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Filosofia em pílulas

as mulheres
das tragédias gregas:
poderosas?

Susana de Castro

editor da série: Paulo Ghiraldelli Jr.

~
Manole

201L
" .
sumano
Não vejo a hora em que se louvará
o nosso sexo e não mais pesará
sobre as mulheres tão maldosa fama.
Não mais celebrará nossaperfídia
Apresentação ix
a poesia dos bardos eternos. Prefácio xi
Febo, o maestro de todos os cantos, Introdução
nãofez o nosso espírito dotado Origem I
para a inspirada música das liras; Teatro 3
Autores 5
se assim nãofosse nós entoaríamos
Fontes 6
um hino contra a raça masculina. Fim 7
Em sua longa caminhada o tempo
dá o quefalar tanto dos homens como Capítulo I
de nós, mulheres. Filosofia e tragédia 8
I. A cultura da vergonha e a cultura da culpa 8
2. Três grandes intérpretes: Aristóteles,
Eurípedes (fala do coro em Medeia, vv. 475-485)
Hegel e Schelling II
3. Holderlin. o sagrado e a natureza como o
pátno dos gregos 20
4. As mulheres das tragédias, uma hipótese 23

Capítulo 2
Medéia e Clitemnestra: mulheres poderosas? 29
I. Mudança de caráter e o seu elemento "divino" 36
2. Medéia, a filicida 39
3. Clitemnestra, a rainha de Argos 46
as mulheres das tragédias gregas: poderosas?

Capítulo 3
Antígona, o espírito grego 48
I. A recepção da peça na Modernidade 52
2. A finitude humana 57

Capítulo 4
Electra e Hécuba, a ética feminina da súplica 61
apresentação
I. Electra. a virgem 63
2. Hécuba, a viúva 64
3. A incapacidade de agência moral 67

Capítulo 5
Helena, o resgate da honra perdida 69
I. O modelo penelopiano da mulher fiel 71
2. O mito de Deméter e Perséfone 73 Comecei a me interessar pelas tragédias em 2007,
3. Casamento e morte 76 quando ofereci, no Programa de Pós-graduação em filo-
4. O papel inusitado da heroína 77 sofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
um curso sobre a obra de Martha Nussbaum, A fragilida-
Conclusão 79
I. As baGantes, a doutrina miteriosófica da tragédia 79 de da bondade. No ano seguinte, iniciei, com alunas do
curso de Pedagogia da mesma universidade, um projeto
Bibliografia 84 de extensão universitária intitulado Educação ética e mo-
ral através do teatro. Paralelamente a esse projeto, passei
Sugestões de leitura 89
a ministrar cursos de pós-graduação sobre Literatura e
I. Sobre a mitologia e a religião dos mistérios 89
2. Sobre a relação entre as tragédias e a filosofia grega 90 Filosofia que abordavam as tragédias gregas e a literatu-
3. Sobre a recepção moderna das tragédias gregas 91 ra secundária sobre elas. No final de 2009, lancei, com
4. Sobre o ator trágico 91 João Belisário Ribeiro, a coleção de ensaios intitulada
Educação, ética e tragédia, pela Editora Nau.
Sugestões de filmes 92
l. Filmes baseados em Medéia, de Eurípedes 93 O presente livro é o resultado de leituras e discus-
2. Filme baseado em lfigênia em Áulis, de Eurípedes 95 sões centradas especificamente na análise do papel das
3. Filme baseado em Electra, de Eurípedes 96 heroínas das tragédias gregas. As discussões que tive
4. Filme baseado em Antígona, de SófocJes 97
com os alunos dos meus seminários de pós-graduação
Sobre a autora 98

