas - como acontece na arte em relação à
pelo que, enquanto o diz, é, ao mesmo tempo, inteligência e sensibilidade. sua matéria - assim é necessário que estas diferenças se achem também
(De an., III, 2, 426). na alma. Há um intelecto de tal espécie que se transforma em todas a~
coisas, e hã outro, que as produz todas, como sua maneira de agir, à ma-
[A. passagem das. intuições sensitivas regulares à sua ligação em relações estã neira da luz: porque, de certo modo, também a luz transforma em cores
condicionada pela mtervenção de uma atividade sintética: o eu. O cu sinto no em ação as cores que se achavam em potencial.
estabelecer .a /el~ção e .afirmá-Ia, é, conjuntamente eu penso. Eis antecipada deste
mod~ a existen:ta . kanhsta do eu penso, "apercepção transcendental originária, a Este intelecto é separado, impassível e sem mescla, sendo tudo em ação,
prl~n POr excelencta, categona das categorias". Aristóteles examina aqui uma es- por sua essência: porque sempre o ativo é mais excelente do que o
pec•al forma da atividade sintética (a distinção); mas, de qualquer modo, traz à luz passivo, e mais o princípio do que a matéria. . . Mas não .está em ação
54 R. MoNOOLFo 0 PI::NSAMENTO ANTIGO 55

~e pensar ora sim, ora não. Somente quando está separado é o que J>ortanto, um é o motor: o apetecivel. . . E o pensamento não pare~e mo-
e, e somente esta parte é imortal e eterna. (Com ele só) não recordamos ver em apetite; pois a vontade é o apetite, e, quando se tem movtmento
porque este (intelecto ativo) é impassível, e, em compensação, o passiv~ segundo raciocínio, tem-se movimento segundo a vontade (De an., 111, 10,
é mortal, e sem este (intelecto ativo) nada pode pensar (De an., rrr, 5, 433}.
430). Concorda-se, pois, que somente o intelecto (ativo) provém do exterior c) O contraste dos apetites. Mas como se dão apetites contrários entre
e somente ele é divino, porque a ação corpórea não participa em nada da si, isso acontece quando a razão e o desejo se: acham em contra~te; mas
sua ação (De gcncr. anim., 11, 3, 736).
dá-se somente nos seres que têm o sentido do tempo, porque o mtelecto
O intelecto parece penetrar na alma como uma substância e não ser corruptível manda resistir em vista do futuro, o desejo ern vista do presente (De an.,
po rque . . . a velhice não se deriva do fato de que a alma sofra algo, mas (o c.o rpo) III, 1O, 433}. Então a imaginação sensitiva se dá também nos outros
c'!! que se a~hn. . . O . pe~r e o contemplar exaurem-se porque alguma coisa animais, porém a deliberativa somente nos racionais (Oe an., 111, 11, 434).
d.'feren.te se dissolve no mtcnor (do homem); mas o intelecto é impassível. O pensar
d•scur~•vo, o amar e odiar não são afeições suas, mas de quem o possui p elo que, d) Vontade e deliberação. Essas ações, cujo principio se acha no homem,
destrumdo.::~e este, ele não. recorda e não ama, porque isto não lhe pertencia, mas pode este realizá-Ias ou não, segundo o seu arbítrio.. Sã~, ~rtanto, vo-
à ~munbao que se destruru; ao invés o intelecto é talve:r; alguma coisa mais divina
e llllpasslveJ (De lln., I, 4, 408). luntárias. . . Ao invés, parece ser forçado aqmlo CUJO prmctpto se acha
[J?os múltiplos problemas para os quais a doutrina do intelecto em Aristóteles abre fora, sem que o homem contribua em absoluto. (Et. nic., Ill, 1, 111?>·
cammho, surgem controvérsias entre os intérpretes. Da divergência entre a inter- Pois parecem ser causas: a natureza, a necesstdade e o acaso, e alem
pretação do antigo comentarista grego Alexandre de Afrodísia e a do comentarista disso 0 intelecto e tudo o que provém do homem (Et nic., III, 3, 1112).
medieval árabe Ibn Roscd (Averróis), nasce, na Idade Média e na Renascença, 0
c~:mtraste entre a!exandrlstas e uverrofstas. P ara Alexandre o intelecto ativo idenú·
Portanto, chamo ação voluntária ... à aÇao qllle alguém realiza, entre as
r.ca-se com ? Pnmeiro motor, enquanto que o intelecto passivo é o mais alto grau que estão em seu poder, sabendo e não ignorando o que faz e a qu~m
de desenvolvllllento da alma, forma do corpo orgânico, com ele mortal. P ara Avenóis, e porque: por exemplo, a quem golpeia, e por que causa e por que .U:U•
também o intelecto passivo vem de fora, sendo todo uno com 0 intelecto ativo e não por acidente ou por força, como se al;guém, tomando-lhe a mao,
separado da alma. Ambos negam por isso a imortalidade dà alma individual, afir.
mada contra ambos, em compensação, por S. Tomás, que sustenta "intellectum golpeasse a outro, o que não seria voluntário, porque J1ão vem d:lc ... Das
possibilem in diversis (individuis) diversurn esse, et ctinm intellectum agentem esse ações voluntárias, algumas se praticam por escolha, o~tras, nao: por es-
in diversis dJversum" e "diceodum quod intellectus agens, de quo Philosophus (Aris- colha, as que deliberamos, sem escolha, as que não deliberamos (Et. nic.,
tóteles) Joquitur, est aliquid animae"].
v, 8, 1 135).
