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O Arqueiro

GERALDO JORDÃO PEREIRA (1938-2008) começou sua carreira aos 17 anos, quando foi trabalhar
com seu pai, o célebre editor José Olympio, publicando obras marcantes como O menino do dedo
verde, de Maurice Druon, e Minha vida, de Charles Chaplin.

Em 1976, fundou a Editora Salamandra com o propósito de formar uma nova geração de leitores e
acabou criando um dos catálogos infantis mais premiados do Brasil. Em 1992, fugindo de sua linha
editorial, lançou Muitas vidas, muitos mestres, de Brian Weiss, livro que deu origem à Editora
Sextante.

Fã de histórias de suspense, Geraldo descobriu O Código Da Vinci antes mesmo de ele ser lançado
nos Estados Unidos. A aposta em ficção, que não era o foco da Sextante, foi certeira: o título se
transformou em um dos maiores fenômenos editoriais de todos os tempos.

Mas não foi só aos livros que se dedicou. Com seu desejo de ajudar o próximo, Geraldo
desenvolveu diversos projetos sociais que se tornaram sua grande paixão.

Com a missão de publicar histórias empolgantes, tornar os livros cada vez mais acessíveis e
despertar o amor pela leitura, a Editora Arqueiro é uma homenagem a esta figura extraordinária,
capaz de enxergar mais além, mirar nas coisas verdadeiramente importantes e não perder o
idealismo e a esperança diante dos desafios e contratempos da vida.
Título original: The Sins of Lord Easterbrook
Copyright © 2009 por Madeline Hunter
Copyright da tradução © 2015 por Editora Arqueiro Ltda.
Publicado mediante acordo com Bantam Books, selo de The Random House Publishing Group, divisão da Random House, Inc.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem
autorização por escrito dos editores.

tradução: Flávia Souto Maior


preparo de originais: Sheila Til
revisão: Ana Grillo e José Tedin
diagramação e capa: Adriana Moreno
imagem de capa: Lee Avison/Trevillion Images
adaptação para ebook: Marcelo Morais

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
H922s
Hunter, Madeline
Segredos de um pecador [recurso eletrônico] / Madeline Hunter [tradução de Flávia Souto Maior]; São Paulo:
Arqueiro, 2015.
recurso digital

Tradução de: The sins of lord easterbrook


Formato: ePub
Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-85-8041-383-0 (recurso eletrônico)

1. Ficção americana. 2. Livros eletrônicos. I. Maior, Flávia Souto. II. Título.


CDD: 813
15-19558
CDU: 821.111(73)-3

Todos os direitos reservados, no Brasil, por


Editora Arqueiro Ltda.
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CAPÍTULO 1

Silêncio. Um núcleo escuro e calmo absorve o caos em sua quietude.


O ritmo tranquilo da inspiração e da expiração.
Uma pulsação. A vibração fundamental da natureza estendendo-se ao infinito. Consciência de
tudo e de nada. Nenhum pensamento. Nenhum sonho. Nenhum desejo. Pura existência.
Conhecimento primordial.
E então flutuar no núcleo. Finalmente. Singular, mas ao mesmo tempo transcendente. Apenas
um pulsar no escuro. Só, mas integrado a um ritmo maior, o...
Uma perturbação. Um grito ao longe, cauteloso e preocupado, invadindo o vazio perfeito.
– Por que está se esgueirando por aí, Phippen?
– Peço desculpas, senhor. Achei que... O senhor parecia estar dormindo, então pensei em entrar e
levar a bandeja...
Um grito mais alto. Agora de medo. Sempre. O mundo urrava de medo.
– Sairei imediatamente, senhor.
– Leve a bandeja, Phippen. Vamos fazer a interrupção valer a pena, pelo menos.
Caos. Consternação. A delicada cacofonia de metal e louça caindo.
– Minhas mais profundas desculpas, senhor. A banqueta... Limparei isso do tapete em dois
tempos. Terei saído antes que o senhor possa dizer “Phippen é um tolo”.
– Phippen é um tolo. Minha nossa, você ainda está aqui.
Barulho. Sons tanto audíveis quanto espirituais. Desespero entre os tilintares e suspiros. O
núcleo escuro encolhendo, encolhendo...
Christian, o marquês de Easterbrook, abriu os olhos para ver o criado intrometido que acabara
com sua meditação. Phippen, o novo pajem, tentava pegar o conteúdo da bandeja sem fazer barulho.
Impossível, é claro. A mera presença de uma pessoa já significava barulho.
Enrubescido e de quatro, Phippen cuidadosamente colocava o copo sobre a bandeja, contraindo-
se a cada mínimo ruído. Pegou o próprio lenço para limpar a poça de café que ameaçava manchar o
tapete.
Medo. Preocupação. Raiva também. Irritado consigo mesmo e com o novo patrão, cujos
hábitos tornavam seu trabalho tão difícil.
Phippen não ficaria muito tempo. Os pajens nunca ficavam.
Christian se levantou da poltrona e caminhou até o rapaz.
– Pode me dar a bandeja. Eu seguro enquanto você recolhe as peças.
– Pois não, senhor. Obrigado, senhor. É muita gentileza sua, meu senhor.
Você é um idiota, senhor. Excêntrico, instável, incompreensível...
Outra perturbação. Um tremular estranho no que restava do núcleo esmaecido.
Christian fechou os olhos e se concentrou naquele tremor. Distante, porém discernível, vinha
interferindo em sua meditação com muita frequência ultimamente. Hoje, Christian havia levado uma
eternidade para superar seus efeitos.
Caminhou até as janelas viradas para o norte. Não havia ninguém no jardim. Atravessou todo o
quarto de dormir para olhar pelas janelas com vista para o sul. Phippen, que estava ajoelhado,
tremeu quando o patrão se aproximou. Christian pegou o pires de suas mãos trêmulas e o colocou
sobre a bandeja, devolveu-a bruscamente ao pajem e seguiu andando. O som da porcelana caindo
novamente chegou até ele assim que se aproximou da janela.
Na rua, uma carruagem esperava diante da porta de sua casa. Alguém entrou rapidamente nela,
evitando a garoa tão comum às primaveras de Londres. Uma mulher de altura mediana e passos
ligeiros, usando um vestido verde-escuro, adentrou a penumbra da carruagem. Nariz delicado.
Queixo elegante.
Um suspiro melódico do passado. Ele teve certeza de que o escutara, apesar da distância e da
janela fechada.
As últimas névoas da meditação o deixaram. Sentiu uma pulsação diferente. Forte. Agressiva.
Fixou o olhar na carruagem.
Daquele ângulo, o rosto da mulher ficava oculto pelo chapéu e pela escassez de luz. O lacaio
fechou a porta e ela puxou a cortina.
A mão. A mão dela. Impossível...
O lacaio contornou a carruagem e assumiu seu assento à chuva. Só então Christian notou o homem.
Sua atenção estava tão voltada para a mulher que ele nem havia percebido os trajes orientais do
lacaio e sua longa trança.
– Um casaco, Phippen. Botas.
O pajem se levantou com cuidado, equilibrando penosamente a bandeja.
– Está bem, senhor. Só vou colocar isso do lado de fora e...
Christian agarrou a bandeja e a bateu com tanta força sobre uma mesa que a louça pulou.
– Botas, rapaz. Já.

Mesmo sendo apenas algumas peças, vestir-se demorou demais. Christian se deu conta disso quando
descia para a área social da casa.
Foi alertado pelo bom senso quando estava no último lance das escadas. Aquela carruagem já
teria ido embora há tempos, mesmo com a multidão nos arredores da Grosvenor Square. A pé ou a
cavalo, ele nunca conseguiria segui-la.
Deu meia-volta, caminhou até a sala de visitas e entrou.
Sua tia Henrietta e a jovem prima Caroline estavam acomodadas no canapé junto a uma das
grandes janelas. Ao se aproximar, percebeu que as duas loiras cochichavam. Provavelmente sobre os
avanços de Caroline em sua segunda temporada de eventos sociais. A ansiedade a respeito disso
inundava os cômodos do andar de baixo. Respingara nele assim que abrira a porta.
Henrietta o cumprimentou com um olhar vago e brilhante e um sorriso vazio e artificial. Ela tentou
disfarçar quanto aquela interrupção a irritava, porém Christian percebeu isso tão bem quanto se fosse
expressado em voz alta. Henrietta e a filha viviam ali só porque, em um raro surto de generosidade
um ano atrás, ele o permitira. Agora, Hen queria que todos a vissem como dona da casa, não uma
hóspede. Como ele não aceitava aquilo de modo algum, sua companhia nunca era bem-vinda.
– Levantou cedo hoje, Easterbrook.
Henrietta deixou transparecer certo alívio ao ver que ele calçara botas, mas seus olhos também
refletiram sua infinita aflição pelo fato de ele estar sem gravata e com os cabelos desgrenhados.
– É inconveniente para a senhora, tia Hen?
– Longe de mim considerar uma inconveniência. A casa é sua.
– Achei que ainda pudesse ter visita. Notei uma carruagem de minha janela e hesitei em descer até
que a pessoa tivesse ido embora.
– Deveria ter se juntado a nós – disse Caroline. – É provável que apreciasse mais a companhia
dela do que mamãe. Nossa visitante é bem singular. Fiquei surpresa por mamãe não a ter mandado
embora.
– Quase mandei – confessou Hen. – No entanto, nunca se pode prever a reação de gente desse
tipo. Sua fortuna e seus antecedentes são questionáveis, mas existe a chance de os anfitriões fazerem
vista grossa a isso por ela ser divertida. Se a excluísse agora, em que posição ficaria mais tarde,
quando ela fizesse outros contatos?
A tia balançou a cabeça de forma exasperada e perplexa.
– É sempre difícil julgar os esquisitos. Mas ela não é propriamente esquisita. Não como Phaedra.
Diria que é exótica. Existe uma diferença, Caroline, e é preciso ficar alerta e tomar cuidado para...
– Qual é o nome dela? – perguntou Christian.
A tia piscou, surpresa. Ele nunca demonstrara interesse por suas visitas.
– Era a Srta. Montgomery – contou Caroline. – Mamãe e eu a conhecemos em uma festa na semana
passada. O pai era comerciante no Extremo Oriente, mas ela alega uma relação com a nobreza de
Portugal por parte de mãe. A Srta. Montgomery está visitando Londres pela primeira vez. Veio de
Macau.
– O que ela queria? – perguntou Easterbrook.
Henrietta olhou para ele com curiosidade.
– Foi uma visita social – respondeu a tia, intrigada. – Ela só quer fazer amizades que a ajudem a
circular na temporada de eventos sociais.
– Eu a considero muito interessante – acrescentou Caroline.
– Interessante demais para ser amiga de uma jovem – repreendeu-a Henrietta. – Ela é mundana
demais para se aproximar de você, Caroline. Suspeito que seja uma aventureira.
– Eu não acho – rebateu Caroline. – Também a considerei muito mais estimulante do que a
maioria das pessoas que nos visitam.
Christian saiu da sala enquanto a tia e a prima discutiam sobre a Srta. Montgomery. Foi procurar o
mordomo para saber que endereço constava no cartão de visita da mulher.

Leona Montgomery contornou Tong Wei e inclinou a cabeça na direção do espelho. Olhou seu reflexo
com censura enquanto amarrava o chapéu.
Jovem, mas não exatamente. Bonita, mas não exatamente. Inglesa, mas não exatamente.
Ela sentia que as pessoas em Londres avaliavam com muita atenção quem ela era e os traços de
sua fisionomia. Era diferente em Macau. Lá, todos eram “não exatamente” alguma coisa.
Tong Wei, que estava ajoelhado, finalmente se levantou. Leona olhou para a estátua de Buda
diante da qual ele estivera. Ela era cristã, mas entendia muito bem a devoção de seu guarda. As
visões religiosas asiáticas permeavam tudo na China, mesmo entre a comunidade europeia.
– Eu deveria ir com a senhora – disse Tong Wei.
Sua expressão permaneceu impassível, mas Leona sabia que ele se preocupava com sua segurança
naquela cidade barulhenta e abarrotada de estranhos.
– Seu irmão esperaria isso de mim.
– Quero ser discreta.
Ela olhou para seu vestido de passeio cinza. Extremamente inglês, fora entregue pela modista no
dia anterior.
– Já que se recusa a se vestir como um lacaio inglês, não pode me acompanhar.
Ambos sabiam que mesmo as vestimentas inglesas não deixariam Tong Wei parecido com um
típico lacaio inglês. As sobrancelhas raspadas e a longa trança, o rosto redondo e os olhos puxados
evidenciavam que ele era chinês, ainda mais do que o tecido ricamente bordado em tons de carmim
que compunham suas roupas exóticas.
– Leve Isabella com você – disse ele. – Não é comum ver mulheres sozinhas. Não as de alta
classe.
Isabella olhou para a frente. Seu pincel ficou paralisado, apoiado sobre o papel em que ela
desenhava lindas imagens sobre suas aventuras.
– Eu não me importo em usar minhas roupas inglesas – disse ela. – Tong Wei pode achá-las
bárbaras, mas não sou tão purista.
Isabella não se referia apenas a suas opiniões. Metade chinesa e metade portuguesa, ela era um
híbrido de Oriente e Ocidente. Se no momento usava um vestido chinês folgado, era tanto por ser
confortável quanto por preferi-lo.
– Não devo me demorar na Royal Exchange. Só quero ver como esse enorme centro de
comercialização está organizado, para poder entrar com confiança da próxima vez. Se for parecido
com o que há em Cantão, estará tão movimentado que ninguém vai notar minha presença.
Leona imaginava que seria assim. Sua roupa fora escolhida pela discrição. Havia momentos em
que ela não queria chamar a atenção de forma alguma.
– E se vir Edmund lá? – perguntou Isabella.
Um pequeno tremor de mau presságio e empolgação tomou conta de Leona. A reação contraditória
acontecia sempre que Edmund era mencionado nessa viagem.
– Não vou encontrá-lo. Cavalheiros não se metem com comércio.
Vindo a Londres, ela se dera conta de que Edmund fora um cavalheiro no verdadeiro sentido
inglês da palavra. Ela agora entendia o que aquilo significava no mundo de seu pai.
É claro, um homem podia ser um cavalheiro e ainda ser o que Edmund alegara: um naturalista, um
aventureiro. Podia até mesmo ser um ladrão.
– Então talvez, mais cedo ou mais tarde, você o encontre em uma das residências que visita –
aventou Isabella.
Seria útil se encontrasse. Ela suspeitava que uma de suas missões em Londres seria realizada
muito mais rapidamente se ela e Edmund se reencontrassem. A propósito, Edmund, qual o seu nível
de canalhice?
Ela verificou seu reflexo de novo. Não era totalmente inglesa, mas era inglesa o bastante para a
tarefa daquele dia.
– Duvido que eu demore mais de duas horas – disse ela. – Enquanto eu estiver fora, Isabella, por
favor, veja se consegue estimular aquela cozinheira que contratei a fazer um jantar menos insosso.

A Bury Street era mais calma do que a St. James Square, ali perto. E também muito menos cara.
Leona continuava preocupada de não ter escolhido um endereço bom o bastante, mas não podia pagar
nada melhor.
Ela estranhou quando saiu de casa. Franziu a testa e olhou para a direita e para a esquerda. Para
onde fora a carruagem? Estivera esperando-a ali poucos minutos antes quando ela fora colocar o
chapéu.
Um imponente coche bloqueava sua visão da extremidade sul da rua. Ela ficou na ponta dos pés e
inclinou a cabeça para olhar atrás dele. Perto do cruzamento seguinte, vislumbrou a carruagem que
havia alugado pelo período de sua estada. Reconheceu o Sr. Hubson, o cocheiro, que fora indicado
pelo estabelecimento onde contratara o aluguel.
Talvez a chegada do coche tão luxuoso tivesse exigido que o dela se retirasse. Ainda não estava
familiarizada com todos os costumes da cidade.
Ela acenou para o Sr. Hubson e caminhou na direção dele. Ao passar ao lado do grande coche, um
homem apareceu em seu caminho.
– Srta. Montgomery?
Leona ficou surpresa por ele se dirigir a ela. Jovem e loiro, tinha uma expressão de deferência no
rosto, apesar da abordagem inesperada. Um lacaio, ela imaginou, mas ele não usava a vestimenta dos
outros dois lacaios que acompanhavam o grande veículo. Estes se afastaram, posicionando-se fora do
seu campo de visão, bem atrás dela.
– Sim, sou a Srta. Montgomery. Quem é o senhor e o que deseja?
Ele apontou para a porta do coche. Havia uma insígnia. Um brasão. O jovem presunçoso era
empregado de um dos nobres da região.
– Meu senhor solicita sua presença – disse ele. – Vamos levá-la à casa dele e trazê-la de volta
depois.
– Enviar um convite por escrito não seria mais educado do que mandar que me interpelem no
meio da rua?
– Lorde Easterbrook tem hábitos pouco usuais e é impulsivo em seus convites. Ele não teve a
intenção de ofender, posso lhe garantir.
Leona assimilou essa revelação a respeito do dono do coche. Tinha ido à casa de Easterbrook
dois dias atrás, em uma visita a sua tia viúva, Lady Wallingford. Provavelmente o marquês pretendia
lembrar à filha de comerciantes que ela não era companhia adequada para sua tia. Ele podia ter feito
o comunicado por carta, em vez de encenar esse pequeno teatro para exibir seu poder.
Ela temia perder o contato com Lady Wallingford antes de colher os frutos que ele poderia dar.
Aquela possibilidade não criava simpatia de sua parte pelo tal Easterbrook, nem o fato de ser
convocada como se fosse uma escrava.
– Sei onde fica a casa de lorde Easterbrook. Vou em minha própria carruagem, obrigada. Por
favor, volte e diga ao seu senhor que lhe farei uma visita no devido tempo.
Ela tentou desviar do jovem. Ele a impediu com um passo para o lado.
– Meu senhor ordenou que a levasse, Srta. Montgomery. Não ouso desobedecê-lo. Por favor...
Ele estendeu o braço na direção da porta da carruagem, bloqueando ainda mais o caminho.
Ela olhou para a rua atrás dele. Seu cocheiro havia desaparecido, abandonando o veículo e a
passageira. Ela calculou a distância até sua casa e pensou se Tong Wei ouviria se gritasse.
Tentou esconder a preocupação cada vez maior.
– Por favor, diga ao marquês que sinto muito, mas tenho outro convite que ocupará a tarde de
hoje. Posso visitá-lo amanhã. Com licença.
O jovem olhou para além dela, para os dois lacaios. A expressão dele fez com que os pelos da
nuca de Leona se arrepiassem.
De repente, foi agarrada pela cintura.
Alarmou-se. Um grito chegou a sua garganta, mas o pânico lhe tirou o fôlego e impediu que ele
saísse. A rua e as casas giravam num borrão.
Forçou-se a manter a objetividade. Já estava sentada dentro do coche, com o jovem loiro. Eles se
apressavam pela rua.
Seu sangue fervia.
– Como ousa?! Exijo que pare essa carruagem e me deixe descer. Do contrário, farei uma
denúncia às autoridades.
O jovem ergueu o dedo diante da boca, indicando que ficasse em silêncio. Algo em seus olhos
demonstrava que o mais sábio era obedecer.
As lâminas de metal assobiavam cortando o ar. Christian desviava dos golpes de Angelo, o
especialista em esgrima, ao mesmo tempo que testava a própria habilidade de se concentrar no duelo.
Vinha esgrimindo bastante ultimamente. No decorrer do último ano, ele havia aumentado seus
aposentos e eles agora ocupavam todo o segundo andar, acima da área comum da mansão.
A lâmina cega de Angelo fez duas fintas rápidas, depois deu o bote. A ponta bateu no peito de
Christian, bem no coração. Satisfeito, o mestre se afastou, ergueu a arma e fez uma saudação,
curvando-se.
– Sua habilidade aumentou de maneira significativa nos últimos meses, lorde Easterbrook.
Raramente vejo alguém se aprimorar com tanta rapidez.
– Venho praticando.
Angelo pegou uma toalha com o lacaio e secou a testa.
– Não é a técnica ou a prática que fazem essa diferença, mas algo difícil de nomear. Uma
vivacidade recém-adquirida, talvez.
Christian não deu a explicação que o outro sutilmente pedia. Não havia como fazê-lo sem parecer
louco. Além disso, Angelo não entenderia o divisor de águas pelo qual ele havia passado três meses
antes.
O foco e o silêncio conquistados com a meditação finalmente haviam sido transferidos para atos
físicos. Ele não precisava mais do núcleo escuro para encontrar paz. Esse controle era uma liberdade
que Christian havia trabalhado muito tempo para conquistar. Anos.
– Por que não frequenta a academia, lorde Easterbrook?
Angelo se serviu do ponche que estava sobre a única mesa do cômodo.
– Haverá uma apresentação na semana que vem. Uma disputa. O senhor poderia ganhar. Não quer
mostrar suas habilidades? Ninguém as conhece além de mim e desse lacaio, mas está quase à minha
altura, e isso é muito raro.
– Não tenho interesse em competições. E não me importa que ninguém saiba que estou à sua
altura.
– Isso é raro. A maioria dos homens se orgulha de suas conquistas e procura a fama por meio
delas.
Angelo não quisera dizer “raro”, mas “suspeito”. Estranho. Excêntrico. Christian sabia que todas
essas palavras estavam ligadas a seu nome. Por isso, Angelo, como a maioria das pessoas, tinha
cautela e preocupação com ele.
Angelo pegou o casaco e o vestiu rapidamente, preparando-se para ir embora. Não foi rápido o
bastante, no entanto. As intenções e considerações do homem já enchiam o ar de vibrações
indesejadas.
Angelo e o lacaio saíram. Na mesma hora outro homem entrou. Passou o trinco na porta, depois
caminhou até onde Christian estava.
– Nós a trouxemos. Ela finalmente saiu de casa sem aquele chinês.
Christian se serviu de um pouco de ponche.
– Conseguiu evitar um espetáculo público, Miller?
– Por pouco. Foi prudente ter levado os outros dois. Ela começou a suspeitar, então tivemos que
agir rápido antes que escapasse ou gritasse.
– Vocês não a machucaram, imagino. Do contrário, terei que matá-los.
Miller tratou o alerta como uma brincadeira, mas sua arrogância e autoconfiança diminuíram o
suficiente para indicar que não tinha certeza absoluta de não se tratar de uma ameaça real. Como
Christian também não tinha certeza, deixou Miller suar um pouco.
– Apenas seu orgulho foi ferido, eu garanto.
Ele não podia ser repreendido por ter “agido rápido”. O patrão havia ordenado que trouxesse a
Srta. Montgomery, e fora exatamente o que fizera.
Jovem, ambicioso, inteligente e não muito preocupado com delicadezas exigidas pela lei, Miller
servia ao patrão atual do mesmo jeito que servira a seus superiores durante uma breve passagem pelo
exército – sem questionamentos. Nem de longe era tão bom nas tarefas ordinárias de um secretário
quanto nas menos tradicionais, que recebia de tempos em tempos.
– Ela nos acusou de sequestro – contou Miller.
– Porque vocês a sequestraram.
– Ela disse que vai às autoridades.
– Onde ela está?
– No quarto verde. Nós a acompanhamos pela escadaria dos empregados para que Lady
Wallingford não tomasse conhecimento.
Christian confirmaria se era verdade assim que saísse de seus aposentos. Se a tia estivesse
desconfiada, sua perturbação ressoaria pela casa.
Ele dispensou Miller. Olhou para sua camisa, os culotes e as botas. Ponderou por cinco segundos
se deveria se vestir de maneira mais apresentável para receber a Srta. Montgomery, mas decidiu ir
direto ao quarto verde.

Leona andava de um lado para outro em sua prisão opulenta, fervilhando de irritação.
Era difícil manter a dignidade depois de ser arrancada da rua como uma bagagem perdida. Ainda
assim, Leona tinha esperança de haver conseguido.
Ela passara o curto trajeto até a Grosvenor Square ignorando seu captor e tratando-o como o
lacaio que era. Apenas uma vez estivera a um passo de perder a compostura, quando se dera conta de
que o captor achava divertida a sua pose arrogante.
Uma semente de preocupação germinou e se esgueirou por sua fúria. Enquanto metade de sua
mente se ocupava em elaborar reprimendas mordazes, a outra parte avaliava as implicações do
insulto que sofrera. O modo como o marquês a tratara refletia a visão dele a respeito de sua modesta
posição social.
Quando os outros soubessem de sua falta de cortesia, o imitariam. Nada, nem o sangue de sua
mãe, nem as cartas de apresentação, ajudaria sua causa agora. Seus planos em Londres seriam
dificultados, alguns deles ficariam quase impossíveis.
Ela parou de andar. Passou os olhos pela roupa de cama e pelas cortinas de seda verde, pelos
finos móveis de mogno. Depois não viu mais nada ao redor, apenas a lembrança de seu irmão,
Gaspar, sorrindo à medida que seu barco se afastava depois de tê-la transferido para o navio em
Whampoa.
Gaspar lhe parecera tão jovem naquele dia – muito mais jovem do que seus 22 anos. Talvez sua
confiança incondicional lhe desse uma aparência juvenil. Ele havia concordado em arriscar tudo
nessa viagem. Seu patrimônio e seu futuro estavam em jogo, mas tinha entregado o destino de ambos
nas mãos dela.
A imagem dele desapareceu e ela voltou a ver o luxo que a cercava. Seu coração ainda batia
forte, mas não mais por orgulho ferido. Calma e determinação haviam substituído a raiva.
Seu pai havia lhe ensinado que, quando se consegue ver uma adversidade por um ângulo diferente,
muitas vezes é possível enxergar uma oportunidade escondida.
Observando os acontecimentos atuais por um ângulo diferente, era possível perceber que ela
acabara de obter uma audiência com um dos homens de título mais elevado da região. Um homem de
tamanha importância poderia ser muito útil. Ela podia querer dar uma bofetada na cara de
Easterbrook, porém seria mais prudente conquistar sua confiança.
Ela se aproximou do toucador e se abaixou para ver seu reflexo no espelho. Não tão bela, mas,
com alguma sorte, bela o bastante.
Tirou o chapéu e o colocou sobre a mesa. Beliscou as maçãs do rosto para que ficassem coradas.
– Está se arrumando para mim, Srta. Montgomery?
A voz a assustou. Seu olhar se desviou do próprio reflexo para o do quarto atrás de si.
Viu botas pretas de cano alto e culotes justos nas sombras próximas à porta. Abaixou-se até que
as dobras brancas de uma camisa apareceram, depois as pontas de cabelos bem pretos. O intruso
parecia um criado, e bem simplório, uma vez que usava vestes tão informais.
Só que não era um criado. Sua confiança o revestia de nobreza mais do que qualquer roupa seria
capaz. O corpo relaxado exalava a confiança que tinha em relação a sua posição naquele quarto e no
mundo.
Ela se endireitou e imaginou que linha de raciocínio poderia impressionar um homem como ele.
Virou-se para cumprimentá-lo com calma e graça.
– O senhor é lorde Easterbrook?
– Sim, sou.
– Seu convite foi inesperado, lorde Easterbrook, mas fico encantada em conhecê-lo.
Ela fez uma pequena reverência.
Ele parecia esperar algo mais. Ela não conseguiu imaginar o que poderia ser. Seu sorriso
começou a parecer estranho e forçado.
Meu Deus, agora que o via dos pés à cabeça, ele lembrava muito um pirata. As botas eram de boa
qualidade, mas a aparência geral não era de alguém que se importasse com moda. Os cabelos caíam
em ondas soltas que passavam dos ombros. Emolduravam um rosto que, pelo que ela podia ver, era
mais jovem do que esperava, e belo o bastante para tornar a falta da casaca e da gravata algo
romântico, em vez de grosseiro. A vestimenta imprópria era um insulto, assim como o fato de ela
haver sido sequestrada e guiada pela escadaria de serviço, mas ela não tinha como se ater a isso no
momento.
Ele por fim se curvou.
– Por favor, perdoe-me pelo modo rude com que foi trazida até aqui. Minha única desculpa é
minha impaciência em encontrá-la a sós.
Ele caminhou na direção dela e foi iluminado pela luz das janelas. A claridade deixou as botas
ainda mais pretas e a camisa ainda mais branca. Seu rosto também ficou nítido. Olhos escuros que
pareciam aquilinos devido ao foco intenso sobre ela. Uma elegância inesperada suavizava os ossos
pronunciados de seu rosto. A boca larga se curvava num vago sorriso que facilmente poderia
endurecer.
Uma estranha sensação tomou conta dela. Era carregada de uma precaução sombria e profunda,
mas não desprovida de uma nota de empolgação. O modo como o corpo dele se movimentava... o tom
de sua voz... aqueles olhos...
De repente, ela o visualizou com cabelos curtos, roupas mais apropriadas e um rosto mais jovem
e menos severo. O desnorteamento se transformou em estupefação. Ela estreitou os olhos e olhou
fixamente para ele.
– Edmund?
CAPÍTULO 2

Ele gostou de ver seu espanto. Achou divertido.


Talvez ela desse um tapa em Easterbrook, afinal.
Qual o seu nível de canalhice?
Era bem alto, ao que parecia.
– Sempre imaginei que tivesse nos enganado. No entanto, não havia me dado conta de quanto.
A voz dela indicava raiva. Ela se sentia extremamente tola. A humilhação quase enterrou a alegria
pueril de revê-lo. Quase.
O ar divertido dele desapareceu.
– Você sabe por que eu não podia revelar que era Easterbrook quando cheguei a Macau.
Ela sabia, mas devia haver mais motivos do que ele estava insinuando.
As possíveis implicações de sua verdadeira identidade, para o passado e para o futuro, para os
planos dela ali na Inglaterra, se misturavam na cabeça de Leona. Criavam um caos de emoções, mas
a nostalgia ameaçava vencer todas as outras. Ela fez um esforço para se conter.
Uma estranheza se estabeleceu entre eles, motivada pela distância, pelo tempo e pelas dúvidas
que gritavam na cabeça de Leona. O silêncio não ajudava nisso. A proximidade dele atrapalhava.
Como ele estava lindo com aqueles cabelos longos. Os anos também o haviam endurecido de
todas as formas. Restavam ecos dos sofrimentos de sua juventude, mas Easterbrook não exalava mais
a dor comovente de Edmund.
– Você mudou – disse ela.
– Você também.
Seu olhar indicava que ele apreciara as mudanças nela.
Ele sempre fora muito óbvio nessas questões. Sete anos atrás, não tivera a cortesia de fingir que
não se sentiam atraídos um pelo outro. Deliberadamente, ele a fazia corar e ficar envergonhada.
Continuava a sentir o mesmo, ainda que não demonstrasse. Sentiu-se quente, como se ele acariciasse
seu corpo com o olhar.
O coração dela batia acelerado. As lembranças se libertavam, fluíam, e um desejo antigo e
secreto a inundou.
Tudo voltou. Tudo mesmo, como se ela tornasse a ter 19 anos e estivesse desabrochando como
mulher sob os olhos sedutores do viajante arredio. Só que ela não tinha mais 19 anos e o viajante não
era quem afirmara ser, mas um marquês. Isso mudava tudo a respeito da amizade que tiveram na
época. Significava que ele havia brincado com ela da maneira mais desprezível.
A fúria subiu com rapidez e Leona se rendeu a ela.
– Seu cretino!
Ele esticou o braço e encostou dois dedos diante dos lábios dela.
– Que modo de falar. O que Branca diria?
Os lábios dela pulsaram sob aquele toque. Um tremor terrível e maravilhoso desceu até seu
coração.
Ela virou a cabeça para perder o contato.
– Branca morreu – contou ela. – Faleceu há dois anos.
– Sinto muito. Ela era uma boa senhora, ainda que inconveniente.
Ela não acreditou que ele se referisse à sua perseguição com tanta casualidade.
– Meu pai também faleceu. Morreu no ano seguinte ao que você foi embora.
– Eu sei. Fiquei sabendo pela Companhia Britânica das Índias Orientais.
– Sim, imagino que um marquês consiga tudo o que quer deles. Foi dessa forma que conseguiu
viajar na época? Gente comum tem que pagar pela cabine ou trabalhar em troca de uma. Imagino que
um marquês precise apenas se apresentar ao capitão do navio da Companhia das Índias Orientais
para conseguir uma passagem.
Ele deu de ombros, como se tais privilégios não tivessem muita importância.
– Fiquei surpreso ao saber que está usando o nome Montgomery. Não se casou com Pedro, então.
– Com a morte de meu pai, as condições financeiras da nossa casa de comércio ficaram evidentes
e Pedro retirou a proposta. Todos compreenderam.
– Deve ter ficado decepcionada.
– Estava ocupada demais salvando os negócios da falência total. Consegui preservá-los para meu
irmão. Depois que ele atingiu a maioridade e pôde ir para Cantão, as coisas melhoraram
significativamente.
Ele sorriu. Por um breve instante, ficou muito parecido com Edmund, cujos raros sorrisos faziam
seu coração se encher de alegria e alívio.
– Eu acho, Leona, que a casa de comércio melhorou em suas mãos. Seu pai confiava em você, e
suspeito que seu irmão aja da mesma forma.
– Meu irmão provou ser muito capaz. Eu o ajudo quando posso, é claro. Na verdade, é por isso
que estou em Londres. Pretendo me encontrar com representantes de empresas transportadoras e
comerciantes com sede aqui e convencê-los a se associar à Montgomery & Tavares no comércio
intracosteiro no Oriente.
Ele a avaliou novamente, com um olhar curioso e admirado. Ela manteve a atitude amigável e
despreocupada.
Os olhos escuros e profundos de Christian mostravam bom humor, entusiasmo e uma familiaridade
desconcertante. Seu semblante passou sutilmente de bem-apessoado para belo conforme ele pensava
e uma elegância suave transparecia, suavizando seus traços.
Os instintos de Leona reagiram tal como quando ele a observava em Macau. Ela sentia algo
emanando dele, algo ao mesmo tempo obscuro e perigosamente sedutor. A atenção dele se tornou
invasiva, possessiva. Tentava compeli-la a explorar um mistério que seria sua ruína.
Sua inexperiência, sete anos antes, a forçara a fugir toda vez que esse poder tentava dominá-la.
Agora, ali estava ela, uma mulher adulta e viajada que havia negociado com muçulmanos e
enfrentado piratas e, ainda assim, queria se esconder.
Mas, em vez disso, abrigou-se em si mesma. Ergueu muros ao redor da alma, de modo que ficasse
em segurança.
A suavidade dele desapareceu de imediato. O olhar se tornou penetrante, como se tentasse ver
através daquela barreira.
– Então viajou até a Inglaterra para atuar como agente de seu irmão? Não veio por nenhum outro
motivo?
Ele estava muito perto dela. Perto demais. Leona era obrigada a olhar para cima para ver seu
rosto.
– Não havia nenhum outro motivo para vir.
– Não mesmo?
– Nenhum.
– Pois eu acho que sim.
– Meu Deus! Acha que vim procurar você? – indagou ela, fingindo surpresa. – Se eu conhecesse
sua verdadeira identidade, certamente o teria procurado. Atrevo-me a dizer que, em um dia, pode
intermediar apresentações que eu levaria semanas para conseguir. Se soubesse que Edmund era, na
verdade, Easterbrook, eu o teria procurado assim que cheguei a Londres.
Ele respondeu com um sorriso lânguido. Ela podia sentir a aura dele como uma curiosa carícia,
procurando brechas em suas defesas.
– Você não teria feito nada disso. Fosse eu Edmund ou Easterbrook, teria fugido e se escondido de
mim.
– Eu teria me escondido de você? Por que faria isso?
– Porque eu a assusto. Aterrorizava a menina e ainda amedronto a mulher.
Ele compreendia sua reação com tanta confiança que ela ficou irritada. Endireitou os ombros.
– Você é um pouco peculiar, um tanto grosseiro, foi ofensivo hoje e era algo soturno naquela
época, mas nunca foi assustador.
Ele se aproximou de repente. Ela quase deu um pulo.
Ele riu em silêncio.
– Viu só?
Ela manteve sua posição, quase encarando-o.
– Alerta não é o mesmo que assustada, lorde Easterbrook.
– Você ficou aliviada por eu ter deixado Macau. Apressou-se para me colocar naquele navio.
– Não havia escolha além de colocá-lo no navio, ou já se esqueceu?
– Havia assuntos mal resolvidos entre nós e você não ficou triste de escapar do acerto de contas.
Era inocente e pura demais para entender que me desejava na mesma medida em que eu a desejava.
– Está errado, mas isso tudo já passou. Não sou mais uma garota ignorante, e você não é mais
Edmund. Essas duas diferenças mudam tudo.
– Na verdade, Leona, desde que entrei neste quarto, descobri que o tempo, o lugar e o nome não
mudam certas coisas.
Não, não mudam. Raios! Raios o partam!
Ele se aproximou ainda mais, o bastante para dominá-la com sutileza.
A curva rígida da boca combinava com a presunção dos olhos. Ele podia perceber que ela estava
muito abalada por ele. Sabia que ainda era capaz de transformá-la naquela menina de 19 anos
prometida a um noivo que, nem de longe, a excitava como o belo estranho que se hospedava na casa
de seu pai.
No entanto, uma coisa havia mudado. Mulher, ela entendia o apelo dele de maneira que a menina
não era capaz. Reconhecia sua reação à sedução dele como o estímulo sexual que era. Preocupava-se
que ele tivesse consciência disso também.
Leona tentou se afastar. Ele pegou em seu braço, impedindo-a. Puxou-a em sua direção. A ousadia
a surpreendeu.
Tocou o rosto dela, fazendo-a imobilizar-se. Seu olhar exigia obediência. Os pensamentos dela
giravam em torno de objeções incoerentes quando ele puxou sua cabeça para trás.
Lábios quentes e secos tocaram os dela e se demoraram. Ele ainda era capaz de hipnotizá-la.
Calor. Uma intimidade tão imediata e profunda que não parecia normal. Tremores sensuais e um
arrebatamento cada vez maior.
Foi como se todos aqueles anos desaparecessem e ela estivesse novamente sendo beijada pela
primeira vez por um jovem impulsivo de espírito obscuro e caótico – um homem perigoso que
oferecia aventuras do corpo e do coração que ela não ousara aceitar.
Nenhuma desconfiança conseguiu se sobrepor àquele beijo enquanto ele durou. Emoções juvenis a
renovaram como uma brisa costeira. A excitação fez seus seios formigarem e o ventre se contrair,
provocando sensações cruéis na parte baixa de seu corpo.
Ela se conteve para não demonstrar quanto ele mexia com ela. Um suspiro mais profundo e eles
provavelmente acabariam sobre aquela cama verde. Ela não o repeliu, no entanto. As sensações eram
tão estimulantes que lhe faltavam forças para isso.
– Você é um enigma, Leona – murmurou ele, com a mão ainda no rosto dela e a boca perto de sua
orelha. – Sempre foi. Talvez seja o que causa tanto fascínio.
– Todos somos enigmas uns para os outros.
– Poucas pessoas são, para mim.
Devagar, ela tirou a mão dele de seu braço. Afastou-se e se recompôs.
– Lorde Easterbrook, já que organizou esta reunião inesperada, concordará em me auxiliar em
minha missão. Em nome de nossa velha amizade em Macau, por assim dizer.
Ele franziu o cenho diante da forma como ela retomava a conversa, como se nada tivesse acabado
de acontecer.
– Depende do tipo de auxílio que pedir, Leona.
– Gostaria de ser apresentada a seu irmão, lorde Hayden Rothwell.
– O que quer com Hayden?
– Disseram-me que ele deve conhecer os comerciantes e investidores que vim encontrar em
Londres.
Ele pareceu entediado com um pedido tão simples.
– Marcarei um encontro para se conhecerem, se assim deseja.
– É muita gentileza sua. Fico grata. Agora... embora ver velhos amigos seja sempre agradável,
esta visita inesperada atrasou meus planos para hoje. Tenho permissão para sair? Já terminamos?
Ele a olhou de forma mais deliberada. Não deu importância ao fato de Leona ter acabado de
dispensá-lo.
– Não estamos nem perto de terminar, Leona.
– Ao meu ver, não resta mais nada a tratar, lorde Easterbrook. Por favor, aceite minha decisão a
esse respeito.
Fez-se um silêncio tenso, não mais de dez segundos, ela calculou. Nesse breve instante, ele
pareceu estar tomando uma decisão. O ambiente íntimo, a cama, os travesseiros e os tecidos
sensuais, deixaram de ser mero pano de fundo e se transformavam em argumentos visuais que
evidenciavam por que seria agradável não encerrarem a visita.
Ela desejou poder invocar raiva, indignação ou orgulho para sustentar suas defesas. Desejou
poder afirmar que aquele beijo não a tentara. Na verdade, um pequeno redemoinho girava em seu
coração e seu corpo doía devido ao intenso desejo que os atraía de forma alucinante.
– Sempre teve permissão para sair – afirmou ele. – Não há nenhum guarda na porta.
– Pois então darei prosseguimento à minha excursão vespertina. Tenha um bom dia, lorde
Easterbrook.
Ela pegou seu chapéu e caminhou até a porta com pernas que mal a deixavam andar.
– Leona.
O chamado baixo fez com que ela parasse logo após abrir a porta. Aquela voz fez um tremor
traiçoeiro percorrer todo o seu corpo.
– Leona, parece que você não é tão inocente e sem controle de si.
Ela voltou a olhar para ele, que parecia muito arrojado em mangas de camisa, colarinho aberto e
botas de cano alto. Mais forte do que ela se lembrava. Mais arrogante também. Houve momentos
tocantes em que Edmund fora vulnerável de maneira que ela suspeitava que Easterbrook nunca seria.
– É uma despedida peculiar, lorde Easterbrook. Talvez eu fuja e me esconda, como previu.
– Não estou preocupado com isso. Suas missões a manterão por perto. E dessa vez, Leona, antes
que qualquer navio leve um de nós, você será minha.
CAPÍTULO 3

–Por favor, explique o que quer, lorde Easterbrook. Descreva enquanto analisamos juntos seu
reflexo no espelho.
Christian olhou para o espelho. Um rosto redondo olhava por cima de seu ombro.
– Quero que corte. É isso que você faz, não é?
O rosto de lua sorriu com uma falsa modéstia.
– Eu não apenas corto, lorde Easterbrook. Eu dou forma. Eu moldo. Sou um artista. Assim com um
escultor não apenas entalha, eu...
– Sim, sim. Bem, seja um artista. Mas não exagere.
O rosto desapareceu. Duas mãos gorduchas levantaram os cabelos, pesaram, refletiram, julgaram.
Uma tesoura surgiu.
– Deixaremos seus cabelos com as ondas naturais, só vou domá-los um pouco e manter o
comprimento nessa altura – falou, fazendo a tesoura tocar o ombro de Christian.
Christian fechou os olhos, não para evitar ver os cachos caírem, mas para bloquear a intensidade
que o artista emanava ao esculpir.
O núcleo escuro não se formaria agora, mas, com seus pensamentos, ele conseguia bloquear a
própria sensibilidade. Ele vinha praticando nos últimos dias para alcançar aquele estado com mais
facilidade. Precisaria disso nas semanas seguintes.
Visualizou Leona partindo do encontro enquanto a observava da janela de seus aposentos.
Ela fizera uma pausa antes de entrar no coche. Olhara para a fachada da casa de cima a baixo, na
direção da janela onde ele estava. Não o vira, disso ele tinha certeza. Ela nunca permitiria que seu
rosto mostrasse tanto se soubesse que ele a observava.
A raiva dela fora óbvia. E a indignação. Além disso, o que ele havia captado? Constrangimento?
Provavelmente. Só que havia mais alguma coisa em seus olhos. Preocupação? Desconfiança?
Mágoa?
Ele nunca tinha certeza com Leona. Ela possuía uma capacidade notável de escapar à percepção
dele a respeito das emoções de outras pessoas. Pouquíssimas pessoas em sua vida haviam se
revelado imunes a ele, mas, com relação aos sentimentos de Leona, ele era tão ignorante quanto
qualquer um.
Exceto quando se tratava de desejo. Ele não precisava ter um dom especial para sentir isso em
uma mulher nem para perceber que ela correspondera ao beijo.
Nada mudara nela, apesar de fingir o contrário. Assim que entrou naquele quarto, ele viu que a
atração entre eles havia se manifestado com a intensidade de antes. A realidade fora bem mais
intensa do que as lembranças, e as lembranças continuavam nítidas. Depois de sete anos, era
surpreendente que ele não a tivesse possuído de imediato.
Seria preferível se ela simplesmente aceitasse o modo como as coisas eram entre eles, e o que
aquilo significava. Como tinha que ser. Parecia que, em vez disso, ela o faria persegui-la, o que
significava alterar seus hábitos por um tempo.
Que fosse.
Mãos se moviam por seu rosto como insetos grandes e irritantes. Barulhos de tesoura invadiam
suas lembranças daquele beijo revelador. De repente, todos os sons cessaram. Christian abriu os
olhos. Um rosto arredondado novamente surgiu sobre seu ombro no espelho.
– Ficou do seu gosto, lorde Easterbrook? Acho que ficou muito bom.
Os cabelos estavam quase iguais a antes, apenas um pouco mais curtos e menos revoltos. Se o
artista considerava que estava elegante o bastante, era provável que tivesse razão.
– Não está ruim.
O barbeiro se retirou, levando o estojo de tesouras e cremes. Christian chamou seu pajem.
– Senhor?
– Mande buscar o alfaiate.
Confusão. Preocupação. Pobre Phippen. O desfile matutino de mensageiros, comerciantes e
outros visitantes o deixara aflito. A atividade atípica sugeria que os piores rumores a respeito da
sanidade de seu senhor eram verdadeiros.
– Posso perguntar, meu senhor... qual alfaiate? Weston? Stulze?
– Mande chamar Davidson – ordenou alguém.
Phippen ficou surpreso e olhou para o homem que tinha acabado de entrar no quarto de vestir.
– Devo, de fato, mandar buscar o Sr. Davidson, como recomenda lorde Hayden?
– Nossa família utiliza os serviços de Davidson há anos. Se lorde Easterbrook menciona um
alfaiate, é a esse que se refere – confirmou Hayden. – Christian, desde quando se encontra com ele
antes da primeira prova? Ele tem suas medidas, e você sempre faz a encomenda e o deixa decidir
tudo. E como você raramente sai de casa, há ainda menos motivos para tantos cuidados.
– Phippen, mande dizer a Davidson que é hoje à tarde – falou Christian.

Hayden deixou-se cair sobre uma cadeira. Seus olhos vagaram pelo quarto de vestir, mas logo se
fixaram no único outro ocupante.
Seus olhos azuis focaram nos cabelos de Christian. Estava curioso. Extremamente curioso.
– Parece que está recebendo muitas pessoas hoje, Christian. Alfaiates. Barbeiros também, a
menos que eu esteja enganado. Além de mim.
Christian se acomodou em outra cadeira estofada. O quarto de vestir tinha cinco delas, todas um
tanto desgastadas, agora notava.
– Meu pedido foi inconveniente?
– “Esteja aqui antes do meio-dia” não é um pedido.
– Escrevi isso? Minha intenção era: Por favor, venha à minha casa antes do meio-dia, se sua
querida esposa não precisar de você. Como está ela?
– Não falta muito. Uma quinzena, no máximo.
Orgulho. Amor. Medo também. A última emoção, tão rara em Hayden, podia ser entendida em um
homem cuja esposa estava prestes a dar à luz.
– O que você quer? – perguntou Hayden.
– Gostaria de apresentá-lo a uma pessoa.
Hayden estreitou os olhos e focou de novo nos cabelos de Christian, depois olhou para a porta
como se lembrasse da tarefa de Phippen com a vestimenta.
– Essa pessoa é uma mulher?
– Sim.
– Espero que não vá pedir que recebamos sua amante. Ouvi rumores de que andou se encontrando
com a Sra. Napier. Nessas circunstâncias, levando em consideração a prima de Alexia, Rose, e a
delicada situação resultante com respeito à sociedade, eu preferiria esperar até...
– Não é uma amante. Não é a Sra. Napier, certamente. É uma velha amiga. Ela me pediu para
conhecê-lo e eu concordei em intermediar a apresentação.
– Presumi que não tivesse amigos, antigos ou novos, homens ou mulheres.
– Pois presumiu errado, o que costuma fazer às vezes. Essa amiga vem de Macau e está em busca
de contatos comerciais.
Hayden se levantou e caminhou até o toucador. Distraidamente, passou os dedos sobre as escovas
que estavam lá, depois se virou e cruzou os braços.
– Macau?
– O pai dela era um comerciante licenciado pela Companhia das Índias Orientais. Fazia negócios
entre os portos da Índia. Como muitos outros, ele expandiu sua atuação para o comércio entre a Índia
e alguns outros países asiáticos.
– Sei o que eles fazem, Christian. Eu sou responsável pelas finanças da família.
– Perdão. Pois Montgomery e eu ficamos amigos quando visitei a região. Ele havia se casado com
uma mulher de família portuguesa em Macau. Conseguiu se estabelecer por meio do parentesco e
participar do comércio chinês via Cantão, além do comércio costeiro na Índia. Agora, sua filha veio
para Londres e...
– Você esteve em Macau?
A estupefação de Hayden foi quase palpável.
– Foi durante aqueles anos em que você desapareceu?
– Nunca mencionei Macau?
– Raios, não! Nunca revelou um só detalhe sobre aquele período em que abandonou sua família,
seus deveres... tudo.
– Não tinha ideia de que nunca havia falado sobre isso.
– Que diabos, você ignorou todas as perguntas que fizemos. Se não tem consciência disso, é
devido ao seu extremo egocentrismo e...
– Então, por fim, satisfaço sua curiosidade. Conheci a Srta. Montgomery quando estive em Macau.
Seu irmão agora herdou os negócios do pai, que passaram por diversos infortúnios quando ele ainda
estava vivo, e dos quais duvido que tenham se recuperado completamente. Ela está em Londres para
fazer contatos que possam beneficiar os negócios do irmão e pediu especificamente para conhecer
você.
– Onde mais esteve? Além de Macau?
– Índia. Tibete. Na própria China, por duas semanas, embora quase tenha sido pego. Rússia...
– Tibete?
– Todo tipo de lugar, Hayden, mas você desviou do assunto que eu tinha em mente.
– Não me importa o que você tinha em mente.
A raiva de Hayden crepitava e incomodava Christian, que raramente tolerava tais intromissões,
exceto dos dois irmãos. Uma pessoa não pode viver no núcleo escuro o tempo todo, e, afinal,
conhecer as alegrias dos irmãos mais do que equilibrava o conhecimento de suas dores.
Ele esperou até a pequena explosão de Hayden diminuir. Seu irmão era o mais racional dos
homens. Os ventos logo se dispersariam.
– Acredito que a Srta. Montgomery permanecerá na cidade por pelo menos duas semanas – falou
Hayden com uma tranquilidade afável que combinava com uma calma renovada, porém tênue. – Não
estou com cabeça para finanças e negócios no momento.
– A apresentação pode esperar até o nascimento de seu filho, se é disso que está falando.
– Então mande outra de suas convocações imperiais quando chegar a hora, Christian, e trataremos
disso.
Ele foi até a porta.
– Rússia e Tibete. Raios!

Com a partida de Hayden, a lembrança da visita de Leona voltou. Mais uma vez Christian viu seu
rosto antes que ela entrasse na carruagem e seguisse para seus compromissos.
Ficou imaginando que compromissos seriam esses. Não questionava que ela estivesse em Londres
para favorecer os negócios do irmão. Apenas duvidava que tivesse esquecido ou perdoado o modo
como esses negócios quase foram destruídos sete anos antes.
Ele caminhou até o quarto de vestir do cômodo em que praticava esgrima. O espaço agora servia
de depósito, era um lugar onde ele armazenava itens pessoais que já não usava. Enquanto remexia em
caixas de madeira e baús, seu olhar se voltou para uma parede coberta por quadros que exibiam
insetos, folhas de samambaia e sementes.
Você gasta muito tempo com essa coleção, Christian. Era melhor que lesse livros ou praticasse
com suas pistolas. Um filho meu não será um desses esquisitos que perseguem borboletas.
Ele já lera muitos livros e praticara muitas horas com sua pistola. Livros e armas, assim como
coleções, eram coisas com que podia lidar a sós.
Na verdade, ele não se interessava por insetos e sementes. Eram uma desculpa para sair para
florestas e campos, onde seria poupado de perceber e, frequentemente, sentir a dor da infelicidade de
outra pessoa. Havia muito sofrimento em sua casa, na sua juventude.
Puxou um baú e o abriu. Repleto de fragmentos de dois anos de viagens, oferecia poucas
lembranças importantes. O objetivo real daquela viagem fora escapar, não descobrir. Tinha sido
acidental que resultasse em descobertas.
Ele jogou de lado estatuetas e tecidos excêntricos. No fundo, havia um diário espesso. Ele o
pegou, depois ficou com a mão sobre a capa de couro marrom.
Nunca o lera. Tinha motivos para não querer saber o que guardava e para achar que os escritos
revelariam aspectos obscuros da vida de seu pai. Poderiam trazer à luz segredos que permaneciam
enterrados.
O último marquês havia esgotado sua cota de pecados, e Christian há muito decidira não tomar
conhecimento deles. A ignorância fora um caminho para a libertação. Ele não queria voltar a entrar
naquele lamaçal de culpa herdada e obrigações.
Nesse momento, no entanto, poderia ser prudente abrir o diário. Leona havia mentido durante a
reunião dos dois. Ele não precisava ter nenhuma sensibilidade especial a respeito das emoções dela
para saber.
Tinha quase certeza de que ela não viajara para Londres simplesmente para ajudar o irmão.
Também estava lá para terminar a cruzada do pai. Se o pai estivesse levemente certo em suas teorias,
ela poderia estar caminhando na direção de problemas.
Na certa, ela suspeitava que Edmund pegara as anotações que seu pai fizera ao investigar suas
suspeitas. Se um homem e um objeto desaparecem ao mesmo tempo, apenas um idiota não vê uma
possível relação.
Ela poderia ter pedido que Edmund devolvesse o diário. No entanto, o mais provável era que não
confiasse a um marquês nada que se relacionasse a essa segunda missão.
Ele contemplou o diário por um bom tempo. Então fechou o baú. Leria, se preciso fosse, mas
duvidava que chegasse a esse ponto. Pretendia manter Leona muito próxima dele e a desviaria desse
caminho em particular, caso ela tivesse se arriscado a segui-lo. Voltou para o quarto de vestir. Havia
mais uma tarefa a cumprir.
Mandou chamar Miller.
– Leve isso para a Sra. Napier. Transmita-lhe meu pesar por não visitá-la esta noite.
Miller sentiu o peso da caixinha na mão. Seu conteúdo fora comprado de um comerciante que
passara por lá pela manhã.
– Nenhum bilhete?
– O colar é toda a explicação necessária.
Miller olhou para a caixa com repulsa.
– Espero que ela não faça cena. Algumas mulheres fazem drama quando são abandonadas.
– Não haverá drama. A Sra. Napier só é capaz de expressar dois tipos de emoção com
intensidade: desejo e ambição. É esperta o bastante para saber que a satisfação da primeira é fugaz,
enquanto a da segunda dura para sempre.
– Sei que não me cabe dizer, senhor, mas assim ela parece um pouco insensível.
– Não mais do que a maioria das pessoas, infelizmente. Não mais do que eu e você, isso é certo.
Miller sorriu, satisfeito por ter sido incluído no mesmo círculo de um marquês, mesmo que de um
marquês insensível.
Miller saiu para entregar o presente. Christian presumiu que ele levaria embora, junto com o
presente, boa parte de seu conforto físico dos últimos tempos.
Lidar com mulheres era a parte mais complicada de sua vida. Era impossível manter um romance
quando se sentiam não apenas o desejo e as alegrias do ser amado, mas também suas decepções, seus
momentos de ódio e seus rancores.
A lasciva e insensivelmente prática Sra. Napier tinha sido, ele precisava admitir, a amante
perfeita para o amaldiçoado marquês de Easterbrook.
CAPÍTULO 4

Griffin Winterside, gerente da Companhia das Índias Orientais encarregado de mimar e adular os
membros do Parlamento, notou que o Sr. Hubson olhava para a nota de 10 libras sobre a mesa de
mogno. Era dinheiro demais para um cocheiro de aluguel contratado por curtos períodos junto com os
cavalos.
– Descreva a carruagem que a levou, Sr. Hubson.
– Era grande. Um coche. Dois lacaios e mais um homem, jovem, que não usava uniforme. Um
secretário, talvez. Era o coche de um lorde, eu diria, mas não vi a porta.
Winterside duvidava dessa opinião. Leona Montgomery não passava de irmã de um comerciante.
O que um lorde poderia querer com ela?
– Ela se encontra frequentemente com membros tão distintos da sociedade?
– Eu a levei a dois endereços desse tipo. Permaneceu um tempo considerável em ambos. Foi
recebida, isso é certo.
Hubson olhou mais uma vez para a nota. Winterside a afastou para o lado.
– Tudo a seu tempo, Sr. Hubson. Tudo a seu tempo. Quais dois?
Hubson se inclinou para a frente, como se estivesse preocupado que alguém ouvisse sua
indiscrição. A posição fazia o peito rechonchudo ameaçar os botões de seu colete.
– Houve uma festa na casa de Lady Barraclough quinze dias atrás. Ela ficou muito satisfeita ao
receber o convite. Vestiu-se muito bem. Depois, deixe-me ver... – disse, inclinando a cabeça para
pensar. –... há seis dias, ela me fez levá-la a Grosvenor Square. À casa de lorde Easterbrook. Foi
visitar a tia dele, Lady Wallingford.
A agenda social que o Sr. Hubson descrevia era minúscula, além de pouco interessante. Lady
Barraclough era uma mulher inofensiva com um marido estúpido. Easterbrook era um recluso
excêntrico, e sua tia, uma aproveitadora banal.
Parecia que a Srta. Montgomery estava batendo nos elos mais fracos das correntes que
delimitavam as portas da sociedade. Nenhum de seus movimentos apresentava motivos para
preocupação.
– O senhor viu o coche retornar à casa dela?
Hubson fez que não com a cabeça.
– Eu tinha cuidado da carruagem e dos cavalos e me preparava para uma boa soneca.
Que pena. Essa história do coche chamara a atenção de Winterside. Mas ele podia pertencer a
algum homem que tivesse afeição pela Srta. Montgomery. Esperava que sim. Um caso amoroso
garantiria que a Srta. Montgomery ocupasse seu tempo em Londres com questões mais corriqueiras.
Winterside tinha certeza de que eram questões corriqueiras tudo o que ela buscava na cidade.
Outros discordavam. O que despertava interesse não era tanto quem a Srta. Montgomery era, mas
quem fora seu pai.
Ele suspirou. Quanta bobagem em torno de uma história antiga. Como se uma mulher fosse
conhecer ou dar importância às acusações bizarras de Reginald Montgomery. Todavia, homens
importantes queriam garantias de que ela não seguiria os passos do pai.
Hubson pode ter achado que o silêncio refletia desagrado por sua resposta, porque tentou mais
uma vez.
– Eu não a vi retornar, mas a vi mais tarde no mesmo dia. Ela voltou a sair.
– É mesmo?
– Lá estava eu, me acomodando, e ela pediu para o chinês me mandar trazer a carruagem. Não
fiquei contente, veja só. Eu já tinha arrumado a carruagem e os cavalos, teria que começar tudo de
novo...
– Para onde a levou?
– Para a Royal Exchange.
– Para a Royal Exchange? Tem certeza? Certamente ela procurava por uma loja nas redondezas.
– Era mesmo à Royal Exchange que ela queria ir. Eu a vi entrar. Não ficou muito tempo. Menos de
quinze minutos. Achei estranho. Uma mulher indo lá.
Não era tão estranho. Ela era filha e irmã de comerciantes. A Royal Exchange era o principal
ponto de negócios da cidade. Devia ter ficado curiosa.
– Diga-me, Sr. Hubson, levou-a para mais algum lugar que considerasse estranho?
Hubson pensou tanto que sua cara gorda se enrugou na região da fronte e em torno da boca.
– Acho que não.
Claro que não. Winterside olhou para a ponta de sua pena. Escreveria para seu contato entre os
homens importantes e explicaria que a Srta. Montgomery não estava envolvida em nenhuma atividade
minimamente interessante...
– Exceto pelo dia em que foi à Mincing Lane.
– O senhor disse Mincing Lane?
– Na verdade, ao cruzamento. Ela mandou que eu voltasse em meia hora. Quando eu saía, olhei
para trás e a vi caminhando pela Mincing Lane.
– Tem certeza de que foi na Mincing Lane?
– Sou cocheiro em Londres há 22 anos, senhor. Acho que conheço as ruas da cidade bem o
bastante, obrigado.
Winterside se recostou na cadeira e avaliou essa última informação. O cocheiro olhava ansioso
para a nota de 10 libras.
– Pegue, Sr. Hubson. Já terminamos, e o senhor cooperou muito.
Hubson pegou a nota e saiu. Winterside puxou a tinta para mais perto de si. Tinha sido otimista ao
nutrir esperanças de que pudesse encerrar o assunto no mesmo dia.
Só havia um motivo para a Srta. Montgomery ir à Mincing Lane.
– É bom ver que está se arrumando para sair – comentou Isabella. – Passou os últimos dias tão quieta
que temi que estivesse doente.
Leona inclinou a cabeça enquanto Isabella corria a escova do couro cabeludo até as pontas de seu
cabelo.
– Eu não estava doente. Estava pensando.
– Coisas boas, espero.
Não exatamente.
A reunião com Edmu... – Easterbrook – exigira que revisse muitas questões. Tivera que reavaliar
seu passado com ele. Estava de luto pelas lembranças inocentes, preservadas com carinho no
decorrer dos anos, mesmo depois que a maturidade começara a lhe ensinar a duvidar mais.
Seu coração doera ao enxergar tudo com olhos recém-abertos. Ela acreditara que houvessem tido
uma intimidade especial de alma e mente, além de uma paixão nunca concretizada do corpo e do
coração. Desde então, chegara até mesmo a se convencer de que fora tola por se manter tão
comportada e não se entregar ao arrebatamento dele. Começara a maldizer seus temores de menina e
a cultivar a nostalgia pelo jovem que fizera seu sangue ferver.
Agora sua mente via cada sorriso lento e cada olhar obscuro, cada beijo roubado e cada
confidência pessoal de uma perspectiva diferente. Ela não passara de um brinquedo que divertira o
marquês quando ele não estava ocupado com questões mais importantes.
Era nessas questões que a mente dela trabalhava agora. Pela manhã, ela decidira deixar o passado
para trás e voltar sua atenção para o presente e seu futuro imediato. Havia começado a considerar
como essa descoberta chocante afetaria seus planos na Inglaterra.
Easterbrook estava desconfiado de seus motivos para vir a Londres. Apesar de ela haver insistido
em que pretendia apenas auxiliar o irmão, o marquês não acreditara. Até mesmo no fim, havia se
referido às suas missões. No plural.
Aquilo dava a entender que ele sabia que outras razões a haviam arrastado até ali. O que, por sua
vez, provavelmente significava que suas suspeitas estavam certas.
Teria sido ele? Será que roubara os papéis de seu pai? Fugira de Macau com todas as evidências
que o pai havia acumulado enquanto investigava os ataques a seus negócios?
O momento em que o diário desaparecera sempre fizera com que se questionasse, ainda que o
coração discordasse vigorosamente da cabeça. Afinal, que uso seu hóspede faria daquelas anotações
e cartas? Elas não tinham valor para um naturalista aventureiro.
Seu pai não se angustiara com a perda do diário, porque ele podia se lembrar do conteúdo sem
muito esforço. Ela, no entanto, ficara quase sem nenhuma informação depois da morte dele. Queria
aquele diário e as evidências que ele continha.
Easterbrook sabia disso. Leona tinha quase certeza disso. Ele imaginava que ela queria encontrá-
lo para pedir os papéis de volta. Agora ela nem ousava lhe dizer que suspeitava que estivessem com
ele.
Sua identidade mudava tantas coisas. Tudo. Para o marquês de Easterbrook, aquele roubo poderia
ter sido até mesmo o motivo da visita a Macau. Ele podia ter sabido que o pai dela descobrira que
seus perseguidores estavam na Inglaterra e que desconfiava de alguns membros da Câmara dos
Lordes.
Easterbrook provavelmente chegara a Macau procurando uma forma de proteger seus amigos
endinheirados, sua família ou até a si mesmo. Havia mentido sobre sua identidade para poder
descobrir o que seu pai sabia e interferir em suas tentativas de expor tudo.
Isabella terminou de arrumar seus cabelos. Leona passou a mão no coque e nos cachos pendentes.
– Onde está Tong Wei?
– Na biblioteca, estudando os textos em inglês.
– Vamos até lá. Quero contar uma coisa a vocês dois.
Elas o encontraram lá, debruçado sobre um livro infantil. Quando criança, em Macau, Tong Wei
ensinara chinês a um caixeiro inglês em troca de que ele lhe ensinasse seu idioma também. Era ilegal
dar aulas de chinês a estrangeiros, mas Tong Wei se arriscara. E aprendera um inglês mais claro do
que o dialeto truncado que os intérpretes oficiais falavam. Mais tarde, a serviço do pai de Leona,
tivera ainda a chance de aperfeiçoá-lo. No entanto, nunca havia aprendido a ler naquele idioma.
– Encontrei Edmund – anunciou Leona assim que conseguiu a atenção de Tong Wei. – No dia em
que fui à Royal Exchange.
– É por isso que tem andado tão quieta e pensativa? – indagou Isabella. – Ele continua o mesmo?
– De jeito nenhum! Ele nem é Edmund. Esse não é o nome dele. O viajante que aceitou a
hospitalidade de meu pai na verdade é um dos mais distintos nobres daqui, o marquês de
Easterbrook. Ele mentiu para todos nós.
– São boas notícias, não? Ele ser esse marquês? – aventou Isabella. – Ele tinha muita afeição por
você. Se ainda tiver... – falou, erguendo as sobrancelhas para indicar as possibilidades.
A alusão de Isabella reacendeu a lembrança do beijo recente de Easterbrook. O coração de Leona
vacilou de leve, num eco das reações que tivera no quarto verde.
– Afeição não é a palavra correta para os interesses dele naquela época – corrigiu Leona.
– Ele é um homem poderoso por nascimento – afirmou Tong Wei. – Espero que não tenha feito
nada para irritá-lo ou insultá-lo quando descobriu a farsa do passado.
– Acho que não fiz, mas fui incapaz de esconder meu espanto. Ele concordou em me ajudar.
– Será de muita utilidade.
Seria. Se confiasse em si mesma, poderia até tentar obter mais da ajuda de Easterbrook. Não para
os próprios planos, mas para os relativos a seu irmão.
Suas palavras finais, no entanto, indicavam que ela não deveria se encontrar muito com o
marquês. Você será minha.
Leona não tinha nada contra usar o interesse de um homem em benefício próprio, mas sabia que
seria melhor não brincar com fogo – principalmente quando as chamas estavam tanto nela quanto
nele. Para seu desalento, nem mesmo o fato de suspeitar da traição dele havia mudado isso.
– Vai precisar de um guarda-roupa mais apropriado se for confraternizar com um homem desses –
disse Isabella. – Teremos que vender algumas pedras de jade.
– Eu não vou confraternizar. Ele vai me apresentar a uma pessoa, nada mais. Só achei que vocês
dois deveriam saber de sua verdadeira identidade.
Leona se sentou à escrivaninha e passou o dedo pelas cartas de apresentação armazenadas ali.
– Não venda o jade ainda. Podemos precisar depois, para coisas mais importantes do que meu
guarda-roupa. É possível que fiquemos aqui por mais tempo do que o previsto.
Leona esperava que não. Vir à Inglaterra significara abandonar o irmão por mais de um ano. Tinha
se esforçado para prepará-lo e deixar os negócios organizados, mas não podia ficar fora por tempo
indeterminado. Gaspar podia ser o responsável pela Companhia no momento, mas ainda era muito
inexperiente.
Ela encontrou a carta escrita por outro comerciante para intermediar sua apresentação à irmã dele
em Londres. Faria uma visita à mulher no mesmo dia. Embora não esperasse que a visita rendesse
algum benefício direto, nunca se podia prever quem conhecia quem. Ficaria grata pelo menor contato
que pudessem lhe oferecer com as pessoas que precisava encontrar.
Com o atraso que seus planos sofrera nos últimos dias, cada passo para a frente, ainda que
minúsculo, contava.