viii
Antígona. o espírito grego

capítulo 3

Antígona, o espírito grego

I, ~a obra dos três randes tragedió rafos regos,


Esquilo, Sófocles e Euríp~des, h~ adação na re-
Ia ão com o divino. Para Esquilo, o herói sofre e é ani-
quilado porque cometeu uma falta ao tentar ultrapassar Figura 19. Antígona diante do corpo de Polinice. Pintura a
óleo (1865) de Nikiforos Lytras (1832 a 1904). Galeria Nacional
os limites que o separava dos deuses, devendo ele (ou
da Grécia - Museu Alexandros Soutzos.
seus descendentes diretos) expiar seu crime. Em suas
peças, há uma clara separação entre os homens e os deu-
Édipo Rei, no qual, ao final da peça, Édipo reconhece ter
ses, e os homens reconhecem essa separação. Já no caso
sido o autor dos crimes de parricídio e incesto, e nada lhe
de Eurípedes, a ideia de um destino ou uma expiação
ocorre. Isto é, não há uma intervenção divina ou humana,
provocada pela ira de um deus já perdeu sua força. Seus
a mando dos deuses, culpabilizando-o e penalizando-o;
personagens respiram um ar cético com relação à re-
é ele,quem inflige a si próprio uma pena, a cegueira. Se,
ligião e os deuses surgem apenas no final, de maneira
em Esquilo, o drama é, desde o início, a narrativa da ex-
artificial e exterior (deux ex machina).
piaç~o do herói, em Sófocles, há uma ruptura.
Em Sófocle , a situação é diferente. O trá .co está
Edipo, no início da peça Édipo Rei, age como um juiz
QQ eni ma 9.-uerepresenta a fronteira entre o homem e
em busca de resposta, representando a união da justiça dos
o deus. Nele, a tra icidade si nifica a ausência e o afas-
homens e dos deuses. Çhtando, porém, o profeta Tirésias (
tamento dos deuses ue Rarecem não mais se importar,
anuncia os ~rimes de E9ipo sem lhe atribuir sua autoria)
com o destino dos mortais. O exemplo clássico é o de
mostra o abismo que separa o humano e o divino.

49
Ant íg on a. o e s p Irit c grego
a s mulheres das tragédias gregas poderosas')

Eis por que, para Hõlderlin, Antígona seria o drama


Antígona representa a outra face do drama. Ao con-
mais representativo do especificamente grego, daquilo
trário de Édipo, ela não está, no início, representando a
que ele chamava de pátrio e que associava ao solo orien-
união das forças terrenas e divinas. pois somente as úl-
tal da cultura grega, seu ímpeto pelo sagrado.
timas lhe interessam. Em torno do drama do corpo in
Depois que Creonte decreta que Antígona seja en-
sepulto de seu irmão, Antígona dá ao divino um sentido
cerrada viva em urna tumba rochosa para que definhe até
própri . Ela nega que o édito de Creonte, que impedia
morrer, Antígona pronuncia urna grande fala de lamento:
a quem quer que fosse de enterrar Polinice, representas-
se o desígnio dos deuses, e confere a estes uma marca
Morrendo meu esposo, poderia ter outro,
pessoal ao anunciar que segue "as leis não escritas dos
filhos outro homem, perdendo um,
deuses domésticos", segundo as quais era sua obrigação
poderia dar-me,
não deixar o corpo do irmão insepulto.
I_ Antígona ~e~ co~sciência, ~orém, de que a maldi-
mas irmão, visto que mãe e pai foram
recolhidos à Morte,
çao dos Labdácidas e _o que gula a sua ação. Logo no
I
primeiro verso, pergunta retoricamente à irmã:
jamais será possível que outro floresça.
Esta é a lei ue me orienta.
(vv. 908-911)
sabes de algum mal, dos que nos vêm de Édipo,
que Zeus não queira consumar em nossas vidas?
Antí ona é uma peça.que começa com o sagrado,
(vv.2-3)
a_desobediência de Antí ona em nome dos deuses da
morte assa em seg~üda ara a sua sobriedade diante
Condenada à morte por emparedamento em vida,
da fatalidade de sua condenaÇão, em nome da l~i dos
Antígona demonstra, em seu lamento final, resignação
homens, e volta, ao final, ao sagrado quando ela cami-
com seu fim:
nha resignada para o reino dos mortos. Antígona age
em nome das leis não escritas dos deuses subterrâneos ,
6 tumba, ó tálamo, ó cárcere
a ~uem o~ mortos pertencem e que exigem que est s
escavado, prisão sem fim. A ti me dirijo
sepm enviados à morada do Hades
em busca dos meus, numerosos,
É importante lembrar, porém, q~e é só em função da
mortos meus, hóspedes de Perséfone, a deusa da morte.
ausência do pai, dos irmãos e do marido, que ainda não
(vv.891-894)
tem e nem terá, que Antígona se sente obrigada a agir.

