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Por
SÃO PAULO
2013
CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO ANDREW JUMPER
Por
SÃO PAULO
2013
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 4
INTRODUÇÃO
O capítulo 65 do livro do profeta Isaías ocupa um lugar importante na discussão
acerca do Milênio. Nos debates envolvendo teólogos pré-milenistas históricos,
dispensacionalistas, pós-milenistas e também amilenistas, a passagem em questão é
aludida com frequência, senão tomada como dicta probantia daquilo que se está
defendendo. Contudo, algo que pode ser percebido na argumentação tanto de pré-
milenistas quanto de pós-milenistas é a imposição do conceito de milênio sobre a
passagem de Isaías.
Os dispensacionalistas, por exemplo, ao buscarem evidências bíblicas para um
futuro reino milenar tomam Isaías 65.17-25 como sendo uma. Lewis Sperry Chafer, ex-
presidente e professor do Seminário Teológico de Dallas, a utiliza como texto-prova de
sua argumentação, que diz:
Com respeito à quantia de textos envolvida, não há um tema da
profecia do Antigo Testamento comparável ao do reino messiânico.
Por trás de todos os castigos preditos, que devem vir sobre Israel, está
a glória que será deles quando reajuntados em sua própria terra, com
bênçãos espirituais imensuráveis sob o reino glorioso do Messias
deles. Esta visão foi dada a todos os profetas, certa e literalmente
como Israel, no cumprimento da profecia, foi removido da terra e
sofre durante esses muitos séculos, assim certa e literalmente Israel
será restaurado às bênçãos maravilhosas na terra redimida e
glorificada (Is 11.1-16; 12.1-6; 24.22-27.13; 35.1-10; 52.1-12; 54.1-
55.13; 59.20-66.24).1
1
Lewis Sperry Chafer. Teologia Sistemática. Vol. 4. São Paulo: Hagnos, 2008. p.709.
2
John MacArthur Jr. The MacArthur Bible Commentary. Nashville, TN: Thomas Nelson,
2005. p. 933.
3
Ibid.
há na passagem que indique que Isaías tenha em mente tanto o reino eterno quanto um
suposto reino milenar visível.
Entendimento semelhante é esposado pelos editores da The New Scofield
Reference Bible, que separam de forma arbitrária o versículo 17 do restante da
perícope. Acima do versículo 17 o subtítulo diz: “Novos céus e nova terra”, porém,
acima do trecho que compreende os versículos 18-25, o subtítulo é diferente:
“Condições do Milênio na terra renovada com a remoção da maldição”. 4 A nota de
rodapé diz ainda que, “o versículo 17 olha além da Era do Reino para os novos céus e
nova terra [...] mas os versos 18-25 descrevem a Era do Reino em si. Longevidade será
restaurada, mas a morte, o ‘último inimigo’ (1Co 15.26), não será destruída até a
rebelião de Satanás no fim dos mil anos”. 5
Diferentemente de MacArthur, mas ainda sob a ótica dispensacionalista, Carlos
Osvaldo Pinto entende que, na passagem em questão o profeta Isaías tinha em mente
unicamente o reino milenar desfrutado pela própria nação de Israel. De acordo com ele,
“do ponto de vista de Isaías, isso seria realizado em um reino terreno, onde, contudo, a
presença do pecado e da morte – embora grandemente diminuída – faria que o triunfo
inevitável de Deus sobre o mal tivesse caráter incompleto e provisório”.6 Procurando
superar a dificuldade que esse entendimento cria com Apocalipse 21.1, Pinto afirma que
o apóstolo João tomou a fraseologia de Isaías e a aplicou a um referencial mais amplo,
isto é, ao estado eterno: “Em outras palavras, enquanto Isaías falou, por meio de
hipérboles, de condições vastamente melhoradas numa terra não-amaldiçoada durante
um reino milenar literal, João teria falado de um universo radicalmente transformado
depois de um reino milenar literal na terra”.7
Os pós-milenistas também afirmam que Isaías 65.17-25 retrata o milênio, não
obstante, não com Israel no centro. De acordo com eles, esta passagem fala dos últimos
dias de glória da Igreja na terra. David Engelsma sumaria o entendimento pós-milenista
das profecias veterotestamentárias da seguinte forma:
Aqui, nas profecias do Antigo Testamento que detêm as grandes
perspectivas para o futuro, encontra-se o baluarte do pós-milenismo.
O governo do Messias com vara de ferro sobre as nações (Salmo 2), o
4
The Scofield Study Bible III: New International Version. London: Oxford University Press,
2004. p. 959.
5
Ibid.
6
Carlos Osvaldo Pinto. “O Uso de Isaías em Apocalipse: Hermenêutica e Escatologia
Intratestamentárias”. In: Vox Scripturae. Vol. 2. Nº 1. São Paulo: Vida Nova, 1992. p. 52.
7
Ibid. p. 51.
reino de paz (Salmo 72), o enchimento da terra com o conhecimento
do Senhor (Isaías 11), a condição próspera dos santos (Isaías 65), e a
pequena pedra enchendo toda a terra (Daniel 2), são as profecias e as
passagens que fundamentam e motivam o pós-milenismo. 8
8
David J. Engelsma. “Those Glorious Prospects in Old Testament Prophecy”. In: The Standard
Bearer. Vol. 72. Nº 19 (1996). Acessado em 25/12/2012. <
http://sb.rfpa.org/index.cfm?mode=wide&volume=72&issue=216&article=1624&book=0&search
=&page=1&chapter=0&text_search=0>.
9
Loraine Boettner. The Millenium. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 1984. p. 119.
10
Ibid.
11
Ibid. p. 123.
12
Ibid. p. 124.
David Engelsma afirma que, nesse sentido, a passagem de Isaías 65.17-25 é
crucial para o sistema pós-milenista, pois ela funciona como a base para a esperança
“otimista”: “Podemos tomar Isaías 65.17-25 como representativa de todas as profecias
do Antigo Testamento sobre as quais o pós-milenismo fixa sua esperança [...] Os pós-
milenistas apelam a esta passagem como o mais forte suporte da sua doutrina de uma
vindoura era de ouro e como a mais clara refutação do amilenismo”. 13 Kenneth L.
Gentry Jr., renomado pós-milenista afirma exatamente isso:
A principal passagem que estabelece essa transformação é Isaías
65.17-25. Nessa cena gloriosa Isaías apresenta uma imagem dramática
do impacto histórico da economia do evangelho. Essa economia se
desenvolverá através de “um processo multi-estágio que culmina no
julgamento final”. Essa economia redentiva gradualmente
transformará o mundo ética e espiritualmente, para que ele apareça
como “novos céus e nova terra’, do qual “o primeiro não será
lembrado ou se terá memória” (Is 65.17).14
13
David J. Engelsma. “Those Glorious Prospects in Old Testament Prophecy”. In: The
Standard Bearer. Vol. 72. Nº 19 (1996).