8. A faculdade motora: Por isso a deliberação parece ato voluntário, porém, não idêntico a
este; se be~ que o voluntário tenha maior cx:tensã~, porque : ambém ~s
a) O ?Petite. Quando (a sensação) é agradável ou dolorosa, (a alma), crianças e os outros animais participam do voluntáno, ~as nao da _deh-
quase aftrmando ou negando, a procura ou a evita; e o prazer e a dor são beração. Também chamamos volu.ntários aos a.tos repent.J.nos, mas nao os
as operações que se realizam por meio da sensibilidade para o bem ou chamamos deliberados (Et. nic., lU, 2, 1 111 ).
mal_enq_uanto. tais.. A repugnância e o apetite em ação constituem isso; Cada um dos homens delibera (somente) em torno das coisas que .ele
e nao .sao cotsa diferente as faculdades de apetecer ou de rejeitar, nem mesmo pode realizar em ação. . . E não deliberamos em t?rno d.os fms,
entre SI, nem a respeito da sensibilidade, mas diferente é o seu ser (De an., mas das coisas que pertencem ao fim. De fato, nem o médtco dehbera se
III, 7, 431). deverá curar, nem o orador se deverá persuadir, nem o pol~tico se f~rá
b) O princípio motor: apetite e intelecto prático. Parece que são dois boas leis, nem nenhum outro em tomo do fim; mas, estabelecido. um ~rm,
estes motores . . . , ambos causa do movimento no espaço: o intelecto e consideram como e com que meios se consegu.i rá .. . Nem toda mvestiga-
o ap~tite; ~empreende-se o intelecto que calcula em vista de algum fim, ção é deliberação (por exemplo, as inv_es~i~ações matemá~·ca~), ~oré_m,
o~ seJa, o mtel~cto prático, que é diferente do especulativo. E todo apetite toda deliberação é investigação; e o que e ulttmo na resoluçao e prune?'o
VlSa a algum f•m, pois o princípio do intelecto prático é aquele de que se na geração ... Logo, sendo o objeto da resolução deliberada uma COL~a
dá apetite, e o fim último é principio da ação ... De fato, o apetecível desejada e.ntre as que se acham ao nosso al~ance, tam~ém a_ resoluçao
move, c por isso o pensamento move, porque o apetecível é o princípio será apetite de coisas em nosso poder, provemente de de!Jberaçao: porque
do mesmo. Também a fantasia, quando move, não move sem apetite. quando, depois de haver deliberado, julgamos, apetecemos de acordo com
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56 R. MONDOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO 57
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a deliberação (Et. nic., III, 3, 1 112-3). A vontade, ao invés, já se disse .. J


achar-se o seu bem e a sua perfeição, assim parecerá também ao homem, ~I.
que é do fim (Et. nic., III, 4, 1 113). se houver uma atividade que lhe é própria ... E qual será ela? ... Pois a
e) Liberdade e responsabilidade - ação criadora dos hábitos. Uma vez vida é comum às plantas, também ... e a subseqüente faculdade sensi-
que a vontade é do fim, e a deliberação c resolução são dos meios visando tiva. . . aparece também comum ao cavalo, ao boi e a todo animal, resta
ao fim, as ações que concernem a estas coisas serão conformes com a (que seja) uma vidla ativa própria de quem é dotado de razão ... A obra
deliberação e voluntárias . . . Portanto, acham-se também em nosso poder própria do homem é (pois) a atividade da alma conforme a razão e não
a virtude e o vício. Porque onde está em nosso poder o fazer está também contrária a ela (Et.. nic., I, 8, 1 908).
o não-fazer; e onde o não, também aí o sim. . . Se isto pudesse negar-se,
ter-se-ia que negar também que o homem é princípio e pai das suas ações 3. O prazer e a atividade - o prazer próprio de cada espécie animal.
como dos seus filhos.
Talvez (alguém) não possa ser vigilante. Mas eles próprios são culpados Todos preferem as coisas agradáveis e fogem das dolorosas (Et. nic.,
de se tornarem assim, por viverem em abandono e se terem transformado X, 1, 1172). O fato de todos, animais e homens, procurarem o prazer
em injustos e intemperantes, uns agindo mal, outros passando a vida em é sinal de que, em certo sentido, ele é o melhor dos bens (Et nic., VIL
orgias e coisas semelhantes: porque as ações particulares os tornam tais 13, 1153).
~c~mo são). Se alguém age conscientemente, tornando-se injusto, será O prazer aperfeiçoa o ato, não como um hábito que este traz implícito,
lllJUSto voluntariamente; e depois, nem mesmo que o deseje, deixará de
mas como uma realização sobrevin.cla, como a flor da juventude a quem
ser injusto e se tornará justo. . . Assim também em relação aos intem-
se acha em pleno vigor da juventude. . . Pode crer-se que todos desejem
perantes: no começo podiam não se transformar em tais e então são tais o prazer, pois tocitos tendem também ao viver, e a vida é atividad~, e
voluntariamente, mas, tornando-se tais, não lhes é mais dado não o ser ... cada um é ativo naquelas ações e com aquelas faculdades que ama ac1ma
Somos _senhores de noss~s ações desde o começo até o fim, sabendo todos de tudo. . . Ora, o prazer torna cumpridas as atividades, isto é, o viver
os particulares; dos hábttos, ao invés, somente desde o princípio. . . Mas, ao qual aspira. Com razão, pois, tendem (todos) também ao prazer, porque
como estava em nós agir assim ou de outro modo, os hábitos são, por
isso, voluntários (Et. nic., III, 5, 1 113-4). ele aperfeiçoa a vida a todos, o que é coisa desejável. . . Efetivamente,
aparecem reunidos, e não se dão separados, pois sem atividade não se
produz prazer, e o prazer torna perfeita toda atividade (Et. nic., X, 4,
V. O BEM E. A VIRTUDE.. 1174-5). A atividade, de fato, é aumentada pelo próprio prazer: julgam
melhor e governam melhor qualquer coisa aqueles que agem com prazer ...
