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Se valoriza, mulé!

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Duda Riedel

Ao meu pai por me ensinar a amar escrever,


A minha mãe por me ensinar a acreditar nas pessoas,
As minhas amigas por me ensinarem a amar a vida,
E ao meu ex-namorado por me ensinar a seguir o baile.

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Se valoriza, mulé!

ÍNDICE

INTRODUÇÃO 4
MEU PRÍNCIPE NÃO TÃO ENCANTADO 5
QUE GAROTA NUNCA SE APAIXONOU PELO MELHOR AMIGO? 14
VOCÊ SABE O QUE É AMOR? MEU CAMISA 3. 31
ONDE DESANDOU 44
O LUTO 56
REDES SOCIAIS E NOSSAS MARAVILHOSAS PARANÓIAS. 72
SE PRENDA A SUAS AMIGAS 80
O MEU NÃO FINAL FELIZ 90
UM EMBUSTE SEMPRE PODE TER UMA BOA FUNÇÃO 103
RECAÍDAS SÃO CILADAS, NÃO CAIA NELAS 120
SE VALORIZA MULÉ 134

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Duda Riedel

INTRODUÇÃO

Todo término é traumático. Não é fácil e nunca será.


Mas se tem uma coisa que aprendi é que ninguém morre
de amor. Não se anule. Não se desperdice. Não ligue.
Não grite. Não dê piti. Se dê o direito de se amar, seja
egoísta ao ponto de querer viver só pra você e por você
nesse momento. SE PRIORIZE! Qual a graça de levar um
relacionamento pela barriga por medo de viver só? Que
medo é esse de você? Você é sua única e melhor com-
panhia desde que nasceu. O outro não é a extensão da
sua alma, nem tampouco do seu coração. O outro é
apenas um capítulo da sua vida, que começou agora.
Acima de tudo, eu aprendi a me amar, a ver que
ninguém é tão importante ao ponto de me fazer me dei-
xar. Minhas relações amorosas foram um fracasso, não
por falta de amor, mas pelo excesso dele. Quando eu
amo, eu amo. Eu amo tanto que, por um momento (ou
muitos), eu perco o fôlego e deixo de amar a pessoa mais
importante da minha vida, eu mesma. E só depois que eu
amei verdadeiramente e com todas as minhas forças, eu
vi o quanto me desperdiçar não me fazia amá-lo mais,
apenas me perder aos poucos. Eu sofri cruelmente por
amor, três vezes para ser mais específica. Em uma delas,
eu achei que meu mundo fosse acabar no momento em
que ele me deixou... Mas não acabou, ele só começou.
A partir da decepção que renovamos a vida.

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MEU PRÍNCIPE NÃO TÃO ENCANTADO

Toda menina de 15 anos acredita que ainda vai viver um conto de


fadas. Engraçado que eu já estou na casa dos 20 e sigo esperando viver
isso. Olho os príncipes encantados em aplicativos de paquera e
nenhum deles vêm com coroa ou um trono elegante. A maioria usa
smartphone e flerta com outras princesas. É frustrante pensar que
amor não é como vemos nos filmes e seriados. Amor é um pouco duro
se formos parar pra pensar. Mas, mesmo assim, a gente ama se
apaixonar.

Amar é uma droga. A gente foi acostumada a assis-


tir aqueles contos de fadas onde a princesa espera por
um príncipe deitada no porão, no baile ou no campo. Na
minha vida, eu nunca esperei por um príncipe. Na real, eu
fui atrás de todos os projetos de realezas que eu criei na
minha imaginação. E nessa maluquice de querer amar
demais e me entregar demais, eu acabava me per-
dendo no meio do caminho. Esquecia quem eu era, de
onde vim, os meus princípios e, às vezes, até mesmo mi-
nha dignidade.
O problema das histórias de amor é que ninguém
conta como ficamos depois do “felizes para sempre”.
Ninguém fala que vão existir brigas, ciúmes, discussões e
até mesmo traições. Ficamos estancados nessa ideia de
que tudo tem que ocorrer na mais perfeita ordem. Mas

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amor não é assim. Amor é coragem, sacrifício, esforço e


reciprocidade. Do contrário, não se chamaria relaciona-
mento, e sim Disney.
Já me apaixonei muito na vida. Sou daquelas que
se apaixona até pelo vento que sopra. Idealizo tudo na
mente, procuro passagens pra lua de mel em Bora-Bora,
salvo fotos do vestido que vou usar no casamento na ga-
leria do meu celular e entro no site da Tifanys pra dar uma
olhada no meu possível anel de noivado (que poupe-me,
nunca será de lá). Eu me apaixono na velocidade da luz,
às vezes até mais rápido. Mas a real é que eu sou fasci-
nada pelo ser humano e por descobrir pessoas novas, sa-
ber histórias, culturas e gostos...
Acho que é por isso que eu me entrego tão facil-
mente, porque sou dessas que gostam de cultivar o diá-
logo. Quando eu me interesso por alguém, eu vasculho a
vida daquela pessoa por completo. Fica até um pouco
feio porque, antes mesmo de ficar com o carinha, eu já
sei o nome da mãe dele, onde ele estudou, o nome do
cachorro e, se duvidar, até o RG e CPF.
Eu levo a sério essa coisa de me entregar, mas antes
eu achava que isso era entrega, hoje eu sei que, em 100%
dos meus relacionamentos, eu me afundava a ponto de
me anular. Confundimos amor com dependência porque
fomos acostumados a achar que amor é viver pelo outro
quando, na verdade, amor é se importar com o outro
sem deixar de se importar com você. Não existe nada

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mais desafiador na vida do que o amar saudável, pois


amar tem se tornado cada vez mais complicado.
Lembro perfeitamente a primeira vez que eu me
apaixonei de verdade. No auge da minha adolescência.
Era aquele amor quente e no qual os hormônios aflora-
vam a cada beijo. Ele era meu príncipe encantado, pa-
recia que tinha sido feito sob medida pra mim.
Quando se tem 15 anos, a ideia de namorar um dos
príncipes dos seus contos de fada é o sonho de qualquer
menina. Ele era alto, moreno, maxilar igual ao do par da
Cinderela, abria a porta do carro, pagava a conta, me
levava até em casa e se preocupava verdadeiramente
comigo. Parecia uma cópia de algum personagem de
TV. Aos poucos, eu aprendi que cópia só na xérox da fa-
culdade e, normalmente, elas valem 10 centavos.
Na época, eu assistia muito Disney Chanel, e ele
sempre tinha aquelas frases prontas que todas as estrelas
de Hollywood falam nos maiores clássicos. “Eu jamais irei
te deixar”, “Você foi feita pra mim”, “Eu quero me casar
com você”. Os sonhos que a gente compartilhava eram
tão distantes, mas me faziam acreditar que meu futuro
era logo ali. Só que, na prática, o futuro mais próximo que
uma menina de 15 anos deveria ter era passar de ano
sem ficar de recuperação em física. Mas é claro que, na-
quela altura, casar e ter 3 filhos parecia mais interessante.
E muito mais próximo. Coitada de mim. A recuperação
eu peguei, e o casamento, ainda bem, foi pro ralo.

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Me entreguei muito. Até demais. Vivi intensamente


a minha paixão adolescente. Talvez eu me arrependa de
ter sido tão ingênua. Mas é como eu sempre digo as mi-
nhas amigas: “você só vai se tornar forte depois que
aprender a ser fraco”. A maturidade vem com o tempo,
no amor principalmente.
Minha falta de conhecimento em relacionamentos
me permitiu ser uma marionete do que meu primeiro na-
morado queria. Eu fazia tudo o que ele mandava, como
um cãozinho adestrado e sequer questionava. A partir
dali, tudo se tornou um completo e verdadeiro caos. Se
você é trouxa aos 25, é porque você fecha os olhos pra
muita coisa. Se você é trouxa aos 15, é porque você
ainda não aprendeu a enxergar.
Eu não via um palmo a minha frente. Fui cega de
amores. Todos repetiam excessivamente que eu estava
em um namoro doentio, só que, na época, eu não enten-
dia o que isso significava. Hoje, eu sei o que é sofrer um
relacionamento abusivo. É você não poder usar uma
roupa curta, é você não poder ter amigos do sexo
oposto, não poder sair com suas amigas sozinha, ser cul-
pada de todas as brigas e se sentir em um completo
abismo. O relacionamento abusivo é tão enraizado na
nossa sociedade que as pessoas sequer sabem quando
estão em um. Eu não fazia a menor ideia. Acreditava que
tudo era fruto de uma proteção excessiva dele, mas na
verdade, era um abuso psicológico.

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Quando se é nova, você acredita que seu primeiro


amor vai ser o último. Pensamos que nosso tão amado
namorado é nosso par perfeito. É tudo intenso e dramá-
tico. Fantasiamos a história toda na nossa mente e nem
ligamos se vamos deixar de viver algo. Eu deixei de viver
algumas coisas, não o suficiente para que eu tivesse que
correr atrás do prejuízo. Não abri mão de momentos im-
portantes, ainda bem. Do contrário, eu estaria hoje estu-
dando como fazer uma máquina do tempo só pra voltar
pra 2010 e me dar um belo de um tapa na cara.
O problema de quando se é adolescente é que
você acha que sabe tudo sobre o mundo, quando, na
verdade, você não sabe muito nem sobre você. Eu jurava
que meu namorado era o cara ideal e me afastei de to-
das as minhas amigas enquanto elas tentavam me fazer
entender o poço em que eu entrava. Todos ao meu redor
queriam me dizer o que eu já sabia, mas não queria acre-
ditar: ele não era e nunca seria uma pessoa boa pra mim.
Nosso namoro era a base de gritos, ciúmes, descon-
fianças e um completo drama adolescente. Não era sau-
dável e muito menos respeitoso, mas na minha cabeça,
era apenas uma fase. Aí é que está, a gente sempre
acha que é uma fase. Só que no namoro, assim como em
um videogame, se você não consegue passar da fase so-
zinha, você pede ajuda a alguém que já passou por ela.
Minhas amigas foram fundamentais para que eu en-
xergasse e começasse a desapegar do meu namorado.
Por mais que doesse profundamente me afastar dele, a

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dor de estar ao seu lado me desgraçava muito mais. Se


livrar de um relacionamento abusivo não é uma tarefa
fácil, e muita gente acha que ele só acontece quando
existe violência física. Eu não precisei sofrer agressão pra
sentir dor na alma, pra ter marcas que me acompanham
até hoje. O transtorno psicológico que eu sofri valeu por
tudo isso. Quando você passa por isso com apenas 15
anos, parece que todas as suas próximas relações serão
acompanhadas dos traumas e frustrações que se origina-
ram da primeira.
Só quando você entende e aceita que a culpa não
é - e nunca vai ser – sua, as coisas caminham mais leves.
Demora, mas uma hora vai. E quando você se liberta de
um amor antigo, a graça da superação não está apenas
em não se lembrar dele durante o seu dia, ou olhar nos
olhos dele e não sentir mais nada. A alma do negócio é
que sempre depois de amar muito alguém, você
aprende a se amar um pouco mais. A enxergar seu pró-
prio valor e a tirar a culpa do término das suas costas. Se
engana quem pensa que o alívio da mulher é chegar em
casa e tirar o sutiã. Meus caros, o alívio da mulher é supe-
rar um amor afundado, sutiã eu nem uso.
Alguns dizem que primeiro amor a gente nunca es-
quece. Eu concordo. Porém muitas vezes uma borracha
ou um liquid paper são essenciais pra seguir em frente. E,
honestamente, meu primeiro amor não merece mais que
uma mísera página do meu diário. Apesar de ter sido o

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meu maior trauma, ele nem de longe foi o meu maior so-
frimento.

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QUE GAROTA NUNCA SE APAIXONOU PELO


MELHOR AMIGO?

Então, gostaria de te falar umas verdades, talvez você se surpreenda e


sequer imagine. Afinal, eu nunca te disse e nem demonstrei nada
disso. Você é minha melhor notificação. Eu sorrio olhando suas fotos.
Dou risada assistindo seus stories. Piro quando recebo sua mensagem
e quase infarto quando vejo você do meu lado. Eu não sossego até você
falar comigo e não relaxo até perceber que está tudo bem contigo. Isso
é o que? Paixão? Então que seja, é paixão. Me apaixonei por você e
nem sei mais o que fazer. Ajo perdidamente e loucamente sem saber
me comportar. A vontade é já gritar e dizer “ei, vem aqui me amar!”.
Mas lembro que não posso e que você nem sonha em saber. A verdade
é que trancafiei esse sentimento que eu tenho por você. Não falo em
voz alta e nem olhando pro espelho. Vai ser muito duro admitir que
estou apaixonada pelo meu melhor amigo.

Certamente, você já se apaixonou por alguém que


não valia lá muitas coisas. Se isso nunca aconteceu na
sua vida, acredite, vai acontecer. E é claro que já acon-
teceu na minha. Várias vezes. Uma delas, contudo, foi
mais especial porque eu amei e muito o embuste em
questão. É muito comum definirmos um cara que não
presta como babaca, cachorro e tantas outras coisas,
mas na maioria das vezes eles são apenas imaturos. Não
é falta de caráter, é falta de idade.

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Eu conheci o Gusta quando eu tinha 16 anos e ele


18, da forma mais improvável do mundo. O nosso maior
problema foi que nós já começamos errado mesmo antes
de dar o pontapé inicial. Ele era, no caso ainda é, primo
de um namoradinho que eu tive no colégio, ou seja, cla-
ramente não era pra eu me apaixonar pela droga do
primo do meu ex. Mas como sempre na minha vida, eu
não gosto de seguir regras.
Era óbvio que eu não poderia ficar com ele porque
isso machucaria o meu ex, e tampouco o Gustavo queria,
pois ele não me enxergava como namorada, mas sim
melhor amiga. No meio dessa história não faltava motivos
para não ficarmos juntos. Ah! Lembrei de mais um. Ele era
perdidamente apaixonado pela ex-namorada. Então me
contentei com nossa amizade meia boca já que seria a
única forma de ter ele por perto.
É impressionante como nós mulheres aceitamos mi-
sérias quando estamos apaixonadas, e nos sujeitamos a
situações tão insanas simplesmente por amar a criatura.
É frustrante pensar que insistimos em condições desneces-
sárias apenas para não perder a pessoa que gostamos.
Só que nessa de prender o outro ao seu lado a todo
custo, você acaba se perdendo. Amor não é insistência.
Amor é reciprocidade.
Eu era tão perdidamente apaixonada pelo Gustavo
que aceitava ouvir ele falando de meninas que ele era a
fim, via ele ficando com garotas na minha frente e até
mesmo apresentava-o para várias amigas minhas.

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Parece um pouco de masoquista. Que tipo de pessoa


apaixonada faz isso? No caso, eu mesma.
E era óbvio que o Gustavo sabia que eu gostava
dele. Ele não era nenhum cego ou retardado para não
perceber, mas preferíamos não falar sobre isso já que ne-
nhum dos dois iria conseguir olhar pra cara do outro de-
pois de ele me dar um fora. Por isso, minha maneira de
fazer com que ele não se distanciasse de mim era aceitar
o fato de que:

1. Ele estava recém-solteiro e gostaria de curtir muito;


2. Ele estava ficando com metade da cidade;
3. Se eu era mesmo a tal da melhor amiga, eu teria que
aceitar ele me contando tudo da vida dele, inclusive so-
bre com quem ele ficava

O problema de amores não correspondidos é que,


além de destruírem seu psicológico, eles acabam com
sua autoestima. Diariamente, eu me comparava com to-
das as meninas com quem ele ficava e me questionava
o porquê de não ser eu. Era como se existisse um padrão
de menina que ele quisesse e eu não encaixava em ne-
nhum desses pré-requisitos, e isso me machucava demais.
Precisamos urgentemente parar de nos comparar e
entender que está tudo bem se o cara que você gosta
não gostar de você. Às vezes, a química não encaixa pra
um e bola pra frente. Quantas vezes você já deu um fora

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em um carinha que quis ficar contigo? Várias. E nem sem-


pre é porque ele é feio, chato e esquisito. É só porque
você não está a fim e ponto. Não existe um grande pro-
blema por trás disso.
Alguns homens lidam muito melhor com pés na
bunda do que mulheres. Isso porque eles não se questio-
nam e nem ficam revendo motivos para o aconteci-
mento em questão. Eles apenas aceitam a perda, sofrem
com ela e buscam seguir em frente. Só que nós, meninas,
pensamos que levar um fora é o fim dos tempos. Procura-
mos motivos, repensamos nos erros, calculamos o que foi
feito e estancamos na ideia de que “o problema sou eu”.
E aí acreditamos que precisamos mudar nossa aparência
e jeito para conquistar alguém que já foi. Você não pre-
cisa e nem deve fazer isso. O problema não é você. Agi-
mos sem pensar nessas horas e nos puxamos para baixo
a troco de um crush do qual, daqui há uns anos, nem ire-
mos mais lembrar o nome.
Hoje em dia, eu sempre extraio o melhor da vida e
penso que o universo só tira de nós o que não é necessá-
rio. Portanto, levou um fora? Pense que foi livramento. Às
vezes, o universo só está te poupando de sofrer mais na
frente.
Talvez se eu pensasse assim naquela época, eu teria
evitado muitas lágrimas e frustrações por cada vez que
eu ouvia o Gustavo contando sobre uma das transas
dele. Mas claro que, aos 16 anos, você não tem tanta
garra para dar um basta em situações desgastantes,

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então sempre era melhor engolir a seco o papo dele e


sorrir fingindo não me importar. Mas como em tudo na
vida, uma hora o limite estoura. E o meu já tinha extrapo-
lado há tempos.
Um dia, fomos para uma festa e tentei me desligar e
esquecer que o Gustavo iria também. Não respondi ne-
nhuma mensagem dele e fui com minhas amigas na in-
tenção de me distrair. Com apenas duas horas de festa,
o Caio – melhor amigo do Gustavo – me puxou e disse:
— Duda, o Gusta bebeu demais e precisa muito ir
para o centro médico.
Eu poderia deixar ele sozinho, afinal tinha mais de 15
meninas no mesmo ambiente com quem ele já tinha fi-
cado e eu sabia. Será que nenhuma delas poderia fazer
a boa ação de levá-lo ao hospital? Bem, obviamente
que não. E mesmo que levassem, quem eu queria enga-
nar? Eu queria ir e cuidar dele.
Saí correndo e encontrei ele jogado com um copo
de bebida na mão e uma das centenas de peguetes
dele rindo ao lado. Olhei com olhar de reprovação,
apoiei ele no meu ombro e o fui levando para o ambula-
tório enquanto ouvia ele repetir algumas frases sem nexo.
— O que ele fala? — perguntou a menina enquanto
gravava um vídeo pra mandar em algum grupo de what-
sapp.

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— Não sei, não fiz graduação em tradução de bê-


bados — respondi em tom de deboche enquanto o Car-
los ria da situação.
— E você quem é mesmo? — perguntou me alfine-
tando.
— A melhor amiga dele. Prazer, Duda.
— Ah, verdade! Ele sempre fala de você, te chama
de irmãzinha — me alfinetando mais uma vez. Olha que
pessoa mais debochada que o Gustavo foi conhecer.
— E você, quem é?
— Lara
— Ah, que pena, de você ele nunca falou pra mim.
— E então, quem é debochada aqui agora?
— Eu acho que chegamos, hein? Lara, se quiser, eu
e a Duda ficamos. Pode ir lá curtir — o Caio estava que-
rendo mesmo se livrar da maluca das selfies desnecessá-
rias.
— Imagina se vou deixar ele sozinho assim. Vou com
vocês.
Inferno, teria que aguentar ela por mais algumas ho-
ras. Aquela Barbie humana, que sequer se preocupava
com o meu amado, apenas ficava ali em busca de não
perder o sexo da madrugada. Olha só euzinha me sub-
metendo a situações grotescas mais uma vez por amor.
E, sem querer parecer confusa, mas há uma página atrás
eu comentei que estava no meu limite. Acredito que eu

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tenha ligado pro SAC do amor e expandido um pouco


do meu pacote de dados.
Chegando lá, a enfermeira olhou o estado do Gus-
tavo e perguntou se ele tinha alergia a algum remédio.
— Buscopan composto — falei sem pestanejar, afi-
nal eu sabia tudo da vida dele.
— Como que você sabe que ele tem alergia a isso?
— questionou Lara abismada enquanto a enfermeira ti-
rava a pressão do Gustavo
— Errr, bem... Uma vez ele comentou comigo — res-
pondi sem graça porque realmente era muito sem noção
saber isso. Falei pra vocês que quando eu me apaixono
eu sei tudo da vida da pessoa, não é? Não me julguem,
manas!
— Olha, só pode ficar uma pessoa aqui — disse a
enfermeira já expulsando o Caio e a Barbie.
— Não! É melhor eu ficar. Sou namorada dele! —
Gente, que namorada o quê? Alguém suspende essa
menina. Ai que mania dessas peguetes do Gustavo de
acharem que porque ficaram uma vez já estão namo-
rando. Gente, ficar sério é diferente de namorar. Repas-
sem
— A Duda fica — disse o Gustavo bem baixinho en-
quanto colocava tudo pra fora. Ao menos ainda restava
um pouco de senso naquela mente alcoolizada.
— Bem, acho que o desejo de um bêbado é algo que
devemos realizar, não é? Vamos Lara! — Caio deu uma

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piscadinha pra mim enquanto puxava a garota pra fora


do lugar.
Olhando o Gustavo naquele estado, a única coisa que
vinha a minha mente era o quanto eu gostava dele e
queria sempre ficar por perto. Era muito mais do que gos-
tar, era paixão de verdade.
O relacionamento humano é um leque muito maior do
que podemos imaginar. Ele não consiste apenas em coi-
sas óbvias como sexo, beijo e lances carnais. Eu acredito
muito mais em encontro de almas.
Existem 3 tipos de sentimentos básicos se tratando de
relacionamentos amorosos:

✓ GOSTAR
✓ APAIXONAR
✓ AMAR

Gostar é sentimento de empatia e carinho. Você pode


gostar muito da pessoa, mas não necessariamente sentir
tesão por ela. E aí simplesmente é legal a companhia, o
beijo pode ser interessante, mas falta algo além para o
romance acontecer. Na maioria das vezes, é o tempero
da paixão.
Já paixão é sentimento cigano. Vai e volta, e é que
nem um trator. Sai carregando tudo e nem pensa. Por isso
falamos que, quando estamos apaixonados, nós não
pensamos. A paixão cega, atormenta, abraça, te

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esquenta. É como um vulcão quase entrando em erup-


ção. Ela é fulminante e pode durar um dia, dois dias, um
mês ou um ano. O ruim da paixão é que, assim como um
vulcão, quando ela acaba, nada resta. Tudo passa e por
isso não sobra nada além do vazio.
Agora, no amor, tudo é diferente. Se engana quem
pensa que amor acaba. Ele nunca passa, ele apenas
evolui. Evolui para isso que não sabemos exatamente o
que é. Uma espécie de carinho e admiração. Um misto
de “quero você ao meu lado, mas reconheço que você
tem defeitos”. O amor não é cego como falam. Ele vê
tudo, mas ele suporta. Ele suporta porque, acima de qual-
quer coisa, o amor é sentimento de cuidado.
E, ao ver o Gusta sentado naquela cadeira bamba,
eu só podia acreditar que eu o amava. Afinal, eu estava
extremamente preocupada com aquela situação. Não
conseguia tirar o olho dele e, mesmo com meu braço do-
endo de tanto segurar seu corpo, eu me sentia extrema-
mente feliz em poder estar ali. Me levantei por alguns se-
gundos para esticar as pernas quando, de repente, ele
me puxou novamente como se fosse um pedido de “não
vai embora”.
— Pra onde você vai? — perguntou ele segurando
meu braço
— Ei, calma... Só vou ali perguntar ao enfermeiro se
falta muito
— Você gostou dele? — falou em tom de ciúmes

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— Gustavo, parou! Eu estou aqui pra te ajudar e


você vai dar chilique?
— Não. Desculpa. É só que eu gosto de você.
Bem, eu e ele nunca falávamos sobre nossa estra-
nha relação porque tínhamos medo de desgastar a ami-
zade. Mas, com umas doses de coragem, até que ele se
saiu bem.
— Também gosto de você. Você é meu melhor
amigo.
— Você não gosta de mim só assim...
— Ah, além de bêbado você é um metido? Quem
disse que gosto de você? — me poupe ele ficar jogando
isso na minha cara, já era frustrante metade do colégio
fazendo isso.
— Você merece alguém melhor que eu. Você é in-
crível e eu sou um babaca que faz um bando de menina
sofrer.
De fato, o Gustavo não era lá um homem admirável
se tratando de relacionamentos. Vira e mexe, vinha uma
ex-peguete dele reclamar comigo de algo que ele tinha
feito. Acho que a maioria delas eram burras em não per-
ceber que eu também era apaixonada por ele. Mas o
fato é que, quando dava algum problema, era comigo
que elas desabafavam. Eu sempre era bem egoísta nos
conselhos: “Ele é meu amigo, mas não vale nada. Melhor
você partir pra outra”. O que não seria uma mentira se
tratando do Gu, porém era obvio que eu não estava

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Duda Riedel

querendo ajudá-las. Eu queria mesmo era expulsar mais


concorrentes da vida amorosa dele.
— Você não precisa dar desculpas do porquê não
quer ficar comigo, pode simplesmente dizer que não
sente vontade.
— Mas aí eu estaria mentindo.
— Você não está no seu estado normal, vamos pa-
rar com essa conversa — Eu estava muito nervosa, pare-
cia que ia sair um grito de dentro de mim ao ouvir ele fa-
lando essas coisas. Era melhor ignorar e conversar em ou-
tro momento. Ou, quem sabe, ignorar pra sempre e não
conversar mais.
— Eu gosto de você, mas tenho medo de te fazer
sofrer
— Você já está fazendo. Se sabe que gosto de
você, por que insiste em ficar falando dessas garotas pra
mim?
— Porque eu tenho medo. No final do ano, você vai
mudar de cidade.
Relacionamentos à distância causam um medo
sem fim nas pessoas. Já é complicado sustentar um na-
moro morando na mesma cidade, imagina com alguns
km de diferença? Eu sabia disso, pois já tinha tido um leve
romance virtual que acabou em 3 meses. Mas era claro
que qualquer relacionamento com o Gustavo era melhor
do que não ter um relacionamento com ele. Mais uma
vez: Duda aceitando migalhas.