Leona entrou em casa refletindo sobre o encontro com a Sra. Fines. Fora mais proveitoso do que
previra.
A Sra. Fines podia ser apenas a irmã de um comerciante, mas havia se casado com um homem de
família mais ilustre. Seu marido era advogado e, por parte de mãe, tinha parentesco com um barão.
Ao fim da visita, a Sra. Fines insistia em obter bons convites e apresentações para sua nova amiga.
Enquanto Leona desatava o chapéu, Isabella corria para o hall de entrada.
– Ele está aqui – contou com empolgação.
– Quem está aqui?
– Edmund. Você tem razão. Ele mudou muito. Nem o reconheci, a princípio.
– Não vi nenhum coche. Nenhum cavalo. E o nome dele não é Edmund.
– Talvez ele tenha vindo voando. Está lá em cima, na biblioteca, com Tong Wei.
Leona se esforçou para aparentar indiferença, porém a surpresa fizera seu coração disparar. Ela
não esperava que Easterbrook fosse ali.
– Ele pediu que avisássemos quando você chegasse. Easterbrook. Acho que veio falar com você,
não com Tong Wei – sugeriu Isabella.
– Não sei se eu quero vê-lo.
– Não vejo como poderia evitar, a menos que queira insultá-lo. Não seria muito sábio.
Não, não seria. Um pouco irritada e mais empolgada do que gostaria, Leona subiu para a
biblioteca.
Nenhum som a saudou quando abriu a porta. O cômodo tinha uma quietude que ela logo
reconheceu.
Tong Wei estava sentado no chão, pernas cruzadas diante do corpo e costas tão alinhadas que sua
trança formava uma reta. Easterbrook estava recostado em uma poltrona. Como Tong Wei, tinha os
olhos fechados. Nada nele se movia, nem mesmo um cílio.
Leona também não se moveu, mas sentiu a interferência que sua mera presença causou. Ela se
tornou a pedrinha jogada no lago sereno. Pequenas ondas se formaram na superfície.
Eles saíram juntos do momento de concentração. As pálpebras de Easterbrook se levantaram e ele
a fitou com olhos que não estavam totalmente de volta ao mundo. Tong Wei se levantou com um
movimento fluido que refletia ao mesmo tempo força e agilidade.
Ele se curvou num cumprimento diante de Easterbrook e foi até Leona.
– Ele não parou. Continuou durante todo esse tempo.
– Mas ele não faz como você. Não se senta como você, como ensinou a ele.
Easterbrook havia despertado por completo e se levantara de sua poltrona, mas permaneceu
afastado, de forma a não ouvir nem interromper a conversa.
– E nem segue a crença. Ele usa a verdade, mas não a aceita como verdade. Ainda assim...
Tong Wei cumprimentou mais uma vez o convidado e saiu da biblioteca.
Leona encarou Easterbrook.
– Ele disse que você dominou os métodos, mas não aceita as verdades.
– Não é minha fé. Eu o insulto mostrando que os métodos não dependem da crença?
– Você o constrange, não o insulta. Ele também ficou satisfeito, creio eu, ao ver que continua com
os esforços e encontra paz nos resultados. Está lisonjeado com sua visita.
– Eu o teria procurado de qualquer forma se soubesse que estava em Londres. No entanto, não fiz
essa visita apenas para vê-lo.
Não, ele não fizera. Deus a ajudasse. Ela procurava se acalmar focando nas muitas mudanças na
aparência dele desde o último encontro dos dois.
Agora ninguém o confundiria com um criado. Ele parecia ser o lorde que era. Os cabelos
pareciam um palmo mais curtos e emolduravam seu belo rosto de forma mais harmoniosa.
– Não me portei muito bem da última vez que nos vimos, Leona. Devia ter considerado seu
espanto ao me reencontrar. A maneira com que fiz que fosse levada até mim... Peço desculpas. Devia
ter encontrado uma forma melhor.
Ela duvidava que Easterbrook se desculpasse com frequência para quem quer que fosse. Esperou
um instante, para que ele tivesse que lidar um pouco mais com o leve desconforto que aquela frase
parecia lhe causar.
– Talvez eu também não tenha me portado direito, devido à surpresa.
– Diria que sua reação foi esplêndida. Como sempre.
Nem sempre. Não mesmo. Embora tenha sido gentil da parte dele fingir que ela nunca havia se
portado como uma tola.
Ele caminhou pela biblioteca observando as estantes e a mobília.
– Alugou essa casa por quanto tempo?
– Três meses.
– Há quanto tempo está em Londres?
– Amanhã completa um mês.
– Presumo que tenha trazido cartas de apresentação.
– Algumas.
– Ainda assim, apenas recentemente esteve em companhia de minha tia, e ela é mais acessível do
que a maioria, e não muito rígida em relação a quem recebe. Está progredindo mais devagar do que
esperava.
– Infelizmente, sim.
O percurso o havia levado para perto dela.
– Tomei algumas medidas em seu nome que não foram solicitadas. Espero que não se importe.
– Que tipo de medidas?
– Disse à minha tia que me agradaria se você fosse convidada para mais reuniões. As da alta
sociedade. Ela abrirá algumas portas. Também disse ao advogado da família que ficaria satisfeito se
você recebesse convites para festas de sociedade com outro grupo. Comerciantes, financistas e afins.
– É muita generosidade sua. Contudo, fiquei sabendo de uma ou duas coisas nas últimas semanas.
Você é bem conhecido, é claro, e objeto de fofoca. Dizem que não participa de eventos sociais. Um
recluso, é o que dizem. Por que acha que seu desejo gerará convites para mim?
– Porque sou Easterbrook.
Sua resposta nem ao menos pareceu arrogante. Ele simplesmente afirmara uma realidade que
explicava tudo.
Uma coisa ocorreu a ela, e ela suspeitou que fosse importante: ele anunciara sua identidade não
apenas com calma e confiança, mas também com resignação.
Ser Easterbrook não se resumia a ter influência e riqueza. Não significava apenas que as pessoas
procuravam agradá-lo. Havia algo ruim que acompanhava os benefícios e obrigações que vinham
com o prestígio.
Por isso, ele mudara, ela se deu conta. A aparência era o que menos importava. O jovem em
Macau exalava caos e obscuridade. A obscuridade ainda existia, mas não o controlava mais, e o caos
fora domado. Ela se perguntava se o modo calmo com que ele dissera “Sou Easterbrook” era a razão
dessa mudança fundamental ou o resultado dela.
Ele consultou o relógio de bolso.
– Minha carruagem deve retornar logo. Acompanhe-me ao parque.
– É muita gentileza sua, mas tive um dia cheio.
– Você vai comigo, Leona. Isso reforçará meu apoio a suas atividades. A sociedade a verá em
minha companhia e os convites chegarão, independentemente de seu passado e seus laços de
parentesco.
– Se eu for vista sozinha com você na carruagem, a sociedade não vai interpretar mal?
Ele fez uma pausa, mas não pelos motivos que deveria. O leve sorriso dizia que ele não achava
que haveria erro de interpretação nas conclusões que as pessoas tirariam, mas que ele cederia à
insegurança dela por ora.
– Isabella pode vir junto – disse ele. – Deve parecer mais adequado.
Embora fosse adequado o bastante para as intenções dele, Leona duvidava que a presença de
Isabella evitasse mexericos. No entanto, apenas um tolo recusaria a influência de um marquês que
havia decidido colaborar com seus planos, independentemente dos motivos que o movessem e das
suspeitas que ela tivesse.
E Leona não era tola.
CAPÍTULO 5

Christian suspeitava que, no dia em que fosse para o inferno, e por fim soubesse o que era a
danação eterna, reconheceria nela uma estranha semelhança com aquela hora da tarde em que toda a
alta sociedade se reunia para passear no Hyde Park.
A multidão por si só não o oprimia. Ele era capaz de tolerar aglomerações – até mesmo de
procurá-las por breves períodos. Mercados podiam ser estimulantes, por exemplo. Havia tanta
variedade nas pessoas, que o lado bom equilibrava o ruim. Mas até mesmo pessoas interessantes se
tornavam tediosas e superficiais às 17h no Hyde Park. Ser atacado pela insipidez devastadora o
exauria.
Apesar de tudo, ele instruiu o cocheiro a adentrar a multidão. Concentrou seus pensamentos na
mulher que o agraciava com sua companhia na carruagem aberta até as cornetas se tornarem um
lamento abafado ao fundo.
Leona conversava com Isabella, apontando chapéus, coches e outros interesses femininos.
Isabella estava vestida à moda inglesa, mas sua origem oriental a denunciava no rosto suave e
arredondado, nos olhos distintos e cabelos pretos com penteado simples.
Ele se lembrava de Isabella como uma menina perdida entre dois mundos no período que passara
em Macau. Filha não reconhecida de um oficial português que tinha a mãe dela como amante, ela mal
era tolerada pelos europeus, apesar de a mãe ter-lhe dado um nome ocidental na esperança que isso
ajudasse. Os chineses, por sua vez, ignoravam completamente a menina mestiça.
Leona fizera amizade com Isabella na época. Até onde Christian sabia, ela agora era serviçal e
dama de companhia de Leona.
Isabella havia arrumado os cabelos de sua senhora em um estilo moderno que favorecia os cachos
castanhos de Leona. Ele já vira algumas vezes aqueles cachos soltos de maneira selvagem e sensual,
em vez de enfeitados com laços e fitas, tão contidos sob o chapéu de palha que Leona usava hoje.
Uma dessas vezes fora na noite em que ela o ajudara a fugir de Macau. A outra fora antes, quando
ela o encontrara muito mal e se tornara o espelho no qual ele viu o covarde que era.
Leona tentava não olhar para ele enquanto aproveitava o passeio. De vez em quando, no entanto,
reconhecia a atenção dele. Seus olhos escuros e expressivos encontravam os dele e sustentavam o
olhar o suficiente para revelar sua cautela em relação a ele. Ainda estava inclinada a fugir e se
esconder, ele supunha.
– Está falando demais com Isabella – disse ele.
– Quer dizer que aqui acham errado conversar com a criada?
– Quero dizer que deveria conversar comigo. Terá que fazer isso mais cedo ou mais tarde, Leona.
Ela o encarou diretamente. Não tinha ideia de quanta paixão se revelava em seus olhos quando
era provocada e de como isso podia incitar um homem.
– Está bem, vamos conversar. Vai escolher um tema ou eu escolho? O meu seria bem simples,
produto da curiosidade do momento.
– Agora a curiosidade é minha, então a escolha deve ser sua.
Ela olhou para as carruagens, tão próximas que era possível tocar nelas.
– Desde que chegamos, muitas pessoas tentaram chamar sua atenção e cumprimentá-lo, mas você
ignorou todas elas. É sempre tão grosseiro? Ou seu título e posição significam que a palavra
“grosseiro” nem se aplica a você?
Era mais uma repreensão do que uma provocação. Ele não tinha opção além de se voltar para os
muitos corpos que passavam por ele. Cumprimentou alguns com acenos de cabeça conforme se
dirigiam a ele.
Como estava no inferno, era inevitável lembrar seus pecados. Ele mal havia abafado as cornetas e
logo duas delas retumbaram bem em seu ouvido. A Sra. Napier se aproximou, vindo de outro lado e
exibindo sua beleza loira no alto de um cavalo branco. Ao ver a carruagem de Christian, seguiu em
sua direção.
No pescoço, levava um colar de diamantes nada adequado para o horário. Servia para provar à
sociedade que ter sido abandonada pelo amante lhe trouxera mais lucros do que desfrutar sua
constante companhia poderia dar.
Ela sorriu enquanto, à sombra do chapéu violeta, seus olhos frios avaliavam Leona. Uma alegria
indelicada deu a entender que ela considerava que a parte dele na negociação que encerrara seu
relacionamento fora muito pior.
Como se um demônio não fosse o bastante, outro cavalo se aproximou da Sra. Napier durante o
tempo que a carruagem de Christian levou para ultrapassá-la. Outro de seus pecados se juntou no
escrutínio das ocupantes da carruagem, depois as duas mulheres afastaram as montarias, trocando
gracejos em particular.
– Para um recluso, parece que tem muitos amigos – comentou Leona.
– Não sou um recluso. Esse rumor é infundado.
– Certamente. Acredito que o outro rumor também seja infundado. Aquele que diz que você é
louco.
– Na verdade, diz que sou meio louco, e é no mínimo um exagero.
Ela riu. Foi um som rouco e sensual. Era a primeira lembrança que ele tinha dela: aquele riso
vindo dos fundos da casa de seu pai, invadindo o silencioso escritório em que Reginald Montgomery
recebia o viajante que aparecera à sua porta.
Ele foi tomado pela nostalgia daquele momento e do seguinte, quando a garota apareceu de
repente naquele escritório com olhos negros cheios de vida. Naquele instante, de maneira tão
essencial que nem precisou pensar, ele teve duas certezas: que ela era imune à sua maldição e que ele
a desejava.
Ele tolerou a multidão que passava por mais alguns minutos, depois ignorou todos.
– Eu não havia notado a atenção voltada a mim porque minha intenção era desfrutar sua
companhia, Leona. E, confesso, estava imaginando seus cabelos soltos como eu via em Macau e
desejando vê-los novamente.
– É improvável que veja, mesmo sendo Easterbrook e tendo a expectativa de que o mundo aja de
acordo com o seu agrado. Sou uma mulher madura agora e devo aparentar isso.
Ele logo veria os cabelos dela do modo que escolhesse, mas deixou passar.
– Diga-me como seu irmão está. Você comentou sobre as habilidades dele no comércio, mas não
entrou em detalhes.
Ela se recostou, talvez aliviada por conversarem sobre um assunto tão leve.
– Ele está muito parecido com meu pai, agora que cresceu.
– Você disse que ele agora vai a Cantão. Isso significa que precisa deixá-la sozinha em Macau
durante a temporada de comércio. Deve se sentir solitária.
De outubro a maio, os comerciantes europeus viviam em Cantão, do lado de fora de suas
muralhas, nas fábricas mantidas pelos países na estreita faixa de terra destinada pelo imperador. Sua
movimentação era estritamente regulada pelos mandarins, que executavam as determinações do
império.
Até mesmo a visita aos familiares no enclave português em Macau envolvia um elaborado
protocolo e o pagamento de altas tarifas. Como Cantão era a única via de comércio legal com a
China, o sistema restritivo era tolerado, ainda que a contragosto.
– Nem tão sozinha. Existem outras mulheres que esperam como eu. E tenho Isabella. Além disso,
Tong Wei permanece como guarda.
– A família de sua mãe auxilia nos negócios? Não havia necessidade quando seu pai era vivo,
mas seu irmão ainda é jovem.
A expressão dela se tornou indiferente.
– Por mais que nossa companhia ainda leve o nome deles, a família Tavares preferiu abrir mão de
sua parte quando meu pai faleceu. Calcularam que logo os negócios faliriam e não quiseram ter que
assumir nenhuma dívida.
– Como os negócios não faliram, eles calcularam mal.
– Parece que sim.
Os melhores cálculos haviam sido os dela, que conhecia bem a própria capacidade. Christian
conseguia imaginá-la, uma filha enlutada, talvez dramática e desolada devido à perda, pesando
silenciosamente os riscos e vantagens que teria se a família Tavares entregasse sua parte.
– Pedro rompeu o noivado na mesma hora, presumo.
Ele a observou atentamente, sem nada mais que instintos comuns para determinar quanto ela fora
astuciosa.
– Sim, aconteceu tudo ao mesmo tempo.
Ele sentiu uma leve interferência em sua direção. Não vinda de Leona, mas de Isabella. Tristeza.
Empatia. A acompanhante se lembrava da aflição de Leona na época, ainda que sua senhora fosse
capaz de mascará-la completamente.
No entanto, a aflição não fora tão grande a ponto de ela não conseguir dar as cartas com astúcia.
Se os Tavares queriam se distanciar de um negócio falido ou de uma mulher insultada pelo noivo, a
verdade era que, no final, Leona havia assegurado para o irmão tudo o que sobrara.
Leona começou a observar atentamente o caminho, anunciando assim que o assunto havia se
encerrado. Ele se ocupou em admirar as lindas maçãs de seu rosto e a fartura erótica e fora de moda
de seus lábios.
A maturidade havia favorecido sua beleza rara. Aquela boca e os olhos refletiam o sangue
português, mas o resto do rosto era inglês. A combinação resultava em algo familiar com um quê de
exótico, e seus olhos escuros contrastavam fortemente com a palidez da pele.
– Lorde Easterbrook, o senhor continua atraindo bastante atenção – observou ela. – Há um homem
bem ali, perto daquelas árvores, que não para de olhá-lo, como se estivesse vendo um fantasma.
Ele notou o homem em questão. De cabelos escuros, bonito e elegante, acompanhava uma mulher
muito menos bem-vestida, mas adorável com seus traços celtas. A beldade acabara de perceber o
interesse de seu acompanhante na carruagem de Easterbrook e, de queixo caído, expressava a própria
surpresa.
– Se está se referindo ao homem com a mulher cujos cachos ruivos estão soltos como eu gostaria
de ver os seus, trata-se do meu irmão mais novo, Elliot. A mulher é sua esposa, Phaedra.
– Por que ele parece tão surpreso?
– Ele está surpreso por me ver aqui. Não costumo participar desse rito social.
Easterbrook pediu que o cocheiro encostasse e parasse.
– Suponho que deva apresentá-la.
– Se apenas supõe, talvez não deva.
– O objetivo desse passeio foi estimular apresentações para você. Devemos começar por minha
família.
Ela aceitou a mão que ele lhe estendeu e desceu ao seu lado.
– Quantas vezes por mês vem aqui?
– Raramente.
– Quando foi a última vez?
Ele colocou a mão dela em seu braço e caminhou na direção de Elliot.
– Deixe-me ver. Acho que foi há cinco... não, seis... anos.

Lorde Elliot Rothwell disfarçou sua estupefação e fez uma mesura para Leona quando ela foi
apresentada.
– Macau? Que interessante – falou ele.
Lorde Elliot se virou para o irmão mais velho com um olhar profundo e curioso. Uma estranheza
peculiar se estabeleceu entre os dois homens.
Lady Phaedra se apressou em diminuir aquela tensão.
– Mais do que interessante. Eu me atreveria a dizer afortunado, pelo menos para mim. Vamos dar
uma volta juntas, Srta. Montgomery, enquanto faço algumas perguntas sobre sua experiência no
Extremo Oriente.
Lady Phaedra conduziu Leona, deixando os dois irmãos sozinhos sob a árvore. Os passos de Lady
Phaedra fizeram seu vestido flutuar ao redor do corpo, revelando que ela esperava um filho.
Leona voltou a olhar para Easterbrook e o irmão.
– Eles estão com raiva um do outro?
– O marquês é peculiar demais para que incite raiva. Perplexidade, sim. Confusão, com
frequência. Irritação, diariamente. Mas raiva, não.
– Ouvi alguns rumores que estão de acordo com o que você diz.
– As pessoas criam teorias quando não têm explicações para o que veem. Na verdade, ninguém
sabe muita coisa sobre ele. Nem mesmo a família. Ele evita a sociedade e raramente sai de casa.
Pelo menos é o que pensamos. Mas não temos certeza, não é? Ele não sabe lidar bem com pessoas
tolas e pode ser um pouco autocrático, mas qualquer homem de sua posição é assim. O fato é que
nem nós sabemos como ele é nem como ocupa seu tempo, sobre o que pensa, ou se pensa sobre
alguma coisa – disse. Então sorriu com malícia e completou: – Só que agora sabemos que ele já
visitou a China.
Leona lançou outro olhar para os irmãos. Não pareciam brigar, mas também não davam a entender
que estariam em uma conversa amigável.
– Chega de falar de Easterbrook – disse Lady Phaedra. – Prefiro falar sobre você. Acho
interessante que atue como agente de seu irmão.
Leona lhe contou a história rapidamente. Sentiu que a mente de Lady Phaedra era tão pouco
convencional quanto sua aparência e que ela acolhia sua história de maneira diferente das outras
mulheres.
– Que aventuras deve ter vivido! – exclamou Lady Phaedra. – Somente a jornada até aqui já é
admirável, mas a descrição da visita à Índia e às ilhas do Extremo Oriente para assegurar seus
negócios enquanto o irmão era menor de idade é impressionante.
– Eu não tinha opção.
– Sempre há opções, e a maioria das mulheres teria escolhido outra.
A única opção diferente seria passar a depender da família da mãe. No entanto, ela entendia o que
Lady Phaedra queria dizer. Ela havia abraçado o destino, em vez de se esforçar para mudá-lo.
Tinha orgulho de ter sido bem-sucedida na maior parte das vezes. A necessidade a obrigara a
passar por cima dos medos e a ser mais corajosa do que até o próprio pai poderia esperar. E suas
obrigações não terminaram quando Gaspar atingiu a maioridade. Seu pai, sem se dar conta, havia
ensinado ao filho muito sobre os negócios, mas Gaspar era novo demais para entender essas lições
na época. O irmão provavelmente daria conta de tudo este ano, enquanto ela estivesse fora, mas
ainda não era capaz de conduzir os negócios sozinho.
Lady Phaedra parou em um pequeno trecho ensolarado.
– Tem algum talento com a pena?
– Um talento mediano. Não escrevo poesia, se é disso que está falando.
– Imagino, no entanto, que deva escrever boas cartas. Pergunto por uma razão. Tenho uma pequena
casa editorial que herdei de meu pai. Decidi publicar um periódico para moças. Pretendo que seja
mais culto do que os outros. E me ocorreu que pudesse descrever essas terras distantes que viu e
apresentar às minhas leitoras os costumes e questões importantes desses lugares.
Era uma ideia original e Leona logo ficou interessada.
– Gostaria apenas de descrições de vestimentas, alimentação e coisas afins?
– Pode escrever sobre o que quiser. Acontecimentos que tenha testemunhado. Problemas que tenha
notado. É claro, não deve ignorar totalmente a moda e a sociedade. São assuntos que sempre serão de
interesse da maioria das mulheres.
Não tanto da mulher que publicaria o periódico, pensou Leona. Lady Phaedra era adorável, mas
rara pela simplicidade de seu vestido verde-claro e dos cabelos soltos. Nenhuma outra mulher no
Hyde Park tinha essa aparência.
– Diga que vai pensar no assunto – incitou Lady Phaedra. – Suas cartas fariam a primeira edição
desse jornal se destacar.
– Verei se consigo escrever algo que ache aceitável. Se gostar, conversaremos mais sobre isso.
Easterbrook se aproximou com o irmão ao lado.
– Parece que fez uma aliança, Srta. Montgomery.
– E ela promete beneficiar a nós duas, eu espero – garantiu Lady Phaedra. – Por favor, visite-me
logo, Srta. Montgomery.
Easterbrook observou Lady Phaedra se afastar com o marido.
– Não é a esposa que eu teria escolhido para ele, e a história que cerca o casamento causou um
escândalo, mas ele está mais do que feliz – falou como se Leona tivesse pedido sua opinião.
– Achei a moça muito simpática e interessante. Por que não a teria escolhido?
Ele começou a acompanhá-la de volta à carruagem.
– Simpática, com certeza. E interessante. Mas também intencionalmente peculiar e pouco
convencional. Isso não contava a seu favor de início.
Ele olhou para Leona.
– Eu disse algo que a divertiu?
– De modo algum, lorde Easterbrook. Foi generoso de sua parte ter ficado em harmonia com a
peculiaridade intencional dela. O senhor tem a mente muito aberta.

De volta à casa de Leona, Easterbrook a acompanhou, junto com Isabella, até a porta. Entrou com
elas.
– Deixe-nos a sós – ordenou.
Isabella fez uma mesura e saiu. Leona não se deu o trabalho de convidá-lo para ir a um dos outros
cômodos. O que ele tivesse para dizer podia ser dito no hall de entrada.
Ele ficou um bom tempo olhando para Leona, como se esperasse que ela falasse primeiro. Ficar
sob o escrutínio dele desse jeito a deixava nervosa. O cômodo parecia encolher, aproximando-os.
– Esse plano de fazer as apresentações e tal... – começou ele. – Funcionaria muito melhor se você
se mudasse para a Grosvenor Square.
Ela não esperava uma proposta tão direta tão cedo.
– Estou satisfeita aqui e nunca imporia minha presença à sua tia.
– Ela não consideraria uma imposição, eu garanto.
– Ainda assim, ir para a sua casa seria um excesso de intimidade com uma mulher que mal
conheço.
– Não haverá nenhuma intimidade com a qual não concorde. A casa é bem grande.
– Devo recusar sua generosa oferta.
Ele aceitou bem a recusa. Ficou andando de um lado para o outro no cômodo que encolhia.
– A apresentação ao meu irmão Hayden terá que ser adiada por uma ou duas semanas. Seu
primeiro filho deve nascer a qualquer momento.
– Sinto muito que tenha tocado no assunto se ele se encontra nessa circunstância.
– Ele não se importou. Bem, amanhã chegarão convites, mais do que pode aceitar. Posso ajudá-la
se tiver dúvidas sobre quais privilegiar.
– Obrigada.
– Tem o guarda-roupa necessário? Se não, eu...
– Não posso permitir isso, então, por favor, não ofereça.
Ele também aceitou a segunda rejeição muito bem. Leona se manteve firme e tentou ignorar a
forma como ele dominava o que se tornou um espaço pequeno, no qual ela permanecia no centro e o
andar casual de Easterbrook criava um arco em torno dela.
– Está nervosa por ficar sozinha comigo – observou ele. – Não há motivos para ter medo.
– Não? Você declarou suas intenções explicitamente em sua casa, e não são nada nobres. Agora
faz propostas na intenção de me seduzir.
– E isso tem tanta importância, serem nobres ou não?
– É claro que tem. Um marquês pode pecar com frequência e impunidade, mas não sou tão
privilegiada.
– Sendo uma mulher que conhece o mundo, sabe que esses arranjos são tão normais e aceitos em
todas as sociedades que chamar de pecado é uma piada. Se a estou seduzindo, o motivo é mais do
que mera atração, caso não tenha entendido.
– Eu morei na China. Sei como vive uma concubina. Uma amante inglesa não tem sequer a mesma
segurança. Não nasci nem fui criada para o que está me oferecendo, não importa quanto a situação
possa ser temporariamente confortável e lucrativa.
Ela falava com mais determinação do que sentia, e não apenas porque ele fazia seu coração
estúpido saltar. Como amante de Easterbrook, poderia conseguir tudo de que precisava em Londres
em pouquíssimo tempo.
Mesmo se ele tentasse atrapalhá-la, mesmo que suas piores suspeitas a respeito dele tivessem
fundamento, ela estaria em uma posição melhor para descobrir tudo se ocupasse a casa e a cama
dele. Poderia até mesmo encontrar aquele diário caso surgisse a oportunidade de percorrer a casa
livremente.
A frieza das próprias considerações a deixaram pasma. Mas a excitação traiçoeira que ele
inspirava fez com que ela corresse em busca de uma desculpa para encerrar o assunto.
Leona imaginou que ele houvesse percebido o tom de conclusão em sua voz. Presumiu que ele
fosse embora.
Mas não foi. Em vez disso, ficou contemplando-a com aquele olhar direto, mais ou menos como
fizera no último encontro.
– Por que não se casou? Não acredito que Pedro tenha rompido o noivado como disse.
– Ah, mas ele rompeu. Definitivamente.
A mudança repentina de assunto a irritou. Ele tinha talento para desequilibrá-la.
– Mas você não se importou tanto. Assim como não se importa tanto com o fato de eu tentar
seduzi-la agora.
A provocação fez efeito.
– Com ousa presumir que me conheça tão bem? Agora ou antes? Eu era uma jovem sozinha, órfã,
sem dinheiro nem segurança, e não seria tão burra a ponto de ignorar que Pedro me oferecia as duas
coisas.
– O que não é o mesmo que querer se casar com ele. Você deve ter ficado assustada ao se ver
sozinha, mas não ficou de coração partido.
– Você é um homem arrogante e convencido. Acha que seu nascimento lhe dá o poder de
interpretar o coração dos outros, como se fosse Deus. Meu pai me ensinou o valor do orgulho, mas
minha mãe me ensinou sobre os pecados que ele gera, e sua suposta onisciência beira a blasfêmia.
– Não estou dizendo que possa ler sua mente. Sua história não me parece verdadeira, apenas isso.
Pedro pode ter terminado o noivado devido aos negócios falidos de seu pai. No entanto, ele não
poderia usar essa desculpa, porque ela não seria suficiente para um rompimento honrado.
Ela mal conseguia manter a compostura e foi incapaz de sustentar uma atitude educada. Ficou
andando de um lado para o outro, com mais raiva a cada instante, dando passos muito longos e
rápidos.
Ele não tinha o direito de sondar esse assunto. Não tinha o direito de interferir no passado nem no
presente, de exigir respostas.
– Que desperdício ter voltado sua mente brilhante para minha história, lorde Easterbrook.
Certamente existem questões mais urgentes para ocupá-la. Você está certo, é claro. Pedro não admitiu
o verdadeiro motivo. Encontrou um melhor para apresentar ao mundo. Se quer saber, o motivo foi
você. Ele me acusou de ter ido além de um flerte inofensivo, e todos acreditaram nele.
Christian a observou soltar suas palavras furiosas. Ele inclinou a cabeça e franziu um pouco a
testa.
– Pedro não tinha nenhuma prova, no entanto. Nada aconteceu.
– Acha que alguém se importou depois de ouvir a versão dele para a história? Acha que ele seria
tão estúpido a ponto de não dizer que alguma coisa havia acontecido entre nós? Acha que Branca
conseguiu confrontá-lo quando ele a intimidou para descobrir o que precisava? Você me procurou
enquanto eu estava sozinha diversas vezes e não teve nenhum cuidado com minha reputação. Existiam
evidências suficientes para o objetivo dele, e, com a morte de meu pai, não restou ninguém para
defender minha honra.
Ele a pegou pelo braço quando ela passou, fazendo-a parar. Ela não tentou se soltar, mas se
recusou a olhar para ele.
– Peço desculpas se foi desprezada, Leona. Se queria aquele casamento, eu sinto muito – disse e,
pegando-a pelo queixo, virou seu rosto na direção do dele. – Você queria?
Minha nossa, aquele homem era impossível.
– Se eu disser que não, significará que está isento de culpa?
– Primeiro pecado, agora culpa. Eu não penso desse modo. Nem você.
– Você não tem ideia de como eu penso. Agora, por favor, o dia foi cansativo e essa conversa me
deixou irritada demais para ser hospitaleira. Mostre um pouco de gentileza e me deixe sozinha para
que possa me recompor.
Ele não a soltou de imediato. Ela sentiu aquela atenção invasiva, como se ele de fato tentasse ler
sua mente. Protegeu-se, como sempre fazia. A expressão dele endureceu em resposta, como se uma
batalha muda terminasse em empate. Por fim, ele a soltou e se afastou. Caminhou sério até a porta.
Olhou para Leona mais uma vez antes de cruzar a soleira.
– Posso não saber o que se passa em sua mente, mas sei o bastante e prefiro a perdição a fingir o
contrário. Sei que você também me procurava. Sei que o desejo nos une com tanta força a ponto de
afetar todas as palavras, todos os movimentos e até mesmo o ar que respiramos. Sei que fiquei feliz
por aquele idiota arrogante não ter ficado com você. E sei que o único pecado que cometi com você
em Macau foi não tomá-la quando tive chance.
CAPÍTULO 6

Silêncio. Calma. A respiração atingindo um ritmo mais intenso na escuridão. Nenhuma confusão.
Nenhum anseio. Um ser em suspensão tentando tomar forma e crescer...
O núcleo não se sustentaria. Uma lembrança invadiu seu espaço, mais realista do que de costume.
Imagens se movimentavam na escuridão de sua mente. De repente, ele estava de volta a Macau em
uma noite perfeita...
Cores cintilando ao luar prateado. Perfume de lótus vindo do lago próximo. Lâmpadas
tremeluzindo nas casas atrás das paredes de estuque. O ruído baixo chegando até ele, misturando-
se com os sons da noite.
A beleza e a paz do jardim zombavam dele. Aquela tranquilidade tornava a tempestade dentro
dele ainda menos suportável. Desejos e dúvidas e ressentimentos retumbavam em sua cabeça. Ele
ergueu o rosto para a brisa salgada para que pudesse esfriar a raiva que ardia de um lugar
desconhecido.
Não podia viver assim. A raiva o levaria à violência ou à loucura. A tempestade irromperia
algum dia e o inundaria de desespero. Ele já havia chegado perto demais disso. Havia encontrado
consolo nas piores formas...
Um som. Nada silencioso. Um barulho humano comum. Passos e respiração e um sussurro
feminino.
De repente ela estava lá, no caminho, à frente dele. Ela o viu e parou. Sua camisola
resplandecia sob o longo xale de seda. Os cabelos escuros a cobriam. A pele parecia radiante sob
o luar.
O desejo tomou conta dele de uma só vez, como sempre acontecia com ela. Vê-la era toda a
faísca necessária para despertar uma chama selvagem dentro dele. Ela era inocente e erótica,
tímida e vivaz, menina e mundana, tudo ao mesmo tempo. Ele a queria constantemente, e não era
com investidas doces e suaves que sonhava.
Não era a noite adequada para enfrentar tamanha tentação.
– Você não devia estar aqui – avisou ele. – Branca vai castigá-la se descobrir.
– Branca está dormindo, e já estou muito crescida para apanhar. Não sou mais criança,
Edmund.
Não, ela não era, apesar da inocência e da falta de conhecimento.
– Por que saiu de sua casa, Leona?
Ela deu de ombros.
– Não conseguia dormir. Estava agitada. O dia me entediou. Queria sair para caminhar no
cais, mas está muito tarde.
Ela se curvou para cheirar a flor de um arbusto. Seus cabelos caíram para a frente quando
estava inclinada e seus olhos se fecharam quando sentiu o perfume.
Ele precisava ir até ela, claro. A tempestade havia se afastado, como sempre acontecia na
presença dela. O calor dentro dele agora tinha um motivo óbvio.
Ela se ergueu conforme ele se aproximava. Ele arrancou a flor e a estendeu na direção de
Leona, incitando-a a cheirá-la novamente.
A jovem se inclinou na direção da mão dele. Na direção dele. Seu perfume feminino se misturou
ao da flor. Ela olhou para ele por sobre as pétalas. Sabia o que havia dentro dele. Sempre soubera.
Ele acariciou o rosto dela com as pétalas macias.
– Acho que você estava agitada por um motivo, Leona. Acho que veio para o jardim procurando
por alguma coisa.
A flor caiu e a ponta dos dedos dele a substituíram no vaivém sobre a pele macia.
Leona estremeceu. Puxou o xale para se cobrir melhor, mas o arrepio não tinha nada a ver com
a brisa. Fechou os olhos e afastou os lábios sentindo as carícias dele.
– É melhor você voltar para dentro de casa.
As palavras dele a alertavam, mas seu toque a atraía. Ele a desejava. Naquele momento, ele a
desejava desesperadamente. Poderia possuí-la naquela noite. Não tinha dúvida.
– Acho que você é que devia voltar para casa – disse ela. – Esse jardim é meu.
Ele teve que sorrir. Fazia muito isso quando estava com ela. Não se lembrava de ter sorrido
muito na vida antes de ir a Macau.
– Seria grosseiro de minha parte. Afinal, você veio me procurar.
– Por que eu faria isso?
Ele desceu a carícia até o pescoço dela.
– Por isso – falou, pondo a mão na nuca dela e então puxando-a para um beijo. – E por isso.
Maldição. Christian abriu os olhos. Fazia três dias que lembranças como essas invadiam seus
pensamentos. Esta o deixara tão excitado quanto o beijo daquela noite e tão agitado quanto o motivo
que o levara àquele jardim.
Ele se levantou para se livrar de ambos os efeitos.
Era culpa de Leona. Tudo isso. O retiro para a meditação era por causa dela e as distrações que o
impediam de meditar também.
Casar-se com Pedro, que diabos! Que desperdício teria sido. Ela só não teria sido infeliz se
gostasse de homens que se achavam um deus.
O cretino a havia acusado de ter um caso com Edmund. Covarde. Mentiroso. Edmund fora nobre a
ponto de não se aproveitar de Leona. Ele a deixara ir embora aquela noite, mesmo quase morrendo
de desejo.
Ainda assim, ele a havia procurado com muita frequência, assim como ela a ele. Fora impulsivo e
indiscreto, por isso ela ficara vulnerável à acusação de Pedro. Christian ficava satisfeito por isso tê-
la poupado de se casar com aquele tolo, mas não lhe agradava imaginá-la maculada por um
escândalo.
No entanto, aquilo dera liberdade a Leona. Liberdade para ir à Inglaterra. Liberdade para viajar
pelos mares do Oriente. Liberdade, talvez, para ter casos amorosos se desejasse.
Ela, uma jovem adorável de olhos escuros que revelavam sua natureza apaixonada e sua audácia,
vivia em um mundo masculino desde a morte do pai. Capitães de navios, comerciantes, até mesmo
membros da Companhia das Índias Orientais e do serviço naval – ela havia se sentado à mesa de
muitos jantares com homens que poderiam desejá-la.
Um calor agressivo e primitivo invadiu sua cabeça, provocando uma sensação tão obscura que ele
se viu olhando com raiva para o nada.
Acalmou a tempestade antes que chegassem os relâmpagos. Era mesmo do feitio de Leona causar-
lhe emoções esquecidas havia tanto tempo que ele já nem as percebia se aproximar.
Precisava encontrar algo que o distraísse desses pensamentos constantes ou se confirmariam os
boatos de que estava ficando mesmo meio louco.

Londres não silenciava à noite. Mesmo no inverno, uma energia invisível fluía pelo escuro, ecos dos
anseios e medos, esperanças e alegrias que pulsavam por trás de venezianas e cortinas.
Na primavera, a vida falava com mais clareza, sobretudo em noites claras e frias como a que
Christian agora atravessava.
Ele achava as noites tranquilas. Até mesmo saudava a vida que sussurrava à sua volta. A pior
parte de sua maldição sempre fora o isolamento que se impusera. Não era saudável se afastar do
mundo. Além disso, não era o que ele desejava. Enquanto pudesse recorrer à paz no núcleo escuro,
poderia ceder um pouco ao contato com outras pessoas.
Leona havia lhe concedido isso. Ela nem sabia o valor do presente. Quando pedira que Tong Wei
ensinasse meditação ao jovem inglês, o motivo não fora relacionado à capacidade de Christian sentir
as emoções dos outros.
Ele nunca havia contado. Nem a ela nem a ninguém. Era o tipo de coisa que parecia loucura. Por
um bom tempo, ele tivera certeza de que um dia aquilo o levaria à loucura. Um homem não podia
viver daquele jeito, invadido a todo instante por sensações particulares de outras pessoas. Pior, a
tentação de utilizar a maldição em beneficio próprio era enorme, e ele ainda sucumbia de vez em
quando.
Enquanto caminhava, testava a si mesmo, primeiro concentrando-se para bloquear interferências,
depois mantendo o ritmo vigoroso para alcançar a paz trazida pelo exercício físico.
No entanto, todas as estratégias derivavam da primeira. Se ele nunca tivesse encontrado o
profundo silêncio do núcleo escuro, jamais saberia como levar adiante as experiências que exigissem
um nível de concentração menor.
Por fim, chegou a uma bela casa no limite de Mayfair, perto do parque. Como muitas outras, ainda
mostrava o brilho das lâmpadas pelas janelas. Londres não silenciava à noite, e Mayfair não dorme
na temporada de eventos sociais até quase o amanhecer.
Um lacaio o acompanhou até a biblioteca. Os homens ali reunidos olharam para ele quando
entrou.
Uma mesa com quatro pessoas voltou a seu jogo de cartas. Christian se aproximou de outro grupo,
ocupado apenas com copos de bebidas.
– Salve, Easterbrook. Achei que não fosse aparecer desta vez. Estamos precisando de um quarto
jogador. Ficamos até agora sem nada para fazer, além de beber e falar da vida alheia.
Beber e falar da vida alheia eram o propósito real dessas reuniões informais, e o carteado não era
mais que passatempo; então, a ausência ou a presença de uma ou outra pessoa não importavam de
verdade.
Christian havia herdado esse círculo de amigos juntamente com seu título. Um convite para se
juntar a eles chegara logo após a morte de seu pai. Durante gerações, explicaram a ele, os
Easterbrooks foram membros desse clube muito reservado e seleto.
Seis lordes e quatro bispos faziam parte do círculo, todos com títulos e dioceses entre os mais
antigos do reino. A origem do clube era coberta de questões políticas tão perigosas que cada membro
também era identificado por uma das cartas do baralho, caso fosse preciso se comunicarem de forma
secreta.
Sendo marquês de Easterbrook, Christian se tornara o Rei de Copas. Os bispos haviam pegado os
ases. Vez ou outra os membros do grupo ainda faziam uso dessas designações para se referirem uns
aos outros, mas a função do clube era basicamente social.
Basicamente. Eles ainda trocavam favores políticos. Em raras ocasiões, os membros decidiam
punições secretas a lordes que cometiam crimes que trariam muito constrangimento à alta sociedade
se fossem julgados publicamente.
– Reorganizei meus planos só por você, Denningham – disse Christian ao homem corpulento de
cabelos castanho-dourados que o cumprimentara.
O conde de Denningham era o único membro desse clube que ele às vezes encontrava em outros
momentos. Ele e Denningham haviam sido amigos de escola, em parte por Denningham ser tão afável,
tão sem malícia, a ponto de todas as suas emoções ficarem estampadas em seu rosto.
– Você mudou seus hábitos. Tem saído bastante ultimamente, pelo menos é o que corre à boca
pequena. Teria algo a ver com a bela mulher vista em sua companhia ontem no parque? – perguntou
Rallingport.
O visconde de Rallingport era frequentador regular desses carteados desde que herdara seu título,
havia cinco anos. Sua presença era tão previsível que as reuniões agora ocorriam em sua residência.
Era um bom homem, apenas apreciava demais o conhaque.
– A Srta. Montgomery é uma velha amiga – respondeu Christian.
– Eu adoraria que meus velhos amigos tivessem a aparência dela. Só tenho aqui o Meadowsun, e
ele parece uma maçã seca.
Meadowsun realmente se parecia com uma maçã seca. Era um homem de mais idade, com o rosto
marcado por rugas. Como tinha o corpo magro e pouco cabelo, o rosto era tudo o que se notava nele.
Seria fácil considerar o frágil homem de olhos pálidos como alguém irrelevante. Mas seria um
erro. Meadowsun era um clérigo muito estimado do séquito do arcebispo de Canterbury. Suas
opiniões eram apreciadas por um dos homens mais poderosos do reino e, por meio dele, Meadowsun
exercia influência na Igreja e na Câmara dos Lordes.
Tempos atrás, era o próprio arcebispo que comparecia a essas reuniões, mas já havia algumas
gerações que os arcebispos enviavam representantes. E, desde que Christian se recordava, esse
representante era Meadowsun.
A sobriedade daquele homem não contribuía muito para o ambiente sociável da biblioteca. Na
maioria das noites, ele apenas observava, sem participar. Seu cargo exigia que ele enterrasse as
emoções tão fundo que apenas uma indiferença branda emanava dele em público.
– Falei com o Rei de Espadas hoje – comentou Rallingport.
Ele se referia ao duque de Ashford, membro veterano do grupo que pouco frequentava as reuniões
durante a temporada de eventos sociais.
– Ele não vem hoje, mas disse que teve notícias de nosso amigo de Kent. O camarada não está
nada feliz.
– Que pena – comentou Christian.
Rallingport se referia a um dos julgamentos secretos. Eles haviam dado a um lorde a oportunidade
de escolher entre o confinamento permanente em sua residência no interior ou um julgamento público
que causaria escândalo e desgraça insuperáveis.
– Ele pediu uma atenuação. Quer vir à cidade. Quer se livrar daquela governanta que lhe deram.
Quer dar uma festa.
– Não será possível – sentenciou Christian. – Não nessa temporada. Nem na próxima. Eu diria
que nem nas vinte seguintes.
– Assim espero. É claro.
– O arcebispo ficaria muito descontente se seu amigo saísse da propriedade em Kent – afirmou
Meadowsun com indiferença. – Explicarei ao duque, se preferir não fazê-lo.
– Eu não disse que Ashford pensava diferente, disse? Não é preciso explicar nada, nenhum de
nós.
– Denningham, devia escrever ao nosso amigo e recomendar que ele encontre algo para ocupar
seu tempo – comentou Christian. – Jardinagem, por exemplo. Pode compartilhar com ele os prazeres
serenos que desfruta cuidando da horta.
Denningham levou a sugestão a sério. Acenou com a cabeça para garantir a todos que trataria do
problema em Kent.
Christian foi até a estante para escolher um charuto da seleção de Rallingport. Denningham o
seguiu para pegar um também.
– E então, como conheceu a Srta. Montgomery? Não é de seu feitio desfilar em público com uma
mulher.
O sorriso de Denningham foi de um jovem provocando outro, mesmo que nem na mocidade
houvesse sido esse tipo de pessoa.
– Também notei que está com uma aparência menos bárbara nos últimos dias. Influência dela?
– Foi apenas um passeio pelo parque.
– O primeiro de que posso me lembrar. Todos também estão comentando que abandonou a Sra.
Napier. Estão curiosos sobre seu novo interesse. Há muitas perguntas correndo por aí.
– Que tipo de perguntas?
– Quem é ela, por que está aqui, qual é a história dela com você. Há sugestões de que ela não seja
quem diz e esteja aqui por motivos diferentes dos que alega – contou, arqueando as sobrancelhas. –
Uma mulher cheia de mistérios, e há quem esteja reunindo as pistas.
– Onde escutou tudo isso?
– Ora, aqui mesmo. Antes de você chegar.
– De quem?
Denningham acendeu o charuto e olhou para os companheiros enquanto fumava.
– Ah, se pudesse lembrar. Eu estava bem ali, antes do jogo de cartas começar, e as pessoas
estavam conversando. Disseram que foi visto com essa mulher da China, e alguém ficou imaginando
quem seria ela e o que estaria fazendo aqui, ainda mais em sua companhia. Esse tipo de coisa. Não
saberia dizer ao certo quem levantou a questão.
Mas alguém havia levantado. Ali, entre os homens que provavelmente o conheciam tanto quanto
qualquer outro, à exceção de seus irmãos. Deviam ter falado por falar. As especulações a respeito de
Leona não deviam passar de curiosidade.
Christian assumiu seu lugar à mesa, na frente de Denningham. À sua direita estava Meadowsun, o
Obscuro.
Aquilo igualava as coisas. Afinal, era como se as cartas de Denningham estivessem impressas em
seu rosto. Qualquer proveito que Christian pudesse tirar da quarta pessoa da mesa ficava equilibrado
pela vantagem que seus oponentes teriam com seu parceiro.

Caros leitores, permitam que eu me apresente. Sou filha de três países. Minha mãe era portuguesa
e meu pai, inglês, mas passei a vida toda na China.
Leona leu a apresentação três vezes antes de decidir aprová-la. Voltou a molhar a pena na tinta.
Passou cerca de meia hora descrevendo Macau. Seus pensamentos se voltaram para seu lar
enquanto ela escrevia sobre as casas brancas com varandas no segundo andar e o passeio ao longo
do cais.
Descreveu os habitantes, os chineses que constituíam metade da população e as famílias
portuguesas com suas mulheres quase sempre vestidas de preto. Apresentou os ingleses, entre eles o
excêntrico Sr. Beale, que tinha um aviário no jardim e dezenas de gaiolas de pássaros na varanda.
Terminou com um vislumbre das muralhas de Cantão.
Ela fez uma pausa. Seria a primeira de muitas cartas, se publicada. Essa introdução seria
suficiente. Agora deveria finalizar com a promessa do que haveria nos textos seguintes. Ainda
assim...
Mergulhou a pena na tinta.
Estou ansiosa por descrever essa terra exótica para vocês. Seus rituais e belezas são muito
interessantes. No entanto, acredito que é necessário discorrer sobre questões menos agradáveis e
mais sérias. Pois grandes males se escondem nas águas próximas à China, males que as correntes
do tempo e do comércio inevitavelmente trarão para sua costa.
Ela hesitou. Talvez fosse melhor não anunciar seu interesse nessas questões. Contudo, expor esse
mal era uma das razões pelas quais fora para a Inglaterra. E era um objetivo intimamente ligado a seu
interesse de ajudar o irmão.
O destino lhe dera uma oportunidade inesperada quando Lady Phaedra solicitara essas cartas. Seu
pai sempre lhe dizia para ficar alerta a momentos como esse e tirar o máximo proveito deles.
Ela mergulhou a pena e escreveu mais dois parágrafos. Satisfeita, encerrou a carta.
Deixem que outra correspondente se atenha apenas a histórias sobre vestidos e
comportamento. Prometo-lhes tudo isso, mas também mistério, intriga e segredos nunca ouvidos
em seu Parlamento. Prometo-lhes tanto a beleza exótica quanto o terrível sofrimento que a China
hoje é.
Ela largou a pena justamente quando Isabella entrou na biblioteca carregando uma pilha de cartas.
– A correspondência aumentou hoje.
Leona rompeu alguns lacres. Easterbrook estava certo. Convites já começavam a chegar. Teria
que usar de mais discernimento do que tinha para decidir quais aceitar.
Isabella não sabia ler inglês, mas entendeu o conteúdo bem o bastante.
– Agora teremos que vender um pouco do jade?
Leona fez alguns cálculos rápidos. Seu guarda-roupa atual não daria conta de tantos eventos sem
se repetir.
– Acho que será preciso. Peça que Tong Wei veja as ofertas que consegue. Hoje à noite você e eu
olharemos também o baú de seda que trouxemos e escolheremos tecidos para trajes formais e
vestidos de baile.

Aquela tarde, Leona se sentou na sala de visitas de Lady Phaedra enquanto sua anfitriã lia a carta que
ela escrevera às leitoras do jornal. Sorrisos surgiram na primeira metade, mas ela franziu
profundamente a testa na segunda.
– Você disse que eu deveria escrever sobre questões importantes também – argumentou Leona.
– Vejo que interpretou ao pé da letra.
– Se for importante demais, eu poderia...
– Não vai mudar nada. Não é o que eu esperava, mas é cativante. Já escreveu a próxima?
– Eu não sabia que desejaria uma próxima.
Lady Phaedra colocou a página sobre o colo. Ela brilhava em contraste com o tecido preto sobre
o qual estava. Se Lady Phaedra parecera diferente das outras mulheres no parque, hoje a diferença
era ainda maior: usava um vestido preto e os cabelos ruivos estavam soltos, sem nenhuma joia ou
enfeite.
Leona admirou a sala de visitas. A mobília englobava uma mistura de estilos, mas cada item era
primoroso. A combinação de superfícies, cores e texturas criava um todo vagamente exótico que
parecia mais suntuoso do que qualquer artigo em particular.
– Easterbrook sabe que escreveu isso e pretende escrever mais? – perguntou Lady Phaedra, ainda
franzindo a testa para o papel.
– Por que eu o informaria?
Ela recebeu um olhar expressivo em resposta, depois Lady Phaedra dobrou a carta.
– Meu periódico vai se chamar Banquete de Minerva. Seria apropriado se, em meio às frutas e
doces, houvesse uma porção de carne. Vou publicar isto, mas apenas se me prometer mais três cartas
em estilo parecido.
Ela ofereceu uma soma modesta pelas cartas. Leona estava aceitando a oferta quando um lacaio
chegou com um cartão nas mãos.
Lady Phaedra examinou o papel e ergueu as sobrancelhas.
– Certamente ele quer falar com meu marido – disse ao lacaio.
– Sim, madame. Lorde Elliot, no entanto, pediu que a senhora recebesse o visitante enquanto
termina de escrever uma carta.
Lady Phaedra pediu que o lacaio trouxesse o visitante. Ela entregou a carta a Leona.
– Coloque em sua bolsa por enquanto.
O motivo do pedido entrou na sala.
– É uma honra recebê-lo, Easterbrook – saudou-o Lady Phaedra. – Outro passeio em plena luz do
dia, e para visitar nossa humilde residência. A sociedade não vai saber o que pensar. Acredito que há
anos não toma tanto sol.
Easterbrook aceitou a brincadeira.
– Está enganada. Meus aposentos não bloqueiam a luz. Eles são muito ensolarados. Srta.
Montgomery, é um prazer revê-la.
Ele voltou sua atenção para o cômodo, examinando o mobiliário com curiosidade.
– Vejo que estão instalados.
– Já faz seis meses que nos mudamos, Easterbrook. Acho que até mesmo uma mulher ruim de
organização seria capaz de se instalar nesse período. Contudo, foi generoso de sua parte esperar até
que eu pudesse me preparar para sua visita. Permita-me pedir que lhe tragam um refresco.
– Não é necessário. Vim falar com Elliot, mas ele está ocupado e me jogou para cima de você.
Ele olhou para as duas com um olhar penetrante que destoava de seu comportamento casual e
distraído.
– Contudo percebo que interrompi algo.
Ele caminhou na direção delas, com a atenção focada em Lady Phaedra. O divertimento dela se
transformou em mordaz enquanto o encarava.
– Phaedra, não está levando a Srta. Montgomery para o mau caminho, está? Envolvendo-a em
algum esquema que a desabone?
– Sou incapaz de levar qualquer mulher para o mau caminho. E a Srta. Montgomery não é
nenhuma criança que necessite de sua interferência.
– Lady Phaedra não está me levando para o mau caminho. Pelo contrário. Vim aqui pedir seu
conselho a respeito de quais convites aceitar. Ela foi tão amigável no parque que senti que me
auxiliaria.
– Eu disse que ficaria feliz em lhe dar esse auxílio – rebateu ele.
– Achei que uma mulher entenderia nuances que um homem pode não entender.
– Phaedra nem sempre se digna a participar da sociedade que você almeja frequentar, portanto
seus conselhos não seriam seguros. É possível que passe o próximo mês na companhia de tolos que
desperdiçarão seu tempo.
– Você também não participa dessa sociedade e é meu único outro amigo em Londres, assim devo
me contentar com meu próprio julgamento?
– Talvez duas opiniões falhas possam, juntas, auxiliá-la melhor do que apenas uma –
contemporizou Lady Phaedra. – Easterbrook não se incomodará de juntar a dele à minha, seja qual
for o valor das duas em conjunto. Não é, Easterbrook?
Durante a meia hora seguinte, Leona citou nomes e Easterbrook opinou sobre quais tolos ela
deveria conhecer e quais tolos eram indignos de seu tempo. Em diversas ocasiões, afirmou
enfaticamente que ela deveria comparecer a um baile ou festa em particular.
Na maior parte do tempo, Lady Phaedra concordou com suas afirmações. Leona não sabia se a
combinação da inteligência dos dois havia traçado um verdadeiro mapa para ela ou se a combinação
de sua ignorância faria com que andasse em círculos.
Lorde Elliot entrou assim que eles terminaram. Com a habilidade de um cortesão experiente,
participou um pouco da conversa, depois levou o irmão até a biblioteca.
Assim que a porta se fechou atrás dos cavalheiros, Lady Phaedra estendeu a mão para pegar a
carta.
– Easterbrook tem uma capacidade irritante de saber quando as pessoas estão fingindo, e nós
atiçamos sua curiosidade. É melhor que escreva suas outras cartas o mais rápido possível, antes que
ele decida que estou, de fato, levando-a para o mau caminho e encontre um modo de interferir.
– Como ele poderia interferir?
– Acho que ele tem seus meios quando quer. É sempre um erro subestimar aquele homem ou
esquecer que ele é Easterbrook.

– Sua casa é muito agradável, arejada – disse Christian cumprimentando Elliot quando este fechou a
porta da biblioteca.
– Achei estranho você ter escolhido hoje em particular para descobrir quanto ela é agradável. Já
o convidamos muitas vezes e você nunca veio.
– Não me importo que tente fazer com que eu saia, Elliot. Mas também não sou obrigado a
cooperar.
Elliot achou que era justo.
– E o que finalmente o tirou de casa?
– Estive refletindo sobre uma coisa e me dei conta de que deveria consultá-lo.
– Está cheio de surpresas hoje. Está dizendo que gostaria do meu conselho?
– Tenho que discutir essa questão com você, porque lhe diz respeito. Caso se sinta obrigado a me
dar um conselho, não tenho escolha além de escutar.
Elliot se acomodou em um dos confortáveis sofás azuis da biblioteca.
– Estou prestando atenção.
Ele certamente estava. Elliot tinha a capacidade de se concentrar sem se afastar da realidade. Isso
contribuía para seu sucesso com aqueles livros de História que escrevia. E também para uma
serenidade que sugeria que ele conseguira escapar da pior parte do sangue ruim que corria nas veias
dos Rothwells.
– Elliot, vivo me perguntando se você tem alguma expectativa de um dia ficar com o título.
O espanto de Elliot encheu a biblioteca.
– Você se pergunta coisas muito estranhas, Christian. É claro que não tenho nenhuma expectativa.
Os terceiros filhos nunca têm.
Não havia qualquer dissimulação em sua surpresa. Nenhuma malícia ou ressentimento secretos.
– Fico aliviado ao ouvir isso. Quando o filho de Hayden nascer, a linha de sucessão vai saltar
você, é claro. Minha expectativa por esse feliz acontecimento foi obscurecida hoje de manhã pela
ideia de que você pudesse não compartilhar essa alegria.
Perplexo, Elliot encarou o irmão.
– Pode não ser um menino. Acredito que ainda vá ficar alegre se não for.
– É claro, mas será.
– Christian, o fato de você preferir que seja não significa que será. Não acredito que eu esteja
explicando isso como se não soubesse, mas às vezes você...
– Será um menino.
Elliot revirou os olhos.
– E, quando ele nascer, terei certeza de que nossa linha de sucessão está garantida para a próxima
geração. Eu me recuso a ser dominado pelas expectativas que recaem sobre alguém em minha
posição, mas existem algumas obrigações que eu aceito, e essa é uma delas – explicou Christian. –
Na verdade, pretendo ceder o título se conseguir tomar as devidas providências. Ele deve ficar com
um homem mais ativo. Um homem como Hayden. Existem responsabilidades e...
– Agora definitivamente está falando coisas sem sentido. Em primeiro lugar, seu próprio filho vai
garantir a linha de sucessão, não o de Hayden. Em segundo, se acredita que existem obrigações, então
cumpra-as.
– Não terei herdeiros. Não me atrevo.
As últimas palavras foram ditas antes que se desse conta. Ele ficou pasmo com a própria
indiscrição. Afastou-se, caminhou na direção da estante de livros e se preparou para que o assombro
de Elliot chegasse com força até ele.
Não chegou. Em vez disso, outras emoções rolaram pelo ar atrás de suas costas. Preocupação.
Talvez pena. Também surpresa pelo fato de o assunto ter sido abordado.
– Você não é louco – falou Elliot, firme. – E nem ela era. Independentemente do que tenham dito
sobre nossa mãe ou do que digam sobre você.
– Sei que não sou.
Ela também não era. Christian sabia melhor do que ninguém. Mas também tinha ciência da dor que
ela sentira, sabendo o que sabia sobre tanta gente. Sobre ele. Ela havia se afastado de todo mundo,
mas principalmente do filho mais velho. Ela se via nele e sabia que não podia ajudá-lo.
– Sua preocupação é relacionada a nosso pai, então? Não importa o que ele tenha sido, não
importa o que ele tenha feito, não está em nós. Ele fez escolhas que você nunca faria.
As palavras de Elliot saíram mais agitadas. Mas Elliot ainda não lidava muito bem com essa
parte do legado deles.
– Gosto de acreditar que esteja certo, mas às vezes acredito que esteja errado. Contudo, não se
trata dele. Desta vez.
Memórias da juventude tomaram Christian de assalto enquanto ele olhava para as lombadas dos
livros na biblioteca silenciosa. O horror de conhecer os sentimentos da mãe em relação ao pai: seu
medo e a certeza de sua crueldade. E o pai transbordava culpa junto com um amor desesperado. O
tormento que os dois sofreram à medida que o pai ficava mais amargo e controlador e a mãe desistia
de ter esperanças de que um dia fosse feliz.
Christian nunca havia falado sobre isso com ninguém, mas ali estava, de um dos lados de uma
porta aberta, com o irmão mais novo do outro. Ele se virou. A expressão de Elliot não demonstrava
muito mais que paciência.
– Sei que não sou louco. Nem meio louco. E ela também não era. Sei melhor do que ninguém. Mas
eu e ela tínhamos muito em comum, por isso acredito que nossa excentricidade esteja no sangue.
– Todos nós carregamos esse sangue. O filho de Hayden pode ser assim também. Nada se resolve
com sua convicção de não ter herdeiros.
– O filho dele pode ser assim, é verdade. Acho que logo saberei. Se for, posso ajudá-lo de
maneira que talvez não seja capaz de ajudar a mim mesmo. Mas creio que não será preciso. Hayden é
bem... normal. E Alexia não tem nada que a desabone.
A conversa perturbou Elliot mais do que o esperado. Mais do que o pretendido. Mas também
havia enveredado para áreas não previstas.
– Christian, você me garante que não é meio louco, como se algum dia eu tivesse pensado que
fosse. Mas também faz alusão à sua excentricidade como se fosse uma aflição da qual não pode fugir.
– Não é uma aflição.
Christian nunca descrevera sua condição e não conseguiria fazê-lo agora.
– Por mais que Hayden e eu pareçamos muito com nosso pai, herdei uma característica de nossa
mãe – tentou explicar Easterbrook. – Nós três temos a capacidade dela de bloquear o mundo quando
nos dedicamos a uma tarefa ou a algo de interesse, mas recebi habilidades maiores.
– Não entendi.
– Não espero que entenda. Cometi um erro ao fazer alusão a isso. Gostaria de não ter feito. Posso
lhe assegurar que não se trata de nenhum grande drama ou sofrimento. Apenas certa estranheza.
Elliot aceitou em parte. Com o tempo, decidiria que não havia motivo para preocupações. No
mesmo instante, as palavras dele levaram Christian de volta ao assunto que discutiam de início.
– Duvido que Hayden permita que o transforme em marquês, mesmo que consiga encontrar uma
forma de fazer isso. É melhor tirar essa ideia da cabeça. Assuma as rédeas você mesmo, se acredita
que estão muito frouxas.
– Está me repreendendo, Elliot?
Elliot sorriu.
– Parece que sim.
– Como iniciei a conversa, não devo ficar aborrecido com essa virada presunçosa que você deu,
imagino.
– De fato, seria injusto.
– Posso, no entanto, simplesmente encerrá-la, o que pretendo fazer agora. Já vou me retirar. Mas
há outra questão a discutir antes que eu vá embora.
Elliot ergueu as sobrancelhas de modo interrogativo.
– Sua adorável esposa está fazendo um cozido e acho que acabou de jogar a Srta. Montgomery na
caçarola. Descubra o que está acontecendo e me avise, mas não diga a ela que perguntei.
– Christian, não vivemos um casamento de intriga como se vê nas peças teatrais. Perguntarei a
Phaedra diretamente e contarei o que descobrir se ela deixar.
Não havia nada que Christian pudesse fazer, exceto aceitar. Deixou a casa certo de que Phaedra
nunca permitiria que Elliot relatasse o que ela e Leona estavam tramando.
Nem Elliot seria convenientemente indiscreto. Era o que acontecia quando os homens se
apaixonavam. Sua lealdade se centrava na amada, não no dever e na família. Elliot seria inútil. Que
chateação.
CAPÍTULO 7

Tong Wei se posicionou bem em frente à porta da carruagem. Leona ajeitou o xale de seda de modo
que cobrisse as mangas curtas e bufantes de seu vestido de festa marfim.
– Não é preciso que fique aqui a noite toda – disse ela. – O cocheiro provavelmente andará com
os cavalos e você pode muito bem ir junto.
– Ficarei aqui.
Ele olhou para a pele exposta no decote fundo e reto do vestido.
– É a moda – argumentou ela.
A expressão no rosto dele deixou claro o que pensava sobre uma moda que permitia vislumbres
obscenos de partes que deveriam ficar cobertas.
Leona desistiu de tentar apaziguá-lo. Tong Wei entendia que ela precisava participar de reuniões
sem sua proteção. Apenas se preocupava com essas festas que nunca vira e talvez imaginasse que, à
medida que as pessoas bebessem, deixassem de lado as formalidades adequadas, e os homens
começassem a olhar para ela com malícia.
Leona se aproximou da porta e mergulhou na alta sociedade. Tanto Phaedra quanto Easterbrook
haviam insistido que ela aceitasse esse convite. Um baile oferecido por lorde e Lady Pennington, um
barão e sua esposa. Só pelo tamanho do evento, ela já poderia esperar conhecer muitas das pessoas
certas.
O conselho deles a respeito dos convites já havia se provado lucrativo. Na semana anterior,
Leona desfrutara uma vida social muito ativa e colhera frutos que haviam lhe dado algum estímulo no
que se referia a suas missões. Em especial, no jantar de que participara na última noite, descobrira
informações surpreendentes. O homem sentado ao seu lado se lembrava vagamente de uma notícia
publicada quando da morte de seu pai.
Ela não sabia da existência de tal notícia. Seu pai não era conhecido na Inglaterra, portanto,
noticiar seu falecimento não fazia sentido. Encontrar aquele obituário agora era o item número um de
sua lista de coisas a fazer em Londres. Estava ansiosa por lê-lo.
Sua anfitriã se dirigiu imediatamente a ela assim que foi anunciada e a conduziu em meio à
multidão até um local calmo, perto de uma parede.
– Ficamos felizes que tenha vindo. Foi notada pela prestigiosa companhia que mantém, e todos
nós estamos ansiosos para conhecê-la melhor.
Lady Pennington sorriu de modo conspiratório, como uma velha amiga confidenciando uma boa
fofoca. Só que ela não era uma velha amiga, e Leona era o tema da fofoca.
– O marquês é um conhecido de minha mocidade. Foi bastante generoso em me auxiliar aqui em
Londres.
– Ele sabe ser muito generoso quando quer, o que é bem raro. E muito amigável também quando
quer, o que é ainda menos comum.
Ela olhou para trás sem disfarçar.
Leona olhou na mesma direção. Na parede oposta, um homem alto, de rosto bonito e severo,
estava sendo generoso e amigável com duas senhoras que coravam como colegiais.
Easterbrook parecia ao mesmo tempo altivo e perigoso. O perigo, Leona atribuía a suas vestes
escuras, aos cabelos desgrenhados e à intensidade em seus olhos, que ele jamais conseguia ocultar
por completo.
Ele a avistou e atravessou o salão a passos objetivos. Olhos o seguiram e pescoços viraram,
mesmo com conversas em andamento.
Ela teve de se sujeitar àquilo. Mas nem a irritação foi capaz de impedir que seu pulso acelerasse
a cada passo que ele dava. A anfitriã se afastou discretamente para dar privacidade ao marquês.
– Srta. Montgomery.
Ela fez uma reverência.
– Lorde Easterbrook. Estou surpresa por vê-lo aqui. Disseram-me que nunca comparece a esse
tipo de evento. Jantares, às vezes, mas nunca a reuniões com tantas pessoas como esta.
– Como não aceitou ser minha hóspede na Grosvenor Square, sou forçado a procurá-la da forma
tradicional.
Ela jamais poderia acusá-lo de não tê-la alertado, isso era certo.
– Lady Pennington deve estar muito satisfeita por seu baile ter sido escolhido como a primeira
aparição do marquês de Easterbrook. Ouso dizer que sua mera presença faz da noite um sucesso –
começou ela. Mas então sua irritação a venceu e ela interrogou: – Afirmou que viria se eu fosse
convidada?
– Nunca disse nada sobre isso. Se os anfitriões têm esperança de que funcione assim, a culpa não
é minha.
Só que era culpa dele. Aquele passeio no parque, tão raro para ele, havia anunciado suas
intenções para o mundo. Havia estimulado anfitriões a calcularem que, convidando o objeto de seu
interesse, o esquivo Easterbrook também compareceria. Tal suposição era reforçada pela presença
dele aquela noite.
– Era a única opção, Leona.
Ela ficou ainda mais irritada por ele quase conseguir ler seus pensamentos.
– Se troquei minha reputação por uma chance de conhecer os melhores entre os melhores, devo
fazer bom uso da oportunidade. Acredito que você não será um acompanhante frequente, não é? Se
for, nunca conseguirei nenhuma informação importante.
Ela pediu licença e mergulhou no meio da multidão. Logo encontrou Lady Wallingford e trocou
alguns gracejos. Esta, por sua vez, a apresentou a diversas senhoras. Em uma hora, Leona estava
cercada por um pequeno grupo de pessoas, regalando-as com histórias sobre a Ásia.
– Que raios está fazendo aqui? – perguntou Denningham, pasmo, ao se aproximar de Christian. – Está
se sentindo mal?
– Talvez eu esteja melhor do que nunca.
Denningham primeiro ficou confuso, depois desistiu e abriu um sorriso.
– Estou feliz que esteja aqui, independentemente do seu estado de saúde. Pode me ajudar a
decidir qual jovem devo tirar para dançar.
– Recomendo que dance com todas, e duas vezes com aquelas que não se impressionarem muito
com seu título.
– Para você é fácil dizer. Meu título é tudo o que tenho de impressionante.
– Isso não é verdade.
Embora provavelmente fosse para as moças em questão. Jovens não valorizavam simplicidade e
decência, as características mais notáveis de Denningham.
Denningham observou as moças em questão. Christian lutava para não olhar para o aglomerado de
pessoas que estava a seis metros de distância. Leona era o centro desse grupo, onde todos os demais
voltavam sua atenção para ela, em particular um jovem oficial da Marinha.
De repente o grupo começou a gargalhar alto o bastante para atrair muitos olhares, inclusive o de
Denningham. Ele notou a mulher de cabelos bem pretos e olhos escuros que certamente havia contado
a anedota.
– É ela? É, não é? – perguntou ele. – É por isso que está aqui. É uma bela mulher, Easterbrook.
Peculiar, não?
Sim, peculiar. No momento, a bela e peculiar Leona estava brindando o oficial da Marinha com
muitos sorrisos.
– Lá vem o Rei de Espadas ver qual é a graça – comentou Denningham. – Provavelmente não
suporta o fato de ficar por fora.
A atenção do duque de Ashford estava no grupo de Leona quando se aproximou dos dois amigos.
Provavelmente pediria para ser apresentado a ela, para de fato poder ficar por dentro dos
acontecimentos.
Se pedisse, ficaria esperando até apodrecer. Christian não achava que aquele jovem oficial fosse
um concorrente sério, mas Ashford já era outra história, não apenas por ser um duque.
Para um homem de pelo menos 45 anos e com alguns fios de cabelo grisalhos, o duque ostentava
sua idade com uma graça e juventude irritantes. Mas vários aspectos em Ashford eram irritantes. Ele
tinha um traquejo social insuperável, uma elegância admirável, uma mente brilhante e uma
sagacidade política lendária. Alto, forte e atlético, acreditava que tinha o direito de ser notado e
admirado aonde quer que fosse. Encaixava-se à perfeição no papel do nobre e era tido pelo mundo
como um exemplo da aristocracia no que ela tem de melhor.
Eles se cumprimentaram, e a única indicação de Ashford a respeito da incomum presença de
Christian foi uma sobrancelha erguida. Sem abaixá-la, olhou de maneira expressiva para Leona.
– Ouvi dizer que você tem um novo interesse, Easterbrook. Eu não tinha ideia de que era sério o
bastante para fazê-lo vir a um baile.
– Decidi aproveitar a temporada de eventos sociais antes que terminasse.
– Deveria ficar perto da moça, ou ela pode se distrair. O jovem Crawford está se esforçando no
flerte. Eu poderia alertá-lo, se você quiser. Ainda tenho amigos no almirantado, e ele sabe. Afinal,
fui eu quem conseguiu sua patente.
Ashford tinha o hábito de alardear sua influência, outra chateação. Todos sabiam do papel que ele
tivera no governo durante a guerra. Lembretes como esse, de sua ligação com o almirantado, eram
desnecessários.
– Caso ele precise ser alertado, eu mesmo cuidarei disso – afirmou Christian. – Se deseja
participar dos assuntos de um amigo, ajude o Denningham aqui. Diga a ele com qual dessas
esperançosas moças deveria se casar.
– Casar?! – repetiu Denningham, corando. – Eu falei sobre uma dança!
– Você nasceu para se casar, se é que isso se aplica a algum homem, e já passou da hora –
garantiu Ashford. – Quanto a qual delas, deixe-me ver...
Ele analisou o salão de baile, examinando com olhar crítico as moças. Denningham aceitou,
obediente.
Christian teve que rir de si mesmo. Estava sendo crítico demais essa noite e rápido demais em
sentir ciúmes se qualquer homem olhasse para Leona. Ashford tinha seus méritos. Se realmente
escolhesse uma moça para Denningham, provavelmente seria o par perfeito.
Easterbrook voltou sua atenção para Leona. Os sons que Ashford emitia ao seu lado o
incomodavam.
Esse era o verdadeiro motivo de Christian não gostar muito dele. Se as ausências do Rei de
Espadas nas mesas de carteado o agradavam, era devido à intensidade de Ashford. Dentro daquela
elegância e graça havia um homem tenso, um tigre preparado para o ataque.
O ruído permaneceu abstrato e não se traduziu em emoções. Apenas estava ali, um zumbido
incessante e imutável. Esse eterno estado de alerta provavelmente era o que dava a Ashford o
pensamento ágil e a capacidade analítica que o tornavam tão útil e bem-sucedido no governo e na
política.
– Aquela ali, Denningham. Perto da parede, de vestido branco, ao lado da mulher de azul-celeste.
É a Srta. Elizabeth Talorsfield, terceira filha de uma boa família de meu condado. É conhecida por
sua virtude, modéstia e bom coração. O arranjo deve ser pelo menos respeitável. Venha comigo e eu
o apresentarei a ela.
Como uma ovelha indo para o abate, Denningham, submisso, seguiu Ashford pelo salão de baile.
Christian supôs que o amigo logo teria uma noiva.
Tia Henrietta chamou sua atenção, algo que ela tentava fazer havia algum tempo, apesar de
Easterbrook procurar ao máximo evitá-la. Ela fez um sinal para que o marquês se juntasse a ela e a
Caroline e apontou com a cabeça na direção de um nobre solteiro. Sua tia certamente queria que ele
apresentasse o jovem à prima.
Como Henrietta estava perto de Leona o bastante para que ele ficasse de olho nela, Christian foi
até lá para cumprir seu dever familiar.
Easterbrook nunca ficava longe. Leona via aqueles olhos sobre ela quando olhava em sua direção.
Sentia sua presença mesmo quando ele não estava à vista, uma atenção que deixava o ar carregado
como uma tempestade de verão.
A atenção dele a envolvia, fazendo seu coração palpitar. Leona começou a conversar de forma
mais animada com as outras pessoas, na tentativa de afastar o poder dele, mas, para sua lástima, seu
coração admitia que o simples fato de estar perto daquele homem já a excitava.
Pessoas entravam e saíam da conversa no grupo, mas um jovem permanecia ao seu lado. Loiro e
esguio, usava um uniforme que o identificava como oficial da Marinha. Fora apresentado como
tenente Crawford. Como também havia viajado pelo Extremo Oriente, participou bastante das
histórias, para deleite da audiência.
– Srta. Montgomery, permita-me acompanhá-la para tomar algo – sussurrou ele durante um
momento de silêncio, enquanto os convidados se reacomodavam. – Conversar com a senhorita em
particular seria mais agradável do que entreter essa multidão. Ouso dizer que temos alguns
conhecidos e afinidades em comum.
Ela permitiu que ele a afastasse do grupo e a conduzisse até a sala de jantar, onde havia uma ceia
à disposição.
– Aonde seu navio o levou? – perguntou ela assim que se sentaram à longa mesa. – Ficou muito
tempo no Oriente?
– Meus deveres na Marinha me levaram para a Índia e, de lá, para o mar da China.
– Chegou a ir à China?
Ele confirmou com a cabeça.
– Ancoramos na ilha de Lintin. Estávamos com um passageiro de alguma importância que tinha
negócios em Cantão, e esperamos em Lintin enquanto ele desembarcava e ia até lá.
– Presumo que fosse alguém da Companhia das Índias Orientais. É estranho que tenha viajado nos
navios reais e não nos próprios navios da Companhia.
O tenente Crawford comeu quatro garfadas antes de voltar a falar.
– Esse passageiro não era da Companhia. Não oficialmente, pelo menos. Representava outros
interesses, creio eu.
Grandes interesses, já que lhe valeram uma cabine em um dos navios do rei. Ela desejou que ele
continuasse. Como não o fez, ela procurou estimulá-lo.
– Sempre tive muita curiosidade a respeito do outro lado do comércio da China. O que não é feito
pela Companhia, quero dizer. Legalmente, só a Companhia das Índias Orientais pode fazer negócios
entre a China e a Inglaterra, mas existem meios de burlar isso. E, é claro, há o comércio entre os
próprios países do Oriente.
Com um aceno de cabeça, discreto, porém expressivo, deu a entender que a ouvira.
– Não tenho certeza de nada. Apenas poderia especular. No entanto, seria melhor que ninguém
escutasse.
Ele pareceu tão sério, que era possível presumir que as revelações eram perigosas. Aproximou
mais a cabeça.
– Deve haver menos gente na varanda. Poderia me dar a honra de sair para tomar um ar em minha
companhia, Srta. Montgomery?
Se aquilo significasse ouvir histórias sobre visitantes secretos em Cantão, ela iria. Ele pediu
licença. Depois de alguns minutos, ela fez o mesmo. Caminhou na direção das portas da varanda.

