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Journal of Environmental Analysis and Progress
Journal of Environmental Analysis and Progress
01 (2018) 061-068
Journal of Environmental
Analysis and Progress
Journal homepage: www.jeap.ufrpe.br/
ISSN: 2525-815X 10.24221/jeap.3.1.2018.1723.061-068
RESUMO
A indústria de beneficiamento têxtil é um setor que apresenta elevado potencial
poluidor, pois em seus processos demandam grandes volumes de água e geram
efluentes quimicamente complexos. Em resposta à necessidade de implementar
técnicas e ferramentas voltadas ao gerenciamento do uso sustentável da água foi
criado o conceito Pegada Hídrica (PH), que consiste no cálculo do volume total de
água consumida de forma direta e indireta pelos seres humanos e nos processos de
produção. Por ser um tema ainda pouco discutido, o objetivo desse estudo consistiu
em avaliar a Pegada Hídrica Azul do processo de beneficiamento do jeans em
quatro lavandarias têxtil localizadas no Pólo de Confecções do Agreste de
Pernambuco. Foi realizada entrevista telefônica com quatro empresas (A, B, C e D)
de beneficiamento de jeans localizadas na cidade de Caruaru, Pernambuco.
Considerando os dados obtidos, foi possível realizar uma estimativa da pegada
hídrica do processo para cada empresa estudada, onde as mesmas apresentaram PH
de 17.74, 24, 14.93 e 60 litros por peças, respectivamente. Concluiu-se que o
conhecimento da pegada hídrica do processo de beneficiamento têxtil mostrou que
essa atividade é caracterizada como de significativo potencial poluidor devido ao
elevado volume de água necessário para o seu processo produtivo e que o reuso e o
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correto manejo das águas residuais podem funcionar como alternativas mitigadoras.
Palavras-Chave: Recursos hídricos, beneficiamento têxtil, pegada hídrica.
Introdução ser capaz de afetar a qualidade da água ao ponto
A água, apesar de ser um recurso natural de impedir o seu uso para diversas atividades,
abundante no planeta, ocupando, principalmente para consumo humano (UNESCO,
aproximadamente, 70% da superfície (FAO, 2017).
2007), tornou-se uma condicionante no Segundo dados do Ministério do Meio
crescimento mundial (OCDE, 2015). A baixa Ambiente, as indústrias: química, têxtil, de
disponibilidade de água doce, o correspondente a pesticida, tinta, medicamento, papel e celulose são
apenas 2,5% desse volume, se reflete no problema os setores que apresentam significativo potencial
da escassez hídrica, que ocorre quando a oferta poluidor (MMA, 2013).
desse recurso em uma região é inferior à sua Nesse contexto, a indústria têxtil é
demanda (FAO, 2007). bastante relevante, pois é um dos mais
Quando um país dispõe de menos de importantes segmentos de transformação
1.000 m³/pessoa/ano de água fica caracterizada a industriais do Brasil e do mundo (SEBRAE,
escassez hídrica, caso esta disponibilidade seja 2000).
entre 1.000 e 1.700 m³.pessoa-1ano-1 fica indicada As lavandarias de jeans estão entre as
uma “tensão hídrica” (OPAS/CEPIS, 2002). atividades industriais mais impactantes na área
Conforme estudos das Organizações das ambiental de devido ao seu elevado potencial
Nações Unidas (ONU), o problema da escassez poluidor e complexidade química dos efluentes
hídrica é encontrado em grande parte dos países. gerados. O processo produtivo da indústria de
Estima-se que a condição de escassez absoluta de beneficiamento têxtil tem como principal insumo
água estará atingindo cerca de 1.800 milhões de a água (Allègre et al., 2006), a perda de água
pessoas até o ano 2025 (UN-WATER, 2006). durante o processo industrial nas lavandarias pode
O Brasil, apesar de ser um país que possui chegar a 10,6%, tendo como principais causas os
grandes reservas hídricas, possui regiões com vazamentos nas tubulações, as máquinas com
baixa disponibilidade de água doce, pois fatores problemas e a evaporação (Alkaya & Demirer,
como a elevada extensão territorial, as condições 2014).
climáticas e a diversificada configuração A fim de combater os problemas de
geográfica exercem influência direta na disponibilidade e conservação dos recursos
distribuição da disponibilidade hídrica. No naturais, está ocorrendo um processo de mudança
território do país passam cerca de 260.000 m³.s-1 de comportamento, e as empresas, seja por força
de água, porém a bacia do Rio Amazonas de lei ou por conscientização, começam a adotar
concentra grande parte dessa vazão (cerca de uma postura sustentável (Donaire, 2011).