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Se valoriza, mulé!

— Relacionamentos à distância funcionam de vez


em quando.
— E se não funcionar? — Nunca tinha visto o Gus-
tavo tão aflito em uma conversa
— Aí nós teremos que tratar com maturidade e bom
senso — Segurei a mão dele e ele me deu um beijo na
testa.
Olhamos um para o outro e ficamos nos encarando
por longos minutos. Nunca tínhamos ficado a sós dessa
maneira, sempre tinha alguém para atrapalhar ou o lugar
não favorecia o nosso clima. Não que o ambulatório de
uma festa cheio de bêbados tomando glicose fosse o lo-
cal ideal, mas, naquele momento, ele foi o mais mágico.
Eu podia olhar dentro daqueles olhos castanhos e sentir
como se o tempo estivesse paralisado. O perfume Calvin
Klein dele conseguia transformar toda a atmosfera e meu
coração não parava de palpitar. Por um segundo, pensei
que fosse desmaiar e cair dura no chão de tão nervosa
que eu estava, mas caso isso acontecesse, a sorte seria
que eu já estava em um local seguro para os primeiros
socorros.
Parecia que já estávamos há horas nos encarando,
chegamos um pouco mais perto e ele disse:
— Não quero que a primeira vez seja dentro do am-
bulatório... — Um total corta clima para o momento, bem
padrão Gustavo de ser.

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— E eu não quero te beijar depois de ver você vo-


mitar — falei tímida enquanto ele dava gargalhadas
— Pizza e suco de tangerina depois daqui?
— Não aceito menos que isso como recompensa
por ter aguentado a Lara.
— Ela é insuportável mesmo, mas acho que vocês
se dariam bem — respondeu ele, olhando meu rosto pra
ver qual seria minha reação
— Então pede pra ela ir comer pizza com você —
falei e saí andando na frente no meu maior estilo debo-
chada de ser.
— Êeee ciumentinha, já tinha que aguentar esses
dramas como melhor amiga, será que como namorada
piora?
Vivemos um amor de verão que durou os meses de
férias até eu sair da cidade. Eu e o Gustavo não namorá-
vamos oficialmente, mas, quando me mudei, promete-
mos que sempre iriamos visitar um ao outro e nos falar
sempre. O problema maior é que namoros à distância
não costumam funcionar muito bem, principalmente
quando não se namora de fato.
Em namoros à distância, é importante que você te-
nha perspectiva. Ninguém que está em um relaciona-
mento desse pretende ficar sempre vivendo em uma
ponte aérea. É necessário planejamento e – principal-
mente – confiança. O planejamento para no futuro você
finalmente poder ficar de vez ao lado da pessoa, e a

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confiança para que a distância não seja uma desculpa


para você errar.
Eu viajava de 15 em 15 dias para visitá-lo por pura
insegurança e medo de que a gente não desse certo.
Além disso, eu tinha muito medo de ser traída e trocada,
principalmente pela ex-namorada dele, que depois que
soube que estávamos “juntos”, resolveu se manter cada
vez mais perto.
Uma grande cilada que nós mulheres caímos é a de
se comparar com a ex do nosso atual. Fazemos do rela-
cionamento um jogo dos 7 erros, tentando sempre insistir
no erro de sermos como as ex-namoradas, pelas quais
achamos que eles ainda são apaixonados.
Só que a questão é: se o namoro deles tivesse dado
tão certo, certamente eles estariam juntos. Não devemos,
ou pelo menos não deveríamos, nos comparar, porque
no final das contas, nós iríamos sempre ser uma sombra
do que já passou.
Os dias que nós passávamos juntos eram incríveis.
Quando eu voltava, o ciclo se repetia. Brigas, discussões,
insegurança e contagem regressiva. Eu não vivia de ver-
dade, eu vivia em função de contar quantos dias falta-
vam para que eu o visse. E isso estava se tornando uma
dependência amorosa sem fim.
Os dias em que eu passava longe era sofrendo e re-
zando para que ele não ficasse com alguém. Como man-
ter um relacionamento assim? Com medo de ser traída a

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todo instante. Namoro é para ser leve, é para ser algo


que te dá prazer. Não é normal você ficar neurótica pen-
sando que vai ser corna.
Eu controlava muito o Gustavo no começo. Fazía-
mos chamadas no Skype todos os dias e ele me mandava
mensagem da hora em que ele acordava até o mo-
mento em que ia dormir. Isso funcionou nos primeiros me-
ses, enquanto a paixão ainda estava acesa. Mas depois
de um tempo, a distância sentimental se tornou ainda
maior que a física. Não era como antes e nem tinha
como ser.
Se você se encontra em um relacionamento que te
dá mais motivos para chorar do que para sorrir, troque de
namorado. Pois isso é um namoro e não um corte de ce-
bola. Todo final de semana, eu recebia notícias de que o
Gustavo tinha ficado com alguém. Não era uma traição
oficial, mas doía como tal. E, quando se é traída, o pro-
blema maior não é a quebra de confiança, é que a pes-
soa começa a te respeitar cada vez menos.
As pessoas não têm medo de te perder se você não
se afastar, por isso vemos tantas vezes casais que per-
doam traição repetindo o mesmo erro. É como uma
porta fechada sem tranca. Se ele perceber que a porta
só está encostada e não trancada, ele sempre vai se sen-
tir confortável para entrar.
É devido a isso que é tão importante expormos nos-
sos sentimentos e deixar claro que amar é também en-
tender a hora de partir. Que nada nem ninguém pode se

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sentir confortável em te magoar. Que tem vezes que ir


embora é a única e mais certa decisão.
Terminar nunca é algo fácil. Preparamos o discurso,
ensaiamos na frente do espelho e pensamos “Ok. Vai dar
certo”. Na hora, tudo sai diferente e você se perde nas
centenas de palavras. E daí você sai e questiona: “O que
foi que eu fiz?”, e pensa que voltar atrás é a melhor solu-
ção. Não é.
É preciso ter coragem pra ir embora se não vai te
fazer feliz. Por mais que isso machuque e te faça acreditar
que ficar vai doer menos. A dor do término é imediata, a
dor do desgaste emocional é fracionada. O que dói
mais? Arrancar o band-aid de uma vez, ou ir puxando aos
poucos? Pois é. Terminar amando é pior do que terminar
brigado. Principalmente quando você termina por causa
de circunstâncias que vão além das suas vontades. Mas,
se é necessário, tem que ser feito.
Às vezes, acreditamos que podemos superar mais
um deslize de quem amamos, mas nós não devemos nos
sacrificar para caber onde não existe mais espaço pra
nós. Perdoar não significa esquecer e nem muito menos
tentar mais uma vez. Uma hora, as chances acabam e o
que resta é a coragem para olhar pra trás e ver que você
fez tudo que podia.

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VOCÊ SABE O QUE É AMOR? MEU CAMISA 3.

Você deve conhecer aquela história de “a pessoa certa na hora errada”.


Sabe amores não vividos? Eu tive vários. Alguns até engraçados, tipo
aquele cara do metrô que eu me apaixonei e idealizei toda nossa vida
em 3 estações. Mas eu tive um amor não vivido por mera sacanagem
do destino - às vezes esse danado gosta de fazer isso comigo. Eu tive
um daqueles amores que tinha tudo pra dar certo e não deu. Não
culpo ele, nem a mim. As pessoas têm mania de achar que existe um
culpado pelo fim de um relacionamento. Nesse não existiu, nós
apenas não queríamos mais tentar. Já estávamos cansados dessa coisa
de fazer dar certo. Que nem equação de matemática, uma hora
cansamos de procurar o valor de x e chutamos a resposta. Mas é
engraçado como até hoje eu não consigo tirar ele da mente. Não vivo
minha vida em função do nosso término. Pelo contrário. Já amei
outros, beijei alguns, dormi com um, mas, às vezes, eu me pego
pensando nesse valor de X e procuro a resposta. Confesso que ainda
não achei.

Sempre falei para as minhas amigas que elas tinham


uma tremenda sorte de ter conhecido o amor da vida
delas logo na adolescência. Eu queria experimentar essa
tal paixão e esse gostinho de “ele foi feito pra mim”.
Achava meio surreal pensar que existe alguém no mundo
que era seu par ideal, na verdade, achava que isso era
coisa de conto de fadas. Depois de dois namoros

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fracassados, me custava acreditar que eu poderia ser fe-


liz no amor novamente. Até que eu conheci ele.
Sabe aquela pessoa que combina em tudo com
você? Sua família adora, sua mãe gosta mais dele do que
de você, suas amigas riem das piadas e todos torcem pe-
los dois? Namoro perfeito, casal 20. Então, esse cara aí
era o amor da minha vida.
Aos poucos, ele me ensinou que amor é estar. Amor
é encontro de almas. É estar ali quando você precisar e
fazer companhia sem precisar chamar. É estar disponível
para sair de casa pra cuidar, e ir sem reclamar. É segurar
a mão quando a gente tem dor de pedra nos rins e es-
tender a mão para dar um voo maior. É também - sem
dúvidas - esperar. Tentar pelo menos. Esperar a raiva pas-
sar, o drama acabar, e nunca deixar o amor cessar. Tola
eu que só agora fui entender que o amor é livre. Ele é
fervoroso, mas não precisa mostrar. Não precisa postar,
nem mesmo falar, só precisa sentir. Amor é calmo, bon-
doso e, de preferência, te faz cafuné e massagem no pé.
Só quem viveu um amor de verdade sabe a emo-
ção que é sentir aquele gostinho de felicidade toda vez
que você encontra ele, que você beija, que você ama e
que você cuida. Amar, de fato, é muito brega, mas, de
todas as breguices, essa é uma daquelas que eu quero
sempre sentir.
Eu enxergava nele o homem com quem eu iria ca-
sar e construir minha família, e nunca foi um sonho juvenil
ou apenas o fogo da paixão. Eu admirava ele como ser

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humano, como homem, como filho e como profissional.


O Bernardo era o homem da minha vida. Mas alguns
amores simplesmente não dão certo. E disso eu já sabia
muito bem.
Eu conheci o Bê de uma forma pra lá de inusitada.
Depois do meu término conturbado com o Gustavo, eu
prometi que ia me permitir viver mais minha vida no Rio
de Janeiro. Eu já morava aqui há dois anos, mas era
como se não existisse. Eu vivia tanto em uma ponte aérea
visitando o Gustavo e dentro de casa no Skype que, du-
rante todo esse tempo, eu jamais tinha saído com as pou-
cas amigas que conquistei. Então eu aceitei um convite
de uma colega para uma festinha na Gávea.
Fui sem expectativas e ainda bem que não criei ne-
nhuma, pois a festa foi um fracasso. Tomei todas naquele
dia e fiquei altamente alcoolizada. Sou extremamente
fraca para bebida e, com 45 minutos de festa, eu já es-
tava no banheiro, sentada na privada chorando e lem-
brando do Gu. Nessas horas, devemos dar graças às ami-
gas que cuidam do nosso celular, senão eu iria mandar
uma mensagem pra ele.
Ao chegar em casa, minha amiga me deu um ba-
nho e me fez um chazinho. Acordei no dia seguinte com
8 mensagens de uma colega da faculdade perguntando
se eu não toparia ir no boliche com ela, o namorado e
uns amigos.
— Vamos, Du, vai ser legal e você aproveita e me
conta como foi sua primeira noite solteiríssima no Rio de

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Janeiro — Alguém avisa que foi um fracasso, fazendo o


favor...
— Bem, amiga, acho que não tem nada legal pra
contar, e eu estou desanimada...
— Vamos, vão vários amigos do meu namorado e
você pode conhecer alguém interessante.
— Ok. Vamos — respondi sem entusiasmo
Falou de macho eu já estava topando, até porque
eu já tinha notado que esse negócio de ficar com desco-
nhecidos em festa não daria muito certo. Eu tinha pre-
guiça de interagir, a música era alta, eu não conseguia
ouvir direito o que as pessoas falavam e era muita buro-
cracia forçar um papo com alguém que eu nunca tinha
visto.
Eu estava tão nervosa para conhecer pessoas no-
vas que era como se fosse meu primeiro dia de aula em
uma escola nova. Mandei foto da minha roupa para
umas 3 amigas e todas aprovaram o visual. O único pro-
bleminha era que ninguém havia percebido que eu es-
tava de saia e jogaria boliche. Como isso era possível? Eu
não faço ideia.
Ao chegar lá, cumprimentei todos e por último o Ber-
nardo, eu olhei pra ele e já senti algo. Não sei se você
acredita nisso de amor à primeira vista, mas eu honesta-
mente presenciei algo que eu jamais senti antes.
Era dia das crianças, então aquele lugar estava in-
suportavelmente cheio e coberto de gritos. Era impossível

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iniciar uma conversa então, sempre que o assunto na


mesa morria, eu dava uma olhada no meu celular pra ver
se o Gustavo tinha postado algo, e em uma dessas, eu vi
que ele tinha acabado de seguir a ex-namorada dele.
Minha garganta deu um nó na hora, mas seria ex-
tremamente deplorável eu começar um chororô na
frente de pessoas que eu não conhecia, então rapida-
mente fui no banheiro, enxuguei as lágrimas e voltei sor-
rindo para a pista.
O Bernardo sentou ao meu lado e tentou puxar um
leve papo, bem tímido. Durou uns 15 segundos, pois o
amigo dele logo avisou que estava na hora de ele jogar.
Enquanto ele se preparava pra tentar fazer um strike, ou-
tro amigo dele - com um papo um pouco melhor- tentou
um flerte comigo, mas eu estava tão concentrada no Bê
que sequer consegui prestar atenção no que ele falava.
Eu era péssima no boliche, o Bernardo conseguia ser
pior. Nós dois ficamos em último lugar e rimos um pouco
da situação. Qualquer ser humano normal acharia isso
engraçado e seguiria com a vida, mas, desculpa, não
acredito em coincidências. Se eu jogava mal e ele tam-
bém, isso seria o começo de um relacionamento, certo?
Errado, mas, na minha cabeça, eu pensava assim.
Fui embora e logo minha amiga tratou de mandar
uma mensagem:
“E aí, gostou de alguém? Todos eles te acharam
linda e gente boa! Já prevejo romance”.

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Eu não queria parecer desesperada então não con-


tei para a minha amiga que estava gostando – e pen-
sando no meu futuro casamento - com um deles. Preferi
guardar pra mim e fingir que tinha sido apenas uma saída
legal e casual.
Chegando em casa, tratei de olhar todas as redes
sociais dele e, para minha tristeza, todas eram privadas.
Como eu poderia stalkear o amor da minha vida desse
jeito? Eu teria que adicionar, não é?! Mas não ficaria
muito descarada? Claro que sim! Claro que não... Ai, não
sei. Deixa como está.
Destino ou não, na semana seguinte, enquanto eu
andava pela faculdade, encontrei ele sentado na can-
tina da faculdade, dei um tchauzinho de longe que foi
ignorado com total sucesso. Naquele momento, eu que-
ria me esconder, mas não desisti do nosso romance.
Resolvi ser ousada e adicionar ele no instagram
(nossa que ousadona), mas pra não deixar muito na cara
que eu estava muitoapaixonada.com.br, adicionei o
amigo dele também. O amigo me aceitou na hora e logo
curtiu uma foto de 3 anos atrás, o Bernardo só me aceitou
no dia seguinte e apenas me seguiu de volta. Ah sério?
Quer bancar o difícil, então?
Engraçado como as relações de hoje em dia são
ditadas pela internet. Se você segue, dá like, responde
um stories ou direct é porque você está muito a fim. É
nossa maneira esquisita de flertar e demonstrar interesse.
Quando esse contato virtual não é recíproco, logo

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pensamos que não existe interesse do outro lado. Mas,


muitas vezes, a pessoa apenas estava sem tempo.
Na hora que recebi a notificação de que ele tinha
me adicionado, liguei pra minha amiga:
— Aí, aquele Bernardo namora?
— Não, tá maluca? Ele nunca namorou na vida! —
respondeu espantada
— O quê?!!!!!!!! Por que não? Ele é super fofinho! —
Acho que deixei um pouco na cara que eu estava
(muito) interessada.
— Sabia que você ia gostar dele, ele falou de você
pro meu namorado sabia?
— Como assim? — Que tipo de amiga não comu-
nica isso na mesma hora? — E você me fala isso só agora?
Quero detalhes!
— Ah, o Matheus falou pra ele que você ia começar
a sair mais com a gente porque tinha terminado um na-
moro recente e precisava se animar...
— Sim, e ai?
— E ai que o Bernardo disse que era um ótimo ani-
mador.
Ah, para!!!!!!!! Gente, eu não tenho estruturas pra
homem com senso de humor. Me perdoem, mas, para
mim, o cara pode ser tudo, mas se não for engraçado,
não combina comigo. Passei horas rindo dessa bobagem
e minha amiga continuou:

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Duda Riedel

— Mas e ai, você também curtiu ele? Podemos mar-


car algo!
— Esquece, nada a ver. Olha só eu mais uma vez
querendo pagar de desinteressada, que mania chata! -
Mas gostei de saber que ele falou de mim
— Você adicionou ele no instagram, né?
— Ué?!?!? Como você sabe?
— Ele comentou comigo, mas na mesma hora disse
que você também tinha seguido o Lucas, então ele pen-
sou que não era tão especial assim.
— Mas ele é!!!!
— Então você ficou interessada? — Claro que ela já
tinha notado meu amor platônico.
— Sim, não... mais ou menos, talvez um pouco.
Eu sou atriz, mas se tem uma coisa que eu não sei
fazer é mentir. Esse negócio de não poder demonstrar in-
teresse acaba comigo. Eu até tento, mas logo fica estam-
pado na minha cara a vontade louca que sinto pela pes-
soa. Sou como um copo de vidro, transpareço tudo que
colocam no meu interior.
Assim que desliguei o telefone, fiz uma convocação
no grupo das minhas amigas com a seguinte questão:

ADICIONO ELE NO FACEBOOK OU NÃO?

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Isso parece tão bobo, mas pra alguém que estava


há 2 anos sem flertar, era uma pergunta muito séria. Um
total de 80% disse que eu deveria, os outros 20% ignora-
ram minha pergunta de tão óbvia que era.
Adicionei ele e fui pra aula, fechei a tela e desativei
as notificações. Coloquei o celular no modo avião como
uma maneira de fingir que estava tudo bem. A verdade
é que eu estava surtando por dentro e desesperada para
saber se ele falaria comigo. Me sinto uma completa idiota
contando essas coisas, mas que mulher nunca colocou o
celular em modo avião na expectativa de receber uma
resposta do crush?
Às 23:51 da noite, resolvi olhar se ele tinha falado
algo e, pra minha surpresa, ele tinha mandado uma men-
sagem há 3 minutos atrás.

“Então quer dizer que você estuda na PUC?”

Esse garoto quer testar minha paciência ou então se


fez de sonso. Talvez o fofinho não seja tão fofinho assim e
não se interessou muito por mim. Como que ele não sabe
que eu estudo na PUC? Foi a primeira coisa que falamos
no dia do boliche e eu inclusive dei um tchauzinho que
foi totalmente ignorado no meio do campus.

“É, eu sou meio turista por lá. Falto bastante hahaha”

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Duda Riedel

E assim começamos uma conversa que durou 3 dias


sem parar. No sábado à noite, ele me mandou uma men-
sagem com um convite que ao meu ver era mais que es-
pecial: ERA TUDO QUE EU QUERIA NAQUELE MOMENTO!

“Vai fazer algo hoje? Meus amigos estão pilhando um barzinho, se


quiser ir...”

Era óbvio que eu queria, mas bem, minha única


amiga topa tudo estava com amigdalite e febre, seria
muito desesperador ter o meu primeiro encontro (talvez
não fosse um encontro, mas na minha cabeça era) sem
minha melhor amiga por perto.
Fiz todas as orações possíveis e a Sofia conseguiu ir.
Cheguei lá dando um sorriso meia boca que não disfar-
çava o quanto eu estava nervosa. Sentei na frente dele,
ou seja, era inevitável olhar nos olhos dele a cada se-
gundo. Rimos bastante, falamos sobre vários assuntos e foi
só isso. Sim. Não esperem um beijo romântico ou algo in-
crível e encantador. Não rolou.
No caminho inteiro de volta pra casa, perguntei
para Sofia se ela também achava que ele estava apai-
xonado por mim:
— Então, o que você achou?
— Amiga, é claro que ele gosta de você. Relaxa! —
Ela estava muito nem aí para o que eu estava falando e

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procurava uma bala dentro dos compartimentos do uber


— Então, tem balinha?
— Foca, Sofia! — berrei histericamente — Mas então,
ele gosta muito ou pouco? A gente vai namorar? — Eu
sempre sou a desesperada do rolê.
— Cara, vocês nem ficaram ainda... Não tem como
ele ficar tão apaixonado, ele ainda nem te beijou, Duda.
E se o beijo for ruim?
Gente, me poupem. Eu já estava completamente e
totalmente apaixonada, nem lembrava mais que tinha
terminado um namoro há dois meses. Por sinal, eu nem
lembrava mais da existência do Gustavo nesse tal de pla-
neta terra, minha vida se resumia a stalkear o Bernardo e
a pensar nos nossos futuros filhos, Valentina e Enzo.
Agora vocês sabem o que é ser muito entregue, não
é mesmo? Eu falo sério quando digo que me apaixono
rápido. É algo incontrolável que eu não consigo suprimir.
Minhas amigas ficavam inquietas e nem levavam mais
tão a sério quando eu comentava que tinha me interes-
sado por alguém. Todo cara que eu conhecia, eu
achava que seria o pai dos meus filhos. Um total de zero
credibilidade.
Muita gente acha isso lindo. Essa parada de ser
muito entregue e ver amor em tudo. Realmente, é ótimo.
Desde que seja saudável. Gostar de milhões de pessoas
não é estoque de amor, é estoque de carência. É uma

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Duda Riedel

busca incansável por encontrar no outro aquilo que você


não acha em você.