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as mulheres das tragédias gregas: poderosas? Antígona, o espírito grego

1. A recepção da peça na Modernidade os interesses privados dela e os interesses públicos de


Creonte; em outras palavras, entre a legalidade anárqui-
George Steiner inicia seu livro Antzgonas (2008) afir- ca de Antígona e o legalismo cívico de Creonte. O mo-
mando: tivo desse conflito é o édito de Creonte, que condenava
à morte quem sepultasse o corpo de Polinice, irmão de
Entre 1790 e 1905, em números redondos, foram muitos os Antígona, morto em combate fratricida com seu outro
poetas, filósofos e eruditos europeus que sustentaram que irmão, Etéocles. Para Creonte, Polinice é um traidor,
Antígona de Sófocles era não apenas a maior entre as tragédias, pois ousou atacar ; sua própria pólis e, por isso, deve
como também uma obra de arte mais próxima da perfeição do ser condenado ao ostracismo, isto é, seu corpo deve ser .
que qualquer outra produzida pelo espírito humano. (p.15) jogado insepult;-aos cães como pasto. ,
No epílogo ou êxodo do drama de Esquilo que narra
Entre todas as tragédias gregas existentes, essa era a a luta dos dois irmãos, Os sete contra Tebas, Antígona
que melhor refletia os espíritos revolucionários da época anunciava que enterraria seu irmão a qualquer custo:
e sua luta contra a tirania da monarquia absoluta.
É conhecido o envolvimento que os autores dos mo- (...) Tirem isso da cabeça.
vimentos literário e filosófico do romantismo tiveram Eu mesma abrirei a cova. Ainda que seja mulher,
com as tragédias gregas. Ao longo de todo o século XIX, eu mesma me encarregarei disso. Eu o envolverei num
assistiu-se ao surgimento de uma profusão de obras em pano de linho finíssirno, eu o tomarei nos braços,
filosofia e em arte que reverenciavam não só o espíri- lhe darei sepultura.
to autêntico e incomum dos trágicos, mas a herança da Ninguém pense em deter-me.
cultura grega de uma maneira geral. Minha audácia achará meios para executar a tarefa.
A inter retação fulcral de Antzgona é a hegelia- (vv.l035-1041)
na. Õutras interpretações, de Goethe, Kierkegaard e
Hõlderlin, por exemplo, surgem sejam para criticá-Ia ou O mais extraordinário da Antígona de Sófocles é
para produzir desdobramentos a partir dela, diz Steiner. ~e estão aí reunidos vários ti~ de conflitos básicos da
O núcleo da interpretação hegeliana é a noção de humanidade, não~ó entre o indivíduo e a comunidade
conflito. Pgra.Hegel.ajragédia representa o embate en- mas também entre o homem e a mulher a velhice e-ª_
t;;-;;; ões anta ônicas absolutamente irreconciliáveis. juventude, os seres humanos e os deuses, e os vivos e os ,
O conflito principal de 'Antígona seria o conflito entre ~Diz Steiner:

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as mulheres das tragédias gregas: poderosas? Antígona, o espírito grego

É nos versos 441 a 581 da Antígona de Sófocles que in-


tervêm cada uma das cinco categorias fundamentais da
definição e autodefinição do homem por meio do conflito,
tornando-se as cinco presentes num só e mesmo afronta-
mento em ato. (p.258)

A fim de ilustrar o forte conflito entre o homem


e a mulher, destacam-se alguns versos desse famoso
trecho em ue se dá o embate entre os dois principais
personagens.
Diz Antígona, após Creonte tê-Ia repreendido pela
desobediência, ao final de uma fala desafiadora:

Defrontar-me com a morte


não me é tormento. Tormento seria, se deixasse insepulto
o morto que procede do ventre
da minha mãe. Tuas ameaças não me atormentam.
Se agora te pareço louca,
pode ser que seja louca aos olhos de um louco.
(vv.465-470)

Diz Creonte, nos versos 483 a 485: Figura 20. Sófoeles.

C..) Agora, entretanto, homem não serei eu, homem Muito bem, se precisas amar aos mortos, incorpora-te a eles,
[será ela, ama-os. Mas, em minha vida, não permitirei que uma
se permanecer impune tamanho atrevimento. [mulher governe.