14
Kenneth L. Gentry Jr. He Shall Have Dominion: A Postmillennial Eschatology. 3.ed.
Draper, VA: Apologetics Group Media, 2009. p. 406.
15
Ibid. p. 408.
16
Ibid.
17
Apud in David J. Engelsma. “Those Glorious Prospects in Old Testament Prophecy”. In: The
Standard Bearer. Vol. 72. Nº 19 (1996).
pós-milenistas insistem em que as profecias do reino sejam interpretadas literalmente.
Gary North, no prefácio da edição de 1992 da obra já citada de Gentry, diz o seguinte:
“Um pós-milenista pode interpretar essa passagem literalmente: uma era vindoura de
bênçãos extensivas no milênio antes do retorno de Jesus no julgamento final”.18 North
chega ao ponto de equiparar a interpretação espiritual amilenista com uma interpretação
alegórica: “Sua escatologia [amilenista] nega qualquer amplo triunfo literal ou cultural.
Portanto, ele tem de ‘espiritualizar’ ou alegorizar esta passagem”. 19 A inconsistência
pode ser percebida na interpretação “espiritualizada” feita por outro pós-milenista, John
Jefferson Davis, que discorrendo a respeito das profecias do livro do profeta Isaías, diz
o seguinte a respeito de 65.17-25:
Deveria ser observado que 65.17-25 não faz referência à presença
física do Messias sobre a terra. Nos últimos dias, Deus deseja criar em
Jerusalém (a igreja) um regozijo, mas as realidades dos versículos 18-
25 não se referem exclusivamente ao estado eterno, nem ao tempo
após a segunda vinda, mas à era messiânica quando Cristo ainda
governa à mão direita do Pai no céu. 20
ANÁLISE DA PASSAGEM
Deve ser observado em primeiro lugar que, o trecho que tem início no versículo
17 do capítulo 65 faz parte de um contexto maior, que tem início no versículo 1 e se
estende até ao final do capítulo 66 – escrito em forma quiasmática. 21 A ênfase é na
18
Apud in David J. Engelsma. “A Spiritual Interpretation of Isaiah 65:17ff”. In: The Standard
Bearer. Vol. 72. Nº 21 (1996). Acessado em 26/12/2012. <
http://sb.rfpa.org/index.cfm?mode=narrow&volume=72&issue=214&article=1605&book=0&sear
ch=&page=1&chapter=0&text_search=0>.
19
Ibid.
20
John Jefferson Davis. A Vitória do Reino de Cristo. Brasília: Monergismo, 2009. p. 45.
21
O termo “quiasmo” é derivado da letra grega c , e significa cruzamento. Trata-se de uma
figura de estilo que “dispõe palavras e fatos em seções ou orações paralelas e sucessivas”.
Grant R. Osborne. A Espiral Hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica.
São Paulo: Vida Nova, 2009. p. 66.
esperança como sentimento predominante na última seção de Isaías. 22 Juízo dá lugar à
esperança através de uma promessa de restauração do remanescente fiel de Israel. Logo
após falar daqueles que eram rebeldes e que seguiam os seus próprios pensamentos, que
de contínuo irritava o Senhor abertamente, prestando culto a falsos deuses e praticando
abominações (65.1-7), Isaías anuncia misericórdia para os “servos”. Deus não os
destruiria, mas levantaria uma descendência para Judá, a fim de que os seus eleitos
possuíssem toda a terra e nela habitassem (vv.8-10). Aqueles que se apartassem do
Senhor e seguissem o deus “Destino” seriam entregues à espada e à matança (vv. 11-
12), mas os servos do Senhor teriam motivo para cantar com o coração alegre (vv. 13-
16). O quadro pintado pelo profeta aqui, é o de que o povo do Senhor, os servos, os
verdadeiros crentes, ainda está junto de outros que não servem a Deus. Todavia, “não
será assim para sempre, pois o Senhor trará os seus servos para um novo céu, uma nova
terra e uma nova Sião, enquanto um terrível julgamento espera o restante”.23 É
interessante observar a promessa de uma separação do remanescente fiel daqueles que
permanecem em rebelião contra Deus. Tal percepção contribuirá no entendimento dos
versículos 17-25, demonstrando o equívoco dispensacionalista e pós-milenista.
Alec Motyer delineia a estrutura dos capítulos 65 e 66 da seguinte maneira:
A1. O chamado do Senhor àqueles que não o procuraram ou o
conheceram anteriormente (65.1).
B1. Vingança do Senhor sobre aqueles que se rebelaram e seguiram
ídolos (vv. 2-7)
C1. Um remanescente preservado, seus servos, que herdarão a sua
terra (vv. 8-10).
D1. Aqueles que abandonaram o Senhor e seguiram os ídolos serão
destinados à matança, pois ele os chamou, mas não responderam,
escolheram o que não o agradou (vv. 11-12).
E. Alegrias para os servos do Senhor na nova criação. A nova
Jerusalém e seu povo (vv.13-25).
D2. Aqueles que escolheram seu próprio caminho e sua adoração
imprópria. Eles estão sob julgamento porque o Senhor os chamou e
eles não responderam, mas escolheram fazer o que não o agradou
(66.1-4).
C2. O futuro glorioso dos que tremem da palavra do Senhor, os
miraculosos filhos de Sião, servos do Senhor (vv. 5-14).
B2. Julgamento sobre aqueles que seguiram ídolos (vv. 14-17).
A2. Chamado do Senhor àqueles que não o ouviram anteriormente (vv.
18-21).
22
John Oswalt. Comentários do Antigo Testamento: Isaías. Vol. 2. São Paulo: Cultura
Cristã, 2011. p. 785.
23
J. Alec Motyer. The Prophecy of Isaiah: An Introduction & Commentary. Downers Grove,
IL: InterVarsity Press, 1993. p. 522.
Conclusão: Jerusalém, centro de peregrinação para todo o mundo (vv.
22-24).24
24
Ibid. pp. 522-523.
25
Kim Riddlebarger. Answers to Questions about Eschatology. Acessado em 31/12/2012.
<http:// http://kimriddlebarger.squarespace.com/answers-to-questions-about-esc/>.
26
J. Alec Motyer. The Prophecy of Isaiah: An Introduction & Commentary. p. 523.
27
Randy Alcorn. Heaven. Carol Stream, IL: Tyndale House Publishers, 2004. Posição 4829.