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Duda Riedel

ONDE DESANDOU

Dizem que não devemos procurar o amor, porque ele acontece


inesperadamente. Em um dia daqueles que você mal imaginava.
Talvez um dia que você nem esperasse e não estava ao menos
preparada. Mas ele simplesmente aparece. Te fascina, te encanta, te
seduz e faz você acreditar que todos os outros eram apenas um teste
drive pra quando ele chegasse. Acho legal isso, acho bonito, até
poético... mas a questão aqui é: e se o amor da minha vida aparecer
quando eu não estiver preparada psicologicamente? Eu não me
incomodo de encontrar ele gripada, descabelada ou desarrumada. Mas
me incomoda profundamente saber que posso encontrar ele quando
ainda estiver insegura e desacreditada. Eu certamente achei o amor
da minha vida em um desses momentos e, como tudo que acontece
comigo, não foi fácil. Ele apareceu. Mas apareceu no momento
errado. Oh cupido, custa facilitar pro meu lado?

Lembro do pedido de namoro como se fosse ontem.


Em uma sexta-feira chuvosa de março. Mês três. Três era
o número da sorte dele e eu me sentia privilegiada em
saber que eu era considerada uma sorte também. Eu es-
tava cozinhando macarrão ao molho branco, pois toda
sexta-feira depois da aula ele passava lá em casa. Re-
cebi uma mensagem.

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Se valoriza, mulé!

Bernardo diz:

Olha só esse vídeo!!!

Era uma coletânea com algumas fotos nossas. O


fundo musical? Nossa música preferida: Dessert, do
Dawin, um rapper americano. A tradução define bem o
nosso romance:

“Elas podem imitá-la,


Mas elas não podem duplicar você
Porque você tem algo especial
Isso me faz querer provar você
Eu quero isso durante todo o dia
Eu sou viciado como é errado”

Quem diria que essa música seria trilha sonora do


nosso amor, e traduziria tão bem os nossos sentimentos.
Ele tinha algo especial que me fazia querer ter ele comigo
todos os dias, mas como era errado esse sentimento...
Você pode pensar “o que há de errado em amar?”, e eu
te respondo: amar por amar é instigante, amar sem se
amar é degradante. Vícios nunca são saudáveis, vícios
amorosos são venenosos.
Ao final do vídeo, tela preta e uma mensagem:

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Duda Riedel

“Abre a porta”

E lá estava ele com flores rosas e uma caixa de bom-


bons “ferrero rocher” na porta da minha casa. A per-
gunta aguardada que eu mais queria ouvir foi dita. “Quer
namorar comigo?”. Sim, sim, mil vezes sim! Finalmente o
amor bateu – literalmente – à minha porta. E eu poderia
vivê-lo da forma que sempre sonhei.
Mas namoros perfeitos não existem, isso é um fato.
Algumas vezes temos namoros mais saudáveis que outros,
estamos mais maduras e preparadas pra encarar melhor
os problemas dos relacionamentos, mas perfeição não
existe. E esse foi o meu maior erro no meu namoro.
Eu achava que por não brigar, não termos crises e
vivermos isolados nós iríamos durar muito, só que nenhum
relacionamento vive sem discussões. Brigas existem em
qualquer relacionamento amoroso. É claro que ninguém
vai viver na base do UFC discutindo a cada segundo,
mas, se não existe o diálogo, algo não está certo.
Acredito que, se existe alguma fórmula pra um rela-
cionamento durar, os três requisitos básicos são: amor,
admiração e respeito. É como um tripé, se alguma das
partes falha, a engrenagem desanda e você tem que
parar pra fixar.
Mas pra uma relação sobreviver anos, primeiro você
tem que entender que são duas pessoas, duas vidas e
não uma. É necessário ter individualidade, espaço e

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Se valoriza, mulé!

momentos a sós, do contrário, tudo fica monótono. Além


disso, é importante entender que um namoro é diferente
de um casamento. Você não pode querer viver uma vida
de casado com apenas 20 anos, sem conseguir se susten-
tar, e, principalmente, se a outra pessoa não quiser. Até
aí, na teoria, é tudo lindo, mas vai explicar isso pra alguém
que tinha recém terminado um quase namoro a distância
e estava completamente carente.
Eu virei total e completa dependente do Bernardo
quando começamos a namorar e abria mão de todos os
programas pra ficar com ele. Eu tinha inúmeros proble-
mas com solidão, insegurança e ansiedade, mas, ao lado
dele, eu me sentia totalmente curada. Ele parecia encher
o vazio que eu tinha na minha vida e eu dependia dele
para ter aquela sensação de felicidade.
A partir do instante que você deposita toda sua feli-
cidade em uma pessoa, tenha certeza de algo: você não
está feliz. Aos olhos dos outros, eu estava inabalavel-
mente contente e radiante, mas, por dentro, eu estava
carente. Do que adianta ficar alegre ao lado de alguém
e, quando ele não está por perto, você ficar infeliz?
É patético olhar pra trás e ver o quanto eu queria
isolar a gente da sociedade e o quanto eu era ciumenta.
É claro que eu não me culpo diariamente, até porque eu
tive dois namoros extremamente traumáticos. Me mudei
pra uma cidade enorme com 17 anos e morava sozinha.
Eu precisava do suporte de alguém, e foi o dele.

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Duda Riedel

Então, eu supri toda minha carência emocional no


meu namorado, e por isso não dava sossego em nenhum
momento. Eu dormia na casa dele de sexta à domingo,
mandava mensagens diárias, queria encontrar com ele
na faculdade e tinha uma preguiça gigantesca de sair
para qualquer lugar aos finais de semana. Na verdade,
não era preguiça, e sim medo. Por mim, o programa ideal
era eu e ele em um sábado à noite em casa. Afinal, se só
ele bastava para que eu estivesse feliz, para que mais?
Honestamente, é uma delícia ficar com seu namo-
rado em um sábado à noite, mas não em todos. Eu pre-
cisava ver gente, precisava tirar esse descarrego dele e,
principalmente, eu precisava viver um pouco também.
Aos poucos, nosso namoro foi tomando um rumo
que eu não consegui enxergar durante muito tempo.
Apenas depois de terminada, eu comecei a entender os
indícios de socorro que o Bernardo pedia para que eu
desse um pouco de liberdade pra ele. Só que eu estava
ocupada demais esquecendo de olhar pro meu namo-
rado e só enxergava nosso namoro. Como casal, nós fun-
cionávamos, tínhamos química, amor e companheirismo,
mas como indivíduos, nós falhamos muito, eu principal-
mente.
O Bernardo detestava ter discussões, talvez por ima-
turidade, talvez por nunca ter namorado, ou até mesmo
por preguiça, então, muitas vezes, ele se comportava
como uma panela de pressão que guardava todas as

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Se valoriza, mulé!

minhas paranoias. Uma delas eu lembro até hoje e me


assusto pensando em como eu era insegura.
Um dia após termos saído para uma festinha e en-
cher a cara, estávamos de ressaca e cansados, foi
quando um amigo do Bê ligou e perguntou se ele gosta-
ria de ir em um restaurante japonês. É claro que o amigo
dele não estava me convidando, mas, ao desligar, eu já
fiz uma cara feia e me embirrei como uma criança de 7
anos.
— Amor, vou comer com o Lucas. Nos encontramos
à noite?
— Nossa, Bernardo, eu queria comer japonês hoje.
Eu falei isso ontem — respondi irritada
— Tudo bem, eu levo você à noite e você come,
posso até comer de novo com você, sem problemas.
— Eu duvido que você vá, mas tudo bem. — Desli-
guei na cara dele pois era um absurdo eu ser segundo
plano
É claro que quando deu 20hrs liguei pra ele e ques-
tionei sobre o suposto japonês que ele havia me prome-
tido. Naquele momento, com medo da minha reação,
ele já disse:
— Amor, desculpa... Eu realmente estou muito can-
sado.
— Ok. Já sabia que isso não ia acontecer. Você não
gosta mesmo de mim.

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Duda Riedel

É triste ver o quanto eu era insegura. E, neste caso, o


problema maior era:
EU PODERIA IR COMER A DROGA DO JAPONÊS! Bas-
tava chamar uma amiga, um amigo, pedir delivery, co-
mer lá embaixo com meu porteiro ou qualquer coisa. Mas
eu preferi ficar em casa irritada porque a minha primeira
opção não conseguiu ir comigo. Foram inúmeras as vezes
em que eu fiz birra e me senti sozinha depois de me sentir
trocada pelo meu namorado e eu não enxergava que
isso só fazia mal a mim. Era uma carência afetiva tão ab-
surda que estragava aos poucos o amor verdadeiro que
sentíamos um pelo outro. E isso – é claro – desgastava.
Um erro cruel que fazemos ao namorar é acreditar
que precisamos estar na companhia do nosso amado
24hrs por dia. Isso prejudica a relação, afasta seu parceiro
de você e te afasta do seu eu. Hoje, eu noto e vejo a im-
portância da individualidade do casal, de se manter
firme com suas amizades, de não sumir do mundo e ter
sua própria companhia. É normal que isso venha com a
maturidade ou então com um tapa na cara. No meu
caso, foi da maneira mais dura.
Eu nunca senti o Bernardo se distanciando de mim.
Na minha mente, tudo estava na mais perfeita ordem. Al-
gumas vezes eu o sentia um pouco mais distante e per-
guntava o que estava acontecendo, mas ele sempre co-
locava a culpa no trabalho e na faculdade. Uma clássica
desculpa de quem já grita em desespero: EU NÃO
AGUENTO MAIS!

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Se valoriza, mulé!

Nossa primeira crise foi em meio a minha entrega de


TCC, eu estava um caos de estressada e transformava
tudo em problema. O Bernardo também já havia chu-
tado o balde e o ideal de homem perfeito que eu havia
montado dele estava começando a ser apagado com
uma tinta vermelho sangue.
Um mês antes da entrega do meu trabalho, ele ba-
teu na porta de casa e disse que tinha comprado ingres-
sos para os jogos universitários.
— Hoje comprei e fechei o alojamento dos jogos
com os garotos — disse ele
— Então, que dia vai ser? — murmurei torcendo
para que eu também pudesse ir.
— Dia 14 de junho
Eu podia ver nos olhos dele o medo que ele tinha
em me contar, pois seria bem na semana da entrega do
meu trabalho. Claro que não foi a atitude mais correta
do mundo ele decidir viajar as vésperas de um dia tão
importante na minha vida. Mas o fato aqui é: se você
sente medo ao conversar com seu companheiro, algo
não está funcionando. Hoje, eu sinto pena quando ouço
de alguma amiga a seguinte frase “tenho medo de falar
isso para meu namorado”, pois isso demonstra que a re-
lação é frágil e tem muita tensão.
— Espera, você vai pros jogos um dia antes da mi-
nha entrega do TCC, que tipo de namorado você se tor-
nou, Bernardo?

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Duda Riedel

— O tipo que não nasceu grudado em você, Duda.


É seu último mês na faculdade, eu entendo que está es-
tressada, mas ano que vem eu vou estar assim e esses são
os meus últimos jogos — falou tentando amenizar a situa-
ção.
— Então você prefere ir pro seu último jogo na facul-
dade do que me apoiar na minha entrega de TCC?
— Não é múltipla escolha. Eu te ajudo desde o co-
meço, só não estarei no dia.
E foi aí que tudo começou a dar errado. O meu fo-
finho não era mais tão perfeito assim. Ele andava mal-hu-
morado, me evitando, não me encontrava no intervalo
de aula e preferia sempre ficar com os amigos. Mas se
engana você se acha que eu percebia o que estava
acontecendo.
Eu não enxerguei algo muito claro, pois, para mim,
o fato de ter a companhia dele, de mal humor ou não,
era mais importante. A presença física do Bernardo já era
um saldo positivo, porque ficar sozinha sempre foi o meu
maior tormento.
Além de que era muito mais fácil pensar que esse
caos era apenas uma fase. Impressionante como nós,
mulheres, sempre acreditamos que tudo são fases e, com
isso, ficamos postergando e adiando sofrimentos. Nós
amamos acreditar que vai mudar e voltar a ser como an-
tes. Mas nada é igual, ou melhora ou piora, e se você se

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Se valoriza, mulé!

enfiou em uma ladeira sem saber passar a primeira mar-


cha, adivinha só? Seu carro vai deslizar.
Eis que um dia, exatamente 2 meses depois dessa
discussão, ele me enviou uma mensagem dizendo que
estava saindo da faculdade e iria até minha casa. Era
uma sexta-feira, como no dia em que ele me pediu em
namoro. Tínhamos completado 1 ano e 4 meses no dia
anterior. Saímos pra jantar, mas ele estava meio sério. En-
tão no momento que ele disse que estaria passando na
minha casa, eu pensei: “oba, vou almoçar com meu na-
morado hoje!”. Mas não foi isso que aconteceu.
Comecei a preparar o almoço e vi que estava fal-
tando alguns ingredientes para a receita. Deixei o fogo
ligado e esperei que ele chegasse para ficar de olho nas
panelas. A campainha tocou. Coloquei os sapatos rapi-
damente, abri a porta e falei:
— Amor, estou indo comprar brócolis.
— Espera, Duda, a gente precisa conversar. Eu
quero terminar, não estou mais feliz. Eu amo você, mas
quero ficar solteiro. — Ele apenas vomitou tudo isso na mi-
nha cara e pronto.
Eu já estive dos dois lados: do lado de quem termina
e do de quem ouve o término. Se lembra quando eu disse
que terminar namoro não é fácil? Pois é, ouvir alguém ter-
minando com você é mais difícil ainda. Quando não se
espera, então, é como um soco bem na sua cara. Você
perde a fé e acha que o chão abriu. Perde a direção, o

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Duda Riedel

sentido e a respiração. Prende o choro e a garganta dá


um nó. Reza para que seja um pesadelo e ora para que
ele se arrependa.
Na hora em que um namoro está sendo acabado,
você não consegue pensar muito. Não consegue formu-
lar uma frase. Eu só imaginava uma coisa: minha forma-
tura. Eu iria me formar em uma semana e estava desem-
pregada e agora sem namorado. Saldo totalmente ne-
gativo. Soluções? Não existiam. Talvez sentar e chorar
fosse a melhor opção, mas apenas resolvi pensar no al-
moço que eu estava preparando:
— Peraí, você está terminando comigo enquanto eu
vou no hortfruti? — Como isso era possível?
É inacreditável pensar que eu estava tão por fora
da situação que sequer conseguia enxergar no rosto dele
o que estava acontecendo. Achei que era pegadinha,
dei risada e, depois de notar que era verdade, eu fiquei
em estado total e completo de choque. A conversa du-
rou 15 minutos, na verdade, foi um monólogo, pois eu não
conseguia esboçar nenhuma reação.
O Bernardo saiu de lá e não derramou nenhuma lá-
grima. Até hoje eu não sei o que me impressiona mais
nessa história toda. O fato dele ter sido forte o suficiente
pra finalmente falar o que o incomodava desde o início,
ou o fato de ter visto estampado na cara dele que, final-
mente, depois de 1 ano, ele estava se sentindo livre.

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Se valoriza, mulé!

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Duda Riedel

O LUTO

Anota aí, garota. Você vai sofrer sim, e vai sofrer pra caralho. Para
com essa de querer pular fases. Você vai chegar no fundo do poço, e eu
estou sendo até legal. Você - na real - vai cavar mais um pouquinho
pra ficar pior. Mas e se, por um momento, você parasse de pensar nele
como se ele fosse a melhor coisa da sua vida e pensasse que talvez
fosse você? Eu sei que existem dias - muitos deles - que ficar
trancafiada dentro do quarto parece mais interessante do que ver o
mundo. Mas eu aprendi que a gente se torna mais interessante fora
dele. Você precisa aprender que vão ter dias nos quais você vai se
perguntar - enquanto estiver bêbada em mais uma daquelas festas que
odeia ir - "o que é que tô fazendo aqui?".. Você vai chorar, vai comer
chocolate, vai engordar e vai falar, enquanto assiste diário de uma
paixão pela oitava vez no dia, "eu não vou mais me apaixonar". Mas
eu sei também que vai ter um dia - e eu sei que ele está próximo - que
você vai se olhar e se dar conta que vai ficar tudo bem. Chegará um
dia no qual você vai abrir essa porteira do seu coração e vai se amar.
Se priorizar. Você vai canalizar toda essa dor e vai colocar ela em
outros lugares. Você vai malhar como se não houvesse amanhã, vai
pintar o cabelo, conhecer lugares que nem imaginava e comprar
roupas novas. Garota, você vai viver.

As pessoas acham que sofrer por amor é bobagem.


“Jaja você esquece”; “só procurar outro”; “vai passar”. Eu
sempre acho que essas pessoas nunca amaram de ver-
dade. Hoje, quando vejo que alguém está sofrendo por

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Se valoriza, mulé!

amor, eu apenas escuto e dou um abraço, porque eu sei


o que é achar que você perdeu o mundo, quando, na
verdade, alguém só despedaçou seu coração. Colar um
coração partido é fácil, o problema é fazê-lo voltar a fun-
cionar. Você se bloqueia, se frustra, acha que o problema
é você. Eu, por muitas vezes, achei.
Me desculpe quem fala que quando se é adoles-
cente você sofre mais por amor. O meu maior sofrimento
foi aos 22 anos. E, naquele momento, eu entendi o que
era sofrer, perder o chão e a razão. O que é perder 4kg
em um final de semana porque você não sente vontade
de comer, sair, ver gente. O que é não conseguir dormir
sozinha com crises de nervosismo, esperando o momento
em que ele vai mandar uma mensagem. O que é ir para
uma festa e rezar pra ele não estar lá só para você não
ter a frustração de ver quem você ama com alguém.
Meu luto foi muito mais em decorrência da frustra-
ção do que do término. Eu estava perplexa, chocada,
sem acreditar que aquilo de fato estivesse acontecendo.
Muitas vezes, entrei na mesmice de pensar que tudo foi
impulso e que depois de uns dias ele iria voltar pela
mesma porta pela qual saiu.
Cara, na boa, ninguém sabe o que passa na ca-
beça do outro, mas a gente sempre acha que conhece
muito a pessoa e certamente tem noção de como ela
vai agir. Mas, na real, você não conhece alguém tão
bem ao ponto de saber quais são as escolhas dela. E,

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Duda Riedel

muitas vezes, a frustração de esperar algo é maior do que


a coisa em questão.
Se você me perguntar em que momento eu agi me-
lhor durante todo o meu processo de término, eu te digo
que o meu luto foi o mais digno. Eu soube entrar de ca-
beça nele e curtir cada momento dessa fossa que pare-
cia ser eterna, mas, ainda bem, só durou dois meses.
Um combo de netflix, nutella, coca-cola e algumas
doses de chá de camomila me ajudaram muito nesse
momento. Ah, claro! Não poderia esquecer. Tudo isso
acompanhado de um travesseiro encharcado de lágri-
mas. Parece dramático, hein?! Mas dramático mesmo é
o que estou prestes a te contar.
No momento em que meu ex saiu pela porta da mi-
nha casa, depois de terminar tudo, a única coisa que eu
enxergava era um vulto preto e a janela da sala. Eu
nunca tive pensamentos suicidas, mas por um momento,
a saída mais rápida parecia me jogar.
Sim, eu pensei em tirar minha vida depois de acabar
o namoro com o Bernardo. E eu não pensei apenas uma
vez, pensei várias vezes e cheguei a planejar em algu-
mas. Não é fácil sofrer por algo que você não tem con-
trole. É desesperador. São pensamentos negativos que
vêm o tempo todo na sua mente, uma vontade aterrori-
zante de apenas desaparecer. Sem contar na dor física.
Dói, e como dói. É algo que te consome por inteiro. Enxa-
queca, diarreia, vômitos, nervosismo. A vontade que dá
é sumir para ver se tudo isso some com você.

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Se valoriza, mulé!

E aí você deve se perguntar “sério que você ia tirar


sua vida por conta de um namoradinho?”. Não, colega,
eu ia tirar minha vida porque depositei minha felicidade
no meu namoradinho. Compreende a importância de
não entregar de bandeja sua força de viver pra qualquer
pessoa que tem o poder de arrasar com seu coração?
Quando ele saiu, eu fiquei estática por uns 15 minu-
tos, até que peguei o telefone e liguei para minha mãe,
sem entender muito bem, eu falei:
— Bernardo terminou comigo, você pode vir agora
pro Rio de Janeiro? Estou com a sensação de que quero
morrer.
Minha mãe disse que nunca me ouviu tão apática
como naquele momento. Ela foi para o aeroporto, mas
durante todo o percurso, ficava falando coisas que eu se-
quer lembro mais. Enquanto ela estava no avião, meu pai
e minha irmã revezavam ligações de 10 minutos para sa-
ber se eu estava viva. Mal sabiam eles que eu me encon-
trava na mesma posição, com a mesma roupa e sem
conseguir derramar uma lágrima.
As panelas! Meu Deus, como eu poderia ter esque-
cido? Rapidamente, desliguei o forno e sentei no chão
da cozinha. Fiquei olhando para o teto procurando res-
postas para o que estava acontecendo. Meu telefone
não parava de tocar. Todas minhas amigas me ligavam
tentando entender minha situação. Eu não queria ver nin-
guém.

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Duda Riedel

Minha mãe chegou depois de 4 horas, abriu a porta


e lá estava eu, no mesmo lugar de antes. Eu não sei muito
bem como consegui passar tanto tempo daquele jeito,
mas a sensação que eu tinha era de que, se eu me me-
xesse um milímetro, eu poderia cometer uma besteira.
No momento em que minha mãe me abraçou, eu
consegui exteriorizar tudo que eu sentia. Como um filhote
indefeso ao encontrar seus pais. Comecei a berrar, me
bater, chorar e vomitei tudo que eu podia. Enquanto
tudo isso acontecia, minha mãe falava baixinho ten-
tando entender o que aconteceu:
— Duda, o que houve? Duda, calma... Duda, minha
filha, calma.
Fiquei nessa durante uns 40 minutos, até que conse-
gui respirar e falar que ele tinha ido, acabado tudo em
pouco tempo e saído pela porta sem derramar uma lá-
grima. Não poderia explicar mais do que isso, porque
nem eu mesma consegui entender.
Depois do dramalhão mexicano, partimos para um
restaurante francês. Minha mãe estava na maior boa
vontade e tentava falar sobre outros milhões de assuntos
que não fossem meu término. Amo minha mãe e acho
ela sensacional, mas, gente, na boa... quando alguém
termina um namoro, a pessoa não quer falar sobre outra
coisa que não seja meter o pau no ex. E eu queria xingar
o meu até sua última geração.

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Se valoriza, mulé!