Ela não viu o tenente Crawford quando chegou à varanda. Logo o vislumbrou em um canto, encoberto
pelas sombras.
Quando chegou perto, ele pegou em seu braço.
– Por aqui, se não se importar. É ruim um oficial ser considerado indiscreto.
Ela permitiu que ele a guiasse pelas escadas da varanda até descer ao jardim. Encontraram um
banco sob uma pérgula coberta de hera. Os ruídos da festa chegavam lá fora na forma de risadas e
conversas abafadas.
Ela se enrolou no xale e olhou para o rosto do homem.
– Não pretendo forçar nenhuma indiscrição – disse ela. – No entanto, tenho motivos para
acreditar que existem homens na Inglaterra envolvidos em comércio ilegal com a China. Eles operam
por meio de intermediários. Acha que seu passageiro era um desses agentes?
– Poderia ser.
– Disse que tinha motivos para especular. Era nessa direção que iam suas especulações?
– Creio que sim.
– Crê? Se fala das próprias especulações, não deveria saber quais são elas?
Ele se virou ligeiramente. Encarou-a e de repente pareceu estar perto demais.
– Posso ter exagerado para atrair seu interesse – disse ele. – Não consigo me lembrar se exagerei
ou não, ou quais eram aquelas especulações. A senhorita é ainda mais adorável nessas sombras do
que à luz das velas do interior da casa e não consigo tirar os olhos de seus lábios perfeitos. Preciso...
– Ele chegou ainda mais perto. – Preciso... senti-los...
Incrédula, Leona se afastou à medida que o rosto do tenente foi se aproximando. Os braços de
Crawford de repente a envolveram, impedindo que ela caísse do banco e, ao mesmo tempo,
aprisionando-a. Ela lutava para se libertar.
– O senhor está fora de si – disse, virando o rosto para que a boca ficasse fora de alcance. –
Exijo que...
– Tenente Crawford, é bom com a espada?
A pergunta veio do nada.
O tenente Crawford se paralisou. Por um momento, ficaram naquela posição, uma estátua
retratando um homem tentando beijar à força uma mulher.
Ouviu-se um farfalhar no jardim. Alguns passos. Uma figura surgiu. Alto, roupas escuras, cabelos
ligeiramente compridos emoldurando o rosto.
O tenente Crawford a soltou e se afastou. Leona havia reconhecido a voz e estava aliviada por
Easterbrook ter surgido em tão boa hora.
– O ardor o deixa mudo, Crawford? Perguntei se é bom com a espada.
– Razoável.
– É uma pena. Se eu descobrir que importunou a Srta. Montgomery e o desafiar, suas chances
serão apenas razoáveis se escolher a espada.
O tenente Crawford ficou imóvel. Depois se levantou.
– Eu não escolheria a espada.
– Ah, bem, com pistolas não teria a mínima chance. Mas isso não significa nada se a moça não foi
perturbada. Você a importunou? As coisas sob essa pérgula pareciam um pouco ambíguas à luz do
luar.
O desconforto do tenente Crawford era palpável. Easterbrook acabara de convidá-lo a se
condenar pela sinceridade ou a mentir em vão, uma vez que a moça estava a um metro de distância.
Leona não se importou com a interferência do marquês dessa vez, mas seria uma estupidez se
aquilo acabasse em um duelo.
– Ele não estava me importunando, lorde Easterbrook. Estava me entediando.
– Entediando? Crawford, isso deve ser ainda mais grave. É melhor ir enquanto ainda pode.
O tenente Crawford decidiu que se tratava de um bom conselho. Depois de uma reverência
apressada para Leona, ele desapareceu na noite. Leona se levantou para fazer o mesmo.
– Ainda fugindo à noite para encontrar jovens nos jardins, Leona? Achei que tivesse aprendido a
lição em Macau, comigo.
– Era para ser uma conversa breve. Nada mais.
– Deixe-me adivinhar. Ele disse que tinha informações sobre Cantão e só contaria mais se
estivessem a sós.
Ela se virou e olhou para Easterbrook. Ele estava certo. Certo até demais.
– Como veio parar aqui para me resgatar?
– Estava em busca de um pouco de silêncio no jardim. Não estou acostumado com o barulho
incessante de toda essa gente.
– Mas sabia quem era ele. Está escuro.
Ela olhou para a pérgula, onde era ainda mais escuro.
– Sabia o que ele estava dizendo.
– As intenções dele ficaram claras a noite toda. Quanto ao que ele disse, não estou surpreso.
Apenas segredos a respeito do comércio com o Oriente fariam com que você agisse de maneira tão
tola.
– Você nos seguiu? Você escutou a conversa?
– É claro, para sua proteção.
Ele se aproximou e olhou para ela.
– Parece que estou certo em suspeitar que esteja tentada a desenterrar assuntos que só lhe trarão
problemas. Seguiu um estranho até um jardim à noite diante da mais débil evidência de que ele
poderia lhe fornecer informações a respeito do comércio ilegal com a China.
– Venho de uma família de comerciantes da China. Esse tipo de notícia seria de interesse de
qualquer um com a minha linhagem. Ouvir histórias não é o mesmo que desenterrar assuntos.
Ela não poderia dizer se o havia convencido ou se os pensamentos dele apenas estavam em outro
lugar. No entanto, sua atenção continuava nela.
– Ouviu nossa conversa de propósito antes de se fazer notar. Imperdoável!
– Tenho a melhor das justificativas. Queria que ele passasse dos limites primeiro, de modo que eu
pudesse espantá-lo daqui. Também queria ficar sozinho com você neste jardim sem que cem pessoas
ficassem sabendo, e aqui estamos.
Leona olhou para o local onde estavam. Mal podia ver a varanda, embora os sons da festa
chegassem pela brisa. A escuridão os envolvia, mas não era tamanha que ela não conseguisse ver a
expressão de Easterbrook.
A noite, os perfumes, a expectativa deliciosa e perigosa fizeram com que ela se lembrasse de
outro jardim, em um lugar distante, muito tempo atrás. Havia saído de seu quarto para tomar um
pouco de ar, atraída para a escuridão por um desassossego no peito. Quando ele a encontrara lá,
Leona se dera conta de que tivera esperanças de que aquilo acontecesse.
Eles haviam se encarado naquele jardim mais ou menos como agora.
Talvez fosse pela nostalgia, mas sentiu que agora encarava aquele mesmo homem. Pela primeira
vez desde que voltara a vê-lo, parecia que ele não mudara tanto. De repente, já não era um estranho,
e a antiga intimidade que existira entre os dois preenchia a noite e chegava até ela. Leona se sentiu
nua e maravilhosamente vulnerável tanto a si mesma quanto a ele.
Suas defesas começaram a vacilar. Se caíssem, nenhuma lógica a salvaria. Caso cedesse ao
anseio dentro de si, suas suspeitas já não teriam voz. Seu corpo já estremecia por estar tão perto dele
e tão isolados do mundo.
Precisava sair dali. Não podia se entregar à excitação. Achou extremamente difícil dar o primeiro
passo para longe dele. Com o segundo, mais do que um vago alívio pelo fato de ele ser decente o
bastante para deixá-la ir. Sentiu uma profunda decepção. O terceiro passo foi recebido com
resistência.
Uma mão quente, masculina e firme, pousou em seu ombro, no limite do vestido. Não agarrou e
nem apertou. Apenas segurou com cuidado e anunciou que ela não daria mais nenhum passo.
Ela podia se livrar da mão dele e correr, é claro. Ela devia fazer isso. Mas o calor sobre sua pele
descoberta fez seus sentidos se aguçarem. O contato físico era tão bom, tão sedutor. Tudo dentro dela
gemia um “sim” tão veemente que ela estava a ponto de perder as forças.
– Não vá ainda.
A voz dele soava com clareza perto de seu ouvido, carregada por um hálito que fez com que um
arrepio corresse por seu pescoço.
– Por que não? Só porque está mandando?
Lábios roçaram em sua orelha, desceram para o ombro.
– Porque você não quer e porque é o destino.
Ele a abraçou por trás e, com as mãos espalmadas, acariciou seu ventre e o quadril. Os cabelos
dele afagavam o rosto dela enquanto ele distribuía beijos devastadores ao longo de seu ombro,
subindo pelo pescoço.
Ela fechou os olhos e contraiu o corpo, tentando conter a reação que ele causava. A resistência
provou-se fútil e breve. O corpo dela sucumbiu e começou a latejar de desejo. Até seu coração a
sabotava, sussurrando lembranças e sonhos secretos que ela nutrira durante anos.
Leona cedeu como se realmente fosse o destino. Talvez sua alma acreditasse que era. Em seu
torpor, acreditou que não tinha força porque o tempo a havia roubado. Havia muito tempo chegara à
conclusão de que negar a excitação que ele lhe provocara em Macau fora um desperdício e um
pecado.
Não resistiu quando ele a virou para si e a tomou com um beijo que incitou tantas lembranças do
passado. Ele sempre fora Easterbrook no que dizia respeito à sedução. Sempre confiante. Sempre
perigoso. O beijo dele a atraiu profundamente, depois a reivindicou para si e assumiu seu controle.
Ele a acariciava com atrevimento. As mãos se movimentavam sobre o vestido, provocando-a sem
dó. O abraço ficou mais apertado. Os pés dela saíram do chão e ela flutuou. Logo estava sentada no
colo dele sob a pérgula, que escondia a paixão dos dois como uma caverna escura coberta de hera.
O beijo trouxe à tona toda a doçura que ela conhecera com ele. Todas as lembranças e todos os
sonhos. O modo como o próprio corpo respondia a fascinava. Leona saboreava a nova sensibilidade
de sua pele ao ar frio da noite e saudava a pressão das coxas fortes dele sob seu traseiro. Os seios
pareciam pesados e os mamilos estavam intumescidos.
Christian segurou o rosto dela a fim de dar um beijo mais forte, mais exigente. Sua boca
reivindicava a dela e insistia em invadi-la da forma estonteante e furtiva que ele lhe ensinara em
Macau. Ela permitiu, sabendo que aquilo significava aceitar muito mais e que estimularia a paixão
dele.
Easterbrook tomou o que ela permitiu e mais. Seu espírito penetrou no dela, e ela o aceitou como
uma mulher faminta diante de um prato de comida. Leona pulsava junto às coxas dele e se
movimentava para oferecer mais pressão àquele maravilhoso desconforto. Deixou-se guiar por ele
quando a incitou a retribuir o beijo.
As mãos dele deslizavam por seu corpo, sobre a seda que oferecia pouca proteção. Ela suspirava,
mas a vontade era de gritar. As pontas dos dedos dele alisaram a pele desnuda do ombro de Leona,
até a carne exposta sobre o seio. Permaneceram ali, tentando-a, provocando-a de tal maneira que ela
quase implorou que ele continuasse, que a deixasse se banquetear com as maravilhas que só havia
experimentado em Macau.
A mistura de prazer e anseio a desestabilizou. Seu sangue ferveu a ponto de quase enlouquecê-la.
Ela o abraçou e beijou com vigor, buscando o corpo dele com as mãos, procurando seus contornos
sob a casaca. Como uma chama em contato com o óleo, a paixão dele se incendiou ainda mais, até
que ambos se encontraram em um incêndio de beijos e abraços, bocas se tocando e se afastando,
experimentando e mordiscando.
A loucura cedeu, mas o ardor não abrandou. Segurando-a para lhe dar beijos mais deliberados e
calculados, as carícias subiram pela seda até os seios. O prazer tão intenso e erótico deixou Leona
zonza.
Sobre o vestido, os dedos de Christian encontraram os mamilos dela e os estimularam.
Entorpecida e sem fôlego, Leona encaixou a cabeça junto ao pescoço dele, incapaz de fazer qualquer
coisa além de sentir aquele toque diabólico que só fazia com que ela desejasse mais.
– Esperei sete anos para fazer isso.
Ele envolveu os seios dela com as mãos e baixou a cabeça.
– E isso.
Um hálito úmido e uma leve mordida criaram um prazer tão surpreendente, tão íntimo, que ela
desejou que não houvesse tecido para interferir. Como se ouvisse seus apelos silenciosos, a mão dele
correu até suas costas, onde ficava a amarração do vestido.
De repente, parou. A boca dele encontrou a dela, silenciando palavras não ditas. Uma risada. Uma
voz. Leona despertou e ouviu ambas, não muito longe. Também ouviu a própria respiração,
resquícios de um grito que ele engolira.
As vozes se aproximaram mais. Então, seguiram em outra direção.
A intromissão a deixou mais ciente do mundo, do jardim, da noite. Dele. De como seu braço a
envolvia pelos ombros e da forma magistral com que ele estimulava sua imprudência.
Ele passava lentamente a mão sobre seus seios mesmo enquanto ainda escutavam os outros
amantes se afastarem. Leona fechou os olhos e se deixou flutuar nas maravilhosas ondas da excitação.
– Ele chegou a possuí-la? Pedro?
Leona abriu os olhos e o viu encarando-a. Mesmo na escuridão da noite, sentia-se vulnerável por
receber tanta atenção dele.
– Não.
– Algum outro homem?
Um beijo suave no rosto sucedeu a pergunta feita em voz baixa.
– Não.
Um rápido sorriso se formou no rosto dela. Ele acariciou seu mamilo sem rodeios, e o doce
prazer se intensificou.
– Você sabia que voltaríamos a nos encontrar.
Ela teve que se esforçar para responder.
– Sua prepotência não tem limites. Eu não estava me guardando, muito menos para você.
Simplesmente nunca desejei um homem o suficiente.
– Terei que me certificar de que agora deseja.
Mas disso ele tinha certeza. Descobrira sete anos antes. E, ainda agora, ela estava a ponto de se
entregar. Era como se o tempo e o espaço voltassem para recuperar o que fora perdido. De não muito
longe, do baile, vinha uma melodia animada, um acompanhamento para a dança sensual dos dois.
Ela não queria ser salva. Sua parte menos digna já imaginava o desafogo que poderia alcançar
naquela pérgula coberta de hera, apesar dos riscos e desconfortos que o cenário implicava. Não foi
com grande contentamento que se viu rejeitando aquela opção.
– Talvez eu esteja me tornando imprudente com o passar do tempo, mas ainda sei que um
cavalheiro não pediria que eu me entregasse em um jardim com cem pessoas nas proximidades.
O toque de Christian ficou mais suave. Só que o estímulo leve e cuidadoso a deixou mais
excitada.
– Então venha comigo para Grosvenor Square.
Um novo toque arrebatador a estimulou. Ela abafou um gemido no ombro dele.
– Se tentar me levar em sua carruagem, Tong Wei terá que matá-lo.
– Então vou para sua casa, assim ele entenderá que é o que deseja.
– Não.
Uma carícia especialmente eficaz transformou a negação em um arquejo.
– Estou vendo que terei que fazer melhor. E pensei que havia conquistado seu espírito rebelde.
– Se fizer melhor do que isso, eu vou morrer. Um marquês pode ter o que quiser, mas as outras
pessoas aprendem que, na maioria das vezes, isso não é possível.
Ele abaixou a cabeça e beijou os seios dela novamente. Sua mão escorregou sobre a seda, ao
longo de um corpo muito ávido por sentir aquela carícia.
– Acho que farei melhor de qualquer modo, para que reconsidere o que pode e o que não pode ter.
De repente ela sentiu a mão dele além da seda. As carícias de Christian subiram pelos joelhos e
as ligas, tocando a pele macia das coxas. Ela ficou olhando para a escuridão, aturdida. A ousadia
dele a consternava. A expectativa fazia seu corpo tremer, tão prazerosa que o que lhe restava de
racionalidade se desfez.
Então tudo escureceu e só restaram sensações cegas. Ela balançava o corpo, entregando-se às
carícias certeiras, e seus pensamentos se desfizeram em súplicas sem sentido. Um desejo enorme, tão
perto daquele calor que se espalhava, a torturava a ponto de deixá-la louca.
Toques cuidadosos. Maliciosos. Doce insanidade. Destino, sim, destino. Um beijo no alto da
cabeça e uma mão cobrindo o monte de vênus, deixando-a atordoada. Depois uma carícia, longa e
lenta, um prazer tão intenso que a assustou. Fora de controle, não mais dona de suas vontades, ergueu
o quadril sutilmente, implorando por mais.
Ela virou o rosto para o peito dele, de modo que os gemidos não ecoassem pela noite. A
maravilha foi ficando melhor, pior, necessária. Seu desejo e desespero foram ficando cada vez mais
fortes, até que a ela explodiu em um longo e silencioso grito de alívio.

Ela se virara no final, tentando fugir do auge do prazer, como se adivinhasse que enfrentava uma
passagem que mudaria tudo.
Christian segurava seu corpo sem forças enquanto os resquícios do clímax a percorriam. Leona
ainda estava agarrada à casaca dele e tinha o rosto em seu peito. Ele ficara paralisado pelo próprio
alívio. Duvidava que ela se desse conta do que fizera com ele sem ao menos tocá-lo.
As mãos dele se espalmavam no traseiro dela para que não caísse de seu colo naquela posição
estranha. Desejava ver as curvas que pegava. E os seios fartos que finalmente havia acariciado. Tudo
aquilo aconteceria em breve. No momento, apenas a segurava, aguardando que se recuperasse e
desfrutando aquela satisfação como qualquer homem.
Ela não se recuperou lentamente do estupor. Pelo contrário, logo ficou alerta. Tentou se pôr de pé
para se recompor e ajeitar o vestido, mas ele conseguiu mantê-la em seu colo. Ela se sentou com as
costas eretas e virou a cabeça para o jardim durante um longo e silencioso minuto.
– Bem, agora me sinto uma tola por ter sido tão comportada até hoje.
– Está presumindo que outro homem poderia ter feito o mesmo. Sou melhor do que a maioria.
Ela riu baixo e balançou a cabeça, admirada.
– É mesmo insuportavelmente presunçoso.
– Sou sincero. Você foi esperta em se guardar para mim.
Ela deu um tapa em seu peito – de brincadeira, mas nem tanto.
– Eu não me guardei para você e espero que existam muitos homens tão habilidosos assim.
– Talvez. Mas agora não poderá descobrir.
Ignorando suas suposições de posse, ela desceu do colo dele.
– Devo agradecer por seu autocontrole. Ainda sou tecnicamente virgem.
– Isso é importante para você?
A pergunta fez com que ela parasse e refletisse.
– Em Macau, eu não me importava. Mas lá todos pensam que eu tive um caso com você. Seja
como for, ressinto-me da injustiça de levar a fama sem conhecer o pecado.
– E agora?
– Agora você me deu uma amostra do que uma mulher experimenta na paixão, mas também do que
ela cede. Entendo por que nossas mães nos dizem para não ceder tão facilmente.
Ela levou as mãos à cabeça para sentir os cabelos.
– Imagino que esteja totalmente desgrenhada. Todos lá no baile perceberão.
– Deve haver outro modo de sair deste jardim.
Ele se levantou e pegou a mão dela.
– Venha comigo.
Ele a conduziu por entre caminhos e plantas, desfrutando a sensação da sua mão macia na dele.
Naquele momento, pouca coisa podia interferir em sua paz, mas a conversa indicava que ele não a
havia conquistado de uma vez por todas, como pretendia.
Ele encontrou o portão dos fundos do jardim e a guiou pela travessa até chegarem à rua, onde as
carruagens os aguardavam. Espiou Tong Wei de sentinela.
Ela tocou os cabelos novamente.
– Está escuro – disse Christian. – Tong Wei não vai notar.
Ele a puxou para um abraço e olhou para as pequenas estrelas visíveis em seus olhos.
– Mande-o voltar para casa. Venha para Grosvenor Square comigo.
– Não posso.
– Quer dizer que não vai? Por quê?
Ela acariciou o rosto dele, depois se desvencilhou do abraço.
– Porque, quando o verão terminar, voltarei à minha vida real e ao meu verdadeiro destino. E
porque você é Easterbrook.
CAPÍTULO 8

Leona avistou Tong Wei quando cruzava a sala de estar. Ele olhava pela janela calmamente, como
se contasse as pedras que pavimentavam a rua.
– O que está olhando? – perguntou ela. – Está aí há uma hora.
– No momento, nada. Quando a mente pensa, os olhos costumam parar de enxergar.
– Que pensamentos o cegaram?
– Sobre seu irmão e a ordem que me deu.
Leona desejou não ter perguntado. Tong Wei estava mais enigmático do que o normal nos últimos
dias. Era como se ele tivesse visto o que acontecera no jardim no baile de Lady Pennington, mesmo
tendo ficado do lado de fora com as carruagens. Ela sentia crítica em seu silêncio e hesitação em sua
conversa.
Talvez estivesse apenas atribuindo as próprias emoções a Tong Wei. Vinha pensando muito desde
aquela noite. Sozinha, em casa, vinha-lhe a certeza de que aquela intimidade fora um erro. As
dúvidas que tinha sobre as ações e as motivações de Easterbrook em Macau não iam embora.
Mas, quando ela o via... seus julgamentos cuidadosos não se sustentavam. E ela já o vira de novo
desde então.
Ele participara de um jantar na casa de seu advogado na noite anterior, para o qual ela também
fora convidada. A presença de um marquês à mesa surpreendera tanto a todos que ela nem conseguira
conversar sobre negócios, ainda que dois homens famosos na área também estivessem presentes.
Fora uma noite desconfortável. Todos sabiam que Easterbrook tinha comparecido a pretexto de
encontrar a Srta. Montgomery, mas agiam de forma liberal por terem a honra de sua presença. A
anfitriã não podia demonstrar lisonja maior, tamanho seu contentamento diante de uma conquista tão
inesperada. Seu marido tentou por duas vezes deixar os supostos amantes a sós, como se presumisse
que era aquela a expectativa de seu convidado ilustre.
A interação dos dois fora adequada, quase formal. Mas durante a noite toda, fosse na sala de
visitas ou na de jantar, fosse perto dele ou sozinha com as senhoras, Leona estivera ciente da
presença de Christian. Ficava impotente diante do estímulo que ele causava.
Se ele a atraísse apenas pelo desejo, não estaria tão confusa. No entanto, a atração agora continha
todas as lembranças. Aqueles beijos no jardim haviam sido tão familiares. A alma por trás deles,
dentro deles, ainda tinha muito de Edmund, escondido. Uma dor de saudade havia se alojado no
coração dela aquela noite, e revê-lo a deixava ciente, de forma quase dolorosa, do poder que ele
exercia sobre ela.
– Antes de sairmos de Macau, seu irmão conversou comigo – disse Tong Wei. – Ele exigiu que eu
garantisse que você não correria riscos. Pediu que eu a protegesse.
– E é o que está fazendo.
– Eu a protejo de ladrões e criminosos, não de si mesma.
Ela sentiu o rosto queimando.
– Se está se referindo ao marquês, não precisa se preocupar. Eu...
– Não estou falando dele. Seu irmão pode querer que eu o enfrente, mas não mato homens apenas
por tomarem mulheres que lhe são receptivas.
– Está concluindo que aconteceu muito mais entre mim e Easterbrook do que tem motivos para
acreditar.
Tong Wei expressou uma rara impaciência.
– Não estou concluindo nada. Nada disso é de meu interesse. Não sou babá de ninguém. Estou
falando do tempo que passa nas ruas dessa cidade quando recusa minha proteção. Se vai ou não se
encontrar com ele, não é da minha conta. Mas até chegar ao lugar marcado, eu deveria acompanhá-la.
A agitação dele a surpreendeu. A questão fora discutida quando chegaram a Londres, na primeira
vez que ela recusara sua companhia. Achava que as explicações que dera o haviam convencido.
Aparentemente, não.
O rosto dele assumiu uma máscara impassível, como se a recente expressividade fosse motivo de
vergonha. Apesar de tudo, encarou-a com uma postura ereta e audaciosa.
– Não aceita minha companhia porque está fazendo coisas sobre as quais não quer que eu saiba.
Posso imaginar quais são. E, se estiver certo, tenho motivos para me preocupar com sua segurança e
considerar os passos que devo tomar para cumprir meu dever.
– Está preocupado sem motivos. Não estou em perigo quando saio de carruagem sem você.
– Não está?
Ele voltou a se virar para a janela. Novamente imóvel. Observando.
– Um homem em um cavalo marrom seguiu nossa carruagem ontem por bastante tempo. Outro
homem vigia esta casa de uma janela do outro lado da rua. Ele fica lá parado, da mesma forma que eu
fico aqui. Ele olha para mim, e eu olho para ele. Por que não sai dali?
– Por que você não sai daí?
– Eu o estou vigiando. Tenho motivos para isso. Ele, não.
– Talvez ele simplesmente o considere... interessante. Ele pode nunca ter visto pessoas da China.
Saia da janela e verá que ele sairá também.
– Não. Vou mostrar a ele que estou atento. Vou deixar que me veja, para que saiba que Tong Wei
está ciente que existem pessoas interessadas demais em você e em seus passos.

– Senhor?
A interrupção foi discreta. Christian abriu os olhos.
– O que está fazendo aqui, Miller?
Ele não havia escutado Miller entrar. O jovem era um tanto furtivo.
– Sua tia me mandou aqui. Seu pajem estava tímido demais e nenhum lacaio tomaria tal liberdade.
Peço desculpas se interrompi seu...
A sentença parou ali, já que Miller não tinha ideia do que podia ter interrompido. Na verdade,
não interrompera nada além de lembranças e reflexões a respeito de Leona. Elas bloqueavam o
mundo com mais eficiência do que qualquer meditação, ao que parecia.
– Que crise fez com que minha tia resolvesse me perturbar? Uma modista se excedeu ao pôr
rendas em um vestido de festa?
– É bem mais importante do que isso, senhor.
Miller apontou com a cabeça para a mesa ao lado da poltrona de Christian. Havia uma bandeja
ali, com dois cartões. Christian os tateou.
– Lady Wallinford está atormentada desde que eles chegaram – afirmou Miller. – Disseram que
não se tratava de uma visita social. Não aceitaram um refresco, nem a companhia dela, e já estão
esperando há meia hora na biblioteca, uma vez que ela precisou mandar que me chamassem.
– Tudo em vão.
Ele deixou os cartões caírem no chão e voltou a fechar os olhos.
O jovem Miller de repente pareceu menos audacioso. Christian abriu os olhos novamente. Seu
olhar se fixou em um dos cartões no tapete. Em particular, se fixou em quatro palavras. Companhia
das Índias Orientais.
Ele se levantou.
– Raios. Eu vou recebê-los.
Miller olhou para o patrão. Mais especificamente para o robe de Christian e para seus pés
descalços.
Irritado por esse imprevisto ter interferido nas lembranças agradáveis dos seios generosos e
macios de Leona, Christian foi até o vestíbulo, vestiu as calças, calçou as botas e saiu.

Alguém havia aberto as janelas da biblioteca. Por elas entravam o sol vespertino e uma brisa fresca.
Os dois homens ali não pareciam notar o dia maravilhoso.
Christian os cumprimentou e ocupou uma poltrona de frente para ambos. Aguardou enquanto
Denningham sorria discretamente por causa do robe. O Sr. Griffin Winterside, da Companhia das
Índias Orientais, piscou, surpreso.
– Peço desculpas, lorde Easterbrook – o Sr. Winterside apressou-se em dizer. – Eu não tinha ideia
de que estava doente. Agora estou consternado por minha insistência em conseguir esta reunião.
Christian não sentiu necessidade de se explicar. Aceitou as desculpas.
Denningham foi mais sincero.
– Ele não está doente, Winterside. Meu amigo aqui só se arruma se tiver um compromisso. Eu e
você não nos qualificamos como tal. Contudo, ele calçou as botas para nos receber, então somos
quase importantes.
– Você trouxe o Sr. Winterside aqui por um motivo, presumo – disse Christian a Denningham.
Não daria muita atenção a Winterside. O homem exalava preocupação e insignificância. Era do
tipo que ponderava cada saudação que recebia a fim de determinar se continha alguma empatia
especial.
– De fato. O Sr. Winterside é um homem de minhas relações e bem conhecido na Câmara dos
Lordes. Se você frequentasse outras sessões além das votações importantes, já o conheceria. Ele
representa os interesses da Companhia e nos fornece as informações necessárias para que tomemos
nossas decisões. Executa suas tarefas com habilidade e tato admiráveis.
Winterside baixou a cabeça com humildade diante dos elogios.
Christian se recostou na poltrona.
– Acho que entendi. Se o Parlamento fosse um monte de neve e a Companhia das Índias Orientais,
um trenó, Winterside seria o lubrificante de seus pés de metal.
Denningham riu. O Sr. Winterside, não.
– O que quer comigo?
Winterside enfiou a mão sob o casaco e tirou um livro fino e flexível, com capa de papel azul-
claro. Entregou-o a ele.
Christian o examinou.
– Um periódico. Para mulheres. Banquete de Minerva. É um título sagaz, porém um pouco
pomposo.
Ele folheou as primeiras páginas.
– Alguns poemas. Um relato de Paris. Desenhos de vestidos. Um belo chapéu aqui na página 14.
Pousou o periódico sobre o colo e olhou para Denningham e Winterside, aguardando um
esclarecimento.
– Meu senhor, esse periódico está sendo publicado por sua cunhada – afirmou o Sr. Winterside.
– Parece muito bem-feito, mas eu não esperaria menos de Phaedra.
Winterside apontou para o periódico.
– Por obséquio, lorde Easterbrook, abra na página 31.
Christian fez como ele pediu. Na página, Phaedra havia regalado as leitoras com a carta de uma
mulher que navegara o mar da China e mais além. A carta dava uma descrição concisa de Macau,
depois enveredava para questões políticas.
Chegou à parte que seria do interesse do Sr. Winterside.
Pois grandes males se escondem nas águas próximas à China, males que as correntes do tempo
e do comércio inevitavelmente trarão para sua costa. Com esses males vem uma forma de
escravidão que nem seu grande abolicionista, o Sr. Wilberforce, pode combater, porque está
amarrada com correntes que vi poucos homens romperem. Falo dos males do ópio.
Essa maldição derrubou um número tremendo de pobres almas na China e na Índia e espalhou
seus tentáculos para a Inglaterra. Vi com os próprios olhos. Alguns podem dizer que existe uma
justiça perversa nesse último desenlace, pois, sem a cumplicidade da Companhia Britânica das
Índias Orientais, o comércio de ópio não passaria de uma mera fração do que é hoje. Os grilhões
dos negros não foram os únicos forjados da ganância de nossos antepassados.
Ele não precisou ler o nome da autora no final do texto para saber de quem se tratava.
– Sei que pode entender nossa preocupação, lorde Easterbrook – disse Winterside. – Ela atacou a
credibilidade da Companhia. Insinua que somos responsáveis pelo tráfico de ópio para a China. De
modo algum...
– Winterside, não sou ignorante dos acontecimentos do mundo. O ópio comprado da Companhia
em Calcutá é de fato contrabandeado para a China todos os dias.
– Não é nossa culpa.
– Sem as vendas para os traficantes, não haveria motivos para cultivarem tantas papoulas na Índia
em terras da Companhia.
Winterside baixou a cabeça como um criado repreendido.
– Peço desculpas. Sim, falemos francamente. A Companhia compra muitas toneladas de chá da
China e paga aos chineses com uma enorme quantidade de prata. No entanto, as leis de seu imperador
proíbem a importação de nossos bens. Como resultado, a Companhia opera em enorme déficit
comercial com a China.
– Precisam alcançar um equilíbrio, é o que está dizendo – confirmou Denningham. – Então
vendem ópio aos traficantes. A receita do ópio equilibra o que é gasto com a compra de chá chinês.
Winterside corou.
– Nós vendemos um produto agrícola em Calcutá. O que é feito com ele...
– Como pode ver, foi atraído para a causa do demônio, Denningham – disse Christian. – A
Companhia sabe muito bem como aquele ópio é traficado e está ciente da devastação que levou à
China. É conveniente, no entanto, que todos finjam não ter controle sobre isso.
– Há momentos em que as necessidades econômicas exigem que aceitemos realidades diferentes
daquelas que gostaríamos – defendeu-se Winterside.
– O mesmo foi dito durante gerações a respeito do comércio de escravos – contrapôs Christian. –
Vejo que a Srta. Montgomery não deixou passar essa analogia. Pergunto novamente, senhor, o que
quer de mim?
– Achamos que, sendo amigo da Srta. Montgomery, talvez pudesse persuadi-la a evitar esse tema
nas futuras cartas que prometeu escrever. E que, sendo parente da editora, também pudesse usar sua
influência com ela.
– A Srta. Montgomery não revelou segredo algum aqui. É uma história que já foi contada. Por que
silenciá-la quando outros já publicaram livremente?
– No Parlamento, fala-se sobre acabar com todas as licenças especiais da Companhia. Não é hora
para colocar mais lenha na fogueira.
– Ela escreve em um periódico para senhoras – disse Denningham com desdém. – Acho que
Easterbrook tem um bom argumento e estou arrependido de ter aceitado suas alegações de urgência.
– As senhoras podem influenciar questões por meio de seus maridos, de participação em
atividades reformistas, de seus escritos e do mexerico. É preferível um panfleto obscuro escrito por
um vigário da Cornualha a uma série de cartas em um elegante jornal para senhoras de Londres.
Winterside se virou novamente para Christian.
– Poderia pelo menos falar com a Srta. Montgomery? Disseram-nos que vocês são velhos amigos,
e ela pode ser receptiva a suas sugestões.
– Está presumindo que minha sugestão seria que ela desistisse de fazer qualquer outra referência
ou comércio de ópio. Não sei por que pensaria uma coisa dessas.
Um silêncio constrangedor se seguiu. Bem longo.
Denningham esticou o pescoço para ter uma visão melhor do jardim pela janela.
– Vejo que seu jardineiro está lá embaixo. Acho que vou até lá falar com ele. Estou fazendo
alguns experimentos com enxerto que não estão dando muito certo, e o velho Tom ali entende tudo
sobre isso.
– Por que não vamos todos? O dia está claro e pede uma volta no jardim.

Eles desceram até a varanda e saíram ao jardim. O velho Tom conhecia Denningham e, depois de se
cumprimentarem, desataram a conversar sobre enxertos.
O Sr. Winterside aproveitou a oportunidade para caminhar perto de Christian.
– Podemos falar em particular, lorde Easterbrook?
Eles deixaram Denningham com o jardineiro e saíram caminhando.
– Conheceu a Sra. Montgomery em Macau, pelo que ouvi dizer. Conhecia o pai dela?
– Eu o conheci. Foi um contato breve durante uma viagem longa há alguns anos. Achei-o um
pouco apático e muito sério, mas uma companhia muito bem-vinda, uma vez que era inglês.
Na verdade, ele havia achado Montgomery desconfiado, calculista e extremamente astuto.
– Conhecemos o histórico dele, é claro. Licenciamos os comerciantes e mantemos informações a
respeito de todos eles.
– Que engenhoso da parte da Companhia.
– Sua casa de comércio passou por alguns reveses há alguns anos. Sempre há esse risco no
comércio. Um navio afunda, uma carga se incendeia... não é uma atividade para os fracos. O Sr.
Montgomery, infelizmente, era um dos que acreditavam que seus infortúnios haviam sido planejados.
– Está dizendo que ele culpava a Companhia?
– Não diretamente. Ele culpava o comércio de ópio. Chegou a mandar algumas cartas para a
Companhia. Duras, cheias de acusações. Insistia que os maiores contrabandistas haviam formado
uma Companhia própria e que, entre os donos, havia homens de posições elevadas aqui na Inglaterra.
Insistia em que essa empresa secreta conspirava com a nossa e que suas tentativas de expor a trama
haviam levado à sua perseguição. Bem, não passavam de absurdos, é claro.
– É claro.
Christian sabia tudo a respeito das alegações e suspeitas de Montgomery, mas não tinha motivos
para informar isso a Winterside.
– Essa primeira carta no Banquete de Minerva não faz essa acusação, mas temo que a Srta.
Montgomery planeje fazê-lo nas próximas. Ela promete grandes revelações. Segredos. Intrigas. Se
citar nomes...
O Sr. Winterside ficou agitado só de pensar nisso.
– Acha que ela tem nomes para citar?
– O pai dela ficou insano com essa teoria maluca. Acreditava que seus negócios estavam sendo
destruídos por esses homens porque não queria cooperar com eles. Deve ter-se convencido de que
sabia quem eram esses supostos sócios. Ela pode publicar...
– Ela não publicará nomes sem provas sólidas. Isso eu posso lhe garantir. Uma vez que é
impossível que a Srta. Montgomery obtenha provas, isso tudo é muito barulho por nada.
– Impossível?
– Acabou de dizer que se trata de uma teoria maluca de um homem insano, Sr. Winterside. Ela não
pode obter provas sobre uma conspiração que não existe.
Winterside se contorceu, encurralado.
– É claro que não.
– Vá a seus superiores e tranquilize-os, pois esse problema se resolve com a mera aplicação de
lógica ao caso. A Companhia não tem o que temer em relação à Srta. Montgomery e suas cartas além
de um pouco de desgraça moral.
Agora estavam de volta perto da varanda. Denningham deixou o velho Tom e foi embora com
Winterside.
O velho Tom era um camarada simples, à vontade com sua vida naquele jardim tão florido.
Christian avaliou que seria uma companhia tranquila depois do amontoado de preocupações que
emanavam de Winterside. Sentou-se em um banco não muito longe da cesta de poda do jardineiro e
abriu o Banquete de Minerva.
Releu o artigo de Leona perguntando-se o que ela pretendia conseguir com aquilo. Se esperava
conquistar opositores ao comércio de ópio entre os ingleses, boa sorte para ela.
Mas, se o objetivo era revelar os homens da Inglaterra que estariam por trás da cadeia de tráfico
que acreditava ter perseguido seu pai, poderia ser bem-sucedida até demais. Porque, embora o Sr.
Winterside pudesse ter vindo até sua casa em nome da Companhia Britânicas das Índias Orientais,
Christian não acreditava que ele fora enviado por ela.
CAPÍTULO 9

Leona passou os olhos em sua carta no Banquete de Minerva. Lady Phaedra havia lhe enviado uma
cópia recém-impressa. Normalmente, Leona teria se sentido orgulhosa pelo menos alguns minutos ao
ver suas palavras publicadas. No entanto, outras questões ocupavam sua cabeça.
Em vez disso, tratou de analisar outro de seus escritos. No papel que tinha em mãos havia
copiado a notícia publicada no The Times de Londres a respeito da morte de seu pai. O jornal
guardava todas as edições antigas em enormes livros encadernados, e obter acesso ao ano em
questão não fora difícil quando fora à sede do jornal, no dia anterior.
Desde então, andava extremamente tensa. As palavras que copiara ficaram pouco legíveis, de tão
trêmula estava sua mão ao anotá-las.
Os poucos fatos sobre a vida de seu pai estavam precisos, apesar de ínfimos. A última linha, no
entanto, era uma mentira grosseira.
O Sr. Montgomery faleceu após um longo declínio atribuído a uma doença debilitante muito
conhecida na Ásia, resultado da ingestão de produtos agrícolas perigosos nativos daquela região.
A notícia praticamente dizia que seu pai havia sucumbido ao ópio. Quem teria relatado uma coisa
dessas? Esses rumores maliciosos não haviam aparecido em Macau. Todos por lá sabiam de seu
coração enfraquecido e tinham acompanhado a progressão da doença.
Estreitou os olhos para ler o nome impresso em letras miúdas no fim da notícia. C. Nichols. Não
se lembrava de nenhum Sr. Nichols em Macau. Não se tratava de notícia enviada por um
correspondente. Então, a fonte seria alguém em Londres.
Ela pensou sobre como encontrar esse Sr. Nichols. Precisava falar com ele e descobrir onde
havia obtido essa informação a respeito de seu pai.
As edições antigas do The Times tinham sido de pouca ajuda. O nome do Sr. Nichols não aparecia
com frequência nas assinaturas das matérias. Em jornais recentes, no entanto, havia encontrado
aquele nome várias vezes abaixo de descrições espirituosas dos procedimentos nos gabinetes dos
magistrados em Londres.
Uma mudança sutil no ar a alertou de que não estava sozinha. Levantou os olhos e viu Tong Wei
parado a três metros de distância.
– Tem uma senhora aqui – disse Tong Wei. – Uma senhora de posição elevada.
Leona pegou o cartão com curiosidade. Foi até a sala, onde a visitante a aguardava.
Lady Lynsworth usava chapéu e um vestido de passeio cor de gerânio, e tinha no rosto uma
expressão de reserva só comprometida pela ansiedade que revelava em seus olhos azuis.
Enquanto ela e Leona conversavam sobre assuntos corriqueiros, sua ansiedade foi ficando cada
vez mais nítida, até que o rosto suave não conseguiu mais sustentar a máscara que fingia estar tudo
bem.
– Srta. Montgomery, li o primeiro volume do Banquete de Minerva. A cunhada de Easterbrook
criou um periódico bastante louvável.
– Ela ficará feliz em saber de sua opinião favorável.
– Em especial, sua contribuição me interessou. A referência que fez ao comércio de ópio... achei
muito esclarecedora.
– Espero que outras pessoas pensem o mesmo. Os cidadãos da Inglaterra deveriam saber disso,
mesmo acontecendo em locais tão distantes. Tenho esperança de que a opinião pública obrigue a
Companhia das Índias Orientais a mudar seus métodos.
Lady Lynsworth mexeu na bolsa com nervosismo.
– Sua carta fala sobre ver pessoas morrendo. Nossos poetas e artistas não consideravam o ópio
um veneno, mas um aperfeiçoamento de sua imaginação criativa.
– Sei que é a visão popular na Europa. Mas, por favor, acredite: a atração é traiçoeira e, uma vez
experimentada, o vício é quase inevitável. Assim que caem na armadilha, as pessoas definham.
– Pelo que escreveu, conhece alguns poucos que não definharam. Que romperam as correntes.
– Poucos. Mas a grande maioria...
– Mas alguns... Não escreveu aquilo apenas para aliviar as preocupações de suas leitoras,
escreveu? Conhece de fato pelo menos alguns que...
Uma lágrima começou a escorrer por sua face. Ela a secou com a mão e virou o rosto.
Leona foi se sentar ao lado dela.
– Sim, alguns. Não menti.
Lady Lynsworth procurou um lenço na bolsa.
– Perdoe-me. Eu li aquela frase e não consegui ler mais. Alguns que romperam as correntes. Estou
atormentada desde hoje de manhã.
Ela chorou um pouco. Leona esperou que a visitante se recompusesse.
– Quem é? – Leona perguntou. – Algum parente?
– Meu irmão mais novo. Pensávamos que estava doente. Meu pai descobriu a verdade há um mês
e lavou as mãos em relação a ele. Não vejo Brian desde então. Ele estava muito mal da última vez
que nos encontramos. Temo que aconteça como escreveu, que seja uma doença da qual ele não
conseguirá se recuperar.
Leona desejava poder oferecer garantias, mas não tinha nenhuma. Se o vício de Brian tinha
chegado ao ponto em que a família reconhecera os sintomas, já estava avançado.
– Existe algum elixir para acabar com isso? Algum segredo do Oriente? Vim vê-la na esperança
de que conhecesse alguma forma de ajudá-lo.
– Não pode ajudá-lo. Sinto muito, mas é a verdade. Não há nenhum segredo. Nenhum elixir.
Desculpe, mas não cabe a você salvá-lo. Ele precisa salvar a si mesmo.
Lady Lynsworth levou o lenço aos olhos e chorou novamente. Leona pousou a mão em seu ombro.
– Se ele pudesse romper as correntes, acha que o faria? É preciso que ele queira. Se quiser, existe
alguma esperança.
Lady Lynsworth acenou com a cabeça.
– Quando conversamos, ele estava desolado e bravo consigo mesmo. Mas muito triste e
impotente.
Ela cerrou o punho, apertando o lenço.
– A decepção deixou meu pai frio. Meu marido se recusa a me escutar. Enxerga apenas o
escândalo que será se o mundo souber da verdade. Mas Brian e eu sempre fomos muito próximos, e
se houver alguma possibilidade, mesmo que pequena, devo tentar.
A determinação e o sofrimento de Lady Lynsworth comoveram Leona. Ela sabia como as chances
eram pequenas, mas, se essa mulher queria dar uma chance ao irmão, devia ajudá-la.
– Tem alguma propriedade afastada de Londres e a uma boa distância de qualquer outra cidade?
Deve ser isolada. Deve ter criados que façam exatamente o que ordenar.
– Minha família tem um solar em Essex. Meu pai nunca vai lá, e os criados vão me obedecer.
– Então vamos buscar seu irmão. Você o levará para lá. Mandarei Tong Wei acompanhá-la. É o
homem que a conduziu a esta sala. Ele saberá o que fazer, e você deve instruir os criados a obedecê-
lo também.
Lady Lynsworth levantou os olhos, aliviada. Mas em seguida seu semblante se obscureceu.
– Oh, minha nossa, eu não sei onde Brian está! Não está em sua residência. Não aparece por lá há
dias. Não tenho como levá-la até ele.
– Precisamos encontrá-lo. Sabe se ele está ingerindo ou fumando o ópio?
– Ele começou ingerindo. Mas, quando nos falamos pela última vez, estava muito emotivo e
amaldiçoou sua fraqueza. “É como se minha alma estivesse atada àquele maldito cachimbo”, ele
disse.
– Então sei onde ele pode estar. Vamos em sua carruagem. Acredito que seu cocheiro esteja
preparado para viajar imediatamente a Essex se tivermos sucesso.

Christian bateu à porta da casa de Leona. Quando ela se abriu, ele não se viu diante de Tong Wei,
como esperava. No lugar dele, Isabella executava a tarefa.
– Diga a Leona que estou aqui e preciso falar com ela sobre um assunto importante.
Era hora de conhecer os objetivos de Leona em Londres. Christian não se importava nem um
pouco se ela quisesse fazer alarde sobre o comércio de ópio. Mas se importava se ela chamasse a
atenção de homens que pudessem agir sem pensar caso considerassem suas fortunas ou reputações em
risco.
– Ela não está – respondeu Isabella, ainda de cabeça baixa, enfiando as mãos na largas mangas de
seu traje típico chinês. – Acabou de sair.
– Tong Wei foi com ela?
Isabella confirmou.
– Para onde foram?
– Para a cidade. Leona disse que Tong Wei precisava ir junto. Foram na carruagem de uma
senhora.
– Que senhora?
– Não sei o nome.
Isabella começou a fechar a porta. Christian pressionou a mão contra a porta, de modo que não
pudesse ser empurrada.
– Então uma senhora apareceu aqui e Leona saiu com ela. O que foi dito antes de todos saírem?
Quando ela chamou Tong Wei?
– Ela disse: “Venha, Tong Wei. Com sorte, mais um extinguirá a chama do cachimbo em vez da
própria vida.”
Não era o que Christian queria ouvir. Leona estava na cidade em uma missão de compaixão que a
levaria a lugares aos quais não deveria ir.
Ele voltou para a carruagem. Deu ao cocheiro um endereço e ordenou que se apressasse.
Imaginou que sabia para onde Leona fora. Se estivesse certo, nem mesmo a presença de Tong Wei
seria proteção suficiente.
Vinte minutos depois, Christian entrou em um café na Mincing Lane. A verdadeira atividade do
local já fora encerrada. Apenas alguns clientes pontuavam o interior rústico.
Ele chamou um empregado.
– Diga ao Sr. Garraway que lorde Easterbrook quer falar com ele.
Rapidamente, um homem se aproximou da mesa de Christian. O proprietário parecia o
personagem de uma peça do século anterior. Usava colete brocado de seda azul-clara e calças de um
tom um pouco mais escuro, e os cabelos brancos estavam presos em um rabo na nuca. Seu perfume
era forte.
Ajeitou os óculos sobre o nariz com o mindinho. Era mais um gesto encenado do que uma
tentativa de enxergar com mais clareza.
– Lorde Easterbrook, é uma honra. Meu humilde estabelecimento raramente recebe clientes de sua
posição.
– É porque homens de minha posição não precisam de seu estabelecimento. Eles têm médicos e
boticários que fornecem o láudano quando é indicado por necessidade médica.
– E também quando não é, devo dizer – emendou Garraway, reconhecendo discretamente os usos
alternativos da droga.
– Suponha que o médico de um jovem não seja tão prestativo. Onde ele iria para obter alívio? –
perguntou Christian.
– A outro médico ou a um boticário, presumo.
– E se ele preferisse evitar os canais de venda normal, ou procurasse algo mais forte do que o
láudano?
– Por que acha que eu saberia? Meu estabelecimento é utilizado para leilões de ópio, é verdade.
As negociações que meus clientes fazem enquanto tomam café não são da minha conta.
– Preciso dos nomes das casas de ópio de Londres e sei que, entre os homens que vêm aqui, há
aqueles que as gerenciam. Em particular, estou interessado em estabelecimentos que comprem ópio
do Extremo Oriente, não da Turquia, e que foi preparado para fumar, não mascar. Deve reconhecer
pela aparência. É vendido depois de um processo especial que os transforma em bolas.
– Bolas, é o que está dizendo. Do Extremo Oriente?
Garraway franziu a testa dramaticamente.
– Fiquei sabendo que o ópio oriental é inferior para fins medicinais. Contém menos morfina do
que o turco. Os boticários não o querem. Quanto a fins não medicinais, só seria economicamente
vantajoso trazer para o país se fosse possível evitar os impostos – falou ele e deu uma fungadela. –
Eu não saberia informar nada a respeito de ópio contrabandeado, lorde Easterbrook.
– Mincing Lane é o centro do comércio de ópio na Inglaterra, e este café é o centro do comércio
na Mincing Lane. Acho que sabe tudo o que há para saber.
Christian enfiou a mão no bolso do casaco e retirou cinco guinéus. Jogou-os sobre a mesa de
madeira que o separava de Garraway. Pegou também uma pistola e a colocou ao lado das moedas.
– Não tenho mais tempo a perder. De que modo devemos proceder?
Garraway empalideceu, depois ficou irritado.
– Não gosto de ser ameaçado, senhor. Embora seja preferível que a ameaça venha de sua parte a
vir de uma mulher.
– Uma mulher?
– Há quinze dias. Também estava interessada nessas bolas. Também se recusou a aceitar que elas
não estivessem sendo leiloadas aqui.
– Ela empunhou uma arma?
– Pior. Ameaçou-me com a visita de oficiais da alfândega.
Ele limpou o nariz comprido com um lenço com barra de renda.
– Uma bela harpia. Vagamente exótica. Mas, ainda assim, uma harpia.
– Se ela o deixou em paz, você deve ter-lhe dado um nome ou um endereço. Quero que também
me forneça. Agora.
Garraway recolheu as moedas. Um minuto depois, Christian estava de volta à sua carruagem,
dirigindo-se para os cortiços de St. Giles.

Até mesmo da rua era possível sentir o fedor da casa de ópio. Ficava entre uma loja de bebidas e um
armazém decrépito, com cortinas que a protegiam da luz. O homem na porta desencorajava visitas.
– Acha que ele é o dono? – perguntou Lady Lynsworth quando ela e Leona desceram da
carruagem.
A sentinela era um chinês e usava vestes parecidas com as de Tong Wei, só que de tecido mais
simples e sem bordados.
– Duvido muito – respondeu Leona. – Acho que não passa de um guarda. Também funciona como
um anúncio. Sua imagem revela que o interior pode abrigar mistérios da China.
Tong Wei olhou para seu compatriota com desdém.
– Descreva seu irmão. Descobrirei se ele está aqui.
– Ele tem altura e cor de pele bem comuns. É comum em todos os sentidos, na verdade. Não há
nada notável em sua aparência. Por favor, peça para aquele homem me deixar entrar. Eu logo saberei
se Brian está aí. Posso reconhecê-lo imediatamente, assim não perturbaremos os outros.
– Acho melhor convencê-lo a deixar todos nós entrarmos, Tong Wei – disse Leona. – Brian pode
não concordar em sair com você, mas consentirá em vir com a irmã.
Tong Wei as deixou perto da carruagem e se aproximou da porta. Depois de uma saudação ritual,
ele e o guarda conversaram com entusiasmo na linguagem cantada da China.
Leona nunca aprendera muito de chinês e não podia garantir a Lady Lynsworth que Tong Wei
estivesse fazendo progressos. O guarda parecia alternar entre negar de forma hostil e responder de
forma humilde.
Tong Wei voltou até onde elas estavam.
– Os clientes recebem a promessa de que terão privacidade. Ele não deveria nos deixar entrar,
mas deixará. Devemos ser rápidos.
– Como conseguiu convencê-lo? – indagou Leona.
– Ele é um ladrão, mas não deixa de se sentir envergonhado por colaborar com o uso desse
veneno condenado por nosso imperador.
Um caixote cheio de grandes bolas marrons podia ser visto alguns metros depois da porta. O ópio
contido no caixote viajara um longo caminho. Cultivado e processado na Índia, fora vendido no
mercado em Calcutá, para só então chegar à Inglaterra.
Tong Wei foi na frente quando acompanharam o porteiro até os fundos da casa. Sombras cobriam
o espaço. Quando os olhos de Leona se adaptaram, ela viu catres no chão e pessoas estiradas sobre
eles. Ao lado de cada catre havia uma lamparina de ópio e um longo cachimbo ao alcance da mão,
para que a vítima encontrasse um falso paraíso na droga que ele conduzia.
– Está tão escuro – murmurou Lady Lynsworth, que cobria o nariz com um lenço.
A fumaça no cômodo lembrava uma neblina densa. Leona pegou na mão dela e a arrastou por
entre as fileiras de catres.
– Não temos muito tempo. Deve ver se ele está aqui enquanto pode.
Lady Lynsworth se inclinou sobre vários rostos, olhando dentro de olhos vazios, à procura do
irmão. Tong Wei seguiu no rastro delas.
Elas haviam verificado meio cômodo quando um homem entrou. Um palmo mais alto que Tong
Wei e ostentando uma barba ruiva como os cabelos cacheados, claramente não era chinês. Ele os
espiou e caminhou na direção deles. Sua expressão não era de contentamento.
– Continue olhando – Leona apressou a outra.
Tong Wei se virou e se posicionou entre elas e o proprietário que se aproximava.
– Não há nada para vocês aqui. Saiam – ordenou o homem.
– As senhoras procuram um parente. Sairemos logo – explicou Tong Wei.
– Não quero ninguém interferindo em meus assuntos nem nos de meus amigos.
– Essas pessoas não são seus amigos – disse Leona enquanto empurrava Lady Lynsworth adiante.
– Um homem não permitiria que um amigo passasse por esse sofrimento.
– Não me parece que nenhum deles esteja preocupado, então o sofrimento deve ser bom – ele
disse, abafando o riso. – Agora peguem aquela outra mulher e saiam daqui antes que as coisas fiquem
difíceis para vocês.
– Espero que não – disse Tong Wei. – Não posso permitir que nenhuma dificuldade se apresente.
– Pouco me importa o que permite ou deixa de permitir. Saiam agora!
– Encontrei! – o grito de Lady Lynsworth ecoou no teto. – Brian! Meu Deus, ele parece morto.
Tong Wei mal virou a cabeça para olhar para o jovem loiro sobre o qual Lady Lynsworth se
debruçava.
– Ele não está morto, mas está perdido.
Leona sabia o que ele queria dizer. Provavelmente estava certo, mas ela prometera ajudar, agora
teriam que ir até o fim.
– Vou carregá-lo para fora – disse Tong Wei.
– Não fará nada disso – afirmou o proprietário. – Esse aí me deve um bom dinheiro. Peguei seu
casaco em troca da porção de hoje, mas ele não sai até quitar os atrasados.
– Será difícil ele quitar qualquer coisa se não sair daqui – argumentou Leona.
– Ah, é? É um casaco de boa qualidade, e espero que sua família honre a dívida.
Lady Lynsworth tentava acordar Brian, sem sucesso. Tong Wei fez um gesto para Leona seguir em
frente. Eles foram até Lady Lynsworth.
Tong Wei se agachou e ergueu Brian, apoiando-o no ombro. O rapaz era mais alto do que Tong
Wei e devia pesar mais, mas a força do chinês não vinha apenas de seu corpo.
– Agora vamos embora – disse ele.
– Não vão mesmo – repetiu o proprietário, caminhando na direção deles.
A luz fraca de trás de uma cortina revelou um brilho de metal.
Lady Lynsworth se assustou ao ver a faca. Tong Wei se abaixou e deixou Brian cair novamente no
chão. Encarou o proprietário com muita calma. Leona imaginou que a quietude da meditação o
dominava.
Não era isso. Tong Wei não havia se recolhido em nenhum devaneio meditativo. Olhava para a
faca com olhos que não permitiam outra visão. Ela nunca o vira com uma aparência tão ameaçadora.
Ele não esperou que a faca se movimentasse. Em vez disso, voou para a frente enquanto seu corpo
girava com tanta graça que nem chegou a fazer barulho.
O homem caiu longe, de costas, em meio às suas vítimas. Ele se levantou, furioso. Olhou para
Tong Wei e partiu em sua direção com passos ameaçadores.
– Pare aí mesmo. Mais um movimento que coloque essas senhoras em perigo e eu o mato. Não
duvide de minha determinação.
A voz veio das sombras perto da porta, atrás do proprietário. Ele ficou paralisado, depois se
virou para encarar o novo intruso.
A princípio, Leona viu apenas a pistola. Parecia pairar no ar. Então Easterbrook deu dois passos
adiante. Passou os olhos rapidamente sobre os catres. Ela viu a expressão de desgosto quando o
olhar dele pousou sobre os rostos mais próximos. Depois teve olhos apenas para a faca.
– Quem é você? – perguntou o proprietário com desprezo.
– Easterbrook.
– Ora, meu senhor, é uma honra – falou o outro, com uma reverência insolente. – Meu nome é
Harry Timble e esta propriedade é minha.
– Será a propriedade de seu herdeiro se essa faca não estiver no chão em três segundos.
A faca bateu no chão. Tong Wei a pegou e arremessou para o outro lado do cômodo. Ela se cravou
na parede.
– Por favor, peguem o que vieram buscar, senhoras – ordenou Easterbrook, ainda apontando a
arma para o peito de Harry Timble.
Tong Wei se abaixou, agarrou os braços de Brian e começou a carregá-lo. Guiou o grupo para fora
do recinto.
Assim que saíram da casa, Easterbrook se juntou a eles. A pistola agora apontava para o chão.
– Lorde Easterbrook, tem minha gratidão – disse Lady Lynsworth.
– É um prazer servi-la. Presumo que aquela seja sua carruagem.
Tong Wei já colocava o rapaz lá dentro.
– A Srta. Montgomery sugeriu que eu levasse meu irmão para o interior e o afastasse das
tentações de Londres. Ela acha que isso pode ajudá-lo.
– Tong Wei irá também – disse Leona. – Ele poderá auxiliar Brian durante a dor inicial da
abstinência. É preciso ordenar que os criados o obedeçam, madame. Será melhor se não ficar lá.
Deve voltar a Londres assim que estiver tudo acertado.
Easterbrook observou em silêncio os preparativos para a partida. Assim que Tong Wei e Lady
Lynsworth entraram na carruagem e ela começou a andar, ele falou.
– Foi sorte eu ter chegado, Leona. De outra forma, você agora estaria sozinha e desprotegida na
pior região de Londres, isso presumindo que ainda estivesse viva.
– Tong Wei teria detido aquele homem. No entanto, eu lhe sou grata. Foi de fato mais eficiente do
seu jeito.
Ele estendeu o braço na direção de seu coche.
– Vou levá-la de volta à sua casa.
CAPÍTULO 10

Ela ficou observando Christian na carruagem. Seus olhos escuros tentavam ler a mente dele, assim
como ele gostaria de ler a dela.
O odor nocivo da casa de ópio permanecia nas roupas dele. O marquês abriu as cortinas da
carruagem para deixar entrar ar e luz.
– Sentiu-se oprimido? Por estar lá? – perguntou ela.
– Nem um pouco.
– Isso é bom. Está tão quieto que pensei que talvez...
Ela sorriu com gentileza, depois deu de ombros.
– Estou quieto porque estou pensando em como puni-la por ser tão tola a ponto de entrar naquele
inferno. Há locais pouco civilizados em Londres e aquela região está entre eles.
– Eu não podia recusar ajuda a Lady Lynsworth.
– Foi uma tolice. Tong Wei ficará cuidando do irmão dela durante a tortura que o aguarda e,
depois de duas semanas, ele estará de volta a seu catre, inalando a morte por meio daquele
cachimbo.
– Pode não ser assim. Você sabe que pode.
Novamente aqueles olhos. Aqueles olhos que sabiam tanto e procuravam ainda mais. Sempre fora
assim, e o olhar dela criava mais intimidade do que Leona se dava conta.
Um sorriso pequeno e mordaz se formou em seus lábios grossos, mas os olhos permaneceram
inquisitivos.
– Ou acha que foi diferente com você porque é Easterbrook? – perguntou em voz baixa.
A alusão feita por Leona evocou uma lembrança que ele ao mesmo tempo estimava e detestava.
Ele estava em seu quarto na casa de Montgomery, tarde da noite, e a porta se abrira. Então ela
surgira, como ele havia sonhado por noites e imaginado por dias, com os cachos escuros formando
ondas sobre a camisola branca. Estava repleta de espanto, medo e determinação nos olhos.
Apesar do temor, fora ao encontro dele, do desejo que perfumava o ar entre os dois, dos mistérios
que a aguardavam. Havia arriscado tudo para ir até lá. Então o encontrara de cachimbo na mão, com
a fumaça preenchendo o quarto, embora a janela estivesse aberta.
Você quer morrer? Porque morrerá como um covarde. É a fuga covarde da vida que busca com
isso. Independentemente daquilo de que esteja fugindo, está dentro de você e, se não pretende
enfrentar, pelo menos tenha a coragem de usar uma arma para não morrer de forma desprezível e
em desgraça.
Suas palavras haviam sido furiosas, brutais, e tão altas que fora surpresa que não despertassem a
casa toda. Naquela noite ela não demonstrara desejo, apenas raiva e uma pena que ele não era capaz
de suportar.
– Você não tem como saber se foi diferente para mim – disse ele.
– Eu sempre soube. Assim como Tong Wei. Vi você lá dentro e sua expressão de raiva quando
olhou para as pessoas e para os cachimbos, e tive ainda mais certeza de que já não deseja aquele
falso paraíso.
Ela estava errada, em parte. Quem experimentava sempre desejava um pouco. Se a vontade dele
era tão menor do que a da maioria, era porque o homem que ela censurara aquela noite estava em
busca de uma alma, e o homem que ele era agora havia aceitado a única que tinha.
– Acha que o irmão de Lady Lynsworth conseguirá meditar, Leona?
– Acho que Tong Wei terá que recorrer a métodos mais vigorosos. A disposição que você teve
para aprender as técnicas de respiração evitou o pior. Além disso, ainda não estava escravizado, e
Tong Wei disse que Brian está perdido.
Ela inclinou a cabeça e olhou para ele ainda mais intensamente.
– É estranho. Não tenho certeza se Edmund conseguiu sobreviver, mas está claro que Easterbrook
conseguiu e conseguirá. Vocês dois não são a mesma pessoa.
– É nisso que vem pensando desde aquela tarde em que mandei levá-la à minha casa? Que não me
pareço o suficiente com Edmund? Não sou tão triste? Não sou fraco o bastante?
– Eu não quis dizer...
– Garanto que sou a mesma pessoa, assim como um homem é a mesma pessoa que o garoto que já
foi. Tive que escolher entre viver ou morrer. Encarar a escolha resolveu muitas coisas, Leona. Fazer
a escolha estabeleceu muitas outras.
– Então fico feliz por não ser mais Edmund, Christian.
Era a primeira vez que ela se dirigia a ele por seu nome verdadeiro. Aquilo, juntamente com o
calor em seus olhos, revelava que ela havia começado a aceitar tanto o passado quanto o presente.
Ele se lamentou quando a carruagem parou. Uma repreensão os esperava dentro da casa e
estragaria o que fora o verdadeiro reencontro entre eles.
Ele a ajudou a descer e ignorou sua despedida à porta. Entrou atrás dela e mandou Isabella
embora com um olhar.
– Vim procurá-la hoje por um motivo, Leona. A conversa não pode ser adiada.
– Espero que o assunto seja divertido.
– Não tente bancar a esperta comigo. Tem saído por essa cidade em busca de algo que vai além
de alianças para seu irmão. Está também procurando confusão, e tenho motivos para achar que já
encontrou.