1. O supremo bem. Como o prazer próprio aperfeiçoa as atividades tornando-as mais duráveis
e melhores, e os ]prazeres alheios as dissipam ... , assim, tanto oomo são
. Se há um fim nas coisas práticas que desejamos por si mesmo, dese- diversas as atividades, também (são distintos) os prazeres. . . Parece,
Jando para ele as outras coisas ... , é evidente que este será o bem, ou também, que para cada animal haja um prazer que lhe é próprio, tal
melhor o supremo bem (Et. nic., I, 1, 1 094). como há uma obra (que lhe é própria): ou seja, a que correspoode à sua
atividade (Et. nic.,. X, 5, 1 175).

2. A felicidade e a atividade de acordo com a razão.


4. A felicidade humana na vida intelectuaL
Qual é o supremo bem entre todos os bens práticos?. . . Tanto o vulgo Resta falar da felicidade ... , pois a colocamos como fim das ações
como as pessoas cultas dizem: a felicidade. . . Mas, sobre o que é a feli- humanas. Ê necessário pô-la em uma certa atividade. . . A vida feliz
cidade já não se acham de acordo, e o vulgo não a define da mesma parece ser a conJEorme com a virtude; mas esta é uma vida de sério
maneira que os sábios (Et. uic., I, 4, 1 095). esforço e não de divertimento. Chamamos melhores às coisas sérias do que
Porém, encontraremos imediatamente a possibilidade (de defini-la) se às alegres e divertidas, e mais séria a atividade, seja do homem ou na
pudermos encontrar a atividade que é própria do homem. . . Como para parte que é sempre melhor nele: ora, o que provém do melhor já é
todos a quem esperam uma obra e uma tarefa, na mesma obra parece superior e mais apto a produzir felicidade (Et. nic., X, 6, 1 176-7).
-58 R. MON DOLFO 0 PENSAMENTO ANTIOO 59

Se a felicidade é ativa conforme a virtude, é racional que seja conforme 6. As partes da aJma e as virtudes dianoéticas e éticas.
à virtude mais excelente, e esta será da parte melhor, . . Ora, se a ativi-
dade do intelecto parece sobressair por seriedade, sendo contemplativa, Chamamos virtude humana não à do corpo, mas à da alma. . . Mas
e não tender para nenhum fim exterior a si mesma, e ter um prazer seu também na alma deve crer-se que há uma parte fora da razão, e contrária
próprio que aumenta a sua atividade, e bastar-se a si mesma, e ser estu- e que se opõe a esta. . . E a parte irracional torna-se dupla: a vegetativa,
diosa, infatigável por tudo o que é dado ao homem (e tudo o que se' que não participa da razão de nenhuma maneira, e a concupiscente e
atribui ao bem-aventurado parece encontrar-se nessa atividade): então a apetitiva em geral, que dela participa de algum modo, enquanto a escuta
perfeita felicidade do homem será esta, quando consiga a perfeita duração e a obedece . . . Se também a esta deve chamar-se racional, também será
da vida. . . Mas semelhante vida será superior à humana, pois o homem duplo o racional: o um, por excelência e em si mesmo, e o outro, como
não a viverá como homem, porém enquanto um quê de divino nele o filho que ouve o pai. Portanto, segundo tal diferença, distingue-se tam-
estiver presente. . . Ora, não é necessário, como pregam alguns, que o bém a virtude: com efeito a umas dianoéticas (intelectuais) e a outras
homem, por ser tal, conceba somente coisas humanas, e, como mortal, éticas (morais): dianoéticas, a sabedoria, a inteligência, a prudência; éticas,
unicamente coisas mortais, mas que, na medida do possível, se torne a liberdade, a temperança etc. (Et. nic., I, 13, 1 102).
mortal, e faça todo o possível para conseguir viver de acordo com o que
há de mais excelente nele: pois, se como massa é uma coisa pequena, por 7. A virtude e a perfeição do agir - unidade da virtude dianoética e
potência e dignidade supera em muito a todas. E pode parecer antes que ética.
cada um consista nesta parte, se ela é dominadora e mais saliente nele . ..
Com efeito, o que, por natureza, é próprio a cada um, é também para Cada virtude realiza a perfeição dos seres de que é virtude e faz boa
cada um, a melhor e mais doce coisa. Logo, para o homem (é tal) a vida a sua obra ... (Portanto) também a virtude do homem será hábito pelo
conforme ao intelecto, pois este é, sobretudo, o que constitui o homem. qual se torna (o homem) bom e fiel cumpridor de sua tarefa (Et. nic.
Por isso, esta é a vida mais feliz (Et. nic., X, 7, 1 177-8). II, 6, 1 106).
É evidente, então, ... que sem sabedoria não se pode ser verdadeira-
5. O bem e a virtude. mente bom, nem sábio sem virtude ética. Mas, por esse caminho, poder-
-se-ia resolver o discurso com que alguém pretende provar que as virtudes
Se assim é ... , e cada coisa é conduzida à perfeição acompanhando a estão separadas entre si, porque o mesmo indivíduo não pode achar-se
virtude que lhe é própria ... , parece que o bem próprio do homem é a disposto, por natureza, a todas as virtudes, de modo que acontecerá que
atividade espiritual de acordo com a virtude; e se as virtudes são mais já possua algumas, e outras ainda não. Isso pode acontecer, com efeito,
de uma, de acordo com a ótima e mais perfeita ... Aos amantes do bem com as virtudes naturais, mas não ·com aquelas unicamente pelas quais
agradam as coisas que por natureza são prazenteiras. E tais são as ações se diz que um é bom, porque, juntamente com a sabedoria, que é uma
confom1es com a virtude . . . Portanto, a sua vida não necessita do prazer só, se acham todas presentes (Et. nic., VI, 13, 1 145).
como de um adorno, mas tem o prazer em si mesma (Et. nic., I, 8, 1 098).