A comida chegou e, enquanto eu ouvia minha mãe


falar o quanto esse término iria me ajudar futuramente e
como eu poderia me focar nos meus estudos, eu olhava
para o bar e fixava a atenção em um ponto enquanto
mordia as bochechas pra evitar um choro. Mas não fun-
cionou muito bem.
— Pensa pelo lado positivo, Duda. Agora você pode
ir fazer aquele intercâmbio, aceitar aquele emprego em
Fortaleza.
— Eu já disse que não quero. Eu não deixei de fazer
isso pelo Bernardo.
— Então, que tal uma viagem de formatura?
— Mãe, você acha que ele pode ter me traído? —
Naquele momento, um insight veio a minha mente.
— Olha, não queria falar nada. Mas é bem suspeito
esse término repentino. — Meu rosto pálido e borrado de
rímel fizeram minha mãe tentar consertar o que disse. —
Ou talvez ele tenha apenas conhecido alguém que ele
se encantou. Homem é assim, Duda...
Mas o Bernardo não era um homem qualquer. Ele
era perfeito. Ele não poderia ter feito isso comigo. Me cus-
tava acreditar que eu poderia considerar uma hipótese
como essa.
Naquele dia, eu comi “peixe a las lágrimas”. Che-
guei em casa e, novamente, vomitei tudo que podia. E
foi assim a noite inteira, diarreia acompanhado de

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Duda Riedel

vômito. Nunca em toda minha vida eu fiquei tão devas-


tada depois de levar um fora.
No dia seguinte, acordei com minha mãe surtando
e falando “acho que você está grávida, como pode vo-
mitar tanto, vamos comprar o teste”. Era só o que me fal-
tava, além de “terminada”, esperando um filho do cara.
Não sou a pessoa mais católica do mundo, mas, naquele
momento, eu pedi a todos os santos para que a camisi-
nha estourada da semana anterior não me rendesse mais
um capítulo para este livro.
Minha mãe passou 3 dias no Rio e me ajudou muito
nesse primeiro momento. Depois que ela foi embora é
que o meu surto começou de fato. Eu passava mais de
20 horas sem comer, cheguei a passar 32. O máximo que
entrava no meu estômago sem que eu vomitasse era vi-
tamina de banana. Isso acabou me rendendo uma baixa
de peso em pouquíssimo tempo. Cheguei a ir pro hospital
tomar soro por desidratação, e a frequentar o psicólogo
duas vezes por semana.
— Tenho a sensação que esse looping eterno de so-
frimento nunca acaba. Quando eu acho que melhorei,
tudo volta e tenho outra crise, Fabinho. Por que o Ber-
nardo fez isso comigo? Ele parece muito bem, e eu me
encontro aqui fazendo terapia — falei enquanto pegava
mais um lenço para secar minhas lágrimas.
— É natural que você esteja abalada, Duda. Você
foi pega de surpresa. Não se culpe.

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Se valoriza, mulé!

— Será que um dia eu vou conseguir voltar a ser fe-


liz? — questionei tentando buscar uma resposta para o
que eu estava sentindo
— Você não era feliz por conta dele, mas você pre-
cisa voltar a ser feliz por conta de você.
Sempre que terminamos um namoro, nós gostamos
de questionar o que houve e procurar respostas. Portanto,
eu resolvi ler todos os livros de autoajuda do mundo e ten-
tar entender o que diabos estava acontecendo. Quando
se termina um namoro e se sabe o motivo, você se frustra,
mas se conforma. Quando você leva um fora depois de
ter comemorado 1 ano e 4 meses de namoro, você fica
tentando entender o que porra você fez de errado.
Procurei todos os tipos de ajuda espiritual que vocês
possam imaginar. Fui em cartomante, padre, astrólogo e
até no meu porteiro às 4 da manhã. A cartomante disse
que ele tinha me traído em uma viagem, o padre man-
dou eu rezar e ler a bíblia, o astrólogo disse que iriamos
voltar em um futuro distante e meu porteiro apenas me
escutou por pena.
Eu chorei durante 1 semana incansavelmente en-
quanto me revezava tentando mostrar no instagram que
eu estava “muito bem, obrigada”. Típico de alguém que
está infeliz, mas tenta se convencer de que vai ficar tudo
bem. Só que algo muito importante em um término é o
luto. Ele tem que ser vivido e não deve ser pulado. Tentar
evitar o sofrimento só gera mais sofrimento.

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Duda Riedel

Uma semana depois que terminei, eu inventei de ir


a uma festa, isso só serviu para que eu gastasse dinheiro
e chorasse muito. Embora minhas amigas insistissem que
era a melhor opção, dentro de mim, eu sabia que aquilo
só iria me destruir.
— Vamos pra festa, amiga.. Vai ser divertido, eu pro-
meto. Já falei com o João e ele vai dar os ingressos.
— Não quero sair e tenho ranço desse seu amigo.
— Bem, eu acho que você poderia inclusive dar uns
beijinhos nele — Depois dessa frase, eu vomitei tudo que
podia.
Claramente, minhas amigas estavam mais surtadas
do que eu e queriam me jogar para qualquer homem
que estivesse disponível. Mania das pessoas de achar que
a solução para um fim de relacionamento está em um
novo. Será que está mesmo?
— O que é isso? Vomitou de novo? O que você co-
meu?
— O que você bebeu? — gritei enquanto limpava a
boca. — Quer que eu fique com seu amigo mais cafa-
jeste?
— Nada como um embuste para curar trauma de
um ex-embuste.
Fomos para a festa e parecia que eu estava em um
ambiente totalmente fora do meu habitat natural. Eu não
tinha mais nem roupa para esse tipo de acontecimento.
Enquanto todas as meninas ao meu redor estavam com

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Se valoriza, mulé!

mini saia, cropped e botinha eu me encontrava de bla-


zer, calça jeans e sapatilha. Era como se eu fosse a irmã
mais velha que procurava a irmã menor de idade em
uma festa cheia de drogas e perigos.
Impressionante como a “solteirice” assusta. Todo
mundo em algum momento da vida já esteve solteiro, po-
rém, quando você namora e acaba, a solteirice se trans-
forma em um bicho de sete cabeças. Você fica assus-
tada e sem entender como se comportar. Tudo parece
distante e surreal. Flertar? Nossa, é como se nunca tivesse
acontecido antes. Beijar desconhecido? Como é possí-
vel? Transar? Aí já é demais para quem está começando.
Só que, na boa, ser solteira é igual voltar a andar de
bicicleta. Você pode até levar umas quedas no começo,
andar meio desengonçado e atropelar algumas pessoas
sem querer, mas basta os primeiros 10 minutos que você
pega o ritmo.
A fila do bar estava enorme e arrisquei comprar uma
cerveja para ver se dava uma soltada e relaxava mais.
Ao entrar, me dou de cara com o tal João. Cabelo cas-
tanho escuro, moreno, marrento, sapato vans e casaco
amarrado na cintura. Um típico carioca padrão. Outro
padrão carioca é: todas as pessoas dessa cidade se co-
nhecem. Ou, pelo menos, conhecem meu ex. Desejei do
fundo do meu coração que o João ignorasse minha pre-
sença naquele ambiente, mas infelizmente ele ainda não
aprendeu a bela técnica de fingir demência.

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Duda Riedel

— E aí Duda, cadê o Bernardo? Veio sozinha? — per-


guntou sondando o terreno. Me poupe. Era obvio que ele
já sabia que eu estava jogada na sarjeta da “solteirice” e
pronta para praticar a aventura fantástica de viver sozi-
nha outra vez. Por que todos tem que fazer o favor de
relembrar do meu excelentíssimo ex? — Você nunca sai
sem ele. Estou surpreso!
Enquanto ele perguntava, minhas amigas faziam
movimentos com os braços como quem diz: NÃO FALA
DELE. Obrigada, time! Mas não deu muito certo, pois an-
tes de ele concluir a pergunta, eu já sentia vontade de
chorar.
— Terminamos, mas eu estou ótima — Tentei não re-
virar os olhos e dei um largo sorriso amarelo enfatizando
que eu estava de boa com o fim. — Essas coisas aconte-
cem, né? Bola pra frente! — Era como um discurso ensai-
ado, e uma lágrima na sequência pra fechar com chave
de ouro o micão da minha presença nessa festa.
Que credibilidade eu passo para o mundo solteiro
sem conseguir ao menos falar que acabei um namoro
sem sentir uma vontade desesperadora de chorar? Per-
maneci o resto do tempo sentadinha perto da saída do
banheiro e em silêncio. Esperei o preço dinâmico do UBER
abaixar e saí de fininho para que ninguém desse conta
do meu sumiço.
A pior parte de terminar é dar satisfação para os ou-
tros de que você terminou. É como receber os pêsames
em uma missa de sétimo dia. Todo mundo sente pena,

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Se valoriza, mulé!

mas, na verdade, eles estão mais curiosos em saber como


você ficou e qual foi o motivo da morte, ou, nesse caso,
do término.
Passei apenas 2 horas e 15 minutos nessa festa e foi
o suficiente para decretá-la como uma das piores expe-
riências da minha vida. Depois disso, eu prometi que só
faria programas leves e que o lugar mais badalado que
eu iria era na aula de dança da academia.
Parece que quando você termina um namoro, to-
dos os lugares e coisas do mundo te fazem lembrar o fa-
lecido. O fantasma do meu ex me assombrava. Cada lo-
cal que eu ia me remetia alguma história nossa, como um
filme que você já conhece todas as falas.
Custa, universo, entender que eu não quero lembrar
da existência dele no mesmo planeta que eu? Como é
difícil habitar em um mundo com alguém que destruiu seu
coração. Odeio essa mania chata de ter que sentir medo
de ir à padaria e começar a chorar porque o pão francês
me lembra nossos cafés da manhã de domingo. Além do
fato que “nossos” não existe mais. Tira esse plural, moça,
agora você vive no singular.
O pior dia foi quando eu finalmente consegui entrar
no restaurante que mais íamos e que, no caso, era meu
preferido. Fugi daquele lugar que nem o diabo foge da
cruz, mas, mais cedo ou mais tarde, eu teria que enfrentar
meus anseios. E para que adiar a dor, se você pode sim-
plesmente encará-la?

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Duda Riedel

Fomos comemorar minha formatura e, então, eu


decidi vencer meu medo e tentar seguir em frente. Força,
Duda, força. Respira e tenta focar em outra coisa. Não
funcionou.
Ao entrar, eu tremi até a última camada de pele e
me deu uma vontade incansável de chorar, mas eu já ti-
nha chorado tanto durante a cerimônia de entrega dos
diplomas, que acreditava que não teria sobrado lágrimas
para aquele momento. Pode parecer bobagem falando
assim, mas para quem está sofrendo, qualquer gota se
transforma em tsunami.
Sentei e pedi nosso prato preferido, que agora não
era mais nosso, e sim meu. Quem sabe ainda fosse dele.
Mas, naquele momento, eu estava cagando para o que
ele gostava.
Na hora em que botei o primeiro sushi na boca, meu
celular tocou com uma mensagem. Puta merda! Sério
isso? Ele tinha que mandar mensagem logo agora? Era o
combustível que faltava para as lágrimas virem, e, claro,
elas surgiram em peso. Foi um SMS bem meia boca me
dando parabéns pela nova fase. Hoje, eu sei que foi o
melhor que ele poderia mandar porque, coitado, ele
nem deveria saber como agir.
“Oi Duda, tudo bem? Queria te parabenizar pela
formatura, sei o quão importante foi para você e o quão
feliz você deve ter ficado, você merece depois de tudo
que passou com essa monografia. Muita força nessa
nova etapa, vai dar tudo certo como sempre deu”.

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Se valoriza, mulé!

Paraliso ao ler essa mensagem. Duda? Alou? Reage,


menina! Mostra alguma reação. Os olhares da mesa se
concentram em mim. Todos esperam que eu leia a men-
sagem em voz alta. Mas eu já havia lido uma vez, talvez
duas seria demais para os meus olhos. Onde eu clico pra
desver?
Minha mãe pega o celular da minha mão e co-
meça a ler. Tapo os ouvidos como uma criança mimada
e tento pensar em outra coisa. Um turbilhão de emoções
vem a minha mente quando noto que ela já terminara de
ler. Rápido, hein, mãe? Todos esboçam uma cara de
pena para mim e orgulho pela maturidade do Bernardo.
Atenção, família! Vocês têm que estar do meu lado. Ca-
guei se ele foi maduro!
— Ele é um menino bom, gosta de você, mas não
está preparado pra um namoro sério, ele tem muito o
que viver ainda — enfatiza meu pai com ar de sabichão.
Homens sempre querendo contornar tudo e simplificar
nossos sentimentos.
Ok! Hoje, eu também “concordo” com meu pai.
Mas, naquele momento, a minha vontade era responder:
“Oi? Não, não está tudo bem. Com você, com cer-
teza deve estar, já que fiquei sabendo que você já teve
coragem de ficar com uma menina. Bem, obrigada pelas
felicitações, mas então... Gostaria de te avisar que você
cagou com meu álbum de formatura, porque todas as
fotos eu saí com cara de choro. Ah! Claro, realmente me-
reço muito depois de ter dado duro na monografia e ter

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Duda Riedel

levado um pé na bunda uma semana antes de sair minha


nota. E preciso de força mesmo, porque além de desem-
pregada, eu fiquei sem namorado, seu babaca!”
Só que é claro que eu não respondi isso. Embora eu
quisesse muito, me contentei em mandar apenas um
“obrigada e tudo em dobro”. Vamos tentar ser madura e
não se comportar como uma pirralha, ok Duda? Por mais
que dê vontade...
Sobre meu jantar de formatura, como esperado, foi
horrível. Eu passei o resto do jantar chorando e pedindo
guardanapo pro garçom. Mas, pelo menos, eu já estava
mais preparada para frequentar lugares que antes me
lembravam ele.
Mas pense comigo: pra quem acaba de terminar
um namoro, cada passo, por menor que seja, é uma vitó-
ria. Entrar naquele restaurante sem ele me fez ver que a
minha vida continuava e, mais do que necessário, era
fundamental eu seguir em frente. Por mais que as lágrimas
tenham feito parte do menu do dia, a coragem e a força
de vontade fizeram mais ainda. E te confesso, é libertador
se livrar de um trauma.

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Se valoriza, mulé!

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Duda Riedel

REDES SOCIAIS E NOSSAS MARAVILHOSAS


PARANÓIAS

Ei, já chega, hein? Tira essa música lenta, para de olhar as fotos
antigas e, aconteça o que acontecer, para de seguir ele. Uma vez, um
sábio disse “quem não é visto, não é lembrado”. Então eu te garanto:
pare de acompanhar seu ex. É muito mais do que amor próprio, é
saúde mental. O que é que você ganha recebendo notificações diárias
dele? É para passar raiva? Se for para passar raiva, vai pagar boleto
atrasado. É chegada a hora em que você vai se despedir desse fascínio
de acompanhar a vida de quem já saiu da sua. É chegada a hora em
que você vai parar de dar conta do que ele faz e vai procurar o que
fazer. É chegada a hora em que você vai dar um basta nesse
sentimento que te destrói por inteiro. É chegada a hora em que você
vai parar de acompanhar a vida dele e vai viver a sua.

Bem, como eu disse, meu luto foi sensacional e cum-


pri as horas direitinho. Chorava assistindo comédia ro-
mântica, comia nutella e ficava nervosa toda vez que ele
postava algo. Afinal, internet é um centro de criação de
paranoias ambulantes, qualquer coisa que você vê já é
motivo para gerar uma hipótese na sua mente.
Me recordo que um dos dias mais tensos do término
foi quando ele tirou o “relacionamento sério” do face-
book. Terminamos em uma sexta e ele só tirou na se-
gunda pela manhã. É claro que já estávamos terminados

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Se valoriza, mulé!

há 3 dias, mas parece que só quando aquele status mu-


dou que eu me dei conta de que agora era real. Liguei
para a Sofia desesperada.
— Ele tirou namorando do facebook, dá pra acre-
ditar? — gritei enquanto procurava uma barra de cho-
colate na dispensa.
— É, mas vocês terminaram, então tudo bem ele
ter tirado, não é? — tentou contornar a situação.
— Ele não tinha esse direito. Ele já terminou ao vivo,
custava deixar eu acabar com ele pelo facebook? Ele
poderia ter esperado eu tirar primeiro, pelo menos — Às
vezes me pergunto quantos anos eu tenho. Doze? Tal-
vez.
— E quando você iria tirar, Duda? Sinceramente,
acabou amiga. Você precisa esquecer.
Mais uma vez, surtei desesperada dentro de casa
tentando procurar os “porquês” da vida amorosa. Oh,
coisa complicada que é se relacionar. Será que tem
como jogar no Google “como esquecer o ex em dois
dias” e conseguir um tutorial bacana, um chá de esque-
cimento ou até mesmo uma lavagem cerebral? Ninguém
disse que seria fácil. Mas porra, está complicado pra ca-
ramba!
Hoje em dia, namoro é troféu para redes sociais. To-
dos desfilam com seus amados em publicações cobertas
de declarações. É uma forma não só de aparecer, mas
de marcar terreno como quem diz: OLHA SÓ, EU ESTOU

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Duda Riedel

VIVENDO UM ROMANCE. Vemos casais felizes em fotos e


vídeos a todo instante e imaginamos que eles têm uma
vida perfeita e sem defeitos. Não é bem assim.
E, então, em contrapartida, vemos solteiros que-
rendo passar uma imagem de liberdade que muito se
confunde com desapego, mas na verdade é frustração
emocional. Um padrão estúpido que reflete o quanto eles
estão infelizes e descontam tudo isso em bebidas, festas
e azaração.
Sei disso porque vivi bem os dois lados, e o que mais
me comprova esse falso ideal de felicidade é querer se
mostrar feliz. Quem está feliz, de fato, não tem tempo
para mostrar isso porque está ocupado demais vivenci-
ando. Alguns tem a ilusão de que felicidade é algo cons-
tante, mas não é. Felicidade é estado de espirito, por-
tanto dura frações de momentos, e tudo bem quando
você não está bem, pois, até na tristeza, desfrutamos de
aprendizado.
Me impressiono quando me lembro o quanto me
decepcionei ao ver que o Bernardo teria tirado “relacio-
namento sério” do facebook. Por que nós fazemos isso,
não é? Já era algo que fazia parte da minha vida há 3
dias. Eu estava, sim, solteira, mas o fato de que agora to-
dos podiam ver que tínhamos acabado me doeu muito
mais. Sacou o que é o tal do “troféu de namoro”?
Além do que, ainda foi mais desgastante pois o meu
status continuava em namoro, só o dele havia mudado.
E era exatamente assim que eu me sentia, presa na ideia

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Se valoriza, mulé!

de que estávamos juntos, mas tendo a noção de que ele


não estava mais comigo.
Tomei coragem, troquei de “relacionamento sério”
para “sem nenhum status”, cliquei em atualizar e pronto.
EU ESTAVA SOLTEIRA! Com todas as letras e status disponí-
veis. Ou seria sem relacionamento definido? Afinal, nem
eu mesma sabia como estava. Enfim, obrigada por isso,
facebook.
Sentei no sofá branco da sala que já estava mais pro
off white de tantas lágrimas que sujaram ele. Abri uma
caixa de bombons e procurei uma serenata de amor.
Não tinha mais. E então fui caçando algum que eu gos-
tasse e que me trouxesse um pouco de paz. Só achava
sabor bananinha. Como que o bananinha iria suprir todas
as dores que eu sentia? Me contentei com ele e dei a pri-
meira mordida. Era como eu me sentia. Queria o Ber-
nardo, mas no momento só tinha solidão. Ao mesmo
tempo, refleti sobre tudo que estava acontecendo e, em
meus pensamentos, a voz dele ecoava como uma mú-
sica no modo repetir.
O Bê foi muito claro quando acabou comigo: “Eu
gosto de você, mas eu preciso ficar solteiro, eu nunca vivi
nada, você foi minha primeira namorada”. Essa frase é
tão óbvia que eu não conseguia entender de jeito ne-
nhum. Eu preferia transformá-la em algo abstrato e tentar
decifrar enigmas por trás dela. Como um jogo de lógica
no qual a resposta é nítida, porém complicamos por pen-
sar demais. Eu deturpava essa frase simples e acreditava

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Duda Riedel

que o que ele realmente tinha dito era: “Nunca gostei de


você, prefiro ser solteiro, você não dá conta do recado,
vou transar com outras que é melhor”.
A questão é que, quando se tem um coração par-
tido, é muito mais fácil você vibrar no negativo. É como
se fosse um looping eterno de ideias que te fazem acre-
ditar que você é a culpada e que não é boa o suficiente
para a relação.
Vocês têm noção do completo caos em que minha
mente estava? Eu tentava me diminuir o tempo todo. A
cada menina que meu ex seguia, eu imaginava uma
nova substituta pra mim. Novamente, o fantástico mundo
de querer se comparar – sem necessidade - com outras
mulheres.
Além de que eu paguei R$200,00 para uma carto-
mante deduzir que o Bernardo, que é a pessoa mais cor-
reta do mundo, teria me traído. Chega a ser ridículo ver o
que fazemos quando estamos desesperadas. Mas é claro
que com a raiva e o ranço que eu sentia dele, a carto-
mante, naquele momento, só me trazia verdades.
Eu fazia questão de olhar e conferir cada passo que
ele dava. Meu nome passou de Duda Riedel para Sher-
lock Holmes . Criei mais de 5 fakes para seguir todas as
meninas que ele começou a curtir. Atualizava o insta-
gram dele a cada 3 minutos para saber se ele teria dele-
tado nossas fotos, como se aquilo fosse muito importante
e sustentasse algo. Nos prendemos tanto aos detalhes

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Se valoriza, mulé!

quando estamos tristes que depois se torna cômico pen-


sar que isso faria alguma diferença em nossas vidas.
Uma coisa é certa: terminar namoro nos dias de hoje
se tornou mais difícil. É muito tentador conseguir acompa-
nhar a vida do outro e procurar por informações a qual-
quer custo. Afinal, quem ama quer saber como o outro
vai, se ele está bem e até se está melhor sem você.
E é por isso que sempre acabamos procurando mo-
tivos para ter nossos ex na nossa rotina. E isso não é sau-
dável. “É a última vez que entro no perfil dele”, “só vou
ver mais esses stories”, “amiga, vê aí onde ele foi”, “só
uma mensagem pra saber se está tudo bem”. Sempre
que você dá essas desculpas, isso não faz com que ele
pense que você “está disponível e correndo atrás”. Você
se machuca e desperdiça a oportunidade de sofrer me-
nos e seguir a vida. Esquece de uma vez por todas o que
ele imagina e foca no que você passa.
Não é o que ele pensa ou deixa de pensar, é como
você está antes e deixa de ficar. A gente já sabe como
essa história acaba. Você acha que não vai sofrer, que
vai ser só mais uma vez e que “tá tudo bem, eu só quero
dar uma olhadinha”. Mas não é assim. No final, você so-
fre, não é “só mais uma vez”, e sim várias vezes, além do
que não é “apenas uma averiguada”, é o atestado de
sofrimento e lágrimas. Isso é egoísmo com você, e, agora,
eu entendo.
Se eu pudesse me dar uma dica naquela época se-
ria: bloqueia essa desgraça e vai viver tua vida, menina.

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Duda Riedel

Muitos acham infantilidade bloquear o ex-namorado de-


pois de um término. Eu também achava, mas não é. Seu
psicológico agradece muito. Eu parei de viver minha vida
para viver a vida virtual do Bernardo. Dormia e acordava
todos os dias conferindo o que ele fazia e deixava de fa-
zer. Cheguei ao ponto de comparar fotos para saber se
o braço dele era o mesmo que aparecia em uma foto
postada por uma menina que eu seguia.
Eu fazia correlações tão absurdas que eu acabava
acreditando totalmente na minha paranoia. E, a cada
vez que alguém postava algo com ele, eu surtava ainda
mais. Era um ciclo vicioso e maldoso e tudo por vontade
minha. Eu escolhia ficar assim pois eu ia atrás de saber
informações sobre ele, e o que alguém menos precisa ao
terminar um namoro é saber algo sobre o ex.
E, a partir dessas minhas paranoias e buscas, eu co-
mecei a pensar que ele poderia estar dando tanta conta
da minha vida, quanto eu dava da dele, e então eu co-
mecei a seguir umas pessoas totalmente aleatórias e cur-
tir umas fotos totalmente desnecessárias na tentativa de
atingi-lo. E, é claro, ele estava cagando pra mim. No mo-
mento, ele estava mais preocupado em viver a vida dele,
e isso deveria ser o mesmo que eu tinha que fazer.