Não havia opção além de enfrentar. No entanto, ela desejava poder adiar aquilo para sempre.
Naquele percurso de carruagem havia encontrado uma ponte para o passado e a intimidade que tivera
com Christian naquela época. Temia que ele voltasse a se transformar em um estranho em quem não
pudesse confiar caso abordasse as questões a que se referia.
Ela o conduziu até a biblioteca e fechou a porta, de modo que Isabella não pudesse ouvir.
Encarou-o e tentou controlar o modo como seu coração se aquecia só de estar perto dele.
A expressão do marquês revelava que ele não se deixaria contrariar.
– Seu irmão sabe o que pretende fazer?
– É claro que sim. Foi ele que me enviou.
– Para o propósito que declarou, sim. Não acredito que ele saiba do outro.
– Acho que suspeita que eu espero voltar com uma esposa para ele, se é a isso que se refere, mas
nunca lhe revelei meu plano.
– Pare com isso, Leona. Não esgote minha paciência.
– Então não esgote a minha. Que outro objetivo imagina que eu tenha aqui em Londres? Diga do
que suspeita e talvez eu possa apaziguar o que perturba sua mente.
Ele desviou o olhar e passou os dedos sobre as sobrancelhas, como se fosse difícil conter sua
exasperação.
– Acho que pretende provar o que seu pai não conseguiu antes de morrer. Que os contrabandistas
que atacavam seus negócios eram agentes de homens poderosos aqui de Londres.
A decepção jogou um balde de água fria sobre seu deslumbramento tolo. Aquilo era o que ela
temia, confirmava suas suspeitas: Christian era um deles desde o início.
– Como sabe do que meu pai suspeitava ou o que pretendia provar?
– Ele me contou tudo a respeito.
– Se ele soubesse quem você era, não teria revelado nada. Soube do que ele sabia e do que
planejava apenas porque o enganou.
– Acho que ele imaginava que eu não era quem dizia ser. Estava desconfiado de mim. Ainda
assim, contou.
Não acreditava nele, embora desejasse muito. Seria tranquilizador saber que o pai confiava nele.
Ele sempre fora bom em avaliar o caráter de um homem.
Infelizmente, talvez seu pai não tivesse confiado nem um pouco nele. Easterbrook podia ter sabido
de tudo ao ler o diário que pertencia a ele. Desanimava-a que as evidências agora indicassem que ele
o tinha em sua posse.
– O que meu pai revelou?
– Que, dois anos antes de minha chegada a Macau, os negócios começaram a sofrer uma série de
incidentes que o punham em risco de falência. Acidentes. Cargas perdidas. Ataques de piratas. Ele
tinha certeza de que se tratava de retaliação. A princípio, por não auxiliar contrabandistas que
queriam a ajuda dele para transportar ópio para a China. Depois, por suas tentativas de expor o que
estava acontecendo. Aquele incêndio na última noite que passei lá foi mais um episódio do mesmo
tipo.
– Não exatamente. Você viu Lau King entre os homens que atearam fogo àquele navio. Aquilo foi
novidade.
– De fato vi que havia mais perigo do que seu pai suspeitava.
Sim, perigo. Muito perigo. Principalmente para Edmund. Ter visto Lau King significava que ele
tinha que fugir. Lau King era o criado do mandarim que controlava o porto em Cantão. Seu
envolvimento naquele incêndio significava que os contrabandistas que coagiam seu pai tinham
amigos no alto escalão da China e também da Inglaterra. O imperador podia proibir o comércio, mas
seus servidores enriqueciam às custas dele.
A verdade tirara o ânimo de seu pai. Sua força se esvaíra. Ele acreditava que, ao expor o
contrabando, estivesse protegendo o comércio exterior em Cantão, e até mesmo o povo cantonês.
Havia até escrito ao imperador, descrevendo tudo o que vira e sabia.
A evidência de que mandarins chineses eram cúmplices fora um golpe terrível. A força para lutar
desaparecera de dentro dele, e logo a vida também.
Leona olhou para Christian e o viu naquela noite resistindo a seus avisos de que deveria partir de
imediato, negando que os homens que incendiaram o navio o tivessem visto, assim como ele os vira.
Os odores e os ruídos ressurgiram em sua memória: o brilho do fogo e os gemidos de desespero
de seu pai. Leona sentiu a fumaça na água e, junto com Tong Wei, arrastara Edmund para um pequeno
barco e o mandara embora. Ela se lembrava da imagem dele antes de entrar naquele navio em
Whampoa.
Sentiu novamente o gosto de seu beijo de despedida, febril, ávido e raivoso, antes de deixá-la.
Easterbrook a encarava agora, não Edmund. Os beijos eram os mesmos, contudo. Ele era o mesmo
homem durante seus momentos de paixão. Ela havia descoberto isso no jardim, para sua ruína.
– Está tentando descobrir se seu pai estava certo, Leona? Está tentando descobrir se existem
homens em Londres que controlam alguns dos contrabandistas de ópio no mar da China?
Está tentando envolver em escândalo e descrédito homens que conheço e amigos que amo. Para
não amolecer, ela afastou de sua mente pensamentos sobre os prazeres eletrizantes do jardim.
– Não consigo imaginar por que você acreditaria que sim.
– Li o Banquete de Minerva. Você fez críticas ali. Também conhecia o endereço de uma casa de
ópio em Londres, de modo que andou investigando algo.
– Se estou curiosa a respeito da teoria de meu pai, qual é o problema? Não que eu possa fazer
algo a respeito.
– A ameaça de escândalo e exposição significa muita coisa. Se estiver certa, e se chegar perto,
pode haver tentativas de detê-la.
Aquilo podia ser um alerta ou uma ameaça. Suas emoções já não sabiam distinguir entre os dois,
ou se realmente havia diferença.
– Da mesma forma que tentaram deter meu pai? Talvez utilizem algumas de suas táticas mais
recentes e mais sutis. Talvez simplesmente mandem um homem para conquistar minha confiança e
descobrir o que eu sei. Talvez um dos seus se utilize de persuasão e sedução em vez de coerção.
Ele se aproximou dela. Segurou seu rosto com ambas as mãos e penetrou seus olhos com um olhar
zangado.
– É isso que vem dizendo a si mesma desde que soube quem eu sou? Que eu fui a Macau para
detê-lo ou para descobrir o que ele sabia? Que sou um dos homens de quem ele desconfiava? Eu não
sabia nada sobre isso até que ele me contou seu segredo.
– Então por que se preocupa com uma possível tentativa de expô-los agora?
As mãos de Christian a seguraram com mais suavidade, mas não menos firmeza. O polegar
acariciou sua face. Ele olhou para ela como se analisasse um objeto fascinante.
– Se eu soubesse quem são eles, poderia protegê-la. Mas não sei quem são, nem quanto podem ser
perigosos.
– Então acha que meu pai estava certo! Você acredita...
Os lábios dele roçaram nos dela, silenciando-a.
– Desista dessa busca, Leona. Não há nada a ganhar com isso.
O toque e o beijo roubaram-lhe o fôlego. A excitação começou a suprimir o bom senso.
– Eles o mataram – sussurrou ela.
Pareceu mais um pedido de ajuda do que uma acusação.
– Pouco a pouco, eles o arruinaram. Mesmo que não tenham violado nenhuma lei inglesa, o mundo
devia conhecê-los pelo que são.
Novamente, os lábios dele provocaram os dela. O calor das palmas das mãos de Christian no
rosto dela aquecia seu corpo todo.
– Ele não gostaria que você fosse atrás disso. Se quisesse, a teria encarregado da tarefa e contado
tudo o que sabia para que pudesse continuar no lugar dele. Foi o que ele fez?
Ela o encarou nos olhos, as profundezas escuras que ao mesmo tempo a estimulavam e
assustavam.
– Foi o que ele fez?
Ela mal conseguia negar. Mal conseguia respirar.
Nenhum sentimento de vitória se revelou nos olhos dele diante daquela resposta. Ele deu nela um
beijo diferente, um beijo que fechou as portas daquela discussão.
Havia cuidado naquele beijo, como se ele procurasse acalmar o turbilhão que a discussão havia
levantado dentro dela. Se também pretendia influenciar a forma como Leona pesaria a verdade,
falhou, pois o beijo distraiu sua capacidade de fazer qualquer tipo de julgamento.
Seu abraço a envolveu, apoiando-a com sua força. A intimidade veio junto, reconfortante e
estimulante ao mesmo tempo. Ela não sabia se ele pretendia seduzi-la. E não se importava. Seu
coração sentia gentileza nele e preocupação genuína. Ambas as coisas transformavam o desejo de
Christian, e até mesmo seu poder, em algo menos ameaçador.
Ele ergueu o queixo dela com a curva do indicador e acariciou seus lábios com o polegar. Beijou-
a novamente, de maneira quase discreta.
– Acredita em mim, não é? Acredita que não fiz nada para prejudicar ou trair seu pai e você?
No momento, ela acreditava. Seu abraço havia banido a raiva e a desconfiança. A mais doce
calma se estabelecera, tão completa que Leona podia sentir em seu corpo as pulsações que
revelavam que não permaneceria calma por muito tempo se continuassem assim.
As águas de uma onda estavam se reunindo. Agora não estavam em um jardim perto de uma festa.
Era hora de correr e se abrigar ou ser levada.
Ele a beijou de novo. Atraiu-a de forma ainda mais íntima. O prazer se espalhou por seu corpo
como uma correnteza por centenas de caminhos, deixando-a trêmula.
Ele era bom na arte da sedução. Bom demais. O prazer no jardim aquela noite a havia deixado
com menos defesas. A expectativa daquele êxtase falava mais alto do que qualquer precaução.
Quaisquer que fossem as intenções de Christian com aquele primeiro beijo, agora ele tinha outras.
Não havia nada de hesitante no modo com que ele a segurava ou em sua expressão à medida que seus
beijos avançavam pelo pescoço dela. Suas carícias passaram ao corpo. A sensação agradável fluiu e
se elevou, até que a afogou por completo.
Ela ficou ofegante quando a boca dele provocou um calor vigoroso em seu sangue. Ela se
arqueou, aproximando-se mais do corpo firme de Christian, e virou a cabeça para que ele pudesse
fazer pior.
O abraço era tão próximo e apertado que ela sentia as batidas do coração dele. A voz áspera e
baixa junto a seu ouvido.
– Onde fica o seu quarto?
– Isabella... – murmurou Leona.
– Ela não vai interferir.
Ele a ergueu e carregou nos braços, dando passos longos. Ela mal via as portas e paredes ficarem
para trás. O coração permanecia na garganta e os olhos, voltados para o rosto dele. A subida da
escadaria foi feita em um estado onírico, extasiado.
Ele encontrou o quarto. Segurou-a durante mais um beijo quente e reconfortante, depois a deitou.
Tirou o casaco e se juntou imediatamente a ela, com botas e tudo, como se soubesse que,
percebendo-se naquela posição, ela tivesse medo.
Ele a beijou, e todas as dúvidas e pensamentos se recolheram. Ela o puxou para mais perto, em
busca de conforto e calor. A mão confiante desceu por seu corpo, criando expectativas deliciosas
daquela carícia na pele. Ele a dominou com seu corpo, seu abraço e seu poder, e ela se rendeu.

Uma avidez tomou conta dele. Penetrante. Agressiva. A aceitação no abraço dela, os beijos ardentes
e as mãos que o agarravam faziam com que ele perdesse o controle. Ele se esforçava para se conter e
estava admirado de não ter rasgado as saias dela e a possuído de uma vez.
Antes de domar a própria ferocidade, quis levar as mãos entre as coxas dela com carícias que
deslizavam para cima e para baixo. Ela movimentava o quadril ao seu toque. Os gemidos e a
umidade mostravam que ela estava excitada o bastante, mas seria estúpido e impensado possuí-la
naquele instante, não importava quanto seu corpo estivesse preparado.
Beijou-a profundamente enquanto continha o ímpeto implacável que o compelia a ir adiante.
Tirou-a de seu frenesi por um instante. Uma careta de frustração demonstrou que ela não ficara nem
um pouco satisfeita.
Ele beijou sua testa franzida.
– Não vai ser bom para você se fizermos assim. Não quero machucá-la.
Ela fez um sinal positivo com a cabeça, mas sua expressão não se alterou. Ele a virou de lado e
começou a desatar as amarras do vestido.
Ela tentou se desvirar quando percebeu o que ele fazia. Christian a deteve com uma leve pressão
sobre o ombro.
– Não me impeça. Resta-me muito pouco para ver, e não pode me negar.
Ela não tentou impedi-lo de novo. Talvez pelo estado em que se encontrava. Ou talvez a
resistência tivesse sido mais instinto do que vontade.
Agradou-lhe despi-la. Fez o vestido escorregar completamente e ateve-se ao espartilho. Ela
arfou, como se isso a afetasse tanto quanto as carícias preliminares. Ele a deitou de costas.
Com os olhos escuros semicerrados, Leona o observou tirar seu espartilho. A sensualidade de seu
corpo já ficava visível sob a combinação transparente. Ele deslizou a peça de roupa até que ela
ficasse nua, à exceção das meias e das belas ligas que subiam pelos joelhos. Elas acrescentavam um
toque erótico. Christian decidiu mantê-las.
Ela era linda. Mais bela do que imaginava quando a despia em sua mente ao longo dos anos desde
que se conheceram.
Os seios fartos eram rosados, arredondados e firmes. Os mamilos escuros estavam intumescidos e
provocantes. Ele percorreu o volume com os dedos, depois desceu pela linha da cintura até a curva
do quadril. Espalmou a mão sobre seu ventre, desfrutando o contraste da pele macia e brilhante por
entre seus dedos.
Abaixou a cabeça e beijou a lateral de um dos seios, depois o bico do mamilo. Ela se contorceu
sensualmente com a sensação, e seu olhar ficou turvo.
– Você é perfeita – disse.
Ele não tinha nenhuma vantagem em relação a ela, além da conexão imediata que se formava
sempre que seus olhares se encontravam e da intimidade espiritual que a sexualidade criava. Quando
dava prazer a ela, explorava um mistério, como qualquer outro homem, e tinha que contar com
instintos primitivos. A normalidade daquilo o fascinava, assim como a descoberta de que os
sentimentos mais arriscados podiam ser os mais profundos.
Em sua nudez, Leona se deleitava com suas carícias. Uma expressão indescritível suavizou seu
rosto. Ele viu o prazer nela. Sentiu. E, conforme ela ficava mais perdida, mais desinibida, ele sentia.
Sem medo. Sem hesitação. Ela aceitava mais do que o corpo dele. Uma proximidade mais
profunda existia em seu desejo e calor, nos gemidos e na entrega. Um estado similar ao núcleo escuro
se formou, só que ela também estava lá. Não era vazio e feito de abnegação, mas repleto de
necessidade e vibrante de êxtase iminente.
Ele tirou as próprias roupas enquanto beijava suas curvas suaves. Estimulou o mamilo dela com a
língua até fazê-la gemer. Utilizou a boca e a mão para levá-la à loucura. Queria que ela gritasse,
implorasse por ele, então a possuiria no auge de seu prazer, para que ela nunca mais tivesse dúvidas
de que seu lugar era com ele.
O corpo dele ficava mais rígido a cada indicação da excitação dela. A escuridão se fechou ainda
mais. Ele afastou as pernas dela e se ajoelhou entre elas, olhando para Leona. A imagem era tão
erótica que ele rangia os dentes para controlar a ferocidade da própria pulsação.
As pálpebras dela se abriram, revelando olhos brilhantes e extasiados. Ela o viu estender os
braços e passar as mãos por seus ombros e ao redor dos seios. Ficavam ainda mais cheios, mais
rígidos e extremamente sensíveis à medida que ela se aproximava do clímax.
Ela olhou para as mãos dele e sua respiração ficou mais rápida. Arqueou-se quando ele estimulou
seus mamilos com cuidado e soltou um gemido baixo de desejo. Ele a acariciou no quadril, até o
espaço entre as coxas. A umidade cintilava nos pelos escuros que contornavam a carne macia e
rosada que sua posição expunha.
Ela não tentou de modo algum conter o delírio. Ofegou ao primeiro toque, depois emitiu alguns
gemidos enquanto ele a acariciava de formas que sabia que fariam com que ela gritasse ainda mais.
Christian sentia seu pulso cada vez mais forte e a escuridão obscurecendo todos os pensamentos,
exceto pelo ímpeto de possuí-la. Primeiro, fez com que Leona atingisse o clímax, de modo a diminuir
qualquer dor, depois encaixou sua ereção em sua passagem estreita, deixou-se cair em seus braços e
a penetrou.
O corpo dela resistiu. Nem mesmo os espasmos do orgasmo obscureceram sua dor. Ele cerrou os
dentes e esperou o pior passar. Levantou um dos joelhos dela até seu quadril para abri-la e facilitar
as coisas para ela.
Sua respiração aquecia o peito dele. Ele se movimentava com cuidado, contendo o ímpeto
violento de ir mais fundo e com mais força. Lentamente, ela relaxou, se abriu, aceitou. Ela olhou nos
olhos dele e o enfeitiçou com o próprio delírio.
O núcleo escuro então cresceu. Nada mais existia além da pele dela junto à dele, do imenso
prazer e da percepção de duas pessoas que chegavam juntas ao êxtase.
O mundo todo se abriu. Por um longo instante de arrebatamento, sua consciência desapareceu. O
núcleo escuro não se desfez, contudo. Em vez disso, absorveu tudo, em uma plenitude que lhe fora
prometida desde a primeira vez que ele olhara dentro dos olhos escuros e profundos de Leona.

Ela não queria voltar a si. Era prazeroso demais flutuar desse jeito, para algum lugar acima do
mundo, envolta pelos braços dele e nada mais.
A intimidade a acalmava. Crescia à medida que o perfume e o calor de Christian invadiam sua
cabeça. As batidas de seu coração soavam nos seus ouvidos, mais baixas agora, não mais o ritmo
crescente em busca da explosão.
Aos poucos, ela foi tomando consciência de sua nudez à brisa fria do início da noite. Notou seu
rosto no peito de Christian e que ele a abraçava. Sentiu-se pequena junto dele, mas não tão
vulnerável quanto quando ele estava dentro dela e seu poder fluía descontroladamente, demandando
entregas que ela não esperava.
Abriu os olhos e observou o corpo dele. No calor da impulsividade sensual, não o observara
despir-se. Nem havia se espantado ao vê-lo sem roupas, ajoelhando-se sobre ela, cabelos escuros
emoldurando pupilas que quase se incendiavam ao olhar para ela. Agora a nudez dele a deixava mais
ciente de tudo. O corpo dele fazia com que ela se lembrasse muito francamente das implicações do
que acabara de fazer.
A satisfação não lhe permitia pensar muito a esse respeito no momento. Não renegaria o mundo e
suas regras, mas ainda não precisava convidá-los para entrar em seu quarto. Ela deixou o olhar
descer pelo abdome liso de Christian até os pelos escuros encaracolados e o pênis que repousava.
Passou para as pernas, uma delas meio dobrada. Muito bonitas, notou, com pelos escuros cobrindo
músculos firmes.
Ela se aconchegou mais no calor dele. Sentiu algo úmido na barriga e nas pernas. Olhou para o
próprio corpo e viu riscas de sangue nas coxas.
Uma lembrança lhe ocorreu: sua surpresa quando ele saíra de dentro dela ao atingir o clímax. O
próprio descuido lhe permitira não mais do que uma breve sensação de perda e um pequeno alívio
por ele ter sido mais cuidadoso com seu futuro do que ela mesma.
A cabeça de Leona subia e descia levada pelo movimento do tórax de Christian. A respiração
dele estava tão regular que poderia estar dormindo. Ou meditando. Só que não estava. A mão de
Christian continuava na cabeça dela, os dedos penetrando languidamente seu coque de modo
encantador e reconfortante.
– Está dormindo, Leona?
Ela virou o corpo para poder encará-lo. Seu coque despencou e os cabelos se derramaram sobre
o ombro. Ela vislumbrou uma pilha de grampos sobre seu travesseiro. Tirou mais um, que pendia
próximo a seu olho. Os cabelos se soltaram ainda mais.
– Ajoelhe-se para que eu possa vê-la – pediu ele.
Quando ela o fez, os cabelos penderam ao redor do corpo em cachos indomados que faziam
Branca praguejar quando Leona era criança. Ela puxou o canto do lençol para esconder a parte do
corpo que os cabelos não cobriam.
Ele esticou o braço. Um belo braço, que revelava mais força do que sua silhueta alta e esguia
indicava sob as vestes. A mesma robustez rígida podia ser vista em seus ombros e no torso. Para um
recluso, ele parecia surpreendentemente atlético.
Pegou o canto do lençol e o puxou. A nudez dos dois de repente fez com que ela se sentisse
tímida. Uma coisa era estar assim no frenesi do desejo; outra, à luz do dia, com a racionalidade
retomada.
– Você é perfeita – disse ele. – Sempre soube que era.
As palavras de Christian a tocaram, e não pela lisonja. Ele aludia ao passado e ao tempo que
ficaram separados. Seria bom acreditar que ela não havia saído da cabeça dele por todos aqueles
anos e retornado apenas quando ele vira seu nome no cartão de visitas entregue à tia dele.
O olhar dele quase fez com que ela acreditasse, mesmo sabendo que não era perfeita. Nem estava
perto de ser. Certamente não tinha uma beleza tradicional, ainda mais em Londres. Agora, depois do
que haviam feito, ele a enxergava com olhos muito gentis.
– Deveria ir para minha casa, como convidada de minha tia. Mandarei os criados levarem seus
pertences amanhã.
– Não seria uma decisão muito sábia. Você já anunciou seu interesse por mim. Se eu for morar
naquela casa, todos pensarão... todos saberão que...
A objeção parecia tola até mesmo aos ouvidos dela. Todos pensariam e saberiam o que já
pensavam e sabiam. Só que não era tolice.
– Não quero que a sociedade me anuncie como sua amante. Não quero esse tipo de notoriedade.
Não seria sábio de minha parte ser tão indiscreta ou tão dependente.
Ele não deu atenção ao argumento dela. Mas era Easterbrook, e era homem, e não se importava
com o que a sociedade pensaria.
– Então vai me forçar a me esgueirar por sua porta e sair antes do amanhecer? Seria preferível
que você estivesse no andar de cima ou no fim do corredor.
– Certamente seria. Aí você poderia retomar seus velhos hábitos, satisfeito em saber que poderia
ter prazer com pouca inconveniência.
Ela se curvou e o beijou.
– Sei que não é de seu feitio frequentar aquelas festas. Fico lisonjeada que me quisesse o
suficiente para se dar esse trabalho. No entanto, não posso viver isolada assim com você. Sou uma
pessoa do mundo e tenho responsabilidades que exigem que eu permaneça nele e que tome algum
cuidado com minha reputação.
– Isso não passa de uma desculpa.
Christian fixou sua atenção nos olhos dela.
– Você não quer que eu a tenha para mim, é isso que quer dizer. Não quer admitir que é minha.
Não é a sociedade que você quer ludibriar. Somos você e eu.
A verdade doeu. De repente, as negociações em tom de brincadeira terminaram.
– Não posso ser sua porque você não pode ser meu. Ou presume que essas coisas sejam
unilaterais?
– Acho que ambos somos incapazes de negar como vai ser.
– Uma tarde de paixão não cria os laços que está descrevendo, e sou madura o bastante para
aceitar isso. E nem alguns meses de prazer, caso nos encontremos dessa forma nas próximas semanas.
A expressão dele ficou mais severa diante da alusão à sua partida da Inglaterra.
Aquela aura magnética, invasiva, fluiu dele. Seu olhar procurava, como se tentasse ler os
pensamentos de Leona. Ela os escondeu de imediato, dele e de si mesma.
Christian pegou na mão dela e a puxou para si. Rolou para que ficasse sobre ela na cama,
olhando-a nos olhos.
– E eu que pensei que você tivesse se rendido. Parece que terei que fazer ainda melhor quando
nos encontrarmos dessa forma nas próximas semanas, Leona.
CAPÍTULO 11

Sons vagos do despertar de Londres entraram junto com a brisa. Christian ouviu o ruído distante das
primeiras carruagens e carroças descendo pelas ruas.
Leona dormia em seus braços. Observar sua feminilidade e suas curvas suaves era um deleite. Ele
poderia passar o dia inteiro assim. Haviam descansado pouco ao longo da noite e ela dormia
profundamente.
Os momentos de prazer tinham sido muito bons. Se bons o suficiente, ele ainda descobriria. Não
queria mais nenhuma dúvida da parte dela a respeito de como seria seu relacionamento. Preferia não
propor algo formal, mas o faria se ela desejasse.
E talvez fosse esse seu desejo. Ela havia mencionado segurança quando conversaram sobre
Pedro. No momento, sua única segurança era um lugar na casa do irmão.
Ele era um idiota. É claro que uma mulher se preocuparia com isso. Principalmente Leona, que já
havia passado por tantos momentos de insegurança quando os negócios do pai estremeceram sob o
golpe daqueles terríveis obstáculos quando ela era tão jovem.
Ele olhou para sua expressão sonhadora. O rosto junto ao peito dele. Podia ver longos cílios
escuros e os lábios carnudos, levemente afastados. Os cachos negros caíam sob o braço e o ombro de
Christian.
Alguns pássaros pousaram na árvore diante da janela aberta. Seu canto ecoou no quarto. Um leve
murmúrio se ouvia abaixo dele. Christian fechou os olhos e se concentrou naquele som mais
profundo.
Era humano, e uma parte chegava a ele não em ondas sonoras. Fazia horas que ele estava livre de
intromissões daquele tipo, desde que entrara na casa de Leona.
Deu-se conta de que vinha do jardim abaixo da janela. Desvencilhou-se de Leona e se levantou da
cama. Foi até a janela e olhou para fora.
Isabella estava lá, usando um traje chinês simples. Seus cabelos pretos e longos estavam soltos,
indício de que ela acabara de se levantar. Ela falava em voz baixa com dois homens, mas os gestos
agitados faziam as largas mangas de sua vestimenta flutuarem em volta dela.
Os três pareciam discutir. Com as cabeças bem próximas, falavam tão baixo que pouco mais de
um zumbido irritante chegava à janela.
– O que, em nome de Zeus, você está fazendo aí embaixo, Phippen?
Choque. Alarme. Três rostos olharam para ele no andar de cima. Phippen ficou paralisado, depois
correu para trás de Miller e olhou para a janela protegido por seu escudo.
Miller sorriu, sendo um jovem imaturo demais para perceber que sua cabeça ficara a prêmio.
– Sentimos muito se o acordamos, meu senhor. Mas pode ter sido melhor assim. Esta criada se
recusava a chamá-lo.
– É porque ela sabe quanto isso me desagradaria. Por ser uma boa criada, ela sabe a importância
da discrição e o valor de ser invisível.
Os olhos de Phippen se arregalaram. O sorriso de Miller vacilou.
– Não estaríamos aqui se o assunto não fosse importante, senhor. Ontem à noite chegou um recado
de seu irmão, lorde Hayden.
Hayden só mandaria recado na calada da noite por uma razão.
– Terminou? Já foi?
– Sim, meu senhor. Lady Alexia deu à luz e...
– Ela está bem? E a criança?
– Sim, meu senhor. Ficamos esperando seu retorno ontem à noite. Quando não voltou, eu disse a
Phippen que devíamos tentar localizá-lo, já que estava à espera dessa notícia e... Peço desculpas,
mas imaginei que pudesse estar aqui.
– Muito bem. Phippen, suba aqui. Ajude Isabella a preparar os banhos. Miller, vá até a casa de
Hayden e diga a ele que chegarei logo.
Ele saiu da janela e encontrou Leona sentada na cama. Ela parecia confusa.
– Por que está gritando pela janela?
– Eu não estava gritando.
– No final, estava. Todos os vizinhos devem ter escutado. É provável que os tenha acordado. É
certo que me acordou.
Ela rastejou para fora da cama e se aproximou, alheia à própria nudez e à dele. Olhou para baixo.
– Quem estava lá fora?
– Um empregado e meu pajem.
– Isso é rotineiro? Que seus criados o sigam na casa de suas amantes?
– Eles vieram em uma missão especial.
Ele contou as notícias sobre o nascimento do sobrinho.
– Phippen ajudará Isabella com os banhos e outras coisas. Mas nós precisamos nos apressar.
Quero partir em uma hora.
– Nós?
– Quero apresentá-la a Alexia. Vai gostar dela.
Ela o olhou como se ele estivesse louco. Ou pelo menos meio louco.
– Ela acabou de dar à luz, Easterbrook. Não vai querer receber visitas de estranhos.
– Não sou nenhum estranho. Quanto a você, ela não vai se incomodar. Ficará feliz em conhecê-la.
Tenho certeza.
Um rangido na porta chamou a atenção dele para a nudez de ambos. Pegou suas roupas e vestiu as
calças.
– Acredito que haja outro cômodo para Phippen e eu usarmos. Diga para Isabella se apressar.
Ele a beijou rapidamente e abriu a porta. Isabella se assustou com sua aparição repentina, depois
baixou os olhos de seu peito nu. Ele passou por ela e foi procurar Phippen.
Uma amante e um sobrinho. A noite fora excepcional.

Leona gostava de pensar que havia adquirido uma sofisticação cosmopolita no decorrer dos anos.
Sabia que tinha talento para se adaptar aos variados costumes de outras terras.
Escondia o cabelo e o rosto quando estava em países onde as mulheres se cobriam. Comia
qualquer alimento que lhe fosse servido em jantares, mesmo se não conseguisse identificar os
ingredientes exóticos. Já havia negociado com homens de todas as cores e religiões, mas nunca
tentara desempenhar o papel de um homem. Os lucros que oferecia criavam pontes sobre quaisquer
abismos que ser mulher pudesse criar, contanto que ela não tratasse seus costumes e crenças com
desdém.
Londres não era Macau. Havia sutilezas de comportamento que diferiam daquelas de sua terra
natal, ainda que Leona fosse essencialmente europeia. Ela havia notado as nuances rapidamente e se
esforçava ao máximo para respeitar o modo inglês de fazer as coisas.
Tudo isso significava que, quando descia a Hill Street com Easterbrook no coche dele, Leona
tinha certeza absoluta de que o convite dele fora uma péssima ideia. Não estava ansiosa para o que
prometia ser uma apresentação extremamente inoportuna.
Ela não conseguira chamá-lo à razão. Naquela manhã, ele era Easterbrook, um homem certo de
seus privilégios e julgamentos, impaciente com regras que se aplicavam apenas aos de menor
envergadura. Ele praticamente a arrastara para dentro da carruagem quando ela protestara.
A criada que estava na porta pegou o chapéu e as luvas de Christian e o mantelete que Leona
usava para se proteger da umidade matutina. Phippen e Miller haviam levado roupas limpas para a
casa dela, então Easterbrook revelava o máximo de sua altivez quando foi conduzido à sala de estar
com Leona.
Ele ficou andando de um lado para outro enquanto aguardavam, absorto em pensamentos, tão
alheio à presença de Leona que ela se perguntou por que a havia levado. Então um homem apareceu.
Lorde Hayden Rothwell, sem dúvida. Ele se parecia com o irmão mais velho em muitos aspectos,
apenas o rosto apresentava diferenças sutis que o deixavam ainda mais sério. Austero, na verdade.
Ele percorreu a sala com o olhar e ficou olhando para ela por um longo instante. Leona sentiu uma
pontada no estômago e se preparou para receber, no máximo, uma cortesia seca.
Então ele sorriu. Foi um sorriso muito breve, mas transformou seu semblante. Ela suspeitou que,
na verdade, não fosse um sorriso para ela, mas a alegria de um novo pai se fazendo notar.
– Sinto muito, eu não estava em casa – disse Christian após cumprimentar o irmão. – Eu teria
ficado com você durante o trabalho de parto se tivesse recebido a notícia.
– Aconteceu muito rápido. Quando houve tempo para mandar o recado, já tinha terminado.
Hayden olhou para Leona, conduzindo a atenção de seu irmão.
Foram feitas a apresentações. Lorde Hayden era gentil demais para perguntar que raios ela estava
fazendo ali. Leona tentou sorrir de um modo que transmitisse seu pedido de desculpas.
– Alexia está acordada? – perguntou Christian.
– Está. Ela insistiu em pedir que você subisse.
– Eu espero aqui – Leona se apressou em dizer. – Por favor, transmita a ela minhas felicitações
pela boa notícia.
– Pode transmitir pessoalmente. Quando Alexia soube que meu irmão a havia trazido junto, quis
dar uma olhada em você.
Talvez não fosse a melhor maneira de se dizer aquilo, mas provavelmente era precisa.
– Então vamos – falou Christian. – Estou impaciente para ver meu sobrinho.
Lorde Hayden dera um passo. Ele parou e inclinou a cabeça.
– Ninguém contou?
– Contou o quê?
– É uma menina.
Christian inclinou a cabeça da mesma forma.
– Menina?
– Menina.
– Tem certeza?
– Não há como confundir essas coisas.
Ele observou o irmão, entretido.
– Está decepcionado?
– Não. De modo algum. É só que... nunca nasceu nenhuma menina. Nenhum de nós é menina.
Nosso pai não tinha nenhuma irmã. Tampouco o pai dele. Então supus...
– É algo que você tende a fazer de vez em quando, Christian. Mas posso lhe garantir que é uma
menina.
Ele estendeu o braço na direção da porta, sugerindo que eles entrassem.
Leona caminhava ao lado de um homem muito surpreso quando ela e o marquês de Easterbrook
subiram para os aposentos familiares. Quando passaram pelo escritório, ela viu lorde Elliot
conversando com alguém, um homem de olhos bem azuis e cabelos escuros.
– A probabilidade é a mesma – sussurrou ela. – Você sabe disso, não é?
Nem acreditava que estivesse fazendo tal pergunta a um homem adulto, mas ele estava realmente
surpreso.
– É claro que sei. Mas tinha certeza de que seria um menino.
– Como você pode ter certeza de uma coisa que não pode ser prevista por ninguém?
– Eu simplesmente sabia. Você nunca simplesmente soube alguma coisa?
– Não com tanta segurança quanto você. Mas acho melhor assim. De outra forma, eu poderia
simplesmente saber alguma coisa tão bem quanto você sabia isso, e acabar estando tão errada quanto
você.
Ele fechou a cara, mas sua expressão abrandou quando chegaram à porta do quarto de Lady
Alexia.
Só havia mulheres lá dentro. Todas pareciam cumprir tarefas típicas de uma enfermaria, mas o
som alegre que se ouviu ao abrirem a porta era a conversa de amigas aproveitando o tempo juntas.
Tudo parou quando lorde Hayden entrou acompanhado do irmão.
Leona permaneceu na porta, pronta para escapulir assim que Christian se distraísse. A atenção das
mulheres se concentrou nele, mas Lady Phaedra olhou na direção dela e a saudou com um sorriso.
Outra mulher, uma loira belíssima, a olhou de cima a baixo.
Na cama, coberta com um lençol limpo, estava a nova mãe. Tinha cabelos escuros, um rosto
agradável e olhos que pareciam quase violeta sob a luz da manhã filtrada pelas cortinas translúcidas.
Uma transformação ocorreu conforme os ocupantes do quarto se adaptavam à presença do
marquês. Mesmo em família, ele era Easterbrook. Sua posição e seu título, sua autoridade como
chefe dos Rothwells, introduziam um tom de formalidade no jeito como o saudavam. Até Lady
Phaedra ficou mais contida, em reação ou em deferência ao modo como ele dominou o quarto.
Apenas Lady Alexia não pareceu impressionada. Seu sorriso sonolento continha uma ternura
particular e seus olhos se iluminaram de tal forma que sugeriram uma empatia secreta com o cunhado.
Ele foi até a cabeceira da cama e beijou a testa dela.
– Está com uma aparência ótima, Alexia. Hoje é um grande dia para nossa família.
– Quer vê-la?
– É claro que sim.
– Rose, por favor, traga Estella.
A mulher de cabelos loiros foi até um bercinho enfeitado com babados e rendas. Ela pegou um
pequeno embrulho e o colocou nos braços de Alexia.
Easterbrook ficou olhando para o rosto da criança por um bom tempo. Depois, sem pedir
permissão, pegou com cuidado o embrulho nos próprios braços para poder ver mais de perto.
Leona observou a expressão dele enquanto segurava o bebezinho. Ela reconheceu aquele olhar
sério e profundo e sentiu a energia obscura procurando alguma coisa. Não era ameaçador, mas
Christian ficou tanto tempo olhando fixamente para a criança que os outros começaram a estranhar.
– Hayden, recomendo que fique de olho em sua filha nos próximos dezesseis anos – disse por fim.
– Não quero ter que matar muitos jovens para protegê-la.
As mulheres riram. Easterbrook devolveu a criança para os braços de Alexia e passou o dedo no
rostinho da menina.
– Bom trabalho, cara irmã.
Os olhos de Lady Alexia se encheram de água. Os de Leona também. Aquilo a fez lembrar de que
estava invadindo um momento íntimo. Deu um passo para trás para sair discretamente.
Era tarde demais. Easterbrook se virou e a notou. Fez sinal para que ela se aproximasse. Então
todos se voltaram para ela, que não teve escolha além de ir até ele.
Depois de dar e receber sua bênção, Christian estava determinado a arruinar o momento
demonstrando uma arrogância de que apenas ele era capaz.
– Trouxe uma pessoa para conhecê-la, Alexia. Já deve ter ouvido falar dela, e eu sabia que estaria
curiosa.
Os olhos de Lady Alexia encontraram os de Leona compartilhando sua empatia diante da falta de
tato do marquês.
– Phaedra já me contou sobre sua nova amiga, Easterbrook. E eu li a carta de Leona no Banquete
de Minerva. Foi gentileza sua perceber que eu logo ficaria entediada nesta cama e imaginar que
conhecer a fascinante Srta. Montgomery seria uma forma agradável de entretenimento.
E, com essa fala cuidadosa e atenuante, Lady Alexia acabou com as implicações escandalosas da
coincidência que uma busca pelo marquês no início da manhã tivesse resultado na presença de Leona
em sua casa.
Lorde Hayden tirou o irmão do quarto. Leona se sentou em uma cadeira ao lado da cama de
Alexia. Aqueles olhos violeta se fixaram de forma pensativa por um longo momento na porta que se
fechou, depois se voltaram para Leona com curiosidade.

Hayden levou Christian para a biblioteca, desviando do escritório onde Elliot estava com Kyle
Bradwell, marido de Rose, prima de Alexia.
– Ela é adorável, não é? – comentou Christian.
– Muito. De uma forma singular. Particularmente os olhos – concordou Hayden.
– Ouvi dizer que a cor dos olhos muda nos primeiros anos. Acha que ficarão violeta como os de
Alexia?
Hayden pareceu perplexo, depois sorriu.
– Ah. Você está falando da minha filha. Pensei que estivesse pedindo minha opinião a respeito da
Srta. Montgomery.
– Eu já sei que a Srta. Montgomery é adorável. Mas não tenho experiência com bebês de menos
de um dia de vida.
Embora a alegria envolvente de Hayden não tivesse diminuído, outra emoção surgiu. Cautela.
Hesitação.
– Fiquei feliz em conhecer a Srta. Montgomery, Christian. Tranquilizou-me, de certa forma.
– Palavra estranha. Tranquilizar. Não sei se devo me sentir encantado ou insultado por sua
preocupação.
– Nenhuma das duas coisas. A atenção pública que tem dado a ela é tudo o que se comenta por aí.
Nunca aconteceu antes, se não me falha a memória. Fiquei mais tranquilo ao ver que não se trata de
outra Sra. Napier, apenas isso.
– Ficou com medo de acabar com uma cortesã experiente como cunhada?
– Mais ou menos isso. Por sinal...
Christian esperou pelo resto. Seu irmão queria dizer alguma coisa, mas o bom senso aconselhou
que ficasse em silêncio.
– Sua filha está fazendo com que se sinta paternal em relação a Leona também, Hayden? Talvez
toda essa falação das pessoas o perturbe e você se preocupe que eu seja descuidado em relação à
reputação dela.
– Se essa é a primeira coisa que supõe, talvez esteja simplesmente expressando as próprias
preocupações. Mas tenho motivos para acreditar que a Srta. Montgomery tenha plenas condições de
cuidar de si mesma da maneira que julgar conveniente.
A boa avaliação terminava ali. Christian ficou esperando pelo restante da explicação, que
certamente viria.
Levou algum tempo. Hayden pediu café. Descreveu a loucura dos últimos dias. Elogiou a prima
de Alexia, Rose, pela devoção e ajuda incansáveis. Acomodou ambos em cadeiras para tomar o café
e, finalmente, depois de passada quase uma hora, chegou ao ponto.
– Andei fazendo alguns questionamentos em nome da Srta. Montgomery, como havia me pedido.
– É muito atencioso de sua parte, considerando a condição de sua esposa.
– Alexia me mandou sair de casa algumas vezes na semana passada. Eu estava me tornando uma
amolação. Então fiz isso para me ocupar.
Ele colocou a xícara sobre a mesa.
– Pois fiquei sabendo que a Srta. Montgomery é conhecida. Tenho o nome de alguns negociantes
que ficariam felizes em marcar uma reunião com ela. No entanto...
Christian ficou aguardando.
– Você sabe mesmo o que esperar dela, Christian? Sete anos é um período longo na vida de uma
pessoa.
Era uma pergunta interessante. Christian sabia que ainda tinha a Leona do passado, mas ela não
era exatamente a mesma pessoa. Aqueles sete anos a haviam deixado mais madura em diversos
sentidos, aprofundado suas complexidades e iluminado seus pontos altos. Sua essência, no entanto,
fora reconhecida imediatamente por ele.
– O que acha que eu devo saber, Hayden?
– Eu disse que ela era conhecida. Devo explicar melhor. Ela assumiu as rédeas daquela casa de
comércio pessoalmente e encontrou modos de sobreviver. Navegou mares com seus capitães e correu
riscos que alguns homens temeriam, tanto nos negócios que fechou quanto no que se referia à própria
segurança. É conhecida entre transportadores que trabalham no Oriente. Até mesmo infame para
alguns.
– Não está me dizendo nada que eu não saiba ou que nunca tenha conjecturado. Agradeço seus
esforços em meu nome e em nome dela. Agora, quem são esses comerciantes que podem beneficiá-
la? Aqueles que estão ansiosos para conhecê-la por seus intentos, não apenas para satisfazer a
curiosidade sobre a mulher comerciante que navegou os mares do Oriente.
Hayden parecia aliviado por não ter feito nenhuma revelação. E não tinha mesmo. Christian
admitia, contudo, que em sua perseguição a Leona não dera muito peso para aqueles sete anos e como
suas experiências podiam ter afetado a visão dela sobre o destino. Os instintos de Hayden a esse
respeito não deviam ser totalmente desconsiderados.
Hayden lhe forneceu dois nomes.
– Acho que deve entrar em contato com St. John primeiro – disse ele. – Um de seus capitães já fez
alguns negócios com a Sra. Montgomery, e ele será o mais acessível e mais útil. No entanto, ele
pediu para falar com você antes, em particular.
– Por quê?
– Talvez queira ter certeza de que um marquês não ficará perturbado se ele forjar as alianças que
a Srta. Montgomery procura.
– Ou talvez queira garantir que um marquês lhe deva um favor se ele fizer isso.
– Em ambos os casos, cabe a você decidir como funcionará o acordo.
Em outras palavras, St. John – e provavelmente alguns outros – satisfaria um marquês da forma
como um marquês quisesse ser satisfeito. Em troca, o lorde em questão ficaria devendo àqueles
homens, com pagamentos na forma de favores que influenciem governo e finanças.
Uma palavra dele e Leona teria sua aliança com St. John e também com outros.
Uma palavra diferente e ela não teria aquelas alianças. Nem agora e, talvez, nunca.
Hayden sugeriu que eles se juntassem a Elliot e Kyle. Enquanto seguia para o escritório, Christian
pesou as implicações da conversa que acabara de ter com Hayden. Parecia que seu apoio à missão
de Leona poderia dar frutos rapidamente.
Infelizmente, se isso acontecesse, Leona poderia concluir que não tinha mais motivos para
permanecer na Inglaterra.
CAPÍTULO 12

Leona pegou no sono na carruagem enquanto Easterbrook a levava para casa. Só acordou quando se
aproximavam da Bury Street.
Abriu os olhos e o encontrou meditando. De olhos fechados e imóvel, de frente para ela, era como
uma estátua de tanta paz. Ela se esforçou ao máximo para não fazer nenhum barulho que pudesse
incomodá-lo; ainda assim, logo suas pálpebras se ergueram.
– Você parecia estar num sono profundo – disse ele. – Achei que não fosse se importar.
– Deve estar mais descansado do que eu.
O sono dela não fora profundo. Sua mente trabalhara o tempo todo, evocando imagens da noite
anterior, do passado, de sua casa em Macau. Seu irmão havia invadido o nítido sonho, o rosto tão
cristalino e real que ela chegou a acreditar que, de fato, estivesse com ele.
– Lady Alexia foi muito gentil – comentou ela. – Apesar da exaustão, sua cunhada se esforçou
para me entreter quando me deixou com ela. Falou muito bem de você. Acho que ela lhe tem uma
verdadeira afeição de irmã.
Leona também havia tido uma conversa particular com Lady Phaedra, uma conversa muito
esclarecedora a respeito do homem que assinara a nota de falecimento de seu pai, mas ela não
contaria a Christian. Isso apenas reacenderia a discussão do dia anterior.
– Alexia tem minha admiração e afeição em troca. Há poucas pessoas realmente boas no mundo,
mas eu soube que ela era uma delas assim que a conheci.
Ela quase fez uma provocação sobre suas supostas alegações de conhecer o coração dos outros,
mas se tratava de uma opinião sobre a qual ela não gostaria de desiludi-lo. Ela também havia sentido
uma bondade inata em Lady Alexia, além de grande franqueza.
– A prima dela, Rose, é uma mulher linda e nem um pouco convencida – afirmou ela. – Aquele
homem que estava no escritório com seu irmão é o marido dela?
– Sim. Roselyn Longworth e Kyle Bradwell se casaram no início do ano. Há um belo escândalo a
respeito dela. Você provavelmente ficará sabendo. Disseram-me que o burburinho está perdendo
força, mas creio que nunca desaparecerá por completo.
– Na verdade, a única fofoca que ouvi sobre sua família, além das que dizem respeito a você, foi
sobre seu irmão Hayden e Alexia.
– Ele agiu da forma honrada ao se casar com ela, mas agora é um casamento por amor. Estou
surpreso por ainda haver boatos. Apenas idiotas achariam interessante um escândalo tão ínfimo.
Ele desconsiderou aquilo da mesma forma que fizera ao falar de Elliot e Phaedra. Escândalos
dessa natureza não o impressionavam. Talvez acreditasse que nunca poderiam afetar de verdade sua
família. Afinal, ele era Easterbrook.
Christian acompanhou Leona até a porta quando chegaram à casa dela. Como estava se tornando
hábito, entrou com ela como se tivesse esse direito. Ela nem tentou se opor. Era difícil exigir que um
homem que vira e tocara certas partes de seu corpo que ela própria raramente via e tocava seguisse
regras rígidas de etiqueta.
Ele agora ficaria impossível. Já criava expectativas demais antes, agora seria pior. As
desvantagens dela haviam aumentado imensamente. Mesmo se tentasse limitar seus avanços, o mais
provável era que ele ignorasse suas tentativas.
Talvez ele também não quisesse que o sonho que se iniciara na noite anterior tivesse fim. Talvez
se mantivesse por perto por temer que o melhor daquela intimidade pudesse ser consumido pelo sol
se eles não permanecessem juntos para proteger sua lembrança.
– Quero conversar com você, Leona. Sobre ontem à noite. E noites futuras – disse ele enquanto
subiam juntos para a biblioteca.
– Espero que não volte a pedir que me mude para sua casa. Se for isso, por favor nem tente.
– Pretendo aceitar sua decisão a esse respeito. Contudo, gostaria de ter certeza de que sou bem-
vindo nesta casa.
Ela parou no alto das escadas.
– Você já entra nesta casa como se fosse o dono. Quanto a ser bem-vindo e ao que acontecerá
quando estiver aqui, preciso pensar a respeito, não é? Apesar do escândalo em Macau, na verdade
não estou acostumada a ser uma mulher perdida.
Ela falou em tom de deboche. Ele não recebeu a frase com bom humor.
– Não enxergo dessa forma. E nem acredito que você enxergue assim.
– A forma como interpreto o que aconteceu pouco tem a ver com o fato de você ter se empenhado
em me seduzir. Você tinha consciência de seu poder e o exerceu, eu demonstrei pouca resistência.
Não estou arrependida, Christian. Longe disso. Mas não significa que pretendo concordar com mais
noites como aquela ou em ser sua amante.
Ela tocou a boca dele, que havia assumido uma expressão muito séria.
– Era isso que estava prestes a propor, não era?
– Você está determinada a me fazer sofrer.
Ela quase riu diante da desolação dele, mas também ficou encantada.
– Se quisesse alguém que considerasse apenas o seu prazer, saberia muito bem onde encontrar.
Devo viver como julgar melhor para mim, não para você. Sei que, em seu coração, você entende
isso, apesar de fazer caretas.
A careta suavizou o bastante para indicar que ele compreendia. Talvez bem até demais.
– Então quer pesar as coisas. Fazer listas de perdas e ganhos sob todos os aspectos antes de
decidir se sou bem-vindo em sua cama novamente.
– Bem, sou filha de comerciante, Christian. Temos o costume de manter os livros contábeis em
ordem.
Ela deu um beijo travesso nele e abriu as portas da biblioteca.
Assim que entraram no cômodo, ela parou de repente. Olhou em volta, procurando por algo que
não sabia bem o que era. Algo estava fora de ordem.
– O que foi? – perguntou ele.
– Eu não sei. É estranho, mas...
Seu olhar percorreu as estantes, depois se fixou sobre a mesa. Ela se aproximou e olhou para a
superfície. Tudo estava onde deveria estar. O tinteiro em seu canto, a cera de lacre alinhada ao lado.
A lamparina...
Em sua mente, visualizou a mesa antes de sair de casa no dia anterior. Ela se lembrava de ter feito
uma anotação, depois analisar sua cópia da nota de falecimento. Havia puxado a lamparina para a
frente para segurar a beirada do papel. Quando Tong Wei avisara da visita de Lady Lynsworth, ela
abrira a gaveta e enfiara os papéis lá dentro, depois...
Uma sensação assustadora subiu por sua espinha. Ela abriu a gaveta.
– Alguém esteve aqui. Tenho quase certeza. Neste cômodo, nesta mesa.
Easterbrook se afastou. Ela o ouviu chamando por Isabella.
Isabella chegou, tremendo pelo tom irritado do lorde. Tinha um tecido em uma das mãos e uma
agulha na outra. Havia respondido ao chamado tão prontamente que nem largara a costura.
– Alguém esteve aqui? – indagou Easterbrook.
Ela negou com a cabeça.
– Por favor, não a assuste assim – pediu Leona. – Isabella, ouviu alguém na casa ou no jardim
hoje de manhã? Depois que os criados de lorde Easterbrook saíram?
– Não. Ninguém.
– Onde esteve durante esse tempo?
– Em seu quarto. Vi alguns rasgos em sua combinação e no vestido e...
Ela ficou aflita.
– Era para eu ter ficado aqui? Ou perto da porta? Eu não sabia. Normalmente, Tong Wei...
– Você não fez nada errado. Ninguém acha isso. Não é mesmo, lorde Easterbrook? Só queríamos
saber se ouviu alguma coisa.
– Não tive a intenção de sugerir que você havia cometido um erro. Pode sair agora – afirmou
Easterbrook.
Isabella saiu às pressas. Leona se virou para a gaveta, para ver se faltava alguma coisa.
– Foi muita ousadia da parte deles, entrar nesta casa – disse Easterbrook. – Muita ousadia.
– Eu posso estar errada. Nada parece ter sumido. Talvez eu tenha só imaginado. Não tenho nada
além de uma sensação como prova.
– Sensações às vezes dizem mais do que imagens e sons. Assim como a lembrança deste cômodo
e desta mesa na última vez que esteve aqui. Não duvido que suas suspeitas tenham fundamento,
mesmo não havendo provas.
– Mas eu duvido. Mais a cada minuto. Esta biblioteca já me parece bem normal. Estou me
sentindo tola por ter feito alarde por nada.
Ele a puxou para seus braços.
– Leona, na natureza, a maioria das criaturas se protege caso seu ambiente esteja ameaçado, se
são perturbadas. Algumas fogem. Outras atacam. Elas reagem. Você perturbou o ambiente de alguém.
Precisa parar de sondar. Nem ao menos conhece a natureza da fera que pode estar atiçando.
– Não tente me dar ordens. E não venha me dizer que estou em perigo só por conta da estranheza
que senti ao entrar aqui. O mundo todo me parece um pouco diferente hoje. Talvez este cômodo não
tenha mudado nada. Talvez seja eu.
Ele não tentou dar ordens, embora ela visse que essa era sua vontade. As alusões de Leona a suas
percepções e aos outros motivos para terem mudado o detiveram. Ele segurou o rosto dela entre as
mãos, mais ou menos como fizera no dia anterior, no começo de tudo, e a beijou.
– Eu vou embora agora, para não discutirmos sobre isso justamente hoje.
Ele a soltou.
– A ausência de Tong Wei a deixou desprotegida. Mandarei homens para cá, assim você e Isabella
não ficarão sozinhas. Um lacaio virá durante o dia e meu secretário, o Sr. Miller, à noite. Nem pense
em se opor, Leona. E não saia desta casa sem um deles ao seu lado.
Ele pegou na mão dela e deu um beijo.
– Quanto à noite passada e a futuras noites, esperarei um sinal seu.

Leona desceu da carruagem. Olhou com desconfiança para o Sr. Owens, o lacaio que segurava a
porta. Estava começando a vê-lo como um carcereiro.
Lorde Easterbrook devia ter dado ordens severas a respeito de sua tarefa. Owens não saía de seu
lado quando ela não estava em casa, mesmo se pretendesse apenas dar uma volta na St. James Square
com Isabella.
No momento, sua presença incansável seria útil. Por acaso, precisava de um homem.
Ele a seguiu até o outro lado da rua e ao longo da fachada das lojas até a entrada da taverna Three
Bells.
Ela abriu a bolsa e tirou 5 libras.
– Por favor, entre e pergunte pelo Sr. Charles Nichols. Se ele estiver aí, diga que esta nota será
dele se vier falar comigo aqui fora.
– Não posso fazer isso, Srta. Montgomery. Significaria deixá-la sozinha aqui.
– Tem medo que eu seja sequestrada no breve período em que ficará afastado, com meu cocheiro
a menos de 30 metros de distância? Devo lembrar que na única vez em que fui atacada em uma rua de
Londres você estava junto com os responsáveis?
Ele ficou extremamente corado.
– Poderá me ver pela janela, de modo que não sairei de sua vista. Também ganhará 5 libras se
fizer tudo certo. Caso se recuse a me ajudar, eu mesma entrarei aí e procurarei pelo Sr. Nichols.
Ele sabia que fora encurralado. A perspectiva de ganhar 5 libras o agradava, porém Leona sabia
que ele também ponderava o lado negativo.
– Lorde Easterbrook nunca ficará sabendo – emendou ela.
Mais resignado do que convencido, ele entrou na taverna. Leona ficou na ponta dos pés para
conseguir uma boa visão pela janela. Após uma conversa com o proprietário, seu lacaio se
aproximou de um canto. Parecia que a informação de Phaedra sobre onde os escribas da imprensa se
encontravam dera frutos.
Owens acompanhou um homem até a porta. O Sr. Nichols tinha o que ela considerava uma
aparência de inglês provinciano – pálido, cabelos amarelados, feições grosseiras. Seus olhos úmidos
e avermelhados revelavam que ele desfrutava a taverna Three Bells além do que era saudável.
Ele deu uma boa analisada em Leona.
– Deve querer algo de mim em troca das 5 libras, suponho.
– Apenas uma informação. A resposta para uma pergunta, para satisfazer minha curiosidade em
relação a um dos textos que escreveu no The Times.
– A resposta é sua se eu a tiver. Está pagando muito mais do que eles pagariam por tão poucas
palavras.
– Vamos dar uma volta, então.
Ela lançou um olhar expressivo ao lacaio, para alertá-lo de que não deveria andar muito próximo
deles.
O Sr. Nichols passeava ao lado dela de forma despreocupada e casual. Ela diminuiu o passo para
que eles pudessem conversar.
– O senhor é funcionário do jornal?
Ele riu.
– Eu assisto a julgamentos e escrevo o drama. Sou dramaturgo, então levo jeito para isso. Se
conseguir deixar um julgamento engraçado o bastante, um dos jornais me dá alguns xelins.
– Conheço seus relatos pitorescos dos julgamentos.
– Verdade?
Ele ficou radiante, muito satisfeito com aquilo.
– Mas estou interessada em escritos de outra natureza.
Ela tirou a nota de falecimento da bolsa e a entregou a ele.
O homem franziu a testa, como se nunca tivesse visto aquelas palavras antes.
– Já fiz alguns desses. De membros do Parlamento e afins.
– Este foi escrito há seis anos, e o homem vivia do outro lado do mundo. Por que acreditou que
sua morte seria de algum interesse em Londres? Onde encontrou os fatos sobre sua vida?
O Sr. Nichols pareceu perdido. Mas logo se deu conta.
– Agora me lembro. Minha nossa, já faz muito tempo. Essa nota foi encomendada. Muitas vezes as
famílias pagam por notas de falecimento, e essa foi escrita dessa forma.
– Não foi a família daquele homem que lhe pagou. Outra pessoa fez isso. Tenho certeza, porque
aquele homem cujo bom nome você atacou era meu pai.
A acusação o fez corar.
– Eu apenas recebi as informações, só isso. Pediram-me para escrever com precisão, assim eu
seria pago e meu nome apareceria no The Times. Disseram explicitamente que ele havia morrido em
decorrência do ópio, mas achei melhor não ser tão incisivo.
Ele segurou a página na altura dos olhos e leu novamente.
– Mas fui muito engenhoso na maneira de construir a frase, eu me lembro. Ele também achou.
– Ele quem? Quem lhe pagou para escrever isso?
– Sinto muito se está magoada ou se segredos foram revelados. Mas não posso lhe contar quem
me contratou. Ele não era um homem comum. Era um tipo para o qual não se diz “não” facilmente, se
entende o que quero dizer.
Ele deu mais alguns passos, depois acrescentou:
– Daqueles que sabemos que é melhor não contradizer, se me faço claro.
Ele estava descrevendo um homem como Easterbrook.
– Sr. Nichols, não quero forçá-lo a falar. No entanto, essa nota de falecimento não me deixa
opção. É mentira, entende? Ele morreu do coração. O que fez é difamação. Se não revelar quem o
contratou, registrarei uma queixa.
A ameaça o alarmou.
– Não é justo tentar me arruinar, uma vez que a culpa não é minha.
– Direcionarei minha raiva de maneira mais justa se me permitir.
O Sr. Nichols parou para refletir, enrugando o rosto ao pensar. Aflito com a decisão, ele estendeu
a mão para pegar as 5 libras.
– Na época ele era o visconde de Guilford. Agora é o conde de Denningham.
Era a primeira evidência de que seu pai estivera certo. O homem que pagara por aquela nota de
falecimento era de fato um nobre, como ele alegava serem alguns de seus opressores. Infelizmente,
aquilo significava que não se tratava de algo que ela poderia confrontar com facilidade.

