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© TEATRO NO PORTO NO SECULO XVIII Por José Pedro Ribeiro Martins 1—Introducio © teatro em Portugal no século XVII mostra-se de uma grande complexidade. Para isso contribuiu a. proliferagio de esas, geralmente traduzidas do espanhol, francés e italiano com destaque especial para Metastisio que viu traduzido e adaptado um grande némero dos seus originals, ‘A tradugio © adaptacdo de pecas estrangeiras cria vérios problemas ao investigador ja que muitas vezes a tradugio é de tal maneira diferente do original que poderemos dizer que sio duas pecas diferentes Esia_adaplacdo € comentada por um viajante francés que visitou Portugal ¢ nos diz que as pecas eram quase todas tra Guzidas ¢ mal. Assistira & representacao de pegas de Voltaire, Moligre, Goldoni, Metastisio e reparara que nestas pecas «se incorporavam dois ridiculos bufdes ou graciosos que dizem cem sensaborias ¢ frioleiras, com que fazem perder ao drama parte do seu interesse © viveza»?. Esta adaptacdo ao gosto portugués, como gostavam de acen- tuar os tradutores, Jevava a um maior interesse da plateia pelo drama, ‘Sob_a influéncia de D. Jodo V (1706-1750) e de D. José (17501777) a 6pera italiana’ apodera-se dos palcos portugueses. ‘A vinda de miisicos e compamhias de dpera italiana faz com que Se desenvolva imenso este tipo de especticulos. No entanto carta de um visjante tranots a um seu amigo resigente em Parle oobre 9 candeter ¢ toindo presente de Tortugsh Madwitie Ua tiga francesa na portoguesa por um Portugués assistente em Paris, Paris, 10% citada por A. Magaingeg Basto em eBalam velhos manuscritoss, in sO P¥i: ‘olro de Janciros, de 1/5/1084 99 © piiblico popular continua a frequentar os teatros em qué se apresentavam pecas de teatro de cordel, onde so, muitas vezes topicamente, escalpelizados alguns dos vicios da sociedade da época. ‘Com a épera surge uma gama variada de espectéculos musi- cais cantados: serenatas, bailados, poemas draméticos, orat6- rias, ete. © gosto dos portugueses pela miisica foi assinalado pelo viajante francés andnimo que afirma que «a nacio portuguesa era eminente na miisica assim como vocal como instrumental. S6 pelas agradaveis sinfonias ¢ aberturas dos Teatros se fazem eles toleraveis. O mesmo vos digo das dangas e pantominas em que esta Nagio é inimitévels* Este gosto pela danca ¢ pela misica levava a que nos inter- valos das peras se compusessem bailados independentes, que, se por um lado, contribuiam para a disperséo, por outro serviam para excitar a atlengio dos espectadores que sem isto com razao se infastiario no segundo acto, por ndo poderem tolerar no espago de quatro horas a continuacio da musica vocal, por melhor que seja, sem alguma interrupeéio agradavel, mas ‘ditfe- rente dos recitados, ¢ arias» *. © Porto, segundo as nossas noticias, deve ter conhecido 86 por meadds do século este tipo de espectaculo. ‘A grande dificuldade de consulta de documentos ¢ um sério obsticulo & investigacao sobre o teatro no Porto no século XVIII. ‘Se por um lado quase nfo temos documentos que nos pro- vem a realizcéo de especticulos neste perfodo', por outro, quando aparecem, nao se sabe qual o autor da peca representada, pois a infidelidade das traducdes comeca logo pelo titulo. Ainda que tivéssemos tentado a investigacao documental necesséria para um maior desenvolvimento desta comunicacio, investigacao feita no Arquivo Distrital do Porto, no Gabinete de Historia da Cidade, no Arquivo da Cémara Municipal e na Biblioteca Pablica Municipal do Porto, nada ou quase nada encontrémos. Ser necessério tempo e um conjunto de investigadores dedi- cados para arrancar dos arquivos os documentos que nos sirvam Para uma histéria, tanto