E depois, nos versos 522 a 525: E, finalmente, respondendo à Ismene, que indaga,
• !atarás a noiva do teu próprio filho?", diz: "Ele encon-

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as mulheres das tragédias gregas poderosas? Antígona, o espírito grego

trará outros campos para lavrar" (verso 569). "(...) Mulher de condená-Ia à morte, esbanjando virilidade e onipotên-
desqualificada não quero para meu filho" (verso 571). cia ao comparar a mulher à terra que é arada.
'\ Esses trechos do embate entre Creonte e Antígona Antí ona é a re resenta ão da iovern rebelde quJ:..
tratam da posição de cada qual em relação ao sexo opos- não se intimida diante da prepotência do velho soberano.
to. Esse conflito está refletido em inúmeros embates Steiner não hesita em dizer que se, de toda a literatura,
de outros pares da tragédia grega, como os de Jasão somente essa cena restasse, "as linhas de força essenciais
e_Medéia, Clitemnestra e Agamêmnon e Hipólito e da nossa identidade e da nossa história, e sem dúvida pelo
Fedra. Segundo Steiner, a peça mostra como homens e menos no que ao Ocidente se refere, continuariam a ser
mulheres podem usar as mesmas palavras com sentidos visíveis"(p.259).
diferentes quando há um conflito de interesses. Antes
dele, Vernant já apontara para o caráter ambíguo da lin- 2. A finitude humana
guagem trágica (1977, p.2?). Apesar de compartilharem
as mesmas língua e cultura, Antígona e Creonte dão A uestã e ralzez.reüna.rodos os conflitos da
sentidos completamente diferentes às palavras centrais, peça é a rela ão dos personagens com a morte. Antfgona
como justiça, família, cidade- Estado. é uma ...E.eçacoroada pela morte, seja porque s_euinício
Um dos fatos mais básicos da psique comum primi- ocorre logo ~ós uma batalha em que inúmeros solda-
tiva é essa tensão que jaz no encontro entre um homem dos morrem, além de seus dois irmãos, seja porque, ao
e uma mulher, pois a condição humana dividida e ago- final da peça, há três suicídios, de Antígona, Hemon e
nística está espelhada nesses conflitos dramáticos. O ue Eurídice, que morre acusando Creonte de filicidio, pois:
torna Antígona tão especial, porém, é a presença não so- antes de Hemon, seu outro filho, Mecareu, havia se jo-
mentedesse dado do conflito primordial entre os sexos, gado das muralhas de Tebas em sacrifício aos deuses em
mas de todos os cinco conflitos que se apresentam ao nome da vitória tebana. '
longo do embate entre Creonte e Antígona. Antígona Segundo Sreiner, a tarefa de Antígona poderia de-
justifica sua desobediência à lei da pólis por seu compro- finir-se concisamente como a restituição ao vocabulário
misso anterior e primeiro com a lei familiar, ou com as da morte a dignidade homérica e socrática de que o vi-
leis não escritas dos deuses. Creonte, por sua vez, sente talismo político de Creonte o despojou (p.289). O sig-
sua masculinidade ofendida pelo desafio feito por uma nificado dessa dignidade homérica diante da morte está
mulher e considera uma desonra não cumprir a sentença registrado magistralmente no último canto da Ilíada,
o canto XXIV, na cena do encontro noturno entre

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as mulheres das tragédias gregas: poderosas? Antígona, o espírito grego