O problema a manteve absorta enquanto voltava para a carruagem. Ela precisava encontrar um modo
de conhecer aquele homem. O caminho mais óbvio era por meio de Easterbrook. Ele provavelmente
poderia tomar as providências para que ela fosse recebida.
Isso implicaria pedir um favor a ele. O que significava ir vê-lo antes de ter decidido o que fazer a
respeito de seu relacionamento.
Fazia dois dias que seu bom senso vinha lutando contra seus instintos, que jogariam a cautela – e,
junto com ela, sua reputação – pelos ares. Eles a incitavam a agarrar qualquer emoção ou paixão,
independentemente de serem breves ou não lhe darem esperanças. Ela não se arrependia de não ter
feito isso antes?
O problema é que já não tinha 19 anos, e a rendição contínua comprometia muitas coisas,
incluindo os motivos pelos quais ela queria tanto ser apresentada ao conde de Denningham.
Remoía o assunto em silêncio enquanto caminhava, distraída.
De repente, o mundo invadiu sua divagação. Sons retumbaram. Imagens de construções, do céu e
da rua passaram em uma sequência rápida enquanto ela era puxada para o lado com tanta força que
voou.
O mundo se endireitou. Ela viu seu cocheiro brandindo o chicote para um homem que descia a rua
a galope em um cavalo marrom.
O perigo havia passado, mas seu eco a fez tremer. Ter passado tão perto de se acidentar – ou
coisa pior – a deixou gelada.
– Peço desculpas, Srta. Montgomery – falou Owens, ofegante e com o rosto corado de agitação e
alarme. – O sujeito quase passou por cima de nós. Nem olhou quando passou pelo cruzamento.
Ele ainda agarrava o braço dela. Puxou rápido a mão quando percebeu.
– Está ferida? Talvez fosse melhor retornarmos à sua casa, assim sua criada poderá...
Já alerta, alerta demais, ela se recompôs.
– Não estou ferida. Obrigada por ser mais cuidadoso do que eu. Logo voltaremos para a minha
casa. Primeiro, no entanto, preciso fazer uma visita.
CAPÍTULO 13

Christian estava sentado em sua poltrona preferida em seus aposentos. As cortinas haviam sido
puxadas para bloquear o sol. Seus olhos também estavam fechados. Não meditava, por mais
desejasse. Em vez disso, pensava no que fazer a respeito de Leona.
A questão ocupava sua mente desde que se separara dela, fazia dois dias. Chegava até a invadir
seu sono. Pior. Até resolver o incômodo que havia se infiltrado nele na casa de Hayden, não confiava
em si mesmo para estar de novo junto dela.
Uma coisa era planejar a sedução de uma mulher, e outra coisa era ser capaz de seduzir a mulher.
Ela sempre fora isso: a mulher, o parâmetro segundo o qual julgava todas as outras e mensurava até
mesmo seus níveis de desejo.
Em geral, ele seduzia movido por impulsos e necessidades, sem se preocupar com as
consequências. Normalmente, não resultava em mais que um caso passageiro em que ele e uma
mulher experiente, como a Sra. Napier, satisfaziam um ao outro. Por isso, ele não tinha experiência
em situações como a que se encontrava agora.
Apesar de sua indiferença às noções de pecado, culpa e decência, apesar de sua firme crença de
que as regras sociais estrangulam mais do que civilizam, não podia negar que passar uma noite na
cama de Leona o levara a algumas considerações morais inesperadas depois do êxtase. A própria
hesitação em repetir o pecado condenava ainda mais sua consciência.
Ele fora implacável com ela. Isso era tudo. Estivera determinado a possuí-la e conseguira. Havia
usado o prazer para vencer o bom senso dela e sua preocupação com a reputação.
O homem primitivo não se importava nem um pouco e ainda ficava orgulhoso. O homem
civilizado sabia que era hora de avaliar o dano.
Deveria pedi-la em casamento. E o fato de essa ideia não deixá-lo arrasado era, por si só,
espantoso.
Provavelmente, tinha algo a ver com a visita a Hayden e Alexia. Aquilo fizera com que se
lembrasse do ciclo da natureza, da passagem do tempo, das coisas não vividas. A alegria do irmão e
da cunhada era quase dolorosa de ver, e sua própria alma se sentira vazia em comparação com
aquilo. Quando estava na casa do irmão, o fato de haver seduzido Leona lhe parecera egoísmo.
E havia também o bebê. Uma criança perfeitamente normal, até onde ele podia ver. Se a criança
tivesse uma sensibilidade elevada, ele teria sentido. Certamente teria sentido alguma coisa. Talvez
aquilo não obrigatoriamente passasse para a geração seguinte. Talvez...
Se pedisse Leona em casamento, ela aceitaria? Ela o havia dissuadido da ideia quando dissera,
no jardim dos Penningtons, que ele não era seu verdadeiro destino. Os relatos de Hayden sobre sua
fama entre os comerciantes do Oriente indicavam que o destino que ela previa não contemplava ver
os anos passarem sentada em uma sala de estar em Mayfair.
A terrível verdade era que casar-se com ela seria ainda mais egoísmo do que seduzi-la. Ele havia
se adaptado às próprias angústias. Conseguia dominá-las por breves períodos. Contudo, duvidava
que qualquer mulher pudesse conviver com seus efeitos sem acabar odiando o modo como afetaria a
vida dela e controlava a dele. Seria melhor ela casar-se com um louco. Ao menos poderia trancá-lo
em alguma instituição ou entrar com um pedido especial para se libertar dele.
Ele abriu os olhos nas sombras. Levantou-se e foi até a antessala de seus aposentos. Pegou uma
anotação não concluída que estava sobre sua escrivaninha. Endereçada a Daniel St. John, fora uma
tentativa nobre, porém pouco entusiasmada, de fazer com que Leona pudesse contactar as pessoas de
que precisava.
Se ele terminasse essa carta, ela poderia ir embora em uma ou duas semanas.
Ele reagia mal sempre que refletia sobre isso. A fúria o assolava, mas alguma outra coisa também
tomava conta dele. Algo parecido com medo.
Quando ela partisse, além de perder o tão raro prazer normal com uma mulher, ele voltaria a ficar
sozinho.
Teria apenas o núcleo escuro e algumas outras formas de evasão similares, que nublavam todos os
seus sentidos para que ele driblasse a maldição de saber mais do que era decente ou justo.
Ele nunca mais conheceria alguém da forma profunda e, ao mesmo tempo, pouco invasiva que
vivenciava com Leona, nem exploraria as nuances da personalidade dela que o fascinavam...
Murmúrios interromperam sua concentração. Vinham do vestíbulo. Alguém discutia com Phippen.
Ele voltou para o quarto e abriu a porta do vestíbulo. Phippen arregalou os olhos de pavor com
seu aparecimento repentino. Apontou um dedo acusatório para um lacaio.
– Eu disse a ele que o senhor não gostava de ser interrompido durante seus momentos de silêncio.
Falei que só sob tortura seria induzido a levar o cartão.
Ele cresceu mais de 5 centímetros e fechou a cara para o lacaio.
– Está vendo o que você fez?
– Meus momentos de silêncio? Phippen, isso é o tipo de coisa que se pode dizer sobre um
enfermo. Alguém que ficou louco, por exemplo.
– Meu senhor! Eu nunca...
– Onde está o cartão?
Corado e contraindo os lábios como se prendesse a respiração, o lacaio entregou o cartão a ele.
Christian leu. Leona viera. Que surpresa agradável.
Talvez estivesse lá para agradecer pela carruagem cheia de flores que ele havia mandado para a
casa dela no dia anterior. Podia ser até que o repreendesse por não tê-la visitado.
Ele se permitiu imaginar essa repreensão, passando em seguida para sua resposta, que não
envolvia nenhuma palavra.
– Leve-a para a sala de estar. Depois diga à minha tia e à minha prima que solicito a presença
delas na biblioteca. Assim que estiverem lá dentro, tranque as portas para que não possam sair.
O lacaio deu um sorrisinho, um teste para ver se a última ordem era brincadeira. Ficou sem graça
quando viu que ninguém mais ria.
– E peça para alguém levar um refresco para a Srta. Montgomery.
O lacaio saiu para cumprir as ordens. Christian se virou para Phippen.
– Descerei para a sala de estar em dez minutos. Espero estar pronto para receber a rainha até lá.
Phippen olhou para ele de cima a baixo, do rosto não barbeado aos pés descalços. Depois, com
uma expressão de sofrimento eterno, abriu a gaveta onde ficava a navalha.

Ela estava belíssima à luz que entrava pela janela. Seus olhos escuros e expressivos observavam
algo no jardim, mas também algo dentro da própria alma.
A nova moda, com cinturas mais baixas, favorecia suas formas voluptuosas. Ele a visualizou
despida da seda rosa-escuro, os cabelos livres do chapéu creme e os olhos nebulosos de desejo.
Notou a bandeja e o copo que indicavam que o refresco fora servido. Presumiu que a tia e a prima
já estivessem trancadas, mas ainda assim tratou de fechar as portas da sala.
Ela não ouviu o barulho, nem notou a presença dele. O que ocupava tanto seus pensamentos?
Ele apenas a observou por um tempo, do outro lado do cômodo. Podia vê-la por inteiro sob a luz
fria que entrava. Seu corpo se agitou imediatamente, ao mesmo tempo que foi tomado por uma alegria
indescritível. Ela sempre incitara aquela paz. O mundo só era normal e habitável no oásis que se
formava em torno de sua pessoa.
O corpo dele reagia como se houvesse ficado à míngua por anos a fio. Até o desejo parecia
diferente com ela. Fantástico. Misterioso. Puro. Ele não o combatia; em vez disso, saboreava as
contrações e o ritmo crescente do prazer.
Ela também se contraía sutilmente. Suas costas se contraíam e relaxavam. Olhou para trás, depois
se virou para ele.
Ela sabia. Seu leve rubor revelava isso. Um desalento passou por seus olhos, mas eram as luzes
da paixão que brilhavam mais intensamente neles. O desejo estava na luz, no ar e nela.
A grande questão de repente já não importava muito.

Céus!
Fora um erro procurá-lo.
Ela deveria ter engolido a impaciência de pedir esse favor a ele, ido para casa e escrito uma
carta. Podia ter simplesmente esperado sua próxima visita. Agora ele achava...
Agora poderia mostrar seu pior lado. Seu perigoso, convincente e delicioso pior lado. Era
realmente diabólico como ele podia despertar os estímulos mais perversos só de olhar para ela. Era
como se estivesse afagando seus seios, beijando seu pescoço ou acariciando aquela...
– Vim lhe pedir um favor – disse ela em voz baixa, gaguejando um pouco, como se não tivesse
fôlego suficiente para uma frase inteira.
– Não é só por isso que está aqui.
– Certamente é.
– Não, não é. E o favor pode esperar.
Ele atravessou o cômodo e a tomou nos braços.
Ardor. Insanidade. Não houve qualquer sutileza na forma como ele a beijou e nenhuma boa
maneira adequada a senhoras no jeito como ela o agarrou. De repente, ela estava junto ao corpo dele,
aprisionada por seus braços, aceitando sua paixão e retribuindo na mesma medida.
– Não foi para isso que vim – murmurou ela em meio a beijos fervorosos.
– É claro que foi.
Tinha sido? Não importava.
Sensações incríveis a distraíram. Uma sensualidade voraz destruiu toda a cautela e a vergonha.
Ela o saboreava, se deliciava com suas carícias. Seu corpo ficou impaciente. Queria que aquele
toque ousasse ir além. Incitou-o sem palavras a ser mais atrevido, e ele correspondeu como se ela
tivesse pedido em voz alta. Desejava que ele rasgasse suas roupas, que a deixasse nua para a
devassidão que sentia, para seus beijos ardentes e seu olhar perigoso.
Sua excitação se tornou insuportável. Furiosa. A expectativa a enlouquecia. Impulsivamente,
desceu a mão e envolveu a ereção dele. Christian ficou sem fôlego, depois respondeu com um beijo
selvagem enquanto ela o acariciava.
Os pés dela saíram do chão. A sala girou. Algo suave surgiu sob seu rosto. Um apoio, sob seu
abdome. A tempestade clareou de leve. Ela abriu os olhos. O apoio era o braço de um sofá. Christian
a colocara de bruços, com o rosto encostado no assento.
Ela o sentiu chegar por trás, depois as mãos dele em seu traseiro, acariciando a seda sob seu
vestido. As saias e anáguas foram erguidas devagar. Devagar demais. Leona levou o punho à boca
para silenciar gemidos que queriam escapar.
Mal podia aguentar a expectativa. Estar ciente do que ele faria e de quanto ela desejava isso a
excitava ainda mais. Até mesmo a vulnerabilidade de sua posição a torturava, juntamente com as
mais perversas carícias de prazer que ele lhe proporcionava com a boca.
Pele na pele, conforme as mãos dele afagavam seu traseiro nu e desciam pelas coxas. O estímulo
estava tão próximo de onde ela o desejava que as mãos dele a fizeram se contorcer. Ele respondeu
com um toque certeiro e devastador.
– Acho que foi por isso que veio.
Um novo toque a desmontou e ela gritou de prazer.
– Não foi, Leona?
Tarde demais para pensar ou argumentar, desesperada demais para se preocupar, ela confirmou.
Ele a acariciou com mais determinação, a ponto de Leona pensar que fosse chorar. Ela respirou
fundo quando sentiu a pressão pela qual esperava. Então ele estava dentro dela, preenchendo-a tão
completamente que ela estremeceu.
Ele saiu devagar, depois entrou de novo.
– Você vai gritar por mim novamente, querida. Vai admitir que me deseja tanto quanto eu a desejo.
E ela gritou. Ele garantiu que ela não pudesse se conter. Possuiu-a lenta e deliberadamente, de
modo que sua carência apenas aumentasse. Por fim, ela perdeu o controle por completo. Seus gritos e
gemidos ecoariam pelas paredes se ela não os tivesse abafado com a almofada.
A posição submissa em que ela se encontrava fazia-o sentir uma excitação quase primitiva. Seu
traseiro arredondado, arrebitado e sensual, emoldurado pelos babados das anáguas, se agitava um
pouco mais sempre que ele saía.
Ele se observava entrar nela e quase perdia os sentidos pela forma como ela o envolvia e
mantinha dentro de si. Era perfeito demais, quase insuportável.
Ela chegou ao clímax primeiro. Ficou mais úmida e seu corpo se contraiu em volta da ereção dele
enquanto agarrava a almofada. Um grito rouco acompanhou a beleza de seus tremores.
Ele segurou firme no quadril dela e estocou mais fundo, perdendo-se, avançando os limites que
impusera a si mesmo. A escuridão o absorveu até ele ter consciência apenas de uma sensação
sublime, de uma força enrijecedora e dos tremores de uma mulher que delirava mesmo depois de
satisfeita.
Christian sentiu que Leona estava no auge novamente na mesma hora que o próprio clímax
explodiu em sua cabeça e no quadril. Os gemidos suaves e profundos dela soavam na cabeça do
marquês quando ele perdeu toda a sua sanidade.
Ele flutuou em um limbo até sua cabeça clarear. Só abriu os olhos quando estava quase de volta a
si. Suas mãos agarravam o braço do sofá dos dois lados do quadril dela.
Ajeitou as roupas de Leona e as suas. Quando a ergueu, ela se deixou cair em seus braços. Ele
acomodou os dois no sofá.
Ela não se apressou em iniciar a conversa. Na verdade, não estava lá por prazer,
independentemente do que ele a havia forçado a dizer. Não esperava que ele gostasse do motivo real
que a levara a sua casa.
– Creio que precisa de um favor – disse ele por fim.
– Preciso? – murmurou ela, com a cabeça encostada no peito dele; então, como se houvesse
acabado de se lembrar, fez que sim. – Preciso que me apresente a uma pessoa.
– A quem?
– Lorde Denningham.
– Por que quer conhecê-lo? Ele não é comerciante. Não é praticamente nada além de um lorde.
Ela esticou o braço para alcançar a bolsa, que caíra no chão. Abriu-a e retirou um pedaço de
papel.
– Isso saiu no The Times depois que meu pai morreu. Lorde Denningham pagou ao escritor para
redigir.
A nota de falecimento era curta, mas dava a entender que a causa da morte de Montgomery fora o
vício em ópio. Leona devia estar furiosa.
– Denningham não teve nada a ver com isso. Está focando no homem errado. Eu o conheço muito
bem, desde que éramos meninos. Se estivesse envolvido em qualquer coisa minimamente secreta, eu
saberia.
– Conversei hoje à tarde com o Sr. Nichols e ele me disse que foi lorde Denningham quem pagou
pela nota. Então, independentemente do que saiba a respeito de lorde Denningham, não sabe tudo.
Dificilmente. Não havia nenhum canto obscuro na alma de Denningham.
– O Sr. Nichols mentiu. Se o confrontou a esse respeito, ele quis se livrar de você e de suas
acusações. Poderia ter escolhido qualquer nome. Até o meu.
Ela olhou com severidade para Christian e ele percebeu que a ideia chegara a lhe ocorrer. Ainda
não estava de todo segura a respeito dele. Isso fazia parte da questão com a qual ele voltaria a se
ocupar depois que o contentamento se dissipasse.
– Não vou saber se ele mentiu até conhecer lorde Denningham, não é? Vai me ajudar nisso, ou
devo encontrar outro modo?
Ele imaginou os outros modos. Todos prometiam constrangimento para Denningham e infâmia
para Leona.
– Falarei com ele primeiro. Tenho certeza de que ficará feliz em conhecê-la. Quando isso
acontecer, você entenderá o que eu quis dizer sobre essa acusação ser infundada.
Ela se aproximou dele. Um nariz quase tocou no outro.
– Você fará isso logo? Ou vai adiar, de modo que eu fique ao alcance dos planos escandalosos
que tem para mim?
Ela estava a esse alcance no momento. Ele colocou a mão sobre o peito dela, a fim de que nem
pensasse em se afastar. Os olhos de Leona se nublaram e o desejo cresceu dentro dela.
Ele começava a desfazer as amarras do vestido dela quando uma movimentação o distraiu. Em
algum lugar, não muito longe, batidas altas sacudiam a casa.
Leona ficou tensa.
– O que foi isso?
Uma voz de mulher pontuava as batidas. Gritos furiosos no corredor. Ansiedade e indignação
passavam pelas paredes.
– Isso – disse ele – foi a tia Hen.
Ele duvidava que os criados pudessem se opor à tia se ela fizesse tamanha cena. Christian teria de
esperar para ver Leona nua de novo.
Ele destrancou as portas, depois se sentou em uma poltrona. Os murmúrios e gritos ficaram mais
altos. De repente a sala de estar foi invadida por uma Henrietta furiosa, com Caroline encolhida em
seu rastro.
– Eu estava trancada!
– Isso é terrível – disse ele. – Sem dúvida um criado passou o ferrolho por acidente ou um prego
solto o fez deslizar.
– Você deveria ter nos encontrado na biblioteca – reclamou ela. – Pediram-me para esperar lá.
– O que não fez, pelo que vejo.
– Queria que eu esperasse por horas? Se a casa pegasse fogo, eu teria morrido lá.
– Eu me demorei porque a Srta. Montgomery apareceu para uma visita. Você se lembra da Srta.
Montgomery, não é, Caroline?
Caroline cumprimentou Leona com uma reverência. Henrietta a olhou com desconfiança e
praticamente farejou o ar. Então voltou toda a sua atenção para Christian.
– Ainda bem que está vestido. Não temos muito tempo. Que desastre seria se ele chegasse e você
estivesse usando aquele robe, e nós trancadas na biblioteca...
Ela estava aflita, andando de um lado para o outro na sala e inspecionando-a. Chamou um criado
e pediu que recolhesse a bandeja com o refresco de Leona.
Olhou de novo para a visitante. Demorou-se olhando para a manga levemente caída de seu
vestido.
– Se quem chegasse, tia? Estamos esperando uma visita do seu querido amigo, monsieur Lacroix?
A menção a seu amante fez a tia corar. Ela tirou os olhos de Leona.
– É outra pessoa. Um admirador de Caroline. Eu o avisei ontem à noite durante o jantar. Você
nunca me ouve?
Não, se pudesse evitar. Lembrava-se vagamente da tia falando sem parar, transbordando
ansiedade, enquanto ele remoía aquela outra questão na cabeça.
Leona pegou a bolsa.
– Já estou de saída. Foi um prazer vê-la, Lady Wallingford.
Christian foi até a porta para que Leona tivesse que passar perto dele ao sair. Havia muito a dizer,
mas, com a intromissão dramática de Hen, tudo teria que esperar.
– Foi uma agradável visita. Espero revê-la em breve, Srta. Montgomery.
– Obrigada por concordar em analisar aquele assunto para mim, lorde Easterbrook.
Leona conseguiu escapulir bem. Ele não teve tanta sorte. Henrietta se virou para ele e lhe lançou
um olhar furioso.
– Pensei que, com Caroline em casa, você fosse... fosse...
– Eu fosse me comportar tão bem quanto a senhora, tia Hen?
Ele imaginou que, tendo a filha no mesmo cômodo, a tia não quisesse discutir os modos
indiscretos de ambos no que dizia respeito a seus amantes.
Ela se recuperou de maneira admirável.
– Pensei que você fosse desejar o melhor para o futuro dela. Espero que não faça nada estranho
quando ele chegar.
– Tenho uma quantidade limitada de estranheza. Se gastar com ele, não sobrará o suficiente para a
senhora. Para garantir que não haja desperdício, pretendo me recolher aos meus aposentos.
– Não pode fazer isso! Precisa ficar aqui embaixo, onde posso ter certeza de que está disponível.
Minha nossa, seria ótimo se um homem viesse pedir a mão de Caroline e você mandasse um daqueles
bilhetes grosseiros dizendo que não está disposto a receber visitas. A maioria das pessoas pelo
menos finge que não está em casa, mas você deixa o insulto explícito. Faça isso hoje e nunca mais o
veremos novamente. O futuro de sua prima estará arruinado e a culpa será toda sua.
Em meio à repreensão, ele ouviu uma parte importante. Pedir a mão. Olhou para Caroline. Ela
corou.
– Henrietta, eu gostaria de falar com Caroline antes que ele chegue. Seja ele quem for.
– Garanto que é um homem perfeitamente apresentável e de boa reputação. Pode não ter um título,
mas ganha mais de 9 mil por ano, de forma que é um excelente partido.
– Ainda assim, gostaria de conversar em particular com Caroline. Talvez a senhora pudesse
esperar na biblioteca.
– Na biblioteca! Sou obrigada a dizer não. As trancas estão enfeitiçadas.
– Então, do lado de fora dessa porta.
Ele a pegou pelo braço e a tirou de lá. A irritação da tia se transformou em desespero quando ele
a empurrou porta afora.
– É melhor não estragar isso, Easterbrook. Ela já está na segunda temporada de eventos sociais.
Pelo menos uma vez, por favor, finja que é como os outros homens e conduza as formalidades sem
nenhuma de suas excentricidades. Se o assustar, eu nunca...
Ele fechou a porta e deixou a histeria do lado de fora. Encarou a prima.
– Caroline, quando ele vier, você quer que eu dê permissão?
– Sim, acho que quero.
– Você acha? É como eu temia. Aceitará a primeira proposta só porque todos dizem que precisa
se casar e porque quer se livrar de... bem, quer se livrar de sua atual companhia.
Para surpresa dele, ela se esticou e beijou seu rosto.
– Você é muito parecido com Hayden. Não é tão severo quanto aparenta. Não tema que eu me case
apenas para me livrar da mamãe. Só disse “eu acho” porque estou um pouco assustada e meu coração
está pulando. Ele é muito bom e me dá muita atenção. Além disso, sabe o que aconteceu no verão
passado e não pensa mal de mim por isso.
Ela se referia a outro homem com motivos menos nobres, uma experiência que partira seu jovem
coração quando seus primos interferiram.
Ela franziu um pouco a testa.
– Prefere que esperemos por Hayden? Minha mãe achou melhor não deixarmos passar a
oportunidade. Foram essas as palavras. Com Hayden ocupado com a criança e Alexia, achamos que
você não se importaria. Mas, se não gosta da ideia, posso pedir que ele espere.
Ele não vinha sendo o melhor dos primos. Na melhor das hipóteses, era um guardião indiferente.
Essas questões domésticas eram terreno desconhecido para ele, mas poderia executar a tarefa melhor
do que a maioria dos homens, se quisesse.
– Você o ama, Caroline?
A moça olhou para o primo com doçura.
– Mamãe diz que qualquer mulher pode amar um homem que ganha 9 mil por ano.
– Acredito que a maioria consiga.
Só que o amor, independentemente do que o motivasse, não era suficiente.
– Você o deseja como amante?
Ela ficou muito corada. Olhou para a porta, como se esperasse que a mãe adentrasse a sala
condenando a pergunta escandalosa.
– Isso é importante, sabe? – disse ele. – Por mais que a pergunta possa ser indelicada, ela deveria
ser considerada pelas jovens quando se deparassem com essas decisões. Como tenho certeza de que
sua mãe não se preocupou em perguntar, achei que eu deveria.
Ela abaixou os olhos.
– Acho que sim.
Ele não precisava que a resposta viesse em palavras. O eco de uma agitação falou por ela com
mais clareza.
– Estarei na biblioteca. Mande-o falar comigo. Se eu concluir que merece seu amor, terá minha
permissão para pedir sua mão em casamento.
Abriu a porta. A tia, que estava com a orelha grudada no buraco da fechadura, quase caiu em seus
braços. Christian se desviou dela e foi esperar por quem quer que fosse o pretendente da prima.
CAPÍTULO 14

A lua cheia lançava uma bela luz no quarto de Leona. Havia iluminação suficiente para ler, caso ela
desejasse.
Podia ser uma boa ideia. Seria melhor ocupar a mente com palavras alheias do que ficar na cama
daquele jeito, meio sonhando, meio acordada, atormentada por imagens e pensamentos que não a
deixavam descansar.
Olhou para a pequena escrivaninha não muito longe do pé da cama. A pena chamava a atenção,
lançando uma sombra comprida na parede. Perto dela, destacada pela forma como refletia aquele
luar, estava sua última carta para o Banquete de Minerva.
Ela tinha sido negligente em sua tarefa. Easterbrook a havia distraído demais, e agora Leona não
tinha nenhuma grande revelação para relatar. O destino lhe dera a oportunidade de expor os homens
que lucravam com o tráfico de ópio e ela a desperdiçara. Suas informações sobre o comércio de ópio
teriam menos impacto agora. Seriam problemas remotos e abstratos.
Escrever essa última carta fora difícil. Ao terminá-la, Leona sentiu que colocava um ponto final
em sua visita à Inglaterra. Deveria terminar de tratar dos negócios de sua família e ir para casa.
Easterbrook não queria que isso acontecesse já. O caso dos dois ainda era recente e estimulante.
Só quando sua atenção se voltasse para outra mulher, e ele já não quisesse devorar Leona
Montgomery com os olhos, concordaria que ela embarcasse para a China. Talvez até fizesse questão.
Ela observou o padrão de sombras na parede. Contemplou um momento de realismo cruel. A
verdade fez seu coração doer.
Christian a insultaria dando-lhe joias, como claramente fizera com aquela mulher do parque?
Aquele colar deveria ter custado uma fortuna. Seria possível comprar um navio de bom tamanho com
ele.
Uma mulher sabia exatamente o que esperar de um caso com um homem como Easterbrook. Podia
existir certo grau de dissimulação romântica. Ela podia se perder no arrebatamento. No final,
contudo, ficaria claro que a intenção dele sempre fora terminar o relacionamento enviando um colar.
Ela fora fraca perto de Christian, principalmente no dia anterior, na casa dele. A voluptuosidade
do encontro a deixara pasma assim que saíra de lá. No entanto, mesmo espantada, a excitação
ressurgia toda vez que ela se lembrava daquilo.
A ausência de remorso era outro ponto que ela pesava. Uma mulher perdida deveria ter pelo
menos algum arrependimento, ou raiva de seu sedutor. Ela não conseguia sentir nenhuma das duas
coisas. Havia passado sete anos imaginando o que poderia ter acontecido entre eles. Agora sabia.
Tentou afastar as imagens dele da cabeça, porque lhe causavam uma mistura estranha de emoções.
Excitação, certamente. Um pouco de perplexidade, porque ainda havia muito sobre ele, nele, que ela
não compreendia. A tristeza, no entanto, permeava todo o resto. Nuvens de nostalgia se formavam em
seu coração, prontas para inundá-la.
Aquela aflição só aumentaria a cada encontro. Leona deveria explicar a ele, em uma carta se
necessário, por que seria imprudente permitir que esse caso continuasse. Se fizesse isso, talvez
conseguisse apressar suas missões. Ele não adiaria mais a ajuda a ela em nome do desejo de tê-la
por perto por mais tempo.
A pena a chamava. Agora seria um bom momento, enquanto a verdade mantinha afastados os
alvoroços femininos. Ela escreveria para ele e...
A porta de seu quarto se abriu abruptamente. Um fantasma apareceu do nada. Não era um
fantasma. Era Isabella. Seus longos cabelos estavam soltos e a camisola caía em pregas quase
transparentes.
– Você precisa vir comigo – sussurrou ela com urgência. – Ele está ferido, tem alguém aqui e eu
não sei o que fazer.
– Quem está ferido?
– O Sr. Miller. Venha logo. Não sei o que fazer!
Leona pulou da cama. Pegou um xale e correu atrás de Isabella.
– Como tem alguém aqui? Fique comigo. Não vá sozinha!
– Rápido. Vou mostrar.
Isabella desceu correndo as escadas.
Na pressa de acompanhar Isabella, Leona mal sentia o tapete sob os pés descalços. O pânico era
tamanho que ela nem tentava não fazer barulho. Tinha esperanças de que, se alguém invadira a casa,
se assustaria e fugiria ao perceber que os moradores haviam acordado.
– Ele está aqui – disse Isabella, parando na porta da biblioteca.
Leona parou atrás dela. Uma brisa fria balançava as cortinas de uma janela, permitindo que
entrasse luz suficiente para revelar o Sr. Miller no chão. Um tom mais escuro circundava sua cabeça
e formava uma mancha atrás de seus cabelos loiros.
Ela se abaixou e sentiu o pulso dele.
– Acenda uma lamparina, Isabella. Traga um pouco de água e alguns panos, depois corra até o
galpão da carruagem e acorde o Sr. Hubson. Diga para ele ir à casa de Easterbrook pedir ajuda.
Isabella providenciou a luz e saiu correndo. Assim que voltou com uma bacia de água, Leona se
ajoelhou ao lado do Sr. Miller. Colocou uma compressa úmida sobre sua cabeça, onde alguém o
havia atingido com força.
Olhou ao redor do cômodo novamente. Uma gaveta estava aberta. Ela se levantou, foi até lá e viu
que algumas libras que havia guardado tinham desaparecido.
Então viu o objeto no chão.
Sua base surgia detrás das cortinas. Ela puxou o tecido e ergueu uma tocha improvisada de mais
ou menos meio metro de comprimento. A palha estava úmida em quase toda a extensão, mas não no
final. Pontas queimadas indicavam que fora acesa.
O invasor deveria tê-la usado para iluminar o que pretendia fazer. Leona sentiu um breve alívio
ao pensar na sorte que fora a tocha se apagar ao ser deixada para trás pelo intruso.
Um gemido abafado chamou sua atenção. Ela jogou a tocha na lareira e voltou para perto do Sr.
Miller.
– Não se mexa, por favor. Está muito ferido e a ajuda está a caminho.
Ela pressionou devagar o pano úmido no ferimento. Ele concordou sutilmente e voltou a fechar os
olhos.

Easterbrook chegou com três lacaios. Enquanto subia as escadas até a biblioteca, ordenou que os
criados fizessem uma busca pela casa e pelo terreno.
Leona nunca tinha ficado tão aliviada ao ver alguém em toda a sua vida. Ele se juntou a ela ao
lado do Sr. Miller e examinou a ferida de forma surpreendentemente cuidadosa.
– Está acordado, Miller? Se estiver, vou colocá-lo nessa poltrona ali.
O Sr. Miller estava acordado e zangado. Permitiu que o patrão o ajudasse a se sentar, depois
olhou com cara feia para o sangue empoçado.
– Eu já tinha notado, desde a primeira noite que passei aqui, que aquela arvorezinha do jardim
serviria de escada para essa janela. Só não esperava que um ladrão me atacasse se eu o descobrisse
entrando por ali.
Easterbrook se virou para Leona com ar interrogativo.
– Sumiram algumas libras da gaveta – informou ela.
– Não acho que tenham vindo em busca de algumas libras. É a segunda vez que entram aqui,
Leona. Não é um bom sinal.
– Não podemos afirmar que tenha havido uma primeira invasão.
– Sim, podemos – garantiu, depois se virou para Miller. – Por que veio até este cômodo?
Miller havia recuperado um pouco da cor.
– Pensei ter ouvido alguma coisa. Vim investigar e, em seguida, apaguei.
Easterbrook olhou para ele por um bom tempo e com firmeza. O rosto do Sr. Miller se
transformou em pedra. A atenção de Easterbrook se voltou para onde estava Isabella.
– Foi você que o encontrou. Escutou ou viu alguma coisa?
O olhar de Isabella continuava fixo no chão.
– Pensei ter ouvido uma movimentação quando abri a porta. Depois alguma coisa caindo. Mas
posso estar enganada. Não tenho certeza. Eu o vi no chão e fiquei muito assustada e confusa.
– Então não foi um som que a trouxe aqui? Foi só quando entrou no cômodo que achou que havia
alguém na casa?
Ela abaixou mais a cabeça.
– Eu... Está tudo confuso agora... Talvez eu tenha ouvido algo antes... Não tenho certeza.
Os três lacaios entraram na biblioteca para relatar que não havia ninguém escondido na casa nem
no jardim.
– Ajudem Miller a voltar para a Grosvenor Square. Apoie-se neles, Miller. Não saia do seu
quarto até que um médico tenha visto esse ferimento e dado permissão para que se levante. Levem a
carruagem. Mandem-na de volta para me buscar pela manhã.
Depois que os criados saíram com Miller, Easterbrook se virou para Isabella.
– Foi muito bom você ter dado o alarme. Preciso falar com sua senhora agora.
Isabella se apressou em sair. Easterbrook ficou andando pelos cantos da biblioteca. Tinha
dificuldade para conter a raiva.
A severidade que ele normalmente mantinha enterrada estava vindo à tona, de forma que qualquer
um que entrasse no cômodo a sentiria. No momento, ele era tipicamente Easterbrook, em um nível
que nunca havia permitido que Leona visse.
– Pode ter sido apenas um ladrão procurando algumas libras – disse ela.
– É improvável. Se duvidou de seus instintos na primeira invasão, existem muitos motivos para
confiar neles agora. O dinheiro só foi levado para que você parecesse errada se alegasse haver
outras motivações. E há.
Ele se aproximou da lareira. Parou e franziu a testa para um objeto perto de sua bota.
– Que raios é isso?
– Uma tocha, eu acho. Encontrei perto da janela aberta. Felizmente, se apagou.
Ele a pegou. Foi até a janela e virou o tecido da cortina. Na parte interna, era possível ver uma
pequena queimadura.
Leona sentiu um arrepio na nuca. Imagens invadiram sua cabeça – Miller demorando um pouco
mais para chegar, as cortinas em chamas, o fogo se espalhando...
Ela se aproximou para inspecionar a cortina. Foi tomada pelo medo. Podia não ter sido a
intromissão de Miller que evitara o fogo. Talvez apenas a chegada de Isabella tivesse impedido que
mantivessem a tocha por mais tempo junto à cortina.
Ela e Isabella poderiam ter ficado presas no andar de cima enquanto as chamas se alimentavam de
todos os livros e da mobília. Podiam não ter se dado conta do incêndio até que fosse tarde demais.
Uma fúria ardente se formou dentro dela, sobrepondo-se ao medo congelante.
– Eles devem estar com muito medo, se pretendiam me matar.
– Se a intenção fosse botar fogo no cômodo, eles teriam feito uma pilha de livros para queimar.
Olhe para a marca no tecido. Veja os cinco pontos escuros. Alguém extinguiu as brasas com o tecido,
depois deixou a tocha ali de propósito, para ser encontrada. A intenção não era incendiar a casa,
Leona, mas assustá-la demonstrando que o fariam, se quisessem.
Eles haviam conseguido. O medo tomava conta dela novamente, e a raiva não era capaz de contê-
lo. Arrepios se espalhavam por todo o seu corpo. Ela odiava se sentir tão assustada e tão vulnerável.
– Você faz suposições sobre as intenções deles com muita rapidez – disse ela.
Ele não deixou de notar a acusação velada. Correspondeu ao tom petulante à sua própria maneira
firme e zangada.
– Da mesma forma que você faria tão logo se acalmasse e considerasse as evidências. De todo
modo, o risco de incêndio foi real, independentemente das intenções. A tocha poderia muito bem ter
feito essas cortinas pegarem fogo.
Ela sabia o que era aquilo. Já vira antes. Havia passado a maior parte de sua juventude
combatendo a insegurança e a preocupação que ela criava.
Coerção. Uma ameaça astuciosa para gerar ansiedade e medo e fazê-la hesitar. Um ataque mais
direto não devoraria tanto a confiança de uma pessoa como o terror de saber que um desconhecido a
observava e aguardava.
Um homem fora ferido esta noite. Seria Isabella da próxima vez? Ou Tong Wei, quando
retornasse? Ou ela? A casa seria incendiada um dia?
Uma lembrança veio com força, a de ter sido puxada às pressas quando um cavalo passara a
galope. Um cavalo marrom. Tong Wei havia falado sobre um cavalo marrom que os seguia...
– Não foi a primeira ameaça deles – confessou ela. – Só foi a mais perigosa.
– Do que está falando?
Ela contou sobre o cavalo marrom. E sobre Tong Wei ter certeza de que alguém observava os
movimentos dela e da casa.
O rosto de Christian ficou extremamente tenso e a boca formou uma linha severa.
– Eu deveria ter insistido que se mudasse para a Grosvenor Square.
– Seu convite não teve nada a ver com minha segurança. Não sugira que minha recusa tenha
levado aos acontecimentos desta noite, como se a culpa fosse toda minha.
Ele levantou a mão em um gesto impaciente.
– Você estaria protegida. Até agora não foi ferida, mas... Visitarei aquela casa do outro lado da
rua quando a carruagem e os lacaios voltarem.
Mais parecia uma ameaça do que um plano.
– Nosso invasor deve ter-se refugiado lá quando Isabella deu o alarme.
– Nesse caso, ele já terá ido embora há tempos quando a carruagem chegar. Não acho que vá
encontrá-lo, mas, se quiser sair para dar uma olhada, ficarei bem até você voltar.
Ele hesitou, dividido. Leona compreendia que ele queria tomar alguma atitude, fosse útil ou não.
– Tem certeza de que não ficará angustiada por estar sozinha? O criminoso já foi embora, mas
você está alterada.
– Não estou tão alterada quanto pensa – mentiu. – E nem estou sozinha. Isabella está aqui. Prefiro
que vá investigar agora. Talvez descubra algo que me acalme.
Ele olhou para Leona como se tentasse descobrir se deveria ou não acreditar nela. Ou, talvez,
apenas aferir quanto ela precisava ser acalmada.
– Vá – insistiu ela. – Gostaria de ter certeza de que não estou morando na frente de meus
perseguidores.
– Sua coragem é admirável, Leona. Muitas mulheres se recusariam a ficar sozinhas por uma
semana.
Ele saiu, prometendo retornar em cinco minutos.
Ela foi até a lareira. Era muito mais fácil ser corajosa tendo uma pá de ferro nas mãos.
Christian mal podia conter sua fúria enquanto procurava o portão do jardim e a porta dos fundos da
casa do outro lado da rua. Foi até bom não ter pegado uma pistola na carruagem. Se estivesse de
posse dela, qualquer intruso escondido naquele prédio escuro acabaria bem pior do que Miller.
Assim que ele entrou, ficou claro que o prédio abrigava dois apartamentos. A cozinha fora
dividida em duas.
Ele imaginou que as famílias estivessem no andar de cima. Agora era ele o intruso a se esgueirar
pela noite. Assim mesmo, subiu as escadas e abriu a porta de um cômodo.
O luar permitiu que avaliasse seu conteúdo rapidamente. Cadeiras estampadas cercavam uma
mesa com uma cesta de costura em cima. Um delicado sofá ocupava a parede oposta. O indício de
presença feminina o tranquilizou. Era possível que o homem da casa fosse aquele que Tong Wei vira
observando Leona, mas o lugar parecia doméstico demais para propósitos nefastos.
Ele subiu as escadas, passando para o andar seguinte, onde ficavam os aposentos privados do
primeiro apartamento, e seguiu para o próximo. As portas estavam abertas e revelavam a pouca
mobília existente. Ele entrou no cômodo que ficava de frente para a rua e caminhou até as janelas.
Do outro lado, podia ver facilmente a janela da sala de visitas de Leona bem abaixo. Ele
imaginou Tong Wei de sentinela ali, olhando para cima. O vazio do apartamento praticamente gritava.
Não havia nenhuma alma ali em cima, dormindo ou acordada.
Ele foi até a lareira e usou a pederneira para acender uma lamparina que estava sobre uma mesa
próxima. Carregou a lamparina pelo cômodo, iluminando-o melhor. Ao se reaproximar da janela,
parou.
O brilho da luz revelou sombras no chão. Ele se inclinou e tocou nelas. Cinzas. Algumas delas
ainda formavam pequenos montes. Ele cheirou os dedos. Alguém passara um longo tempo ali,
fumando charutos – talvez com frequência.
Ele descobriria se a família de baixo sublocava o andar superior ou se um corretor gerenciava
toda a propriedade para outra pessoa. Enquanto isso...
Apalpou o casaco. Sentiu um objeto liso e pequeno. Só Phippen para se lembrar de uma coisa
dessas, mesmo depois de seu patrão ter sido acordado no meio da noite para atender uma
emergência.
Ele tirou o estojo do bolso e pegou um de seus cartões de visita. Acomodou-o sobre o peitoril da
janela central.

Leona sabia que era Easterbrook quando ouviu os passos na escadaria. Ainda assim, agarrou a pá
com mais força.
Ele não parou na biblioteca. Ela o viu continuar subindo para o andar seguinte. Talvez não
confiasse que seus criados tivessem procurado direito.
Juntou-se a ela cinco minutos depois. Já não estava zangado, mas Leona sabia que levaria tempo
até que o rosto dele voltasse a se suavizar. De qualquer modo, tomar uma atitude, qualquer atitude,
controlara o ímpeto perigoso que se avultava nele.
Christian parou quando a viu. Depois se aproximou e tirou a pá de sua mão. Colocou-a de volta
perto da lareira.
– Você não pode ficar aqui – afirmou ele. – A menos que eu mande um pequeno exército de
criados para morar aqui com você, dia e noite, não terei garantias de sua segurança. Deve deixar esta
casa.
Ela olhou para a biblioteca à sua volta. Aquela não era sua casa de verdade, mas já se tornara
familiar, seu refúgio. Ela não se sentia tão estrangeira ali. Imaginou que a independência que tinham
naquela casa significava ainda mais para Isabella e Tong Wei.
– Por favor, não espere que eu me junte a você na Grosvenor Square. Lá não é o lugar de nenhum
de nós.
– Se eu disser que é, será. Ninguém os tratará de forma diferente.
– Você sabe o que estou querendo dizer.
Ele ofereceu a mão para ajudá-la a se levantar.
– Volte para sua cama e tente dormir. Ficarei aqui até amanhecer e tomarei todas as providências.
Já ordenei que Isabella fizesse as malas de vocês duas.
Por mais assustada que estivesse, ela não gostou da presunção dos planos dele para protegê-la.
– Quando eu disse para não me pedir que fosse para a Grosvenor Square, não quis dizer que, em
vez de pedir, você devesse mandar. Agradeço sua ajuda e preocupação, mas a decisão ainda é minha.
– Vejo que seu vigor está voltando. É um bom sinal. Contudo, sairá desta casa amanhã, em minha
carruagem, com sua criada. Deixará Londres, e tomaremos providências para que todos saibam
disso.
– Não quero deixar Londres. Tenho assuntos a resolver...
– Você deixará Londres, Leona. De uma forma ou de outra, deixará. Não discutirei isso.
Não, ele não discutiria. Ela ainda sentia uma raiva perigosa que ele mal podia controlar. Esta
noite, duvidava que ele desse ouvidos à razão para mudar uma decisão já tomada.
– Se deixar Londres, para onde irei?
– Para minha propriedade no campo. Vai achá-la muito agradável.
– Acredito que a distância será inconveniente para o cumprimento de meus deveres.
Ele se aproximou, lamparina na mão. Movimentou-se lentamente, de modo que o brilho dourado a
banhasse.
– Você está adorável nessa camisola modesta, Leona.
Ele esticou o braço e tocou um de seus longos cachos.
– Parece uma menina que conheci em Macau. Acho que devo acompanhá-la até o quarto, para
garantir que não haja ninguém escondido lá em cima.
Nem mesmo os resquícios do medo daquela noite podiam fazer frente ao modo como ele mexeu
com ela ao mudar o foco de repente. A espirituosidade dele aumentava sua excitação. Realçava o
mistério e inseria uma nota de temor eletrizante.
Ela se afastou.
– Você ficará de guarda esta noite, está lembrado? Deve evitar distrações.
– Suponho que sim. Principalmente por ter certeza de que Miller veio parar neste andar devido a
uma distração similar.
CAPÍTULO 15

Christian não hesitou em mandar Leona para o campo assim que amanheceu. Logo que a carruagem
partiu, ele montou em seu cavalo para voltar para casa. Ao chegar, subiu cinco lances de escadas e
abriu a porta de um quarto no primeiro andar destinado à criadagem.
Uma bela criada loira se inclinava sobre a cama segurando um pano sobre a cabeça de Miller.
Pelo que Christian podia ver, o inválido sabia muito bem que aqueles cuidados levavam os seios
fartos da criada ao alcance tentador de sua mão e sua boca. O mais primitivo calor masculino tomava
conta do quarto, e a criada, imprudentemente, atiçava o fogo.
– Está melhorando rapidamente, pelo que vejo – afirmou Christian. – No entanto, não seria
aconselhável se entregar a excessos.
A criada tomou um susto. Ela corou, deixou o pano cair, abaixou-se para pegá-lo e saiu às
pressas.
Miller fez menção de se levantar. Christian fez um gesto indicando que não era preciso.
– A Srta. Montgomery está bem, senhor? – perguntou Miller. – Pouco antes de o senhor chegar,
temi que o choque a estivesse afetando.
– A Srta. Montgomery está bem, em segurança e a caminho de Oxfordshire. Com sua criada.
Ele colocou a bota na beira da cama de Miller e se inclinou, apoiando os braços cruzados sobre o
joelho.
– Preciso que se esforce para pensar no que aconteceu, Miller.
O empregado parou um pouco para analisar a questão.
– Entrei na biblioteca e vi que a janela fora deixada aberta. Depois fui atingido por trás.
Exatamente como eu disse antes.
– Você não me entendeu. Estou ciente dos acontecimentos. Não espero que se lembre de mais
nada. Estou pedindo que pense sobre o que aconteceu e o porquê.
Miller conseguiu parecer perplexo, apesar da cautela que emanava. Mas ele era muito bom em
dissimular.
– Fui pego de surpresa.
– Foi pego de surpresa porque seus pensamentos estavam em outro lugar. Subiu para a biblioteca
para encontrar uma pessoa. Uma bela pessoa de cabelos longos e escuros, que usava uma camisola
branca.
Os olhos de Miller se arregalaram.
– Senhor, eu nunca imaginaria... Está me acusando da pior deslealdade. Sinto muito pesar, no
entanto, que o senhor difame a Srta. Montgomery.
Ah, sim, o jovem Miller era muito bom.
– Está testando minha paciência. Ambos sabemos que a Srta. Montgomery não era a única beldade
com longos cabelos escuros e camisola branca lá ontem à noite. Nem tampouco foi ela que o
encontrou.
Miller tocou a cabeça enfaixada e fez uma careta dramática de dor. Deu até um jeito de parecer
pálido.
– Ela escutou algo e foi ver o que era.
– Não vamos discutir nossas versões para os acontecimentos. Você não tem serventia para mim se
não estiver imune a distrações durante o serviço. Se algo acontecesse com a Srta. Montgomery, eu
garantiria que você ficasse incapacitado o suficiente para nunca mais ter um encontro.
Dessa vez Miller ficou branco de verdade.
– Isso não voltará a acontecer, senhor.
– Ótimo. Imagino que esteja novo em folha em um ou dois dias. Terei alguns assuntos para você
resolver quando melhorar. Deixarei instruções em sua mesa, no escritório, para quando estiver
pronto.
Ele deixou Miller e desceu para seus aposentos. Pediu que Phippen lhe servisse café, depois foi
até o vestíbulo adjacente ao quarto de esgrima. Abriu o baú, pegou o diário de couro no fundo e o
levou para o quarto.
Acomodou-se em sua poltrona favorita. Era hora de ler aquilo, por mais que preferisse não ter
que fazê-lo. Apesar do que acontecera na noite anterior, Leona dera indícios de que continuava
determinada a expor aqueles que conseguisse desmascarar.
Se essas pessoas realmente existiam, e as evidências agora sugeriam que sim, poderia encontrar
naquelas anotações algo que as identificasse, mesmo que o pai de Leona não tivesse se dado conta
disso.
Três horas depois, fechou o diário. A raiva da noite anterior voltara, só que apontada para outras
direções, incluindo algumas que haviam ficado em seu passado.
Reginald Montgomery havia reunido uma quantidade expressiva de provas para sustentar sua
acusação de que uma Companhia secreta, sediada em Londres e de propriedade de homens
poderosos, contratava navios para contrabandear ópio para a China. Interrogando capitães,
subornando marinheiros, obtendo registros da movimentação de navios, ele havia forjado uma
corrente que confirmava sua teoria – faltavam apenas os elos finais.
Pior, suas investigações indicavam que, além de operar no Oriente e transportar ópio, a
Companhia também contrabandeava produtos para as Índias Ocidentais e toda a Europa, inclusive a
própria Inglaterra.
Aquilo explicava as ameaças ousadas contra Leona. Seus perseguidores pensavam que ela sabia
mais do que realmente sabia. Não temiam apenas a exposição do contrabando de ópio para a China,
mas também a revelação de crimes cometidos perto de casa, o que lhes custaria mais do que algumas
máculas na reputação.
Montgomery fora meticuloso. Criara listas de nomes, de capitães que certamente conspiraram e de
outros dos quais apenas suspeitava, de funcionários de aduana subornados, de comerciantes que
aceitavam os bens.
Quanto aos donos da Companhia, no entanto, o pai de Leona apontara apenas um nome. Na
verdade, especulara que esse homem fosse o fundador de toda a empreitada.
O marquês de Easterbrook.

Leona olhava para Isabella. Isabella evitava seu olhar. Só isso já fazia Leona pensar que a alusão de
Easterbrook à distração do Sr. Miller pudesse ter fundamento.
Ela não comentou nada a esse respeito durante todo o primeiro dia que passaram na carruagem. O
cocheiro seguiu em um ritmo muito calmo, e elas passaram a noite em uma hospedaria pouco antes da
divisa de Oxfordshire. Quando retomaram a viagem no dia seguinte, ela se perguntou se deveria
testar Isabella a respeito do Sr. Miller.
O fato de não estar em posição de censurá-la não ajudava em nada. Isabella sabia o que havia
acontecido na noite que Easterbrook passara em sua casa. Se a patroa flertava com um lorde, a criada
podia achar que não havia problemas em flertar com o secretário dele. Só que o ônus seria maior
para a criada e afetaria sua vida de forma muito mais danosa.
– Isabella, lorde Easterbrook disse algo que me deixou preocupada. Sobre você e o Sr. Miller.
Isabella tirou os olhos da paisagem. Olhou para ela com a expressão mais ousada que já havia
demonstrado.
– O Sr. Miller a importunou?
– Não.
Aquilo não respondia à pergunta principal. Os olhos de Isabella desafiavam sua senhora.
– Acho o Sr. Miller um homem muito bonito – comentou Leona. – Talvez não seja muito gentil, no
entanto. Tenho a impressão de que ele é um pouco grosseiro e com tendência a simplesmente pegar o
que quer, sem considerar as consequências para os outros.
– Vejo que ele é gentil quando quer. Quanto ao resto, está descrevendo a maioria dos homens.
Está descrevendo meu pai. E o marquês, por exemplo. Pelo menos o Sr. Miller não me assusta da
mesma forma que o marquês.
– Talvez você devesse se assustar. Aqui é diferente. Você precisa se lembrar disso. Não existem
concubinas na Europa. Cada homem só pode ter uma esposa, e não existem direitos para uma mulher
que se entrega a um homem fora do casamento. Os filhos dela também não recebem nenhum apoio.
Seu pai era europeu, e foi por isso que sua mãe não teve segurança.
– Tong Wei já me lembrou de tudo isso.
Leona franziu a testa.
– Ele fez isso? Quando?
– Quando fiquei empolgada porque Edmund a havia visitado aquele dia. Ele me disse que você
não era adequada para um homem como ele e que não havia nenhuma outra posição respeitável que
pudesse ocupar.
A jovem voltou a olhar pela janela.
– Na China é melhor. Ainda que não seja adequada para se tornar a primeira esposa de um homem
importante, uma mulher ainda pode ter sua posição.
Leona não sabia o que dizer. A conversa havia começado como um alerta para Isabella, mas
mudara de rumo.
– Isabella...
– Ele é atencioso comigo. Fala com gentileza – sussurrou ela. – Ele também é um criado.
Ela piscou com força e passou a língua pelos lábios.
– Ele me nota. Para ele, não sou a garota desprezada de sangue impuro.
O cocheiro entrou em uma pequena cidade naquele exato momento. Leona se juntou a Isabella na
janela. Lado a lado, ficaram olhando para as casas e para a fileira de lojas.
Não adiantava pedir que Isabella tivesse prudência. Independentemente do que tivesse acontecido
entre ela e o Sr. Miller no passado, ou do que aconteceria no futuro, independentemente de seus
motivos serem amorosos ou vis, o belo homem de cabelos loiros partiria o coração daquela jovem.
Já era tarde demais para impedir.

– Minha nossa!
Leona ficou espantada ao avistar Aylesbury Abbey.
– Acho que nunca vi uma casa tão grande. Já ouvi falar de palácios assim na China – comentou
Isabella.
A casa era enorme. Tinha linhas clássicas e delicadas, que davam uma leveza e uma elegância
inesperadas a uma construção tão alta.
Nada até então – nem a casa imensa de Easterbrook na Grosvenor Square, nem o exército de
lacaios uniformizados – preparara Leona para aquilo.
Em meio à sua perplexidade, a conversa que tivera com Isabella ecoava dentro dela. Não era
adequada para um homem como ele.
Ela já sabia disso. Não ignorava as posições que as pessoas ocupavam e seu significado para o
mundo. Só que aquela propriedade, aquela “casa” que ficava ainda maior conforme se aproximavam,
abrangia e explicava muita coisa.
Eu sou Easterbrook.
Um pequeno ritual se desenrolou a partir de sua chegada. Lacaios surgiram de dentro da casa. Um
dos que a acompanhavam entregou uma carta, que foi levada às pressas para dentro. Um homem
apareceu. Seu ar de autoridade demonstrava ser alguém importante. Ele se apresentou como o
mordomo, Sr. Thurston, saudou Leona e a conduziu para dentro.
Uma governanta esperava para se encarregar dos cuidados com ela. Isabella foi levada para junto
dos outros criados. Depois da pequena atribulação inicial, Leona se viu instalada em um aposento de
três cômodos, com vista para um extenso jardim. A mobília a fascinou tanto que ela mal ouviu a
governanta explicar a rotina doméstica.
A mulher pareceu notar tanto sua consternação quanto seu deslumbramento.
– Ficarei feliz em lhe mostrar a propriedade, se quiser. Acredito que os visitantes se sentem mais
confortáveis quando se familiarizam com a casa.
Leona se refrescou rapidamente, depois acompanhou a governanta na visita. Sua cabeça de
comerciante calculava os custos dos móveis e dos tecidos. Chegou a cifras tão altas que lhe
pareceram inacreditáveis. Os cômodos tinham proporções perfeitas, que ajudavam a criar um efeito
de grandiosidade, mas também de calma.
Gostou principalmente da biblioteca. Apesar do tamanho avantajado e do teto tão alto, conseguia
parecer íntima e aconchegante. Os tecidos em tons de pedras preciosas provavelmente ajudavam,
assim como as muitas estantes de mogno repletas de livros. Uma variedade de poltronas, cadeiras e
mesas de leitura impediam que o espaço parecesse tão amplo quanto realmente era. Lindas pinturas
de paisagens decoravam as paredes.
– É o cômodo preferido do marquês – revelou a governanta. – Quando ele vem, fica aqui a noite
inteira. A mãe dele era escritora. Costumava passar seus dias sentada àquela escrivaninha. Ela se
esquecia do mundo quando escrevia seus poemas.
Leona imaginou Easterbrook com roupas informais, perto da lareira, alheio à forma como sua
aparência ao mesmo tempo demonstrava indiferença à sua riqueza e posição social e uma profunda
confiança em ambas.
– Ele vem com frequência?
A governanta negou com a cabeça.
– Ele veio para um casamento em janeiro. A prima da esposa de lorde Hayden se casou em
Watlington, aqui perto. Foi uma verdadeira festa no campo, e o marquês participou. Virou assunto em
toda a região. Não é de seu feitio aceitar esse tipo de convite. É um homem muito reservado.
Quando a visita terminou, Leona pediu para voltar à biblioteca.
– Como faço para postar uma carta?
– Entregue ao mordomo e ele tomará as providências. Há papel em todas as mesas e
escrivaninhas. Pretende cear em seus aposentos ou na sala de jantar?
Leona se imaginou sozinha na mesa de banquete para quarenta pessoas, tomando sopa com seis
lacaios a postos.
– Em meus aposentos, obrigada.
A governanta a deixou sozinha e ela se sentou à escrivaninha para escrever uma carta para Lady
Lynsworth. Precisava descobrir se Tong Wei retornaria logo a Londres. Aylesbury Abbey era um
palácio com todo o luxo e conforto, mas ela não pretendia ficar mais do que o necessário.

Isabella chegou para preparar Leona para a noite. Ela contou que a haviam colocado em um bom
quarto no andar de cima, no mesmo andar dos criados mais importantes.
– A governanta me disse para informá-la se alguém me tratasse com desrespeito – disse Isabella,
admirada. – Ela afirmou que o marquês deu instruções específicas para que ela me ajudasse.
Leona achou aquilo notável. Apesar do humor com que se encontrava ao mandá-las para o campo
em seu coche, Easterbrook havia arrumado tempo para acrescentar instruções sobre Isabella em sua
carta para o mordomo e para a governanta. Havia se sensibilizado com o fato de que, por ela ser
mestiça, talvez os outros criados a maltratassem.
Era o tipo de atitude que fazia com que ele fosse impossível de compreender. Podia ignorar a
sociedade como bem entendesse, ser implacável ao perseguir uma mulher e arrogante em suas
suposições, podia ser egoísta a ponto de cometer grosserias, mas tinha esses impulsos inesperados
de consideração pelo próximo.
Uma boa refeição chegou. Os criados armaram uma pequena mesa na sala de estar do aposento,
perto da janela que dava para o jardim.
– Pode se sentar comigo se quiser, Isabella.
– Tem uma mesa grande para nós lá embaixo. Comerei lá, se permitir. Uma das criadas vai me
mostrar alguns dos muitos cômodos e construções da propriedade. Não acha que é errado, acha? É
permitido, eu espero.
– Suspeito que nenhum criado daqui entre em locais proibidos. Você não precisa voltar à noite. Eu
posso me cuidar, ou pedir ajuda, se for preciso.
Ela deixou Isabella sair para conhecer o palácio com os criados. Imaginou o grande grupo
sentado à mesa no andar de baixo, toda a conversa e as risadas. Isabella ganharia muitas experiências
ali e conheceria gente nova.
Sua patroa, ao contrário, faria as refeições sozinha, enquanto olhava para um jardim espetacular,
porém vazio.

Quando a criada retirou os restos da ceia, o céu já estava escuro. Leona também havia tomado
algumas decisões.
Ela escreveria para Easterbrook e explicaria que não lhe convinha ficar reclusa naquela casa. No
mínimo, exigiria saber por quanto tempo ele esperava que ela permanecesse ali. O último ponto
nunca fora discutido. Na afobação dele em mandá-la embora, e com as emoções dela ainda confusas
devido aos acontecimentos daquela noite, ela não havia chegado a perguntar.
Agora, no entanto, concluía que a fuga fora precipitada e um erro. Ela podia muito bem ter
publicado uma nota, dizendo a esses homens que eles haviam vencido.
Desceu até a biblioteca. Escreveria uma carta firme para o marquês, a entregaria ao mordomo e
traçaria planos de fuga caso sua exigência fosse ignorada. Seria prudente escolher alguns livros para
ocupar suas horas inúteis até saber que curso tomaria.
No caminho, ela passou por uma sala de estar no andar de cima. Ninguém a ocupava, mas um fogo
baixo queimava na lareira e três lamparinas haviam sido acesas. Ela imaginou os criados circulando
– entra ano, sai ano –, preparando a casa para uma família que nunca chegava.
O mesmo acontecia na biblioteca. Ela abriu a porta e viu o brilho da lareira. Cadeiras estofadas
de encosto alto estavam viradas para ela, criando um efeito visual doméstico atraente, porém vazio.
Havia uma lamparina sobre uma das escrivaninhas, como se alguém houvesse previsto suas
intenções.
Ela ia até lá, mas parou ao perceber um movimento. Uma perna comprida, envolta por uma bota
preta de cano alto, se esticou em uma das poltronas junto à lareira. Ela se aproximou para investigar.
Easterbrook estava lá, em uma posição relaxada e preguiçosa. Se parecia um pirata no dia em que
se reencontraram, agora ele parecia um bandoleiro. O casaco de montaria preto combinava com o
resto de suas vestes, à exceção da camisa branca, desabotoada no colarinho. Os cabelos ainda
mostravam os efeitos do galope rápido, caindo ao redor do seu rosto em ondas desgrenhadas.
Ele remoía algo enquanto observava as chamas baixas que combatiam o frio da noite de
primavera. A luz dourada o deixava perigosamente encantador, com olhos de um profundo mistério.
Ele percebeu a chegada de Leona, mas não demonstrou surpresa. Seu olhar se dirigiu sedutora e
sinuosamente para ela.
Um tremor eletrizante percorreu caminhos igualmente tortuosos dentro dela. Christian sabia como
Leona reagia quando olhava para ela desse jeito. Ela não duvidava disso. Ele controlava seu desejo
sem nenhum constrangimento.
Ela fora uma idiota. Deveria ter imaginado que ele viria ao seu encontro. Com o medo que a
assolara após o ataque ao Sr. Miller, ela não fora muito esperta, nem desconfiada o bastante. Agora
lhe ocorria que a invasão à sua casa servia bem demais aos propósitos de Easterbrook.
– Não sabia que também viria para o campo – disse ela.
– Esqueci de mencionar? Acho que sim. Mas não deve estar tão surpresa.
Não, nem um pouco. E ele tampouco tramara aprisionar Leona ali, onde ficariam sozinhos por só
Deus sabia quanto tempo. Havia apenas tirado vantagem da emergência que o levara à casa dela duas
noites atrás e de sua determinação a escondê-la em um lugar seguro.
A certeza que tinha a respeito dos motivos dele a surpreendeu. Ela não tinha provas de que não
fora ele quem mandara homens para roubar sua casa. Christian podia ter resolvido assustá-la a ponto
de permitir que ele a mandasse para onde não pudesse fazer mais perguntas.
Ela não achava que ele permitiria que o Sr. Miller fosse ferido, mas não era esse detalhe que a
levava a acreditar que ele não havia armado um plano tão desprezível.
A verdade era que seu coração confiava nele, mesmo que a mente insistisse em ponderar e
refletir.
Ela admitia isso, encarara as implicações. E, ao compreender o que isso significava, a muralha
atrás da qual se protegia desmoronou, deixando-a sem nada em que se agarrar. A vulnerabilidade a
inundou e o amor chegou flutuando em sua correnteza.
Porém, a emoção não a dominou por completo, pois Leona ainda ouvia outra verdade inegável.
Ao mesmo tempo que permitia que seu coração se entregasse aos sentimentos pelo que ansiara
durante anos, ela enxergava o futuro: Isabella não era a única mulher que ficaria de coração partido.
CAPÍTULO 16

Leona se sentou na outra poltrona, próxima ao fogo brando.


– O Sr. Miller está melhor?
– Deve sair da cama em um ou dois dias. Falei com ele sobre Isabella, por sinal – disse
Easterbrook.
– Então tem certeza de que ele entrou na biblioteca para um encontro?
– Absoluta.
– Você o desencorajou?
– Não cabe a mim fazer isso. Mas expliquei que suas investidas amorosas não deviam interferir
em seu dever.
Ela podia imaginar a decepção que Isabella sofreria, porque ela própria também se sentiria
assim.
– Ele foi poucas vezes lá. Devem ter passado muito pouco tempo juntos, e ainda assim... acho que
ela lhe entregou o coração.
– Tenho certeza de que sim. Se ajuda, também estou certo de que ele pensa nela de maneira
afetuosa, o que é raro em se tratando do Sr. Miller.
– Isso apazigua minhas preocupações por ora, mas não ajudará em nada no final. Sejam quais
forem as intenções do Sr. Miller, ela não pode ficar aqui com ele. Não pertence a este mundo.
– Duvido que o Sr. Miller já tenha pensado no assunto.
– Não, mas ela pensou. As mulheres sempre pensam.
Eles ficaram encarando o fogo, sem procurar os olhos um do outro. O ar ficou impregnado de
palavras não ditas. Ela procurou um modo de deixar o ambiente mais leve.
– Mais uma vez você expressa uma certeza absoluta sobre a visão que tem do coração das
pessoas, Easterbrook – provocou. – Começo a desconfiar de que não se trata apenas da sua
arrogância normal.
– Não tenho certeza nenhuma em relação a você, Leona. Se fosse qualquer outra mulher, eu
saberia se ficou feliz ou não por eu vir aqui atrás de você. Com você, preciso perguntar ou lhe dar
tanto prazer à noite que de forma nenhuma você não esteja feliz pela manhã.
Ele sorriu.
– Nem ao menos sei qual das duas opções você prefere.
De maneira um tanto repentina, haviam iniciado uma conversa muito franca. Normalmente, ela
apreciaria isso, mas naquela noite, com o coração tão agitado e uma empolgação quase infantil
ameaçando seu juízo, ela não conseguia pensar com clareza suficiente para discutir com ele.
– Nem eu mesma sei o que preferiria. Fico confusa com tudo o que diz respeito a você.
Terrivelmente confusa no momento, sentada ao alcance dele. Era maravilhoso desejá-lo e amá-lo,
mas também angustiante saber que seria um erro ficar feliz por ele ter ido atrás dela.
Eles ficaram sentados como dois amigos passando um tempo juntos. Ele não fez nada para seduzi-
la, mas assim mesmo um leve estímulo surgia dentro dela, incitado agora por uma afeição que a
conquistava de maneira perigosa.
Não tinha capacidade de dissimular nem de agir com esperteza. Talvez em algumas horas
recuperasse essa parte de si mesma, mas aqui, agora, no escuro e no silêncio, deleitando-se com
aquela presença sensual e masculina, não conseguia vencer o modo como seu coração a incitava a ser
imprudente.
– O que a deixaria menos confusa, Leona?
O que a deixaria menos confusa? A questão exigia mais análise do que ela era capaz de fazer.
– Respostas – disse ela. – Respostas para muitas perguntas sobre você, sobre o passado e o
presente, sobre sua mente e seu coração.
– Não estou acostumado a responder perguntas, muito menos se forem muitas.
– Sim. É claro. No ocê já fez uma pergunta, no entanto. Não me culpe se não gostar de minhas
tentativas de respondê-la.
Ele achou graça da repreensão.
– Acha que podemos começar com apenas uma pergunta hoje à noite? Algumas coisas devem
confundi-la mais do que outras.
– Isso é verdade. Uma pergunta, em particular, deve ser feita antes que seja tarde demais.
– Então comecemos por ela.
Foram necessários alguns minutos para ela reunir coragem para perguntar. A resposta poderia ser
devastadora.
– O que você quer?
– Na verdade são duas perguntas, dependendo de como se interpreta.
Ela sentiu o rosto quente diante da ousadia do segundo significado inferido por ele. Ela pretendia
perguntar por que ele estava se preocupando tanto com ela. Ele havia escutado outra pergunta, que
enfatizava o “quê” e todas as possíveis respostas.
Christian ficou muito sério. Ela agora não via bom humor nele. Não via leveza.
– Eu nunca a esqueci, Leona. Nem seu espírito intenso, seu temperamento esquentado e seus olhos
expressivos. Sempre soube que voltaríamos a nos encontrar. Se fui insistente demais, foi porque,
apesar de todas as mudanças trazidas pelos anos, algumas coisas não mudaram nada. Esperei muito
tempo para vivenciá-las novamente.
Ele pegou na mão dela e a segurou no vão entre as poltronas.
– Você fez sua pergunta como faria qualquer mulher, como se eu me interessasse por você sem
nenhum propósito. Para mim, você é única. Você me conheceu e entendeu aquilo que conheceu melhor
do que ninguém. E acho que continua conhecendo.
Leona ficou tocada pela forma tão aberta como ele se expressou. Era uma declaração que jamais
esperava ouvir. Mas a entristeceu saber que aquele homem tão controlado e confiante pensasse que o
entendimento que ela tinha dele, tão incompleto, era o melhor que o mundo teria a lhe oferecer.
– Agora, quanto à outra versão da pergunta, o que eu quero com você, não ouso responder com
total sinceridade porque você poderia fugir, como costumava fazer.
Os olhos dele revelaram um brilho nada inocente.
– Na cama, quero tudo o que permitir. Quero você pelo tempo que puder convencê-la a ficar.
Preferiria que eu quisesse mais?
A pergunta, feita de forma tão casual, a deixou aturdida.
– Sei que fui o seu primeiro – disse ele. – E por isso é de esperar que lhe faça um pedido de
casamento. Pensei nisso, mas há motivos para que tal arranjo seja imprudente. No entanto, se quiser
que eu faça o pedido...
– Não. Não tenho expectativas. Muito menos disso. Entendo por que é... impossível. Para você,
certamente. E para mim também. Eu nunca poderia abandonar meu irmão desse jeito.
Ela nunca havia se permitido cogitar uma coisa dessas. Uma lista longa e extenuante de motivos
pelos quais isso nunca poderia acontecer tumultuava seu pensamento.
– Impossível, não. Apenas...
– Imprudente. Eu entendo. De verdade.
– Não, você não entende. De verdade. Talvez algum dia eu tente explicar.
A mão dele segurou a dela com mais firmeza.
– Está menos confusa agora?
– Um pouco.
– Então, uma vez que evoquei o que há de melhor em mim por tanto tempo, permanecerei no
caminho honroso. Em vez de agir, vou perguntar. Está feliz por eu ter vindo atrás de você?
Ela preferia que ele tivesse optado por ser desonroso. Agora a decisão era dela. E a conversa não
a ajudava a pensar numa boa resposta.
– Ainda estou refletindo sobre isso – falou ela.
Ele aceitou muito bem. Levantou-se. Foi para mais perto dela, tão perto que o coração de Leona
começou a saltar. Ele olhou para baixo e ela sentiu aquela força obscura cercando-o. Foi uma
tentativa muito rápida de invasão, mas suficiente para deixá-la hipnotizada e indefesa.
Ele ainda segurava a mão dela.
– Deixarei que reflita a sós. Controlarei meu impulso de virar a discussão a meu favor do único
jeito que sei fazer.
– É muita gentileza sua.
– Duvido que eu permaneça tão nobre por mais de um dia. Caso você conclua que devo me
afastar, é melhor definir isso logo.
Ele começou a soltá-la. Ela apertou os dedos para que ele não conseguisse.
– É realmente muita gentileza sua, Christian. Muita mesmo. Já dei diversas provas de quanto sou
fraca perto de você.
– E, como resultado, fui implacável. Sucumbi a uma péssima característica familiar para garantir
que conseguiria o que queria.
Ele beijou a mão dela e a soltou.
– A menos que queira sucumbir novamente, devo sair agora.