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SE PRENDA A SUAS AMIGAS

Amizade é bom pra caramba, né?! Tem gente que fica na busca
incansável de arrumar um namorado, e eu até era assim, mas aí
encontrei minhas amigas. E olha, te garanto, é a melhor das relações.
Amiga é aquele bicho que, mesmo sendo 3hrs da manhã de uma
quarta-feira, se você precisar, ela vai te ajudar. Amiga está ali para o
que você precisar, mas também vai brigar quando você aprontar.
Porque amizade é isso aí mesmo. Tem dias que somos briguentas,
amorosas, muitas vezes escandalosas, certas vezes causadoras de
problemas, mas sempre, sempre, somos e seremos amigas.

O problema do fim de um relacionamento é que


você não dá apenas adeus para uma pessoa, mas sim
para uma rotina completa. Você envolve família, amigos
e conhecidos. Parece que término é igual segundo turno
de eleição presidencial, as pessoas defendem o candi-
dato e tomam todas as dores dele. Sempre ficam do lado
de um dos dois e tem algo pra apontar e falar do outro,
mesmo sem conhecer as propostas, ou nesse caso, saber
a história.
Eu perdi um dia-a-dia não só com meu namorado,
mas com todos os meus amigos, porque, na verdade, eles
não eram meus amigos, eles eram mais amigos dele. Essa
foi a minha maior dor desde o princípio e, para ser sin-
cera, é até hoje. Verdade seja dita, as pessoas são

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totalmente descartáveis quando deixam de ter funciona-


lidade pra você. No momento em que eu deixei de ser
namorada e me colocaram um prefixo de ex, eu também
deixei de ser a amiga e virei apenas a ex do Bernardo.
O maior tapa na cara que eu levei foi apenas 2 se-
manas depois que terminei. Era aniversário de um dos me-
lhores amigos dele e eu não fui convidada. Olhei todas
aquelas postagens chorando e me sentindo totalmente
avulsa e perdida. Antes, eu seria convidada. Agora, não
mais.
Não julgo as pessoas por fazerem isso, eu também
não acolho os ex-namorados das minhas amigas e os
convido para tomar um chá da tarde. Mas é que muitos,
quando pensam no fim de um relacionamento, vem com
o discurso barato do “mas é só um término”, quando, na
verdade, é muito mais do que isso. A dor engloba mais do
que pensamos, você não perde uma única pessoa, você
perde todo um círculo de convivência.
Ainda bem que existem os amigos de verdade e
eles fazem parte do seu combo luto. Um dia, a Sofia, can-
sada de me ver deitada no edredom, pegou meu celular
e me fez parar de seguir ele, toda a família e os amigos.
Lembro que na hora eu fiquei revoltada, mas depois foi
um alívio pra mim, e pra ela, que já estava cansada de
receber meus prints e deduções sobre a vida atual do fa-
lecido.

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Duda Riedel

— Agora chega! Eu cansei de ver você só chorando


por ele. Você não come uma refeição inteira há 2 sema-
nas, Duda. Só chora e fica aí assistindo esses filmes clichês.
— Você acha que tá fácil pra mim? — murmurei en-
quanto procurava outro filme no netflix.
— E pra mim? Você acha que tá fácil ver minha me-
lhor amiga destruída dentro de casa por um cara que se-
quer teve a dignidade de esperar ela se formar?
— Eu não aguento mais sofrer pelo Bernardo, ok?
Mas eu também não sei por onde começar.
— Que tal começando a aceitar que não tem
volta? Ou, quem sabe, parando de falar dele ou procu-
rando coisas dele no instagram? Eu não aguento mais ver
você afundada. Você precisa reagir.
Reagir, era exatamente isso que eu precisava, mas
não entendia. Eu precisava reagir que nem em física, e
parar com essa inércia. Para toda ação, existe uma rea-
ção e todo corpo deve sempre se manter em movi-
mento. Nunca uma aula de leis de Newton fez tanto sen-
tido na minha vida.
Nesses momentos, você tem que olhar para os lados
e ver quem está verdadeiramente contigo. Amigas po-
dem te ajudar até a última página, colegas não vão con-
tigo nem até a página dois. Muitas pessoas irão demons-
trar solidariedade nesse momento com uma tentativa de
ajudar, mas, na verdade, só são curiosas e querem saber
o que aconteceu.

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Se valoriza, mulé!

Também irão ter outras tantas pessoas que não tem


compaixão e empatia para lidar com um fim de relacio-
namento. Dessas pessoas, mantenha distância, pois elas
não irão ter o mínimo tato para lidar com o seu momento.
Se eu pudesse falar algo pra cada um que conseguiu pi-
orar o que já estava péssimo, minha fala seria a seguinte:
vai a merda. Se as pessoas não têm nada de bom a dizer,
faça o favor de só escutar, ou até mesmo não acompa-
nhar o processo.
Escutei de algumas péssimas amigas que o Ber-
nardo já deveria ter outra, ou até mesmo me traído. Eu,
por um lado, também tinha essa sensação e alimentar mi-
nha mente com esse tipo de acusação só tornava meu
fim mais doloroso.
Levantar hipóteses para um fim de namoro é o
mesmo que escrever uma conclusão sem ler o desenvol-
vimento. Ninguém deve, ou, pelo menos, não poderia,
dar palpite nesse momento por dois únicos motivos. O pri-
meiro é porque quando se leva um pé na bunda, o soco
pode ser no glúteo, mas é a cabeça que para de funcio-
nar. Então qualquer coisa que você escute você leva
como verdade. O segundo é porque é totalmente desu-
mano você fazer alguém que já está sofrendo sofrer mais,
cacete.
Ainda bem que me livrei de pessoas que não me
agregavam nada logo no primeiro momento. E depois
que você supera o luto, você precisa voltar a enxergar

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Duda Riedel

cores na sua vida por mais difícil que seja, e se prender a


quem pode, de fato, te ajudar.
Minhas amigas foram fundamentais para que eu pu-
desse seguir em frente, mas foram as novas amizades que
me fizeram dar a volta por cima. Não sei se você co-
nhece efeito dominó, mas, infelizmente, ele existe. Depois
que o Bernardo terminou comigo, por ironia do destino –
ou não - a namorada de um amigo dele também deu um
pé na bunda do cara.
Minhas velhas amizades são maravilhosas, mas 80%
são casadas ou namoram. Lei número 1 de quando se
termina um namoro: você P-R-E-C-I-S-A ter um bonde de
amigas solteiras. É fundamental para que você compar-
tilhe o momento com alguém que também está pas-
sando por ele.
Quando eu vi que a Clarisse trocou o status de rela-
cionamento, eu vibrei mais que final de copa do mundo.
Seria extremamente errado e egoísta da minha parte tor-
cer pelo fim desse namoro, mas à essa altura, eu não es-
tava nem aí. E com essa boa cara de pau que eu tenho,
enviei uma mensagem pra ela:

“Amiga, descobri que você também terminou o namoro... Sinto muito!


Estou aqui pro que precisar, se quiser sair, comer algo ou badalar,
pode me chamar”.

Note o tamanho da cara de pau quando eu a


chamo de “amiga”. Eu juro, se eu falei mais do que 5

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Se valoriza, mulé!

vezes com ela enquanto eu namorava o Bê foi muito, mas


para quem já está cagada, o que é um peido, não é
mesmo?
Saímos dias depois para almoçar e claro que o as-
sunto foram eles. Ela explicou tudo que aconteceu de
forma tão clara e objetiva sobre o término dela que mi-
nha vontade era falar: por que não comigo?
— Então me conta, o que você tem feito de bom?
— Como ela já conseguia sorrir e usar roupas claras eu
não sei. Desde que o Bernardo acabou comigo, eu reve-
zava entre preto e cinza.
— Nada demais, apenas curtido um pouco a fossa...
— Curtido muito no caso, porque se tinha uma coisa que
eu fiz bem nesses dias foi aproveitar a fossa — e você?
— Cara, já fiquei com um garoto e MEU DEUS, foi ani-
mal! Fiquei me sentindo culpada, mas precisamos viver,
né?
A Clarisse parecia maravilhosamente bem e eu es-
tava afundada, servindo de recepcionista da fossa. Mi-
nhas histórias de amor sempre são as mais complicadas,
confusas e aleatórias. A sensação que eu tenho é que to-
das as pessoas conseguem solucionar os problemas da
vida de forma simples e a minha sempre é na base do
dramalhão mexicano. Não sei se culpo a mim ou ao SBT,
que sempre fez novelas que eu amava assistir, mas o fato
é que parecia que eu estava vivendo um capítulo de “A
Usurpadora”.

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Duda Riedel

Eu sentia vergonha do que estava vivendo, e sentia


mais vergonha ainda de saber que uma amiga estava
passando exatamente pela mesma situação e estava
bem. É estupidez querer calcular e medir sofrimento. O
amor tem forças e intensidades diferentes. Alguns supe-
ram antes, outros levam um certo tempo. Ficamos estan-
cadas na ideia de que dor tem prazo de validade e fica-
mos questionando aos outros perguntas bobas como:
“quanto tempo você sofreu?”, “com quanto tempo con-
seguiu ficar com alguém?”, “depois de quantos meses
começou a namorar de novo?”. E, a partir disso, fantasi-
amos uma média de quanto tempo podemos ficar mal.
Não existe fórmula, não existe data certeira. Cada ser hu-
mano tem seu próprio fuso horário e devemos respeitá-lo.
Não se envergonhe por estar passando por um mo-
mento difícil, ser frágil é o primeiro caminho para buscar
ser forte. O importante é tentar. Essa é a melhor forma de
seguir em frente. De nada adianta olhar para o lado se
você está olhando para o errado. Aqui, a questão é se
permitir. Enxergar a parte boa de algo que te faz sofrer é
muito difícil, mas tente olhar para o término como uma
espécie de dor secundária.
Quando se sente dor na coluna, por exemplo, e é
necessário tomar injeção para que ela passe. A dor da
injeção é intensa e, às vezes, até mais forte que a anterior,
mas só a dor secundária faz com que você se cure da
anterior. Portanto, a parte boa de se terminar o namoro é
justamente essa. Você sofre muito e intensamente, mas

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Se valoriza, mulé!

só o término é capaz de fazer você abrir seu olhar e ex-


pandir horizontes.
Sabe aquele clichê de “você está bem mais legal
depois que terminou o namoro”? Então, a maioria das ve-
zes é porque, quando você namorava, você perdia sua
essência e ninguém te enxergava como individuo, ape-
nas como um casal.
Eu sempre fui essa pessoa totalmente dependente
de amor, vivia minha vida em função dos meus namoros.
Abria mão da minha rotina para viver a dele, achando
que essa rotina era nossa. Na verdade, eu era tão cega
de amores em todos os meus namoros que eu me anu-
lava para somar a eles. E nessa de ser a namorada ideal,
eu me perdia aos poucos.
Olhar o lado bom do término é justamente saber fil-
trar o que há de bom pra você. E, ao lado de amigas, isso
se torna bem mais leve e fácil. São as amigas que são o
ombro quando você precisa chorar, o colo quando você
precisa deitar, a força quando você ainda está fraca e a
dose de coragem quando você se sente covarde. E aí,
só depois de terminar que nós vemos o quanto somos in-
gratas quando estamos em um relacionamento. Quantas
vezes nos afastamos de amizades quando namoramos
pela cisma de querer viver sempre na companhia do na-
morado?
Dar valor as amigas e colocá-las em um pedestal
acima de quem você se relaciona é muito difícil. Princi-
palmente, para nós, mulheres, que moramos em um

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Duda Riedel

mundo condicionado a vivermos servindo os homens.


Portanto, é fundamental quebrarmos esses paradigmas e
enxergar o quanto uma amizade pode ser sua corda pra
te retirar da fossa. Mas ela não deve ser importante ape-
nas nesse momento. Amizade não deve ser decidida por
estado civil.
Se prender às amigas é muito mais do que um “pe-
dido de socorro”, é a busca pelo que você perdeu e pre-
cisa resgatar. Alguns aprendizados vêm de forma dura
para te ensinar que só depois de sofrer é que você en-
tende a importância de uma amiga. E é a partir disso aí
que você vai pensar 7 bilhões de vezes antes de se dis-
tanciar de quem foi abrigo quando você não tinha teto.

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O MEU NÃO FINAL FELIZ

Quando foi que meu “felizes para sempre” acabou? Eu achei que fosse
como na Disney, sabe? Quando o príncipe dá o beijo final e o filme
termina com uma música feliz. No máximo, teríamos algumas
discussões bobas, mas viveríamos felizes no nosso castelo encantado.
Só que não foi assim do lado de cá. O meu final não tem sido feliz.
Será que a Branca de Neve também foi traída e voltou a morar com os
anões na floresta? Será que a Bela Adormecida, depois de levar um
fora do príncipe, resolveu dormir em um sono profundo? Será que a
Pequena Sereia, depois de uns meses, viu que não deveria ter mudado
sua vida inteira por um cara que não a valoriza e morreu afogada em
lágrimas? Logo ela, que sabia nadar como uma sereia? Será que as
princesas também sofrem ou sou eu que não sou digna de ser
princesa? Troquei a coroa pelas galhadas que alguns homens me
deram na vida. Tenho sofrido tanto sem nosso conto de fadas. A
verdade é que, se nós temos um conto, ele é de falhas. Falhas duras e
difíceis de consertar. Talvez eu devesse parar de assistir essas
histórias fantasiosas que me iludem e fazem acreditar que o amor
existe. Eu acho que o amor foi mais uma dessas invenções que não
deram certo. Pelo menos não pra mim. Então, parei de esperar o
cavalo branco e fui atrás dos meus sonhos, pois, já que nesse mundo
encantado eu não estava feliz, talvez em um reino distante, eu poderia
me permitir.

Depois que o luto não faz mais parte do seu cotidi-


ano, o tempo passa mais rápido. Ainda que eu sentisse
medo de seguir em frente, eu precisava viver, do contrá-
rio, eu iria sucumbir dentro de casa.

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Se valoriza, mulé!

Tive primeiros encontros desastrosos depois que


acabei, um não colocava a língua enquanto beijava, o
outro era arrogante e só sabia falar dele, o outro era tão
bobo que eu não consegui nem ir para o primeiro encon-
tro. Era assustador pensar que minha vida a partir da-
quele momento seria assim. Sair com caras aleatórios
para tentar me distrair da dor que meu ex me causava.
Parecia que ninguém era tão bom o suficiente
quanto o Bernardo e até mesmo ele não era mais tão
bom quanto parecia. Se antes eu me comparava as ex
dos meus namorados, agora eu comparava os atuais ao
meu ex. Sempre arrumando algum defeito em alguém
quando, na verdade, todo mundo tem defeitos, inclusive
eu.
A parte ruim do final da história de amor é que, assim
como nos filmes, quando acontece a continuação, você
se surpreende. Muitas vezes, o mocinho se torna o vilão.
Era completamente desesperador e surreal ver que a
pessoa que eu idealizei durante anos como o homem da
minha vida estava seguindo em frente mais rápido do
que eu poderia imaginar. E com isso, a imagem de bom
moço que eu tinha dele estava sendo destruída.
É claro que, naquela altura, eu também estava ten-
tando viver minha vida, mas eu ainda lembrava do Ber-
nardo, todos os dias, para ser mais específica. Só que, na
minha cabeça, ele nunca tinha me amado, e os fatos
que eu criava dentro da minha mente davam cada vez

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Duda Riedel

mais impulso para eu acreditar nessa mentira que foi o


nosso amor.
É natural que, quando você termine um namoro,
você sempre ache que viveu uma mentira, que tudo foi
em vão e que o seu ex é a pior e mais terrível pessoa
desse mundo por ter deixado você na fossa. Quando es-
tamos despedaçadas, sempre pensamos no pior. Nos en-
fiamos em uma montanha russa de emoções onde pa-
rece nunca ter fim. Perdemos a fé no amor, nas pessoas
e em tudo que nos cerca. É como se a desconfiança se
tornasse uma dose diária do seu dia. Dá medo, dá raiva,
dá tristeza.
Você enxerga o mundo inteiramente cinza, como se
uma lente coberta de desilusão penetrasse dentro de
você. A verdade é que o mundo não está cinza, apenas
você. A gente se carrega de vibrações baixas e veste a
capa da negatividade. Finais de ciclos sempre mudam
nossa perspectiva do mundo. Finais de ciclos traumáticos
mudam o nosso olhar pelo mundo. É normal, mas tem que
ser passageiro. Depois, essa lente escura e esse olhar per-
dido precisam desaparecer. É necessário focar. Buscar
uma saída. Depois que a dor passar, você precisa ter em
mente que não é porque algo não funcionou naquele
momento que ele não foi incrível por algum tempo.
Hoje, eu tenho convicção de que estive em um na-
moro maravilhoso. É claro que também imagino que eu
vá ter outros tão bons quanto. Isso é essencial. Entender
que o passado foi maravilhoso, o presente é desafiador,

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Se valoriza, mulé!

mas o futuro sempre tende a ser melhor. Não estancar na


ideia do que passou, nem ter medo do que está por vir.
Apenas viver como naquele velho clichê de um dia após
o outro.
Só que, na teoria, é tudo lindo. Na prática, eu queria
que ele desaparecesse. Por meses, eu detestava até a
sombra do Bernardo e isso me fez mal por muito tempo, é
claro que foi devido ao trauma pós término, afinal, o luto
podia até ter passado, mas a dor ainda não.
Eu não sei se pelo destino, pelo gosto parecido ou
se por sacanagem do “ovo” de cidade em que eu moro,
mas todo final de semana eu encontrava o Bê e os ami-
gos em alguma festa. Mas o que ninguém sabe é que, a
cada evento desse, o soco no estômago que eu levava
era muito maior.
Quando você vê o amor da sua vida ficando com
outra pessoa na sua frente, meu amigo, isso não destrói
apenas o seu dia, isso abala sua autoconfiança. E a mi-
nha já não existia há um tempo.
Eu dizia às minhas amigas que eu gastava R$80,00
reais em uma festa, R$22,00 reais em um copo de vodka
com redbull e R$120,00 de terapia a cada saída de final
de semana. O ciclo era vicioso. Eu ia, via coisas que não
gostava, engolia a seco, fingia me divertir, postava um ví-
deo mostrando que estava tudo bem e como minha sol-
teirice era incrível. Por fim, eu me debulhava em lágrimas
ao chegar em casa.

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Duda Riedel

É muito fácil pessoas de fora julgarem o fim de um


relacionamento, apontarem o dedo e acharem que po-
dem ficar por aí em mesas de bares falando mal dos en-
volvidos. O fato é que ninguém está preocupado com
ninguém, apenas procurando mais um motivo para fofo-
car. Se você postar algo, é porque você quer atingir seu
ex, se você não posta nada, é porque está depressiva e
não consegue seguir em frente.
Vivemos nesse mundo fantástico de querer mostrar
felicidade, por isso, quando se acaba um relaciona-
mento, o intuito de muitos é fazer uma competição de
quem se diverte mais e aparenta estar melhor. Eu entrei
nessa de cara como perdedora e saí de lá por W.O. Eu
não tinha a menor condições de entrar em um jogo em
que eu não sabia jogar. Mas esqueceram que eu sou
aquariana com ascendente em áries, e, ainda por cima,
sou atriz.
Me preparei para a batalha e eu sabia exatamente
o que fazer:
“É fácil, você só precisa fingir que está tudo bem”,
eu repetia antes de ir para qualquer lugar possível de en-
contrar meu ex-namorado.
Sempre me questionava se essa dor que sambava
em salto agulha em cima do meu coração iria passar. A
sensação era de que não iria. Tudo dói, tudo machuca.
A dor é tão forte que se torna física. Não sei que poder é
esse que o amor - ou a falta dele - tem sobre nós.

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Se valoriza, mulé!

Um sorriso esconde um sofrimento, mas o olhar, ja-


mais. Dói pra caramba olhar para alguém que um dia já
foi o seu tudo e demonstrar que hoje ele não significa
mais nada. É como pegar uma folha em branco, rabiscar
e depois passar tinta branca por cima. Você pode até
tapar o rabisco para os outros, mas você sempre vai lem-
brar que um dia essa folha já esteve rabiscada. Memórias
que se perdem em tantas outras, mas basta uma lem-
brança para tudo vir à tona.
Olha, menina, eu sei o que você está passando. Eu
sei que dói e acabamos fazendo coisas que depois nós
pensamos “pra quê?”. Não se culpe pelos seus erros, evo-
lua com eles. Desliga o mundo e ouça seu coração. Às
vezes, ele também vai falhar, mas sentimentos aflorados
são assim mesmo.
Eu já não estava no luto, mas seguia sofrendo a
cada vez que eu me encontrava com ele. E nessas horas,
é claro, você não sabe como reagir. A primeira vez foi a
pior de todas.
Estávamos nos arrumando para mais uma festa e eu
sentia dentro de mim uma coisa horrível. Achei que talvez
fosse culpa do sapato que eu não estava acostumada a
usar. Éramos 3 amigas solteiras. Fomos apresentadas gra-
ças aos nossos ex-namorados. Não nos conhecíamos
muito bem, mas estávamos dispostas a tentar ser feliz. O
interfone tocou e meu porteiro anunciou:
— Duda, a Carol está subindo.

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Duda Riedel

Oi? A Carol namorava um dos amigos do Bernardo.