Pertencerá, então, o (bem) procurado ao homem feliz, e ele será tal 8. Gênese das virtudes da ação.
durante toda a sua vida, porque sempre ou sobretudo agirá e pensará de
maneira conforme com a virtude, e suportará muito bem as vicissitudes A virtude dianoética, na maioria dos casos, recebe do ensino a geração
da sorte, e em tudo e por tudo como convém. . . não por insensibilidade, e o desenvolviment.;,, por isso necessita de experiência e tempo; a ética
mas por generosidade e grandeza de ânimo. Se as ações são as senhoras provém do hábito, do qual tomou também o nome, embora com pequena
da vida, como dissemos, nenhum dos felizes pode tornar-se miserável, variação de ethos (costume). . . Portanto, as virtudes não se geram por
porque nunca c<>meterá ações odiosas e vis (Et.. nic., I, 11 , 1 100). natureza ou contra a natureza, mas em nós, nascidos para recebê-las e
aperfeiçoando-nos mediante o hábito. Além disso, de tudo o que em nós
Não se conquistam e conservam as virtudes com os bens exteriores, mas estes com se gera por natureza, trazemos primeiramente em nós a potência; depois
aquelas . . . Está fora de discussão pois que a cada um toca tanto de felicidade como desta, produzimos a ação ... As virtudes, ao invés, conseguimos agindo
de virtude que possua e de sabedoria e conduta de conformidade com elas: e Deus
é. testemunha, pois é feliz e bem-aventurado, n5o por bem exterior algum, mas por primeiro, como nas outras artes, porque o que é preciso apwender para
s1 mesmo e por ter tal natureza (Polít., vn, 1, 1 323). fazê-lo, aprendemos fazendo-o, tal como nos tornamos construtores cons-
60 R. MONDOLPO 0 PENSAMENTO ANTIGO 61

truindo, ou tocadores de cítara, tocando. Assim, também, reali2ando ações portanto, não é parte de virtude, mas a virtude inteira; nem, por outra
justas, ou sábias ou fortes nos tornamos sábios, justos ou fortes ... Em parte, a injustiça é parte de vício, mas o vício inteiro. Torna-se, pois,
uma palavra, os hábitos nascem de ações conformes. Por isso, é necessário claro em que diferem a virtude e esta justiça: porque esta é a mesma,
praticar ações de determinada espécie, porque segundo a diversidade destas mas não idêntica por sua essência; porém, enquanto é relativa a outro, é
seguem os hábitos. Não é pequena a diferença, pois, habituar-se desde justiça, e como um hábito determinado, é virtude (Et. nic., V, 1, 1 130).
criança a esta ou àquela maneira; antes é grandíssima diferença, é tudo ti evidente como se distinguem o justo c o injusto, de acordo com estes
(Et. nic., li, 1, 1 103). conceitos: porque quase todas as ações de conformidade com a lei são
prescritas pela virtude em geral, pois a lei ordena uma vida conforme com
Dlleren~a entre o hábito da \'irtude e o das artes. Não é a mesma coisa nas artes toda virtude e impede a conforme com todo vício (FA. oic., V, 2, 1 130).
e na virtude; porque os produtos da arte têm o seu valor em si, e basta que sejam
feitos de certa maneira; mas as ações virtuosas são realizadas justa e sabiamente 11 . A justiça como justo meio - melhor receber do que cometer
não enquanto tenham certas qualidades, mas enquanto o agente trabalhe com ccrb
disposição: em primeiro lugar, com consciência, em segundo deliberadamente e com i_njustiça.
aquela determinada deliberação, em terceiro lugar com ~e e cons~ante vontade
(Et nlc., li, 3, 1105). De acordo com est,as distinções, toma-se evidente qne a ação justa é
um meio entre o fazer c o receber injustiça: 'pois um significa ter mais,
9. A virtude como justo meio e hábito de escolha. 0 outro, menos (do devido). . . Por isso, a injustiça é excesso e falta,
porque é própria do excesso e da falta: excesso do que é absolutamente
Costuma-se dizer que nada há que acrescentar nem tirar nas coisas bem útil a si mesmo, falta do que é prejudicial (Et. nic., V, 5, 1 133).
feitas, considerando-se que o excesso ou a falta destroem a perfeição e o ]j, evidente que o receber e o cometer injustiça são ambos males ... ,
justo meio a conserva. . . E a virtude, que é mais perfeita e melhor do mas ainda é pior cometê-la, porque o fazer injustiça vem acompanhado .. .
que toda a arte, do mesmo modo que a natureza, tenderá para o meio. da maldade mais completa e absoluta ou quase ... porém, o receber
Digo a virtude ética, porque esta concerne aos afetos e ações, e nestas injustiça é sem maldade e injustiça (Et. níc., V, 11, 1138).
têm lugar o excesso, a falta e o meio. . . De modo que a virtude é um
certo justo meio porque visa ao meio ... Em toda coisa contínua e divisível 12. As duas espécies da justiça: distributiva e comutativa.