quanto possivel completa, do teatro setecentista. > er 4S Gazeta literdria ou noticia exacts dos principacs escriptos modemos, tomo i, Junho de 1762, por Francisco Bernardo de Lima, conego secular ga Gongregags vangelista, ‘Lisboa, na Oficina de Miguel Rodeigues, pp. 96-97 TExiste na Biblioteca Publica Municipal do Porto um curioso docu mento onde se fazem referencias a espectacilos dados 0 Porto entre 3700 Peto Antes de etlagao doo datas o dos sepeotieuioe Ie-se: sete bolatio tra enviado regularmente do Porto 2 Lisboa, a Salter de Mendonea, que ‘fol depois seeretdrio da” Regéncia, oo mals possivelmente. co pat _aaqucle {gue ‘linha sido desembergador no Porte, por Antonio Luis Braga Auguston. 100 Esta comunicagio sera, pois, um pequeno esboco da histé- ria do teatro do Porto no século’ XVIII ¢ basear-sea fundamen- talmente em investigacées anteriores que procuraremos sistema tizar, de alguns dedicados estudiosos, aos quais aqui prestamos homenagem, Mas trata-se, cremos, da primeira vez que tal sin- tese € tentada. 2—Divertimentos dos portuenses no século XVIII A que se dedicava 0 portuense nos seus momentos livres? J4 na altura considerada Cidade do trabalho, o Porto tinha um reduzido mimero de divertimentos. ‘Agostinho Rebelo da Costa diz-nos que os portuenses, «no se entregavam ao descanso e a ociosidade mais que nos dias e hhoras livres. Ainda nestas mesmas ocasides 05 seus divertimentos slo modestos, agradaveis e de pouca despesa. No Verlio a ame- nidade das quintas que rodeiam a Cidade ¢ bordam as margens do rio Douro, a bela sociedade com que as familias ali se comu- nicam, os bons concertos de miisica € ainda as chamadas Frias do Rio. 0 ardor da estacéo que faz insensfvel 0 curso do rio, dé iberdade a que dentro dos mesmos barcos se merende, ceic, jogue sem temor de algum perigo, Tudo isto conduz a um passa tempo honesto e deleitoso (..). No Inverno suprem estes diver- timentos com a frequéncia de assembleias sérias, que se compoem fou de conversacao instrutiva ou de jogo licito, e em outras ocasides, aproveitam-se do Teatro piiblico onde se representam comédias ¢ dperas duas vezes por semanas. Como vemos, os divertimentos dos portuenses eram de facto simples ¢ pouco 'variados. Magalhaes Basto afirma que «desde © século XVI até pouco antes da revolugio de 1820, a classe média portuense conservou quasi imutdveis os seus costumes. Durante trezentos anos os seus tnicos divertimentos foram as fesias de Tgreja, ¢ 0s domingos, os passeios para o campo ou as merendolas ém barcos pelo rio acima, Era, em suma, uma vida pacata e autenticamente provinciana» *, Havia, no entanto, um certo mimero de miisicos que se rew- iam para'tocar em conjunto, A estas sess6es chamava um dos miisicos, 0 Abade Anténio da Costa, «a nossa palestra musicale”. © Agostinho Rebelo da Costa, Descrioto topogritiea, e istorlea da eldade do "Porto, 2° edigho, Porto, Livraria Progredior, 1945, pp. S037 « “astur Magaltisee Baste, © Porto do Romantismo, Coimbra, Imprensa 4s Univetsiaade, 1862, De 7 "Gitado| por Magalbies Basto no artigo ae 1/9/1950, EM Gtagainaes esto, alam Yelnos manuserites, in Magalhdes Basto, Falam vethos manusctitos, im , 6. aérle, ar 5 (Bato de 1068). 388 Wer nota ne 8. A Erancleco Bsrmardo de Lima, op. of, p. 96. 