Ele era um idiota. Um tolo.


Bateu com o punho contra o peitoril da janela onde estava, olhando para o nada.
Não, não era para o nada. Acima dele, onde a visão não alcançava, outra janela emitia uma luz
bem fraca. Era como o brilho de uma fada sobre o jardim. O indício de que Leona ainda estava
acordada o fez cerrar os dentes.
Que raios, quando ela pesasse o lado bom e o ruim, o prazer e o custo, e depois acrescentasse o
sofrimento potencial e o escândalo de ter um caso com um marquês com fama de ser meio louco, sua
inteligência resolveria a questão da forma que ele menos desejava.
Havia quase se matado cavalgando pelo campo para chegar ali naquela noite. Nem mesmo a
antipatia pela casa podia diminuir sua impaciência. Era um milagre que não tivesse jogado Leona
sobre o ombro e a levado para a cama tão logo a vira.
Em vez disso, em um surto de sentimentalismo que viera só Deus sabe de onde, praticamente lhe
dissera que o dispensasse. Como se ela já não fosse fazer isso em breve, de qualquer forma, sem a
ajuda dele.
Ela parecera surpresa com a menção a casamento. Pasma. Se a ideia sequer passara por sua
cabeça, ela já a havia descartado fazia muito tempo.
Melhor assim. Fazer a coisa certa muitas vezes resultava em viver a coisa errada para sempre.
Nem todo o luxo do mundo tornaria mais fácil uma vida assim. O prazer não conseguira fazer com
que Leona desconsiderasse isso.
Christian olhou para a valise no chão, ainda no mesmo lugar onde a havia largado ao chegar. O
criado que o acompanhara até o andar de cima para servir-lhe de pajem quase desmaiara quando sua
tentativa de desfazer a mala foi recebida com um rosnado. Lá dentro estava o maldito diário com
capa de couro.
O diário era um dos motivos pelo qual um pedido de casamento seria imprudente. Se Leona
soubesse o que estava escrito ali, ou se descobrisse as respostas de alguma outra forma, teria certeza
de que ele fora a Macau para trair seu pai.
Havia ainda muitos outros motivos. A própria Leona teria compilado uma longa lista, caso ele
pedisse.
Ela o considerava teimoso, estranho, rude, convencido e arrogante – e de fato eram opiniões que
já havia expressado. Dava para imaginar aquelas que, por educação, guardava para si mesma. Ela
não o tratava com cuidado, como se ele fosse meio louco, mas considerava seus hábitos
insuportáveis.
Não posso viver isolada assim com você.
A noite ficou mais escura de repente. A luz fraca que vazava da janela de cima desapareceu. O
desejo o corroía com violência, zombando da esperança tola que a luz havia lhe dado.
Puxou as cortinas para deixar entrar o ar fresco. Tirou as roupas e ficou lá parado, nu. A brisa fria
não ajudou. Ele ardia por dentro. O fogo em seu sangue e em sua cabeça não se extinguia.
Foi até a cama. Não se via num caos tão grande desde que saíra de Macau. Sentia raiva do que ele
era, fúria por sua incapacidade de mudar, alarme ao pensar em como o destino havia pregado uma
peça cruel que nunca terminaria – tudo isso passou por sua cabeça enquanto ele estava deitado sob
um lençol, encarando uma noite em claro.
Com as emoções obscuras veio o desejo de fugir para o paraíso. Era o que o ópio parecia
oferecer, e o desejo ainda se manifestava em momentos como aquele. Ele estava no inferno, mas o
paraíso estava no cachimbo, aguardando para lhe oferecer consolo. Por um breve período, durante o
entorpecimento do ópio, o mundo era simples e perfeito, e ele era normal e cheio de potencial.
Raramente sentia esses desejos. Normalmente conseguia encontrar paz no núcleo escuro, mas
naquela noite isso não seria suficiente. Ainda assim, controlou a respiração como Tong Wei havia
ensinado.
Isso o mantinha são no auge da avidez, naquele instante de loucura física insuportável em que um
homem é capaz de trocar a alma por algum alívio. Então, como Tong Wei havia prometido, de repente
o pior passava do mesmo modo que havia começado. O ápice da ânsia também sinalizava seu recuo.
Em Macau, a respiração não fora bastante para romper as correntes que estavam se formando.
Nem a meditação. Só depois de olhar por muito tempo no espelho que Leona se tornara para ele
aquela noite, Easterbrook alcançara o verdadeiro controle.
Aceitar o passado como irrevogável fora uma grande parte de sua vitória. Aceitar completamente
sua herança fora o resto.
Essa casa era o de menos. O título, a riqueza – tudo ocultava um legado mais obscuro. Ele podia
ter recebido as propriedades, mas também ficara com o que havia de pior no sangue da família.
Sua vida podia ter sido tolerável se não tivesse recebido a maldição da mãe. Se ele não
conseguisse sentir a extensão da brutalidade do pai, poderia ter optado por ignorar as próprias
inclinações nessa direção. Poderia até ter fingido que o pai não era tão ruim quanto todos temiam.
Se ele não tivesse presenciado a mãe se isolar de tudo e de todos, se não tivesse visto tal
isolamento levá-la à beira da loucura, também poderia ter superado mais cedo o medo desse estranho
dom.
Ele a via sentada à mesa da biblioteca, tão fora do alcance deles. Surgiram boatos de que seu pai
havia confinado a mãe. Mas o filho mais velho sabia que não era isso. Ela havia apenas se retirado
para dentro da própria mente, onde teria de lidar apenas com sua melancolia.
Christian conhecia a tentação de se esconder como ela havia feito. Ele mesmo não havia tentado?
Fugir do caos provocado por saber demais, da sensação de não ter mais identidade depois que o pai
morreu, porque não ousava admitir que tinha muito em comum com o último marquês.
Independentemente daquilo de que esteja fugindo, está dentro de você.
O anseio cessou, mas o caos, não. Seus pensamentos corriam ferozmente pelo passado e pelo
presente, como se ele tivesse uma febre. Viu Leona em Macau, depois na biblioteca do andar de
baixo. Vivenciou novamente o tremor do corpo dela quando a beijou pela primeira vez, anos atrás, e
quando a possuiu pela primeira vez, na semana anterior.
Ela iria embora. Independentemente do que acontecesse, ela iria embora. Talvez temesse que ele
não permitisse. Leona ainda decifrava o coração dele melhor do que qualquer pessoa jamais
decifrara. Provavelmente percebia quanto ele ficava tentado a fazer o que fosse necessário para
mantê-la por perto, mas ela nunca entenderia a razão.
Ele havia passado dois anos descobrindo a própria verdade, mas, na realidade, o homem que
voltara para a Inglaterra era uma farsa, algo que ele construíra em nome da sobrevivência. Essa noite
estava provando isso.
Ele só mostrava seu verdadeiro eu, só vivia de verdade quando estava com ela.
CAPÍTULO 17

Era surpreendente. Incrível, de certa forma. Lá estava ela, quase sem fôlego de tanta excitação, mas
num estado de calma total.
Ela abriu a porta. Não havia ninguém por ali. Caminhou até as escadas e desceu. Os pés
descalços afundavam no tapete grosso, que silenciava seus passos.
Sabia onde encontrar os aposentos de Easterbrook. Havia notado mais explicitamente do que
gostaria quando a governanta lhe apresentara a casa. A verdade oculta dentro dela contara os passos
até o próprio quarto, mapeara os corredores e memorizara as portas enquanto a governanta falava.
Leona empurrou a porta de entrada para os aposentos privados dele. Estava tudo escuro, mas ela
sentia sua presença. Espiou os cantos, para ver se ele estava encoberto pela escuridão.
Caminhou até outra porta, entreaberta. Uma luz bem fraca saía pelo vão. Ela olhou dentro do
quarto. Como o seu, dava para os jardins, e as cortinas estavam abertas. O luar entrava, dando forma
à cama e ao dossel, aos ornamentos e móveis. E a ele.
Não estava dormindo. Estava na cama, no entanto, quase sentado junto aos travesseiros. O peito
nu era esculpido pela luz do luar e uma perna estava dobrada sob o lençol branco que cobria quase
toda a parte inferior de seu corpo.
Ele não se mexeu quando ela entrou. Nem a saudou. Apenas a observou colocar a lamparina sobre
uma mesa.
O quarto vibrava. Ela reconheceu o caos nele. Pensava que Easterbrook havia vencido aquele
turbilhão, mas esta noite, por algum motivo, ele voltara. Leona se perguntou se ele revelaria o mesmo
humor cínico de que Edmund era capaz para mascarar o transtorno em sua alma.
– Fico feliz que esteja aqui – disse ele.
Pareceu sincero. Mas um homem à espera de prazer provavelmente ficaria feliz diante da prova
de que ele não lhe seria negado.
Os motivos dele não importavam. Ela mal conhecia os seus. Não fora um motivo racional que a
impelira a ir até ele. Sua mente havia argumentado com vigor para que ela não fizesse isso.
Ela fizera considerações detalhadas em seu quarto, listando todos os custos. A soma teria
desencorajado qualquer mulher. Em vez disso, seu coração notara o total e depois o desprezara em
uma efusão de desejo.
Não queria mais se prender a esse debate. Sim, era um erro. Sim, ela logo se arrependeria. Sim,
muitas perguntas permaneciam sem resposta. Sim, nem mesmo as lembranças podiam sobreviver
depois que o mundo exigisse que ela pagasse o preço.
– Sei que minha decisão deveria ter sido diferente, mas não consegui.
Leona foi até a lateral da cama e afastou o lençol.
– Só peço que me prometa uma coisa antes – falou ela.
Ele esperou para ouvir, sem expressar nenhuma reação.
– Precisa permitir que eu parta quando chegar a hora. Precisa me ajudar a terminar o que vim
fazer, depois deixar que eu volte para o meu irmão. Ele precisa de mim. Tenho deveres com minha
família iguais aos seus.
– Não posso permitir que saia por aquela porta agora que está aqui. Prometo o que me pede, mas
não espere que eu fique feliz com isso.
– Não exijo que fique feliz com isso. É provável que nem eu goste. Mas é como tem que ser. Não
devo esquecer quem eu sou.
Ela foi até a janela e a fechou, deixando a brisa fria da noite do lado de fora.
– Você fica adorável iluminada pelo luar, Leona. Sempre ficou. Fique aí um momento para que eu
possa vê-la.
Ela ficou imaginando o que ele via. Não era a menina que surgira no jardim aquela noite em
Macau, mesmo que seus cabelos estivessem soltos como daquela vez e a camisola fosse muito
parecida.
Ele a havia beijado naquela noite. Fora um beijo muito demorado, e ela quase chorara com a
beleza daquela intimidade. Nunca se esquecera daquele beijo.
– Tire a camisola.
O comando deixou claro que ela não era mais aquela menina e que fora ali em busca de mais do
que um beijo doce.
Ela desfez os laços da camisola simples. A abertura no pescoço aumentou até descer aos ombros,
depois cair no chão.
Ela olhou pela janela. Apesar de toda a ousadia daquela noite, não tinha tanta experiência a ponto
de conseguir ficar nua dessa forma sem nenhum constrangimento. A vulnerabilidade, no entanto,
continha notas eróticas. A atenção dele já abrasava o leve fogo que a torturava desde que o vira
naquela poltrona perto da lareira. As labaredas da expectativa a chamuscavam sem dó.
– Fantasiei você dessa forma mais vezes do que pode imaginar. Eu a via em um jardim ao luar,
mas você estava nua assim, perfeitamente bela.
– Imaginou a menina que não sou mais.
– Você não era exatamente uma menina. Sempre teve modos de mulher. Um jeito de entender as
pessoas que era de mulher.
O turbilhão que se formava nele havia abrandado, mas não desaparecido. Continuava lá, distante,
mas desejando crescer.
– Venha se deitar comigo.
Ela cruzou o quarto. Subiu na cama e se deitou ao lado dele. Ele se virou e apoiou o peso do
corpo em um dos braços, de modo que pudesse olhar para Leona. Acariciou o corpo dela.
Ela fechou os olhos e saboreou a reação vivaz de sua pele à mão firme e quente de Christian.
– Há coisas que devo contar. Explicar a você – murmurou ele.
– Que coisas?
Ele abaixou a cabeça e a beijou. Nenhuma explicação seria dada agora.
Ela esperava uma explosão de paixão como da última vez. Esperava ser atraída para um estado
irracional de desejo e sensações. Em vez disso, ele a acariciou sem pressa. De propósito, adiava o
momento de se entregar ao ritmo frenético que costumava conduzi-los.
Era de forma bela que o prazer se intensificava. O corpo dela respondia mais profundamente a
essa sedução sutil e cheia de nuances, até que toda a sua consciência estava focada no percurso das
mãos e da boca dele.
Christian se posicionou sobre ela e se acomodou no meio de suas pernas. Os braços a cercavam,
sustentavam e a erguiam até seus beijos. Devagar, muito devagar, sua boca mordiscava, explorava,
incendiava.
Ela se segurava nele e explorava também. Tentou a própria forma de beijar, saboreando-o com a
boca e com a língua. Ele a encorajava e parecia satisfeito com as tentativas.
A onda de prazer crescia sem pressa, mas de forma constante. O corpo dela começou a ficar
impaciente, pedindo mais, e frustrado com o anseio tenso que se contorcia cada vez mais dentro dela.
Sentiu a excitação dele perto da coxa, rígida e grande, tentadoramente próxima. Aquilo a
enlouquecia. Ela tentou balançar-se só um pouco para baixo, de modo que ele a pressionasse onde
aquela carência pulsava.
– Está muito impaciente – censurou-a em voz baixa. – Hoje seria melhor não me encorajar. Se eu
sucumbir ao que está dentro de mim, posso ser muito bruto.
Ele tirou as mãos dela de seu corpo e as colocou sobre a cama, de modo que ficassem ao lado da
cabeça.
– Esta noite quero desfrutá-la no meu tempo.
Ela se deu conta de sua posição. Agora não podia nem tocá-lo.
– Quer que eu só fique aqui deitada, completamente imóvel?
Ela sentiu o sorriso dele junto a seu pescoço enquanto ele a beijava.
– Não acho que ficará imóvel por muito tempo. Mas vamos ver por quanto consegue.
Ela realmente não foi capaz de ficar parada por muito tempo. Quando os beijos desceram para
seus seios e a língua dele atormentou os mamilos, ela se arqueou. O formigamento se tornou uma
deliciosa tortura. Ela mal resistia ao ímpeto de abraçá-lo, para não se sentir tão impotente diante
daquela sedução. Ele a segurou pelos pulsos. Assim exigia que Leona submetesse seu prazer ao
controle dele.
Ela abriu os olhos e os dirigiu para os pulsos, depois para os seios, fartos e firmes. Os cachos
suaves de Christian roçavam em sua pele. Os dentes dele se fechavam delicadamente, como se uma
flecha afiada penetrasse naquelas sensações furtivas. Elas iam descendo, aumentado a intensidade do
desejo que a frustrava.
A onda aumentou ainda mais, saturando-a de carência. Ela já não era capaz de controlar suas
reações. Começou a se entregar a um mundo de sensações e prazer. Ele ainda a provocava,
estimulando-a mais, banhando seus mamilos com a língua.
Ela se mexeu. O peso dele e as mãos segurando seus punhos a restringiam, mas ela deu um jeito.
Dobrou os joelhos e os levantou, de modo que ladeassem o quadril dele. Queria a completude, exigia
o alívio. Gemidos se formavam em sua cabeça e se transformavam em sons impacientes, carentes,
insistentes. O prazer continuava a se intensificar, a se concentrar em seu ventre com toda a força.
Ele soltou os punhos de Leona, que esticou os braços para envolvê-lo, mas era tarde demais. Os
ombros dele desceram acompanhando os beijos pelo corpo de Leona. Ele a segurou pelo quadril e
levou o calor de sua boca pela barriga e as costelas.
Christian não pesava sobre ela, nem a imobilizava. Leona abriu os olhos. Ele se firmava nos
braços. Ele desviou o olhar para as coxas e os joelhos afastados dela, viu como implorava por ele.
A mente de Leona entoava súplicas e desejo. Queria que ele a tocasse, que a acariciasse, a
preenchesse. Desejava-o tanto que mal conseguia manter a sanidade. Gemeu de frustração quando ele
se ajoelhou entre suas pernas. As longas carícias nas coxas pareciam ter o propósito de enlouquecê-
la.
A visão que tinha dele a deixou impressionada. Ali ajoelhado, com o torso esculpido pela pouca
luz, parecia forte e firme, no comando daquela noite e dela. Os cabelos desgrenhados lhe davam uma
aparência menos civilizada, livre de leis e regras, maravilhosamente diferente. O coração de Leona
se enchia por compartilhar esse prazer com ele.
As carícias se tornaram mais leves, suaves. As pontas dos dedos se transformaram em penas
sobre seus joelhos e coxas. Beijos delicados se juntaram a esse toque. Ela não conseguia respirar,
seus suspiros ficavam mais altos. Ela viu aquela cabeça escura abaixando-se, as penas provocando-
a, e suas pernas se afastaram ainda mais.
Tão perto. Tão perto. Leona se agarrava aos lençóis à medida que a pele ficava mais sensível.
Seu corpo chorava de prazer e ela tinha a sensação de que o movimento das penas jamais pararia e
que fosse morrer de tanto que precisava de Christian.
Os beijos se tornaram menos aleatórios. Desceram por sua coxa. Ela conhecia o destino. Seu
corpo sabia. A ideia a chocava, mas afastou as pernas ainda mais. O primeiro toque, o primeiro
beijo, a deixaram fora de si, gemendo de gratidão e triunfo.
Uma nova tortura. Um prazer tão intenso que não era natural. Ela não era capaz de controlar seu
corpo. Balançava e gritava. Parecia que as sensações apenas aumentavam. Até que tomaram conta
dela, a envolveram. Faziam-na vibrar em cada ponto onde dedos delicados e beijos magistrais
executavam a pior das perversidades.
O clímax foi violento. Ele o prolongou. Não deixaria que ela se escondesse, que se recolhesse. O
tremor pareceu eterno.
Ele então a possuiu. Foi bruto e violento, como havia alertado. Ela o recebeu e o deixou libertar a
tempestade. Sentiu isso nela, sentiu o turbilhão obscurecendo o prazer, viu o alívio se espalhar a
cada investida. Não o aceitou passivamente. Seu corpo voltou a se agitar, e os tremores de libertação
cresceram mais uma vez até que ela se misturou a ele em uma selvageria de emoção e necessidade.
Tudo irrompeu ao mesmo tempo. O desejo, o prazer, a escuridão. Ela permaneceu agarrada a ele
por um longo instante, quando tudo, à exceção da essência de ambos, deixou de existir.
A escuridão se dissipou. A alma de Leona se encontrou com o corpo. Ela abraçava um homem
físico novamente.
Não foi um beijo normal que ele lhe deu depois. Ela não saberia explicar a diferença, mas ficou
tão emocionada que seus olhos arderam.
Christian se deitou de lado e a abraçou em uma paz silenciosa. Ela recostou a cabeça no peito
dele. O coração que batia sob seu ouvido parecia muito familiar, como se ela escutasse a própria
vida pulsando. Ele deu um beijo longo, interminável, no topo de sua cabeça.
Naquele momento já não havia perguntas. Não havia confusão.

Eles saíram para uma longa caminhada na manhã seguinte. Passearam pelos jardins bem podados,
onde um exército de homens cuidava de roseiras e outras plantas, e passaram por campos que
estavam sendo preparados para o plantio de legumes e verduras. Por fim, chegaram a um bosque.
– Minha prima Caroline vai se casar. Tive que conhecer seu pretendente depois que você foi
embora, naquele dia em que ela e minha tia se intrometeram.
Ela ficou encantada por ele compartilhar notícias de família. Combinava com a manhã. Na noite
anterior, haviam se entendido de uma forma muito mais completa. Embora a motivação daquilo fosse
o desejo físico de Leona e sua decisão de ir até ele, havia afetado mais do que a intimidade sexual
entre eles.
– É um homem respeitável?
– Parece sério. Minha tia está feliz porque ele ganha 9 mil por ano. A casa ficou até mais calma
agora que está tudo resolvido.
Ele deu de ombros.
– Não era um dever que eu desejava. Nem sou o guardião dela. Hayden está muito ocupado com a
família, então concordei em cumpri-lo.
– Caroline deve ter ficado muito grata.
– Ela foi gentil em se oferecer para me dispensar, como se me conhecesse bem.
– Acho que ela o conhece melhor do que você pode imaginar. Você toca o mundo, Christian,
mesmo não querendo que ele o toque.
Ela recebeu um olhar significativo e atento, mas a expressão dele rapidamente se suavizou.
– Pelo menos estou confiante de que formarão um belo casal. Ele a ama tanto que não vai se
importar quando ela revelar quem realmente é. Ela se esconde por conta da mãe. Não é indecisa e
imatura como aparenta.
– Talvez ela já tenha se revelado. Talvez seja por isso que estão apaixonados. Mais uma vez você
tem uma certeza excepcional de suas opiniões de que eles estão apaixonados, de que Caroline está se
escondendo – disse, sem conseguir evitar provocá-lo. – Que bom seria se toda jovem tivesse um
primo tão certo de sua felicidade.
Ele reagiu com mais ponderação do que a provocação bem humorada pedia. Continuou andando,
pensativo.
Levou-a até um local onde a copa das árvores permitia a passagem da luz do sol. Parou lá e a
tomou em seus braços.
– Não é que eu pense que fiz uma boa avaliação sobre aquele relacionamento. Tenho certeza.
– Assim como tinha certeza de que Alexia daria à luz um menino?
– Isso é diferente. Aquilo envolvia acontecimentos. Isso se resume aos sentimentos de duas
pessoas. Ontem à noite eu disse que gostaria de explicar algumas coisas. Essa é uma delas.
Ele parecia tão sério. Tão... vulnerável. Era um pensamento estranho para se ter a respeito desse
homem, mas ocorreu a Leona. Ela não ousaria fazer pouco caso do que ele achava ter revelado, ainda
que provavelmente se tratasse apenas de uma desculpa masculina para a própria arrogância.
– Então explique, Christian. No momento, não estou entendendo nada.
– Eu vou tentar, embora nunca tenha falado disso.
Ele franziu a testa. Concentrou-se como se tentasse explicar algo impossível de se traduzir em
palavras.
– Meus sentidos são mais aguçados do que o normal quando se trata de avaliar pessoas, Leona.
Notei essa diferença quando tinha cerca de 12 anos. Até então, presumia que todo mundo tivesse
certeza das intenções e sentimentos de outras pessoas e eu não entendia por que agiam como se não
soubessem.
– Pode ser que os outros não suponham que os próprios sentidos sejam tão precisos.
– Você não está me ouvindo, talvez por ser algo tão estranho – resmungou ele. Depois falou com
firmeza. Quase zangado. – Eu não suponho. Eu sei. Tudo fica muito claro. Só preciso prestar atenção
para ter certeza absoluta. Mesmo quando não presto atenção, quando me esforço para não saber, fica
no ar, esperando que eu reconheça, como um ruído.
Christian observou Leona para ver sua reação. Ela tentou se manter impassível. O que ele
descrevia era estranhíssimo, mas estava claro que realmente acreditava possuir tal habilidade.
Ele balançou a cabeça, irritado.
– Agora você também acha que sou louco. Foi um erro falar sobre isso.
– Louco, não. Nem um pouco. É só que... Você está dizendo que lê a mente das pessoas? Sabe o
que estão pensando?
– Sei o que estão sentindo. Às vezes me engano ao interpretar o que motivou uma emoção ou os
pensamentos que ela suscita, embora hoje em dia, depois de anos de experiência, isso raramente
aconteça.
Ele a soltou de seu abraço e pegou novamente em sua mão. Voltaram para a proteção da copa das
árvores.
Leona sabia que Christian havia confidenciado algo muito importante. Se nunca falara sobre isso,
deveria haver um motivo. A menção à loucura a perturbara. Ele sempre zombava desses rumores.
Agora lhe parecia que ele não estava seguro de serem mentira.
– Você disse que soube disso aos 12 anos. Deve ter sido assustador enxergar uma diferença em si
mesmo com tão pouca idade.
– Foi um inferno – confirmou ele.
Respirou fundo e controlou as lembranças que a pergunta evocou.
– Contudo, foi também um alívio. Explicou muitas coisas. Passei a conseguir evitar mal-
entendidos depois disso. Com o tempo, aprendi que quase todas as pessoas possuem essa
sensibilidade em algum grau. Eu apenas a desenvolvi mais do que a maioria.
– Ainda assim... eu não compreendo o que você descreve, Christian. Eu gostaria muito, se estiver
disposto a explicar mais a fundo.
– Eu explicaria se pudesse, Leona. No entanto, não sei como. Seria melhor esquecer que falei
sobre isso.
Impossível. Ele deveria saber disso.
– Você sente o que os outros sentem?
– Não estou falando de compreensão, mas de empatia. Nunca compareceu a um funeral e sentiu a
tristeza da família? Ninguém compartilha o que está sentindo, mas você sabe o que é, sente sua
presença. Quando Isabella foi chamá-la na outra noite, não sentiu seu medo mesmo antes que ela
falasse ou você visse sua expressão?
Ela começou a entender o que ele queria dizer. Às vezes as emoções de outra pessoa ficam no ar e
é impossível não reconhecê-las.
Era assim que ela se sentia com ele, às vezes. Certamente tinha uma sensibilidade aumentada no
que se referia ao desejo dos dois. Christian a afetava fisicamente, havia uma força quase palpável
entre eles. Mesmo seus humores mais obscuros... ela não precisava ver uma expressão de raiva nele
para saber que uma tempestade começava a se formar. Percebera um turbilhão antes de entrar no
quarto dele, na noite anterior.
As implicações disso a surpreenderam.
– Então, sempre que está com alguém, percebe as emoções da pessoa ali presente.
– Sim.
Quando era criança, conhecia os sentimentos de seus pais em relação a ele. Não apenas os de
amor, masos de raiva e as decepções, e a indiferença, se é que isso existia. Na juventude, sentia a
reação de cada garota quando a conhecia, e a verdade ou falsidade de cada amigo.
Até mesmo agora, com a família, com os iguais, sabia mais do que eles desejariam. Mais do que
ele mesmo desejaria.
– A princípio, parece maravilhoso ter uma percepção assim. No entanto, entendo como pode ser
uma maldição – disse ela. – Existe alguma utilidade no modo como as pessoas frequentemente fingem
umas para as outras. Não tenho certeza se poderiam viver em sociedade sem certo nível de
dissimulação.
Leona pensou no que significava ser capaz de sentir as emoções das outras pessoas a qualquer
hora. Seria terrível se ela não pudesse optar por se poupar disso. Era espantoso que ele não tivesse
enlouquecido de verdade.
– Existe um poder nisso, é claro – continuou ela. – Um poder perigoso, se alguém tiver intenção
de usá-lo.
Ele hesitou pouco, mas ainda houve uma pausa.
– Sim.
– Também deve ser doloroso, eu imagino.
A pausa foi um pouco mais longa dessa vez.
– Sim.
– É por isso que se isola do mundo? Para se poupar? Para poupar os outros?
– Em parte. Mas acho que teria pouca tolerância para os joguinhos da sociedade, mesmo se fosse
o mais normal dos homens.
Mas ele não havia se recolhido por completo. Ela não podia ignorar o que aquilo significava.
– Perdoe-me por agora contemplar a extensão de minha desvantagem, Christian. Estou me
lembrando de cada emoção que vivenciei perto de você. Estou tentando não me ressentir por não ter
me alertado. Acho que uma repreensão seria adequada.
– Algumas pessoas são imunes. Mais protegidas, talvez. Você é uma delas. Não invado sua alma,
Leona. Juro que nunca tive essa capacidade, ou essa tentação, com você. Nem agora. Nem em Macau.
Era o que a tornava atraente, suspeitou Leona. Talvez a única coisa que a tornava atraente. A
maioria das pessoas gostaria de conhecer cada pensamento dos amigos íntimos. Easterbrook
provavelmente considerava a ignorância uma trégua, um alívio.
– Já fez uso inapropriado disso? Posso imaginar algumas possibilidades.
– Confesso que permitiu que me aproximasse de mulheres muito facilmente.
– Suspeito que ainda permita. Foi muito errado de sua parte. Elas nem tiveram chance.
– Gosto de pensar que quaisquer pecados resultantes de conhecer muito bem o prazer delas foram
perdoados pelo próprio prazer que proporcionei.
Ele não parecia nem um pouco arrependido.
– E admito que ganhei mais dinheiro em apostas do que deveria na época em que cursei a
universidade.
– Foi errado, mas longe de ser perigoso.
– De forma geral, consegui não ceder às tentações mais sombrias, agora as evito.
Mas elas existiam. É claro que existiam. Seria difícil não explorar uma vantagem assim. A luta
contra essa atração devia ser a pior parte dessa estranha aptidão que ele declarava.
– Hoje em dia, é mais para satisfazer minha curiosidade a respeito das pessoas que a uso.
Principalmente quando me vejo obrigado a fazer um julgamento sobre elas.
– Como o pretendente que foi pedir a mão de Caroline, por exemplo?
– Acho que posso ser perdoado nesse caso. A felicidade de minha prima estava em jogo.
– Mas você afirmou que não tem essa vantagem comigo. Nem um pouco?
É claro que não. Caso contrário, teria ficado em silêncio. E ele havia jurado. Mas...
– Se tivesse, neste exato momento eu saberia que está pensando que sou uma espécie de monstro,
Leona. Ou pior, que está com pena de mim por sofrer um tormento incurável.
Suas palavras a horrorizaram. Ela desejou que, só dessa vez, ele pudesse ler sua mente, assim
teria certeza de que não era daquela forma que ela pensava.
– Eu não o considero anormal. Sei que também não é louco. Fico feliz que tenha me contado.
Entendo Edmund muito melhor agora, e Easterbrook também.
Ela colocou a mão no rosto dele e o encarou.
– Nem tampouco sinto pena de você, mas suspeito que tenha sido uma maldição terrível quando
era mais jovem e que ainda hoje, apesar de você ter-se adaptado de maneira tão admirável, continue
a ser ruim. Acho que eu não poderia viver com isso.
Ele segurou a mão dela junto ao rosto, depois se virou para beijá-la. Fechou os olhos e pousou a
boca na palma da mão dela por um longo instante.
– Confio que não vá contar a ninguém, Leona.
– Ninguém mais sabe? Nem seus irmãos?
– Eles não entenderiam.
Ainda assim, ele achou que ela entenderia. Havia lhe confiado seu segredo. Correra o risco de
que ela reagisse com horror, zombaria ou mesmo medo.
Ela esticou o outro braço e acomodou o rosto dele entre as mãos. Puxou-o com suavidade para
baixo, de modo que pudesse beijá-lo. Mas deixou bem claro que não se tratava de um beijo de pena.
O desejo correu pelo corpo dela. Eles permaneceram daquele jeito por um bom tempo,
compartilhando o fogo mútuo que não exigia percepções especiais para ser reconhecido.
CAPÍTULO 18

Leona não mencionava a conversa que tiveram no bosque. Contudo, Christian às vezes a via
contemplando suas revelações.
Uma dúvida se mostrava nos olhos dela, ou ela tentava adivinhar o que ele estava captando.
Aconteceu uma vez quando um criado entrou no cômodo em que eles estavam, mas em geral o que ela
fazia era tentar garantir que ele não soubesse demais a seu respeito.
Ele não se irritava com Leona por isso. Comovia-o o fato de que, em vez de julgá-lo, ela
houvesse tentado acreditar nele.
Seu contentamento aumentava a cada dia por conta disso. A paz que ele vivenciava na presença
dela estava multiplicada por dez, agora que ele lhe confiara seu segredo. Ele nunca se dera conta de
quanto o segredo em si criava um isolamento, mesmo quando ele aceitava a companhia de outras
pessoas.
Gostava de ficar em casa com ela. Mais especificamente, na cama. Mas sabia que não deveria
fazer isso. Não era idiota a ponto de transformar uma temporada de prazer em uma terrível
imposição.
Ele se esforçava para que ela não ficasse entediada. Nos dois dias seguintes, saíram juntos para
cavalgar pela propriedade.
Tentou não deixar que ela percebesse que ele não sabia quais melhorias seu administrador tinha
feito recentemente, porém os arrendatários pelos quais passaram nos campos não eram tão bons em
fingir que aquele tipo de inspeção acontecia com regularidade.
– Estão admirados por nos verem – disse Leona depois de estar sendo observada por olhos
arregalados por uma hora.
– É porque você é bonita demais.
Eles passaram por um grupo de trabalhadores que faziam sua refeição matutina. Leona olhou para
eles de soslaio enquanto cavalgavam.
– Não foi meu rosto que deixou aqueles homens admirados – garantiu ela. – Foi para você que
eles olharam até ficarem boquiabertos.
– É possível que tenham me confundido com Hayden. Somos muito parecidos.
– E os queixos caídos quando perceberam que não era ele? Você não costuma vir a esta
propriedade, não é? Nunca.
– Hayden lida com o administrador. Ele assumiu essa tarefa quando viajei e se provou tão
talentoso que não havia motivos para deixar de fazê-lo.
– Tenho certeza de que ele executa a tarefa com perfeição. No entanto, as terras são suas. A vida
dessas pessoas depende de você. Acho que eles ficaram mais tranquilos ao vê-lo demonstrar o
mínimo de interesse pela propriedade hoje.
Ela falou de forma doce, até mesmo especulativa, como se apenas expressasse um pensamento
que lhe ocorrera de repente. De qualquer modo, ele entendeu aquilo como uma reprimenda. Quando
passaram ao campo seguinte, ele se sentiu na obrigação de comentar o ponto em que o trabalho fora
interrompido. Depois ficou olhando de forma teatral para a plantação.
Um rapaz de não mais que 12 anos sorriu e acenou em resposta ao momento de atenção do senhor.
Leona correspondeu com um aceno. O pai do garoto acenou também. Christian sentiu a rédea de
Leona bater em sua perna. Ele ergueu a mão.
– Viu só? Estão felizes em ver você. Falarão sobre isso durante dias.
Ele podia imaginar o que diriam. Essas boas pessoas não enchiam as salas de visita de Londres,
mas os mexericos eram praticamente os mesmos.
Dois dias depois, Leona o acompanhou até a vila de Watlington. Visitaram as lojas e Leona
comprou alguns alfinetes em uma loja de tecidos. Christian ficou olhando as prateleiras enquanto ela
finalizava as compras.
– Aquela loja pareceu interessá-lo – comentou ela quando retomaram o caminho.
– Não entro nela desde menino. Muita coisa mudou.
– Não costuma vir a essa vila também, não é?
Ele não se lembrava quando fora a última vez, à exceção do casamento de Bradwell.
– Não muito.
– É como sua presença em festas e jantares, ou idas ao parque na hora do movimento. Seus
hábitos normais não incluem essas coisas.
Ela puxou sua gravata de forma gentil e discreta.
– Até mesmo isso. Não tinha muito motivo para usá-la um mês atrás.
– Você vale uma gravata de vez em quando.
Ela sorriu para ele, e seus olhos refletiram o brilho do dia.
– Fico lisonjeada que pense assim. Você me honrou com sua perseguição, a um nível que eu não
compreendia. Todas aquelas multidões... Era desagradável para você.
Nem tão desagradável. Não tanto quanto ele esperava. Mesmo agora, nesse dia de compras em
Watlington, com pessoas se acotovelando, a maldição o afetava menos do que no passado.
A presença dela fazia diferença. Sobrava-lhe pouca atenção para dar a qualquer outro assunto.
Fosse conversando ou divagando sobre as noites passadas e aquelas por vir, ela criava um espaço de
liberdade e calma no qual ele experimentava uma vida normal.
– Não estou me sacrificando, se é isso que supõe – garantiu ele.
– Não me sentiria mal caso se sacrificasse um pouco. Vem me ensinando coisas um tanto
perversas e deveria pagar um pouco por me fazer consentir de forma tão indecorosa.
– Tudo o que quiser será seu, Leona, obedecendo ou não.
Ela corou com graça a princípio, depois uma sombra tomou conta dela. Voltou sua atenção para os
alfinetes que guardara na bolsa.
– Algum dia pedirei que honre essas palavras, Christian.
Era bem provável. Ele podia se arrepender da oferta impulsiva que nascera do desejo de cobri-la
de presentes. A felicidade estava deixando-o bobo.
Ela deu um sorriso muito particular que o fez se sentir mais bobo ainda.
– A obediência foi recompensada. Você me deve muito pouco.
A lisonja o agradou demais. Enquanto passeavam, sua mente contemplava quais outros
consentimentos poderia obter dela.
Mas ela estava errada. Ele já lhe devia mais do que poderia pagar, e pouco tinha a ver com
prazer. Pior: ela já o alertara de que quando resolvesse cobrar a dívida, o custo seria perdê-la.

Já que pusera o bom senso de lado, Leona passou uma semana inteira sem pegá-lo de volta.
Reconhecia para si mesma, de maneira quase dolorosa, que Easterbrook a satisfazia a tal ponto que
ela não poderia recuperar o bom senso nem se quisesse.
As lições eróticas foram ficando mais ousadas, mas era como se cada uma delas fosse a coisa
mais normal e natural de se aprender. Ela se acostumou com a voz baixa dele conduzindo-a.
Normalmente, estava tão alucinada que a sugestão dele não a chocava nem um pouco. Ele sabia como
garantir que ela quisesse exatamente o mesmo que ele. Ele havia aprendido bem demais o que lhe
dava prazer.
Na manhã seguinte à sexta noite que passaram em Aylesbury, sentaram-se para tomar café da
manhã nos aposentos dele. Ela usava apenas uma camisola, e ele havia vestido calças às pressas. Os
criados serviram a refeição como se tanto o marquês quanto a amante estivessem prontos para um
passeio na praça mais elegante.
Ela observava o esplendor com que tudo vinha sendo preparado. A casa tinha ganhado vida ao
longo da semana. Os criados todos andavam a passos largos.
– Estão felizes por você estar aqui – disse ela quando se sentaram à mesa.
– Quem?
– Os criados. Sua visita lhes dá um propósito.
Ele olhou para o homem que limpava a lareira.
– Não acredito que eles esperem que se torne algo recorrente.
– Não gosta de Aylesbury Abbey?
– Costumava odiar. Agora...
Ele deu de ombros.
Ela ficou se perguntando o porquê de tanto ódio, mas aquele gesto de indiferença desencorajava
qualquer pergunta sobre a questão.
Ele voltou sua atenção para outra coisa, mas logo estava olhando para ela.
– Não era um lar agradável quando eu era menino. Minha mãe tinha medo do meu pai, e tinha
motivos para isso.
– Você também tinha medo dele?
– Quando criança, sim. Depois comecei a sentir pena e, quando ele morreu, eu o desprezava.
Agora simplesmente ignoro sua memória.
Ele apontou para o quarto.
– Durante anos, me recusei a utilizar estes cômodos. Depois concluí que era uma forma perversa
de sentimentalismo. Então bani a presença dele impondo a minha própria nos espaços que ele
dominava. Mas, sim, continuo não gostando de Aylesbury, embora não tenha pensado nisso esta
última semana.
– A governanta disse que sua mãe passava muito tempo aqui. Escrevendo poemas, ela falou.
– Ela se confinou aqui nos últimos anos de vida. O restante da família vivia em Londres. Nós a
visitávamos, e ela fingia gostar. Mas raramente saía da biblioteca ou de dentro da própria mente.
Alguns suspeitavam de que meu pai havia cometido um grave crime. Ela, infelizmente, tinha certeza
disso. – Christian fez uma pausa. – Ela simplesmente sabia.
O modo como ele disse isso, tão similar ao modo como havia descrito a própria maldição, foi a
dica para Leona: ele achava que sua sensibilidade aguçada era algo herdado.
Seria esse o motivo de ele sempre sair dela no auge da paixão? Não apenas para poupá-la de uma
gravidez, mas também para garantir que nenhuma criança passasse pelo que ele havia passado?
O coração dela ficou apertado ao perceber que ele achava que devia evitar ser pai. Ela não
perguntou mais a respeito do que ele lhe revelara. Aquilo não a afetava diretamente; além disso, não
havia mais ninguém com eles. Ainda assim, lá estava afetando o entendimento dela em relação a
Christian e às escolhas que ele fazia.
– Ela estava correta? – perguntou Leona. – Você percebia o mesmo?
– A culpa o deixou saturado. Endurecido. Aterrorizado.
O maxilar de Christian ficou tenso.
– Ele matou um homem por ela. Sem nenhuma honradez. Não foi um duelo, foi assassinato.
A revelação a deixou perplexa. Ela não imaginava que uma sombra como essa pairasse sobre a
família de Christian.
– Tem certeza? Simplesmente sabe, assim como ela, ou investigou os fatos?
– Eu tenho certeza, mas optei por não confirmar os fatos.
– Então pode estar errado. Ela também podia estar errada. Talvez o que ele sentia tivesse outra
motivação. Você disse que não lê pensamentos e que precisa interpretar o que sente. Eu precisaria
confirmar algo assim antes de condenar uma pessoa. A verdade é que você apenas acredita nisso,
Christian. Você não sabe de verdade.
– Talvez você esteja certa. Conto com isso. Se eu procurar uma confirmação, essa sombra de
dúvida deixará de existir. Prefiro deixar de lado as piores partes do legado de meu pai.

A correspondência chegou com o café, o pão e o peixe que ele gostava de comer pela manhã. Ele
passou os olhos pelas cartas.
– Minha visita ao campo foi notada. Vários convites estão chegando.
Ele começou a empilhá-los de um lado enquanto verificava o restante da correspondência.
Uma carta recebeu mais do que uma simples olhadela. Ele a entregou a Leona e continuou a
analisar as demais.
Ela segurou a correspondência, mas ficou olhando para o marquês. A expressão dele estava mais
leve. Não havia absolutamente nada que indicasse algo de errado. Ainda assim, o desgosto era como
uma névoa escapando de sua alma.
Foi isso que ele quis dizer, ela se deu conta. Todos nós temos essa percepção com as pessoas
que nos são íntimas. A única coisa incomum era ele ter a mesma sensação com desconhecidos.
Ele estava longe de ser tão estranho quanto pensava. Ela lhe explicaria isso. Não mudaria em
nada o que ele vivenciava, mas ele podia achar bom saber que tinha tanto em comum com as outras
pessoas.
– Não vai ler, Leona?
– É claro que vou.
Ela voltou sua atenção para a carta. Então o dia ensolarado perdeu sua inocência. Lady Lynsworth
escrevera.
Uma tristeza se instalou no coração de Leona. Receber aquela correspondência a afetou tanto que
de início ela nem conseguiu lê-la. Sabia que significava o fim daquele sonho que vinha ela vivendo.
Christian tinha a mesma certeza.
Ela leu a carta. Lady Lynsworth expressava contentamento e gratidão. Tong Wei fizera maravilhas
por Brian. Tanto que o chinês voltaria a Londres em dois dias. A carta terminava com um longo
parágrafo falando sobre profundo alívio e fazendo declarações de amizade eterna.
Outra carta apareceu de repente sobre a mesa, diante dela.
– É um convite para uma reunião na semana que vem – explicou Christian. – Gostaria de ir?
O convite era para ela, especificamente. Ele segurava outro, com o mesmo conteúdo.
– É apropriado? Convidar sua amante?
– Estão convidando minha hóspede. Quanto a seu relacionamento comigo... Esta casa é bastante
grande, os criados são muito discretos, os rumores não podem ser comprovados e eu sou
Easterbrook.
Ela segurava as duas cartas. Mais uma vez, ele permitia que ela tomasse a decisão. Só que havia
momentos em que não era possível ignorar o mundo e optar por seguir seu coração.
A confusão voltou, mais terrível do que na primeira noite que passara em Aylesbury. Ela se sentiu
mal por ter recebido a correspondência de Lady Lynsworth, mesmo que fosse uma resposta à carta
que enviara em seu primeiro dia ali. Não queria que suas obrigações interferissem na proximidade
que tinha com Christian.
Ela fechou os olhos e, só de lembrar, foi envolta pela intimidade. O silêncio perfeito quando se
deitavam... a liberdade que compartilhavam e a forma como seu coração se inflava quando estava
nos braços dele. Havia experimentado emoções extraordinárias ali e acreditava que Christian sentia
o mesmo. Ele podia ser, ao mesmo tempo, Easterbrook e Edmund, se quisesse. Não precisava
esconder as tempestades de sua alma.
Ela olhou para a frente e viu que Christian a observava.
O marquês estendeu o braço e pegou na mão dela. Segurou-a por alguns instantes. Depois a puxou
com delicadeza. Em resposta ao comando silencioso, Leona se levantou. Ele a conduziu ao redor da
mesa e a acomodou em seu colo.
Christian sabia obliterar a confusão dela. Sabia como seduzi-la para afastá-la de todos os
pensamentos. Ela se rendeu rapidamente. Queria esquecer por mais um tempo que nada daquilo
duraria. Só que não conseguia esquecer de todo. Mesmo na hora da paixão, ainda sentia um nó na
garganta.
Christian tirou a camisola dela e a virou de frente. As pernas dela pendiam, com as coxas
envolvendo-o. Ele afrouxou a calça, ergueu Leona e a fez descer de modo que se encaixassem.
Acariciou seus seios até oscilarem em um ritmo de necessidade e desespero.
Ela levou um longo tempo para se satisfazer. A tristeza queria invadir aquele momento. Ele
esperou por ela e submeteu a própria ferocidade ao doce anseio que enchia o prazer daquela manhã.
Não houve cataclismo dessa vez. A paz tomou conta de Leona lentamente, liberando uma onda de
êxtase. Ela não o soltou de seu abraço, de modo que a respiração dele continuou a aquecer seu peito.
Aceitou tudo o que o coração e a alma estavam vivenciando, até mesmo a dor que se infiltrava na
beleza e na candura daquela intimidade.

Ocorreu a ele, quando sua mente se acalmou, que poderia adiar o acerto de contas para sempre se seu
corpo não o traísse. Só Deus sabia quanto ele vinha tentando.
Voltaram para a cama sem ao menos tocar no desjejum. Ele havia usado o prazer com ela da
mesma maneira implacável de sempre, para vencer a lembrança de suas responsabilidades, que
haviam se intrometido por meio daquela maldita carta.
Ele ainda flutuava entre o limbo e o mundo real, entrelaçado com ela. Era um estado muito
parecido com o que alcançava na meditação, só que seu eu não desaparecia. Em vez disso, sua
autoconsciência enchia a paz da escuridão. E, ao que tudo indicava, outra pessoa também podia
participar desse momento.
Não apenas ela, mas a essência dela. Suas preocupações. Sua tristeza. Nesses momentos de
serenidade, ele a conhecia melhor do que jamais havia conhecido outra pessoa, inclusive ele mesmo.
Ele soube o que ela diria antes mesmo que se recolhesse dentro de si. Sentiu que ela se retraía e
adivinhou.
– Preciso voltar para Londres, Christian – disse ela em voz baixa, bem perto do ouvido dele.
– Não, não precisa.
– Eu ficaria zangada pelo modo controlador com que disse isso se não estivesse tão saciada. Não
tenho disposição para discutir agora. Você sabe.
Ela ainda o abraçava. Conseguia ouvir os jardineiros trabalhando do lado de fora. Será que ela
tinha razão? A visita do patrão lhes dava um propósito?
– Nada acontece enquanto fico aqui – disse ela.
– Eu diria que muita coisa acontece com você aqui. Está aprendendo o suficiente sobre prazer
para uma vida inteira.
– Nem precisa me lembrar disso.
Ela afrouxou o abraço. Apoiou-se nos cotovelos de modo a ver o rosto dele.
– Lady Lynsworth escreveu dizendo que Tong Wei voltará para Londres em dois dias. Estarei
segura na cidade com a presença dele. Não tenho mais desculpas para ficar aqui.
– Você tem a melhor das desculpas.
Mas não tinha. Ela não era mulher de deixar o prazer decidir seu caminho. Havia deixado isso
bem claro quando fora até ele.
Ele decidiu tentar uma nova abordagem.
– Você deveria ficar para planejar o que pretende fazer quando voltar a Londres.
– Não preciso planejar. Eu já sei. Visitarei os transportadores que, segundo você me disse, seu
irmão tomou providências para que eu conhecesse. Também visitarei Denningham, como você
prometeu.
– Já disse que não descobrirá nada importante com ele. O tal escritor do jornal ou se enganou ou
mentiu.
– Sua certeza tem mais peso agora, é claro. Já não pesa como mera opinião. No entanto, ainda
quero conhecer Denningham para ter certeza também.
Ela estava inflexível. Era hora de distraí-la.
Ele tentou fazer com que uma parte específica de seu corpo demonstrasse seus planos. Não
conseguiu. Porcaria.
– Eu esperava adiar essa conversa por hoje, Leona.
Ela deu um sorriso malicioso.
– E foi extremamente bem-sucedido durante horas. No entanto, nem mesmo o grande Easterbrook
é capaz de continuar nesse pique para sempre.
Seu dedo delicado percorreu o torso dele até roçar na parte do corpo que ele tentara animar
sozinho. Aquele toque foi tudo de que precisou. No fim das contas, ele foi capaz de continuar no
pique por mais um bom tempo.
CAPÍTULO 19

Ele conseguiu adiar a conversa, mas ela teria de acontecer. Pairava no ar, obscurecendo o dia como
uma sombra. Ao cair da noite, Leona concluiu que, se não insistisse, levaria meses para ir embora de
Aylesbury.
Enquanto se arrumava, ela pensou em Gaspar pela primeira vez em dias. Sentiu-se culpada por tê-
lo deixado fora de sua mente. Compreendia a confiança que ele havia depositado nela quando partira.
O negócio da família precisava desesperadamente das alianças que ela tentaria forjar, e ele
presumira que a irmã seria capaz disso. Confiava nela mais do que era razoável e dependia dela mais
do que era prudente. Ela podia querer continuar seu romance em Aylesbury para sempre, mas o
decepcionaria se o fizesse.
Desceu para os aposentos de Christian mais cedo do que o normal aquela noite. Encontrou-o
ainda de camisa e calça, sentado no escuro. Sua imobilidade indicava que ele estava meditando.
Ela desejou também ter aprendido a meditar. Sentia um aperto no coração só de pensar na
conversa que estava prestes a acontecer. Seria útil escapar para a paz que Tong Wei dizia existir
naquela perda do ser, onde se abdicava de desejos e ambições.
Ela colocou a lamparina sobre a mesa como sempre fazia, depois sentou-se em uma cadeira. Ele
voltou a si da meditação. Seu foco se voltou para Leona num instante.
– Pretendo partir amanhã – anunciou ela. – Se não me mandar em seu coche, contratarei um para
mim e Isabella.
Ela se preparou para um relâmpago. Ele não veio. Nenhum calor. Nenhuma turbulência. Ele
considerou as palavras dela com calma.
– Você deveria saber que não vai a lugar nenhum, Leona, em meu coche ou qualquer outro, a
menos que eu permita.
Ela engoliu em seco.
– Estou confiando que vá permitir.
– Tem mais fé em mim do que eu mesmo.
– Tenho fé em que cumprirá sua promessa.
– Prometi que a deixaria voltar para o seu irmão. Não para Londres.
– Você sabe que não posso voltar para a China sem voltar para Londres primeiro.
– Não é verdade.
– Pretende me manter prisioneira? Inventar outra alternativa, esta casa ou Macau? Só poderei
ficar com você ou voltar para casa, sem cumprir meu objetivo?
– Objetivos.
Christian enfatizou o plural com firmeza. Com rigidez.
Ele estava totalmente imóvel. Não se tratava de mantê-la ali. Talvez não se tratasse nem de
desejá-la. Ele a mantinha longe do segundo objetivo e a faria sacrificar o primeiro se fosse
necessário.
– Se está preocupado com minha segurança em Londres, Christian, quanto antes eu finalizar
minhas questões, mais rápido estarei segura.
– Não vale o risco. Mesmo com Tong Wei para protegê-la, mesmo comigo... Eu já falei para
desistir. Estou falando novamente. Mesmo que alcance seus objetivos, ganhará muito pouco com isso
e arriscará sua segurança e os negócios de seu irmão.
Ela odiou o modo como ele ficou ali sentado, tão seguro de seu julgamento. Lançou um olhar
irritado para ele, mas não foi o bastante para que Christian deixasse de dominar o cômodo e a ela.
Ele sequer precisava se mexer para isso. Não precisava negociar. Podia não usar uma palavra que
fosse, e ainda estaria envolto pelo próprio poder. Ele sabia que podia detê-la.
Ela estava consternada por ele desejar fazer isso. Afastou-se dele. Seu coração insistia que ela se
rendesse, que fizesse qualquer coisa para que a noite não terminasse em sofrimento, só que Leona
precisava saber imediatamente.
– Christian, na primeira noite que passamos aqui, eu disse que tinha perguntas. Você se ofereceu
para responder uma. Acho que escolhi a pergunta errada. Esqueci quem eu era, por fim. Preciso fazer
outra pergunta agora.
Ele permaneceu quieto. Aquele silêncio minava a coragem dela. Era como se o senhor esperasse
para ouvir sua súplica.
– Meu pai tinha um diário com capa de couro em que anotou os padrões que percebeu e os nomes
que descobriu em sua tentativa de expor contrabandistas. Nunca mais o vi depois da noite que você
deixou Macau. Não o encontrei entre os pertences particulares depois que meu pai morreu. Você o
pegou quando foi embora?
– Peguei.
Ela fechou os olhos para conseguir controlar o que aquela confissão significava para ela. A
decepção a machucou tanto que chegou a doer. Seu estômago embrulhou. Ela teve medo de que, se
olhasse para Christian agora, encontraria outro homem. De repente poderia ver todos os aspectos e
características que sua excitação antes ocultara.
Os olhos de Leona ardiam. Seu discernimento sempre a alertara de que o interesse dele era
baseado em motivos ocultos, ou, na melhor das hipóteses, ele lhe era indiferente. Nos últimos dias,
no entanto, ela havia se permitido não pensar assim.
– Não se pergunta por que eu peguei o diário, Leona?
A voz dele, tão próxima, a assustou. Ela abriu os olhos. Ele havia levantado da poltrona e estava
parado diante dela.
– Volte a pensar naquela noite, Leona. No perigo que viu e sentiu. Refugiou-se na raiva e na ação,
mas eu pude ver o seu terror. Nem mesmo seu pai, que já havia sofrido outros ataques e perdas,
podia acreditar que eles tivessem sido tão ousados a ponto de incendiar aquele navio bem ali, em
Macau.
Ela deixou sua mente voltar no tempo. Para a fumaça e as tentativas inúteis de apagar as chamas.
Viu seu pai, o rosto coberto de cinzas, abalado. Ele havia estado naquele navio apenas uma hora
antes, mostrando ao irmão dela como conferir a nota de carga. Por sorte, haviam desembarcado antes
do esperado.
– Tentaram matá-lo.
A fúria que sentira aquela noite tomava conta dela de novo.
– Não conseguiram, mas acabaram com ele da mesma forma. E todas as evidências que ele tinha,
todas as provas, estavam no diário que você roubou. Maldito seja. Eu procurei por ele. Pretendia
fazer o que meu pai não podia mais e acabar com tudo. Eu teria falado com o vice-rei em Cantão. Eu
teria...
– Você teria provocado sua morte. E a dele. E talvez a de seu irmão também. Peguei o diário para
que não pudesse fazer nada.
– Acho que pegou por outros motivos.
– Não existiram outros motivos. Aquela noite provou que se tratava de uma questão maior do que
seu pai podia enfrentar. Maior do que você podia enfrentar. Peguei o diário para protegê-la.
Ela queria acreditar naquilo, mas era incapaz de acreditar em qualquer coisa no momento.
– Ainda está com ele? Está, não é? Quero que me entregue.
– Não.
A frustração acabou com sua compostura e a fez ranger os dentes.
– Eu preciso terminar isso.
– Não vai terminar nada. Pode provar que seu pai estava certo. Pode descobrir os nomes de
homens aqui da Inglaterra que lucravam com aquele tipo de comércio. Pode até mesmo expô-los ao
desprezo do mundo. Mas, mesmo se conseguir, não vai detê-los. Os negócios de sua família serão
punidos mais uma vez, e você voltará a correr perigo. Já está correndo.
Ela mal conseguia acreditar que ele fosse tão implacável. Tão desalmado. E tinha certeza de que
ele quisera algo além de protegê-la. Tivera o diário nas mãos por anos. Lera seu conteúdo. Sabia que
aquilo a ajudaria, porém tivera os próprios motivos para não fazer nada nesse sentido. Ela pensou na
última semana, nas emoções e descobertas. Essa conversa a fazia duvidar de tudo que havia
observado e acreditado a respeito dele.
– Quero o diário, Christian. Você disse em Watlington que eu poderia ter o que quisesse.
E então ele demonstrou sua raiva. A mão cortou o ar, no gesto de determinação de um lorde.
– Eu não estava falando disso.
– Não, estava falando de joias, sedas ou presentes. Distrações para que eu não fizesse perguntas
nem exigências que o desagradassem.
– A maioria das mulheres se contentaria com joias e sedas, raios!
– Se eu fosse uma mulher qualquer, você não me desejaria. O que será preciso para que me
devolva aquele diário? Você disse que desejaria tudo o que eu permitisse. Se eu disser que permito
qualquer coisa, ficará convencido?
Christian considerou a proposta. Ela notou. Ele olhou para ela de um modo que a fez estremecer.
Agitada, tentando disfarçar a forma como os mistérios dele ainda a seduziam e sofrendo por ele ter
voltado a ser um estranho, ela conseguiu encará-lo.
– Está insultando nós dois, Leona. Se eu a quisesse como minha prostituta, teria estabelecido os
termos desde o início. É assim que se costuma fazer. Não imaginei que essa maldita missão
significasse mais para você do que o próprio orgulho.
A repreensão foi como um tapa que jogou a raiva para o devido lugar e permitiu que ela
enxergasse o que acabara de fazer. Ela ficou sem fôlego diante da crueldade das palavras dele e do
fato de ela haver corrompido tudo o que eles tinham até então.
Christian deu as costas para Leona, não apenas fisicamente. Se uma porta tivesse se fechado na
cara dela, a repulsa do marquês não poderia ser mais evidente.
– Você costuma trazer à tona o melhor em mim, Leona. No momento, está incitando o que há de
pior. Vá embora antes que eu aceite a oferta que acabou de fazer.
Ela conteve as lágrimas que queriam escorrer. Com a dignidade que lhe restava, dirigiu-se até a
porta. Assim que saiu do quarto, correu. Fugiu para sua cama, onde chorou mais do que em anos.
CAPÍTULO 20

A mensagem chegou com a bandeja do café ao amanhecer.


A criada explicou que lorde Easterbrook ordenara ao cocheiro que estivesse pronto para levá-la
às nove horas.
Isabella chegou logo depois. Também havia recebido uma mensagem. Em silêncio, começou a
arrumar as malas.
Leona não conseguiu comer nada. Ficou olhando cegamente para o jardim enquanto Isabella
separava seu traje. Quase não dormira na noite anterior, tomada por um sofrimento que ainda
entorpecia seus sentidos.
– Você o desagradou? – perguntou Isabella em voz baixa.
– Pedi para ir embora.
E era o que estava fazendo, mesmo que parecesse que ele a mandara embora. Porque mandara.
Ela não conseguia mentir para si mesma, dizendo que ele havia apenas cedido aos seus desejos e
providenciado o coche.
Isabella franziu a testa enquanto derramava água para Leona se lavar. Resmungou algo para si
mesma em chinês.
– O que está dizendo? – perguntou Leona.
– Perdoe-me, mas eu estava dizendo que os europeus são estúpidos.
Ela ajudou Leona a tirar a camisola.
– Estava me chamando de estúpida? Ou ele?
– Deve haver burrice suficiente para ambos. No entanto, não é difícil agradar a um homem, então
seria preciso uma mulher estúpida para desagradar a um que queria tanto ser arrebatado.
É fácil ser estúpido quando se está com raiva e falando sem pensar. Ela havia imaginado uma
centena de formas de terminar a conversa da noite passada de forma diferente da que ocorrera.
Ela tentou tirar algum consolo do fato de que, pelo menos, havia beneficiado seu plano inicial.
Ele não a deteria. A vitória parecia muito pequena esta manhã e insuficiente para atenuar a dor em
seu peito. Seu coração acreditava ter perdido mais do que ganhado, e ela se recusava a escutar a
razão.
Isabella começou a escovar os cabelos de Leona.
– Eu tenho um livro. Minha mãe me deu. Darei a você.
– Um livro?
– Um livro de cabeceira. É sobre prazer. Minha mãe ganhou do primeiro amante. Deu para mim
quando partimos. Ela sonha que eu me torne concubina de um grande homem daqui. Esperava que os
europeus fossem diferentes se não estivessem em Macau.
Ela escovou um pouco mais.
– Meu pai gostava desse livro. Tem algumas figuras.
– Isabella, lorde Easterbrook e eu tivemos uma discussão ontem à noite, mas não foi sobre isso.
– Minha mãe diz que quando há discussão, esse é o jeito de colocar um fim nela.
– Não é tão simples.
– Eu entendo. É claro. Desculpe.
Isabella continuou escovando, mas Leona a escutou resmungar as mesmas palavras em chinês
novamente. Europeus são pessoas estúpidas.
Não demorou para que elas estivessem prontas para a partida. Alguns criados foram se despedir
de Isabella. O mordomo executou suas tarefas. Easterbrook não apareceu.
Leona o imaginou dormindo naquela cama grande. Talvez estivesse acordado, meditando. O mais
provável era que estivesse aliviado por ter terminado com ela. Depois de uma vida de isolamento,
não seria natural passar tanto tempo na companhia de outra pessoa.
Olhou para a enorme casa quando a carruagem começou a andar. As janelas do terceiro andar
chamaram sua atenção. Uma sensação estranha tomou conta de Leona. Sentiu a presença dele lá em
cima, vendo-a partir.
Ridículo, é claro. Seus aposentos davam para o jardim, não para a frente da casa. Era ele que
tinha percepções especiais, não ela. Sua mente estava lhe pregando peças, porque na verdade ela
ansiava por algum sinal de que não o havia perdido de vez.
Ela se recostou no assento. Ao seu lado, Isabella ergueu uma valise.
– É um presente da governanta? – perguntou Leona.
– Não sei. Estava na carruagem quando entramos, aqui no chão. Acha que é um presente? Ou que
talvez haja um presente dentro dela?
A criada abriu a valise olhou lá dentro. Fez um careta, fechou-a e colocou no chão.
– Nenhum presente. Deve ter ficado aqui por engano. Só tem um livro velho e surrado.
Elas rodaram algumas centenas de metros até que as palavras de Isabella fizessem sentido para
Leona. Ela olhou para a valise, depois a pegou e a apoiou no colo.
Abriu. O cheiro do couro subiu até ela. Olhou o interior e viu o diário de seu pai.

O coche se afastou, desaparecendo no fim da névoa da manhã. Christian observou até não haver mais
nada para olhar.
Lá embaixo, viu um tratador trazer seu cavalo. Além do coche para Leona, dera ordens para que
preparassem a montaria dele. Também retornaria a Londres, mas sozinho.
Não desejava estar naquela carruagem enquanto Leona lesse o diário. Depois da última noite, ela
não levaria em conta nenhuma explicação vinda de Christian em relação ao que as anotações
revelavam sobre o pai dele. Aquele diário na certa a convenceria de que ele fora a Macau disposto a
qualquer deslealdade para proteger o nome de Easterbrook.
Leona era esperta o suficiente para compreender o resto das revelações também. As razões pelas
quais corria risco ficariam claras. Contudo, ele não acreditava que isso a detivesse. Ela precisava ir
até o fim. Talvez fosse melhor assim. O perigo não terminaria se ela desistisse agora e voltasse para
casa. Alguém havia concluído que ela sabia demais. Agora que estava com o diário, sabia mesmo.
Ele voltou para seus aposentos. Só podia ser obra de sua imaginação, mas o perfume dela
continuava lá. Abriu as janelas para que a brisa desse um fim a suas inclinações à nostalgia.
Os jardineiros estavam ocupados podando, cortando e capinando. Havia propriedades em que o
dono conhecia todos os empregados pelo nome, mas esse não era o estilo nas mansões de
Easterbrook. Ele tinha o mínimo contato possível com os criados.
Você toca o mundo, Christian, mesmo não querendo que ele o toque. Ela levava jeito para fazê-
lo refletir.
Ouviu-se um pigarrear. Ele se virou e viu o mordomo junto à porta.
– A carta para o Sr. Miller foi enviada junto com elas, Thurston?
– Eu mesmo entreguei a um dos lacaios, senhor.
A carta continha ordens para que Miller quadruplicasse a guarda na casa de Leona. Ela podia
pensar que Tong Wei bastava, mas Christian a queria protegida por mais de um homem se deixasse o
santuário que era Aylesbury Abbey. Querendo ou não, ela teria que conviver com essa intromissão
até que ele voltasse a Londres, encontrasse os homens que a ameaçavam e acabasse com isso de uma
vez por todas.
– Vim avisar que seu cavalo está pronto, senhor.
Christian olhou para o jardim onde ele e Leona haviam passado tantas horas agradáveis. Passou
os olhos pelo quarto.
– Diga ao tratador que mudei de ideia.
Thurston fez uma reverência e começou a sair do cômodo.
– Espere. Vou cavalgar, mas pela propriedade. Só partirei dentro de alguns dias. Mande avisar ao
administrador que eu o encontrarei na passarela sobre o riacho às dez horas. E mande subir o rapaz
que vem me servindo de criado.
Thurston fez uma mesura e se afastou um pouco mais.
– O nome dele, Thurston. Qual é?
– De quem, senhor?
– Do jovem que está me auxiliando.
– Ele se chama Jeremiah. É um jovem sério e dedicado. Tenho grandes expectativas em relação a
ele.
Christian foi até o vestíbulo, satisfeito por ter decidido o que fazer pelos próximos dias. Teria que
se lembrar de perguntar a Thurston o nome do administrador também.
Talvez tirasse uma tarde para cavalgar até Watlington e visitar os Bradwells.
Ele imaginou a reação da Sra. Bradwell quando o encontrasse à porta. Seria melhor mandar um
convite para que viessem jantar com ele, assim poderiam recusar, se quisessem.
Os planos melhoraram seu humor, mas ele sabia que era fingimento. Qualquer atividade só
serviria de distração para sua certeza de que havia perdido a alegria da semana anterior.
Ainda assim, ele permaneceria em Aylesbury por um tempo. Desfrutaria a primavera calorosa que
Leona criara ali e só depois retornaria ao inverno vazio de seus aposentos em Londres.

