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O bem silencioso – Padre João Baptista Zecchin

Numa família de amigos, ocorreram dois fatos muito importantes ligados entre
si com o espaço de quatro anos. Dois acidentes. O primeiro, quatro anos antes,
resultou na morte de um casal. O segundo resultou em ferimentos.

Nos dois casos, os veículos ficaram em estado lamentável, dada a gravidade


dos acidentes.

Por circunstâncias e coincidências, os dois carros foram levados à mesma


oficina. Agora o fato notável: ao saber que os dois acidentes envolviam a mesma
família, o mecânico da oficina entregou a um dos membros da família um relógio
encontrado no carro do primeiro acidente, quatro anos passados. Notável, não é?
Cada pessoa a quem se conta o fato, manifesta incontida surpresa. Com melancólica
razão: agir corretamente, hoje, é algo surpreendente, pode até assustar

Nós todos carregamos excessiva dose de pessimismo, quando se trata de falar


da sociedade contemporânea. Especialmente em nosso país. Especialissimamente.

É tamanho descrédito que nos fica a impressão de que não há espaço para se
fazer algo de bom.

Mas resta, Esse espaço existe. E é ocpado. Por inúmera multidão espalhada
pelo mundo inteiro. Com muitas amostras, também em nosso estranho país.

Diz um axioma francês: O bem faz pouco barulho e o barulho faz pouco bem.

Uma multidão de pessoas boas vive no anonimato, fazendo discretamente o


bem. Mas o bem é silencioso. É humilde. A discrição é parte da sua natureza.

O bem é como a saúde. Não se percebe.

A doença é ruidosa. Chama a atenção. Faz doer.

O pai carinhoso é conhecido somente no recinto do lar ,

O pai selvagem, bruto, que espanca esposa e filhos, o bairro todo conhece e sua
fama alastra-se pela cidade.

O rio que segue o seu curso, enfeita a natureza.


O rio que transborda e invade os campos e as cidades é notado pelos desastres
que produz.

O bem é silencioso. O mal berra desvairadamente.

O mal, além de tudo, e sobretudo em nosso tempo, conta com a divulgação. Ele
é notícia. O bem não é. Ninguém conta a ninguém. Os meios de comunicação são
ávidos para procurar o mal e propaga-lo. Porque ele é sensacional.

É na beleza do silêncio que o sol se põe a cada tarde. Quem não souber prestar
atenção, não verá. É não lerá o verso novo que a natureza escreve a cada crepúsculo.

É no silêncio que a semente se esconde no seio da terra. E sempre o silêncio


germina, para florir e frutificar.

A rosa pinta suas pétalas impecáveis e as cobre de veludo, no impressionante


silêncio. Os que passam não a percebem. Apenas alguns, cujo coração é canteiro tão
fértil como a terra e tão novo como a flor.

É no silêncio moldurado de leve zumbido que a abelha coleciona o néctar e


fabrica o mel.

É no silêncio que a mãe cultiva a vida que cresce dentro de si mesma, com a
qual dialoga sem dizer palavra.

É no silêncio que se desenvolve o pensamento no laboratório do cérebro. É no


silêncio que cresce o amor, cuja luz se irradia também em silêncio.

É no silêncio do mistério que a própria morte aguarda, na esperança que não


morre, o dia da grande Vida.

Enquanto isso, o raio trinca o tronco e devasta barulhento. A bomba explode


com estrondo e destrói. A violência grita, oprime e esmaga. A antiarte busca se impor
ganindo e uivando.

Não amigo, o mundo não é apenas o desastre amargo que pretendem impor a
você. Na sua caminhada, você cruza, sem perceber, com o bem que se esconde na
folhagem e se oculta no coração humano. Bem tão bom que nem se quer chama sua
atenção, para não perturbar a serenidade dos seus passos.

Se eu quiser divulgar na televisão a história do mecânico que devolveu o


relógio guardado quatro anos, terei que pagar pesado para isso. Mas os crimes, os
assaltos e a corrupção são divulgados gratuitamente.
Como o Deus silencioso, o bem se aninha em todos os recônditos da terra. Mas
é preciso mergulhar para encontra-lo. Como faz o mergulhador à procura das pérolas
no fundo do mar.

Após a segunda guerra mundial, muitos soldados ficaram na Europa algum


tempo, antes de retornar. Um deles, norte-americano, contou em carta:

Conheci hoje uma senhora que eu via, toda manhã, entrar na igreja, levando
uma criança numa cadeira d erodas. Acabei satisfazendo minha curiosidade.
Aproximei-me e lhe perguntei:

- É sua filha?

- Não, é minha neta.

- Está doente?

- Ficou aleijada, na explosão da sua casa

- A senhora a traz todos os dias aqui...

- Seus pais morreram na mesma explosão. Fiquei sozinha com ela. Venho
todos os dias à igreja paar dizer a Deus que não estou magoada com ele.

As bombas que destruíram, certamente foram notícia de jornal.

Uma carta, quieta e discreta, registrou um fato mais importante que as bombas.

Normalmente, o silêncio é o estojo que guarda as joias da bondade.

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