O que diabos ela veio fazer na minha casa? Suspeito. Po-
rém, eu precisava saber o que estava acontecendo. Abri
a porta e me deparei com ela em lágrimas com uma mo-
chila na mão.
— Carol, o que aconteceu? Clarisse pega uma
água pra ela — gritei para que ela ouvisse já que estava
no banheiro.
— O Rodrigo acabou comigo por mensagem.
Ai! Essa doeu. Se eu já achei péssimo a maneira que
o Bernardo acabou comigo, imagina se fosse por mensa-
gem. Gente, o que passa pela cabeça desses meninos?
Agora éramos 4 solteiras.
— Carol, a gente sabe exatamente o que você está
sentido — falei baixinho enquanto entregava um copo
de água para que ela se acalmasse
— Eu só não consigo entender como todos eles po-
dem terminar de uma vez... parece combinado — desa-
bafou.
Os olhos dela estavam vermelhos e nitidamente ela
estava abalada emocionalmente, aquela dor, minha
amiga, eu sabia exatamente como era
— Não viaja, não foi combinado — afirmou a Cla-
risse sentando-se no braço do sofá.
— Sabe, eu sei que você está mal, ninguém aqui
ainda está bem. Mas você vai ficar ótima um dia —

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Se valoriza, mulé!

respondi com a voz branda, mas, na verdade, eu tam-


bém estava tentando me confortar.
Saímos de casa e, ao chegar na festa, ficamos lá
fora nas barraquinhas bebendo uma cerveja. Naquele
momento, todos os amigos do Bernardo tinham acabado
o namoro e, a cada semana, meu grupo de amigas au-
mentava com mais alguma ex de algum amigo dele. Isso
foi tema de brigas e problemas sérios nos términos, por-
que todo mundo achava que era pra atingir e atacar,
mas na verdade o motivo era: 4 meninas na merda so-
frendo por homens.
— Mais uma dose de tequila que hoje eu quero ficar
uma geleia — berrou a Carol. Oh amiga, se recuperou
rapidinho, né?
— Hoje eu vou beber tanto, mas tanto, que eu vou
até esquecer que tenho ex – completei.
Bastou eu concluir a frase que vi meu ex em 3D na
minha frente, e a Bruna, coitada, pensou ter visto uma mi-
ragem:
— Eu tô muito louca ou são eles ali? — perguntou,
assustada.
— Ninguém conferiu na merda do evento se eles
não vinham? — murmurou a Clarisse.
Olhei o Bernardo de longe, ele me deu um sorriso e
esperava que eu fosse cumprimentar, mas é claro que eu
não iria fazer isso. Não porque sou mal-educada, e sim
porque eu ainda estava extremamente puta com o fim

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Duda Riedel

do nosso namoro. Apenas virei de costas e saí como se


nada tivesse acontecido.
Como eu disse para vocês, eu li todos os livros de
autoajuda que vocês possam imaginar e, em muitos de-
les, havia capítulos falando o quanto você deveria mos-
trar que estava bem e que era madura para encarar o
término. Um até sugeriu que você continuasse cumpri-
mentando seu ex com um sorrisão e perguntasse pelos
cachorros. Ora, ainda bem que o Bernardo não tinha ca-
chorro, porque eu ignorei totalmente esse conselho.
Achei, naquele momento, que aquela minha rea-
ção tivesse sido a mais sensata e até hoje acredito nisso.
Você não precisa fingir para o mundo que está tudo
bem. Sabe aquele tal de bons costumes? Cara, manda
ele ir à merda!
Essa palhaçada de cumprimentar o ex e achar que
“ok, vamos agir civilizadamente” não serve pra mim. E
sabe por quê? Porque eu tenho coração, eu amo, eu
sinto e eu choro. Naquele momento, se eu desse um mí-
sero “oi” sem poder dar um beijo na pessoa com quem
eu vivi um ano da minha vida, eu iria ser simpática com
ele, mas ser altamente maldosa comigo. Ser egoísta
nesse momento é fundamental.
É claro que ninguém fica bem após um término.
Você não precisa fazer um boneco de vodu do seu ex e
torcer para que ele se quebre, mas você também não
precisa ficar botando um sorrisão e fingindo de “olha

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Se valoriza, mulé!

como somos maduros, nos cumprimentamos e não temos


um coração machucado.”
Só que, obviamente, quando se termina um na-
moro, os policiais do relacionamento fazem questão de
se meter. Ouvi inúmeras vezes que eu era imatura, cri-
ança, infantil, afrontosa e até mesmo debochada. Ho-
nestamente, esqueceram do principal, acima de tudo
isso, eu era uma mulher ferida, de corpo e alma. Mas é
claro que isso ninguém vê.
Eu lembro perfeitamente do dia que o vi beijando
outra na minha frente e foi assustador. Era como se mil
canivetes entrassem no meu corpo e eu continuasse viva,
mas morrendo aos poucos. Eu vi a cena e continuei pa-
rada me forçando a olhar enquanto a Clarisse e a Carol
tentavam me impedir de continuar assistindo aquilo:
— Vamos amiga, você não pode ficar parada aqui
— a Clarisse berrava, mas eu estava tão concentrada
que não conseguia ouvir.
— Você quer ir pra casa? A gente vai agora mesmo.
Era como se meus pés tivessem sido grudados no
chão com super bonder, e a cena que eu assistia fosse
de um filme de terror daqueles que nos dão mais medo.
Eu piscava incansavelmente achando que era uma mi-
ragem, uma fantasia ou, quem sabe, uma espécie de fa-
lha de processamento da minha mente. Eu olhava, mas
sem conseguir acreditar no que eu estava vendo. Parei.
Congelei. Pensei em ligar a turbina e sair correndo dando

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Duda Riedel

uma voadora na cara dele. Não. Era melhor não. Respirei


fundo. Fechei os olhos. Abri novamente.
— Ele tá pegando uma ruiva? É sério isso? — Ainda
olhando a cena, falei em um tom quase que sussurrando
para que nem meu coração pudesse ouvir. — A única
ruiva que eu permito que ele fique é a Marina Ruy Bar-
bosa, e ela tá noiva — gritei enquanto virava um copo de
gin que roubei sei lá de quem.
Uma coisa muito importante que não tem nada a
ver com término: NUNCA, EM HIPÓTESE ALGUMA, BEBA
COPOS DE DESCONHECIDOS EM FESTAS. Eu bebi e, cinco
minutos depois, senti uma dormência na língua.
— Ai meu Deus, eu acho que vou enfartar — gritei
enquanto jogava a bebida no chão.
— O que é isso que você bebeu? — perguntou a
Clarisse já sabendo que ia dar problema.
— Drogaram ela, ela tá drogada. Certeza tinha al-
guma coisa ali.
— SOCORRO! Eu não tô pura, o que tinha nesse
copo? Eu vou morrer. E perdi o Bernardo de vista, pra
onde ele foi com a cópia da Ruy Barbosa?
— Amiga, calma, vamos no centro médico — disse
a Carol enquanto me segurava.
— Me solta!
Saí vagando no meio da festa como uma louca sem
entender nada que estava acontecendo quando me
bati no João:

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— Duda, tá tudo bem? Olha pra mim, tá tudo bem?


Quer que eu ligue pra Sofia?
— Eu tô muito louca ou eu tô vendo 3 de você?
— Bem, eu sou apenas um, mas se quiser ver 3 tá
valendo também — brincou ele — vamos, vou procurar
suas amigas...
Nem dei tempo para ele concluir e tasquei o maior
beijão. Daqueles de cinema mesmo, que vocês nem con-
seguem imaginar, e foi meu primeiro beijo de verdade
depois do término. Primeira vez em 6 meses que final-
mente senti vontade de beijar alguém e que – finalmente
- foi agradável. E por mais louco, inesperado e aleatório
que seja, foi maravilhoso, e eu te garanto que não foi por-
que eu estava – possivelmente – fora de mim.

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UM EMBUSTE SEMPRE PODE TER UMA BOA


FUNÇÃO

Queria te dizer que tá difícil sem você aqui, mas não dava mais pra
ficar do jeito que estava. Sinto saudades de você diariamente, mas
prefiro que você saia de perto enquanto há tempo. Dizem que ex
namorados deixam marcas irreparáveis na nossa alma, mas o que dói
mais são casos não resolvidos. Nós nunca namoramos, nunca
terminamos, você apenas sumiu e sequer disse adeus. Nosso amor foi
como um livro sem a última página, você não sabe como termina, só
deduz. Não sei como seríamos, nem tentamos descobrir... preferimos -
pelo nosso bem - não terminar de escrever esse romance. E aqui eu
fico me destruindo, tentando escrever uma história à dois sozinha. E,
ao tentar descobrir como seria esse final, eu vou queimando páginas e
mais páginas dela, pois só desse jeito eu consigo esquecer do nosso
amor mal acabado. Nosso amor é como um livro sem final...

Depois que o Bernardo arrebentou meu coração,


eu me privei de amar e demonstrar interesse pra quem
quer que fosse, era difícil falar eu te amo até mesmo para
os meus pais. Entrei em uma paranoia de que as pessoas
iriam me deixar a qualquer momento. Então, quando eu
sentia que estava me entregando, eu fugia. Eu quase na-
morei duas vezes depois que terminamos e em ambas eu
sentia que gostava do cara, mas afastava ele por com-
pleto de mim. Me tornei tudo aquilo que eu não era: fria,
desacreditada no amor, saia pras noites, ficava bêbada

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Duda Riedel

e pegava qualquer um, evitava primeiros encontros e –


por mais louco que pareça- eu evitava sexo. Pois eu sabia
que, se eu transasse, eu iria acabar me envolvendo.
Fugi de tantas pessoas legais por medo de amar,
fugi de tantos caras especiais por medo de me entregar.
Evitava quebrar a cara e ia tornando meu coração cada
vez mais frio, mas não por muito tempo.
Eu sempre digo que nem todos os embustes da vida
aparecem para o mal, alguns vêm para te fazer acreditar
novamente e sacudir um pouco sua vida. Esse foi o caso
do João.
Depois que ficamos a primeira vez, senti que ele ti-
nha sido o único - até então - que tinha mexido um
pouco comigo e eu precisava aproveitar essa faísca que
vinha de alguma parte do meu corpo. Acordei no dia se-
guinte com uma mensagem da Sofia me chamando
para almoçar e fui. Mesmo de ressaca e extremamente
cansada, eu precisava me manter em movimento para
não pensar na cena do meu ex beijando a ruivinha.
— Então, me conta como foi a noite? Beijou quantos
caras? — questionou ela enquanto lia o cardápio.
— É sobre isso mesmo que tenho que falar... Errr...
Aconteceu uma coisa meio louca, eu acho que beijei o
João.
— EU SEI — gritou ela com os olhos brilhando — Ele
me contou e eu já estou super shippando vocês dois.

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Se valoriza, mulé!

— O que???? — Como ela poderia saber se eu


mesma só soube hoje pela manhã depois de ler o grupo
do whatsapp. — Como você já ficou sabendo?
— Ele me mandou mensagem na mesma hora, sério,
já estou amando! Manda uma mensagem pra ele.
— Tá maluca? Pra quê? É o João — Fingi que ele
não era importante, mas poxa, foi bom demais.
— Para de ser mala, vai! — disse ela enquanto colo-
cava mais comida no meu prato — Ele é babaca, mas é
bom para distrair, e convenhamos, ele sabe beijar na
boca, melhor do que aquele último que te apresentei
que nem colocava língua.
De fato, antes do João, todos os beijos e encontros
que eu tive foram desastrosos. Não que eu lembre muito
do nosso beijo ou o que conversamos naquela noite, mas
de acordo com a Carol, nós grudamos e passamos a
festa inteira juntos.
— Certo, vou mandar uma mensagem. Uma foto
nossa, que tal? — seria uma ótima forma de conversar so-
bre algo, já que eu não tinha muito papo com ele.
— Perfeito! Escreve assim: “olha quem já sabe da no-
vidade”.
Enviei a mensagem e logo em seguida ele respon-
deu:

“Qual novidade? A que você fica comigo doidona e depois finge que
nada aconteceu?”

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Duda Riedel

— Aiiiii! Essa doeu até em mim — suspirou


— Ele é um otário, sempre te falei isso, não sei como
vocês são amigos.
— Ele é legal, só é meio surtadinho, mas juro, eu su-
per apoio.
Depois desse dia, fiquei com ele mais incansáveis
vezes, todas muito bêbada e desorientada. Ele era quase
que meu step de final de festa, sempre a postos quando
eu precisava, mas óbvio que uma hora ele ia cansar
disso, afinal, eu extrapolava os limites do bom senso.
Sempre que ficávamos, eu ia pra casa dele e fugia
de manhã cedo para não ter que acordar e tomar um
belíssimo café da manhã em família. Sim, eu estava com-
pletamente travada. Esse lance de dormir de conchinha,
sair para o cinema e jantar de casal estava simplesmente
fora do meu vocabulário. Não só por medo de me entre-
gar, mas principalmente por medo de que o Bernardo
descobrisse que eu estava me envolvendo com alguém.
O meu medo era que isso pudesse afastar ele de mim por
inteiro e cancelasse uma futura volta que existia apenas
na minha mente, mas nunca em plano real.
O João não era burro, pelo contrário. Ele é extrema-
mente inteligente e sabia bem como ditar as regras do
jogo. Eu me fazia de louca com ele, então ele tinha que
começar a deixar claro que não gostava das minhas ma-
luquices. Uma vez, após uma festa, ele me questionou se

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Se valoriza, mulé!

eu iria para a casa dele para fugir no meio da madru-


gada – mais uma vez - e é claro que eu iria, mas disse que
não.
— Sei que você vai, então vamos dormir na sua casa
— resmungou
— Oi? Claro que não vou. Podemos ir pra sua, é
muito mais perto. — Eu, de fato, já estava planejando mi-
nha fuga.
— Não, Duda. A gente vai pra sua, não vou te deixar
escapar.
Eu não sei se ele estava apenas carente naquele
dia, ou se ele percebeu que eu não me permitia sentir,
mas o fato é que foi graças a ele que tudo voltou a fluir
para mim. Era óbvio que eu já tinha aprendido a me
amar, era óbvio que eu já tinha começado a desapegar
do Bernardo, só que eu me prendia na ideia de que meu
namoro perfeito poderia em algum momento voltar.
Além do mais, eu me privava de sentir qualquer
coisa, como uma espécie de blindagem do amor: “já
que não posso ser feliz com ele, não vou ser com mais
ninguém”. E isso me impedia de viver, pois eu sempre me
poupava de me entregar. Fiquei mais de um ano as es-
condidas com o João. Por um lado, era bom, pois dava
uma certa adrenalina. Por outro, era péssimo, pois gerava
brigas.
Tudo que é feito escondido é gostoso, mas quando
descoberto pode trazer grandes problemas. Eu escondia

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Duda Riedel

o João do Bernardo por medo do que isso poderia cau-


sar, mas principalmente porque não gostaria que ele sen-
tisse na pele tudo que eu sentia ao ver ele ficando com
outras meninas. O primeiro fato que você precisa enten-
der sobre ex-namorados é que eles são egoístas. Não im-
porta se foi ele quem acabou, se foi ontem que vocês
terminaram ou se faz anos. Ex-amores sempre vão se sen-
tir no direito de cobrar, mesmo sem poder.
Cobranças não significam incômodos reais, provas
de amor ou ciúmes, cobranças são sinônimo de posses-
são. É como se ver o outro seguindo em frente te ator-
mentasse, e isso atormentou o Bernardo. Homem sempre
sente o cheiro de outro homem, meu bem.
Um dia estava em um pub com alguns amigos e o
João quando, de repente, o Bernardo surgiu no local. Era
nítido o incômodo dele ao me ver por lá, mas era ainda
mais nítido que o problema seria eu estar de casal. Tentei
driblar a situação e fingir que estava tudo na mais perfeita
ordem. Mas cá entre nós? Estava bem longe disso.
Lá para as 2 da manhã, recebi uma mensagem:
Bernardo diz:

Namoral, eu só tenho uma coisa pra te dizer: nunca mais venha


bancar a vítima. Eu gosto demais de você pra ver e aceitar isso. Boa
noite.

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Se valoriza, mulé!

Essa mensagem de cara não faz o menor sentido,


certo? Errado. Um homem com ego ferido não tem senti-
dos, minha amiga. Quando eles percebem que não são
os únicos, pode ter certeza, o mundo gira em um 360.
Olhei aquilo e preferi não responder, pois sabia que
isso iria criar uma briga generalizada. Mas esqueceram de
me avisar que o silêncio incomoda muito mais, e que, às
vezes, não dizer nada pode significar tudo.
Pisquei e vi ele vindo em minha direção.
— Olha só — começou querendo brigar
— “Olha só” nada. Não começa, eu já estou can-
sada da gente. — Dei as costas e ele me segurou pelo
braço.
— Espera. — Olhei para o meu pulso no qual ele se-
gurava com força e o encarei para que ele soltasse. —
Desculpa, não queria brigar.
— Mas já brigou. O que você quer, Bernardo?
— Você sabia que eu iria ficar incomodado e sequer
privou de ficar com ele na minha frente.
— Ué, agora eu tenho que me policiar? Você nunca
fez isso. E por que você ficou tão incomodado se não
gosta mais de mim?
— Você e essa sua mania de jogar na minha cara
que eu não gosto de você. Francamente, Duda, se eu
não gostasse você acha que estaria aqui discutindo?
— Eu acho que você não sabe o que quer. Primeiro,
acaba comigo do nada e agora aparece querendo criar

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Duda Riedel

uma cena de ciúmes? Chega, Bernardo! Já deu disso —


falei mais alto.
— Então você acha que está correta? — Levantou
a voz e nesse momento nossos amigos interviram.
— Pessoal, vamos acalmar os ânimos. Bernardo, sai
daqui. Fica na paz — disse o Lucas enquanto tirava o ciu-
mentinho de perto.
— Vaza, Bernardo. — Saí andando em direção ao
banheiro.
Vida, volte 3 casas que não entendo mais nada que
está acontecendo. É desumano ex-namorados cobra-
rem satisfações porque não conseguem ver o outro lado
bem. Irmã, deixa eu te contar uma coisa sobre o mundo
humano. As pessoas são egoístas.
Seu ex-namorado não quer te ver seguindo em
frente. Não porque ainda gosta de você, e sim porque
ele tem um sentimento de posse. Não carregue uma
culpa que não é sua. Não tem nada de errado você se
permitir em sentir novos amores. Agora, é muito errado da
parte dele querer que você estanque a vida esperando
ele tomar uma decisão. Responsabilidade afetiva é ter
empatia para não confundir sentimentos alheios. Não ba-
guncem o que vocês não podem arrumar.
Caí em prantos após aquela cena de filme de terror.
Nunca, em anos de namoro, o Bernardo levantou a voz
pra mim, como que depois do nosso fim ele teria essa co-
ragem? Enquanto me encaminhava para o mais longe

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Se valoriza, mulé!

daquele palco de horrores, o João me puxou querendo


me conter de mais uma crise de surtos pós-término.
— Ei ei, calma! Não vai sair assim. O que aconteceu
aqui? — enxugou minhas lagrimas.
— Sai, João. Se eu ficar perto de você, é capaz de
acontecer outra briga. Eu vou embora, eu estou triste de
verdade.
— Te ver triste me deixa triste. Eu vou com você. —
Segurou minha mão e deu aquele sorriso de canto de
boca que era único dele.
— Não, eu quero ficar só.
— É, mas eu não vou deixar você só. Vamos, a gente
vai comer e depois vamos lá pra casa.
— Eu não estou no clima, João. Só quero ficar na
minha e esquecer que o Bernardo existe.
— Duda, você precisa de uma vez por todas cortar
esse cordão umbilical que vocês têm. — Puxou uma ca-
deira e me fez sentar. — Eu falo isso pro seu bem. Sei que
temos esse lance esquisito e mal resolvido, mas eu me
preocupo com você. — Ele me olhou com um olhar de
tanta pena que me desestabilizou por inteira e a lágrima
que já tinha secado voltou a molhar minhas bochechas
— O que aconteceu aqui não é normal. Vocês já acaba-
ram tem quase 1 ano e ainda se cobram como se namo-
rassem. Isso não é bom. Você tem que acabar com esse
capítulo da vida de vocês.

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Fui para a casa do João, dormimos juntos nesse dia


e em outros vários, ele realmente não queria nada sério
e, apesar de várias vezes ele ser um completo embuste,
outras ele era um ótimo amigo e conselheiro, e essa mis-
tura e explosão de sentimentos que ele me dava era es-
sencial para que eu voltasse a sentir algo por alguém. De
nada adiantava eu ter colado as peças quebradas do
meu coração se eu tinha colocado ele no congelador.
Eu virei um completo iceberg pós término.
A gente sempre acha que sentir de menos é melhor
que sentir de mais. Esse coração de gelo aqui era muito
aquecido e apaixonado. Me tornei tão fria durante
aquele término que, vez ou outra, me pegava conge-
lando dentro do meu próprio coração. Sentimento ruim
esse de “não acreditar mais”, “ser desapegada”, “não
demonstrar interesse”, é horrível, é cruel.
Se eu pudesse, eu pegaria no braço de quem me
deixou assim e falaria: OLHA SÓ, VOCÊ NÃO TINHA ESSE
DIREITO. E seria em capslock mesmo, porque eu iria gritar.
Pois bem, eu deveria falar isso na frente do espelho por-
que a única culpada era eu. Eu não poderia responsabi-
lizar meu ex-namorado por ter congelado meu coração
e ter me deixado quase uma Elsa de Frozen. Eu precisava
assumir isso. Afinal, era eu que não queria mais acreditar
em ninguém por conta de outro alguém que me decep-
cionou. Fato é que eu precisava curar esse meu medo de
amar. A verdade é que talvez seja melhor sentir muito a

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não sentir nada. Antes apaixonada do que desacredi-


tada.
Eu precisava me entregar, mesmo que fosse pra
quebrar a cara de novo e reaprender a colar essas pe-
ças. Porque o amor é um ciclo contínuo, um dia você se
quebra para mais na frente você se colar. A linha dos ba-
timentos cardíacos é a nossa vida e ela precisa ter altos
e baixos. Se eu ficasse me impedindo de sentir, eu iria su-
cumbir e enlouquecer. Eu precisava, de alguma forma,
amar novamente.
Comecei a sair com o João, mesmo sendo total-
mente apaixonada pelo Bernardo. Não acredito que
essa foi a minha decisão mais madura na vida. Talvez eu
tenha falhado, mas não estou aqui para me julgar.
Algumas vezes, eu cometia a besteira de falar horas
dele enquanto via o João revirando o olho, fingindo não
se importar. Era uma espécie de amizade colorida, mas
vez ou outra, eu sentia ciúmes quando o via com alguém,
ou quando ele desmarcava comigo em cima da hora.
Ele também, de alguma forma, começou a sentir
algo por mim. Tínhamos uma relação de cão e gato.
Quando eu vacilava, ele era otário, quando ele pisava
na bola, eu maltratava. Raramente estávamos de bem
um com o outro. Ele tinha problemas em acreditar em
mim e eu tinha graves problemas em acreditar no que
qualquer um falava.

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Ainda que a gente se estressasse, sempre sabíamos


que quando tudo estava bem, nós aproveitávamos. Eu
estava começando a gostar dele, mas preferia omitir esse
sentimento para ele, não só por medo de quebrar a cara
mais uma vez, mas –principalmente – por medo de de-
monstrar e ele sumir de repente, assim como o Bernardo.
Porque é tão difícil assumirmos que gostamos de al-
guém? Faltava coragem na nossa relação, e pra falar a
verdade, falta coragem no mundo quando se trata de
falar de amor. Temos um grave problema em nossa soci-
edade que consiste em: esconder sentimentos. E essa é a
maior burrice que podemos cometer. Sempre achamos
que é mais fácil negar para o outro o que passa dentro
de nós do que assumirmos o que, de fato, sentimos. O mo-
tivo chega a ser estúpido: quando demonstramos que es-
tamos muito entregues, o outro começa a fazer você so-
frer.
“Pisa que ele gruda, gruda que ele pisa”. Isso é um
ditado popular que rege muitos dos relacionamentos de
hoje. Gostaria de dar um tapa na cara de quem inventou
isso. Oh mané, somos seres humanos e não chicletes.
Por isso, demonstrações públicas de afeto se torna-
ram cada vez mais raras. Amor deixou de ser um senti-
mento e se tornou um jogo de tabuleiro. É como se as
pessoas tivessem perdido o senso crítico. De onde tiveram
a ideia de que magoar alguém pode ser um bom negó-
cio? Iludir pode ser engraçado?

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Se valoriza, mulé!

Eu e João somos a prova viva disso. Nunca falamos


sobre sentimento e, em todas as brigas e discussões que
tínhamos, fazíamos questão de enfatizar e jogar na cara
um do outro que: “ei, a gente só fica de vez em quando,
sem necessidade de ter DR”. Mas o fato é que se a gente
brigava tanto é porque nos importávamos um com o ou-
tro. A outra face do amor é o ódio, e brigas nada mais
são do que troca de afeto.
Em uma das poucas vezes que estávamos em uma
fase boa, eu pensei que finalmente iriamos engatar em
algo. Eu já não lembrava mais tanto do Bernardo, nem
falava dele para o João. Comecei a aceitar os convites
para fazer programas como jantar, ir ao cinema e cami-
nhar pela praia.
Eu tinha algumas regras dentro de mim para que eu
não me envolvesse e fosse uma tremenda trouxa de
novo.

1. Jamais andar de mãos dadas; isso é coisa de casal.


2. Nunca demonstrar ciúme; ele pode perceber que
você se apaixonou
3. Dormir junto, só após festa; e de conchinha
nunquinha

Aos poucos, ele ia quebrando cada uma dessas re-


gras sem eu perceber e foi amaciando mais no quesito
embustilidade.