205.000 m³.s-1), restando para as bacias das Diante do crescente problema da crise
demais regiões apenas 55.000 m³.s-1 de vazão hídrica, torna-se fundamental a utilização de
média (ANA, 2016). ferramentas de gestão ambiental que buscam
Na região Nordeste, além da reduzida auxiliar no uso dos recursos naturais de forma
concentração dos recursos hídricos, sustentável. Considerando algumas metodologias
correspondente a apenas 3,3% do país aplicadas para definição de indicadores de
(IBGE/ANA, 2010), aspectos hidrogeológicos sustentabilidade ambiental pode-se contemplar
associados aos reduzidos índices pluviométricos e para externar o uso sustentável dos recursos
aos elevados índices de evapotranspiração, hídricos, a utilização de ferramentas como a
decorrentes das elevadas temperaturas e baixas Família das Pegadas, a pegada hídrica, pegada
precipitação e umidade do solo, resultam em ecológica e pegada de carbono como uma
baixos valores de disponibilidade hídrica para essa iniciativa nos estudos ambientais (Silva et al.,
região (ANA, 2016). 2015).
A redução da disponibilidade de água De acordo com Galli et al. (2012), as
possui como principais fatores o crescimento Pegadas Ecológicas do carbono e hídrica devem
populacional, a mudança global do clima e o ser consideradas como ferramentas capazes de
aumento da demanda de água decorrente da identificar as pressões antrópicas em várias
mudança de estilo de vida das pessoas (Peters, repartições da biosfera, atmosfera e hidrosfera.
2006). A utilização da Pegada Hídrica como
O lançamento de efluentes domésticos ou indicador abrangente da apropriação de recursos
industriais sem o tratamento adequado nos corpos hídricos, incluindo usos diretos e indiretos, ao
receptores afeta diretamente a disponibilidade de longo das cadeias produtivas, vem sendo
água doce, pois resulta na sua poluição, podendo integrado ao meio científico e empresarial de
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forma positiva, porém ainda não existem muitos um setor de negócios ou da humanidade como um
estudos sobre este tema no Brasil (Bleininger & todo (Hoekstra et al., 2011).
Kotsuka, 2017). De acordo com a finalidade a que se a
A pegada hídrica é composta por três propõe, análise da pegada hídrica é realizada de
componentes: Pegada Hídrica Azul, Pegada forma diferente. No que se refere à pegada hídrica
Hídrica Verde e Pegada Hídrica Cinza. de um processo, ela representa o volume de água
A pegada azul é um indicador do por unidade de produto (Hoekstra et al., 2011).
consumo da água doce superficial e subterrânea Desta forma, considerando que o conceito
de uma bacia hidrográfica (Ercinet et al., 2013; de Pegada Hídrica é um assunto pouco discutido
Ercine & Hoestra, 2014). Essa pegada representa em algumas atividades e que as indústrias de
a perda dessas águas ao longo de uma cadeia beneficiamento têxtil consomem elevados
produtiva, seja pela incorporação ao produto volumes de água, o objetivo desse estudo
(consumo), por evaporação, ou pelo retorno à consistiu em realizar a avaliação da Pegada
outra bacia hidrográfica ou ao mar. Hídrica Azul do processo produtivo das
A pegada verde trata do volume de água lavandarias Têxteis do Pólo de Confecções do
proveniente da precipitação continental que é Agreste de Pernambuco.
utilizado no processo produtivo, e que não sofre
escoamento superficial ou infiltração, logo, que Material e Métodos
não contribui para a reposição das águas Conforme Amaral et al. (2012), na Região
subterrâneas, ou seja, é um indicador da Nordeste, mais especificadamente no Agreste
quantidade de água verde consumida (Gerbens- Pernambucano, o desenvolvimento e expansão das
Leenes et al., 2012), sendo bastante relevante para indústrias de confecção e têxtil tem adquirido
a produção agrícola (Bosire et al., 2015; Ercin et relevância, sendo atualmente essa a principal
al., 2013). atividade industrial da Mesorregião.
Quanto à Pegada Hídrica Cinza, ela No agreste de Pernambuco se encontra em
refere-se ao volume de água necessário para diluir pleno desenvolvimento econômico, sendo
os poluentes a fim de que passem a atender os observado um grande número de indústrias têxteis
padrões de qualidade estabelecidos pelas por toda região. O Arranjo Produtivo Local (APL)
legislações ambientais vigentes para o lançamento da confecção do agreste pernambucano, como é
em corpos receptores (Hoekstra et al., 2011). conhecido, é um importante pólo de confecções de
Os estudos de pegada hídrica podem ser tecido do agreste especializado em “jeans”, onde
aplicados em diversos contextos e ter várias estão inseridos quatro municípios, dentre os 16
finalidades, como as pegadas hídricas de um que compõe o agreste do estado de Pernambuco:
processo, de um produto, de um consumidor, de Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e
um grupo de consumidores, de uma área Riacho das Almas (Figura 1) (Marcelino, 2013).
delimitada geograficamente, de um negócio, de
Figura 1. Localização das cidades do pólo têxtil pernambucano. Fonte: Adaptado de Trindade et al. (2013).
