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Circe Maria Fernandes Bittencourt Ensino de Historia fundamentos e métodos 5* edicdo revista e atualizada I*reimpressio SeSioRA 12 PARTE HISTORIA ESCOLAR: PERFIL DE UMA DISCIPLINA O que é disciplina escolar? O estudo da Histbria, a partir do século XIX, tem permanecido nos curriculos escolares dos diferentes ntveis do ensino bdsico e também como ‘matéria dos cursos preparatbrios ou de exames vestibulares brasileires, A Histéria escolar integra o conjunto de disciplinas que foram sendo constituidas como saberes fundamentais no processo da escolarizagio brasileira e passou por mudangas significativas quanto a métodos, contet « finalidades até chegar & atual configuragéo nas propostas curricular, Quando se analisa a trajetoria da disciplina, constata-se que esta faz parte dos ‘planos de estudos” de 1837 da primeira escola piiblica brasileira, considerada de nivel secundério. Acompanhando o percurso da Historia nos cursos de nivel superior no Brasil, no entanto, verifica-se que 10s estudos histéricos e a formagéio de seus profissionais _foram criados apenas a partir da década de 1930. Tad situagéo provoca, sem diivida, algumas indagagées. O que é, afinal, uma disciplina escolar e quais s4o suas especificl dades? Quais as relacées entre disciplina escolar e disciplina académicd Como os estudos histéricos se constituiram, para os niveis secundati € primétio, ao longo da historia da educagio escolar? Qual tem sido participagao dos professores na constituigao da disciplina de Histéria ni salas de aula? ‘Com base nessas indagagées foi organizado este primeiro capitulo, fim de apresentar alguns estudos realizados por pesquisadores de diferent 0 que e scp escouan? paises por intermédio dos quais podemos obter pistas e informagées que conduzem a reflexes necessirias sobre a problemitica. A Histéria e outras tantas disciplinas escolares, como a Matematica, a Geografia ¢ a Educagio Fisica, tém, nas tilimas décadas, feito parte do cotidiano de milhares de alunos professores de tal forma, que acabamos por achar natural essa organizagio curricular ¢ essa maneira de “ser da escola”, Existem as “matérias” e os respectivos professores encarregados de ministré-las, obedecendo a determinada carga hordria no decorter de tum tempo especifico chamado “ano letivo”. Os professores, por sua vez, identificam-se por grupos € status no interior da escola, como os que lecionam as disciplinas cientificas (Ciéncias, Quimica...) ou se integram centre os da drea de humanas (Histéria, linguas...), lembrando ainda ou- tra divisio identitéria entre os docentes: os especialistas das disciplinas ¢ 0s polivalentes das séties iniciais do Ensino Fundamental. Diante desse quadro, que demonstra a importincia das disciplinas na organizagio es- colar, este capftulo procura entender 0 que € uma disciplina escolar ¢ os saberes por ela produzidos. A Historia ¢ as demais disciplinas escolares fizem parte de um sis- tema educacional que, embora se redefina constantemente, mantém es- pecificidades no processo de constituicéo de saberes ou de determinado conhecimento ~ 0 conhecimento escolar. Nesse sentido, é fundamental identificarmos qual conhecimento histérico a escola produz. 1. Polémicas sobre a concepgao de disciplina escolar Responder & pergunta “o que é uma disciplina escolar?” nao é sim- ples, ¢ existe séria polémica a respeito desse conceito, a qual pode parecer meramente académica e teérica, mas esté relacionada a concepgées mais complexas sobre a escola ¢ 0 saber que ela produ e transmite assim como sobre 0 papel e 0 poder do professor ¢ dos variados sujeitos externos & vida escolar na constituigao do conhecimento escolar. 0 aur # seu Esco = ee Muitos estudiosos tém-se dedicado aos problemas epistemoldgicos cenfrentados pelas escolas, tais como a aprendizagem ¢ apreenséo de con ceitos, os critérios para a selegio dos contetidos € mérodos de ensino, as formas pelas quais os alunos interagem com 0 conhecimento adquirido por intermédio das midias, entre outros. Em muitos desses estudos volta~ dos para esses problemas, foi necessirio deter-se sobre a concepgao de dis- ciplina escolar e sobre como cada uma delas se constitui historicamente. Os debates mais significativos em torno da concepgao de disciplina escolar tém sido realizados por pesquisadores franceses ¢ ingleses, com divergéncias importantes significativas entre eles. As posigdes nao sio iguais, com posturas conflitantes acerca do conhecimento escolar, nota- damente entre os defensores da ideia de disciplina como “transposigéo didstica” € os que concebem disciplina como um campo de conhecimen- to auténomo. 1.1. Uma “TRANSPOSIGAO DIDATICA”? Para determinados educadores, franceses ¢ ingleses, as disciplinas escolares decortem das ciéncias eruditas de referéncia, dependentes di produgéo das universidades ou demais instituicbes académicas, ¢ server como instrumento de “vulgarizagéo” do conhecimento produzido pot um grupo de cientistas. O pesquisador francés Yves Chevallard, especia« Eneendem-se por céncias Jista em didética da Matemdtica, passou a designar tal sie endae concepeao, bastante difundida, como, “transposici cosinadasem centros didética”. Chevallard entende ser a escola parte de un Ae sistema no qual 0 conhecimento por ela reproduzida menlobicocendfes, 8€ Organiza pela mediagio da “noosfera”, conceito cor respondente ao conjunto de agentes sociais externos i sala de aula — inspetores, autores de livros didéticos, técnicos educacio} nais, familias. Esses agentes garantem 3 escola o fluxo ¢ as adapragées d saberes provenientes das ciéncias produzidas pela academia. _ Owe Essa abordagem considera a disciplina escolar dependente do conhe- cimento erudito ou cientifico, o qual, para chegat & escola ¢ vulgarizar- “se, necessita da didética, encarregada de realizar a “transposi¢a0”. Consequentemente, uma “boa” didatica tem por objetivo fundamental evitar o distanciamento entre a produgio cientifica e 0 que deve ser ensi- nado, além de criar instrumentos metodolégicos para transpor 0 conhe- cimento cientifico para a escola da forma mais adequada possivel Também se consolidam, por essa concep¢io de disciplina escolar como transposi¢ao didética, outros idedrios sobre o conhecimento escolar. Um deles é existéncia de uma hierarquia de conhecimentos, encontran- do-se a disciplina escolar em uma escala inferior, como saber de segunda classe, Esta bvio igualmente, nessa perspectiva, que 0 saber cientifico que omnece legitimidade as disciplinas escolares. Ademais, tal concepgio é responsivel pela atribuigéo de starus inferior aos saberes escolares das séties ihiciais do Ensino Fundamental, por estarem desvinculados, sobretudo fem razdo da formacio dos docentes, das “ciéncias-mées” académicas. No que se refere aos contetidos e métodos de ensino e aprendiza- gem, os partiditios da ideia de “transposigéo didética” identificam uma separacéo entre eles, entendendo que os contetidos escolares provém di- reta e exclusivamente da producio cientifica ¢ os métodos decorrem apenas de téenicas pedagégicas, transformando-se em didética. Segundo esse ponto de vista, a escola ¢ o lugar de recepgio € de re- produio do conhecimento externo, variando sua eficiéncia pela maior ou menor capacidade de “transpé-lo” e reproduzi-lo adequadamente. A figura do professor aparece entéo como um intetmedidtio desse processo de repro ducdo, cujo grau de eficiéncia é medido pela capacidade de gerenciamento das condigées de adaptacio do conhecimento cientifico a0 meio escolar. 1.2. DISCIPLINA ESCOLAR COMO ENTIDADE ESPECIFICA Para outros pesquisadores, especialmente 0 inglés Ivor Goodson e 0 francés André Chervel, a disciplina escolar nfo se constitui pela simples O aur f isc escoLan? “cransposicéo didAtica” do saber erudito, mas, antes, por intermédio de uma teia de outros conhecimentos, havendo diferencas mais complexas entre as duas formas de conhecimento, o cientifico ¢ 0 escolar. Para os autores que se opdem & concep¢ao da disciplina escolar como. “transposigéo didética’, um ponto inicial a ser considerado € 0 fato de aquela abordagem acentuar a hierarquizacéo de saberes como base paraa constitui¢ao de conhecimentos para a sociedade, Além disso, os autores citados afirmam que essa hierarquizagio do conhecimento tem conota- 6es sociais mais amplas ¢ nao esté limitada apenas a consideragées de! ordem epistemolégica. Para além dos problemas epistemolégicos, a com- pteenséo da disciplina escolar relaciona-se ao papel do conhecimento como instrumento de poder de determinados setores da sociedade. Oestudo das disciplinas escolares tem-se mostrado necessério paraa compreensio do papel da escola na divisio de classes e na manutengio de privilégios de determinados setores da sociedade. As criticas & “transpo- sigdo didética” nao se restringem, portanto, ao estatuto epistemolégica das disciplinas escolares, mas incidem igualmente sobre o papel que ten- dem a desempenhar na manutengio das desigualdades sociai André Chervel, 0 eritico mais contundente da concep¢ao de “trans: posi¢ao didética”, sustenta que a disciplina escolar deve ser estudada historicamente, contextualizando o papel exercido pela escola em cada momento histérico. Ao defender a disciplina escolar como entidade epistemolégica relativamente auténoma, esse pesquisador considera as relagdes de poder intrinsecas & escola. E preciso deslocar o acento das) decisées, das influéncias ¢ de legitimagées exteriores & escola, inserindo o conhecimento por ela produzido no interior de uma cultura escolar. As disciplinas escolares formam-se no interior dessa cultura, tendo objeti- vos préprios ¢ muitas vezes irredutiveis aos das “ciéncias de referéncia’, termo que Chervel emprega em lugar de conhecimento cientifico. Em suas argumentagées a favor da autonomia da disciplina escolar, © autor concebe a escola como uma instituigio que, embora obedega a uma ldgica particular ¢ especifica da qual participam varios agentes, tanto 0 que oscioLna escoLan? internos como externos, deve ser considerada como lugar de producéo de um saber préprio. As disciplinas escolares, nesse contexto, nao podem ser entendidas simplesmente como “metodologias”. Em decorréncia da concepsio de escola como lugar de produgio de conhecimento, as disciplinas escolares devem ser analisadas como parte integrante da cultura escolar, para que se possam entender as relagdes esta- belecidas com o exterios, com a cultura geral da sociedade. Contetidos ¢ métodos, nessa perspectiva, néo podem ser entendidos separadamente, 0s contetidos escolares nao so vulgarizacées ou meras adaptagées de um conhecimento produzido em “outro luga:”, mesmo que tenham relagSes com esses outros saberes ou ciéncias de referéncia. A selegao dos contetidos escolares, por conseguinte, depende essen- cialmente de finalidades especificas e assim nao decorre apenas dos obje- tivos das ciéncias de referéncia, mas de um complexo sistema de valores ¢ de interesses préprios da escola e do papel por ela desempenhado na sociedade letrada e moderna. A concepgio de Chervel sobre disciplina escolar provém de seus es- tudos