Edição Kindle.
criação veio à existência, primeiramente tem o poder de criar novos céus e nova terra,
onde o pecado e suas obras nunca mais exercerão domínio sobre nós”. 28
Nesse habitat restaurado o pecado bem como suas terríveis consequências não
mais estarão presentes. É dito na passagem que, “não haverá lembrança das coisas
passadas, jamais haverá memória delas”. Frequentemente esta passagem é alvo de más
interpretações, no sentido de que, no porvir, os habitantes dos novos céus e nova terra
não reconhecerão uns aos outros. Imagina-se que isso seja uma profecia a respeito de
uma futura “limpeza” na memória dos habitantes da Nova Terra, a fim de que não
lembrem de nada que ocorreu na presente vida. Um escritor chamado Salem Kirban
afirmou: “Não lembraremos deste velho mundo que chamamos Terra... nem mesmo
vamos recordar dele! Ele simplesmente não entrará em nossas mentes”. 29 Além dele,
Alec Motyer defende essa teoria:
Primeiras coisas faz referência a “angústias passadas” no verso 16 e
expressa uma concepção grandiosa; não apenas às suas tristezas, mas
sobre tudo da antiga ordem que terá passado por essa renovação total.
Não lembrar refere-se a aos conteúdos conscientes da memória; vir à
mente, às memórias repentinamente despertadas. A consciência será
de uma total novidade, sem qualquer coisa que traga de volta uma
lembrança do que costumava ser. O esquecimento divino do verso 16
será acompanhado por amnésia geral.30
28
John Oswalt. Comentários do Antigo Testamento: Isaías. Vol. 2. p. 787.
29
Apud in Randy Alcorn. Heaven. Posição 6332. Edição Kindle.
30
J. Alec Motyer. The Prophecy of Isaiah: An Introduction & Commentary. p. 529.
que Deus resolve não levantar novamente contra o seu povo os seus pecados. Como
afirma Alcorn: “Na eternidade os pecados e tristezas passados não preocuparão nem a
Deus nem a nós. Seremos capazes de escolher não lembrar ou não nos debruçarmos
sobre qualquer coisa que diminua a alegria do céu”.31
No habitat restaurado não existirá sofrimento, nem dor, nem pranto, nem coisa
alguma que produza angústia. O apóstolo João expressou a mesma verdade em
Apocalipse 21.4 usando termos que evocam Isaías 25.8 e 65.17: “E lhes enxugará dos
olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor,
porque as primeiras coisas passaram”. Gregory K. Beale afirma que, “a vinda final da
presença de Deus em plenitude resulta em paz absoluta e segurança de qualquer forma
de sofrimento que caracterizou a antiga criação. Não surpreendentemente, as formas de
aflição serão lançadas fora como aquelas da profecia de Isaías”. 32
31
Randy Alcorn. Heaven. Posição 6342. Edição Kindle.
32
G. K. Beale. The New International Greek Testament Commentary: The Book of
Revelation. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1999. pp; 1048-1049.
33
Jan L. Koole. Historical Commentary on the Old Testament: Isaiah III. Vol. 3. Peeters,
Leuven: Peeters, 2001. p. 452.
34
Maurice Roberts. The Happiness of Heaven. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage
Books, 2009. p. 115.
35
Heinrich Friedrich Wilhelm Gesenius. Gesenius’ Hebrew Grammar. §110c. In:
BIBLEWORKS 7.0.
futuro”.36 Trata-se, portanto, de uma promessa de cumprimento certo, visto ter ela sido
feita pelo próprio Deus.
A promessa de Deus, em Isaías 65.18, é que no habitat restaurado a alegria, a
exultação e o regozijo do seu povo serão perenes, perpétuos: “Mas vós folgareis e
exultareis perpetuamente no que eu crio”. Na Nova Terra a exultação dos redimidos
será ininterrupta, ou como diz o texto, perpétua. Alec Motyer diz que, “o
‘perpetuamente’ indica a diferença final: a inconstância e a incerteza das alegrias
terrenas agora não mais existirão”.37 No presente todo e qualquer momento de
felicidade é, por assim dizer, apenas um momento. É algo passageiro. Ninguém vive
sem tristeza e sem alguma forma de sofrimento na velha terra. Momentos alegres e
felizes cedo dão lugar a momentos de depressão e profunda angústia, choro e
sofrimento. Entretanto, mesmo esse estado de coisas não durará para sempre. Essa
instabilidade júbilo/tristeza dará lugar a uma nova realidade gloriosa, na qual a
exultação e o gozo dos redimidos perdurará para todo o sempre. Tomando o deleite e a
decepção envolvidos no amor como exemplo, Maurice Roberts afirma:
Um dos mais ricos prazeres da vida é amar. Grande parte da literatura
mundial é dedicada ao amor. Mas aqueles que amam também sofrem
dor e tormento. Muitas vezes aquele que ama teme que a pessoa
amada não corresponda a este amor. Ele anseia e espera por este amor,
mas frequentemente fica desapontado. Às vezes, aquele que ama se
desespera porque a pessoa amada prova ser falsa. Isso acontece
porque as mais doces alegrias terrenas – até mesmo o amor –
inevitavelmente desaparecem e se vão, pois esta é a natureza da
alegria neste mundo.38
Além disso, todos os mais profundos anseios serão concretizados na Nova Terra,
pois a mesma será motivo da mais pura alegria: “Mas vós folgareis e exultareis
perpetuamente no que eu crio”. Combatendo o pensamento de que a Nova Terra será
um lugar sem alegria, Mark Buchanan diz o seguinte:
Por que não seremos aborrecidos no céu? Porque é o único lugar onde
ambos os impulsos – de ir além e de ir para casa – serão perfeitamente
unidos e totalmente satisfeitos. É o único lugar onde estaremos
constantemente descobrindo – onde tudo é sempre fresco e possuir
algo é tão bom quanto a sua busca – e ainda onde estaremos
plenamente em casa – onde tudo será como deveria ser e onde
encontraremos, em toda plenitude, aquelas coisas misteriosas que
nunca encontramos aqui... E essa melancolia que paira sobre nós ao
36
Bruce K. Waltke e M. O’Connor. Introdução à Sintaxe do Hebraico Bíblico. São Paulo:
Cultura Cristã, 2006. p. 572.
37
J. Alec Motyer. The Prophecy of Isaiah: An Introduction & Commentary. p. 529.
38
Maurice Roberts. The Happiness of Heaven. p. 115.
longo da vida, esse desejo de sermos outra pessoa em outro lugar
também desaparecerá. Nosso desejo de ir além será sempre e
plenamente realizado. Nosso anseio por casa será cumprido de uma
vez por todas. O “ahh!” de profunda satisfação e o “aha!” de
encantada surpresa se encontrarão e se beijarão. 39
Que o habitat restaurado será a mais pura alegria e exultação fica evidente
quando é dada a devida atenção à afirmação literal da segunda parte do versículo: “eis
que crio Jerusalém uma alegria e seu povo um regozijo”. De acordo com Edward J.