pode-se tomar o mais (excesso), o menos (falta) e o igual (meio): e isso a
respeito da coisa mesma ou a respeito a nós. . . Chamo meio da coisa o Há duas espécies da justiça partiClJlar e do justo conforme ela, que
igualmente distante de ambos os extremos, que é um e idêntico para todos; se aplicam à distribuição das honras, das riquezas e das outras coisas, de
meio, a respeito de nós, o que não é excesso nem falta. E este não é único todas as que podem distribuir-se entre os membros de um Estado (Et. oic.,
nem idêntico para todos ... V, 2, 1 130). Como o injusto é desigual e o desigual injusto, é evidente que
Assim, pois, a virtude é um hábito de eleição, que se acha no meio a há também um meio entre os desiguais, c este é o igual: pois em cada
respeito de nós, determinada pela razão e como faria um sábio: eqüidis- ação, onde se dá o mais e o menos, se dá também o igual. . . ~ mister,
tância entre dois vícios, um por excesso, o outro por falta (Et. nic., 11, pois, que o justo seja eqüidistância e igualdade, a respeito de coisas e de
6, 1 106). pessoas. . . E deve haver a mesma igualdade nas pessoas c nas coisas,
Por isso, é também grande e árdua empresa a realizar-se: pois é grande porque, na relação em que estão as coisas, nela (devem estar) também as
empresa encontrar o meio de cada coisa, como achar o centro do círculo pessoas que as possuem; se, com efeito, não são iguais, não deve haver
não é para qualquer, mas para quem sabe (Et nic., II, 9, 1 109). coisas iguais, antes surgem aqui contendas e lamentos, quando os iguais
têm posses e distribuições desiguais, e os desiguais iguais ... O justo acha-se,
1 O. A virtude ética por excelência: a justiça. pois, em uma espécie de proporção. . . O justo encontra-se na relação
entre quatro termos, pelo menos, e a relação deve ser a mesma, porque
A justiça é uma virtude perfeita, mas não em sentido absoluto, porém devem diferir igualmente as pessoas e as coisas. Então, como A:B, assim
relativo. E por isso, parece, amiúde, a maior entre as virtudes; nem deve C:D, e alternando como A:C, assim B:D. . . De modo que a união
Héspero nem Lúcifer inspiram semelhante admiração, e cita-se como pro- de A com C e B com D proporciona a justiça distributiva. E os mate-
vérbio o verso: "na justiça acha-se contida toda virtude". . . A justiça, máticos chamam, a tal proporção, geométrica (Et. nic., V, 3, l 131).
62 R. MONDOLFO 0 PENSAMENTO ANTIGO 63

A outra espécie é a comutativa, que surge nas mudanças voluntárias ação e à perfeição, porque, mutuamente, se modelam nos que amam (Et.
e involu~tárias. . . O justo nos contratos é uma igualdade, e o injusto é nic., IX, 12, 1 171).
uma desigualdade, mas não de acordo com a dita propcorção, mas segundo
a aritmética. . . De onde não resulta mais nem menos, mas o mesmo para VI. A SOCIEDADE E O ESTADO.
as. mest;nas p:ssoas,. eles dizem de ter o próprio sem perda e sem ganho;
pOis o JUSto e o mew entre ganho e perda .. . : ou seja ter o mesmo antes 1. O bem coletivo (supremo bem), objeto da ciência política.
e depois (da troca) (Et. nic., V, 4, 1 132).
:É necessário, por isso, que as coisas de que há troca sejam comparáveis O bem é digno de ser amado também por um só homem, porém mais
de _algum modo: para esse fim foi inventada a moeda, que é como um belo e divino quand" para nações e para Estados ... (Por isso) o supremo
me10: porque ela mede tudo, por isso também o mais e o menos ... Então, bem corresponderá à Ciêncüt suprema e, por excelência, diretora das
haverá reciprocidade quando for restabelecida a igualdade (Et. nic., V, obras. E assim parece a Política (Et. nic., I, 2, 1 094).
5, 1 133).
2. O homem, animal social.
li 13 . A amizade: atividade e aperfeiçoamento recíproco.
f!. evidente. . . que o Estado existe por natureza e que o homem é por
A amizade é uma virtude ou está unida à virtude, e é a coisa mais natureza animal social. .. , e mais do que todas as abelhas e todo animal
necessária à vida. . . E não somente necessária, mas também nobre (Et que vive em sociedade. Porque a natureza nada faz em vão: ora, só o
n~c., VIII, 1, 1 155). A amizade perfeita é dos bons e semelhantes por homem, entre os animais, posstú razão. . . A linguagem serve para de-
VIrtude . . . : são de ânimo semelhante por si mesmos e não por circuns- monstrar o útil c o danoso, e por isso também o just{) e o injusto, o que
tâncias externas; permanece, pois, a sua amizade enquanto permanecem é próprio dos homens a respeito dos outros animais: ter, somente ele, o
bons, e a virtude é duradoura (VIII, 3, 1 15 6). sentido do bem e do mal, do justo e do injusto (Pol., I, 1, 253).
Os que são amigos por virtude tratam de beneficiar-se reciprocamente: Por isso, mesmo aqueles que não têm necessidade de ajuda recíproca,
pois isto é próprio da amizade e da virtude (VIII, 13, 1162). Amigo é não desejam menos viver em sociedade (Pol., III, 4, 1 278).
quem deseja e pratica o bem (ou que tal lhe pareça) por amor do amigo,
e deseja que o amigo viva e se conserve por si mesmo; que é o sentimento 3. O bem, fim da sociedade e do Estado.
das mães para com os filhos e dos amigos, ainda nas divergências (Et nic.,
IX, 4, 1 166). Quem fez o bem prefere e ama a quem o recebeu, embora Não obstante, também o interesse leva à comunidade ... , porque se
não possa ele ser ou chegar a ser depois de alguma utilidade. O mesmo reúnem (os homens) também para viver, e mantêm a sociedade política
acon~ece também aos ar~istas: pois cada um ama a própria obra, mais do (Pol., III, 4, 1 278).
que e amado por sua cnatura, se se transformar em animada . . . A causa Mas não somente para viver, mas para viver bem (III, 5, 1 280). Já
disso é que, para todos, o ser é objeto de desejo e amor, e nós estamos que todos fazem tudo por amor do que lhes parece o seu bem, é evidente
na ação: no viver e no agir. Na ação existe, de certo modo, quem realiza que todas as associações tendem a um bem, e tende, sobre todas, ao bem
a obra: e ama a obra porque também ama o ser. Isto é natural: porque 0 supremo 'entre todos, a que é a suprema entre todas e compreende a todas
qu~ .está em potencial, isto a obra exprime em ação (IX, 7, 1 167). A as outras: que é a que se chama Estado e sociedade política (Pol., I, 1,
fehctdade é uma certa atividade, e é evidente que (a atividade) se engendra 1 252).