da histéria da Gramatica escolar na Franca, Pela pesquisa histérica do ensino da Gramatica em seu pais, concluiu que a criacéo das famosas “regras gramaticais” e toda a série de normas da lingua francesa decotre- ram de necessidades internas da escola, que precisava ensinar “todos os fianceses” a escrever corretamente, de acordo com determinados critétios a ser obedecidos por todo 0 meio escolar. A Gramatica, como estudo académico, s6 passou a existir posteriormente, absorvendo ¢ integrando 0s princ{pios estabelecidos pela escola. A posigao desse autor tem gerado polémicas. O problema enfrenta- do por quem parte do pressuposto da relativa autonomia das disciplinas escolares em relagao as ciéncias de referéncia encontra-se na diversidade de disciplinas ou saberes escolares ¢ na forma pela qual cada uma delas se constituiu. Questiona-se, por exemplo, se as trajer6rias das diversas disci plinas escolares seriam semelhantes & da histéria da Gramatica nas esco- las francesas, conforme estudo de Chervel. Assim, tem sido fundamental © que osc escoLan? conhecer a histéria das disciplinas para identificar os pressupostos qi possibilitam entender os liames ¢ as diferengas entre a disciplina escolar as ciéncias de referencia, uma vez que cada disciplina possui uma histéria, Portanto, a preocupagéo em entender os fundamentos da disciplina ou matéria escolar no ocorre por acaso, como um dado de erudicao ou de detalhamento, mas é ponto central do qual derivam as demais con: cepgdes, como a de escola, de professor e, em nosso caso, do ensino: aprendizagem da Histéria. 1.3, CONSTITUINTES DAS DISCIPLINAS ESCOLARES Para entender as disciplinas escolares, é preciso situd-las em um pro- cesso dinimico de produgio. Segundo André Chervel, as disciplinas escolares constitufram-s efetivamente e passaram a ter essa denominagio a partir de 1910. A cons tituigéo das disciplinas foi resultado de um processo de disputas ent os conhecimentos que deveriam fazer parte do curriculo escolar. Des © fim do século XIX se discutia sobre a necessidade de manter um cur riculo humanistico organizado pelo estudo das linguas — latim, gi lingua e literatura nacional e internacional ~ da oratéria. Esses sabe eram entendidos como fundamentais para a formagio das elites, 20 “dis arem a mente” por intermédio de obras literérias e pelo domini oral ¢ escrito da “cultura cléssica”. Predominava uma formagéo elitista, qual era perfeitamente adequado o curriculo humanista classico. Com o desenvolvimento da industrializagio, intensificado na se gunda metade do século XIX, os conhecimentos das éreas denominads de “exatas’, como Biologia, Quimica, Botinica ¢ Fisica, além da Ma mética, passaram a ser considerados importantes ¢ disputavam espa go com as dreas das “humanidades classicas” na formagio escolar, Es disputa sobre o papel formativo das “disciplinas humanisticas” ou. “disciplinas cientificas” possibilitou a organizacéo mais sistematizada d conhecimentos jé tradicionalmente pertencentes 20 curriculo antigo dos novos que estavam sendo introduzidos nas escolas. 0 que ossaUna escouae? Foi importante, entéo, nese momento, estabelecer as finalidades de cada uma das disciplinas, explicitar os contetidos selecionados para serem “ensinaveis” e definir os métodos que garantissem tanto a apreensio de tais contetidos como a avaliagéo da aprendizagem. As finalidades de uma disciplina escolat, cujo estabelecimento € es- sencial para garantir sua permanéncia no curriculo, caracterizam-se pela atticulagio entre os objetives instrucionais mais especificos ¢ os objetives educacionais mais gerais. Cada disciplina formula seus objetivos no intuito de contribuir para uma formagio intelectual e cultural que desenvolva o espitito critico e ca- pacidades diversas de comparagio, dedugio, criatividade, argumentagio légica e habilidades técnicas, entre outras. Os objetivos especificos de cada disciplina escolar, entretanto, séo determinados de acordo com os objetivos mais gerais da escola, os quais se definem de forma mais sutil, com varidveis explicitas ou implicitas, como a socializagdo, 0s compor- tamentos individuais e coletivos, a “disciplina do corpo”, a obediéncia a normas, horérios, padrées de higiene etc. A escola, é importante destacar, integra um conjunto de objetivos determinados pela sociedade ¢ articula-se com eles, conttibuindo para 0s diferentes processos econdmicos ¢ politicos, como o desenvolvimento industrial, comercial e tecnolégico, a formacio de uma sociedade consu- mista, de politicas democriticas ou nao. Compreendem-se assim alguns dos objetivos gerais aos quais a escola teve de atender em determinados momentos histéricos, como a formagio de uma classe média pelo ensino secundirio, a expansio da alfabetizacio pelos diferentes setores sociais ou a formagao de um espirito nacionalista € patridtico. Tais objetivos esto, evidentemente, inseridos em cada uma das disciplinas e justificam a permanéncia delas nos curriculos. As finali- dades das disciplinas escolares fazem parte de uma teia complexa na qual aescola desempenha o papel de fornecedora de contetidos de instrugdo, que obedecem a objetivos educacionais definidos mais amplos. Dessa forma, as finalidades de uma disciplina tendem sempre a mudangas, de modo ve € pista eSCoLAR? que atendam diferentes pitblicos escolares ¢ respondam as suas neces: sidades sociais e culturais inseridas no conjunto da sociedade. Outro constituinte fundamental da disciplina escolar ~ eo mais vie sivel — € 0 contetido explicito. Esse componente da disciplina correspon a um corpus de