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— Você ficou linda com esse cabelo novo — disse


enquanto me entregava uma casquinha de sorvete
— Obrigada, estava precisando mesmo mudar al-
guma coisa na minha vida por vontade própria. — Entre-
guei o dinheiro e ele fez um gesto de que não iria aceitar.
— É, você tem mudado bastante. Não foge mais da
minha casa de madrugada — falou rindo, mas clara-
mente incomodado
Realmente, o que eu tinha na cabeça? Fugir da
casa do menino na madrugada e sequer mandar men-
sagem. Se ele fizesse isso comigo, eu acho que nunca
mais olharia na cara dele, mas estávamos em um mo-
mento tão zen que seria melhor aproveitar e pedir descul-
pas
— Só aconteceu uma vez — Jura, Duda? Você não
disse que iria pedir desculpas — talvez duas...
— Aconteceram várias, sua sínica — completou
rindo e sujando meu nariz com sorvete.
Eu detestava quando ele me chamava de sínica
porque esse era o defeito que eu mais abominava em
qualquer ser humano. Mas talvez eu estivesse tão apaixo-
nada que esse pseudo apelido fosse considerado fofinho.
— Tudo bem, aconteceram várias vezes. Desculpa,
prometo não fugir hoje.
— Ué, você está bêbada? — questionou, espan-
tado

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— Como assim, você acha que entrei pro AA? São


duas horas da tarde de um domingo.
— Incrível mesmo, você indo pra minha casa sem
estar bêbada em pleno domingo e tomando uma cas-
quinha de frente pro mar. Tempos modernos.
Rimos bastante disso, porque realmente era uma vi-
tória na minha vida eu estar finalmente cedendo aos en-
cantos de alguém.
— Eu gosto dessa nossa amizade colorida — comen-
tei enquanto olhava pro mar, pois seria demais olhar para
ele.
— E se eu não quisesse mais que a gente fosse só
isso? — Uma longa pausa acompanhou essa frase. — E se
eu quisesse que a gente namorasse?
MEU DEUS DO CÉU!!!! Eu estava sendo pedida em
namoro ao vivo? Socorro, me abençoa, jesus. Fica chato
fingir demência?
— Você é muito bobo — falei claramente envergo-
nhada.
— Você não namoraria comigo? Não sou padrão
Bernardo?
— Não, você é muito melhor — disse olhando nos
olhos dele
Não sei de onde isso saiu, não sei porque falei isso,
eu sequer sei de onde veio a coragem pra falar. Só sei
que eu falei e logo em seguida nos beijamos, pela pri-
meira vez, o beijo foi diferente, parecia mais lento,

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apaixonado e verdadeiro. Finalmente parecia que a


gente estava abaixando a guarda.

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RECAÍDAS SÃO CILADAS, NÃO CAIA NELAS

Honestamente eu sabia que eu não poderia ficar mais com você. Não
só porque eu tinha certeza que essas ficadas não me levariam a nada,
mas sim porque elas me atormentavam. Não era apenas uma recaída,
era um soco no estômago e um choque de realidade. Eu sei, nós não
vamos mais voltar. Isso eu já entendi. Eu só não consigo entender
como e por que você ainda mexe tanto comigo. Olha, eu não penso
mais em você faz alguns anos. Meu coração não palpita mais quando
te encontro. E nem muito menos você é o primeiro da lista telefônica
quando eu fico bêbada e carente. Mas basta um beijo para eu lembrar
de tudo, ou quase tudo. Sempre que temos esses flashbacks é como se
um baú se abrisse e o sentimento voltasse por inteiro. Eu mexo
naquele sentimento que tranquei a 7 chaves e insisto em não lembrar.
Só que a adrenalina faz com que eu me recorde de tudo de uma
maneira mais leve. O problema das recaídas é que elas não te fazem
lembrar o porquê você se foi, elas te fazem lembrar o porquê era tão
bom. E aí, no outro dia, eu tranco novamente aquele amor que eu
sempre deixo guardado e prometo: “não vou mais deixar isso
acontecer”. Até um dia que te encontro, você sorri amarelo, eu beijo
seu pescoço e fugimos mais uma vez jurando ser a última vez.

Evitei o Bernardo por meses. Depois da briga fatídica


que tivemos no bar, cortei qualquer tipo de relação com
ele. Cada vez que nos encontrávamos, não conseguía-
mos nos falar. Às vezes, ele tentava ser simpático e respei-
tar meu espaço dando um sorrisinho de longe e eu retri-
buía com outro mais falso que comercial de pasta de

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dente. Na verdade, isso era uma ótima tática, pois


quanto mais longe seu ex está de você, mais intacta e
livre de cometer besteiras você fica.
Mas é claro que encontrar meu ex-namorado em
toda festa que eu ia estava me matando, ainda mais sem
poder falar com ele. Minha vontade mesmo era estipular
um contrato:

1. Ele não deveria ir nos mesmos eventos que eu


2. Se me visse, jamais deveria ficar alguém na minha
frente
3. Se ele quisesse muito ir no mesmo local que eu, deve-
ríamos estabelecer um tratado de Tordesilhas. O lado A
seria meu e o B seria dele.

Obviamente, isso não iria acontecer e estava mais


do que na hora de lidarmos com esse impasse de forma
adulta e madura. E foi aí que eu caí na primeira cilada do
término: procurar motivos para falar/brigar com o ex.
Existem três tipos de pessoa quando se termina um
namoro: as que querem voltar, as que querem seguir em
frente e as que não sabem o que querem. É claro que,
por mais que eu parecesse a que estava disposta a seguir
em frente, dentro de mim, a vontade de voltar era
enorme.
Sempre em encontros com as minhas amigas, al-
guma delas fazia a estúpida pergunta:

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Duda Riedel

— Se o Bê pede pra voltar agora com você, você


volta ou não?
É claro que minha resposta era:
— Obvio que não, quero mais é que ele se exploda,
livramento de Deus.
Mas eu sabia bem que não era nada disso. É natural
que queiramos pagar de “estamos bem e vamos supe-
rar”. Existem pesquisas que falam que, quanto mais você
repete algo, mais você acredita naquilo. Depois que eu li
a respeito disso, a minha terapia diária era falar o quanto
eu estava melhor sem meu ex, como eu estava mais rea-
lizada, feliz e diferente.
Acho que foi por isso que tantas pessoas acharam
que eu fosse indiferente ao término, pois eu não demons-
trava um sinal de possível volta. Eu apenas repetia diaria-
mente o quanto eu tinha raiva dele, o quanto ele era cal-
culista por ter terminado comigo antes das férias de in-
verno e o quanto era egoísta por brigar comigo quando
me via com alguém. Claro que inúmeros amigos do Ber-
nardo repetiam, até mesmo na minha cara, que eu era
louca para voltar com ele e foi em uma dessas que eu
me dei mal.
Era nítido observar que o Bernardo tinha tomado
uma decisão de maneira impulsiva, mas nem sempre de-
cisões imediatistas são erradas. Na verdade, nunca uma
decisão é certa ou errada, na maioria das vezes, ela é
apenas o que você quer naquele momento, e a dele era

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ser solteiro. Isso não significava que ele nunca tinha gos-
tado de mim ou até mesmo que não gostasse, mas, na-
quele momento, ele não queria namorar.
Diante do término, por muitas vezes eu pensei em
falar com ele para tentar configurar na minha mente o
que estava acontecendo, mas meu orgulho não permi-
tiu. Só que, um dia, eu estava em um churrasco quando
um amigo dele veio puxar papo comigo. Naquele mo-
mento, eu já estava de saco cheio de ficar em um ambi-
ente com tantas pessoas que me lembravam a gente e
qualquer “a” que alguém falasse em nome do meu ex
era o aval para as lágrimas caírem. Obviamente que o
Lucas não soltou apenas um “a”, ele soltou o alfabeto in-
teiro em todos os idiomas.
É natural que algumas pessoas torçam pela volta do
casal, outros até queiram ajudar nesse momento difícil,
mas a partir do momento que você leva e traz informa-
ções você tem que tomar bastante cuidado, pois, como
eu disse, ninguém sabe exatamente como o outro reage.
E o Bernardo sempre foi a maior de todas as incógnitas.
Nessa conversa, o Lucas falou que o Bernardo ainda
gostava de mim. Dãããã!!!!! Isso qualquer um sabia, mas
é claro que eu, naquela altura, achava que ele nunca
tinha gostado de mim, então recebi essa notícia como
um gol de final de mundial.
Ele também repetiu umas trezentas vezes como o
meu ex-namorado estava chocado com meu comporta-
mento, pois eu nunca fui de sair e agora estava me

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divertindo e postando coisas pra atingi-lo. Ha-ha-ha! Fui


pega! Nossa, mas eu super achava que estava sendo sutil
nas postagens e que elas não pareciam tão diretas assim.
— Você nunca foi disso, Duda. Sempre foi mais na
sua e agora anda em todos os bailes que vamos.
— Peraí, você acha que estou indo pra perseguir o
Bernardo?
— Não, claro que não! — riu nervoso
— Eu também tenho direito de sair e me divertir. —
Ah, pronto, agora tudo gira em torno de macho.
— Ao lado do João? Sabe, te confesso que ele não
gostou. Ele não entrou em detalhes, mas pô, logo o João?
O Bê ficou roxo de ciúmes.
Conversei com o Lucas por longos 40 minutos, chorei
feito bebê e disse o quanto eu ainda era louca e aluci-
nada pelo Bernardo. Por que diabos eu disse isso? Como
eu poderia ser tão burra? Não sei, mas a dica aqui é:
NUNCA, EM HIPÓTESE ALGUMA, SE ABRA COM ALGUM
AMIGO DO SEU EX.
Eu negava até a morte para as minhas amigas que
gostava dele, mas bastou um amigo em comum soltar 3
palavras para eu começar a ter planos de possíveis voltas
dentro da minha mente. E essa foi a maior burrice que eu
cometi.
O fato de ter ouvido de um amigo do meu ex que
ele sentia ciúmes e ainda gostava de mim mexeu muito
comigo. Mas, por mais que você goste de alguém, isso

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não significa que você queira estar com ela, e eu sabia


disso, ou pelo menos deveria saber. Meus outros dois tér-
minos nunca foram por falta de amor e sim porque não
tinha futuro, então por que raios eu não conseguia enten-
der que, SIM, meu ex ainda gostava de mim, mas, NÃO,
ele não estava disposto a voltar.
Bastaram 3 palavras do amigo dele ecoarem na mi-
nha mente para o meu orgulho e dignidade irem todos
para o ralo. Naquele momento, nada que alguém falasse
me faria mudar de ideia que eu precisava urgentemente
falar com meu ex.
No dia seguinte, acordei decidida a reconquistar o
Bernardo. Levantei, tomei uma ducha e tratei logo de li-
gar pro meu terapeuta. Coitado do Fabinho, imagina só
receber ligação de paciente as 10h da manhã de um do-
mingo.
Expliquei toda a situação para ele e perguntei se ele
achava que eu deveria falar com o Bernardo. Sincera-
mente, adoro meu terapeuta, mas eu já estava decidida
e ele sabia disso, portanto, ele apenas me preparou para
encarar os fatos.
— Fabinho, acho que agora vai, hein! Vamos voltar.
O Lucas, que é amigo do Bernardo desde o maternal,
disse que ele ainda gostava de mim, acho que se eu con-
versar com ele temos chance de nos resolver.
— É... bem... Duda, já falamos sobre isso, talvez não
seja uma boa ideia, mas se seu coração pede por isso...

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Duda Riedel

Realmente era uma péssima ideia por que:


Eu já tinha passado da fase do luto e ao levar outro
fora eu iria retomar ao estágio zero.

1. Não foi o Bernardo que disse que ainda gostava de


mim, foi o amigo dele. Então por que eu deveria iniciar
uma conversa com base em outra?
2. Eu sabia que o surto dele pelo João não foi ciúmes.
Foi posse.
3. Cara, ele não ia voltar, ou seja, tudo isso seria em vão.

Só que eu sabia disso tudo, mas eu precisava de


uma desculpa para conversar com ele, quem sabe até
mesmo brigar para ter um assunto e entrar nessa questão,
então usei a segunda informação que eu tinha nas man-
gas.
— Fabinho, o amigo dele disse que o Bernardo está
chateado comigo porque eu estou com o João e tam-
bém porque posto coisas sem noção. Eu jamais faria isso
pra atingi-lo...
— Bem, então acho que vocês devem conversar
sim...
Era tudo que eu precisava, alguém para batizar mi-
nha vontade louca de passar vergonha.
Conversas com ex-namorados nunca são tarefas fá-
ceis. Na maioria das vezes, você sente vontade de citar
todos os erros e falhas cometidas desde o dia um. Ainda

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Se valoriza, mulé!

se torna mais difícil quando a conversa deixa de ser uma


conversa e se transforma em um debate competitivo de
onde só irá sair um vencedor.
Claro que conversamos muito e durante horas, mas,
como previsto, nada adiantou, pois ele não queria voltar
e as coisas não ficaram claras na minha mente. Ele co-
brava posições minhas, tirava satisfações, discutia, mas
não queria voltar. O “segundo” término foi tão ruim ou
pior do que o primeiro. E ainda causou problemas que me
atormentaram mais pra frente.
Apesar de ter tomado outro pé na bunda, achamos
que seria moderno e interessante mantermos uma ami-
zade. Portanto, estipulamos que iriamos parar com essa
bobagem de fingir que não nos conhecíamos. Afinal, na-
moramos por muito tempo e seria bem saudável termos
uma relação amigável, certo? Errado.
Esqueceram que relação saudável só existe depois
que não existe mais amor, do contrário, isso é apenas ga-
tilho para flashbaks. Se eu estava perdida, o Bernardo
também estava. E quando dois perdidos se encontram
com álcool no sangue, o resultado é previsível. Por mais
que ele insistisse que não queria voltar, ficamos algumas
vezes e isso me arruinou.
A pior de todas foi sem dúvidas 1 ano e 6 meses de-
pois do nosso término. Sim, você não entendeu errado.
Mesmo com tantos altos e baixos, ele ainda mexia muito
comigo. As recaídas são ciladas porque eles sempre te

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Duda Riedel

levam para o mesmo lugar: à estaca zero. É como se


você regredisse na escala e voltasse a ficar na mesmice.
Eu estava em uma festa com todos os meus amigos
e tinha combinado de encontrar o João quando che-
gasse. Logo que entrei, o Bernardo me puxou para con-
versar e me deu o maior beijão. Passei exata meia hora
na festa e fomos de lá direto para casa dele.
Transamos, fomos para a cozinha fazer misto
quente, dormimos de conchinha e acordei no dia se-
guinte as 9 da manhã com ele falando:
— Você precisa ir embora, minha mãe tá em casa –
suspirou baixinho enquanto me entregava minha bolsa.
— Você tá falando sério? Eu pensei que...
— Olha, desculpa. Eu errei. Bebi demais, eu não de-
via ter feito isso.
— Você fica com sua ex-namorada, leva ela pra sua
casa, acorda às 9 expulsando ela e pede desculpas? Ber-
nardo, quando foi que você virou esse embuste?
— Não é bem assim, Duda — explicou falando
ainda mais baixo para não acordar ninguém da casa – É
só que pega mal minha mãe te ver aqui.
— Pega mal por quê? — Aumentei o tom para ele
perceber que eu não tinha medo.
— Não dá certo a gente voltar, eu gosto muito de
você, mas, olha... Você quer que eu pague seu uber?
Minha vontade era acordar a casa inteira e chamar
a Cristina Rocha para esses casos de família, mas me

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contentei em chamar um táxi e me vestir enquanto an-


dava para a porta.
— Me desculpa, juro não foi minha intenção.
— O que me deixa mais triste não é ter dormido com
você, é ter sido enganada. Você insiste em me desesta-
bilizar. Vê que eu estou bem e seguindo minha vida e dá
um jeito de confundir os meus sentimentos. Você não se
preocupa com o que eu sinto, pois preferiu se satisfazer a
me ver sofrer. Porque você sabe que isso não me faz bem.
Honestamente, Bernardo...Vai se fuder.
É muito egoísmo você se aproveitar de um senti-
mento puro e genuíno. É muito egoísmo você colocar
suas vontades acima da dor do outro. E foi isso que acon-
teceu. Não é honesto diminuir sentimento, por isso não é
bom sentir recaídas. Pois elas são as culpadas por desgas-
tar a boa lembrança que alguns ex-casais tinham.
Quando você começa a cair em tentação pen-
sando que “é apenas pra matar as saudades”, o que
acontece é que você vai se desapontando com o rela-
cionamento que tinha antes. Ele fica mais raso, menos in-
teressante, mais carne e menos alma.
Sexo é bom, mas fazer amor é incrível. Sexo é arre-
pio, é carne suada, tesão exacerbado, puxada de ca-
belo, tapa na bunda e relação descompromissada. Amor
é troca de olhar, encontro de alma, pele arrepiada e sen-
timento enraizado. Fazer sexo é maravilhoso quando não
se tem amor, fazer amor é perfeito quando existe entre

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Duda Riedel

ambos. Quando se faz amor com quem só queria sexo, a


dose de arrependimento vem na certa. Por isso, ao en-
contrar seu parceiro para uma noite à dois, pergunte se
ele veio para apenas acordar ou para ficar.
Minutos depois que saí da casa do Bernardo, recebi
uma mensagem do João. BURRA BURRA BURRA! Você ti-
nha combinado de encontrar ele e simplesmente desa-
parece com seu ex no meio da noite.

“Seu cinismo me impressiona”

A mim também, querido João. A mim também.

“Precisamos conversar, posso ir aí?”

Respondi já sabendo que a resposta seria não, mas


fui mesmo assim.
Fui pro João com a certeza de que iríamos discutir,
mesmo não tendo nada sério, eu sabia que tinha vaci-
lado e que, mais uma vez, abri mão de ficar com meus
amigos, com um cara legal e em um ambiente agradá-
vel por conta do Bernardo.
Eu já sabia que precisava reconquistar meu amor
próprio, eu sabia que durante o namoro eu era uma total
dependente dele, eu sabia que deixava de fazer minhas
coisas quando ele aparecia. Na teoria, eu sabia de tudo,
na prática também. O único problema é que eu era

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Se valoriza, mulé!

insegura demais, e sempre preferia fazer a prova de se-


gunda chamada, a ter que enfrentar o fato de acertar a
resposta logo de cara. Eu precisava esquecê-lo de uma
vez por todas.
— Oi, desculpa por ontem, eu sei que...
— Você acha normal as coisas que você faz? Per-
gunto na boa, Duda — falou olhando para minha roupa
e notando que eu não tinha dormido em casa.
Olha, seria minha segunda DR do dia e eu ainda es-
tava meio bêbada. Estava claramente me concen-
trando para não vomitar no quarto dele e torcendo para
que não tivesse nenhuma menina ali dentro. Afinal, seria
doloroso demais dois foras em menos de três horas.
— Me desculpa, eu realmente achei que você não
quisesse me ver, por isso fui embora... — Entrei e percebi
que UFAAA, ele estava sozinho.
— Foi embora? Sério? Pra onde você foi? Você é
muito mensageira do caos. Vive me mandando mensa-
gem quando fica carente e depois finge que nada acon-
teceu.
— Cara, você acha que eu tô legal com isso tudo?
— Não sei, me diga você, já que acha tranquilo fa-
zer papel de sonsa.
— Você não tem o direito de falar assim comigo.
— E você se acha no direito de me tratar feito step?
Pra quando seu ex não te quer? Sabe qual seu

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Duda Riedel

problema? — Bem, eu sabia, mas não queria ver ninguém


jogando na minha cara.
— Me poupe, João. Tô indo.
— Seu problema é não aceitar que seu conto de fa-
das acabou. Que o seu namoro perfeitinho, com família
perfeita, namorado perfeito e amigos perfeitos não existe
e nunca existiu. E por isso você fica nessa de insistir em
algo que não vai mais pra frente e prefere ficar evitando
sentir qualquer coisa por alguém. Porque tem medo de
se envolver e quebrar a cara de novo. Tem medo de se
envolver e não ser tão maravilhoso quanto foi com o Ber-
nardo, mas se fosse tão perfeito assim, vocês ainda esta-
riam juntos e você não estaria plantada na minha casa,
com a roupa de ontem e arrependida.
Verdades duras demais para engolir. Isso me que-
brou por inteira. Ele estava completamente certo. Eu ti-
nha superado, mas eu não tinha encarado os fatos de
que agora seria eu e apenas eu. Não existia mais eu e
Bernardo há mais de 1 ano, e mesmo superada e sem
querer mais voltar com ele eu insistia em idealizar nosso
namoro porque tinha medo de ficar sozinha.

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Se valoriza, mulé!

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Duda Riedel

SE VALORIZA, MULÉ

No dia em que você saiu, eu fiquei tão despedaçada que achei por um
momento que deveria jogar os cacos foras e desaparecer junto com isso
que restou. “Fica!” eu gritava enquanto te olhava sair pela porta. Você
não ficou. Enfim, algumas noites estive em claro esperando uma
resposta ou uma razão para você ter partido. Fiquei imaginando como
seria nossa volta, como seria quando você percebesse que: “ei, eu sou a
mulher da sua vida... não acredito que você vai me deixar escapar”.
Você não deixou. Foi você quem escapou antes, e sequer esperou que
eu pudesse te superar. “Ele não vai voltar” eu repetia baixinho no
chão do quarto enquanto ouvia mais uma música da Dua Lipa na
intenção de esquecer. Você soube me amar e eu apenas sabia me odiar.
Me atormentei na ideia de que não era o bastante pra você. Mas como
eu não poderia ser? Eu te ensinei a me amar, mas nunca me amei. Me
achava pouco e não enxergava a mulher linda, inteligente e cheia de
força que eu sou. Me diminuí no nosso término. E aí, um dia, eu
relembrei que eu era tudo isso antes de te conhecer, e eu ia continuar
mesmo depois de te perder. Eu não te perdi, eu me achei. E foi aí que
eu notei que finalmente eu te superei.