Young, “criar Jerusalém uma alegria é criá-la como um objeto de alegria. O que é
indicado aqui é o mesmo do verso anterior. A Jerusalém anterior passará, e no centro do
reino de Deus haverá alegria. Os homens se alegrarão diante de Deus em seu verdadeiro
culto”.40 A Nova Jerusalém e seus habitantes são referidos como os receptáculos da
mais plena alegria. O regozijo será tamanho que criar para o povo alegria será o mesmo
que criar o habitat como uma personificação do próprio júbilo.
39
Randy Alcorn. Heaven. Posição 7459. Edição Kindle.
40
Edward J. Young. The Book of Isaiah. Vol. 3. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1972. p. 514.
41
J. Alec Motyer. The Prophecy of Isaiah: An Introduction & Commentary. p. 530.
e tristeza, e, por outro lado, se a nossa condição é agradável e
confortável, ele diz que tem grande prazer em nossa prosperidade. 42
Ao falar da aflição de Deus por seu povo, Calvino faz referência a Isaías 63.9:
“Em toda a angústia deles, foi ele angustiado, e o Anjo da sua presença os salvou;
pelo seu amor e pela sua compaixão, ele os remiu, os tomou e os conduziu todos os dias
da antiguidade”. Contudo, a aflição dá lugar ao regozijo e extrema alegria. Koole diz
que, “assim como Ele era ‘afligido’ pela miséria do seu povo, o oposto agora se torna
realidade”. 43 A ideia transmitida pela passagem é a de intimidade, visto que Deus, que
no versículo 18 se referiu ao povo em 3ª pessoa, agora, no verso 19, passa a falar em
termos que denotam proximidade e intimidade: “meu povo”. Consequentemente, a
imagem é a de um noivo que exprime intenso deleite ao contemplar a beleza e a
felicidade da sua noiva, o que aparece de forma explícita em 62.5: “Porque, como o
jovem desposa a donzela, assim teus filhos te desposarão a ti; como o noivo se alegra
da noiva, assim de ti se alegrará o teu Deus”.
O fato é que a restauração do habitat, a recriação de céus e terra, bem como a
felicidade dos habitantes de Sião serão objeto da exultação do Deus Redentor e Criador
de todas as coisas: “O quadro é o de um pai para quem não há maior alegria do que a
alegria inocente dos filhos, ou de um recém-casado que não pode imaginar ter no
mundo nenhuma alegria mais profunda do que olhar para sua amada e aquecer-se em
seus olhares de amor”.44 Na continuação do versículo 19 há a explicação para tamanho
júbilo: com o término da aflição do seu povo também termina a aflição de Deus, tendo
início perpétuo deleite.
42
John Calvin. Commentary on the Book of the Prophet Isaiah. Vol. 4. Grand Rapids, MI:
Christian Classics Ethereal Library, 1999. p. 245.
43
Jan L. Koole. Historical Commentary on the Old Testament: Isaiah III. Vol. 3. p. 455.
44
John Oswalt. Comentários do Antigo Testamento: Isaías. Vol. 2. p. 790.
coisas elimina qualquer possibilidade da existência de “choro” e de “clamor” no habitat
restaurado. Nada causará perturbação aos habitantes da Nova Terra e os angustiará:
“Quando essa alegria perfeita aparecer não mais será ouvida em Jerusalém a voz (isto é,
o som) de choro e o som de clamor como no presente.45
O termo hebraico traduzido como “voz de choro” (ykiB.) se refere algumas vezes
ao sofrimento causado por uma catástrofe real ou ao temor de uma, por uma destruição
iminente da cidade e do povo (Is 22.4), por uma doença fatal, e também, às vezes, ao
luto por alguém querido que faleceu. Já o substantivo traduzido como “voz de clamor”
(hq'['z)> possui uma conotação de maior desespero e aflição. De acordo com Koole, ele
é usado para se referir a “certo estado de angústia e, além disso, ao desamparo em que
as pessoas fazem um urgente apelo pela assistência dos outros e pela intervenção de
Deus”.46 Ele afirma ainda que: “Existirá uma imperturbável alegria em Jerusalém e ali
não mais se ouvirá choro, e existirá alegria da parte de Deus porque a violência não
mais fará vítimas”. 47 Será maravilhoso, então, viver uma realidade na qual “a morte já
não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas
passaram” (Ap 21.4).
45
Edward J. Young. The Book of Isaiah. Vol. 3. p. 515.
46
Jan L. Koole. Historical Commentary on the Old Testament: Isaiah III. Vol. 3. p. 455.
47
Ibid.
professor no Dallas Theological Seminary, que afirma que Isaías 65.17-25 fala sobre “a
culminação do futuro de Israel”, que se dará quando da “renovação da criação de Deus
durante o Milênio”48, estes falam do reino milenial em termos de “mundo cristianizado”
e condições melhoradas que são contínuas ao presente. 49 Já a escola amilenista entende
que a passagem de Isaías fala a respeito do estado eterno após a consumação de todas as
coisas. John Oswalt inicia o seu comentário a respeito do versículo 20, dizendo o
seguinte:
Este versículo dá início à série de exemplos concretos que explicam
por que não haverá clamor nem pranto no reino de Deus (v. 19). A
série continua no versículo 25. São exemplos extraídos desta vida,
mas que não se limitam à referência ao reino milenial, nem significam
que este quadro é necessariamente contraditório ao apresentado em
26.6-9, o qual declara que a morte será destruída. Tais exemplos
simplesmente ilustram todas aquelas coisas que causam tristeza, e
são usadas para mostrar que tais condições não existirão nos
novos céus e terra.50
48
Thomas L. Constable. Notes on Isaiah. 2012. p. 304. Acessado em 07/01/2013.
<http://www.soniclight.com/constable/notes/pdf/isaiah.pdf >.
49
Kenneth L. Gentry Jr. He Shall Have Dominion: A Postmillennial Eschatology. 3.ed. p.
408.
50
John Oswalt. Comentários do Antigo Testamento: Isaías. Vol. 2. p. 790. Ênfase
acrescentada.
51
George Eldon Ladd. The Presence of the Future. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1974. p. 61.
a teologia subjacente a esta terminologia torna igualmente impossível
reduzir totalmente esta linguagem como sendo poética. A linguagem
teofânica descrevendo a visitação escatológica estabelece não somente
a glória e a majestade de Deus e a dependência da sua criação ao
Criador; ela também é uma expressão de uma profunda teologia da
criação e do lugar do homem na criação.52
52
Ibid. p. 62.
53
George Eldon Ladd. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2012. p. 838.