conhecimento organizado segundo uma légica interna que articula conceitos, informagées ¢ técnicas consideradas fundamen tais. Os contetidos explicitos sio geralmente organizados por temas especificos apresentados em planos sucessivos, conforme os niveis de escolarizagao (séries, ciclos). Selecionados com base em critérios estabe- lecidos por muitas varidveis, devem estar em sintonia com os objetivos educacionais ¢ instrucionais, ser distribuidos adequadamente, de acor- do com 0 desenvolvimento cognitivo dos educandos, ¢ ainda ater-se ao “tempo pedagégico”, ou seja, a carga hordria definida pelas grades curriculares das escolas. Os conteiidos explicitos articulam-se intrinsecamente a outro com- ponente da disciplina escolar: os métodos de ensino e de aprendizagem. Tals contetidos séo necessariamente apresentados ao piblico por intermédio de diferentes métodos, indo da aula expositiva até 0 uso dos livros dé déticos ou da informatica. Ao longo da histéria das disciplinas, pod -se perceber que “métodos tradicionais” sio sempre confrontados com “novos métodos”, variando, nesse confronto, as possibilidades de dislogo’ entre professores e alunos, ou ainda do mundo adulto com as novas gera ges, com o nivel de interesse e motivagio dos alunos. Chervel considera fundamental, nesse particular componente das disciplinas, o papel d “exetcicios’, para que o contetido do ensino possa se tornar ensinado. Os exercicios correspondem e esto articulados ao conceito de aprendizagem, © qual varia desde a simples memorizagio até a priticas mais complexas formulagses de argumentos ¢ sinteses pela escrita e pela oralidade. ‘Vamos retornar em capitulos subsequentes a esse componente da disciplina escolar, mas é necessdrio frisar e destacar a importancia dos: métodos como um dos elementos que estio diretamente vinculados a contetido explicito e aos objetivos das disciplinas. O aur piscina sscouan? Finalmente, entre os constituintes da disciplina escolar, acham-se as atividades de avaliagao, essenciais para se tet 0 controle sobre o que é ensinado ou apreendido pelo aluno. A avaliagio esté relacionada a con- ceitos de aprendizagem e articula-se com um tipo determinado de com- preensio de disciplina escolar: tem certas caracteristicas se a disciplina escolar é entendida apenas como transmissora de contetidos, e outras sea disciplina escolar € concebida como produtora de conhecimento. Exames, provas, arguigdes, testes, entre outros, compéem uma variedade de formas de controlar o que est sendo ensinado e aprendido. Entre 0s problemas da avaliago encontra-se a definigéo do objeto efetivo do que se pretende avaliar, uma vez que, por intermédio de provas, o siste- ma avaliatério concentra-se no controle sobre o dominio quantitativo dos contetidos explicitos, relegando a segundo plano a avaliag4o em uma perspectiva qualitativa, que inclui, ou deveria incluir, a verificagéo da aprendizagem no conjunto dos objetivos educacionais mais amplos. Na avaliagao reside, sem duivida alguma, 0 maior poder do professor, € os sistemas avaliatérios tém, muitas vezes, interfetido no processo de mudanga ou transformagao dos contetidos ¢ métodos, como no caso do Ensino Médio, cujo contetido tem sido determinado, na pritica, pelo siste- ma de avaliagéo dos exames ou processos de selegéo para o ensino superior, 2. Disciplina escolar e produgdo do conhecimento 2.1. DiscipLina OU MATERIA ESCOLAR? A relacio entre as disciplinas escolares ¢ as académicas foi abordada frequentemente nos estudos de Ivor Goodson, para quem o préprio ter- mo “disciplina” possibilita identificar disting6es. O autor inglés entende a disciplina como uma forma de conhecimento oriunda e catacteristica da tradicao académica e para o caso das escolas primérias ¢ secundérias utiliza 0 termo matéria escolar (school subject). Entre nés & comum, no cotidiano escolar, utilizar 0 termo “matéria”, embora se use, nos textos (O-que ¢osscipunn escoLAn? oficiais e académicos, “disciplina escolar”. No caso dos cursos superiores o termo usual € “disciplina’, a qual, por sua ver, é composta de “matérias” especificas, correspondentes a divisdes internas das disciplinas académicas. Goodson rebateu, em varias publicagées, os pressupostos de outro autores ingleses, como Hirst e Peters, que consideram que as matéri escolares derivam de “campos de conhecimento” académicos ¢ organie zam-se em fungio deles. Para Hirst e Peters, existe uma disciplina intclec: tual ctiada no meio académico que é “traduzida” para ser utilizada cot matéria escolar, em uma concepgio, portanto, semelhante & da “transpo- sigio didética”, contra a qual Goodson se posiciona. Este pesquisador explica que muitas matérias escolares nao apresen= tam as mesmas estruturas das disciplinas académicas e nao se utilizam conceitos € metodologias semelhantes. Ademais, argumenta que muito do que se trabalha na escola nem tem uma disciplina-base ou ciéncia referéncia, constituindo uma comunidade auténoma que recebe multi plas interferéncias, como a dos proprios professores e de toda uma séri de pessoas ligadas ao poder da administracio escolar, além das demandas da sociedade. Para sustentar seus pressupostos, Ivor Goodson analisou o percur histérico de varias matérias escolares relacionadas as disciplinas acadé- micas, como é a condigao da Geografia e da Musica. Apresentou ain: dao estudo de um caso recente, mostrando como, no presente, se esti constituindo uma nova matétia escolar: a Educagio Ambiental. Este contetido escolar esté sendo imposto sob pressio social, ¢ as autoridades educacionais realizam