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TORTURA Chance rara Governo pode esclarecer caso Rubens Paiva PP x ceeminacio do procuradorgeral da Justica Militar, Francisco Leite Chaves, a Policia Federal esta encarrega- da, desde quarta-feira da semana passa- da, de esclarecer as circunstancias do de- saparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, preso em 1971 e morto por milita- res dos servigos de policia politica do go- verno, Trata-se de um estranho caso. Pe- Ja maneira como 0 mataram, mede-se a brutalidade do governo do general Emilio Medici. Pela maneira como se matam as tentativas de descobrir seus assassinos, mede-se a hipocrisia dos seus sucessores. “Como os aconteci- Mentos agora estio distantes ¢ os tempos so outros, acredito que pos- sam aparecer pessoas dispostas a cla- rear 0$ fatos com seus testemunhos”” diz Leite Chaves, relembrando que Paiva foi preso em sua casa no Le- blon, no Rio de Janeiro, por oficiais da Aeronéutica, em cujas dependén cias foi torturado posteriormente, tes de sumir. A reabertura do caso tem ‘como base legal o fato de nunca ter si- do instaurado um inguérito policial- militar para apurar as verdadeiras cau- sas do desaparecimento de Rubens Paiva — até agora, tudo se resumira a uma sindicdncia interna do Exército. Quando Paiva foi assassinado mon- tou-se uma farsa para proteger seus assassinos ¢ ocultar seu cadaver, ja- mais encontrado. O I Exército divul g0u uma verso estapafiirdia segundo a qual, depois de preso, ele teria sido seqiiestrado por um comando terroris. ta quando era transportado de uma delegacia na Tijuca para um quartel ‘Segundo essa lorota, Paiva, com mais, de 100 quilos e um calea- nhar fraturado, conseguiu sair do banco de tras de um Volkswagen onde era escol- tado por trés militares do Exército, armados, ¢ correr no meio de um tiroteio para © carro dos terroristas que 0 resgataram numa rua onde mal hé espago para dois vefculos. Em 1971, essa versio. fantéstica sustenta- va-se ma tesoura da Censu- ra, que proibia a imprensa de tratar do assunto. Em agosto daquele mes. mo ano, 0 Conselho de De- VEJA, 27 DE AGOSTO, 1986 fesa dos Direitos da Pessoa Humana, 6r- io do Ministério da Justiga, decidiu exa- minar 0 caso — mas a tentativa durou pouco. Quando néo se sabia nem ao me- nos o paradeiro de Rubens Paiva e tam- pouco havia alguma pista para se identifi- car seus supostos seqiiestradores, o conse- Iho deliberou pelo arquivamento do caso. Entre os membros que votaram a favor des sa decisio havia um professor, Benjamin Albagli. Com a abertura politica, lbs confessou, em puiblico, que votara pelo ar- quivamento porque estava com medo. Mais tarde, foram feitas outras quatro tentativas para se esclarecer a morte de Rubens Paiva, Em todas elas, o consetho votou pelo arqui- vamento. Depois da ttima, 0 préprio calha- ‘mago de documentos desapareceu, perdido em algum ponto entre o Ministério da Justi- a, em Brasilia, e a Procuradoria da Justica Militar do Rio de Janeiro, que havia pedido para examinar os papéis. CARTA DE SANTIAGO — “'Se dessa vez quiserem levar o inguérito a sério temos condigdes de mostrar a verdade”, diz 0 deputado Bocayuva Cunha, amigo e s6- cio de Rubens Paiva na época de seu de- saparecimento. “Eu nunca acreditei nes- a hist6ria’”, afirma a vitiva Eunice Pa va, que teve cinco filhos com o ex-depu- tado, entre os quais 0 escritor Marcelo Rubens Paiva, que contou em um livro autobiogrdfico seus sentimentos em rela- do ao desaparecimento do pai. ““Pa- fa mim ele foi morto no DOI-CODI. entre 0s dias 22 ¢ 23 de janeiro, sob tortura’’, cré Eunice, qué um dia de- pois da prisio do marido foi levada com a filha Eliana, com 15 anos na €poca, para 0 quartel da Policia do Exército, onde funcionavam as insta lagdes do DOI-CODI. Inicialmente 0 deputado foi levado para a Ill Zona Aérea, na qual passou por sessdes de tortura. Depois disso, abalado fisica- mente, Paiva foi transportado para 0 DOI-CODI e desde entéo nao se sabe de seu paradeiro Na semana passada, Heloisa Boca- yuva, filha do sécio de Paiva, revelou Publicamente 0 motivo para a prisio do colega de seu pai exilar-se no Chile com sua ajuda, He loisa mandou uma carta para o ex-de- putado através da professora Cecilia Viveiros de Castro, que acabou sendo presa ao desembarcar de Santiago no aeroporto do Rio de Janeiro. “Era uma carta afetiva, do tipo que se envia um tio querido", afirma Heloisa. De posse da carta, os militares acredita- ram ter descoberto uma cumplicidade politica entre os dois e prenderam Pai- va. “Quem tem que se sentir culpado © Estado brasileiro, sou tio vitima quanto o Rubens", de sabafa ela. Agora 0 governo tem nas mios a apuracéo de um caso de assassinato de preso politico. Se conseguir desvendé-lo, terd aproveitado 2 melhor chance para impedir que, novamente, Rubens Pai va desapareca por omissdo de y socorro histérico. “Figuei surpresa com a decisio’ F afirma Eunice Paiva. “Mas é primeira vez que ha condi- es para se descobrir onde, quando € como meu marido morreu,” e a

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