Leona escutou a conversa do lado de fora de seu quarto. Isabella e Tong Wei falavam em seu chinês
melodioso. Não captou mais do que algumas palavras, mas compreendeu que estavam falando dela.
Não se importava com isso, nem com mais nada. Queria apenas dormir.
Só que nunca dormia. Não um sono profundo. Horas se passavam e sua mente pairava no limite da
consciência. As lembranças vinham agitá-la, depois lhe escapavam. Pensamentos vagos surgiam em
seu torpor.
Nas poucas ocasiões em que ela estava desperta, um sofrimento debilitante lhe tirava a
compostura. Seu coração não era capaz de entender como se enganara tanto em relação a Christian.
Havia se enganado porque queria se enganar. Porque ainda era o coração de uma menina, infantil
e sonhador. Desejara tanto acreditar que um homem jovem, bonito e misterioso simplesmente
aparecera em Macau, na casa de seu pai, por um capricho do destino.
As evidências que provavam o contrário estavam lá desde o início. Outras haviam surgido quando
o reencontrara em Londres. Logo no primeiro dia, o marquês havia questionado os motivos de ela
estar ali. Mantivera os olhos nela, a distraíra e atraíra para longe da verdade.
O coração de Leona ficara de luto quando ela lera aquele diário. Por seu pai, cuja personalidade
vinha à tona a cada anotação que mapeava seu medo crescente e sua determinação inabalável. Por
sua inocência e seu amor tolo, quando viu as linhas que ligavam Easterbrook a toda aquela questão.
Easterbrook era o único lorde que seu pai acreditava com certeza estar entre os donos da
Companhia secreta que contrabandeava ópio. Ele não explicara por que chegara a essa conclusão.
Contudo, fizera anotações que indicavam não se tratar apenas de ópio.
Ele descrevera uma trama antiga de contrabando de chá e artigos de luxo para a Inglaterra e suas
colônias. Se estivesse certo, não seriam apenas as leis do imperador chinês que haviam sido
violadas, mas também as da Inglaterra.
Por que Christian havia colocado o diário no coche, se ele ligava seu pai a esses crimes? Talvez
se sentisse na obrigação depois que ela o lembrara que havia lhe oferecido tudo o que quisesse.
O mais provável era que se tratasse apenas de um presente de despedida que ele havia resolvido
que ela merecia.
Leona tentou não pensar nele. Esforçou-se para esquecer aquela discussão da última noite. Apesar
de todas as revelações, seu coração estúpido ainda se inflamava ao pensar nele. Ela não tinha nada
de que se arrepender e odiava o fato de a dor não ir embora. Ela o havia acusado de tratar o caso dos
dois como algo vil, mas ele só a havia procurado, desde o início, por razões insensíveis.
Um toque em seu ombro interrompeu seus pensamentos. Ela abriu os olhos e viu Isabella ao lado
de sua cama. Tong Wei também olhava para ela. Ele segurava uma tigela.
Isabella aproximou uma cadeira da cama, depois deixou Tong Wei se sentar.
– Coma um pouco.
– Estou sem fome.
– Mas deve comer.
Ele levou a colher à boca da patroa. Ela sorveu um caldo condimentado. Não era algo que a
cozinheira inglesa que havia contratado preparasse.
Ela o interrompeu e se sentou. Pegou a tigela das mãos dele.
– Você não deveria me servir dessa forma. Eu mesma faço.
Ele ficou observando-a. Sempre que Leona parava, ele tentava pegar a tigela de volta para
alimentá-la. Ela seguiu comendo sozinha para que ele não se rebaixasse por sua causa.
– Não perguntou sobre o irmão de Lady Lynsworth – disse ele. – Você me afastou de meus
deveres aqui, me deu uma tarefa que as deixou desprotegidas diante dos piores perigos, mas não
perguntou se o jovem vai sobreviver.
Ela sorveu mais caldo. Havia um pouco de arroz empapado no fundo da tigela.
– Vai?
– Não.
– Ela acha que sim.
– Ele agora está livre. Ela voltou a ver o irmão que conhecia. No entanto, está fraco. Acho que ele
não deseja a liberdade tanto quanto ela pensa. Algum dia, sucumbirá novamente.
– Sinto muito ouvir isso.
– Você sabia o que era mais provável.
– Você já se enganou uma vez.
Pelo bem de Lady Lynsworth, ela esperava que Tong Wei estivesse enganado novamente.
Ele ficou sentado em silêncio enquanto ela comia o arroz. Depois pegou a tigela e a colocou de
lado.
– Você está definhando?
– Definhando? Minha nossa, onde aprendeu essa palavra, Tong Wei?
– Apareceu no livro que estou lendo. Também vi em um poema. Os ingleses parecem definhar.
Não sei o que significa, mas achei que pudesse estar acontecendo com você.
– Não sou o tipo de mulher que definha.
– Também não é o tipo de mulher que fica na cama sem estar doente, mas aqui está você.
Sim, ali estava ela.
– Fiz uma confusão, Tong Wei.
– Isabella disse que você caiu em desgraça com o marquês.
– Ele também caiu em desgraça comigo. Completamente. A pior parte é que acho que o marquês
não vai mais me ajudar agora.
Não era essa a pior parte, suspirou seu coração. Recusar-se a reconhecer a dor não a faria
desaparecer.
– Ele ainda ajuda, mesmo que não queiramos. Seus homens estão aqui o tempo todo. Muitos deles.
Portam pistolas à vista de qualquer um. Eu peço para irem embora, mas eles não vão.
– Mesmo com gente dele aqui para me proteger, acho que não o verei novamente. Deixarei de ser
apresentada a comerciantes importantes.
A expressão de Tong Wei permaneceu suave, mas ela sabia que sua mente havia refletido sobre o
problema. Enquanto ele fazia isso, Isabella reapareceu no quarto e abriu as cortinas.
– Se o marquês não fará isso, então deve fazer sozinha – afirmou Tong Wei. – Se sabe o nome
desses homens, deve ir e falar em nome de seu irmão.
Ela sabia os nomes. Havia levantado rapidamente a questão uma noite em Aylesbury e Christian
os mencionara.
– Eles podem não me receber.
– Talvez possa dizer que o marquês os recomendou a você. Não será mentira.
Não era mentira, mas quase. Tong Wei estava certo. Ela precisava fazer tudo o que pudesse. Tinha
ao menos que tentar. Não poderiam voltar para casa até que ela fizesse isso.
– Tenho motivos para pensar que um deles conhecia meu pai. Tentarei falar com ele primeiro.
Só recentemente ela se dera conta da existência dessa ligação. O nome desse transportador
também aparecia no diário de seu pai.
– Vou preparar um banho – falou Isabella. – Você vai se vestir. Amanhã estará se sentindo você
mesma de novo e saberá o que fazer.
Tong Wei saiu. Isabella puxou os lençóis. Leona se obrigou a levantar. O definhamento podia
esperar. Afinal, ela teria o resto da vida para isso.
CAPÍTULO 21

Daniel St. John não usava regularmente o escritório que mantinha em Londres. Leona soube disso
quando as batidas à porta não resultaram em resposta em sua primeira visita.
Retornou nos três dias posteriores. Finalmente, no último, foi atendida. Um secretário abriu a
porta para ela, Tong Wei e três dos lacaios de Easterbrook. Ele pegou o cartão de Leona.
Ela ensaiou a “quase mentira” enquanto aguardava. Esperava que o Sr. St. John não a examinasse
muito criticamente.
Tong Wei se posicionou perto de uma janela, olhando para fora da mesma forma que fizera aquele
dia na sala de visitas. Ele agora estava sempre alerta, apesar dos guardas que ocupavam a casa e o
jardim.
– O que está vendo? – perguntou ela.
– Ele continua nos seguindo – afirmou Tong Wei. – O homem no cavalo marrom. Já nem tenta
disfarçar.
Ela olhou para trás. No fim da rua estava o cavaleiro em questão, aba do chapéu baixa sobre os
olhos, audaciosamente parado perto do cruzamento, a menos de 50 metros de sua carruagem.
– Ele quer que eu o veja. Quer que eu tenha medo. É disso que se trata.
Tong Wei balançou a cabeça, concordando.
– Antes do fim disso tudo, acho que alguém vai morrer. Meu dever é garantir que não seja você.
Faça suas alianças rapidamente, assim poderei devolvê-la a seu irmão.
O secretário retornou. Acompanhou-a até a sala dos fundos.
O Sr. St. John foi generoso o bastante enquanto a avaliava e até cortês na saudação. Era um
homem com um rosto surpreendentemente belo, com um quê de intransigente.
Ele a convidou para se sentar, depois se acomodou em outra cadeira. Era moreno e alto, o tipo de
homem que deixava as pessoas desconfortáveis desde o início, por mais educado que fosse.
– Como me encontrou? – perguntou ele.
– O marquês de Easterbrook sugeriu que eu o conhecesse.
Ele sorriu. Não adiantou muito para suavizar o que, por natureza, era uma expressão bastante
cruel.
– Talvez sim. Mas Easterbrook não lhe forneceu este endereço. Nem ele tem conhecimento ainda.
Minha nossa.
– Fui até a Royal Exchange e perguntei onde poderia encontrar o senhor. Um funcionário do setor
de seguros informou este endereço.
– Que indiscrição da parte dele.
– Por favor, não o censure. Confesso que o bajulei descaradamente.
– Imagino que muitos homens fiquem frágeis quando faz isso.
O comentário não pretendeu ser elogioso. Ele quis deixar claro que não era um desses homens,
caso ela fosse idiota o bastante para pensar o contrário. Acomodou-se mais confortavelmente, no
entanto. Não tinha a intenção de mandá-la embora.
– O que quer comigo, Srta. Montgomery?
– Quando lorde Easterbrook fez menção ao senhor, reconheci o nome. É conhecido na Ásia, é
claro. Achei que fosse francês, mas fiquei imediatamente interessada em conhecê-lo quando soube
que está em Londres agora.
– Srta. Montgomery, pela segunda vez tocou no nome de Easterbrook com facilidade. A
implicação é que ele a mandou aqui. No entanto, sei que não foi assim.
– Sabe?
– O irmão dele me abordou. Concordei em me encontrar com a senhorita, mas exigi uma reunião a
sós com Easterbrook primeiro. E isso não aconteceu.
– O senhor me desmascarou. O auxílio de lorde Easterbrook foi suspenso, e estou mais uma vez
abrindo meus próprios caminhos. Espero que, ainda assim, ouça o que tenho a dizer, talvez por ser
um antigo conhecido de meu pai.
A referência o surpreendeu.
– Eu não sabia que tinha conhecimento disso.
– Recentemente tive acesso a alguns de seus papéis. Em um deles, ele especulou sobre
contrabandistas de ópio e listou capitães e transportadores que pudessem estar disponíveis para se
ocupar desse tipo de comércio. Ao lado de seu nome, ele escreveu: “Nunca. Eu o conheço, e é
impossível.” Confesso que foi um dos motivos que me levaram a vir falar com o senhor primeiro.
– Meus navios também não transportam escravos. Só para que saiba, caso...
– Pensamos de forma parecida, posso lhe garantir. Não temos interesse nesse tipo de comércio.
– Talvez devesse explicar o que quer.
Ela descreveu o desejo de uma aliança que pudesse expandir os negócios de seu irmão e
aprimorar a eficiência de suas rotas de comércio. Ela sugeriu que a empresa de St. John também
poderia se beneficiar se usasse os porões dos navios da Montgomery & Tavares.
– Srta. Montgomery, o que está descrevendo não me traz muitos benefícios. Pelo menos no
momento. Em cinco anos, no entanto, a aliança que propõe pode se provar muito rentável.
– Não queremos esperar tanto tempo.
Sem uma aliança, poderiam nem sobreviver até lá.
– Por que seríamos de mais interesse no futuro do que agora?
– Os monopólios restantes da Companhia das Índias Orientais não serão renovados na próxima
concessão. Quando o comércio entre a Inglaterra e o Oriente estiver aberto a todos, os contatos de
sua família com os mercadores de Cantão serão muito mais valiosos. Assim como qualquer
sociedade que eu faça com vocês.
A visão que ele tinha do futuro fazia muito sentido, mas a última frase a deixou consternada.
– Sociedade? Não lhe propus sociedade.
– Nada abaixo disso me beneficiaria. Eu também exigiria um controle acionário da Companhia
resultante. Seria justo, considerando nossa força e nosso tamanho atuais.
– Se houvesse uma sociedade, acho que teria que ser igualitária. É o que seria justo.
– Duvido que seu patrimônio valha um décimo do meu. Além disso, existem outras questões que
desequilibram as coisas.
– Estamos em Cantão. Só isso já pesa a nosso favor na balança.
Ele balançou a cabeça.
– Seu irmão está em Cantão, não a senhorita. Ele ainda é inexperiente, e, por ser mulher, sua
presença não é permitida lá. Os negócios dependem muito da senhorita e, por mais admiráveis que
seus sucessos tenham sido, há limites para seu alcance. A recusa de seu pai em ignorar os
contrabandistas enfraqueceu vocês, e seus navios ainda estão vulneráveis. Se eu me associar a vocês,
preciso ter carta branca para lidar com tudo isso, para garantir que tenham futuro.
Ele citou as vulnerabilidades bem demais.
– A Companhia agora pertence ao meu irmão. Não posso efetuar esse tipo de sociedade que está
descrevendo sem o consentimento dele.
– Posso escrever uma carta para quando a senhorita voltar para o Oriente. Se seu irmão
concordar, leve-a até meu funcionário em Calcutá. Ele saberá o que fazer.
O Sr. St. John estava presumindo que tomaria decisões sozinho. Sabia que a Montgomery &
Tavares passara por dificuldades. Leona esperava forjar alianças informais que oferecessem alguma
proteção, mas parecia que esse transportador estava disposto apenas a aceitar uma fusão, onde ele
engoliria toda a Companhia de seu pai.
– E meu irmão? O que devo dizer a ele sobre a posição que assumirá nessa sociedade desigual?
– Como ele detém uma licença de comerciante, será necessário pelo tempo que o sistema atual
continuar em vigência. Se provar ter as mesmas habilidades da irmã, sempre haverá um lugar para
ele. Caso contrário, compartilhará os lucros, mas não as decisões. Vou querer um dos meus homens
em Cantão com ele assim que o acordo for fechado.
– Vejo que tenho muito a considerar. Nem sei como apresentar isso quando voltar para casa, ou
como aconselhá-lo.
– Avalie a questão à vontade e aconselhe-o como achar que deve. O monopólio da Companhia das
Índias Orientais não vai acabar amanhã e, como já disse, essa sociedade me beneficia muito pouco
atualmente.
Poderia beneficiar consideravelmente a Montgomery & Tavares, contudo. Ela suspeitava de que
haveria menos problemas com piratas e funcionários do porto se a mão livre de St. John estivesse em
ação.
Ela se levantou para sair. Ele a acompanhou até a porta e a abriu para ela.
– Se não se importa que eu pergunte, Sr. St. John... como meu pai o conheceu?
– Fizemos negócios uma vez. Foi há muito tempo. Eu não passava de um rapaz.
– E ele ainda assim formou uma opinião forte sobre seu caráter. Poderia me contar como o
conheceu? É muito raro ter a oportunidade de falar com alguém que o conheceu naquela época.
Ela parou na porta, esperando que ele satisfizesse sua curiosidade.
– Talvez devesse se contentar com suas lembranças, Srta. Montgomery.
– Minhas lembranças são de um homem que lutava para sobreviver. De um homem que envelheceu
antes da hora.
Ele a analisou criticamente.
– Talvez seja melhor eu contar. Poderia afetar a decisão de seu irmão e sua influência sobre ele.
Não quero que depois pense que eu a enganei.
– Enganar-me? Não entendo.
Ele fechou a porta.
– Eu tinha um navio na época e às vezes o usava de forma um tanto imprudente. Não me eximia de
um pouco de contrabando para os reinos que proibiam o comércio normal. A costa chinesa é grande
demais para ser impenetrável. Seu pai havia comprado uma carga de vasos de bronze na Índia. Ele
me pagou para entregá-los na costa, a 40 léguas de Cantão.
– Vasos de bronze? Ele lhe pagou para contrabandear vasos de bronze para a China?
– Mais ou menos como vender sal para o mar, não é? Fiquei com isso na cabeça enquanto
navegava em direção à China. Uma noite, desci, abri um caixote e examinei aqueles cântaros. Não
estavam vazios. Estavam cheios de ópio.
A acusação a deixou perplexa.
– Não é possível. Não acredito.
– Acredite no que quiser, mas eu trafiquei para ele, e era essa a carga. Foi tudo para o mar, Srta.
Montgomery. Entreguei os vasos como combinado e nada mais. Depois nunca mais fiz negócios com
seu pai.

Havia uma sentinela parada na Grosvenor Square. Christian a percebeu assim que entrou com o
cavalo na rua.
Todo mundo também notou Tong Wei. Parecia uma estátua, de tão imóvel. Uma estátua exótica,
vestida em seda cor de safira, com o rosto pétreo e decidido.
Ele se movimentou de forma a impedir que o criado pegasse o cavalo de Christian. Num momento
Tong Wei estava imóvel, no outro seu rosto estava colado ao de Christian.
– Vá até lá – disse ele. – Ela irá falar com você.
Christian entregou as rédeas ao criado.
– Tenho certeza de que ela não quer. E não posso dizer nada que a deixe menos zangada.
– Ela não está zangada. Isso seria normal. Saudável.
Tong Wei balançou a cabeça.
– Ela não parece a mesma. Está pior hoje, não melhor. Você irá, e ela falará com você.
Tong Wei se afastou. Christian entrou em sua casa.
– Há quanto tempo o chinês está lá fora? – perguntou ao lacaio que foi pegar seu chicote e suas
luvas.
– Chegou ontem bem cedo. Lady Wallingford exigiu que o expulsássemos, mas ele não pareceu
entender o que dizíamos. Lorde Elliot fez uma visita à tarde e nos disse para deixá-lo em paz.
– Foi um sábio conselho.
Ele não gostaria que Tong Wei fosse insultado pelos criados. Nem gostaria de ver os danos
resultantes caso Tong Wei sentisse necessidade de se defender.
Leona não o havia enviado. Ele estava lá por conta própria. Tong Wei estava muito preocupado,
mas não era homem de se importar com brigas de amantes. Se ficara parado na rua por dois dias,
esperando encontrá-lo, havia um bom motivo.
– Vou precisar de outra montaria. Peça que tragam meu baio assim que estiver selado.

Ele a encontrou no jardim, sentada sob a pequena árvore que havia facilitado a entrada dos
invasores. Ela percebeu que ele a observava ainda à distância. Um meio sorriso triste se formou,
depois ela ficou olhando para a hera a seus pés.
Não era exatamente uma recepção, mas ele esperava coisa pior. Seguiu em frente e se sentou ao
lado dela no banco de pedra.
– Tong Wei está preocupado com você.
– Tong Wei às vezes parece uma velhota.
– Ele leva seus deveres muito a sério. Não pode culpá-lo por isso. Seu comportamento o
preocupa.
Ela suspirou com exasperação.
– Não preciso ser falante o tempo todo. Não preciso estar sempre ocupada. Tenho direito a
períodos de reflexão também, não tenho? Tong Wei reflete o tempo todo. Você passou metade da vida
em reflexão. Por que não posso me concentrar em pensamentos profundos, nem mesmo por um ou
dois dias?
Ele optou por ignorar a irritação, mas não deixou passar a crítica a seus hábitos.
– Ele não acha que essa melancolia seja causada por qualquer emoção que ele compreenda.
– Ele foi procurá-lo e disse que viesse aqui?
Ela ficou corada de constrangimento.
– Ele não devia tê-lo pressionado dessa forma.
– Não pressionou. Eu teria vindo de qualquer modo.
Era verdade. Teria encontrado outra desculpa se Tong Wei não tivesse providenciado essa.
– Talvez antes tivesse me lavado e trocado de casaca, mas pretendia vir vê-la.
Ela olhou fixamente para ele. Ele compreendeu a pergunta não dita. Por quê?
Por que, de fato? Por que se preocupar? Por que causar essa inconveniência para ambos? Por que
enfrentar as suspeitas dela? Por que retomar o assunto?
Ele não sabia. Porque ela não havia saído de seus pensamentos durante esses dias que passaram
separados, ele imaginava. Porque, depois que as atividades cessaram e ele ficou sozinho consigo
mesmo, um novo vazio passou a existir em seu isolamento. Porque ele ainda a desejava.
– Li o diário – disse ela. – Sei por que o pegou e por que não queria me devolver.
– Eu só o li recentemente, então você sabe mais agora do que eu sabia há duas semanas. Peguei
pelos motivos que disse, Leona. Nenhum outro. Seu pai estava determinado a seguir com as
investigações, independentemente dos perigos. O fogo naquele navio deixou claro que ele poderia
pagar com a própria vida. Ou com a sua. Peguei o diário, mas não foi para proteger ninguém além de
você.
– Mas imaginava o que havia nele.
Ele havia preferido não imaginar. Não saber. Já havia muito disso em sua vida.
– Nunca se perguntou como fui parar na porta de seu pai? Por que ele me aceitou como hóspede?
– Você era inglês. Presumi que tivesse uma carta de apresentação.
– Eu não tinha carta. Só tinha um nome. Levei a ele os cumprimentos do marquês de Easterbrook.
Cheguei ao Oriente antes que a notícia da morte de meu pai estivesse difundida, então ele acreditou
que eu falava em nome de um marquês vivo.
– Mas por quê?
– Eu vira alguns relatórios e papéis de meu pai. Tinham o nome de homens em lugares como
Cantão, Macau e Índia, e os usei como trampolins. Eles me conduziram por uma viagem sem
objetivo. Reginald Montgomery, de Macau, era um dos nomes. Juro que não sabia como e por que
nossos pais se conheciam. E usei um nome falso porque, mesmo fora de mim por causa do vício, eu
tinha vergonha.
Ela ainda não se convencera. Claro que não. Ele não a culpava.
– Quando ele me contou sobre seus problemas e suas convicções de que havia homens em
Londres lucrando muito com o contrabando... suspeitei da relação – admitiu ele. – Ele estava mais
investigando do que fazendo confidências. Queria descobrir se eu sabia alguma coisa ou se fora
enviado pelo marquês pelos motivos que você suspeita.
– Minhas suspeitas e as dele se encaixam melhor nos fatos do que sua história, Christian.
– Não posso fazer nada a esse respeito. Não tenho expectativas de que acredite em mim. Exigiria
mais confiança do que você pode ter e muito mais do que eu espero.
A expressão dela mudou. Christian nunca a vira tão triste.
– Não me diga quanta confiança sou capaz de ter. Confiei durante sete anos, apesar de minhas
suspeitas. Confiei mesmo depois que soube que mentiu sobre sua identidade. Confiei contrariando
meu bom senso. Confiei em você o bastante para me entregar e entregar minha...
Ela respirou fundo, num esforço para manter a compostura.
– A verdade é que o que quer que você tenha feito se transformou em algo muito pequeno à luz do
que descobri há dois dias.
Uma sequência estranha de reações foi se alternando. Preocupação pela tristeza profunda de
Leona. Alívio por não tê-la causado. Consternação por seu erro não passar de algo pequeno para ela.
– O que descobriu? Conte-me.
Com uma voz hesitante e angustiada, ela descreveu a visita a St. John e a revelação que ele lhe
fizera.
– Sou capaz de perdoar meu pai por ter sido contrabandista. Poderia engolir o fato de ter
trabalhado com aqueles homens e aquela Companhia secreta para não pagar tarifas no Oriente com
cargas de porcelana, bronze e tecido.
Ela foi ficando ofegante.
– Mas ópio? Ele odiava isso. Desprezava os homens que o comerciavam. Morreu combatendo
esse comércio. Foi uma acusação inacreditável e eu quase fui violenta com St. John. Mas... – falou, e
seu rosto tinha de novo uma expressão consternada. – Acho que ele disse a verdade, Christian.
– É improvável. Ele estava barganhando com você. Achou que isso a deixaria mais maleável.
Ela negou com a cabeça.
– Ele já está em vantagem na negociação. Não tinha motivos para mentir, embora eu estivesse
aflita por você não estar comigo, senão poderia saber de uma vez por todas se ele dizia a verdade.
Ele procurou um modo de convencê-la de que a história não era verdadeira. Seu desencanto o
machucava e ele seria capaz de mentir descaradamente para poupá-la, se pudesse. Desejou ter estado
lá com ela, assim acreditaria se ele dissesse que St. John mentira.
Leona tinha quase certeza de que dissera a verdade. Ele também. Explicava o porquê de o pai de
Leona ter sido alvo de tantos problemas e formas de coerção.
O objetivo não fora obrigar Montgomery a fazer parte do tráfico de ópio. Eles queriam coagi-lo a
ficar em silêncio depois que rompeu com eles. E se um dia ele fizera parte daquele círculo, saberia
que trabalhavam para homens não identificados em Londres e que suas atividades se estendiam ao
Ocidente, não apenas à China. A cruzada de Reginald Montgomery fora mais perigosa do que
Christian imaginava.
Isso também explicava a referência a Montgomery que havia levado Christian até ele. A
correspondência de seu pai não esclarecia qual a sua ligação. Na verdade, o nome de Montgomery
estava em um livro contábil bem particular, com uma série de pagamentos anotados.
– Isso muda tudo, é claro – disse ela. – Que figura cômica devo ser aos olhos deles, sejam quem
forem. Travando uma batalha moral contra homens que costumavam ser parceiros de meu pai. Não
foi à toa que meu pai não quis que eu me envolvesse, nem disse o que sabia para que eu pudesse
terminar seu trabalho. Ele temia o que eu pudesse descobrir.
– E o que você descobriu? Que ele contrabandeou há muitos anos, só isso. Mais tarde, fez muita
coisa para compensar. Parou, mesmo lhe custando muito. Posicionou-se contra e escreveu à
Companhia e a funcionários do imperador. Ele arriscou tudo e não se curvou às exigências de que
parasse. Talvez seu empenho fosse o dobro da maioria dos homens devido aos pecados que cometera
no passado.
Ela olhou para ele com uma expressão incrivelmente vulnerável. Depois desmoronou. Cobriu o
rosto com as mãos, curvou-se totalmente sobre as pernas e começou a chorar.
O choro dela o desesperou. O que ele dissera? Raios, ele deveria ajudar, e não... Tong Wei havia
alertado que ela não parecia a mesma.
Ele a abraçou e amaldiçoou a si mesmo.
Ela liberou as emoções terríveis que ardiam em seu coração. Aos poucos, foi se acalmando.
Retomou a compostura.
A gentileza dele ao mesmo tempo a confortava e constrangia. Ela havia se permitido pensar o pior
a respeito dele, acusá-lo de falsidade, mas ele estava lá assim mesmo. Havia escutado sua história
triste com empatia. Depois restaurara as melhores lembranças que tinha do pai e pintara um retrato
de força, não de hipocrisia.
Ela não conseguia encará-lo. Manteve o rosto enterrado no casaco dele, mesmo depois que parou
de soluçar. Havia coisas que precisava dizer, mas não tinha coragem. Então se refugiou num assunto
brando.
– Ficou em Oxfordshire esse tempo todo?
– A maior parte dele. Fiz uma pequena viagem para cuidar de questões familiares.
Sua garganta começou a queimar novamente. Ela conteve as lágrimas.
– Sinto muito por aquela discussão que tivemos. Eu disse coisas que...
– Você tem um temperamento forte, e eu também. Às vezes dizemos coisas que...
Ela sorriu diante do modo como ele deixou aquilo implícito. Christian conseguia ser muito sagaz
de vez em quando. Ela se aconchegou nele. A paz carregada de emoção fez com que ela se lembrasse
do clima que ficava depois que faziam amor.
– Sinto muito ter desperdiçado esses dias – sussurrou ela. – Gostaria de ter escolhido sedas e
joias, em vez daquele diário.
Ele beijou o topo da cabeça dela.
– Então vamos compensar o tempo perdido, Leona.
Ele a levantou nos braços e a carregou para dentro.
CAPÍTULO 22

Silêncio. Quietude. A pulsação criando calma absoluta.


Uma consciência mais plena na perda de toda a percepção.
Flutuando. Não existe perda. Não existe medo. Não existe tempo. Não existe som.
Uma perturbação. O núcleo se despedaçando como vidro.
Christian abriu os olhos. Dois homens estavam a alguns passos de distância dele.
– Olá, Hayden. Elliot.
Hayden suspirou.
– Maldição. É como se você não existisse quando fica no escuro desse jeito.
Ele se aproximou e abriu as cortinas, deixando entrar a luz suave da noite, depois usou uma
pederneira para acender uma lamparina.
– Você pediu que o lacaio nos mandasse subir – acrescentou ele. – Não ouse reclamar se
interrompemos... seja lá o que estivesse fazendo.
– Não reclamei. Só cumprimentei vocês.
– Pelo menos ele já está vestido, Hayden – disse Elliot.
– É claro que estou vestido. O jantar de hoje é para celebrar o noivado de Caroline. Preciso estar
presente.
Hayden cruzou os braços.
– O que quer de nós?
– Sentem-se.
Hayden franziu a testa.
– Por favor, sentem-se.
Elliot riu e se sentou. Hayden ficou emburrado, mas fez o mesmo.
– Preciso falar com ambos a respeito de nosso pai.
O bom humor de Elliot o abandonou.
A expressão de Hayden ficou mais suave, porém perturbada. Antigas emoções conflituosas
brotavam de ambos.
Nunca ficara claro para Christian se seus irmãos haviam sido poupados ou prejudicados por não
conhecerem os pais tão bem quando ele.
– É melhor não tocar nesse assunto – argumentou Hayden.
– Também pensava assim. Estava feliz por condená-lo sem nenhuma prova conclusiva. Mas decidi
descobrir se estava sendo injusto.
Elliot se mostrou curioso. Hayden pareceu resignado.
– Gostaria de poder dizer que descobri que estávamos todos errados sobre ele. Mas não posso.
Eles não esperavam nada diferente. A conclusão ainda assim os deixou sérios.
– Tem certeza? – perguntou Hayden.
– Absoluta. Na semana passada, encontrei-me com o homem que agiu em nome dele na ocasião
daquele assassinato.
– Assim como eu fiz no ano passado – emendou Elliot. – Ele negou.
– Mas você não acreditou na negação. Admitiu isso para mim.
Elliot deu de ombros.
– Foi apenas uma sensação. Ele foi amigável. Parecia inocente e ignorante, mas...
Ele deu de ombros novamente.
– Ele também negou para mim. No entanto, estava mentindo para nós dois.
– Você não pode ter certeza – argumentou Hayden.
– Tenho certeza.
Assim que foram apresentados, ele soube. Assim que seu título foi dito.
– Ele admitiu.
– Por que faria isso?
– Porque agora sou Easterbrook, e o último Easterbrook foi seu parceiro no crime. Ele foi pago.
Eu encontrei provas disso. Ele espera ser pago novamente agora que sei a verdade.
– E será? – perguntou Elliot. – Você foi firme ao dizer que esse segredo deveria ficar no passado.
– Ele não será pago novamente, mas tentará receber. Senti que estava tramando ainda enquanto
conversávamos. Ele vai me chantagear. Quando acontecer, vou encontrá-lo no cais. Achei que vocês
deveriam saber, para se prepararem para o escândalo quando tudo for revelado.
Christian não explicou que havia permitido que o canalha pensasse que teria sucesso na
chantagem. Ele o havia atraído até que mordesse a isca. Não explorava sua maldição de maneira tão
implacável havia anos.
Fez-se um silêncio. Seus irmãos ponderaram intimamente as implicações de um julgamento
público que mencionasse o crime do pai.
– Que raios, Christian, o que é mais um escândalo e um monte de rumores para nós? – falou
Hayden. – Essa família é como um ímã para esse tipo de coisa.
Elliot quase engasgou. Ambos tentaram abafar o riso, depois caíram na gargalhada.
Elliot secou os olhos e tentou se recompor.
– Ah, não! Um escândalo não – chiou ele, imitando a tia Henrietta. – O que vamos fazer, Hayden?
Aquilo gerou outra crise de riso.
Christian esperou até que a diversão passasse. Por fim, seus irmãos se acalmaram.
– Fico feliz em ver que não se importam com um escândalo. É reconfortante. Porque tem mais uma
coisa a respeito de nosso pai que logo virá à tona. Ele fazia parte de um grupo que fundou uma
Companhia secreta que ainda trafica toneladas de ópio para a China.
A reunião em seus aposentos não durou muito mais. Christian contou aos irmãos o que sabia, depois
todos desceram para a sala para se juntarem aos outros membros da família.
Hayden acompanhou o irmão mais velho.
– O administrador de Aylesbury contou que você passou várias manhãs cavalgando pela
propriedade com ele enquanto esteve por lá – comentou. – Recebi uma carta dele hoje.
– Foi uma visita muito interessante.
– Ele disse que você fez centenas de perguntas. Está com medo que esteja desconfiado dele e
investigando o modo como gerencia a propriedade.
– Eu estava apenas curioso. A propriedade é minha, afinal.
– Sua curiosidade por si só foi estranha. Ele não deixou isso passar. Pensava que nem soubesse o
nome dele, então a preocupação não é injustificada.
– É claro que eu sabia o nome dele. Goldenwaddle. Quem esqueceria um nome desses?
– Você. E é Goldentwattle. Não Goldenwaddle.
– Tranquilize Goldentwattle de que fiquei satisfeito com o que vi. Não tenho grandes críticas nem
em relação ao gerenciamento dele nem à sua supervisão.
Hayden ergueu a sobrancelha.
– Não tem grandes críticas?
– Tenho uma pequena lista de sugestões.
Hayden suspirou, esforçando-se para ter paciência.
– São sugestões mínimas. Mais ideias do que ordens. Pode colocar a culpa na Srta. Montgomery.
Ela me censurou por não prestar atenção. Parece pensar que isso tem importância.
Eles entraram na sala. Christian aproximou a cabeça de Hayden e falou em voz baixa.
– O noivo de Caroline é um tanto tolo. É a infeliz consequência de sua sobriedade e bondade, e
não devíamos recriminá-lo por isso. Só achei melhor alertá-lo, para o caso de se sentar ao lado dele
durante o jantar.
– Serei poupado. Subornei tia Henrietta em troca de um lugar ao lado da Srta. Montgomery, e
espero que minha conversa com ela não seja nada tola.

– Estou me sentindo pecaminosa.


Era o que ele certamente esperava. Beijou os seios dela enquanto abaixava a combinação. O
vestido de festa e o espartilho já se amontoavam no chão. Ele se sentou na beira da cama, despindo-a
lentamente e desfrutando o modo como ela estremecia de leve diante dele e se entregava a esse lento
desnudar.
– Sua tia está em casa – sussurrou ela. – E sua prima. Elas se recolheram cedo, mas devem saber
que ainda estou aqui.
Ela usara mal a palavra “pecaminosa”, infelizmente. Na verdade, quisera dizer desconfortável.
– Leona, essa casa deve ter mais de 10 mil metros quadrados. Ficaria apreensiva se minha tia e
minha prima estivessem em um chalé em uma fazenda vizinha à minha?
– Mas sua tia...
– Minha tia está ocupada com o amante. A esta altura, monsieur Lacroix já entrou pela porta da
cozinha e foi encontrá-la. Sua presença nesta casa é a última coisa em que ela está pensando.
Ele puxou a perna de Leona para cima e apoiou o pé dela sobre a cama, ao lado de seu quadril.
Ela viu como a posição a expunha. Ele brincou com a liga, soltou-a e desceu a meia pela perna dela.
Ela se apoiou segurando no ombro dele. Parecia deslumbrante e erótica. Ele não conseguia
decidir se deveria ou não se ocupar com a outra meia.
– Não é bem sua família que me deixa desconcertada – confessou, já não sussurrando. – É esta
cama. Este quarto.
Ela olhou nos olhos dele.
– Aqui é a sua casa de verdade, não é como Aylesbury. São seus aposentos. Sinto-me uma intrusa.
– As pessoas entram nestes aposentos o tempo todo. Criados. Lacaios. Phippen quase nunca me
deixa sozinho.
Era melhor deixar a meia de lado. Ele acariciava a coxa dela, na esperança de que o caminho
percorrido por sua mão a distraísse.
– Criados são diferentes. Mais alguém vem aqui?
– Meus irmãos estiveram na antessala hoje.
Ele cobriu a virilha dela com a mão. O calor e a maciez a deixaram em transe. Acariciou
gentilmente a pele abaixo e dentro da fenda. Observou o êxtase transformar o rosto dela.
Ela ficou ofegante e segurou com mais firmeza nos ombros dele. Christian presumiu que a fizera
superar a apreensão da melhor maneira possível.
Estava errado. Ela mal conseguia respirar, mas continuou falando.
– Você não entendeu, Christian. Não estou falando de familiares em sua antessala. Não é a mesma
coisa que eu estar aqui. Você já permitiu que suas amantes entrassem aqui antes?
– Claro que não.
– Está vendo? Estou invadindo.
De certa forma, estava. Só que ele havia promovido essa invasão. Havia planejado tudo com
muito cuidado, o dia todo.
Ele distribuiu beijos delicados ao redor do mamilo dela.
– Eu quero você aqui. Nesta cama, neste quarto. Quero possuí-la aqui e quero que seu cheiro
permaneça quando for embora. Quero que a lembrança de nosso desejo assombre os cômodos bem
depois que você partir.
Novas emoções se juntaram ao prazer e ao desejo nos olhos dela. Ele viu luzes de resignação e
tristeza. E surpresa, talvez, ao saber que ele daria importância às lembranças.
Não se falou muito depois disso. Ela se entregou. Segurou os próprios seios para que ele pudesse
lambê-los e sugá-los enquanto seus dedos a penetravam e a faziam gemer.
Segurou o rosto dele para um beijo agressivo enquanto ele movimentava os dedos, encontrando
seu prazer à medida que ela se contorcia e girava o quadril. Ela colocou mais ímpeto no beijo e
segurou os ombros dele com as duas mãos para não cair.
– Sabe o que é um livro de cabeceira chinês? – perguntou ela, o rosto refletindo suas sensações.
– Já ouvi falar. Mas nunca vi.
– Achei que conhecesse. Isabella tem um, e algumas das coisas que você faz estão nele. Como
isso.
– Você viu?
Ele imaginou Leona folheando um livro com imagens eróticas. Ficou tão excitado que sua mente
se nublou.
– Só dei uma olhada. Ela deixou junto com o meu banho de hoje, enquanto me preparava para o
jantar. Está convencida de que sou tola demais para saber como satisfazê-lo.
– Não acho certo você ter visto esse livro.
– Foi só uma olhada rápida.
– Eu quis dizer que não é certo você ter visto e eu não.
Ela estava tão quente junto à mão dele, tão úmida. Ele duvidou que pudesse esperar muito mais.
Começou a afrouxar a calça.
Ela tirou o pé da cama. Ajudou-o com as roupas. Libertou seu pênis e o envolveu com a mão.
Interrompeu o beijo e olhou para baixo para observar o movimento de suas duas mãos.
Ficou nua na frente dele, com os cachos longos e selvagens caindo sobre o corpo, o rosto de uma
mulher perdida em prazer. Ela o bombeou com suas mãos suaves, o polegar circundando em
movimentos ágeis. Ele se concentrou para não perder o controle.
Ela o encarou. Olhos escuros. Olhos eróticos. A ponta de sua língua escorregava pela ponta dos
dentes.
– Estou me sentindo pecaminosa – sussurrou ela de novo. – Quero você dentro de mim. Me
preenchendo. Quero tanto que poderia desmaiar. Mas também...
Ela olhou para baixo, para suas mãos, depois voltou a olhar nos olhos dele.
Ele cerrou os dentes. Seu corpo inteiro se enrijeceu. Quase implorou. Quase ordenou. Mas não foi
preciso. Ela abaixou seu belo corpo até se ajoelhar. Sua língua o banhou, depois ela o envolveu em
um prazer insuportável.

– Fique assim. Não se mova.


Ela virou a cabeça e o viu saindo da cama. Seu corpo reagiu com frustração. De novo esperava
por suas carícias. Esperava com uma impaciência angustiante. Os seios formigavam sobre o lençol.
Seu traseiro se ergueu um pouco, sem querer.
Ele se curvou e lhe deu um beijo nas costas, perto das nádegas.
– Voltarei rápido. Acabei de me dar conta de que tenho que pedir a carruagem. Logo vai
amanhecer.
Ele vestiu algo longo, parecido com um sobretudo. O tecido farto e fluido indicava seu propósito
informal. Fechou alguns botões de forma descuidada e tocou uma sineta.
Ela não havia prestado atenção na hora. A noite parecia infinita um instante antes. Ela sentia muito
que logo chegasse ao fim.
Não poderia ficar ali, é claro. Ele havia sugerido mais uma vez. Queria que ela morasse ali, bem
perto dele, de modo que bastasse o toque daquela sineta para convidá-la a outra invasão a seus
hábitos de isolamento.
Leona o escutou falando em voz baixa na sala de estar, dando ordens a um criado. Imaginou-o
voltando e vendo-a assim, como a havia deixado, nua e vulnerável, com os braços esticados sobre a
cabeça e as pernas bem afastadas. Ele havia amarrado seus pulsos com cuidado, usando sua gravata,
mas o nó estava frouxo o suficiente para que ela soubesse que poderia se soltar, se quisesse.
Haveria mais prazeres pecaminosos antes que ela saísse. Mais um em uma noite de muitos. As
aulas a haviam deixado tão sensível que as partes mais sensuais de seu corpo vibravam enquanto ela
o aguardava.
Ele voltou para a cama, mas não se juntou a ela. Olhou para baixo, cabelos selvagens e
desgrenhados, olhos em chamas.
– Vire.
Ela obedeceu. Christian esticou o braço firme e acariciou gentilmente o mamilo de Leona.
Um prazer delicioso percorreu o corpo dela. Uma carência impossível a dominou. Ela se arqueou,
de modo que os seios se elevassem na direção daquele toque.
– Isso a excita, esse jogo de submissão.
Ele olhou para os punhos amarrados.
– Você sabe que esse medo não é real.
Ele tinha razão, mas não era exatamente um jogo. A vulnerabilidade de agora combinava com a
reação instintiva que sempre experimentava com ele. Deitada daquele jeito, esparramada e amarrada,
nua para os olhos e o toque erótico dele, era mais do que apenas seu corpo que se expunha. Ela
estava indefesa diante dele, a menos que resolvesse se libertar.
Ele acariciou o outro mamilo, devastando-a enquanto ela se contorcia.
– O que vai fazer? – perguntou ela.
Ele subiu na cama. Ambas as mãos afagavam os seios dela enquanto ele ajoelhava entre suas
coxas.
– Vou observar seu delírio aumentar enquanto me conta sobre aquele livro de cabeceira. Então
tentaremos um de seus segredos.
O rosto dela ficou quente. Não tinha certeza se conseguiria descrever aquelas imagens sem
utilizar um linguajar escandaloso.
Ele abaixou a cabeça e mordiscou delicadamente os seios dela.
– Conte-me. Eu ordeno.
Ele levou a sério o que dissera sobre fazer Leona delirar. Sua língua e sua boca, sua presença a
dominavam, a excitavam. Ela tentou descrever uma das imagens e ela surgiu nítida em sua mente. Só
que dessa vez não via duas pessoas de origem chinesa, mas Christian e ela.
Aquilo a enlouqueceu de forma inesperada. Descreveu mais uma, com mais liberdade, dedicando-
se aos detalhes eróticos. Seu corpo respondia a cada palavra e imagem.
– Tentaremos essa.
Ele se afastou e deitou com as costas apoiadas em travesseiros.
Ela agora estava desesperada, com um anseio sensual tão intenso que não conseguia pensar em
nada além disso. Ela se virou de lado e se esforçou para ajoelhar. Os pulsos amarrados atrapalhavam
e ela os estendeu na direção dele.
– Acho que vamos manter essa parte.
– Não estava no livro.
– Faltou imaginação ao artista.
Ele ajudou Leona a se levantar. Ela se posicionou com os pés ao lado do quadril de Christian.
Agachou-se de frente para ele, tão dobrada que os joelhos tocavam os próprios seios. Ele entrou.
Preencheu-a totalmente. Sua rigidez fazia pressão nela, causava uma pulsação nos lábios e por onde
passava.
Ela segurou no ombro dele e se movimentou. Procurou formas de senti-lo melhor, com mais força,
enquanto circulava e balançava o quadril. O controle trouxe um prazer indescritível que a conduziu
para uma finalização agressiva.
Ainda estava exposta nessa posição ao olhar dele e a seu toque. Ele colocou a mão entre as
pernas dela e o corpo dos dois e acariciou a região acima de onde se uniam, brincando atentamente
com aquela saliência sensível de modo que faziam com que Leona o sentisse ainda mais dentro dela.
O êxtase provocou as primeiras ondas de tremor, que se concentraram onde o corpo de Leona
envolvia o de Christian. Ela perdeu a cabeça, mexeu o quadril, contraiu a musculatura e gritou com
uma necessidade frenética. Ele a agarrou e ergueu seu corpo, assumindo o controle. Ela aceitou de
corpo inteiro a nova submissão. Ele a segurou com firmeza durante uma investida longa e rígida, até
que seus gritos de satisfação tomaram conta do quarto.

Christian a ajudou a se vestir, depois colocou a calça e a camisa. Acompanhou-a até a porta da
frente. Do lado de fora, uma carruagem aguardava. Apenas o cocheiro estava lá, mas ele exibiu uma
pistola quando Christian olhou em sua direção.
Ele a ajudou a entrar.
– Minha carruagem estará em sua casa amanhã às três horas – disse o marquês pela janela.
– Aonde vou?
– Tomei providências para que conhecesse Alfred Howard.
Howard era outro transportador, só que sua empresa não era tão grande quanto a de St. John.
A referência a seus deveres enfraqueceu a alegria da noite. Era muito gentil da parte dele ajudá-la
como havia prometido, mas ambos sabiam o que significava o fim daquela missão.
Ela se apoiou na janela para beijá-lo.
– Obrigada.
Ele colocou a ponta dos dedos sobre os lábios dela, como se quisesse impedi-la de expressar
gratidão. Alisou-os como se usasse plumas.
– No dia seguinte, visitaremos Denningham juntos.
Ele a deixou perplexa. Ela já não tinha esperanças em relação a esse outro objetivo. Nem tinha
mais certeza se queria.
Tentou desvendar a expressão dele. Viu apenas olhos escuros e seu rosto à sombra da noite. Ele
se afastou e fez sinal para que o cocheiro saísse.
CAPÍTULO 23

Dois dias depois que Christian a informou da reunião, Leona entrou na casa de Londres do conde
de Denningham, de braços dados com Easterbrook, exatamente às quatro da tarde.
O criado os acompanhou à biblioteca. Ela acreditava que seria uma reunião muito rápida.
Esperava que Denningham explicasse aquela nota de falecimento de uma forma que não exigisse
futuras especulações.
Denningham era um homem corpulento e de cabelos castanhos. Saudou Christian calorosamente e
sorriu para ela durante as apresentações.
Durante a primeira meia hora, expressou interesse na China e elogiou sua beleza. Fez joça com
Easterbrook a respeito de alguns pecados dos tempos de universidade. Encheu-se de orgulho ao falar
de uma espécie de rosa que começara a cultivar.
Ele a impressionou por demonstrar ser um homem simples, apesar de todos os títulos e status. Ela
duvidou que ele, alguma vez, tivesse feito algo misterioso, muito menos encomendado uma nota de
falecimento de um homem que não conhecia. Denningham era o oposto de Easterbrook: tinha um
humor leve e um jeito otimista e contente.
Por fim, Christian aproveitou uma brecha na conversa.
– Denningham, a Srta. Montgomery ficou sabendo de uma coisa que a perturbou. Sugeri que
conversasse abertamente com você sobre isso.
O rosto dócil de Denningham se virou para ela com curiosidade.
– Se eu puder ajudar, ficarei feliz em fazê-lo.
Ela estava com sua cópia da nota de falecimento. Tirou-a da bolsa.
– Descobri que isso foi publicado quando meu pai morreu. Saiu no The Times.
Ela leu em voz alta.
Ele escutou com educação. Quando ela terminou, o conde aguardou a pergunta. Sua expressão
dava a entender que não fazia a mínima ideia de qual seria.
– Encontrei o homem que escreveu isto. Ele disse que foi pago para redigir esta nota. Disse que o
senhor pagou a ele e forneceu os dados relativos à vida e à morte de meu pai.
Denningham reagiu com espanto. Olhou para Christian, que deu de ombros num gesto que
significava “Eu avisei a ela”.
– Srta. Montgomery, esse escritor, seja quem for, mentiu. Eu não teria motivo nenhum para fazer o
que ele disse. Nunca ouvi falar de seu pai.
Ele riu e ficou corado.
– Nem sei ao certo se sou capaz de apontar Macau em um mapa.
Ela duvidava que ele fosse capaz.
– Parece que ele realmente mentiu. Deve ter citado um nome da sociedade só para me satisfazer.
Perdoe-me. O fato de uma nota ter sido publicada já é peculiar. Essa publicação me perturbou, e eu
precisava perguntar.
– Não precisa se desculpar. Não mesmo. Quase lamento que não tenha sido eu, assim poderia
acabar logo com isso.
O sorriso dele era o de quem não se ofendera. Ele se virou para Christian.
– Ouvi dizer que sua encantadora prima deve se casar em breve. Há boatos de que o noivo ganha
9 mil por ano.
O rumo da conversa se afastou de Leona. Ela voltou a guardar a nota na bolsa.
Christian deu indícios de que estava de saída. Os cavalheiros se levantaram. Denningham
ofereceu a mão para ajudá-la a se levantar.
– Deve voltar quando o jardim estiver florido, Srta. Montgomery. O meu é um dos mais belos de
Londres, modéstia à parte.
A luz dourada do início da noite banhava a rua quando ela e Christian saíram da casa. Ele falou
com o cocheiro, depois se juntou a ela dentro do coche.
– Pois então? – perguntou ela.
Ele estava distraído.
– Pois então o quê?
– Ele estava mentindo?
– Acha que estava?
– Acredito que ele não saberia mentir nem mesmo se sua vida estivesse em jogo.
– Então aí está sua resposta.
– É claro que ele pode ser muito bom mentiroso – disse ela. – Habilidoso demais para que eu
pudesse notar. Você, por outro lado, teria certeza de um jeito ou de outro.
– Eu conheço Denningham há anos. Suas emoções são tão previsíveis, tão explícitas, que o
considero uma presença tranquila em comparação com a maioria das pessoas. Hoje, não notei nada
além de uma alegria injustificável pela vida, prazer em cultivar rosas e um interesse masculino
inapropriado por você.
– Claro que não!
– Eu mataria para não ter conhecimento dessa reação, mas não há como negá-la. Deixe-me ver,
ele também ficou confuso com a nota e expressou uma empatia genuína por sua aflição.
Christian fechou as cortinas casualmente.
– E, infelizmente, ficou magoado por eu não a ter dissuadido de acusá-lo.
Ela abriu um pouco a cortina para que não ficasse tão escuro.
– Em outras palavras, ele estava dizendo a verdade e me deram o nome errado.
Ele puxou as cortinas e as fechou novamente.
– Na verdade, acho que ele estava mentindo – falou o marquês.
– Mas acabou de dizer que...
– Sim. Interessante, não?
– Como explica isso?
Ele deu de ombros, mas ficou óbvio que a descoberta o incomodava.
– Ou ele é mais dissimulado do que eu imaginava ou minha maldição não é infalível. Talvez eu
tenha sido arrogante demais ao pensar que é. Mas não gosto dessa linha de pensamento. Sofrer com
isso e nem ao menos saber se minhas percepções são válidas seria... intolerável.
Ela mal podia ver o rosto dele naquele espaço escurecido.
– É possível que com ele e alguns outros você não olhe tão profundamente. Deve ter praticado
para evitar se intrometer nas emoções das pessoas mais íntimas.
– Talvez, sim. Mas terei que ser mais crítico no futuro e supor menos. Nunca mais terei certeza
absoluta, não é?
Ela percebeu mais consternação do que o tom de voz indiferente transmitia. Começou a abrir as
cortinas para conseguir ver os olhos dele.
– Não toque nas cortinas.
O comando impediu que os dedos dela puxassem a borda do tecido.
– Por que não?
– Estamos quase chegando ao Hyde Park e está na hora do passeio social.
– O propósito das pessoas saírem todas no mesmo horário é verem e serem vistas. Por que passar
por isso dentro de um coche fechado?
– Vou fazer uma experiência. O coche vai passar bem no meio da multidão, e eu testarei se o
prazer silencia o ruído tedioso da sociedade.
Ela já podia ouvir aquele ruído. O coche começou a andar bem devagar. Um rio de gente logo
começou a correr ao redor deles, enchendo o interior escuro com o zumbido das conversas.
Ele ajoelhou no chão, deitou-a no assento e começou a erguer sua saia e as anáguas.
– Eu faço em você, depois você faz em mim. Ou prefere trocar?
Uma mulher riu do lado de fora. Leona tentou puxar a saia para baixo.
– É muita audácia considerar uma coisa dessas. Há carruagens e cavaleiros em volta. A
centímetros de distância de nós. E o vidro está aberto! Se uma brisa bater nas cortinas...
– Viúvas vão desmaiar, matronas vão gritar e nós seremos imortalizados. Estaremos diante da
ruína e da perdição.
Ele dobrou a perna direita dela e ergueu a esquerda sobre seu ombro.
– Estimulante, não é?
Muito. Maliciosamente estimulante. Ela olhou para uma brecha de luz do dia em uma das cortinas
e imaginou o que poderia ser visto por alguém que espiasse. Talvez não muito. Estava escuro lá
dentro e talvez...
– Você é insuportavelmente bela, Leona.
Ela olhou para seu corpo. Os longos dedos dele estavam quase tocando o que fora exposto.
Mordeu o lábio para conter um gemido. Forçar-se a ficar em silêncio apenas intensificava o que
aquelas carícias lhe provocavam.
Ele podia ser diabólico quando queria, e estava sendo agora. Provocava-a deliberadamente com
carícias delicadas que a enlouqueciam, mas evitando os afagos mais diretos pelos quais ansiava.
– Abra a sua capa.
Ela mexeu no fecho. A capa caiu.
– Agora, toque-se como lhe mostrei em Aylesbury. Dê prazer a si mesma enquanto lhe dou prazer.
Ela tocou os próprios seios, com hesitação. Havia ficado muito tímida da primeira vez que ele
fizera aquele pedido, e ainda ficava. Os dedos encontraram os mamilos através do tecido. Ela os
afagou. Começou a sentir ainda mais sensibilidade onde ele a acariciava, de maneira inacreditável.
Ele observou a expressão de Leona, seu rosto, sua entrega. Ela conteve os gemidos da melhor
forma que pôde, mas estava sendo vencida pelo prazer. Por fim, deixou escapar um – grave, rouco e
alto.
Cobriu a boca com a mão. Ele sorriu e beijou sua perna. Agarrou seu traseiro e o levantou apenas
o suficiente. Abaixou a cabeça e, com a língua, deu início à tortura devastadora.

Christian caminhou pela rota familiar em Mayfair. Passou por dois jantares dos quais havia se
recusado a participar e, por fim, chegou à biblioteca de Rallingport.
O duque de Ashford estava lá dessa vez. Christian se posicionou perto da segunda mesa, onde os
cabelos grisalhos do outro se destacavam acima de todas as cabeças.
– Não tem ficado muito na cidade ultimamente, Easterbrook – provocou Ashford. – Namorando no
campo, ouvi dizer.
– Pelo que fiquei sabendo, seria melhor dizer “copulando” – murmurou Rallingport, rindo da
própria piada.
– Cavalheiros, aconselho que prestem atenção em suas insinuações. Conheci a adorável Srta.
Montgomery, e ela é uma dama em todos os sentidos – socorreu-o Denningham com seriedade.
– Tenho provas de que as senhoras mais respeitosas são conhecidas por copular – atalhou
Rallingport.
O rosto enrugado de Meadowsun ficou muito sério.
– Seu sarcasmo de colegial é tedioso – ralhou o clérigo. – Eu, pelo menos, fiquei feliz ao vê-lo
participar mais da sociedade nos últimos tempos, Easterbrook. Muito saudável. Muito saudável
mesmo.
– Bem, ele encontrou uma boa mulher para copu... Desculpe-me, para namorar – brincou
Rallingport e abafou o riso. – E sabe-se que o namoro regular é benéfico para a saúde do homem,
tanto mental quanto física. Se a bela dama de Easterbrook é útil para isso, o governo deveria
contratá-la e melhorar a saúde nacional.
Christian colocou a mão no ombro de Rallingport.
– Você já bebeu demais, então vou ignorar o fato de ter passado dos limites. Se passar de novo,
no entanto, terei que desafiá-lo a um duelo.
Rallingport já bebera demais para ainda se sentir ultrajado.
– Que raios está dizendo? Qual é a chance de um recluso louco me vencer em um duelo? Então
pense bem antes de me desafiar.
– Ele não terá escolha se você não se desculpar – falou Denningham. – Então peça desculpas.
O rosto de Rallingport ficou corado.
– Peça desculpas – disse Ashford, muito sério.
Rallingport resmungou algumas desculpas. Ashford acendeu um charuto, indicando um intervalo
no jogo. Denningham se levantou e foi até a bandeja onde ficavam as bebidas. Christian foi atrás
dele.
– Fiquei lisonjeado por ter levado a Srta. Montgomery para aquela visita – falou Denningham. –
Não vai à minha casa há anos.
– Mas ficou menos lisonjeado ao saber os motivos da visita.
Denningham ruborizou.
– Era de esperar, imagino. Não é de seu feitio perder tempo com essas coisas. Eu devia saber que
havia o pedido de uma adorável mulher por trás daquilo.
– Ela teria feito a pergunta se eu a levasse ou não. Mais cedo ou mais tarde, encontraria um jeito
de falar com você. Só me ressinto de que minha presença possa tê-lo encorajado a mentir.
– Mentir? Você me insulta com essa sugestão.
Christian fez uso de sua percepção como não fazia com Denningham havia anos. Colocou toda a
sua atenção naquele homem. Apesar de mostrar-se insultado, a indignação não tomou conta de
Denningham tanto quanto o nervosismo e a preocupação. Christian não tivera certeza da mentira na
casa do amigo, mas agora tinha.
– Por que publicaria aquela nota de falecimento? Como conhecia Montgomery?
Denningham tentou assumir uma postura de indignação. Mas não conseguiu. Seu ar de desafio
virou consternação.
– A princípio, nem me lembrei do que ela estava falando. Não tinha ligado a sua Srta.
Montgomery àquela maldita nota. Raios, eu havia me esquecido completamente disso. Eu não
conhecia o pai dela. Ele não passava de um nome. Pediram-me para encontrar um homem para
escrever a notícia, depois conseguir que fosse publicada.
Ele deu um sorriso constrangido.
– Pareceu algo ínfimo na época, embora eu não tivesse gostado do detalhe sobre a causa da morte.
Achei desnecessariamente cruel. Fiquei feliz quando o escritor modificou um pouco o texto.
Denningham pareceu estar sendo sincero. No entanto, depois de ter errado pelo menos uma vez,
Christian nunca mais teria certeza absoluta em relação a ele. Ainda estava avaliando o que aquilo
significava diante de todas as suas outras certezas.
– Quem o mandou fazer isso?
– Meu pai. Ele imaginou que eu pudesse conhecer um jovem escritor que quisesse ganhar algumas
libras. Achou que estivesse me dando a oportunidade de fazer algum amigo ganhar dinheiro. Raios,
eu nunca conheci um escritor. O que os escritores podiam querer comigo? Simplesmente peguei um
nome que vi nos relatos de tribunal.
Eles voltaram para onde estavam os outros. Christian tomou o lugar de Denningham para que
Ashford tivesse chance de recuperar suas perdas. Jogaram mais algumas rodadas de um carteado que
começara havia gerações.
Parecia que a ligação de Montgomery não era com o atual conde de Denningham, mas com o
anterior. Assim como fora com o Easterbrook anterior.
Christian analisou as cartas que tinha em mãos, depois voltou sua atenção para os outros
cavalheiros reunidos na sala.
CAPÍTULO 24

Griffin Winterside examinava-se no grande espelho. O alfaiate hesitou, mas desamassou uma das
mangas.
Winterside virou-se para um lado e para o outro. Temera parecer um idiota ao seguir a nova
moda, com a roupa justa na cintura, mas agora decidira que ela caía bem nele. A cinta ajudava, é
claro. Era desconfortável, mas... Ajudava também o fato de o alfaiate não ter exagerado naquela
besteira de mangas bufantes. Ele observou a bainha baixa. As pernas não pareciam mais compridas?
Decidiu que o comprimento também lhe caía bem. Deu ao alfaiate sua aprovação para que
completasse o acabamento.
Estava de humor mais leve por causa do traje novo ao sair da loja. Aquela casaca valia cada
centavo. Não suportaria parecer antiquado. Todos os nobres se vestiam naquele estilo agora. Todos
os jovens e adeptos da moda, pelo menos.
Pensar na nobreza o fez lembrar-se de seus deveres. Um em particular o incomodava. A questão
com a Srta. Montgomery vinha tomando um rumo estranho. Havia rumores de que um dos criados de
Easterbrook fora atacado na casa dela por um invasor.
Um ladrão, sem dúvida. Ainda assim, no dia anterior, ao se encontrar com seu contato para tratar
do assunto, não conseguira se livrar da sensação de que o homem sabia muito mais a respeito desses
rumores do que a Companhia poderia saber.
De fato, tudo a respeito da mulher era nebuloso. Uma questão simples havia se tornado complexa.
Winterside não gostava da sensação de ter sido o peão de alguém em um jogo que ia mal, sobretudo
ao considerar que Easterbrook provavelmente ficaria furioso.
Ele teria que consultar seus superiores. Ponderava sobre como fazer isso sem dar a entender que
havia perdido o controle da situação.
Alguém de repente obstruiu seu caminho. Um tronco largo, vestido numa bela casaca, bloqueou
sua visão.
– Com licença.
Ele deu um passo para desviar da pessoa. A bela casaca também se moveu, obstruindo seu
caminho outra vez.
Ele olhou para cima e viu cabelos loiros e um sorriso cordial.
– Sr. Griffin Winterside? Encontrei o homem certo, não?
– Sim, encontrou.
– Muito bem.
O homem loiro fez um gesto. Dois outros homens apareceram.
– O coche está aqui para levá-lo à reunião, senhor, como prometido.
– Coche? Não tenho nenhuma reunião hoje. Verifiquei a agenda e...
– Disseram-me que teria. E que eu o levasse. Não deixo de cumprir meu dever. Se por acaso
descobrirmos que cometi um engano, expressarei minhas desculpas.
Para Winterside, o rapaz não parecia alguém que já houvesse pedido desculpas. Aquele sorriso
não o enganava. Ele não havia trabalhado no Parlamento por mais de uma década sem aprender uma
ou duas coisas no que dizia respeito ao julgamento de pessoas.
Ele permaneceu parado. Mas, na verdade, não. De alguma forma, aquele pequeno impasse o havia
levado até um coche a alguns metros de onde estivera. Seu luxo e opulência o tranquilizaram. Era
certamente o coche de um lorde. Talvez tivesse esquecido de marcar a reunião na agenda.
Os lacaios ficaram ao seu lado. Um foi até a porta. Winterside procurou pelo brasão. O susto o
paralisou. Era o coche de Easterbrook.
Ele deu meia-volta para sair correndo. Tarde demais. Foi erguido e posto dentro do veículo.
Meia hora mais tarde, estava na casa de Easterbrook, na Grosvernor Square. Ele subiu a
escadaria dos criados com dois homens à frente e dois atrás, como um condenado indo para a forca.
Uma porta se abriu e ele entrou em um cômodo amplo e vazio. A porta se fechou. Deixaram-no
ali, sozinho, sem ao menos uma cadeira para se sentar.

– Ele chegou. Está suando na sala de esgrima – avisou Miller depois de enfiar a cabeça pela porta do
quarto de vestir.
Christian terminou de dar o nó em sua gravata.
– Conseguiu aquela outra informação que pedi?
– Lorde Hayden disse que tentou vender uma empresa chamada Four Corners quando o senhor
estava fora em suas aventuras egoístas. Ela passou mais de um ano sem ganhos, e os advogados da
empresa não responderam a seus questionamentos sobre a contabilidade. Ele forneceu tudo o que
pôde. Os dados estão sobre a mesa em sua sala de estar, perto da poltrona que costuma usar.
Christian examinou a gravata no espelho.
– Aventuras egoístas, Miller?
– Palavras do lorde Hayden. O senhor ordenou que eu dissesse exatamente o que seu irmão
falasse.
– Meu irmão disse se ainda sou sócio dessa empresa?
– Lorde Hayden disse que não está claro. Novamente, palavras exatas dele. Não há receitas ou
correspondências desde antes de seu pai morrer. Lorde Hayden disse supor que fazia muito tempo
que a sociedade fora dissolvida.
Uma suposição razoável da parte de Hayden. Equivocada, entretanto. Os outros dados, porém,
eram incontestáveis. Hayden nunca esquecia números. Se dissera não haver receitas, não havia.
– Quer que o acompanhe quando for conversar com o Sr. Winterside?
– Não será necessário. Ele seguirá o caminho que beneficie a ele e a seu empregador. Só preciso
explicar que caminho é esse. De qualquer forma, quando estiver na casa da Srta. Montgomery esta
noite, fique bem alerta. Se Winterside decidir fazer jogo duplo depois de sair daqui hoje, talvez
tenhamos problemas.

Já havia passado da meia-noite quando Christian cavalgou até a Bury Street. Como esperado, o Sr.
Winterside se provara astuto e flexível. Demonstrara espanto sincero ao ouvir sobre o perigo em que
Leona fora colocada. Fora firme ao garantir que seu único interesse era poupar a Companhia de
constrangimentos. Não tinha sido difícil convencê-lo da melhor forma de fazer isso.
Um dos lacaios de Christian abriu a porta da casa de Leona, mas Miller também estava na sala de
visitas. Com os braços cruzados e encostado na parede, estava sentado em um banco próximo ao pé
da escada que levava ao andar de cima.
Ele se levantou quando Christian entrou.
– Está tudo tranquilo – relatou. – Inspeciono a casa de meia em meia hora.
– Há novas cinzas de charuto pelo caminho?
– Nada, há mais de uma semana.
– Onde está Tong Wei?
– Da última vez o que vi, na biblioteca. Ele se senta no chão. Estranho, isso.
Miller mantinha a aparência séria e profissional, mas uma emoção atípica surgia lá no fundo.
Algo similar, mas mais suave, banhava as escadas. Christian olhou para cima e viu uma ponta de
tecido branco junto ao canto da parede nos últimos degraus.
Imaginou Miller sentado ali, impassível, e a jovem Isabella lá em cima, ficando o mais perto que
podia. Não era somente desejo que fluía entre eles no silêncio. Um anseio mais profundo se
manifestava, e de ambos os lados.
– Olharei o jardim agora, senhor.
– Há um homem lá. Ele dará o alerta se alguma pessoa invadir. É melhor que verifique a casa
novamente. O andar de cima. Seja cuidadoso e demore quanto for preciso. Assumirei seu posto aqui
até que retorne.
Miller começou a subir as escadas, mas parou no quarto degrau.
– Quando acha que elas... Quando acha que a Srta. Montgomery voltará para a China, senhor?
– Em breve, Miller.
Cedo demais.