uma espécie de bricolagem, combinando elemen- tos diversos extraidos de varios campos de pesquisa, associados a alguns contetidos tradicionais dos antigos curticulos. Em seus estudos empiricos sobre a génese € a trajetéria de deter minadas matérias escolares, Goodson é mais contundente ao tratar das relag6es entre a disciplina académica ¢ as matérias escolares. Ele demonstra que a interferéncia do conhecimento académico nao foi benéfica para a constitui¢éo de determinados saberes escolares, como 0 que e oscipna escouan? no caso de “Ciéncias”, que inicialmente, no século XIX, era matéria en- sinada como ciéncia das coisas comuns (the science of common thing) e tina como objetivo atender aos interesses dos alunos. Os conteiidos e mérodos pareciam ser adequados, tratando-se de “conhecimento cientifico aplicado um entendimento de coisas familiares”, mas autoridades educacionais avaliaram 0 sucesso como algo pernicioso do ponto de vista social, porque ctiancas de varios setores da sociedade podiam dominar esse conhecimento e tal situagio favorecia o nivelamento social e proporcionava igualdade de oportunidades, efeitos indesejaveis politicamente. Como consequéncia, 0 ensino de “ciéncias das coisas comuns” foi substituido por uma ciéncia pura, de laboratério, fundamentada em conceitos e pressupostos da pes- quisa abstrata, semelhante a praticada nas universidades, com as devidas adaptagées. ‘Tornou-se entio um conhecimento de status elevado ¢ cul- turalmente vilido, apesar de desvinculado de objetivos de formagéo para alunos de diferentes condicées sociais ¢ nfveis de escolarizacio. Considerando tais estudos ¢ reflexdes, podem-se identificar diferen- gas entre as disciplinas académicas e as escolares, embora elas tenham relagdes entre si. Uma das diferencas importantes diz respeito a seus ob- jetivos, que evidentemente no sio os mesmos. A disciplina académica visa formar um profissional: cientista, professor, administrador, técnico etc. A disciplina ou matéria escolar visa formar um cidadio comum que necessita de ferramentas intelectuais variadas para situar-se na sociedade ecompreender 0 mundo fisico e social em que vive. As priticas dos professores universitérios e as das escolas séo igual- mente diversas. Nao hé necessidade de adaptar o contetido ensinado para © publico do nivel superior: o professor trata de transmitir diretamente 0 saber ¢ sua eficdcia depende exclusivamente de sua capacidade de comu- nicagdo. A relacéo pesquisa-ensino é, em principio, obedecida, podendo- -se organizar estratégias de ensino nessa perspectiva, seguindo os passos € métodos sem maiores cuidados adaptativos. A produgio da pesquisa pode assim ser facilmente incorporada por alunos em idade adulta, solicitados apercorrer parte do mesmo percurso do professor pesquisador. 0 que e psa esco.an? ‘André Chervel adverte que, na atualidade, a critica sobre os cursos maioria das pr superiores na Franga — semelhante & feita no caso do Brasil ~ refere-se a que esté pre exatamente ao distanciamento entre pesquisa e ensino, € por essa razdo Percel a“decadéncia” ou “crise” universitdria ¢ denominada de “secundarizagio déncias que p do ensino superior”. E “secundarizag4o” significa exatamente a diferen- démico eoescd ciagio entre os dois niveis de ensino: os cursos superiores afastam-se de como quer asi seus objetivos fundamentais e as disciplinas organizam-se de forma sepa- curriculo de nivel rada do processo de conhecimento da pesquisa cientifica. ba um intercml A articulag 2.2, DISCIPLINA ESCOLAR E CONHECIMENTO HISTORICO cas & portanto, © mecénico e li No caso da Histétia, a0 acompanharmos sua constituigéo, na hivereoaenem escola ¢ nas universidades, verificamos que, a partir do século XIX, Mill leorporada sella existem constantes aproximagées e separagées entre a Historia escolar car superd-los, int €.a dos historiadores. | histéricas 8s esco Ohistoriador francés Henri Moniot, ao debrugar-se sobre a Hist6ria contetidos e mét enquanto disciplina escolar, pondera sobre suas especificidades ¢ conclui dos cursos super que seu ensino, no fim do século XIX, assegurou a existéncia daHistéria do didlogo const universitéria. A divisio da Histéria em grandes perfodos — Antiguidade, Idade Média, Moderna ¢ Contemporinea ~, criada para organizar os 2,3. PROFESSOR estudos histéricos escolares, acabou por definir as divisbes das “cadeiras” ee ou disciplinas histéricas universitérias assim como as especialidades dos mente soe historiadores em seus campos de pesquisa. eicoda rita Entre nés, seguidores de muitos dos pressupostos franceses, os pri- een meitos cursos universitérios de Histéria constituiram-se pelos mesmos no pode ser en principios. Essa divisio & a que prevalece nos cursos de Histéria tanto para melhor “t do bacharelado quanto de licenciatura € que se tem mantido desde a adequada possive reformulagdo decortente da Lei de Diretrizes ¢ Bases de 1962, quando ‘A escola, po foi estabelecido 0 cutriculo minimo pelo Conselho Federal de Educa- vilegiado da prod ao, composto de Histéria Antiga, Histéria Medieval, Histéria Moder- mais ou met na, Histéria Contemporanea, Histéria da América ¢ Histéria do Brasil. tituigdo que, emb Essa diviséo das disciplinas do nivel superior, como se vé, corresponde autonomia sufi © que ¢ osscLNa escouan? maioria das propostas curriculares do Ensino Fundamental e Médio e a que esta presente nos livros didéticos. Percebe-se assim que essa organizacao das disciplinas é uma das evi- déncias que permitem refletir sobre as relagdes entre 0 conhecimento aca- démico eo escolar. Modificar