Cheguei em casa, coloquei uma música do sorriso


maroto e fiquei sofrendo como se tivesse acabado um
namoro pela primeira vez. Sempre que levamos um pé na
bunda é como se fosse algo novo, que nem o primeiro
porre ou a primeira ressaca. A sensação é de que você

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Se valoriza, mulé!

já sabe exatamente como é a dor, mas não consegue


cessá-la.
Eu não sabia exatamente pelo que eu estava cho-
rando, nem por quem, mas uma coisa era certa: eu pre-
cisava mudar isso. Esquecer meu ex nunca pareceu uma
tarefa tão árdua. Era como se, toda vez que eu achasse
que “ok, estou pronta pra superá-lo”, uma força mágica
do universo, ou quem sabe um anjo do mal, falasse:
— Não vai superar coisa nenhuma, sofre mais um
pouquinho aí.
Eu já tinha tentado de todas as maneiras possíveis:
Viagem com as amigas? Sim! Dois meses em um lu-
gar diferente sem contato nenhum com o falecido? Sim!
Ir para todas as festas da cidade e beijar todas as bocas
possíveis? Sim! Me apaixonar pelo melhor amigo da mi-
nha melhor amiga e tentar viver um novo amor? Sim!
Eu já tinha tentado de tudo, como seria possível
ainda não esquecê-lo? Bem, essa reposta é muito fácil
pra quem olha de fora, mas praticamente imperceptível
pra quem está dentro: você precisa se amar.
Fomos tão condicionadas a acreditar que precisa-
mos de alguém para ser feliz que esquecemos que temos
a nós mesmos. Nosso amor próprio é nosso maior templo
e só se amando por completo conseguimos amar outro
alguém.
A tal da metade da laranja não existe, talvez al-
guém tenha espremido tanto ela que só sobrou o

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Duda Riedel

bagaço. E era ele que formava todos meus relaciona-


mentos amorosos. Porque, cá entre nós: se somos inteiros,
por que precisamos da metade de alguém?
A gente não precisa de ninguém para completar, a
gente precisa de alguém que nos transborde e só assim o
amor dará certo. Se não conseguimos dar 100% do nosso
amor nem para nós mesmos, como ousamos tirar alguma
porcentagem para alguém?
É como um carro que só anda na reserva, se a ga-
solina acabar, você fica no prego! E era exatamente as-
sim que eu estava. Parada, isolada e esperando um guin-
cho me buscar.
Eu procurava incansavelmente alguém para me ti-
rar do total prego que se encontrava minha vida amo-
rosa, como artifícios para que eu me sentisse melhor. Mas,
novamente – assim como em um carro – se você não re-
abastecer, você vai ser apenas um carro parado.
Então foi a partir deste momento que eu percebi
que era muito menos sobre o mundo exterior e muito mais
sobre o meu eu interno. Eu precisava me descobrir, me
apaixonar, me identificar. Pois só assim eu poderia final-
mente suprir aquilo que não existia em mim. Meu amor
por mim mesma.
Mas quando alguém vira e fala “você precisa re-
conquistar seu amor próprio!” você faz o que? Por onde
começar? Por onde agir? Bem, o começo é uma das fa-
ses mais difíceis. Afinal, era um total desconhecido. Eu e

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Se valoriza, mulé!

apenas eu. Eu na minha completa solitude. Eu. Era assus-


tador, devastador aterrorizante. Ficar sozinha é mais difí-
cil do que você imagina.
Meu primeiro passo foi entender que aquilo era para
o meu bem e que eu precisava de uma vez por todas ser
honesta comigo mesma. Tirar a culpa do fim de um rela-
cionamento que já tinha terminado há um ano, parar de
correr atrás de qualquer cara quando eu me sentisse ca-
rente e entender, de uma vez por todas, que me julgar
não iria me ajudar.
Como em jogo de videogame, o que eu precisava
fazer era entender que eu só poderia conquistar o prêmio
final se eu passasse por cada fase sem pular. Vivendo e
aprendendo os macetes de cada uma. Poderia demorar
o tempo que fosse para eu ganhar o troféu, o importante
era não trapacear e tentar de uma vez por todas enten-
der a lógica do jogo. Cada fase ficaria mais difícil, mas
independente disso, eu estaria mais forte e treinada.

FASE 1: Você precisa descobrir sua identidade.

Vaguei sozinha pela rua. Algumas vezes sem rumo e


sem objetivo, apenas com o intuito de alimentar minha
mente com pensamentos meus e unicamente meus. A
cada vez que meu ex surgia na minha memória, rapida-
mente eu mudava a direção e trocava o foco. No co-
meço, parecia difícil, até mesmo impossível. Um dos

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principais motivos foi por eu sempre ir ouvindo músicas


que me remetiam a nós dois. Ou se não me lembrava ele,
me lembrava do nosso término.
Então decidi de uma vez por todas: chega de sofrên-
cia aqui. Embora eu ame Marília Mendonça - e elas te-
nham sido a trilha sonora de boa parte das minhas noites
chorosas - eu precisava urgentemente trocar o disco. Co-
mecei então por aí:

O que eu gostava de ouvir?

Parece um pouco estranho imaginar que até alguns


meses atrás eu não sabia o que eu gostava. Eu pulei tanto
de um relacionamento para outro que minha identidade
era baseada em quem eu namorava. Se foi um forrozeiro,
eu seria a maior fã de Wesley Safadão, se era sertanejo,
eu sabia cantar todo o festival do Villa Mix, se era eletrô-
nica, eu virava a própria DJ. Mas, e fora do relaciona-
mento: o que eu gostava?
Isso não era nem apenas em gosto musical, mas tudo
em geral. Eu não me conhecia e me conhecer me dava
um certo medo e estranheza. Era como se eu tivesse vi-
vido mais de 20 anos com uma completa e total desco-
nhecida. Portanto, eu precisava me apresentar a essa
pessoa, a essa folha em branco, e começar a construir o
que eu iria me tornar. Ou talvez o que já era e não sabia.

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Se valoriza, mulé!

Portanto, faça algumas perguntas a você mesmo


neste momento, como em uma entrevista de emprego,
sendo que ao seu lado existe um detector de mentiras:

1. Quem é você?
2. Qual sua comida preferida?
3. Qual seu maior medo?
4. Qual sua maior qualidade?
5. Qual seu pior defeito?
6. O que te assusta?
7. O que te impulsa?
8. O que tem costume de fazer quando está só?
9. O que é amor?
10. O que é se amar?

O que é se amar? Muito se fala hoje sobre se aceitar,


mas se aceitar não é concordar com suas falhas e imper-
feições. É entender que elas existem, que você pode mu-
dar, se quiser, mas também pode conviver, se for melhor
pra você.
Desafiador mesmo é se amar. Amar o outro é muito
fácil quando se compara em aprender a realmente se
gostar. É difícil demais levantar a bandeira e dizer: EU ME
AMO PRA CARALHO! Porque o tempo todo nos condicio-
namos a não nos aceitar. E somos tão cruéis com nós
mesmos. Eu digo que nós deveríamos nos tratar como tra-
tamos uma boa amiga. Sempre sem querer machucar.

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Duda Riedel

Se amar começa de forma pequena, quase que im-


perceptível. Começa quando você entende que amor
não é se amar sempre ou todos os dias. Irão ter dias que
você não vai se gostar tanto, que você não vai se achar
tão incrível assim, e que em alguns momentos você não
vai se aguentar. Mas, acima disso tudo, você vai enten-
der que foi apenas um dia, e que amanhã você precisa
praticar esse exercício diário que é se gostar. E você, já se
amou um pouquinho hoje?

FASE 2: Pare de achar quer as pessoas têm pena de


você. Você não é galinha.

Eu sempre achei que todos sentiam pena de mim


após o término e tentava esconder o quanto eu estava
mal para não gerar murmurinhos. O fato é que eu não
estava muito mal, eu estava péssima. E tudo bem você
estar péssima depois de acabar um namoro. Não tem
como ficar 100%. O problema é que focamos tanto em
aparentar que estamos bem que esquecemos de ficar
bem também.
Eu parei de me preocupar com o que pensavam ou
deixavam de pensar de mim. Se tinham pena, se tinham
dó, se tinham raiva ou se me viam só. Eu silenciei essas
vozes e me preocupei com o que eu – e exclusivamente
eu – pensava.

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Se valoriza, mulé!

Eu tinha um preconceito enraizado dentro de mim:


ser solteira. Sim, eu tinha esse preconceito porque sempre
encarei a solteirice como algo vazio, supérfluo e ocioso. É
claro que eu enxergava a solteirice assim pois eu me en-
contrava exatamente assim independente do meu status
de relacionamento.
Eu estava vazia, sem ânimo e sem rumo. Estava sem
me conhecer e totalmente perdida. Pudera... 6 anos pu-
lando em relacionamentos nos quais eu me doava mais
do que amava.
A verdade aqui é que eu achava que as pessoas
tinham pena de mim pois eu sentia pena de mim. Me
olhava como uma coitada que não conseguia dormir so-
zinha pois sentia falta do ex, que não conseguia almoçar
só, pois tinha medo do que as pessoas do restaurante iam
achar. Eu sentia pena de mim.
E como você faz para parar de sentir isso? Parando
de se vitimizar.
Chega, hein Maria Eduarda? O mundo tem pena de
coisas importantes e não de uma menina de 23 anos que
está solteira. Não existem motivos para você sentir pena
de você. Dê meia volta, se olhe no espelho e veja que
quem tem pena é galinha.
Você não está em um relacionamento com al-
guém, mas você está em um relacionamento com você
mesma. Esse momento é todo seu, e depois que você
aceita você flui mais leve porque ser solteira não significa

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Duda Riedel

que você está só, apenas significa que você só precisa


de você para entender que quando você tiver alguém
não é porque você precise, é porque você quer.
E aí, com o passar dos anos, a gente entende, sabe?
A gente se conforta mais com essa loucura e turbilhão de
emoções que é nossa vida amorosa. E aí a gente para de
se perguntar o porquê de nossas amigas namorarem há
7 anos e terem um namoro aparentemente perfeito en-
quanto nós não duramos 1 semana com aquele carinha
que achávamos que iríamos apresentar para os nossos
pais. Hoje, eu sei e compreendo o motivo.
É porque não era pra ser e ponto. Simplesmente.
Porque eu ainda tenho muito pra viver sozinha, aprender
e evoluir. Eu parei de questionar os “porquês” e comecei
a viver a consequência dele. Essa mania sem razão que
nós temos de procurar o motivo do fim só estaciona na
leitura da página final. É hora de partir pra outro livro, ou-
tro autor, outro gênero.
Vítimas de uma vida que está constantemente em
movimento. Um ciclo se fecha para um novo se abrir. Tér-
minos são ciclos. E quando você respirar aliviada e parar
de se perguntar a vida vai finalmente acontecer.
O ser humano tem uma mania incansável de tentar
encontrar respostas pra tudo, e algumas coisas simples-
mente não tem resposta. Elas só são assim simplesmente
e acabou. E mesmo que existe uma resposta pra tal
equação a melhor solução é pular a questão e ir pro pró-
ximo questionário.

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Se valoriza, mulé!

Se a gente não entende nossos próprios sentimen-


tos, como que queremos entender o dos outros? A dica é
filtrar as emoções, canalizar a dor e seguir o tal baile. E,
de preferência, um baile em que ele não esteja.
Eu parei de procurar o motivo do meu término e
apenas aceitei o começo do seguir em frente, pois nós
temos mania de achar que existem culpados quando na
verdade só existem vítimas.
E quando te perguntarem o: “Por que alguém tão
legal está solteira?” Responda: “Porque eu ainda não
achei o porquê para namorar”. Eu sei que ele existe, você
também. Mas enquanto ele não aparece se divirta com
os porquês das vidas, e te garanto que vão te proporcio-
nar boas risadas.

FASE 3: Olhar pra trás não te leva pra frente

Eu estava cansada de viver minha vida em função


do meu ex-namorado, e, principalmente, cansada de
sempre saber algo sobre ele. Como que eu poderia es-
quecê-lo se sempre as notícias apareciam?
Era como um alcoólatra em recuperação com ami-
gos chamando para o bar. Eu tentava me afastar de
tudo que me remetia ele, mas sempre uma sombra apa-
recia para me fazer lembrar. E isso precisava acabar de
uma vez por todas.

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Por isso, desenvolvi uma técnica para evitar que eu


caísse em tentação. A regra dos 3 nãos:

1. Não falar dele.


2. Não procurar notícias dele.
3. Não frequentar o mesmo ambiente que ele.

Parece muito óbvio, porém tem gente que não se-


gue esse princípio básico que ajuda e muito você seguir
em frente.
Término de namoro é que nem fazer dieta. Você co-
meça cheia de gás e depois começa a abrir exceções
como recompensa. Um quadradinho de chocolate após
a refeição pode acabar se tornando uma barra inteira.
Por isso os grandes nutricionistas não indicam dietas
restritivas e sim reeducação alimentar. Você não pode
sair cortando tudo de uma vez, você precisa primeiro en-
tender que a vagem pode não ser gostosa no início, mas
dependendo da receita ela cai bem e que dia do lixo é
apenas uma desculpa para você ter peso na consciên-
cia no dia seguinte. Eu já estava cansada de promessas,
eu precisava agir.
Por mais que me doesse me manter longe de al-
guém que me fez tão bem antes eu tinha que aceitar que
aquela fase tinha acabado. Uma frase que minha mãe
sempre fala quando quer reclamar de alguma amiga é:

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“Olhe para as pessoas como elas são agora e não como um dia já
foram”

Essa frase clichê de livro de autoajuda faz todo o


sentido quando se trata de um rompimento. Temos a ma-
nia de olhar o passado de forma nostálgica, de viver o
presente como um sofrimento e de sonhar o futuro como
um escape. Fato é que passado e futuro nada mais são
do que projeções da nossa mente.
É preciso se manter firme no presente para enxergar
o que já foi como algo que não volta mais, e ter o discer-
nimento para compreender que o que ficou pra lá, morre
lá. Por mais incrível e maravilhoso que seu namoro tenha
sido, ele já foi. Já passou. E quando eu digo que passou
eu não quero eximir tudo que foi bom e importante. Tudo
que foi vivido jamais será apagado, mas também não
pode ser revivido. São lembranças.
Por isso, mudar os ares é essencial. Sempre fui do tipo
que vivia grudada no companheiro e evitava viver minha
vida sozinha por medo. Então, depois que me tornei sol-
teira novamente, eu resolvi que iria arriscar.
Arriscar ir para um local com pessoas diferentes, ar-
riscar sair sozinha sem rumo, arriscar não me importar
tanto com a opinião alheia, arriscar ser eu mesmo sem
saber quem eu era.
Um dia aceitei um convite inusitado. Eu estudava te-
atro há dois anos e nunca tinha saído pós aula com meus

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colegas de classe. Achava eles muito diferentes de mim,


e como meu ex-namorado morava perto da escola eu
sempre acabava indo pra casa dele. Mas nesse dia eu
resolvi arriscar e aceitei o convite para tomar um açaí de-
pois da aula, nem que fosse por 15 minutos.
Os 15 minutos viraram duas horas. Fui de coração
aberto e pronta para me entregar nessa missão que era:
dialogar com pessoas que não faziam ideia de quem era
meu ex-namorado. O papo ocorreu por duas horas e ne-
nhum sinal dele em qualquer momento. Entendeu a im-
portância de sair com pessoas que falem de outros assun-
tos? Liberdade mental. Aquele alívio de saber que du-
rante todo aquele tempo você viveu assuntos novos, con-
versas diferentes, risadas decorrentes de nada que reme-
tesse ele.
E foi nesse dia que eu aprendi que nós que ditamos
a energia que queremos pra esse momento. Nós que te-
mos autonomia para decidir o nosso futuro. Se você per-
segue e quer saber tudo que se passa na vida do outro,
você não está vivendo, você está existindo para aquilo.
Guarde energia pra você.
Se sinta livre pra viver unicamente para o seu bem-
estar pessoal e mental. É empatia emocional, mana.
Você dá tanto conselho pra aquela sua amiga esquecer
o embuste, mas quando você que tem que esquecer
você finge demência e foca nas vibrações dele.
Sabe quando queremos falar do nosso ex-namo-
rado por todo instante? Aquela raiva acumulada que

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precisa e necessita ser vomitada nas rodas de conversa.


Então, esse vomito é ótimo e necessário durante um
tempo. Mas ele tem que ter uma certa – digamos assim –
data limite. É como se você comesse uma comida estra-
gada. Na primeira vez, você coloca pra fora. Você pre-
cisa expelir isso de você. Mas, depois de um tempo, se
você continuar comendo essa comida – sabendo que
ela está estragada – você vai acabar doente. E ninguém
aqui quer ficar doente, não é? Uma hora você precisa
parar de falar sobre ele e começar a falar de você.
“Mas eu sinto raiva dele!” então procure amar mais
você. “Quero vingança”, não leva a nada. Odiar seu ex?
Pra quê? Desejar que a vida faça ele sentir tudo que você
sentiu? Bobeira. Aqui ninguém é senhor dos céus pra de-
cidir punição ou prenda para quem fez sofrer. A onda é
viver por você.
E sem essa de precisar urgente de um novo amor
para substituir o velho. Ainda mais se você entra na para-
noia das comparações. Eu tinha essa paranoia. Uma vez,
pensei que eu poderia encontrar um substituto pro meu
ex-namorado. Afinal, era só procurar alguém para ficar
no cargo de meu atual. Mas, definitivamente, eu não es-
tava preparada pra mergulhar em um novo amor.
A verdade é que quando acabamos um relaciona-
mento e buscamos um novo alguém nós não queremos
substituir o cargo, queremos substituir a pessoa. Pessoas
são insubstituíveis, cargos não. Não existe ninguém no

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mundo igual seu ex, mas claramente pode existir alguém


pra namorar com você.
Mas a procura é por alguém parecido ou por al-
guém bacana? Ninguém é igual a ninguém. Eu tive inú-
meras decepções ao ter encontros, os quais eu queria
que fossem iguais o meu namoro e isso me frustrou. Ca-
rência não é amor.
Eu estava me afogando em relacionamentos rasos
por saudade de quem me dava um oceano. A carência
faz isso com a gente. Transforma qualquer sentimento
meia boca em paixão fulminante. O problema maior é
que a carência é traiçoeira e depois de suprida ela some
e não deixa sinal. Quer dizer, sinal ela deixa. Sinal de arre-
pendimento por ter levado adiante algo que eu já sabia
que não teria caminho aberto. Era rua sem saída, tinha
placa avisando e tudo. Mas eu fui lá - tolamente - me en-
tregar pra tentar compensar as doses altas de saudade
que ele me deixou.
Quando estamos carentes, aceitamos misérias ape-
nas para não nos sentirmos abandonados. E aí é que está.
A melhor maneira de curar a carência não é ligando pra
um pente certo às 2 da manhã, nem pedindo incansavel-
mente para seu ex voltar. A gente cura carência com a
gente. Sabe antídoto pra picada de cobra? Ele é feito
com o próprio veneno. A gente não deve procurar a so-
lução pros nossos anseios nos outros, temos que buscar
dentro de nós.

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Você só vai ser feliz no amor quando parar de de-


positar sua felicidade no outro, menina. Não existe essa
de querer que a felicidade venha de fora, ela deve vir de
você. Por isso não devemos ir em busca do amor, ele
deve acontecer. Mas se você quiser mesmo encontrá-lo
te aconselho a se olhar no espelho. Pois o amor da sua
vida é – e sempre deverá ser– você.

FASE 4: Amor não se esquece, amor se supera

Às vezes eu sinto que a história se repete, só mudam


os papeis e os protagonistas. Mas ainda assim ela tem res-
sonância na vida de cada um. Já tive a fase de gritar e
chorar pelo meu ex, já tive a fase de ser ombro pra minha
amiga enquanto ela xingava o dela. Já tive a fase de
achar que não conseguiria ser feliz sem ele, e a fase de
agradecer por ele ter saído da minha vida. Já tive a fase
de tentar compreender que estamos solteiros e não tem
problema ficarmos com alguém. Mas sair correndo pra
chorar dentro de um banheiro químico depois de vê-lo
com outro alguém. Já tive a fase de tentar ser amiga e
mandar “feliz aniversário, você foi especial”, quando a
vontade era silenciar o mundo e fingir que nunca existi-
mos. Já tive a fase de odiar, e a fase de recaídas.
Já tivemos a fase de fazer amor, e recentemente já
tivemos a fase de fazer sexo. Já tive a fase de procurar
incansavelmente um novo amor para esquecer meu

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grande amor. Já tive a fase de bloquear, a fase de parar


de seguir e até a fase de chorar arrependida. A única
fase que nunca passei foi a de esquecer. Porque ex-amor
a gente não esquece, a gente supera.
Hoje, sou feliz em saber que estou na fase de supe-
rar. Guardei nosso amor no coração, diferente das cartas
que eu queimei e joguei no porão. Hoje, consigo admirá-
lo de longe sem chorar mais. Sorrio quando o encontro na
padaria, cumprimento meu ex-sogro na academia e
agradeço quando percebo que hoje já tá tudo bem.
Aquele amor se foi, mas as marcas dele sempre ficam.
Aprendi isso com meu ex-namorado: amor não se es-
quece, amor se supera. Pode demorar - e vai demorar -
mas uma hora passa e o que resta são as boas lembran-
ças.
Mas fique ciente, amor é como um mergulho em um
mar calmo, se a correnteza bater, é melhor saber nadar.
Porque sentimento adormecido são como doses de ve-
neno, em pequena quantidade te mata aos poucos, em
grande, te mata imediatamente.
Por isso, é melhor deixar guardado, o tempo bom
que ficou e jamais será esquecido. Não chamo ele de ex
namorado, chamo de antigo amor. Prefiro deixar isso
eternizado de alguma forma. Não, não se engane...
ainda não tenho ninguém. Sigo solteira desde o dia que
terminei. E você deve se perguntar então “como que me
superou tão rápido?”. Sabe... é que eu peguei todo
aquele amor que eu sentia por ele e coloquei em mim. O

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tempo é generoso, o amor é bondoso, superar é essen-


cial, mas mais do que isso: se amar é fundamental.

FASE 5: Depois de você, me tornei mais exigente

É muito estranho, né? Ver que o mundo gira, o


tempo passa e aquilo que um dia tirou seu sono hoje te
faz dar boas risadas. Lembro como eu sofria ao encontrar
meu ex-namorado e chorava depois de mais uma DR
que não levava a lugar nenhum. Apenas estancava na
inércia daquilo que não servia mais nem pra mim nem pra
ele. Hoje eu olho pra trás e vejo o quanto o tempo ajudou,
ele realmente é o senhor de tudo. A melhor parte do
tempo é que ele te ensina que está tudo bem... Tudo bem
ter sofrido e chorado embaixo de cobertas por meses,
tudo bem ter mandado aquela mensagem bêbada di-
zendo que amava e sentia falta, tudo bem ter falado coi-
sas horríveis e achar que tudo foi uma farsa. Tudo bem
quando nada estava bem. Hoje - finalmente - está tudo
bem. E espero que com ele tudo esteja no mais perfeito
bem, também.
No final das contas, o término te ensina. Por exem-
plo, comigo. Eu sempre fui muito exigente se tratando de
namoros, mas ultimamente, me tornei um pouco pior. É
que, sinceramente, depois que a gente aprende a se
amar, não aceitamos qualquer relacionamento meia

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boca para ocupar uma vaga já ocupada por nós mes-


mas.
Confesso que algumas vezes até deixo certos flertes
interessantes passar. Acho que, na verdade, o problema
não estava neles e sim em mim. E não era na minha exi-
gência, mas na minha cobrança por me conquistar. Vê
se você me entende: eu tenho 24 anos e nunca me amei.
Até mês passado, eu sequer sabia do que gostava de fa-
zer ou comer. Era insegura e uma completa e total de-
pendente do amor alheio. Foi só depois de o perder que
eu finalmente me encontrei. E aí eu me descobri como
mulher e ser humano e aprendi a importância de me
amar. Depois disso, eu vi o quanto eu era incrível e que
não precisava de ninguém para me completar. E aí eu
me tornei isso: uma solteira exigente. E hoje eu não sofro
mais pela falta de amor, porque eu já estou muito ocu-
pada me amando.
Até que um dia, então, surpreendentemente, al-
guém vai surgir e eu vou me apaixonar, mas, obviamente,
eu não vou me abalar, nem deixar de me gostar. Amor
próprio deve ser isso. Se colocar em primeiro lugar e en-
tender que, independentemente de estar sozinha, você
não deve se desesperar porque amores vêm e vão. Só o
que não pode ir é a sua capacidade de amar e princi-
palmente sua vontade de acreditar. Que talvez você se
machuque de novo, talvez você chore de novo, talvez
você ame incansavelmente de novo, mas independente

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de tudo – ou por causa de tudo – acreditar no amor é a


melhor solução para superá-lo.
E, em meio a tanta confusão de quando desespe-
radamente você achar que não irá mais conseguir ser fe-
liz, se lembre que um dia esse sorriso estampado não pre-
cisou ser colocado por ninguém que não fosse você.
Então, o Bernardo me viu no meio de uma festa
cheia e lotada, eu estava desacompanhada e nem pre-
cisava de ninguém ao meu lado. Minha própria presença
me abrilhantava juntamente com os fogos de artifício
que iluminavam o meu rosto. Eu estava com um vestido
branco, meio surrado, mas que – naquele dia – apenas
era mais um acessório para toda aquela luz que eu ema-
nava. Eu ainda não o tinha visto, mas ele me observava
de longe, sereno e inquieto. Acompanhava minha dança
desengonçada com seus olhos amendoados. E então ele
parou ao lado da Carol e disse:
— Eu gosto de vê-la assim.
— Assim como? — questionou ela, sem entender.
— Feliz.

continua...
#tutemforçamenina

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