54
John F. Walvoord. The Millennial Kingdom. Findlay, OH: Dunham Publishing, 1963. p.316.
a morte de uma criança (Is .65.20)”.55 Herman H. Hoyt é outro que enxerga Isaías 65.20
com apenas descrevendo a restauração da vida longa durante o milênio. 56
Thomas L. Constable, apesar de falar em termos de enfraquecimento da morte,
ainda deixa claro que o milênio será caracterizado pela existência de morte e maldição:
Especificamente, a morte não terá o poder que teve. Mortalidade
infantil será praticamente desconhecida, e a duração da vida das
pessoas será muito mais longa. Isso parece descrever um retorno às
condições anteriores ao dilúvio, quando as pessoas viviam centenas de
anos (Gn 5). Em suma, uma das fontes de tristeza e choro, a saber, a
morte, sofrerá derrota. Cristãos não necessitam temer a segunda morte
mesmo no presente. Os crentes vivos no milênio viverão mais tempo
sobre a terra do que fazem agora, mas eles ainda morrerão.57
Blaising afirma ainda que, em muitas passagens nas quais o milênio é retratado
tanto o pecado como a morte estão presentes. Aludindo a Zacarias 14, ele afirma que,
“quando o Senhor vier no dia de Deus, quando descer à terra e começar a reinar em
Jerusalém, requererá que as nações o adorem e punirá aqueles que se recusarem a
fazê-lo”.59 Chafer é da mesma opinião, quando afirma que “qualquer mal público que
houver no reino será julgado imediatamente pelo Rei”. 60 A relevância dessa informação
se encontra no fato de que, de acordo com os dispensacionalistas, parte da explicação
para a presença da morte e da maldição em Isaías 65.20 está na aplicação da pena
capital por parte de Jesus Cristo. J. Dwight Pentecost diz de maneira muito clara:
O governo tratará sumariamente qualquer manifestação de
pecado (Sl 2.9; 72.1-4; Is 29.20,21; 65.20; 66.24; Zc 14.16-24; Jr
55
Ibid. pp. 318-319.
56
Robert G. Clouse (Ed.). Milênio: Significado e Interpretações. Campinas: Luz para o
Caminho, 1990. p. 74.
57
Thomas L. Constable. Notes on Isaiah. p. 305. Ênfase acrescentada.
58
Darrell L. Bock (Org.). O Milênio: 3 Pontos de Vista. São Paulo: Vida, 2005. p. 179. Ênfase
acrescentada.
59
Ibid. Ênfase acrescentada.
60
Lewis Sperry Chafer. Teologia Sistemática. Vol. 4. p. 674.
31.29,30). “Ferirá a terra com a vara da sua boca, e com o sopro dos
seus lábios matará o perverso (Is 11.4). Qualquer ato aberto contra a
autoridade do Rei será punido com morte física. 61
61
J. Dwight Pentecost. Manual de Escatologia: Uma Análise Detalhada dos Eventos
Futuros. São Paulo: Vida, 2010. p. 511. Ênfase acrescentada.
62
Timothy Paul Jones. Four Views of the End Times. Rose Publishing, 2011. Posição 182.
Edição Kindle.
63
Loraine Boettner. The Millenium. p. 54.
dilúvio. Esta passagem não pode estar se referindo ao mundo após o
julgamento final, mas aponta para bênçãos externas, a saber, vida
longa, que não existem no nosso mundo. Estas palavras não podem ser
legitimamente “espiritualizadas”. Elas se referem à vida na terra. Elas
se referem a uma bênção específica sobre a terra.64
64
Gary North. Unconditional Surrender: God’s Program for Victory. 5.ed. Powder Springs,
GE: American Vision Press, 2010. pp. 300-301.
65
Ibid. p. 147. Ver também a nota nº 19.
66
Ibid. p. 146.
67
John Jefferson Davis. A Vitória do Reino de Cristo. p. 44.
68
Ibid. p. 45.
a reboque bênçãos físicas para os habitantes da terra durante o milênio. Gary North
expõe em detalhes as transformações resultantes da pregação do evangelho em todo o
mundo:
Este processo de renovação cósmica acelerará em resposta à
propagação do evangelho. Eventualmente, o código genético do
homem será curado, de modo que não mais haverá aborto; esta mesma
promessa se aplica aos seus animais domésticos (Êxodo 23.26). A
doença será removida (Êxodo 23.25). Essas bênçãos estavam
disponíveis para os israelitas, mas eles não obedeceram à lei de Deus.
Essas bênçãos ainda estão disponíveis para nós. Isaías prometeu que a
expectativa de vida do homem um dia aumentaria: “Não haverá mais
nela criança de poucos dias, nem velho que não cumpra os seus;
porque o menino morrerá de cem anos, mas o pecador de cem anos
será amaldiçoado” (Isaías 65.20). Portanto, a ameaça do tempo será
reduzida. Essa era futura representará um retorno ao tempo de vida
dos homens antes do grande dilúvio. Tão grandes serão as bênçãos de
Deus visíveis e biológicas que serão uma transformação fundamental
na maneira como o nosso mundo trabalha no presente. E ela virá
especificamente em resposta à transformação ética da grande porção
da humanidade. 69
69
Gary North. Unconditional Surrender: God’s Program for Victory. pp. 145-146.
70
David Guzik. Isaiah 65: The LORD Answers the Prayer of Remnant. Acessado em
10/01/2013. <http://www.enduringword.com/commentaries/2365.htm>.
71
David J. Engelsma. A Defense of (Reformed) Amillenialism. Acessado em 10/01/2013.
<http://www.prca.org/articles/amillennialism.html#No9>.
72
Kenneth L. Gentry Jr. He Shall Have Dominion: A Postmillennial Eschatology. p. 216.
jus ao método de interpretação histórico-gramatical. 73 Assim, os teólogos pós-milenistas
insistem em que o conteúdo das profecias do reino seja interpretado literalmente. Por
essa razão, de acordo com eles, as bênçãos prometidas em Isaías 65.17-25, mais
especificamente no versículo 20, devem ser tomadas como literais ou físicas.