Leona acordou, mas ainda não estava de todo desperta. Estava envolta em calor. O ritmo da
respiração de outra pessoa se juntou ao dela. Conforto e paz se espalhavam, trazendo-a lentamente
para fora do sonho.
Tocou o braço que a envolvia e sorriu ao sentir o coração que batia junto às suas costas. Christian
estava ali. Ela não o esperava.
Ela não se agitou. Apenas aproveitou a forma como ele a abraçava e se deleitou no contentamento
que ele trazia. Christian havia se esforçado para não acordá-la, ela sabia. Para um homem arrogante
e um tanto despótico, ele tinha seus momentos de consideração.
Enfim ela despertou. Virou-se de costas, e a respiração dele fez cócegas em seu ouvido. Abraçou-
o para se aconchegar, e ele, por sua vez, se moveu de forma a encaixar a mão no seio dela. E ficou
com a mão lá, não um ato de sedução, mas um gesto de posse e união.
– Está muito atrasado – disse ela.
– Cheguei pouco depois da meia-noite, mas permiti que Miller tirasse uma folga de seus deveres
por um tempo.
Ela imaginava o que o Sr. Miller fizera nessa folga, enquanto estava livre para perambular pela
casa. Poderia repreender Christian por ajudar seu empregado a tomar liberdades com sua criada, mas
não tinha coragem nem era hipócrita o bastante para negar a Isabella qualquer tipo de felicidade que
ela pudesse ter naquele momento.
– Miller perguntou por quanto tempo ficariam na Inglaterra. Ele quer saber quanto tempo ainda
tem para passar com ela.
As emoções se acentuaram com aquela frase. Ele não falava apenas de Miller e Isabella.
– O que disse a ele?
– Que acreditava que partiriam em breve. Você comentou que sua apresentação a Howard, no
outro dia, rendeu bons frutos, então imagino que estejam prestes a ir embora.
– Não demorará muito, mas também não será tão em breve. Aquele encontro talvez tenha sido
produtivo demais. A situação é muito favorável. Tenho uma escolha difícil a fazer.
– A escolha é apenas sua?
– Na verdade, nem minha é. Quis dizer que meu irmão tem uma escolha difícil. No final, a decisão
será dele, é claro.
– É claro.
Ela chegou a ouvir a risada na frase dele, se é que isso era possível. Christian não acreditava,
assim como St. John, que a escolha seria feita por Gaspar. Era verdade o que St. John dissera sobre
Gaspar ser inexperiente. O irmão de Leona provavelmente seguiria seu conselho para tomar essa
decisão, como fazia com todas as outras.
– Tanto St. John quanto o Sr. Howard seriam bons aliados – explicou ela. – A diferença é que St.
John quer incorporar a Montgomery & Tavares, ao passo que Howard permitirá que continuemos
independentes. Então cada aliança tem características muito diferentes.
– Qual delas resolve os problemas que a trouxeram aqui?
– St. John resolveria os imediatos. Não creio que piratas ataquem os navios dele. E sua rede de
negócios é muito grande. Ele disse que não acredita que o monopólio da Companhia Britânica das
Índias Orientais será renovado. Precisa de nós para quando isso acontecer, por estarmos sediados na
China. Tem tudo planejado. Nosso atrativo é sermos tão fracos que ele poderá assumir o controle.
Ela analisou a questão de uma forma que vinha evitando fazer. Não mentiu para si mesma sobre o
motivo pelo qual protelava aquela decisão. Havia se reunido com os comerciantes e conseguido as
alianças em potencial. Seu dever primário em Londres, o motivo pelo qual fizera aquela viagem,
estaria resolvido assim que se decidisse.
– Howard sem dúvida também vê vantagens em sua sede ser na China – comentou Christian. – Já
que não quer incorporar a Montgomery & Tavares, se o monopólio terminar, você estará livre para
aproveitar a recompensa sozinha e compartilhar apenas o que quiser. Prefere que seja assim?
Ele parecia mesmo interessado. Suas perguntas a encorajaram a ponderar sobre aquilo.
– Daqui a cinco anos, se não cometermos grandes equívocos, prosperaremos se nos aliarmos a
Howard.
– Então a decisão está clara, não?
Talvez, mas aquele futuro só aconteceria se ela continuasse a conduzir a Montgomery & Tavares,
como fizera nos últimos seis anos. Gaspar ainda não seria capaz de dirigir a empresa de forma tão
engenhosa.
Ela agora desejava que Christian não a tivesse ajudado a ver as opções com clareza. Ele deveria
ter feito mais coisas com a mão do que apenas segurar seu seio. Tê-la seduzido, para que continuasse
indiferente aos seus deveres.
– A outra missão também pode ser resolvida em breve – disse ele.
– Não tenho um nome sequer, Christian. Nenhum, além do seu pai. Nem me dediquei muito a
procurar por eles. Lady Phaedra me perguntou sobre minha última carta para o Banquete de Minerva
no jantar de noivado de Caroline, e dei a entender que a enviaria em breve. Só que ela não foi
escrita, como eu planejava. Com o que descobri sobre meu pai e o seu, agora me falta coragem para
investigar.
Ele beijou seu rosto.
– Se eu achasse que você desistiria disso sem arrependimentos ou culpa, se acreditasse que
ficaria a salvo longe daqui, insistiria mais uma vez que deixasse esse assunto de lado.
Ela virou o rosto para ele.
– Talvez seja melhor assim.
– Isso é diferente de saber que você deveria fazê-lo. Tenho um nome para você, querida. Tem que
me dizer se quer que acabe com isso do meu jeito ou se prefere enfrentar o homem contra quem seu
pai lutou às cegas e escrever sua última carta, da forma que planejou.
Ela não sabia o que dizer. É claro que queria confrontar o homem. Queria vê-lo arruinado, assim
como todos os outros envolvidos. Ainda os considerava criaturas vis.
Todo o resto havia mudado, entretanto. Não poderia expor esses homens sem expor também o pai
de Christian. E ele merecia mais lealdade do que isso.
Nem poderia escrever sobre essa missão para o Banquete de Minerva sem admitir que o próprio
pai fora contrabandista. A transformação que seu pai sofrera acrescentaria drama à história e o
absolveria aos olhos da maioria, mas ele estaria para sempre ligado àquele mal.
– Assim que fizermos isso, não terei mais desculpas para ficar – disse ela.
Ele levantou, apoiando-se no antebraço, e olhou para ela. Deu-lhe um beijo. Deitou-se e a puxou
para cima dele, de forma que seus corpos se tocassem por inteiro. Seu calor a afastava do futuro
triste, puxava-a de volta ao presente tão prazeroso.
CAPÍTULO 25

Barnabas Meadowsun cruzava o pátio quando notou a presença de Christian. O marquês estava de
braços dados com Leona e andava na direção de Meadowsun, deixando Tong Wei próximo ao portão.
O clérigo não teve escolha a não ser cumprimentá-los.
– Easterbrook. Que surpresa. É um prazer revê-lo, é claro.
Ele mal sorriu, mas, de qualquer forma, nunca permitira que sua boca refletisse alegria ou tristeza.
A discrição havia lhe dado a habilidade de fazer de seu rosto uma máscara e de seu coração uma
câmara trancada.
Christian se perguntou se, além de esconder as emoções, o homem também evitava tê-las. Era
possível atingir um estado em que nada causava a mínima reverberação no espírito. Christian mesmo
estava próximo disso, afinal.
Christian fez as apresentações. Meadowsun fez uma pequena reverência a Leona, mas deixou
claro por seus modos que era um homem ocupado e tinha pouco tempo para conversas.
A boca de Meadowsun formou um meio sorriso novamente.
– Vieram aqui em busca de um tabelião?
– Vim encontrá-lo. O secretário do arcebispo nos informou no Lambeth Palace que você estaria
aqui hoje – disse Christian. – Srta. Montgomery, talvez queira se sentar aqui enquanto converso com
o Sr. Meadowsun.
Leona aceitou o convite e foi se alojar no banco de jardim mais próximo.
– Estive examinando meus negócios – disse Christian. – Revirando os papéis de meu pai.
– Ah, então é por isso que está na cidade. Fico feliz em vê-lo assumindo o controle de sua
posição. Espero que expanda seu renovado interesse pelo mundo para incluir questões
governamentais. O arcebispo pensa da mesma forma. Hoje mesmo mencionou isso.
– É muito generoso da parte dele. Agora, voltando àqueles papéis. Encontrei referências a uma
empresa na qual meu pai investiu anos atrás. Uma empresa mercantil. Sem navios, entretanto. Pelo
que sei, capitães eram contratados para transportar a carga e pagos por carregamento.
– É provavelmente um método comum de negócios. Seu advogado pode explicar melhor. Confesso
que não tenho conhecimento sobre a maioria das legalidades dos negócios.
Meadowsun deu um jeito de não ficar na direção de Leona, que se sentara a menos de um metro.
Também fingiu que ela não o observava com grande interesse e olhar ameaçador.
– Meu advogado tem ajudado muito, mas acredito que você possa me esclarecer mais. Encontrei
evidências sobre essa sociedade, mas não recebi nenhuma renda advinda dela. Meu irmão, que tem
administrado meus investimentos, diz que a sociedade deve ter sido dissolvida antes da morte de meu
pai, mas meu advogado, que sempre ajudou muito, como eu disse, não encontrou documentos que
registrem isso, tampouco a formação da sociedade.
Meadowsun olhou ao redor do pátio, buscando alguém para salvá-lo da conversa entediante.
– Ela foi dissolvida, Meadowsun?
– Como posso saber?
– É um dos sócios.
Ele franziu levemente a testa.
– Não me lembro de tal investimento. Se não há documentos, como pode presumir meu
envolvimento?
– Correspondências indicam que ao menos quatro homens investiam. Meu pai, você, Denningham
e Rallingport. Quatro homens que se encontravam regularmente e que escolhiam onde e como
exerceriam sua influência para preservar e proteger a Inglaterra.
A testa continuou franzida de surpresa. O rosto não mostrou outra reação.
– Ainda não consegue se lembrar? Hayden disse que rastrear os donos e as receitas desta empresa
não será difícil quando formos à Corte. Achei que deveria falar com você antes, entretanto. Uma boa
quantia de dinheiro desapareceu.
– Está falando coisas sem sentido. Não sou comerciante, nem transportador. Seu pai também não
era, nem os outros que citou. Que possível interesse poderíamos ter nessas coisas?
– Lucro – atalhou Leona, do banco. – Lucro do pior tipo. Um bom lucro. Uma quantia obscena,
imagino, se a carga principal fosse ópio e o destino fosse a China.
Meadowsun estreitou os olhos e lançou um olhar expressivo.
– Duvido que encontre muito apoio na Corte sobre isso, Easterbrook.
– Espero encontrar. Certamente conseguirei uma audiência para discutir seus ataques à Srta.
Montgomery.
– Meus ataques? Está louco. Completamente insano. Terei que contar aos bispos sobre isso e
buscarei aconselhamento para decidir se os demais nobres devem tomar conhecimento de sua
condição.
– Está me ameaçando, Meadowsun?
– Estou preocupado com você, apenas isso.
– Seria mais sábio preocupar-se consigo mesmo. Winterside me contou tudo sobre seu
envolvimento nas tentativas de dissuadir a Srta. Montgomery. Descreveu os encontros que teve com
você e sua insistência em que ele buscasse minha ajuda.
– Besteira. Ele não ousaria fazer tal coisa.
– Não ousaria traí-lo, é o que quer dizer? Ele não gostou da forma que arranjou tudo isso para que
ele fosse a face visível nesse jogo. Percebeu que levaria a culpa caso buscassem um responsável por
esses “episódios”, como, segundo ele, você se referiu outro dia, relacionados à Srta. Montgomery.
Leona se levantou do banco. Seus olhos se arregalaram.
– Episódios? Episódios? Perseguiu meu pai até o túmulo. Quase o arruinou, e passamos anos
esperando pelo próximo golpe, o próximo incêndio ou navio afundado. Tentou me atropelar com um
cavalo aqui em Londres e botar fogo em minha casa, agora se refere a esses crimes como episódios?
Uma expressão de desdém distorceu o rosto de Meadowsun. Ele olhou para Leona com repulsa.
Repentinamente, deu meia-volta.
– Não serei insultado por essa mulher. Se tiver mais a dizer, venha aos meus aposentos,
Easterbrook. Mas deixe sua puta aqui.

Christian acenou para que Tong Wei se juntasse a eles.


– Sente-se aqui. Espere por mim – disse o marquês a Leona.
– Não farei isso. Entrarei lá e arrancarei os olhos desse homem e...
– Ficará aqui sentada e esperará.
Ele enfatizou a ordem pressionando os ombros dela até que se sentasse novamente no banco.
– Tong Wei, não saia do lado dela.
– Você disse que eu poderia confrontá-lo – protestou Leona.
– E fez isso. Farei o resto sozinho.
– Quero que ele admita o que fez. Que pague por isso.
– Ele pagará, Leona. Eu prometo.
Christian olhou para trás por duas vezes para conferir se ela continuava lá enquanto cruzava o
pátio, em direção à entrada do edifício. Seria do feitio dela segui-lo.
Ele caminhou até os aposentos de Meadowsun. Fechou a porta depois de entrar. Meadowsun
sentou próximo a uma janela. Seu perfil era destacado pela luz forte que vinha de fora. Tinha uma
expressão determinada e um olhar vil.
Christian foi até ele. Segurou-o pela casaca, levantou-o e desferiu um soco naquele rosto
enrugado e perplexo. Meadowsun caiu de volta na cadeira, de mau jeito. Endireitou-se com
dificuldade, segurando o queixo com a mão. Christian o atingiu de novo.
– Isso é pelos insultos contra a Srta. Montgomery lá fora e por colocá-la em perigo. Fique feliz
por ser um religioso, pois senão o desafiaria para um duelo e o mataria.
Christian se distanciou e se esforçou para ficar calmo. Meadowsun tentou disfarçar o medo que
deixara transparecer.
Christian encarou o clérigo.
– O comércio de ópio não é ilegal sob nossas leis. Nem o sigilo. Mesmo os ataques a
Montgomery, eles aconteceram há muito tempo, longe daqui, e duvido que se possa provar seu
envolvimento. Os acontecimentos recentes em Londres, no entanto, não são amparados pela lei e nem
aconteceram longe. Além disso, essa empresa contrabandeia mais coisas além do ópio, e seus navios
não vão apenas para a China. Ouvirá o que tenho a dizer e responderá a minhas perguntas, ou o verei
pagando por tudo isso com sua liberdade.
– Então diga o que tem a dizer. Faça suas malditas perguntas.
– Meu pai mantinha registros dos pagamentos que recebia. Suponho que um lucro igual ou maior
foi auferido nos anos após sua morte. Sei quanto você roubou de mim. É uma fortuna significativa que
não recebi. Por que se arriscou a ser pego por roubo?
Meadowsun tocou seu queixo com cuidado e se encolheu.
– Você não era de confiança.
– E Denningham e Rallingport eram?
Meadowsun apenas olhou para ele.
– Ah, entendi. Não fui apenas eu. Eles também, depois que herdaram seus títulos. Ficou com tudo
para você.
Um silêncio pairou enquanto Meadowsun ponderava sua situação e planejava o que dizer.
– Os filhos não eram os pais. Pude notar quando vocês, um a um, tomaram seus lugares na mesa
de carteado. Denningham era lerdo. Rallingport era um bêbado. Você... bem, você era esquisito
demais para se confiar. Não roubei nada. Os investimentos iniciais foram recuperados muitas e
muitas vezes.
Então Denningham não sabia de nada o tempo todo. Sentiu alívio em ouvir aquilo.
Meadowsun sorriu, dissimulado.
– Não me acusará. Não me importo com o que Winterside disse. Não ousará expor isso em
nenhum tribunal. O mundo saberia de tudo. Todos saberiam que foi seu pai que começou. Foi tudo
ideia dele, nós entramos no negócio depois que ele já estava em curso.
– Isso pode ser verdade. Ou não. Mas, se for necessário, deixarei que um juiz examine os fatos.
Não posso permitir que continue com esses crimes agora só para proteger o nome dele ou o meu.
Meadowsun sorriu em tom de zombaria.
– Viu só, é por isso que não confio em você. Por isso, a parte do seu pai na sociedade foi
enterrada com ele. Havia o risco de que não seguisse os passos dele, mas daquela louca da sua mãe.
– Acho que gosta de apanhar, Meadowsun. Precisa ter cuidado. Nunca se sabe até onde um louco
pode ir.
Meadowsun ficou boquiaberto. Olhou para Christian com mais cautela.
– Por que publicou aquela nota de falecimento?
– O pai dela era um estorvo, assim como ela. Foi um dos primeiros transportadores contratados
pelos nossos homens em Calcutá, depois mudou de ideia. Virou um opositor dos negócios. Não nos
importamos. Havia outros transportadores. Mas ele começou a escrever todas aquelas cartas e tentar
expor quem éramos. Escreveu para a Companhia. Escreveu para os membros do Parlamento.
Conversou com os capitães para lançar suspeitas sobre nossas remessas à Inglaterra e à França.
Quando morreu, era de nosso interesse ter certeza de que todos os destinatários daquelas cartas
soubessem disso.
– Não conseguiram resistir à tentação de dar a entender que ele havia morrido fazendo o que
condenava.
– Isso faria com que as pessoas questionassem o estado mental dele ao fazer as acusações.
Satisfeito por ter todas as respostas que Leona queria, e algumas das quais ele próprio precisava,
Christian se sentou confortavelmente em uma cadeira.
– Então, como gostaria de me pagar esse dinheiro?
Meadowsun ficou estupefato.
– O quê? Vem até mim como um anjo da justiça e tudo o que realmente quer é a sua parte? Isso
tudo tem a ver com o dinheiro?
Ele gargalhou. Seus olhos ficaram mais vívidos, aliviados com esse objetivo mesquinho.
– Gostaria de fazer um acordo – propôs o marquês.
– Tenho certeza de que podemos chegar a um.
– Mas prefiro resolver isso agora.
– Você é realmente louco. Estamos falando sobre anos de pagamentos. O dinheiro não está
simplesmente guardado em minha biblioteca, esperando ser passado adiante.
– Isso é lamentável. Deixa-o em uma posição ruim, não?
Meadowsun olhou para ele. As emoções finalmente vieram à tona. Desalento. Pânico.
– Eu poderia forçar as coisas da forma habitual. Tanto em relação ao dinheiro quanto aos ataques
à Srta. Montgomery. Talvez uma solução menos pública seja melhor. Sabe como funciona. Há muito
tempo faz parte daquela mesa de carteado onde se decidem alternativas ao tribunal. Como foi feito
pelo nosso amigo de Kent, por exemplo.
– Havia outras nove pessoas naquela mesa, compartilhando as decisões. Não apenas um marquês
maluco.
– Imagine, se quiser, que a Srta. Montgomery está sentada comigo, auxiliando em meu julgamento.
Esta é minha proposta: primeiro, renuncia ao seu posto. Não vai querer constranger o arcebispo
quando isso vier a público.
– Vier a público?
– No Banquete de Minerva. Em sua última carta, a Srta. Montgomery explicará o comércio de
ópio realizado por essa empresa. Dará nomes. Pensou em não seguir adiante por minha causa, mas
insisti que o fizesse. A história dará uma aula inesquecível sobre o comércio de ópio em nossa terra.
Ele fez uma pausa.
– Se for bonzinho e fizer o que eu disser, só a parte sobre o contrabando de ópio será publicada.
Enfrentará acusações morais por isso, mas não criminais. Mas a Four Corners deve parar de fazer
contrabando.
– Ninguém se importa nem um pouco com o comércio de ópio. Querem chá, e não faz diferença
quantos chineses morram por isso.
– Pelo menos não poderão dizer que não sabiam. Em segundo lugar, meu irmão Hayden
investigará qual foi a extensão desse negócio ao longo dos anos, e você o auxiliará, para que
determinemos o montante total devido. Meu advogado se reunirá com o seu para avaliar o valor de
sua propriedade e de seus ativos financeiros. Você pagará o que puder e emitirá uma nota
promissória do resto. Tudo o que eu receber será doado a instituições de caridade recomendadas por
algumas boas damas que conheço.
– Seu cretino! Quer me arruinar.
– Ficará com o bastante para viver de forma modesta, mas ficarei com uma nota promissória no
valor de tudo que não tomar de você. E você abandonará o comércio. Também deixará a igreja e
sairá de Londres. O Sr. Winterside concordou que a Companhia Britânica das Índias Orientais ficará
de prontidão em meu nome, para ter certeza de que você não recomeçará o negócio. Se o fizer, ou se
qualquer infortúnio vier a acontecer com a Srta. Montgomery ou com seu irmão, protestarei a nota e o
deixarei na miséria.
Uma raiva horrível jorrava de Meadowsun.
– É um idiota se pensa que faz diferença eu estar dentro ou fora do negócio. Montgomery era um
tolo por pensar que poderia detê-lo. O ópio é lucrativo porque as pessoas o querem. Matariam por
ele.
– Isso pode ser verdade, mas o lucro não será seu. Trouxe sofrimento a milhares de pessoas. Para
preservar o fluxo de dinheiro, destruiu um homem e colocou em perigo a mulher que amo. Fique feliz
por eu não matá-lo só por este último crime.
Encerrada a negociação, Christian se levantou e foi até a porta.
– Eu estava errado a seu respeito – rosnou Meadowsun. – Você é igual a ele. É implacável como
ele. Frio como ele. Quem me dera eu tivesse descoberto antes. Poderíamos ter trabalhado bem juntos.
O filho é o pai, no fim das contas.
Christian parou. Olhou para trás.
– Sim.
Ele quase tropeçou em Leona do lado de fora. Ela o seguira. Estava escutando tudo, e Tong Wei se
mantinha um pouco atrás.
Ela segurou o braço de Christian, e ambos caminharam até o jardim.
– Não, você não é – disse ela. – Não é igual ao seu pai.

– Eles vão embora agora? – perguntou Tong Wei.


– Estão só esperando a carruagem para levá-los de volta à Grosvenor Square – respondeu Leona.
Isabella franziu a sobrancelhas por causa do anúncio. A mesma partida que deixava Tong Wei
aliviado a entristecia.
– Será bom voltarmos a ter alguma privacidade, Isabella – disse Leona. – Recebo essa notícia de
braços abertos, mas sei que não sente o mesmo.
Melhor ainda seria viver sem ter de se preocupar com toda pessoa que passasse por ela. Depois
do encontro com Meadowsun, ela pudera se libertar da cautela que a acompanhara por grande parte
de sua vida. Essa liberdade a deixara um pouco eufórica, mas também um tanto perdida.
Era estranho como alcançar um objetivo podia criar um vácuo. O sorriso não saía de seu rosto,
mas em seu coração, onde antes morava uma determinação irredutível, ficara um espaço vazio que o
desânimo de não ter uma meta ameaçava ocupar.
– Podemos voltar agora – falou Tong Wei. – Se os ventos forem favoráveis, conseguimos chegar a
Cantão antes do início da temporada de comércio.
Era do feitio de Tong Wei lembrar a ela que não estava à deriva sem seu objetivo. A cruzada
havia terminado, mas a vida, não.
– Sim, podemos voltar para casa.
Ela calculou os meses. Levaria ao menos cinco para voltar à China por mar, nas condições mais
favoráveis. Para terem alguma chance de chegar antes do inverno, teriam que partir o mais rápido
possível.
Isabella ficou ainda mais cabisbaixa. Saiu correndo do quarto. Tong Wei ficou apenas
observando.
– Foi tolice da parte dela amá-lo – comentou ele.
Leona sentiu um aperto na garganta. Ela se levantou para ir atrás de Isabella e confortá-la – e para
procurar algum conforto para si mesma.
– Amar nunca é tolice, Tong Wei.
CAPÍTULO 26

Christian ficou surpreso ao ver sua carruagem na porta aquela noite. Ele havia pedido o cavalo. A
presença de Miller explicava isso.
– Senti cheiro de chuva – justificou-se Miller ao abrir a porta da carruagem.
– Fazendo o papel de lacaio esta noite, Miller?
– Pensei em acompanhá-lo, senhor. Para verificar a propriedade uma última vez e ter certeza de
que nada está fora de ordem.
– Sua dedicação é impressionante.
– Obrigado, senhor.
A dedicação não era às obrigações, mas à jovem criada de uma casa na Bury Street. Não havia
dúvidas de que Miller estava no mesmo estado de espírito de Christian enquanto rodavam pelas ruas
escuras a caminho daquela casa. Ainda era primavera em Londres e as flores desabrochavam, mas os
relacionamentos amorosos estavam chegando ao fim, como folhas que caem no outono. Os
acontecimentos daquela tarde com Meadowsun haviam deixado isso claro.
Christian sentia o peso da decisão que tomara. Aquele homem merecia um castigo maior do que o
exílio e a pobreza – e até mesmo do escândalo que aconteceria se a venda de ópio por sua
Companhia fosse revelada. Vidas tinham sido destruídas e pessoas quase morreram. Crimes graves
foram cometidos. Isso nunca seria levado a público agora. Ainda assim, quando Hayden acabasse sua
análise da Four Corners, os filhos do último Easterbrook saberiam mais do que gostariam sobre o
pai.
Ele queria acreditar que não tinha feito aquela escolha para proteger nenhum criminoso, morto ou
vivo, nem para poupar o arcebispo de descobrir a corrupção de Meadowsun. O humor da nação não
passava por um bom momento. A confiança no governo, principalmente na nobreza, estava em baixa.
Expor os crimes da Four Corners apenas alimentaria o descontentamento do povo.
A carruagem parou na casa de Leona. Ele entrou, com Miller logo atrás.
Dera a Leona tudo o que ela queria, ainda que sua consciência não estivesse de todo em paz com
aquilo. Mesmo assim, ela parecia desanimada naquela tarde, enquanto ele a levava de volta para
casa. Como Miller agora ao seu lado e como seu próprio coração, ele sabia o que a vitória
representava para eles. A sensação de perda iminente inundava o pequeno espaço da carruagem e
diminuía qualquer satisfação pelo que acontecera.
– Que estranho – comentou Miller. – Não vejo lâmpadas acesas.
Estranho mesmo. A aflição perfurou o peito de Christian. Uma angústia irracional disse que Leona
já havia partido. Fugira em silêncio para evitar uma separação dolorosa.
A sensação logo foi substituída por uma onda de apreensão quando não houve resposta a sua
batida à porta.
Miller também estava preocupado e queria ajudar de alguma forma.
– Estranho – murmurou, depois bateu mais forte, aproximando o ouvido da porta. – Escutou isso?
Christian havia escutado. Ele girou o trinco. A porta se abriu e revelou um caos de sombras. O
som se repetiu. Um gemido, a menos de três metros de distância.
– Pegue uma lamparina na carruagem, Miller.
Christian adentrou as sombras da sala de visitas. Corpos. Dois. Lutando contra o pânico, ele se
abaixou e tateou as vestimentas deles. Eram homens. Fechou os olhos e quase se deixou dominar pelo
alívio. Levou a mão aos pescoços. Nenhum tinha pulso.
A iluminação repentina revelou os dois homens que jaziam no chão, contorcidos e imóveis. Um
terceiro, entretanto, ergueu a mão. A lamparina mostrou seda vermelha e um dragão bordado
escorados na parede oposta do cômodo e, acima deles, o rosto de Tong Wei.
Christian correu na direção dele. O chinês tinha uma grande mancha escura no ombro, onde fora
atingido por uma bala de pistola. Christian se abaixou para examinar o ferimento.
– Fui descuidado. Pensei que fosse você – lamentou Tong Wei, rouco. – Eram quatro. Não
consegui matar todos.
Christian voltou a olhar para os corpos. Quem quer que fossem aqueles homens, ele duvidava de
que tivessem sido avisados sobre o que os esperava ali.
Miller pôs a lamparina no chão.
– Vou procurar as damas.
Tong Wei balançou a cabeça.
– Foram levadas. Não sei para onde. Os homens não disseram nada.
– Miller, ajude-me a colocar Tong Wei na carruagem.
Começaram a levantar Tong Wei. Ele gesticulou para que parassem.
– No meu colo. Puseram alguma coisa ali. Consegue ver?
Christian olhou para baixo, na penumbra. Pegou o pequeno cartão, enfiou-o no bolso e xingou a
própria estupidez. Juntos, ele e Miller carregaram Tong Wei para fora.
Miller também subiu na carruagem, trazendo com ele sua tempestade de preocupações e raiva.
Christian observou Tong Wei. A dor de ser carregado o fizera desmaiar.
– Assim que o entregarmos aos criados e mandarmos buscar um médico e o magistrado, traga
minhas pistolas, minha espada e meu florete, Miller.
– Tinha em mente trazer vinte pistolas e uma dúzia de espadas, senhor. E metade dos lacaios, se
não se importar.
– Reúna todos, mas não se juntarão a nós. Tenho outros afazeres para eles. É melhor que se arme
também.
Eles percorreram a cidade escura por alguns minutos de tensão.
– Sabe onde ela está, senhor? A Srta. Montgomery, digo?
– Sim, creio que sim.
Christian puxou o cartão que fora deixado sobre Tong Wei.
– A pessoa que enviou esses homens deixou o cartão de visitas, para que eu soubesse.
Ele segurou o cartão próximo à janela. Passaram por uma lâmpada a gás e o brilho iluminou o
cartão. Não era um cartão de visitas comum, mas uma carta de baralho.
O Rei de Espadas.

Ele queria ter levado um exército para invadir o cativeiro de Leona, mas não podia fazer isso. Ela
fora aprisionada no lugar mais inatacável possível, bem no coração de Mayfair.
Christian olhou para a fachada da enorme casa, para as janelas no topo. Ela estaria lá, olhando
para fora? Acreditou ter sentido a preocupação dela e seu amor.
Miller procurou a pistola por baixo da casaca. Christian segurou seu braço, interrompendo-o.
– Não seja precipitado ou o mando embora. Acredito que ambas estarão a salvo antes de a noite
terminar.
Miller aceitou aquilo a contragosto.
– E se estiver errado, senhor?
– Então faça o que puder de pior. É por isso que está aqui. Apenas esteja preparado para morrer.
Ele foi recebido de forma estranhamente normal. Como se fosse o horário de visitas no meio da
semana, e não a calada da noite. Um mordomo levou o cartão de Christian. Retornou para conduzir o
convidado à sala. Ele olhou para Miller, desconfiado.
– Meu homem me acompanhará e ficará esperando do lado de fora.
O vago aceno de cabeça do mordomo indicou que isso não fora combinado. Mesmo assim, subiu
com ambos. Miller ficou encostado na parede do lado de fora, com a mão na pistola debaixo da
casaca. Christian entrou na sala de visitas.
– Easterbrook. Que bom que veio.
– Não tive escolha, Ashford. Pegou algo que me pertence.
O duque de Ashford sorriu preguiçosamente do sofá onde estava.
– Interessante a escolha do verbo. Pegar. A tentação é grande. Ela é uma mulher encantadora.
Ele gesticulou na direção de uma mesa de canto onde havia decantadores e copos.
– Vinho do Porto? Conhaque? – ofereceu.
– Por que não diz o que quer? Homens morreram para que me trouxesse até aqui.
– Está falando daqueles selvagens e do chinês? Irrelevantes.
Ashford tragou o charuto.
– Preciso que pare com essa intromissão infernal. Espero que ela seja importante o suficiente
para que você dê ouvidos à razão para protegê-la.
– Se eu concordar, você a deixará partir?
– No devido tempo. Talvez.
– Não pode manter duas mulheres aprisionadas aqui para sempre.
– É uma casa muito grande, e há outras. Ouso dizer que posso manter qualquer pessoa presa pelo
tempo que quiser. Basta uma carta de despedida da Srta. Montgomery para sua tia, dizendo que
voltou para a China, e o mundo se esquecerá dela.
Não o mundo inteiro. Um homem, não.
– Você se revelou sem necessidade. Não sabia sobre você. Sobre Meadowsun, sim. Sobre meu
pai e o de Denningham. Você, não.
– Bem, Meadowsun é uma cobra. Não está nos planos dele ir à ruína sozinho, não é? E parte do
dinheiro que você quer veio para mim, então ele achou injusto ter que pagar sozinho.
– Aí o chantageou para que o ajudasse.
– Na verdade, não. Encerrar nosso pequeno negócio seria financeiramente inconveniente. E
também não tive escolha quando ele me contou o que você sabia. Não posso deixar que revolva o
passado. O ópio é apenas constrangedor, mas o resto...
Claro que se tratava do resto. Christian se serviu um pouco de conhaque e sentou-se em uma
cadeira. Só havia um final possível para aquela noite. Era melhor satisfazer sua curiosidade antes
dele.
– Não acredito que seja todo o resto que o preocupa tanto. Apenas alguns anos de remessas entre
a Inglaterra e a França. Você teve uma influência considerável sobre o governo durante a guerra,
Ashford. O almirantado, não é? Imagino que, se quisesse, poderia conhecer o posicionamento da
frota ao longo da costa francesa.
Ashford estreitou os olhos.
– Quem diria que o estranho herdeiro de Easterbrook repararia ou se lembraria. Sempre temi que
tivesse mais consciência do mundo do que fingia ter. Jogava cartas bem demais para o meu gosto,
também.
– Meu pai me treinou para essas coisas. Ele levava seu posto muito a sério e esperava que eu
fizesse o mesmo. É por isso que não entendo essa parte. O contrabando durante a guerra. Os riscos e
a desgraça para todos vocês não poderiam compensar o lucro.
– Os riscos eram mínimos. É por isso que o contrabando é o passatempo nacional da Inglaterra.
Pergunte a qualquer um em Kent ou Guernsey. Em nosso caso, os lucros eram... enormes. Ainda mais
durante a guerra.
– A desonra também era enorme. As pessoas verão isso como traição, não importa o que seus
pares na nobreza decidam.
Ashford balançou a cabeça e riu ao se lembrar disso.
– Começou de forma muito inocente. Mais como uma travessura de criança. Nossa companhia
teve um sucesso surpreendente no Oriente. Seu pai colocou em ação um sistema maravilhosamente
simples. Um contato na Companhia das Índias Orientais em Calcutá servia como nosso agente. Ele
contratava transportadores, como Montgomery, para levar a carga. Era muito fácil com o ópio. De
qualquer forma, lá estávamos nós jogando cartas uma noite durante a guerra, e Denningham lamentou
termos perdido o vinho francês. Bem, por que não tentar conseguir algum? Fomos para a costa oeste,
para Gascony.
– Vinho? Vocês contrabandeavam vinho?
– No começo. Depois o negócio cresceu. Consideravelmente. Não seria bom que o mundo
soubesse quanto. Daí meu problema com Meadowsun. E com você. Seria melhor em todos os
aspectos se ninguém esclarecesse a história da Four Corners durante os anos de guerra.
Christian se levantou. Andou até as janelas que davam para a rua.
– Você não raptou a Srta. Montgomery para que tivéssemos essa conversa. Se não a libertar de
uma vez, estará me obrigando a tomar uma atitude. Não me deixa alternativa a não ser desafiá-lo.
– Suponho que sim.
– Esse era seu objetivo, creio. Acertar isso em segredo e tecnicamente insultando uma mulher.
– Assim seria melhor.
– Assim que estiver morto, o que me impedirá de revelar tudo?
– Sua palavra de cavalheiro. Suas obrigações para com seu nome e sua família. Sua participação
nos julgamentos do grupo de carteado. Não bastará para as pessoas saberem que somos meros
mortais, iguais a elas. Você sabe e aceita isso.
Ele tomou um gole de conhaque.
– Mas não vou morrer. Você vai.
Talvez. A confiança de Ashford preencheu a sala.
Christian o encarou.
– Não vou desafiá-lo. Mesmo assim, em breve talvez você não tenha escolha além de me desafiar.
Os coches estão chegando. Os convidados estão na sua porta.
Ashford franziu a testa. Deu alguns passos e espiou pela janela. Uma fileira de lanternas de
coches salpicava a rua e outras se aproximavam delas.
– Raios, Ashford. Parece que alguns bispos e lordes estão atrás de um bom carteado.
Ashford se virou, boquiaberto.
– Amaldiçoa seu próprio nome com isso, acusando-me na frente deles. Trai seu pai e seu sangue e
seu posto.
Christian olhou para baixo, para os homens que, enfileirados, rumavam para a casa.
– Reivindico meu nome e aceito meu posto, não os traio. Quanto ao meu sangue, você, melhor que
ninguém, devia saber com o que estava lidando.

Portas bateram e mulheres gritaram. Um alvoroço se espalhou pelo estreito corredor do sótão.
Isabella se virou na direção do barulho, os olhos arregalados. Leona controlou uma pontada de
náusea.
– O que quer que aconteça, aonde quer que nos levem, Easterbrook virá atrás de nós – garantiu. –
Ele é um homem muito poderoso.
Isabella não parecia convencida. O barulho ia na direção delas. Leona se levantou e pegou a
cadeira de madeira em que estava sentada. Posicionou-se de forma que pudesse usá-la para atacar
quando seu carcereiro chegasse.
Ela não achava que sua tentativa de resistir pudesse salvá-las. Aquela casa era tão grande quanto
a de Easterbrook. Um homem importante, talvez mais poderoso que um marquês, era dono dela. Ele
havia contratado muitos homens para raptá-la. Homens demais para que Tong Wei conseguisse conter
a invasão.
Seus olhos queimaram ao se lembrar dos cadáveres em sua sala de visitas. Ela e Isabella haviam
sido empurradas por entre dois estranhos mortos, perto da porta. Apenas no último instante, antes de
ser arrastada para a escuridão da noite, pôde ver Tong Wei e o sangue que indicava que estava
ferido.
A porta se abriu até a metade. Leona reuniu suas forças e levantou a cadeira sobre a cabeça.
– Isabella?
Era a voz do Sr. Miller. Isabella deu um salto e correu para a porta. O Sr. Miller entrou a passos
largos e a tomou nos braços. Leona largou a cadeira. Sentiu alívio nos braços e no coração.
O abraço deles a hipnotizou por um instante. O Sr. Miller parecia muito jovem, muito grato e
muito apaixonado. Beijou Isabella repetidamente, de forma suave, com cuidado, tocando seu rosto
como se buscasse algum ferimento. Parecia que ele mesmo havia escapado por pouco da morte, e não
exibia sua autoconfiança costumeira.
Ela percebeu que os três não estavam sozinhos no quarto. Sentiu outra presença do outro lado da
porta. Olhou pelo canto. Easterbrook estava ali, também observando os dois criados, vendo e
entendendo mais do que ela poderia.
Christian viu Leona e notou a cadeira aos pés dela. Puxou Leona para os seus braços.
– Eu disse para ele não entrar de repente. Sabia que você atacaria qualquer um que fizesse isso.
Ela cedeu à força de Christian. Depois de horas lutando para conter o terror, era bom demais ver
o fim da batalha.
– Sabia que você viria. Eu sabia...
Um beijo dele silenciou o resto da frase. Ela se deleitou com a maciez de seus lábios e o apoio de
seus braços.
– Tong Wei... – disse ela, com a voz embargada.
– Está vivo. Tenho certeza de que continuará assim.
O alívio fez com que os olhos dela se enchessem de lágrimas.
– Isso foi obra de Meadowsun?
– Não. Foi outro homem. Um quinto sócio.
– Ele foi derrotado?
– Sim. Está segura agora. Totalmente segura.
Ela o examinou com atenção. Não sentiu obscuridade. Nenhum caos. Ele estava em paz.
– Então pode me levar para casa agora.
– Miller a levará. Ainda há uma coisa que preciso fazer e então irei a seu encontro.
Ele olhou atrás dela.
– Miller, precisamos ir agora.
– E o que é que precisa fazer? – perguntou Leona enquanto ele a conduzia, passando por outras
portas por onde criados espiavam.
Ele desceu vários lances de escada com ela, sem responder. Lá fora, carruagens se enfileiravam
pela rua. Algumas começavam a partir e homens entravam nas demais.
– Quem são essas pessoas, Christian? O que aconteceu?
Miller levou Isabella até a carruagem e abriu a porta para ela. O jovem parecia muito sério, nem
um pouco feliz com esse resgate.
Christian tentou colocar Leona na carruagem, mas ela se recusou a entrar.
– Quem são esses homens? Por que estão aqui?
– Eles são um grupo de lordes. Expus as acusações a eles. Houve um julgamento.
– Não seria melhor levar a questão a um magistrado? Um juiz? Que tipo de julgamento esses
homens podem fazer?
– Um que decidiu que seria melhor seu raptor não ir a julgamento na Câmara dos Lordes, que é o
único lugar onde poderia ser julgado de forma pública e oficial. O dono desta casa é um duque,
Leona. Um nobre de grande reputação e influência considerável, e um título que tem uma história
gloriosa.
– Está dizendo que ele nunca conhecerá a justiça verdadeira, creio.
– Ele conhecerá, possivelmente, mas com um custo para as instituições que mantêm este país
inteiro. Às vezes é melhor que a justiça seja feita de formas mais discretas.
– Como fez com Meadowsun?
– Sim.
Porém, tudo já estaria terminado se tivesse transcorrido da mesma forma que com o clérigo. Ela
observou os últimos homens entrarem em seus coches. A seriedade deles impregnava o ar. Não
olharam para o coche de Easterbrook. Não se despediram.
Estavam todos indo para algum lugar. Christian iria também.
Ela foi tomada por um medo horrível. Pior do que o que sentira ao ser capturada em sua casa.
Outro coche desceu a rua. Parou a menos de dez metros de distância.
– Precisa ir agora, Leona.
Ele passou a mão dela para Miller, que a segurou com força. Ela protestou ao ser puxada na
direção da carruagem.
– Quem são, Christian? Naquele coche?
– Meus irmãos.
Então ela entendeu. A verdade a deixou sem fôlego. Tudo e todos pararam de se mover naquele
instante.
– Você o desafiou, Christian?
– Ele me desafiou.
– Se você perder, ele estará livre da acusação?
– Não para os homens que se importam.
Ele falou com muita calma. Quase indiferente. Ela não gostou daquela placidez. Ele deveria estar
com medo, mas não estava.
Sua conduta a assustava agora. Não era sua arrogância ou confiança em ação, mas algo muito mais
sombrio.
Ela puxou a mão com força para se livrar de Miller e deu um abraço apertado em Christian.
Beijou-o com todo o amor que conseguiu encontrar em seu coração. Então falou em seu ouvido.
– Ela seduz, não é? A paz plena. O silêncio final. Está seduzindo você como o fez anos atrás e
talvez muitas vezes desde então. Mas você precisa querer viver agora. Por seus irmãos e sua família.
Por mim. Por tudo o que é e ainda pode ser. Deve ser Easterbrook, e não pode se permitir voltar a
ser Edmund.
Ele segurou o rosto dela entre as mãos e olhou em seus olhos. Ela o deixou ver e sentir. O poder
dele fluiu na sua direção, mas desta vez ela não tentou contê-lo. Deixou que entrasse nela e
encontrasse sua convicção, e rezou para que o que quer que ele descobrisse fosse o bastante.
– Agora vá – disse ele. – Vejo você em breve.

– Ele parece confiante – disse Denningham olhando para o outro lado do campo, onde Ashford tirava
a casaca.
O amanhecer chegava enevoado e o topo das árvores desaparecia sob um véu cinza.
– Ele não espera ter muita dificuldade comigo. Nunca teria proposto o desafio se pensasse o
contrário – disse Christian.
As testemunhas se alinharam dos dois lados do espaço que havia entre ele e Ashford. Apenas os
nobres estavam presentes. Os bispos, embora concordassem que essa fosse a melhor saída, não
compareceriam.
Denningham segurava o florete. Ele se oferecera para tentar apaziguar a questão, mas isso seria
pouco provável naquelas circunstâncias.
Havia outras duas testemunhas presentes. Hayden e Elliot ficaram atrás de Christian. Ele podia
sentir a preocupação deles. Conversaram pouco na carruagem a caminho dali, a não ser pela
explicação que lhes dera sobre o desafio ter a ver com a honra de Leona. Se ele falhasse, Hayden
descobriria a verdade tão logo entrasse na biblioteca de Rallingport como marquês de Easterbrook.
Ele observou Ashford alongando-se e preparando-se. O homem estava de bom humor. Se
perdesse, iria para o túmulo com seu bom nome intacto. Se ganhasse, ninguém na mesa de carteado
jamais levantaria a questão do contrabando.
Era assim que funcionaria. Uma justiça torta e imperfeita, mas, ainda assim, uma resolução
silenciosa. Os outros saberiam, entretanto. Tanto a influência quanto a fortuna de Ashford
diminuiriam, mesmo que ele sobrevivesse.
Todos ali haviam prestado juramento, exceto dois homens. Christian se voltou para os irmãos.
– O comportamento dele é um insulto – disse Elliot, encarando Ashford.
– Essa autoconfiança será a ruína dele – retrucou Christian.
Hayden sorriu, mas seus olhos carregavam uma profunda preocupação. Ele era muito bom com
números e probabilidades, e seus cálculos sobre esse duelo não davam bons resultados.
– Imagino que tenha usado o florete pelo menos uma ou duas vezes nos últimos dez anos.
– Algumas. Melhorei muito desde que combati os piratas que atacaram o navio em que estava,
perto do Japão.
– Combateu piratas perto do Japão? – perguntou Elliot, surpreso.
– Nunca mencionei isso? Basta dizer que sou mais habilidoso do que pensam e que pretendo
vencer. De qualquer modo, Hayden, na eventualidade de você herdar o título, sugiro que examine
aquela sociedade a respeito da qual o Sr. Miller lhe perguntou a meu pedido. Analise-a
minuciosamente. Não está preso a nenhuma promessa que eu possa ter feito, mas aconselho que faça
essa análise com muita discrição até que compreenda que rumo está tomando.
O sorriso de Hayden desapareceu. Ele olhou para Ashford com novos olhos.
Christian foi até Denningham, cuja aflição era evidente.
– Maldição – resmungou Denningham. – Nunca que volto a jogar cartas com ele. Por mim, pode
ficar sentado em um canto da biblioteca se ousar aparecer depois disso.
– Obrigado pelo voto de confiança, Denningham.
Denningham corou.
Christian sorriu para tranquilizá-lo, e então disse:
– Sinto muito por não ter conseguido manter o nome de seu pai fora disso e o seu por associação.
– Eu compreendo. Foi decente de sua parte ter restringido isso aos homens daquele pequeno
clube, mas o que é certo é certo, afinal. Se não lutarmos por esses princípios, para que servimos?
Sua simplicidade encantou Christian, como acontecia desde que eram garotos. Ele sempre
invejara essa qualidade em Denningham.
– Vamos jantar e beber um bom vinho quando isso acabar. Acho que ainda faço parte de alguns
outros clubes – propôs o marquês.
– Raios, vinho! Não conseguirei beber outra garrafa de vinho francês da minha adega sem pensar
que... mas, sim, seria um prazer.
Christian estendeu sua mão.
– Meu florete, velho amigo.
Ele entregou. Christian desceu ao campo para se encontrar com Ashford.
Precisa querer viver.
Ela o conhecia bem demais. Estava certa ao dizer que a morte seduzia Edmund, e mesmo
Easterbrook de vez em quando. Significava paz plena e silêncio absoluto. Seria como viver no
núcleo escuro para sempre. Era isso o que a meditação criava, afinal, uma amostra da abnegada
existência que nos espera no infinito.
Como resultado, Christian não temia a morte. Já visitara aquele plano. Entretanto, não estava
disposto a ir para lá permanentemente, se pudesse evitar.
Não se ficar vivo significasse passar pelo menos mais um dia com Leona.

Ele se aproximou dela em silêncio. Misterioso. Chegou às dez da manhã, vestido de forma
impecável, no máximo de sua nobreza. Entrou em sua casa como se fosse dono dela, como estava
inclinado a fazer. Encontrou-a na biblioteca lendo um livro cujas páginas haviam sido arruinadas por
suas lágrimas de preocupação.
Sentou-se ao lado dela. Ela o abraçou e deixou o alívio transbordar. Sem lágrimas agora, apenas
uma plenitude que dificultava sua fala.
– Onde está Miller? – perguntou ele.
– Lá em cima – murmurou junto à casaca dele.
– Está dizendo que ele se deleitava com sua criada enquanto eu enfrentava a morte?
Ela riu.
– Seu irmão trouxe o bilhete duas horas atrás. Eles escapuliram assim que souberam que estava
ileso.
– Assim é melhor, então.
Ela se encostou nele, com o ouvido em seu coração e o braço dele a envolvê-la. Apenas ficaram
ali sentados, juntos, tranquilizando um ao outro.
– O magistrado esteve aqui ao amanhecer, quando retornamos – disse ela. – Ele me interrogou e
quis saber onde você estava e o que estava fazendo.
– E o que disse?
– Que quatro homens haviam invadido a casa, Tong Wei tentou nos proteger e atiraram nele. Que
fomos levadas a uma casa na cidade, não sei onde, e trancafiadas. Que você e o Sr. Miller nos
resgataram. Ele conversou com o Sr. Miller por um bom tempo em particular, depois partiu.
– Miller sabia o que dizer. Tudo será explicado em poucos dias ao magistrado. Assim como será
explicado o inesperado falecimento de meu nobre camarada.
Até então ela não sabia que o duque estava morto. O bilhete enviado apenas dizia que Christian
estava bem e iria para lá em breve.
– Quer conversar sobre isso? – perguntou ela.
– Não.
– Compreendo. Deve ter sido difícil para você, não importa quanto fosse necessário ou certo.
Ele beijou sua cabeça.
– Não foi tão difícil quanto deveria. O sangue de meu pai me serve muito bem em situações assim.
Mas é porque você está a salvo que posso viver com isso. Do contrário, eu não poderia garantir
nada.
Ele se levantou e estendeu a mão.
– Vamos dar uma volta na praça. Creio que estou inexplicavelmente necessitado do barulho da
vida.
CAPÍTULO 27

Eles passaram aquela noite juntos. Deliciaram-se sem pressa no quarto dela. A casa inteira e o
jardim permaneceram em silêncio.
Ela conheceu uma nova paz nessa intimidade. A sensação de estar completa. As obrigações para
com seu pai haviam acabado. A raiva contra a perseguição que ele sofrera vinha diminuindo desde
que saíram do encontro com Meadowsun, até que por fim ela se libertara desse sentimento nos
braços de Christian.
Abraçou-o com força e deixou toda a sua consciência repousar nele. Memorizou seu cheiro e as
sensações, as texturas de seu cabelo e pele. No momento certo, tomou-o profundamente para dentro
de si e não permitiu que a tristeza ou o medo interferissem.
Uma emoção pungente a comoveu, e o mesmo aconteceu com ele, pensou. Os beijos, o próprio
êxtase, tornaram-se uma conversa entre os dois que ela finalmente expressou com palavras. Primeiro,
com palavras silenciosas, faladas em sua mente e em seu coração, depois, no ouvido dele enquanto
se entregavam.
Eu te amo, amo tudo o que você é. O lado bom e os pecados, a inteligência e a maldição, as
tempestades que ainda atormentam Edmund e a autoridade de Easterbrook. Amo tudo o que você
é.

Ela escapuliu da cama sem acordá-lo. Vestiu um traje chinês simples e o observou enquanto dormia.
Seu cabelo estava crescendo novamente e caía sobre os ombros formando cachos pesados. Durante o
sono, a beleza comovente abria caminho e ele parecia um anjo sombrio.
Ela deixou o quarto. Não queria estragar a lembrança de sua noite com os pensamentos que a
invadiram enquanto estava deitada sob a luz do amanhecer. Não conseguia mais evitá-los. Ambos
sabiam o que aquilo significava, mesmo que tivessem ignorado durante as horas que passaram juntos.
Foi até o jardim e sentou-se entre as flores da primavera. Não ficou muito tempo sozinha, no
entanto. Teve logo companhia.
Christian entrou no jardim e a viu. Havia vestido calça, botas e uma camisa. Lembrava muito o
modo como se encontrava naquele primeiro dia, quando o Sr. Miller a raptara na rua.
Ela também sentiu o mesmo daquele primeiro dia. O romance não havia diminuído sua reação.
Muito pelo contrário. Ainda ficava excitada só de vê-lo olhar para ela.
Ele se sentou ao lado dela. Pegou na sua mão, olhou para as flores e esperou.
A garganta dela estava apertada, mas, de qualquer forma, ela falou. Só conseguiu porque sabia
que ele imaginava o que estava pensando.
– Preciso comprar uma passagem logo. Assim que Tong Wei puder viajar.
– Você quer ir?
– Não, mas agora acabou. Não posso adiar essa separação.
– Você disse que não teria desculpa para ficar assim que acabasse. Vejo que é verdade.
Não, ela não tinha desculpa.
– Entretanto, tem um motivo, Leona. Esse.
Ele a beijou.
– E esse.
Ele a beijou de novo. Segurou seu rosto para mais um beijo.
– Fique comigo.
– Está me seduzindo para que abandone minhas obrigações novamente, Christian. É muito bom
nisso.
Ele olhou nos olhos dela.
– Fique comigo.
– Meu irmão precisa de mim. Mais do que imagina.
– Seu irmão precisa ser independente. Já está na hora. Ele já é adulto, mas dependerá de você
enquanto estiver lá. Mande Tong Wei com a proposta de St. John e aconselhe-o a aceitá-la. Seu irmão
aprenderá o ofício de seu pai com os empregados de St. John. Ele e seu negócio ficarão protegidos.
Ela queria muito concordar com suas explicações. Seu coração sempre fraquejava com ele.
– Fique comigo. Fique para que eu não me perca dentro de mim mesmo. Não estou mais tanto à
mercê desta maldição, e isso é graças a você. Não admito mais que ela me controle.
Suas palavras a tocaram. Comoveu-se com o fato de aquele homem revelar seus medos e falar
sobre a dor que ainda lutava para superar.
– Fique comigo, querida. Fique porque preciso de você. Fique porque a amo. Usarei gravata
todos os dias, se quiser. Levarei você ao baile três vezes por semana. Até farei sala para tia Hen se
for preciso.
Ela teve que rir, mas lágrimas também fizeram seus olhos arder.
– Não quero que mude todos os seus hábitos por mim. Não precisa ser diferente do que é. Pode
continuar a ser meio louco e meio excêntrico e recluso na maior parte do tempo. Contanto que não se
afaste de mim também, Christian.
– Nunca conseguiria fazer isso. Só sou eu de verdade quando estou com você.
Ele realmente acreditava naquilo. Ela podia perceber que era verdade. E sabia que essas
palavras, todas elas, não surgiam com facilidade para ele. Afinal, ele era Easterbrook.
– Suponho que possa ficar por um tempo. Posso mandar Tong Wei até meu irmão com a oferta de
St. John. Quero ver Gaspar, mas ainda não estou ansiosa para voltar à China. Posso ficar pelo menos
até que o jade acabe.
– Leona, não estou pedindo que fique por um tempo. Quero que fique para sempre, como minha
esposa.
A proposta não a surpreendeu tanto quanto deveria. Talvez porque tinha certeza de que ele a
amava. Ela simplesmente sabia.
– Achei que isso fosse imprudente.
– Para você. Não para mim. Sei que é egoísmo prendê-la. Se não quiser, encontraremos outra
saída. E se tiver que retornar a Macau, se quiser navegar pelo mar da China e lutar com piratas para
sempre, irei com você. Faremos isso da forma que quiser, mas... preferiria que estivéssemos
casados, se conseguir suportar.
– Consigo suportar. Entretanto, achei que acreditasse ter herdado sua sensibilidade e que não
quisesse passá-la ao próximo Easterbrook.
– Vejo essa aflição de forma menos sombria agora. Se for herdada, explicaremos ao nosso filho,
para que saiba o que é e aprenda a viver com ela. Garantiremos que ele não esteja sozinho nisso.
Ele parecia tão sério. Tão determinado e... esperançoso.
Ela se permitiu vislumbrar aquela criança e outras. Imaginou a vida com Christian,
experimentando o amor e a excitação para sempre. Viu as dificuldades também, mas a confiança em
sua intimidade fez com que sorrisse ao pensar nos hábitos dele.
Amo tudo o que você é.
– Tem certeza de que quer fazer isso, Christian?
– Tenho certeza de que quero ficar com você. É minha única certeza, Leona.
Ele a beijou mais uma vez e usou todo o poder que exercia sobre ela naquele beijo.
– Diga que ficará comigo.
Não era realmente um pedido. Nem era totalmente uma ordem. Ele só aceitaria uma resposta, no
entanto, e havia apenas uma que ela poderia dar.
O coração de Leona aceitou primeiro, como sempre acontecia com relação a Christian.
– Também não poderia ser feliz sem você, Christian. Ficaremos juntos.
EPÍLOGO

–Decidi fazer o que é certo.


– Levou bastante tempo, Miller.
Miller ficou corado.
– Sim. Foi covardia de minha parte.
Christian concordou. Realmente fora a covardia que impedira Miller de fazer o que era certo com
Isabella por mais de três anos. Uma covardia compreensível, talvez, mas, ainda assim, covardia.
Eles ficaram na varanda de Aylesbury Abbey observando a festa no jardim. A maioria dos
convidados era da família, reunidos para celebrar a visita do irmão de Leona. Gaspar se sentou com
sua irmã sob o sol, parecendo muito mais inglês do que ela. Enquanto conversava, ele brincava com
o próximo marquês de Easterbrook.
– Você compreende que Isabella não tem nada. Nenhuma fortuna – disse Christian.
Miller indicou que sim com a cabeça. Seu olhar permaneceu fixo na mulher. Isabella seguia a filha
pelo jardim. Mantinha-se longe o suficiente para permitir que ela se divertisse, mas perto o bastante
para evitar acidentes.
– Ser corajoso em vez de covarde não mudará a realidade. As pessoas ainda falarão. Ela parece
mais chinesa que europeia – avaliou Christian.
– As pessoas falarão, mas ninguém dirá nada mais de uma vez.
Miller trincou os dentes. Christian supôs que algumas pessoas já haviam descoberto o que Miller
aceitaria ou não quando se tratava de Isabella.
– Gostaríamos de ter sua bênção e a de Lady Easterbrook.
– Vocês a têm, não que isso seja necessário.
Caminharam juntos pelo jardim. Miller foi na direção da amante e de sua filha. Christian procurou
Leona e o cunhado.
– Piorou – Gaspar dizia quando Christian se aproximou. – Grandes navios cheios de ópio
ancoram na ilha de Lintin agora. Os contrabandistas chineses não resistem à competição deles. Todos
sabem que os mandarins ao longo da costa são cúmplices. Qualquer um pode comercializar
livremente em Macau, e as autoridades chinesas fecham os olhos. Está inundando a China.
Leona olhou para Christian. Vinha inundando havia décadas. A única novidade trazida por Gaspar
era que ele agora entendia mais sobre o comércio no Oriente.
– Talvez seja hora de uma nova série de cartas – comentou Christian. – Tenho certeza de que a
editora do Banquete de Minerva as veicularia.
A editora estava perto de uma árvore mandando o marido tirar uma garotinha de cima dela. A
criança mal acabara de aprender a andar, mas conseguia escalar quase a altura de sua mãe num piscar
de olhos. Elliot riu enquanto soltava a pequena traquinas com dificuldade. Phaedra arrancava os
cabelos de preocupação. Em um acesso de humor, a natureza a abençoara com uma filha tão
obstinada quanto ela.
– Eu as escreverei, mas elas serão tão ineficazes quanto seus discursos na Câmara dos Lordes,
Christian – disse Leona. – O diabo é ocupado, e não há anjos o bastante.
Não, nem chegava perto de ser o bastante. Ele faria aqueles discursos, entretanto, mesmo se as
coisas piorassem antes de melhorar.
Tudo indicava que o povo da Inglaterra preferia manter distância e discrição no que tangia ao
comércio de ópio. A última carta de Leona manchara a reputação de quatro lordes falecidos e de um
clérigo ainda vivo. A sociedade ficara em choque por pessoas conhecidas terem sujado as mãos com
aquele comércio imoral. Então, após um período adequado de mexericos e desgraças, todos voltaram
a beber o chá vindo da China. A lacuna deixada pela ausência repentina dos navios da Four Corners
logo foi preenchida por outros na ilha de Lintin, mas o fim da companhia causou danos maiores ao
contrabando em outros lugares.
No caso do último Easterbrook, aquele escândalo apenas havia preparado o terreno para um
maior. Como Christian previra, a isca que ele havia jogado levara a uma chantagem feita de forma
bastante indiscreta. No julgamento que se seguira, cuja sentença havia saído fazia pouco tempo, o
nome Easterbrook fora vinculado para sempre ao assassinato e o chantagista estava agora a caminho
de Nova Gales do Sul.
A atenção de Gaspar foi bruscamente desviada do sobrinho para uma jovem dama que descia por
um caminho no jardim na direção deles. Loira e deslumbrante sob o sol do verão, Irene Longworth
inclinou a cabeça para ouvir a irmã, Rose, que caminhava com ela.
Gaspar se atrapalhou ao tentar entregar a criança.
– Acho que devo... quer dizer, vou dar uma volta, acho...
Christian se abaixou e pegou o filho nos braços para que Gaspar pudesse dar sua escapadela.
Ele se sentou com Leona enquanto seu filho se contorcia e brigava. Aiden começava a falar e
tentar expressar suas muitas emoções. Não havia indícios de que herdara nenhuma maldição.
Christian não saberia dizer se a consciência que tinha dos sentimentos da criança era de todo
incomum. Leona parecia conhecer os humores de Aiden tão bem quanto ele. Assim como
Denningham, o pequeno Aiden era um livro aberto.
Isso provavelmente mudaria quando o menino crescesse, mas parecia que nenhuma sensibilidade
especial era necessária quando se tratava do próprio filho. Ou melhor, a natureza instilava essa
sensibilidade em todo pai quando se tratava de seu filho. Era só prestar atenção.
Leona observou o irmão cumprimentar Irene e Rose.
– Ele tem passado muito tempo com ela – comentou. – Os Bradwells não parecem se incomodar.
– A Sra. Bradwell está encantada e tem esperanças de que ele faça uma proposta de casamento à
sua irmã.
– Está certo disso?
– Muito certo. Alexia contou.
– Então a irmã de Irene está esperançosa e meu irmão está esperançoso. E a própria Irene?
– Parece concordar. Veja como sorri para ele.
– Não quero sua opinião sobre como ela parece estar. Posso enxergar isso, e pode ser apenas por
cortesia. Preciso que você saiba.
Aiden escapou. Correu para as duas filhas de Hayden e Alexia, que brincavam com o filho de
Elliot. Aiden entrou na brincadeira de repente, deu alguns empurrões, foi empurrado, girou o pequeno
punho e acabou sob uma pilha de braços e pernas e cachinhos e gritos.
– Está pedindo que me intrometa, Leona? Que direcione uma atenção inconveniente ao estado
emocional dela? Essas coisas tomam seu próprio rumo e seria insensato e injusto que eu...
– Ah, por favor, Easterbrook. De que vale ser casada com um homem com seus dons se não posso
nem saber se as intenções de meu irmão serão bem recebidas? Agora, vá até lá e... e... bem, faça
aquilo que você faz para saber dessas coisas.
Ele riu e beijou a mão dela.
– Tenho motivos para acreditar que seu irmão terá sucesso. Mesmo a menção de se mudar para o
outro lado do mundo não diminuiu o amor de Irene Longworth.
Leona sorriu de satisfação.
– Sabia que poderia contar com você, Christian. Fez um grande avanço no controle dessa
habilidade. Sei que prefere evitá-la, mas em uma questão tão importante quanto essa, uma
escorregadela pode ser perdoada.
Ele havia mesmo feito um grande avanço para controlá-la. Gostava de pensar que a usava
moderadamente agora, por vontade própria, e apenas nos casos de motivação prosaica. A verdade
era que às vezes ele ainda não conseguia bloquear sua percepção.
Ainda assim, aprendera a tolerar uma vida mais pública e o contato com a maioria das pessoas.
Já não se isolava tanto. Só tinha que recuar para o oásis de Leona quando o mundo o exauria.
– Por falar em núpcias, Miller pedirá Isabella em casamento – disse ele.
– Fico aliviada e surpresa. Ela não tem nada para oferecer a ele.
– Ela dá a ele seu amor e entrega a si mesma, que é o mesmo que você oferece a mim.
– Você não precisava da minha fortuna. Miller não está tão bem assim para se casar sem receber
nada em troca.
– Ele pedirá algo em troca, mas não foi o que motivou a decisão dele. Tenho certeza.
Ela sorriu.
– Andou investigando, Christian?
– Só um pouquinho.
Ela gargalhou do jeito que sempre o fazia lembrar Macau e a garota de olhos escuros, no jardim à
noite, que confortava sua alma. Ainda a desejava tanto quanto há dez anos e ainda a amava tanto
quanto naquela semana de êxtase em Aylesbury Abbey.
Os convidados haviam se agrupado em um ponto do jardim. Criaram um grande nó de adultos
cercado por um turbilhão de crianças. O tom da conversa adulta e dos gritinhos infantis aumentava e
diminuía à brisa.
Leona se levantou, ainda segurando a mão dele.
– Vamos nos juntar aos outros, Christian?
A verdadeira pergunta se revelou nos olhos dela. Está pronto? Consegue suportar isso?
– É claro – disse ele.
Ele se levantou e, juntos, caminharam em direção àquele barulho tão prazeroso.
SOBRE A AUTORA

© Studio 16

MADELINE HUNTER é professora universitária e ph.D. em história da arte. De seus 25 livros já


publicados, 23 chegaram às listas de mais vendidos do USA Today e vários deles figuraram nas
listas do jornal The New York Times e da revista Publishers Weekly. Vencedora do prêmio RITA por
duas vezes – uma delas com Lições do desejo, da série Os Rothwells, na categoria Melhor Romance
Histórico –, foi também finalista outras sete. Suas obras foram traduzidas para 12 idiomas, com mais
de 6 milhões de exemplares impressos.

Ela mora na Pensilvânia com o marido e os dois filhos.

www.madelinehunter.com
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O duque e eu
JULIA QUINN
(série “Os Bridgertons”)

Simon Basset, o irresistível duque de Hastings, acaba de retornar a Londres depois de seis anos
viajando pelo mundo. Rico, bonito e solteiro, ele é um prato cheio para as mães da alta sociedade,
que só pensam em arrumar um bom partido para suas filhas.
Simon, porém, tem o firme propósito de nunca se casar. Assim, para se livrar das garras dessas
mulheres, precisa de um plano infalível.
É quando entra em cena Daphne Bridgerton, a irmã mais nova de seu melhor amigo. Apesar de
espirituosa e dona de uma personalidade marcante, todos os homens que se interessam por ela são
velhos demais, pouco inteligentes ou destituídos de qualquer tipo de charme. E os que têm potencial
para ser bons maridos só a veem como uma boa amiga.
A ideia de Simon é fingir que a corteja. Dessa forma, de uma tacada só, ele conseguirá afastar as
jovens obcecadas por um marido e atrairá vários pretendentes para Daphne. Afinal, se um duque está
interessado nela, a jovem deve ter mais atrativos do que aparenta.
Mas, à medida que a farsa dos dois se desenrola, o sorriso malicioso e os olhos cheios de desejo
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ela precisa fazer o impossível para não se apaixonar por esse conquistador inveterado que tem
aversão a tudo o que ela mais quer na vida.
Primeiro dos oito livros da série Os Bridgertons, O duque e eu é uma bela história sobre o poder
do amor, contada com o senso de humor afiado e a sensibilidade que são marcas registradas de Julia
Quinn, autora com 8 milhões de exemplares vendidos.
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muito rico, nunca se acostumou com a vida na sociedade londrina.
Apesar de não conseguirem esconder a imediata atração que sentem, Rohan e Amelia ficam
aliviados com a perspectiva de nunca mais se encontrarem. Mas parece que o destino já traçou outros
planos.
Quando se muda com a família para a propriedade recém-herdada em Hampshire, Amelia
acredita que esse pode ser o início de uma vida melhor para os Hathaways. Mas não faz ideia de
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O guardião
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Quando percebe que seu desconforto diante de Mike é causado por um sentimento mais forte que
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O guardião contém tudo o que os leitores esperam de um romance de Nicholas Sparks, mas desta
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Em Uma curva na estrada, Nicholas Sparks escreve com incrível intensidade sobre as difíceis
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No front, Jolene depara com a dura realidade e precisa, mais do que nunca, recorrer à sua força e
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O maior amor do mundo
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Até que um dia Joe desobedeceu à sua própria regra – “jamais dar as costas para o mar” – e
morreu afogado enquanto tirava fotos nas rochas.
Ella sempre acreditou que Paige, a ex-mulher de Joe, tivesse simplesmente abandonado o marido
e os filhos. Mas, para sua surpresa, Paige aparece no funeral querendo as crianças de volta. É quando
Ella percebe que Joe não lhe contou tudo sobre seu primeiro casamento.
Trilhando caminhos diferentes, as duas mulheres se encontram na mesma encruzilhada, disputando
a guarda das crianças que amam e buscando respostas para seus conflitos emocionais.
O maior amor do mundo é um mergulho no complexo universo da maternidade, com seu afeto
incondicional e muitas vezes doloroso. Uma história tecida em cores vívidas e um guia cativante das
emoções humanas – da dor e da raiva, da vergonha e do perdão, da tristeza e da esperança que sonha
se transformar em felicidade.
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Sumário
Créditos
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Epílogo
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