(no exercício) e não se possui como um objeto ... Por isso, a vida solitária O Estado é, portanto, associação, não só em razões de lugar e para
é acerba, porque não é fácil estar, por si mesmo, em atividade contínua, que não se cometam injustiças e se façam trocas: certamente, é necessário
enquanto que é mais fácil com os outros e para os outros. De modo que que existam tais condições para que haja um Estado; mas, mesmo exis-
a atividade será mais contínua, e é doce por si mesma; o que é necessário tindo todas, não há todavia um Estado, mas sociedade de bem viver, e
para ser feliz (IX, 9, 1 169). para as famílias e para o povo, em razão de vida perfeita e suficiente
:É boa, portanto, a amizade dos bons, que aumenta na comunhão de para si mesma. . . Logo, viver bem é o fim do Estado. . . isto é, viver
vida: parecem também tornar-se melhores, levando-se reci.procamente à felizes e virtuosos (Pol., Ill, 6, 1 280). Mas como o bem é o fim de todas

l
0 PENSAMENTO ANTIGO 65
64 R. ivloNDOLFo

citada, ela não é própria de qualquer indivíduo, nem de quem somente é livre, mas
as Ciências e Artes, e o máximo (bem) está, sobretudo, na suprema entre de todos os que se acham isentos dos trabalhos neeessários. Os sujeitos aos traba·
todas (as artes), que é o poder político, assim o bem político é o justo lhos necessários, se a serviço de um homem, são escravos; se estão a serviço do
(Pol., III, 7, 1 283). público, são artesãos e mercenários (Pol., 11, 3, 1 278). Os cidadãos não devem viver
uma vida de artesão ou de mercador, pois semelhante vida é ignóbil e contrária à
virtude. Nem deverão ser agricultores os futuros cidadãos, pois, para a formação da
4. Continuidade histórica do Estado e condlições do seu permanecer. virtude e para a atividade política, é necessário o ócio (otium) (Pol., VII, 8, 1 329).
- Limites às variações das leis. Os escravos, tais por natureza. A outros, o poder do amo parece contrário à
natureza. Por lei (dizem) um é escravo e outro livre; por natureza não há diferença.
Mas, permanecendo os homens no mesmo lug;ar, enquanto seja a mesma Por isso não é justo, pois é por violência (Pol., I, 2, 1 253). (Mas) é evidente que
a nação que permanece, deve dizer-se, talvez, que o Estado é o mesmo Por natureza alguns são livres e outros escravos, para os quais também produz
apesar do fluxo contínuo das mortes e dos nascimentos, como costuma- benefícios e é justo servir (Pol., I, 2, 1 255). Desde o nascimento, alguns estão desti-
nados a mandar e outros a serem mandados ... Todos os que diferem de tal medida,
mos dizer que os rios e as fontes são sempre os mesmos, apesar do fluxo pois, como a alma do corpo e o homem do animal (e acham-se em semelhante
perene das águas que chegam e se vão?. . . É evidente que se deve dizer condição todos os que têm por função própria os exemplos das forças corporais,
o mesmo de um Estado, sobretudo no que s•e refere à constituição ... e isto é o melhor que podem dar), esses são escravos por natureza (Pol., I, 2, 1 254).
(Pol., III, 1, 1 276). É necessário que a constituição, que se deve conservar, (f!) evidente, nesta passagem, que Aristóteles parte da consideração de dois termos
queira que todas as partes e classes do Estado sejam e permaneçam as opostos - feitos para mandar: alma, homem; para serem mandados: corpo, animal
mesmas (Pol., 11, 6, 1 270). - mas, depois se limita a considerar somente o segundo termo].
É evidente que, às vezes, entre as leis algum:as devam mudar-se. Mas é
mau habituar (os cidadãos) a mudarem facilmente as leis .. . Pois a lei
não tem nenhuma força para ser obedecida, salvo pelo costume; e este 6. Igualdade e desigualdade entre os cidadãos.
não se forma senão com o correr do tempo, pelo que a facilidade de
mudar as leis existentes por outras novas, é debilitar o poder da lei (Pol., Entre os semelhantes, o honesto e o justo estão na reciprocidade; com
11, 5, 1 269). efeito, isto é igual e equivalente. A desigualdade entre iguais e a dispari-
dade entre pares é contrária à natureza: e ·nada que é contrário à natureza
5. Conceito do cidadão. é honesto (Pol., VII, 3, 1 325). Assim, a igualdade parece e é justa; mas
não entre todos, somente entre iguais. Também parece justa a desigualdade,
Porque o Estado é complexo, como outros compostos de múltiplas partes, e de fato, o é, porém não entre todos, senão entre desiguais. Quem suprime
é evidente que, antes de tudo, seja preciso inves1tigar o que é o cidadão ...
isto "entre que pessoas", julga mal, também. Isso acontece porque julgam
O cidadão não é tal pela residência (pois também dela participam os me-
tecosl e os escravos); nem são tais os particip:antes dos mesmos direitos, em causa própria, e quase todos são maus juízes das causas próprias ...
de maneira qUie possam sofrer e intentar causas, porque isto pertence Efetivamente, alguns, se são desiguais em alguma coisa (por exemplo, nas
também aos associados por contratos. . . O cidadão, de per si, não é riquezas) crêem ser desiguais em tudo; outros, se são iguais em alguma
definido por nada melhor do que pela faculdade de participar em juízos coisa (por exemplo, em liberdade), acreditam que são iguais em tudo.
e magistraturas ... Quem tem o direito de participar no poder deliberativo Mas não dizem o que é essencial (Pol., III, 5, 1 280).
e judicial, já o chamamos cidadão do Estado, e: ao Estado, a multidão de
semelhantes cidadãos, capaz de bastar-se por si mesma à própria vida 7. A lei reta e a sua superioridade sobre a autoridade individual.