Análise da Passagem
O método histórico-gramatical não exige que o conteúdo das profecias seja
tomado em seu sentido literal e óbvio, da maneira como dispensacionalistas e pós-
milenistas argumentam. Jakob van Brugen fez um alerta importante a este respeito:
“Quando ‘literal’ significa que não contamos com nenhuma possibilidade de linguagem
figurada, as profecias do Antigo Testamento se tornam completamente absurdas”. 74 Para
interpretar as profecias do reino é necessário compreender que muitas delas são escritas
em forma de poesia. Há todo um jogo de palavras, contraposição de ideias, frases
paralelas, quiasmos, figuras de linguagem e imagens. Nesse sentido, “quando ‘ler
literalmente’ significa que devemos levar o texto a sério como ele nos foi dado, isso
significa também que devemos contar com o estilo da profecia e as implicações
disso”.75
Também de forma contrária aos dispensacionalistas, como Carlos Osvaldo Pinto,
não é exigido que se imagine que no momento da profecia Isaías tinha Israel durante o
milênio em mente, e que o apóstolo João, em Apocalipse 21.1-8 se utilizou da
linguagem do profeta e expandiu o seu significado.76 Jakob van Brugen também
esclarece que a argumentação dos escritores neotestamentários sempre se dava a partir
do significado intencionado da profecia, “não de uma interpretação posterior ou de um
significado acrescentado”.77 Isso significa que João usou a fraseologia de Isaías por
compreender que o significado intencionalmente dado pela profecia veterotestamentária
versava a respeito do estado eterno, não de um milênio anterior literal ou figurado. A
observação do dogmático holandês Herman Bavinck, a respeito das profecias do Antigo
Testamento que falam sobre o reino, é pertinente:
73
Ibid.
74
Jakob van Brugen. Para Ler a Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 1998. p. 130.
75
Ibid.
76
Carlos Osvaldo Pinto. “O Uso de Isaías em Apocalipse: Hermenêutica e Escatologia
Intratestamentárias”. p. 53.
77
Jakob van Brugen. Para Ler a Bíblia. p. 124.
E este reino é esboçado pelos profetas em tons e cores, sob figuras e
formas, que têm sido derivadas das circunstâncias históricas em que
viviam. A Palestina será reconquistada, Jerusalém reconstruída e o
templo, com sua adoração sacrificial, restaurado. Edom, Moabe,
Amom, Assíria e Babilônia serão conquistadas. Todos os cidadãos
terão uma vida longa e um ambiente relaxado sob a videira e a
figueira. A imagem [projetada] do futuro é totalmente do Antigo
Testamento; tudo é descrito em termos da própria história de Israel e
da nação. Mas naquelas formas sensíveis e terrenas a profecia coloca
conteúdo eterno.78
Além disso, Bavinck alerta para uma implicação lógica do apego ao literalismo:
A profecia descreve graficamente para nós apenas uma única imagem
do futuro. E, ou essa imagem deve ser tomada literalmente como ela
se apresenta – mas, então, alguém rompe com o Cristianismo e retorna
ao Judaísmo – ou essa imagem exige uma interpretação muito
diferente daquela tentada pelo quliasmo. Tal interpretação é fornecida
pela própria Escritura, e devemos tomá-la da Escritura.79
Isto posto, ele afirma que o critério decisivo na interpretação das profecias
veterotestamentárias é a intenção do Espírito Santo ao usar os profetas:
Finalmente, na exegese do Antigo Testamento a questão não é se os
profetas estavam total ou parcialmente conscientes da natureza
simbólica das suas predições, pois mesmo nas palavras de autores
clássicos há mais do que eles próprios pensaram ou intentaram. A
questão, ao contrário, é o que o Espírito de Cristo, que estava neles,
quis declarar e revelar através deles. 80
78
Herman Bavinck. Reformed Dogmatics: Holy Spirit, Church, and New Creation. Vol. 4.
Grand Rapids, MI: Baker Academics, 2010. p. 654.
79
Ibid. p. 658.
80
Ibid. p. 660.
81
J. Alec Motyer. The Prophecy of Isaiah: An Introduction & Commentary. p. 529.
dificuldade reside na interpretação da última cláusula: “e quem pecar só aos cem anos
será amaldiçoado”. Não obstante, o sentido geral do versículo 20 é que no habitat
restaurado ninguém mais chorará a morte prematura de alguém querido. A vida será
desfrutada em toda a sua plenitude: “O sentido geral é dizer que uma das causas da dor
terrena, a morte prematura, não estará envolvida. E assim nenhuma criança recém-
nascida terá a extensão de sua vida de apenas uns poucos dias. Aliás, ninguém morrerá
sem o cumprimento de todos os dias de uma vida completa”. 82
Elementos como “morte”, “morte prematura”, “pecado” e “maldição” fazem
parte da presente realidade. Na profecia, Isaías se utiliza de elementos conhecidos pelos
seres humanos, a fim de passar uma ideia, conceder um vislumbre de como será a
realidade no habitat restaurado. O Novo Testamento ensina, por exemplo, que nenhum
olho humano viu ou compreendeu aquilo que Deus tem preparado para ser revelado no
último dia: “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração
humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1Coríntios 2.9). É
exatamente isso que acontece com a profecia de Isaías. Para explicar uma realidade
ainda desconhecida para o povo de Deus, o profeta faz uso de elementos atuais,
encontrados na presente vida. Para falar da gloriosa e bem-aventurada realidade futura
quando a morte não será mais encontrada, o profeta utiliza a figura de mães que não
mais sofrerão com a morte prematura dos seus filhos. Alec Motyer comenta:
Ao longo de toda esta passagem Isaías usa aspectos da presente vida
para criar a impressões acerca da vida por vir. Será uma vida
totalmente provida (v. 13), totalmente feliz (v. 19), totalmente segura
(vv. 22-23) e totalmente em paz (vv. 24-25). Coisas que não temos
uma capacidade real para entender podem ser expressas apenas
através de coisas que conhecemos e experimentamos. 83
A linguagem poética utilizada pelo profeta é usada para falar de verdades que
ainda não são possíveis de ser compreendidas plenamente por aqueles que são os
beneficiários da profecia.
Grande questionamento tem sido feito em relação à última sentença do versículo
20: “e quem pecar só aos cem anos será amaldiçoado”. Alguns estudiosos interpretam
esta cláusula como sendo o resumo de um contraste estabelecido nos versos 13-15, entre
82
John Oswalt. Comentários do Antigo Testamento: Isaías. Vol. 2. p. 791.
83
J. Alec Motyer. The Prophecy of Isaiah: An Introduction & Commentary. p. 530.
os servos de Yahweh e os pecadores idólatras.84 Koole, por outro lado, acredita que se
trata unicamente de uma expressão de regozijo da parte de Deus porque o mal,
finalmente, é devidamente reconhecido como sendo mal. 85 De acordo com Oswalt, a
melhor interpretação é a que diz que a parte final do verso 20 ensina que, na nova terra
“cem anos seria uma vida curta, e o pecador seria maldito por viver apenas cem anos”. 86
Uma tradução possível da parte final do versículo 20 é: “o que não alcançar cem
anos será amaldiçoado”. O verbo hebraico aj'x', possui como sentido básico “o de errar
um alvo ou um caminho”.87 Em algumas ocorrências o verbo significa “ter menos que o
total”. 88 Assim sendo, embora reconheça que o sentido de que o pecador de cem anos
será amaldiçoado é preferível, Motyer afirma que a seguinte tradução é perfeitamente
plausível: “Aquele que falhar em alcançar cem anos será considerado maldito”. 89 É
interessante observar que esta é a tradução adotada pela Nova Versão Internacional:
“Nunca mais haverá nela uma criança que viva poucos dias, e um idoso que não
complete os seus anos de idade; quem morrer aos cem anos ainda será jovem, e quem
não chegar aos cem será maldito”.90 O certo é que seja traduzida como “o que pecar”
seja como “o que falhar”, o sentido da expressão é que a morte será completamente
derrotada na Nova Terra.
