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9 de SETEVBRO/1986 SENHOR Covardia, nunca mais CO. Cubeus Rivne ‘A tortura tem de ser punida. Nao importa quem a pratica ou onde, como e quando ela foi praticada © torturador nao diz: “Eu torturo, ou eu torturei.” Nao que a violencia 0 repugne e tire 0 seu sono, como 4 Lady Macbeth, na metéfora aflitiva das maos cheias de sangue. O torturador tem, contra si, a abjecio mo- ral da covardia. O torturador esconde 0 seu oficio, mesmo quando ele nio é a manilfestacio individual de uma patologia sidica~e raramente €—e, sim,uma po- litica de Estado-e 0 Brasil sabe bem o que vem a ser isso. torturador opera na clandestinidade. £ da natu- rea da tortura, portanto, que o torturador, ¢ o Estado que acoberta a tortura, sejam levados a mentir. Por 15 anos, as autoridades fardadas que falavam em nome do regime de 64 quiseram fazer a Nacdo acredi- tar na seguinte historia: que um senhor de mais de 100 quilos, detido para depoimento, foi capaz de escapulir do banco trasciro de um Fusquinha, onde o guarda- vam trés soldados armados, para, em seguida, ser res~ gatado por um comando subversivo, em meio a uma troca de tiros em que pelo menos oito pessoas dispara- vam simultaneamente. Seria duvidar da inteligencia alheia imaginar que os proprios senhores que propala- vam essa versio, com a credencial de suas insignias mi- litares, acreditaram nela em algum momento. No Brasil, torturou-se em quartéis do Exército. De Rubens Paiva, uma das vitimas, sabe-se desde a semana assada, com minuicias, o que a Nacdo sempre descon- jou, genericamente. A verdade aparece, cristalina © que fazer com a verdade? Esquecé-la, propée uma prestativa nota assinada pelo Ministério do Exército. A verdade nao ¢ bem- vinda. Ha que se sufocd-la, por baixo do estandarte do perdao que, lembrardo, ¢ amplo, geral ¢ irrestrito. O Exército. nacional, se nao for assim, admite até submeter-se a uma macabra competicio aritmética a respeito de quem tem mais “‘mortos, vitivas ¢ invali- dos”; sendo que, se de um lado, houve torturadores, do outro havia “assassinos, seqiiestradores e assaltantes”’. A anistia pressupde que houve um combate terrivel € que os dois lados atiraram. Que se esqueca, portanto, 0 que aconteceu no fragor da Datalha. Mas que nao se ¢s- queca, jamais, a pusilanimidade. O ex-deputado Rubens Paiva jamais empunhou armas. Foi assassinado por mio covarde num recinto escuro das Forcas Armadas. Sem se intimidar com pressées estreladas, a Consti- tuinte tem por dever estabelecer, no papel, a diferenca entre 0 que foi combate € 0 que foi covardia; entre a verdade ¢ a mentira; entre a deputada Beth Mendes e o coronel Brilhante Ustra; entre Rubens Paiva ¢ 0 algoz anénimo, acobertado por seus superiores, que o mas- sacrou miseravelmente, sem detfesa.

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