o curriculo do Ensino Fundamental e Médio, como quer as recentes propostas de ensino temitico, implica mudangas no curriculo de nivel superior, A Hist6ria escolar tem um perfil proprio, mas hé um intercimbio de legitimagées entre as duas entidades especificas A articulagao entre as disciplinas escolares e as disciplinas académi- cas é, portanto, complexa e nao pode ser entendida como um processo mecinico ¢ linear, pelo qual o que se produz enquanto conhecimento histético académico seja (ou deva ser) necessariamente transmitido e in- corporado pela escola. Os hiatos sio evidentes, mas néo se trata de bus- car super4-los, integrando automaticamente as “novidades” das teméticas histéricas as escolas. Os objetivos diversos impéem selegées diversas de contetidos e métodos. A formacéo de professores, por outro lado, vem dos cursos superiores ¢, nesse sentido, é preciso entender a necessidade do didlogo constante entre as disciplinas escolares ¢ as académicas. 2.3. PROFESSORES E DISCIPLINAS ESCOLARES ‘Temos afirmado que a concepcio de disciplina escolar esté intima- mente associada & de pedagogia e a de escola e, portanto, ao papel histérico de cada um desses componentes. Ao concebermos a disciplina escolar como produgio coletiva das instieuigdes de ensino, admitimos que a pedagogia nfo pode ser entendida como uma atividade limitada a produzir métodos para melhor “transpor” contetidos externos, simplificando da maneira mais adequada posstvel os saberes eruditos ou académicos. A escola, por sua vez, também ¢ concebida ou como 0 “lugar” pri- vilegiado da producéo das disciplinas escolares, mesmo que possam estar mais ou menos dependentes de interferéncias externas, ou como ins- tituicéo que, embora conte com varios agentes em seu interior, no tem autonomia suficiente para a criagio, constituindo espago privilegiado que pisaPLia escoLan? da reprodugio (politica, ideolégica e académica), cujo sucesso depen: de de sua capacidade de adaptar convenientemente 0 conhecimento produzido fora dela. Por intermédio da concepgio de disciplina escolar podemos identi ficar 0 papel do professor em sua elaboracio ¢ pritica efetiva. Cabe entio indagar sobre a acéo ¢ o poder dele nesse processo, uma vex que hi varios sujeitos na constituigaéo da disciplina escolar: desde o Estado: ¢ suas determinagées curriculares até os intelectuais universitdrios € sécnicos educacionais, passando pela comunidade escolar composta de diretores, inspetores e supervisores escolares ¢ pelos pais de alunos que, miusitas vezes, se rebelam contra determinados contetidos e métodos dos professores, forgando-os a recuar em suas propostas inovadoras. O papel do professor na constituigao das disciplinas merece desta- que. Sua aco nessa direcao tem sido muito analisada, sendo ele o sujeito principal dos estudos sobre currfculo real, ou seja, 0 que efetivamente acontece nas escolas ¢ se pratica nas salas de aula, O professor € quem transforma o saber a ser ensinado em saber apreendido, ago fundamen- tal no processo de produgio do conhecimento. Contetidos, métodos ¢ avaliag4o constroem-se nesse cotidiano e nas relagées entre professores € alunos, Efetivamente, no oficio do professor um saber especifico € cons- tituido, ea ago docente ndo se identifica apenas com a de um técnico ou a de um “reprodutor” de um saber produzido externamente. “Dar aula” é uma aco complexa que exige o dominio de virios saberes caracteristicos heterogéneos. De acordo com pesquisadores de- dicados aos problemas do saber docente, com destaque para o canadense Maurice Tardif, entre nés, Ana Maria Monteiro, os professores mobili- zam em seu oficio os saberes das disciplinas, os saberes curriculares, os sabe- res da formaéo profisional eos saberes da experiéncia. A pluralidade desses saberes corresponde a um trabalho profissional que se define como “saber docente”. Nesse sentido, Tardif adverte que liberar esses saberes dos profes- sores “e submeté-los ao reconhecimento por parte dos grupos produtores de saberes da comunidade cientifica, enquanto um saber original sobre 0 que piscina escoLan? © qual detém o controle, € empreendimento que lhes parece condigéo bisica para um novo profissionalismo” (2002, p. 232) Deve-se considerar ainda que a agéo docente nao é um ato indivi dual, mesmo que aparentemente o professor possa ficar isolado na sala ) de aula com seus alunos. Sua ago é também coletiva, e talvez af resida seu maior poder. Quando acompanhamos a histéria da educacéo escolar, percebe- os que, no percurso de definicéo das disciplinas ou matérias que se estabelecem nos curriculos escolares, os professores véo-se profissionali- tando, passando de “leigos” a “especialistas’. Os cursos de formacio os credenciam como profissionais, ¢ no trabalho das instituigées, por meio de-concursos ¢ outros trimites burocréticos, criam-se grupos de especia- listas de determinadas matérias. Os profissionais tendem a organizar-se €m associagbes representativas que participam direta ou indiretamente da constituicao e da permanéncia ou nio das disciplinas nos curriculos. A identidade dos professores tem sido construida por muitas dessas Praticas associativas profissionais, com a organizacao de grupos pattici- Pativos em sindicatos ou associagées, como a Associagéo Nacional de Historia (Anpuh) e a Associac4o dos Geédgrafos do Brasil (AGB). As as- Sociages tém interferido constantemente nas definigées dos curriculos; iss0 ocorreu, por exemplo, na constituigao da Geografia na Gré-Bretanha eno Brasil, por ocasido da introducéo dos Estudos Sociais em substitui- $40 Historia e & Geografia, como serd apresentado em seguida, no capf- tulo referente ao histérico da disciplina focalizada nesta obra. Sugestées de atividades 1) Para debater em grupo “Uma ‘disciplina’ ¢ (...) em qualquer campo em que se encontre, um modo de disciplinar 0 espitito, quer dizer, de Ihe dar os métodos ¢ as © que tpiscpuina escola? _ segras para abordar os diferentes dominios do pensamentoy do conheck mento e da arte.” CHERVEL, André. Hlistéria das disiplinas escolares: reflesies sobre sm campo de pesquisa, 1990, p. 180. Considerando a definigao de André Chervel, as anélises apresentie das no texto ea leitura da bibliografia citada, discuta as diferentes coms cepgées de disciplina escolar e sua relagao com a constituigio dos métor dos de ensino e aprendizagem. 