A maravilhosa mensagem de Isaías 65.20, proclamada por meio de um poema, é
que no por vir, no habitat restaurado a morte e o pecado não mais existirão. É preciso
lembrar que, “nunca mais se ouvirá nela nem voz de choro nem de clamor” (v. 19).
Morte e a maldição decorrente do pecado são os motivos básicos que fazem com que os
homens chorem, sofram e se angustiem no presente. Porém, na Nova Terra nada disso
existirá: “Morte prematura e mesmo morte em velhice moderada, será desconhecida”.91
No habitat restaurado não mais haverá morte prematura, os idosos desfrutarão de vida
84
Joseph A. Alexander. Commentary on Isaiah. Vol. 2. Grand Rapids, MI: Kregel Publications,
1992. p. 453.
85
Jan L. Koole. Historical Commentary on the Old Testament: Isaiah III. Vol. 3. p. 459.
86
John Oswalt. Comentários do Antigo Testamento: Isaías. Vol. 2. p. 791.
87
R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr., e Bruce K. Waltke (Orgs.). Dicionário Internacional
de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2001. p. 450.
88
Ibid.
89
J. Alec Motyer. The Prophecy of Isaiah: An Introduction & Commentary. p. 530. Além de
Motyer, vários exegetas contemporâneos dão preferência a esta tradução, como Claus
Westermann, R. N. Whybray e James W. Watts.
90
A tradução católica Edição Pastoral traduz Isaías 65.20 de modo semelhante: “Aí não haverá
mais crianças que vivam alguns dias apenas, nem velhos que não cheguem a completar seus
dias, pois será ainda jovem quem morrer com cem anos, e quem não chegar aos cem anos
será tido por amaldiçoado”.
91
Joseph A. Alexander. Commentary on Isaiah. Vol. 2. p. 454.
em toda a sua plenitude. A mensagem dessa passagem, como salienta o Kim
Riddlebarger, não é sobre “uma terra redimida incompleta em que as pessoas
experimentam uma vida prolongada apenas para morrer mais tarde”.92 A mensagem da
passagem é sobre vida eterna!
Amós 9.13-14: “Eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que o que lavra segue logo ao
que ceifa, e o que pisa as uvas, ao que lança a semente; os montes destilarão mosto, e
todos os outeiros se derreterão. Mudarei a sorte do meu povo de Israel; reedificarão as
cidades assoladas e nelas habitarão, plantarão vinhas e beberão o seu vinho, farão
pomares e lhes comerão o fruto”.
Na Nova Terra tudo é ao contrário do que acontece na primeira. No habitat
restaurado os santos desfrutarão plenamente das obras de suas mãos. Mais um traço da
maldição advinda por causa do pecado será removido no porvir. Isso é consequência
direta do que foi prometido no versículo 20. 94 Visto que o pecado não mais se fará
presente na Nova Jerusalém, obviamente, a punição decorrente da transgressão da lei
também não se fará. Assim, os homens não mais ficarão impedidos de desfrutar do seu
trabalho. Eles edificarão suas casas e nelas habitarão. Plantarão vinhas e se deliciarão
com o seu fruto. “Em vez de lágrimas de frustração e futilidade, haverá risos de
93
J. Alec Motyer. The Prophecy of Isaiah: An Introduction & Commentary. p. 531.
94
Tremper Longman III. “Between Text & Sermon: Isaiah 65:17-25”. In: Interpretation: A
Journal of Bible & Theology. Vol. 64. Nº 1. (Janeiro de 2010). p. 72.
realização e satisfação, e cânticos de louvor a Deus”. 95 A promessa de Deus para os
habitantes da Nova Terra é: “os meus eleitos desfrutarão de todo as obras das suas
próprias mãos” (v. 22). É interessante que a promessa não fala apenas de uso e desfrute.
Ela fala de total e completo gozo daquilo que é construído e plantado. É esse o sentido
do termo hebraico hl'B', que “não significa meramente usar e desfrutar, mas usar e
consumir”. 96 Na Nova Terra os servos de Deus desfrutarão da bênção de usar
plenamente aquilo que suas mãos produzirem.
Isto posto, é importante observar que o porvir não será caracterizada pela
inatividade, como muitas pessoas imaginam. A passagem de Isaías é clara a respeito da
existência e permanência do trabalho no habitat restaurado. A observação de Randy
Alcorn é muito perspicaz: “Os cidadãos da Nova Terra construirão, plantarão e
comerão, como os seres humanos na terra sempre fizeram. Como Adão e Eva no Éden,
herdaremos um lugar que Deus tem preparado para nós. Estaremos livres para construir
nele e desenvolvê-lo como nos parecer conveniente, para a glória de Deus”. 97
PERPETUAÇÃO DA VIDA
Is 65.22 – “porque a longevidade do meu povo será como a da árvore, e os meus eleitos
desfrutarão de todo as obras das suas próprias mãos”.
O versículo 22 de Isaías 65 ainda faz referência à perpetuação da vida, já
ensinada no versículo 20. A comparação é com a árvore, que na Palestina “era um
símbolo de permanência e resistência”. 98 É necessário compreender que a promessa não
diz respeito apenas a viver durante muito tempo, assim como uma árvore vive por
muitos anos. O idioma hebraico não possui um vocábulo para “longevidade”, assim
como não possui um vocábulo correspondente para “eternidade”.99 O conceito de
longevidade é expresso pela expressão ^ym,êy" %r<aoåw>, traduzida literalmente como
95
John Oswalt. Comentários do Antigo Testamento: Isaías. Vol. 2. p. 792.
96
C. F. Keil e F. Delitzsch. Commentary On the Old Testament: Isaiah. Vol. 7. Grand Rapids,
MI: Eerdmans, 1991. p. 490.
97
Randy Alcorn. Heaven. Posição 6202. Edição Kindle.
98
Edward J. Young. The Book of Isaiah. Vol. 3. p. 516.