(Pol., 111, 1, 1 275). O bom cidadão deve saber e .poder obedecer e mandar;
e esta é a virtude do cidadão, isto é, conhecer a autoridade dos homens A retidão (da Jei) deve entender-se no sentido de igualdade. O que é
livres sob ambos os aspectos (Pol., 11, 2, 1 277). A virtude do cidadão e igualmente reto é o que beneficia a todo o Estado e à comunidade dos
do magistrado é a mesma que a do homem ótimo, o qual primeiro deve cidadãos (Pol., 111, 7, 1 283). Beneficia mais ser governado por um homem
obedecer e depois mandar (Pol., VII, 13, 1 333). excelente ou por excelentes leis? . .. Melhor é aquilo que não está sujeito
em absoluto a paixões, do que aquilo em que elas são conaturais. Ora,
Exclusão dos que exercem trabalhos manuais ou comerciais. Uma cidade perfeita
jamais dará cidadania a um artesão. . . Mas se a virtude do cidadão deve ser a já essas paixões não pertencem às leis, enquanto que toda alma humana,
necessariamente, as possui. (Pol. III, 10, 1 286).
1. Metecos - nome dado aos estrangeiros domiciliados em Atenas. (N. do R.)
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Perigos e irresponsabilidade do poder absoluto. A isenção de toda responsabilidade Entre as monarquias costuma-se chamar reinado àquela que se dirige
e o poder vitalício são um privilégio excessivamente grande ... ; e o poder que não à utilidade pública; o governo dos poucos, porém mais de um, aristocracia,
se acha regulado por leis, mas pelo próprio arbítrio, é perigoso (PoL, li, 7, 1 272).
O poder mais necessário ao povo (é) eleger os magistrados e fazê-los prestar contas
seja porque mandam os melhores (aristoi) seja porque para o melhor da
das suas gestões, pois, privado de semelhante poder, o povo será escravo e inimigo cidade ou dos seus membros; quando a massa governa para o bem comum,
(Pol, li, 9, 1 274). Ora se dissolvem as constituições, as aristocráticas, sobretudo, chama-se pelo nome comum de todas as constituições, república (poli-
pela violação da justiça na constituição mesma (Pol.., V, 6, 1 307). teia). . . As degenerações das formas nomeadas são a tirania no reinado,
a oligarquia na aristocracia, a democracia na república. A tirania é uma
8. Conservação e dissolução das constituições. monarquia dirigida para o benefício do monarca; a oligarquia está voltada
para o bem dos ricos, a democracia para o benefício dos pobres: para o
A finailidade do legislador e de quem deseja estabelecer uma constituição bem público nenhuma delas (Pol., III, 5, 1 279).
determinada não é somente, .nem sobretudo, fundá-la, mas prever para que
se mantenha (Pol., VI, 6, 1 307). l!. claro que, se conhecemos as causas Pode haver um (povo) feito por natureza para um governo determi-
de dissolução das constituições, também saberemos os meios para con- nado, um monárquico e outro republicano e (cada um torna-se então)
servá-Ias: pois de efeitos contrários são causas os contrários, e a dissolução justo e útil; mas feitos para a tirania não existe nenhum, por natureza,
é o contrário da conservação. Nas constituições bem temperadas convém nem (para alguma) das outras constituições que são degenerativas, pois
vigiar especialmente que não se violem de maneira alguma as leis, e, são contrárias à natureza (Pol., III, 11, 1 287).
sobretudo, evitar as pequenas violações, pois a ilegalidade se insinua furti-
[Nestas passagens chama-se democracia à forma degenerativa ou demagogia; em
vamente, como os pequenos desgastes repetidos que levam as fortalezas à outras partes, semelhante termo indica somente o governo dos muitos ou do povo,
ruína. Não aparece a mudança por não ser de grande aparência, pois a como se pode ver no n .0 10 e ss.].
mente se ilude a seu respeito, conformando-se com o sofisma: se cada A república como forma mista e a condição social média. A república, para
parte é pequena, também o é o todo. O que não é verdade, pois o todo dizê-lo simplesmente, é uma mescla de oligarquia e democracia (Pol., IV, 6, 1 294).
e o inteiro não são pequenos mas são formados de pequenas partes. É Portanto, o Estado quer ser composto de iguais e semelhantes ao máximo, e isto
obtém-se sobretudo na condição média, pelo que é necessário que este Estado seja
preciso, pois, vigiar contra esse princípio ... governado de forma excelente, formado pelos elementos dos quais dizemos que, por
_Em toda constituição, principalmente, é necessário r:egular bem as leis natureza, resulta a formação do Estado (PoL, IV, 9, 1 295).
e todas as outras instituições, a fim de que os magistrados não possam
realizar lucros (Pol., V, 7, 1 308). 1O. Oligarquia e democracia.
O elemento mais importante é observar que o número daqueles que
desejam uma constituição seja maior do que o dos que não a desejam Nas oligarquias e nas democracias o pertencer, respectivamente, a sobe-
(Pol., V, 7, 1 309). O que mais importa para a estabilidade da constituição rania a poucos ou a muitos é acidente concomitante com a existência de
é o que todos descuidam agora, quer dizer, uma educação apropriada à poucos ricos e de muitos pobres, em todas as partes (Pol., Ili, 5, 1 279).
constituição (Pol., V, 8, 1 310). Melhor é dizer que há democracia quando os homens livres são soberanos;
oligarquia quando são os ricos (Pol., IV, 3, 1 290).