2) Anilise de texto ‘A controvérsia em torno da ciéncia escolar “Existia, no final do século XIX, indicio claro de que a ‘ciéncia das: coisas comuns’ possibilitava um sucesso prético significaivo nas salas dé ula, Seria errdneo, todavia, supor que com isso o problema estvels ‘olucionado que a ciéncia das coisas comuns oferecia base Para @ de finigdo da. ciéncia escolar. Outras definigbes de cléncia escolar estavan endo pleiveadas por interesses poderosos. (..-) Um relatério afirmave que‘a educagéo cientifica em nivel elementar estava se mostrando muito tem-sucedida, particularmente na medida em que se relacionava com desenvolvimento da capacidade de raciocinio, a0 passo que ~ era uma ameaca para a hierarquia social — 0 correspondente desenvolvimento nio se verificava nas classes de elite’. um exemplo confirmava os temores do relator do comisé parla mentar da Associagio Britinica para o Avango das Ciéncias: «. mancando, um menino pobre adiantou-se para dar sua respostt oxo, corcunda, rosto pdlido e macilento era nitda nele toda ume histéria de pobreza, com suas consequéncias... Mas ele deu uma respostt tio licida e invtgente que nas pessoas brotu um duplo sentiento:admiagioy Joe ctatents do meno; vxame,porqueem alguém a mais baa das Cs ses inferiores fora encontrada, quanto a assuntos de interesse geral, mais, informago do que em gente qu, socatmente, era de classe muito SuPer. © que oscrruna sscoLaK? Seria uma situagdo nociva e perversa, esta de uma sociedade em que ‘pessoas relativamente desprovidas das benesses da natureza fossem, quanto 4 capacidade intelectual, geralmente superiores aos que, socialmente, esto cima deltas... GOODSON, Ivor. Curriculo; teoria € histéria, 1995, p. 91. Baseando-se no texto de Ivor Goodson, discuta: 4) 0s interesses sociais e politicos na constituigio das disciplinas escolares; b)a “neutralidade” dos métodos de ensino e aprendizagem. Bibliografia BITTENCOURT, Circe M. Fernandes, Disciplinas escolares: hist6ria e pesquisa. In: OLIVEIRA, Marcus A, Taborda de; RANZI, Serlei M. Fis- cher (Org.). Histéria das disciplinas escolares no Brasil. Braganca Paulista: Edusf, 2003. CHERVEL, André. Histéria das disciplinas escolares: reflexdes sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educagdo, Porto Alegre, n, 2, p. 177-229, 1990. FORQUIN, Jean-Claude. Saberes escolares, imperativos didéticos e di- namicas sociais. Teoria & Educagdo, Porto Alegre, n, 5, p. 28-49, 1992. . Escola e culbura: as bases sociais ¢ epistemolégicas do conheci- mento escolar. Traducéo de Guacira Lopes Louro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, GOODSON, Ivor: Tornando-se uma matéria académica: padrées de expli- tacio e evolucio, Teoria & Educagéo, Porto Alegre, n. 2, p. 230-254, 1990. . Curriculo: eotia ¢ hist6ria. Tradugao de Attilio Brunetta. Petré- polis: Vores, 1995. . La construccién social del curriculum. Possibilidades y ambi- tos de investigacién de la historia del curriculum. Revista de Educacién, Madrid, n. 295, p. 7-37, 1991. ove eoscnn esovae? HAMILTON, David. Sobre as origens dos termos classe e curriculum, Teoria & Educagéo, Porto Alegre, n. 6, p. 33-52, 1992. MONTEIRO, Ana Maria. A prética de ensino ¢ a produgao de saberes na escola. In: CANDAU, Vera Maria (Org,). Diddtiea, curriculo e sabere escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. MUNAKATA, Kazumi. Indagacées sobre a histéria ensinada. In: GUAZELLI, Cesar Augusto B. et al. Questies de teoria e metodologia da Histéria, Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2000. TARDIE, Maurice. Saberes docentes e formagio profisional, Pecrépolis, Vozes, 2002. II Contetidos e métodos de ensino de Historia: breve abordagem historica A Histéria, enquanto disciplina escolar, possui uma longa historia, permeada de conflitos e controvérsias na elaboragao de seus contetidos e métodos. A histéria do ensino de Histéria tem sido objeto de estudos de varios pesquisadores brasileiros, notadamente a partir da década de 1980, quando se debatia a reforma curricular que visava substituir os Estudos Sociais pela Histéria e Geografia. A Historia escolar é apresentada por essas pesquisas com abor- dagens diferentes, predominando uma anilise preocupada em denunciar o card- ter ideoldgico da disciplina e a forma pela + qual o poder institucional manipula ou tem o poder de manipular o ensino, sub- metendo-o aos interesses de determinados setores da sociedade. Outros estudos, sem desconsiderar aquele cardter ideolégico, Preocupam-se em analisar as contradicées manifestadas entre a Histéria apresentada nos curriculos oficiais ¢ nos livros ¢ a Histé- oa se “ Entre as pesquisas sobre a histéria do ensino de Hist6ria, citamos algumas que ja foram publicadas: BITTENCOURT, Circe M. Fernandes. Patria, civilizagdo e