3 Hrranelsco Bernardo de Lima, op, ait, p. 10, 106 dispezas se fazem depois de se cuidar, ¢ executar 0 que he abso- Iutamente preciso as mesmas cidades> *. Palavras escritas hé duzentos anos que ainda hoje mantém toda a sua actualidade... Em 1768, para comemorar o aniversério de D. José I foi representada a dpera «O templo da eternidade>, libreto de Metas- tasio que foi dedicado a Joao de Almada e Melo, Em 6 de Junho de 1772 representa-se a Opera «Demofontes, com libreto de Metastasio e musica de David Peres, mestre de capela de D. José I. Foi representada para comemorar 0 aniver- satio de D. José Ie foi dedicada a D. Ana Joaquina de Len- castre, esposa do Governador da Cidade. A primeira cantora foi Luisa Todi que, atingida pela proi bigdo de cantarem mulheres em especticulos de épera da capital, vivew no Porto de 1771 a 1777. ea farsa «A dama astuciosa>, Curiosamente nfo foi representada nenhuma pera neste espectculo inaugural. O titulo do elogio do bacharel Antonio Soares de Azevedo dé-nos a entender que o seu tema teria por motivo a construgio do novo teatro que fazia o Porto igualarse a Lisboa. sTeve um grande sucesso a primeira festa inaugural e uma concorréncia enorme: tudo quanto havia de distinto na sociedade portuense af concorreu, ostentando um grande luxo nos trajes © uma enorme riqueza nas joias: o corregedor 14 estava no camarote tio sorridente e jubiloso como nunca o tinham visto. Fora do teatro era um verdadeiro arraial, pois 0 edificio estava decorado com, bandeiras e iluminado, e o povo entretinha-se a ver a passagem dos felizes, porque, para a época, os pregos nao eram dos mais convidativos. Tal foi a impressio que a festa deixou no piblico ¢ 0 sucesso do a propésito com bailados que fora escrito pelo Dr. Anténio Soares de Azevedo, que em seguida se abriu assi- natura para dez récitase ®. Este primeiro especticulo rendeu 4965320, sendo 368000 dos camarotes € 460§320 da plateia™. Rebelo Bonito, art. ot. p. 130 3 Ped. J. Patiisio, Tradlgbes do Teatro de S, Jofo, in «0 Tripetros, 32 série, no 15 de 1/8/1906, p. 234, se "Pee. J. Patrfeio, art. alt, p. 204, 110 A 25 © 26 de Agosto de 1799 realizaram-se grandiosos espec- téculos de gala, em homenagem ao Principe D. Jodo e a Camara ofereceu: gratuitamente estes espectaculos que muito entusiasme- ram os portuenses *. Q ‘Teatro de S. Joio era explorado por companhias de pera Iitica durante t1és meses no Inverno e, nos restantes meses do ano, por companhias dramaticas, tanto nacionais como estran- geiras. Durante todo 0 século XIX ‘muitos espectéculos ai foram Tealizados™. 6— Autores teatrais uascidos no Porto no séoulo XVI Poucos foram os autores teatrais nascidos no Porto neste século, Dos que conseguimos encontrar, ndo sabemos se as suas obras foram c4 representadas ou no Tomdés Pinto Brandao—Nascen no Porto em 1664. Apés uma vida aventurosa que o fez sair de Lisboa ¢ ir para o Brasil g,epols para Angola, regressando ao Brasil , finalmente, a Lisboa, publicou em_ 1732 «Pinto renascido, empenado e desem- penado», conjunto de poesias satiricas e burlescas escritas em portugués que terminavam com uma comédia intitulada «La comedia de las comedias», escrita em castelhano, em trés jor- nadas. Est chela de titulos de obras que so as proprias perso- nagens da comédia. Moret em Lisboa em 1743 Henrique José de Carvalho e Moura—Nasceu no Porto em 1714. Humanista e muito versado em linguas vivia ainda por volta de 1738, jgnorando-se, contudo, a data da sua morte. Escreveu a comédia eLa mas constante mudanzas, a pera eD, Fernando de Portugal» ¢ traduziu a obra «Didos, de Metas- tasio®. 3 Vergilio Pereira, © Velho Porto mustesl, in , especialmente: 22 ano, ne 42 de 20/8/1608, p. 91 £3 Sétle, ae 10. (Agosto de 1881), pp. 152-188 5: serie) ne & (Desembro de 1946), p, 188, 62 sisi, n= 6 (Malo de 1968),pp. 198-140. 2 aerle, ar 8 (Agosto do 1968),pp. 246-247 (65 serie. 3° 1 (lanoire de 4965), pp. 1-9. 