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Pernambuco possui o terceiro maior setor tempo. Quando dividida pela quantidade de
de confecções do Brasil, ficando atrás apenas do produtos que resultam do processo (unidades de
Rio de Janeiro e São Paulo, com faturamento produto por unidade de tempo), pode também ser
representando 7% do PIB pernambucano (Melo, expressa como o volume de água por unidade de
2012). A região agreste concentra 60% da produto, segundo a Equação 1 (Hoekstra et al.,
produção do estado, onde existem 12 mil 2011).
empreendimentos pertencentes ao Arranjo
Produtivo Local (APL) de confecções,
concentrados principalmente nos municípios de
Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e
Surubim. O complexo emprega cerca de 76 mil (Eq.1)
pessoas, sendo os principais produtos fabricados:
o jeans, a malharia em algodão e as peças de onde: PH proc[s] é a pegada hídrica do passo “s”
moda casual em tecido (SEBRAE, 2008 apud do processo (volume/tempo) e P[p] a quantidade
Melo, 2012). produzida do produto “p” (massa/tempo).
O Pólo de Confecção do Agreste (PCA) é As pegadas hídricas podem ser associadas
um dos pólos de desenvolvimento da economia do aos diversos passos do processo no sistema
estado de Pernambuco estruturado como um produtivo poderão ser totalmente atribuídas ao
Arranjo Produtivo Local (APL) devido às produto resultante (Hoekstra et al., 2011).
características específicas dos municípios que os A partir disso, foi realizada entrevista via
compõem. Caruaru, Toritama e Santa Cruz do telefone, em julho de 2017, com quatro empresas
Capibaribe são cidades que geograficamente estão (A, B, C e D) de beneficiamento de jeans
muito próximas, seus produtos se assemelham; localizadas na cidade de Caruaru, Pernambuco.
peças do vestuário destinadas ao mercado de Nesse questionário procurou identificar, com o
moda popular de vários estados do Brasil (Barros, responsável por cada empresa, os seguintes
2009). O mesmo autor afirma que no Estudo de parâmetros: quantidade de peças produzidas por
Caracterização Econômica do Pólo de Confecções mês, volume total de água consumida no processo
do Agreste Pernambucano desenvolvido pela e a fonte de captação de água. Baseado nesses
FADE para o SEBRAE aponta que são produzidas parâmetros foi possível elaborar o cálculo do
57,8 milhões de peças por mês, nos municípios do valor estimado da pegada hídrica para as empresas
Pólo. estudadas.
Aplicação da ferramenta pegada hídrica Resultados
A metodologia da Pegada Hídrica mede a As empresas estudadas captam água no
utilização de água nas atividades humanas e na rio Ipojuca, em poço artesiano, ou utilizam
produção de bens e serviços, considerando o caminhões pipa ou através da COMPESA. O
consumo de água e sua contaminação. Trata-se de consumo da água representa um desafio para as
um instrumento de gestão que se baseia na indústrias, visto que os recursos hídricos são um
promoção da eficiência no uso da água, na busca bem limitado.
do uso sustentável da água e no estímulo ao As lavandarias em estudo apresentaram
compartilhamento equitativo da limitada dados distintos, levando em consideração a
disponibilidade hídrica (Teixeira, 2016). demanda do mês de julho/2017. Esses dados
Visando realizar a avaliação da pegada podem ser visualizados na Tabela 1.
hídrica azul ao processo de beneficiamento jeans As lavandarias “A” e “B” apresentaram
em uma lavandaria industriais do Pólo Têxtil do uma demanda maior de peças. A lavandaria “A”
agreste de Pernambuco, a metodologia utilizada consome 1.500.00 L.mês-1 com uma demanda de
consistiu no levantamento de dados e informações 84.540 peças por mês; a lavandaria “B” consome
disponíveis na literatura especializada, com o 1.260.000 L.mês-1, com uma demanda de 52.500
objetivo de aplicar essa ferramenta de gestão peças por mês. Ambas fazem reuso da água,
ambiental de acordo com metodologia citada por porém deve-se ressaltar que segundo informações
Hoekstra et al. (2011), no Manual da Pegada obtidas na entrevista, a lavandaria “B” consegue
Hídrica, criado pelo Water Footprint Network reutilizar cerca de 80% de sua água após
(WFN). tratamento em ETE.
Conforme citado no Manual da Pegada
Hídrica, a pegada hídrica de um processo é
expressa como o volume de água por unidade de
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