99
O termo hebraico ~l'A[ , é usado no Antigo Testamento mais de 300 vezes para indicar um
prosseguimento indefinido de tempo até o futuro distante. O sentido do termo é o de um tempo
indeterminado, incalculável. Allan A. Macrae afirma que, “nem o vocábulo hebraico nem o
grego [aiôn] contêm em si mesmos a ideia de infinitude. Cf. R. Laird Harris, Gleason L. Archer
Jr., e Bruce K. Waltke (Orgs.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento.
pp. 1126-1127.
“comprimento dos seus dias”. Além disso, o termo hebraico ~Ay pode ser traduzido
100
É interessante que esta palavra não possui sinônimos correspondentes, mas pode ser
comparada a ~l'A[
, frequentemente traduzida como “eternidade”. Ibid. p. 604.
101
John Calvin. Commentary on the Book of the Prophet Isaiah. Vol. 4. p. 247.
artesãos ou centenas de outras vocações. Uma diferença significativa
é que eles trabalharão sem os obstáculos da fadiga, dor, corrupção
e pecado. 102
Na Nova Terra não haverá lugar para insatisfação quanto ao salário recebido,
tristeza pela perda de uma safra, tratamento injusto e etc.
Em segundo lugar, Deus promete que no habitat restaurado a família não
somente continuará a existir, mas também, e acima de tudo, não mais existirá a
frustração decorrente da perda de um filho: “nem terão filhos para a calamidade”.
Literalmente, o texto fala de não mais ter filhos para o terror súbito. Nada há de mais
doloroso para um casal que perder seu filho de forma súbita. John Oswalt afirma que se
trata de algo extremamente fútil “suportar a dor que ameaça a vida ao dar à luz sabendo
que a enfermidade ou fome ou espada pode enviar esses filhos ao túmulo mesmo antes
que seus pais”. 103 Tudo leva a crer que na Nova Terra as relações familiares continuarão
a existir. O termo hebraico [r;z<, significa “semente, prole”.104 Além dele, a palavra
ac'a/c,, significa “descendência”.105 Koole afirma que os dois termos são sinônimos
“em 61.9 e em outro lugares (44.3; 48.19, e etc.)”.106 Assim sendo, Isaías 65.23 está
falando sobre os filhos daqueles que são a posteridade bendita do Senhor. O
ensinamento, é que no habitat da Nova Jerusalém, “nenhum filho nascerá para o terror
da guerra, opressão, doença e morte prematura”. 107 Em vez disso, “os redimidos viverão
juntos dos seus descendentes em bem-aventurança, pois estes são a semente daqueles
benditos”.108
102
Randy Alcorn. Heaven. Posição 7516-7529. Edição Kindle. Ênfase acrescentada.
103
John Oswalt. Comentários do Antigo Testamento: Isaías. Vol. 2. p. 792.
104
R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr., e Bruce K. Waltke (Orgs.). Dicionário Internacional
de Teologia do Antigo Testamento. p. 409.
105
Ibid. p. 643.
106
Jan L. Koole. Historical Commentary on the Old Testament: Isaiah III. Vol. 3. p. 462.
107
Ibid. p. 463.
108
Edward J. Young. The Book of Isaiah. Vol. 3. p. 516.
aproximar com liberdade e ousadia ao trono da graça, para alcançarmos graça e
encontrar a ajuda necessária’ (Hebreus 4.16)”.109 Apesar disso, em muitas ocasiões “não
parece que Deus está sempre pronto a prestar socorro, e não há fruto visível das nossas
orações”.110 Os redimidos, embora já desfrutando de comunhão com Deus, ainda são
acossados por um turbilhão de coisas que os fazem gemer e, de diversas formas,
imaginarem que Deus não está ouvindo as suas petições. É certo que isso se trata de
uma falsa sensação própria da incredulidade e corrupção remanescentes em seus
corações. Mesmo nessas situações amargas “Deus não nos permite desmaiar, mas apoia-
nos pelo poder do seu Espírito, a fim de que esperemos por ele pacientemente”. 111
Geralmente isso se dá quando “a nossa amargura nos impede de ver as coisas
maravilhosas que Deus tem feito em resposta às nossas orações”.112
Outra razão para este estado de coisas é o que está escrito em Isaías 59.2: “Mas
as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados
encobrem o seu rosto de vós, para que vos não ouça”. O pecado se interpõe como um
obstáculo entre Deus e o seu povo no que diz respeito à mais perfeita fruição da
comunhão entre eles. No capítulo 64 o profeta Isaías confessa a pecaminosidade do
povo e lamenta que o Senhor não estivesse respondendo ao clamor do seu povo:
Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como
trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas
iniquidades, como um vento, nos arrebatam. Já ninguém há que
invoque o teu nome, que se desperte e te detenha; porque escondes de
nós o rosto e nos consomes por causa das nossas iniquidades. Mas
agora, ó SENHOR, tu é nosso Pai, nós somos o teu barro, e tu, o nosso
oleiro; e todos nós, obra das tuas mãos. Não te enfureças tanto, ó
SENHOR, nem perpetuamente te lembres da nossa iniquidade; olha,
pois, nós te pedimos: todos nós somos o teu povo (vv. 6-9).
109
John Calvin. Commentary on the Book of the Prophet Isaiah. Vol. 4. p. 248.
110
Ibid.
111
Ibid.
112
John Oswalt. Comentários do Antigo Testamento: Isaías. Vol. 2. p. 794.
bem”. 113 Não existirá mais a sensação de que Deus é demorado em responder as orações
do seu povo. A providência de Deus se manifestará antes de qualquer oração ser
proferida.
Além disso, a Nova Terra será caracterizada por uma perfeita unidade entre a
vontade dos redimidos e a vontade de Deus. Isaías continua afirmando: “estando eles
ainda falando, eu os ouvirei”. No presente o povo de Deus apresenta as suas orações,
mas nem todas são respondidas favoravelmente. De muitas maneiras fica explícito que,
“não sabemos orar como convém” (Romanos 8.26). Muitas súplicas apresentadas no
presente, mesmo por aqueles que são discípulos de Cristo, são motivadas por desejos
egoístas (Tiago 4.1-4). Contudo, na eternidade isso não mais será assim. No habitat
restaurado haverá uma correspondência de vontade tal entre a vontade dos santos e a
vontade divina que, “enquanto as pessoas ainda estão falando, Deus ouvirá, no sentido
de ouvir e responder favoravelmente”. 114 Tremper Longman resume a bem-aventurança
que caracterizará o relacionamento do Senhor com o seu povo com as seguintes
palavras: “Mais fundamentalmente, na nova criação, o relacionamento com Deus será
íntimo, intenso e imediato”.115
116
J. Alec Motyer. The Prophecy of Isaiah: An Introduction & Commentary. p. 531.
117
John Oswalt. Comentários do Antigo Testamento: Isaías. Vol. 2. p. 795.
118
Ibid.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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