9. Fonnas de constituições: normais c degenerativas.
11 . Superioridade da democracia.
A constituição de um Estado está na ordenação das magistraturas, e
sobretudo, da suprema entre todas. Pois, em qualquer parte, o governo A democracia é mais estável e menos agitada do que a oligarquia.
do Estado é o soberano: e o governo é a constituição (Pol., JII, 4, 1 278). (Pol., V, 1, 1 302). É melhor que a massa seja soberana antes que os
Constituição e governo significam, pois, a mesma coisa, e o governo otimates, que são poucos . . . Porque pode dar-se que os muitos, embora
é soberano nos Estados, e é necessário que seja soberano um, ou poucos entre eles cada um não seja um grande homem, porém no seu conjunto,
ou muitos, assim quando um, ou os poucos ou os muitos governam para sejam melhores do que aqueles, não individualmente, mas como massa
a utilidade pública, estas devem ser as retas constituições; quando gover- (Pol., UI, 6, 1 28 1). O povo, em muitas coisas, julga melhor do que o
;am para a u1ilidade particular de um, dos poucos ou dos muitos, são as indivíduo, seja quem for. Além disso, a multidão é mais incorruptível ... ;
degenerações ... e, se um indivíduo se deixa dominar pela ira ou por outra paixão seme-
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lhante, necessariamente corrompe o seu JUIZo; em compensação, é difícil 15. Os fatores da virtude civil e o dever do Estado: a educação.
que todos juntos se inflamem de cólera ou pequem (Pol., III, 1O, 1 286).
Os homens tornam-se bons e virtuosos devido a três fatores, e estes são
12. Liberdade e igualdade na democracia. a natureza, o hábito e a razão (Pol., Vll, 12, l 332). Ora, a razão e a
inteligência são os fins da nossa natureza. Por isso é necessário preparar-
A liberdade é fundamento da constituição democrática . . . Um caráter -lhes a formação e o cultivo dos hábitos (Vll, 13, 1 334). Já se disse de
da liberdade é o alternar-se (o cidadão) na obediência e no mando. Pois que natureza devem ser os futuros cidadãos dóceis ao legislador: o resto
a justiça no governo democrático é a igualdade de acordo com o número é obra da educação (Vll, 12, 1 332). Realmente, toda arte e educação
e não segundo o mérito; e, sendo o justo tal, é mister que a massa seja esforçam-se por completar o que falta à natureza (VII, 15, 1 336). Nin-
soberana (Pol., VI, 1, 1 317). guém porá em dúvida que ao legislador incumbe, sobretudo, o cuidado
da educação. . . Pois o costume adequado a cada constituição só i defendê-
A eleição e a responsabllldade dos magistrados na dcmocracL'I. É útil . . . e habitual
que todos os cidadãos concorram à eleição dos magistrados, para a prestação de -la, e, no começo, fundá-la também. . . E sempre o costume melhor é
contas da sua gestão e para julgá-los ... Uma vez que os cidadãos não serão gover· causa de melhor constituição .. . Mas, como o fim de todo o Estado é
nados pelos piores, e os governantes governarão com justiça, devendo prestar contas único, torna-se evidente que deve haver uma s6 e mesma educação para
nos outros ... Assim, será de máxima utilidade nas rep úblicas que os justos gover- todos, e que o cuidado e a vigilância desta devem ser públicos e não
nem sem cometer faltas (Pol., VI, 2, 1319). privados . . . :É claro, então, que compete às leis regular a educação e
torná-la pública (VIII, 1, 1 337).
13 . As três funções do Estado e a soberania.
Normas para a educação. É evidente que há um gênero de instrução (a musical)
Há três partes em todas as repúblicas a respeito das quais o sábio que se deve dar aos filhos, não por sua utilidade, ma&porque é liberal e bela (Pol.,
legislador deve procurar saber o que compete a cada uma ... Destas três VIII, 3, 1 338). Mas não é difícil observar que os jovens não devem ser instruídos
partes, uma é a deliberativa sobre os negócios públicos; a segunda refere-se por deleite, pois ao aprenderem, não brincam, uma vez que o estudo é acompanhado
de fadiga (VIII, 4, 1 339).
às magistraturas (isto é, quais e de que coisas devem ser soberanas e qual Não há dúvida de que, na educação, 6 necessário satisfazer n três condições: o
deve ser a forma da sua eleição); a terceira que administra a justiça. A justo meio, o possív~l e o conveniente (Pol., VIU, 7, 1 342).
deliberativa resolve sobre a guerra e a paz; as alianças e os tratados, as
leis, a pena de morte, o exílio, a confiscação e exige a prestação de contas
dos magistrados (Pol., IV, 11, 1 298).
Portanto, a pane deliberativa e soberana na república é definida dessa
maneira (Pol., IV, 11 , 1 299).
[A distinç11o das três funções corresponde, em parte, à moderna, dos três poderes:
legislativo (deliberativo), executivo (magistraturas) e judiciário üustiça). A soberania
parece achar-se colocada na função dc!Jberativa].

14 . Perfeição, virtude e prosperidade nos Estados.

A cada um toca tanto de felicidade quanto há de virtude e de sabedoria


e de conduta de conformidade com as mesmas . . . Disso resulta, e, pelas
mesmas razões, que também o Estado mais perfeito e que age melhor é
feliz. . . A vida virtuosa, provida dos meios indispensáveis para poder
tomar parte nas ações virtuos.as, é a mais perfeita para cada um separa-
damente e para os Estados, em comum (Pol., VII, 1, 1 323). Mas, ser o
Estado virtuoso n ão é obra do acaso mas de ciência e de vontade deli-
beradas (Pol., VII, 12, 1 332).

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