Príamo e Aquiles, e na devolução do corpo de Heitor É desse mesmo espírito da fala do jovem A~iles
a Príamo. Steiner não esconde seu entusiasmo por esse ue está imbuída Antígona. Ela res onde or uma
canto e diz: "Qpanto mais cresce a nossa experiência cultura em que a bestialidade da guerra e a cultura da
da civilização e da literatura gregas, mais insistente se c"Mtesia-es ontânea, ró ri~ das emoções convivem_
torna a sugestão segundo a qual a Hélade deita raízes sem roblema. A uiles é um ~o acostumado à
no 24° livro da llíada" (p.268). violência da baralha.mas, ao contrário de Creonte, não
O que essa cena tem de especial?Trata-se do encon- r~ as suas emoções e guia-as de acgrdo com a co --
tro entre um idoso pai, em luto pelo filho, com o herói veniência do que achar certo para o momento;..
grego que o matara, mas que também sabe que em breve Finalmente, resta~;rar a importante passa-
morrerá, pois esse é o preço que pagará pela fama. Apesar gem do grande canto de lamentação de Antígona que,
de inimigos, choram e lamentam juntos os infortúnios quando fica sabendo que vai morrer, diz:
da vida e a tristeza da morte. Nas palavras do poeta:
Este é o fim. A acolhedora
Ambos choravam; o velho, lembrando de Heitor valoroso, morte me leva viva
num soluçar convulsivo, de Aquiles ao pé enrolado, às margens do Aqueronte,
que, ora o pai velho chorava, ora a perda do amigo dileto, rio de águas amargas,
Pátroclo; o choro dos dois pela tenda bem-feita ressoava. sem desfrutar
(vv, 509-512) cantos nupciais.
Noiva serei de Finados.
Depois que ambos choram suas dores, Aquiles faz (vv. 810 a 816)
uma longa explanação sobre os desígnios tristes que os
deuses outorgam aos homens, mostra o corpo de Heitor Essa evocação de Antí ona ao mundo dos mortos
a Príamo e, então, vira-se para o velho monarca e diz: t~um forte elemento dionisíaco, p"oisneste há uma ten-
dência extática ara a autodestrui ão. O êxtase dionisíaco
Teu filho, velho, tal como o querias, já está resgatado: aparece no quinto estásimo do coro dos anciões, que vai
jaz sobre o féretro. Podes revê-lo ao raiar da Aurora, do verso 1115 ao 1150. Nele, lê-se, na primeira estrofe:
ou retirá-Io daqui: mas agora pensemos na ceia.
(vv.599-601) Polionomástico, tesouro da ninfa cadmeia
e do Zeus baritroante

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as mulheres das tragédias gregas. poderosas?

filho, tu que tutelas a


ínclita Itália
capítulo 4
e que Imperas
nos acolhedores vales de Deméter
eleusina, ó Baco
Electra e Hécuba, a ética
de Tebas, metrópole das bacantes, feminina da súplica
tu, assentado junto à corrente
úmida de Ismeno, sobre a semente
do feroz dragão.

Dionísio é um cidadão tebano, filho de Zeus com uma


mortal, Sêmele, filha de Cadmo, rei de Tebas. Dionísio Nas tragédias gregas, é muito recorrente que as mu-
veio ao mundo duas vezes. Na primeira, como filho de lheres façam o papel de suplicantes. Os gestos e o com-
Zeus com Perséfone, foi trucidado pelos Titãs. Na segun- portamento eram "padronizados", isto é, seguiam uma
da, como filho de Zeus com Sêmele, nascendo duas vezes, liturgia específica para essas ocasiões. A mulher deveria
uma quando foi retirado do ventre de Sêmele, antes que se ajoelhar e alçar as mãos para o queixo e para a mão
esta fosse morta pela ciumenta Hera, outra da coxa de direita daquele a quem fazia a súplica. I
Zeus (Eliade, 2010, p.338). Assim, Dionísio revela-se, ao Como bem observado por Helene P Foley (2002,
mesmo temP-Q, deus da ferrilidade.e.damorte.Heráclito p.145), a lamentação é um tipo de comportamento éti-
afirma, no fragmento 15, "Hades e Dionísio são um e co próprio às mulheres dentro de uma sociedade em
mesmo deus". -- que a forma da justiça era a da vendeta. Em geral, as
Penteu, neto de Cadmo, conta-nos Eurípedes em mulheres dos aristocratas e grandes proprietários não
As bacantes, proibia o culto a Dionísio em Tebas e, por saíam do ambiente doméstico. A situação só mudava
vingança, Dionísio faz com ~e sua própria mãe e suas quando ocorria a morte de algum parente, pois, nesse
tias, na "loucura" do transe orgiãstico..doradas de uma caso, as mulheres da família se encarregavam dos ser-
for a fora do comum, confundam-no com um animal e viços fúnebres. Cabia a elas seguir à risca o ritual do
o trucidem com as próprias mãos. luto e das exéquias. Vestiam-se de negro, cortavam o

Ver Hécuba, vv. 3544-356.

60

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