8D, Domingo Garcia Peres, Catalogo Razoado de log autores por tugueses que eseribieron en castellano, Madrid, Imprenta del Colegio Nactonsi fe Sungo-Mudos y de Clegos, 1890, pp. 85-82 SED. Doniiogo Garela Peres, op. cit, p. 102. us Anténio Soares de Azevedo —Bacharel formado em Candnes pela Universidade de Coimbra, natural do Porto e aqui falecido por volta de 1818, Dizse que deixou muitos mamuscritos importantes, entre os quais muitas obras draméticas, originais e traduzidas, que no Seu tempo se representaram no ‘Teatro do Porto. Algumas das que aparecem como «Mademoiselle Tacio», sCleméncia e Woldmar», «O Abade de I'Epée» néo se sabe se seriam originais ou tradugdes, Nao consta o elogio representado no Teatro de S. Joao em 1798*, Jodo Baptista Gomes —Nascido no Porto e falecido em 1803. Escreveu a tragédia «Nova Castros, moldada ao gosto da escola teatral francesa do século XVIII,’ que agitou em frémitos de entusiasmo a ingénua e sentimental geracdo do seu tempo. Nos teatros populares, a Inés de Castro de Gomes era salvatério das empresas atrapalhadas. Baptisia Gomes seguiu na arquitec- ura de sua peca a tragédia de Quita; € um trabalho feito com habilidade, o que justifica 0 éxito extraordinario que alcangou. Teve centenas de representacées ¢ nos uiltimos tempos era acres- ceniada com a cena da coroagdo de Inés de Castro, morta, que os empresarios foram buscar a uma peca de Nicolau Luis, Tra- duzin do francés em verso a «Feyel» de Armand e os de Lamotte, esta precedida de uma dedicatéria em verso solto 20 Cotregedor do Porto, D. Francisco de Almada e Mendonca. E no fim do século, precisamente em 4 de Fevereiro de 1799, nasce no Porto Almeida Garrett, sobre o qual, obviamente, nos dispensamos de tecer qualquer comentario. 1 — Consideragées finais Os limites impostos a este trabalho pela auséncia de docu. mentos que nos déem indicacées precisas de quais as obras representadas no Porto no século XVIII limitamnos também a existéncia de conclusdes. Propomomnos, pois, deixar aqui algumas interrogacées_¢ ihip6teses que o tempo ¢ o trabalho de investigadores se encarre- garao de completar. Parecenos fora de divida afirmar que os espectaculos de teatro niolirico coexistiram com as representacdes de dperas € continuaram a gozar dos favores do ptiblico, sobretudo da sua We Inoeinclo Francisco da Silva. Dieclonario bitilographloo porturues vol, Lisbon, Imprensa Nasional, 1568 fe" Maximiane de Lemos,” Encyclopedia portugueza tlustrads, vol. V, Ports, Lemos & Ce, Sucr, 9/4 m2 camada_popular. Para isso muito contribufram as traducdes € adaptacdes dos originals estrangefros que jé levavam em conta as particularidades do priblico a que se déstinavam, o que thes permitia atingir os fins a que se propunham, © aparecimento da dpera no Porto parecenos advir de duas razbes principais: 1) A moda da opera na corte lisboeta que, por um mime tismo cultural, passou para a cidade do Porto. A épera, como espectéculo de grandiosidade, atrafa a atencao do iblico, se bem que para isso houvesse necessidade de ye acrescentar elementos que Ihe prejudicavam a coeréncia. dramética. Essa componente espectacular estava no gosto do ptiblico, habituado as festas. reli- giosas que fambém se inseriam nesse aspecto grandioso; 2) A influéncia do Governador da Cidade, Jofo de Almada @ Melo e de seu fiho, Francisco de Almada e Mendonca na criagdo de casas de espectacalo onde pudessem ser representadas as éperas com um minimo de condigées *. ‘A estas breves consideragées poderemos acrescentar inimeras perguntas: 1) Qual o piiblico interessado em espectaculos de épera? 2) Qual a reaccio do pubblico a esses especticulos? 3) Quais as obras representadas? Ferguntas que terio de esperar 0 trabalho dedicado de investigadores para que surjam as respostas adequadas. ‘Rebelo Bonito, «Os Aimadas 6 o teatro lricos, aeparata do eBoletim dos Amigos do Porto, Yel THE, n° 1-2, 1960, : 113

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