trabalho: o ensino de Historia nas escolas paulistas — 1917-1930; CORDEIRO, Jaime F. A Histéria no centro do debate: as propostas de renovagio do ensino de Historia nas décadas de setenta ¢ oitenta; GASPARELLO, Arlette Medeiros. Construtores de idemtidades: a pedagogia da nagio na escola secundaria brasileira (Cf. Bibliografia no fim do capitulo); MARTINS, Maria do Carmo, A Histéria eM HISTOR wvo pr. HisTORIA: BREN ABORDAC l be Coxrrnoas t mérones culo fundamenta-se nessas t (fico sobre as mudangas ¢ Petmangy, e espec ino ¢ aprendizagem. A Histor, * de or curriculos ¢ dos objetivos ey, nee oe escola primaria ou clement, ¢ para a escola secundaria, ft Aabordagem apresentada neste cap! quisas para fazer um recort cias de contetidos ¢ método: apresentada como parte integra! cacionais mais amplos propostos P como era anteriormente denominada, pa © comtexto da producéo ae os constituintes da q; identificar as relagdes entre os diversos element ig ici étodos. A anili = . a idos explicitos ¢ mé lise ciplina, ou seja, entre objetivos, contetidos exp ; rg fornecer alguns indicios para , ‘a escolar é significativo Paty iscipli 7 ao” visa da disciplina em sua “longa duragao” vis uns indicios par compreensao da permanéncia de determinados contetdos wadiconi e do método da “memorizagao”, responsivel por a a fogan famoso dy “matéri iva” xceléncia. Histéria escolar: uma “matéria decorativa’ por excel€: 1. Histéria na antiga escola primaria O ensino de Histéria sempre esteve presente nas escolas elementares ou escolas primérias brasileiras, variando, no entanto, de importancia no periodo que vai do século XIX ao atual. Inicialmente foi objeto de pou- Cos estudos nas escolas encarregadas de alfabetizar, mas, 4 medida que se organizava ¢ se ampliava esse nivel de escolarizagao, a partir da década de 1970, sua importancia foi ampliada como conteti veicular uma “histéria nacional” e como ins nificativo na constituicéo de uma do encarregado de trumento pedagdgico sig- “identidade nacional”. Esse objetivo sempre permeou 0 ensino da Histéria Para os alunos de “primeiras letras” ¢ ainda esta presente na organizacao curricular do século XXI. Métodos € contetidos foram sendo Organizados ¢ reelaborados a fim de atingir esse objetivo maior. Conrevnos x meron SEM 08 DF ENSINO DE Histon: REVE ARORDACEM HISTORICA mondrquico, era lugar destinado a ensinar a “ler, professores das escolas elementares deveriam tudos propostos em 1827 escrever ¢ contar”, Os segundo os planos de es- » uUlizar para o ensino da leitura, lo Impétio ¢ Hi Histéria associava-se a licées entre outros stéria do Brasil”. O ensino de e leitura, para que se aprendesse a ler uti- a Imaginacao dos meninos e fortificassem 0 senso moral por meio de deveres Para com a Patria e seus governantes, Assim, desde 0 inicio da organizagio do sistema escolar, ensino de Histéria voltava-se para um: Ao que se acentuou no decorrer dos passaram a ser elaborados para constr textos, “a Constituigio d. lizando temas que incitassem a proposta de formacio moral civica, condi- séculos XIX e XX. Qs contetidos uir uma ideia de nacao associada 4 soliveis, de patria, integradas como eixos indis Os programas nio eram os mesmos P: ara todas as provincias do Im- pério e assim prosseguiram aps o regime republicano, O ntimero de anos de estudos fornecidos pela escola primaria foi muito varidvel — de trés a cinco anos, divididos em graus —, variando também 0 aprofun- damento de determinados contetidos na escola de “primeiras letras” ou escola primdria elementar e na escola primaria complementar, Os estudos de Histéria eram previstos apenas para esta ultima eta- pa do ensino, na escola priméria complementar, mas, como se sabe, ha sempre um hiato entre as propostas de estudos ¢ sua efetivacao em sala de aula. A criagéo de escolas primarias complementares ocorreu de forma muito limitada, existindo apenas em alguns centros urbanos mais desen- volvidos. As auroridades educacionais acabavam por exigir dos professo- res apenas uma parte obrigatéria composta de leitura e escrita, nogdes de Gramitica, principios de Aritmética, especialmente o sistema métrico, Pesos ¢ medidas e 0 ensino da doutrina religiosa, O ensino da Historia Sagrada fazia parte da doutrina religiosa ¢ era mais difundido do que o da A moral civica vinculava-s® ©" ol a Representaci 4 5 - lc religiosa. Esta predominava nos textos escolares, herdis-méntir, do comum a utilizacao de prelegées com histérias so- Peon hse . jam como asi, bre a vida de santos, personagens que serviam J.M. de Lanai de moral ¢ de fé e tornavam-se, 1911, p34 rdis pelo martirio. cram optativos, embora sempr, exemplo de cardter, muitas vezes, verdadeiros he Os estudos de Histéria da patria aparecessem nas instrugdes que os inspetores for pios dos ensinamentos da Histéria Sagrads grandes personagens da vid, neciam aos professore, € seguiam os mesmos princi pelas narrativas da vida e dos feitos de publica selecionados como exemplo moral par A narragio da vida dos santos ¢ de herdis profanos denominava-se histéria biogréfica ¢ era defendida pelos educadores da época como um “modelo pedagégico” para as classes elementares. No fim da década de 1880, com a abolicdo do sistema escravagistz ¢ 0 aumento populacional proveniente do intensificado processo de imi- grac4o e urbanizacao, ampliaram-se os debates politicos sobre a concep- do de cidadania, devendo, entdo, os direitos sociais € civis ser estendidos a. um niimero cada vez maior de pessoas. A escola ganhou novo destaque, pela necessidade de aumentar 0 numero de alfabetizados, condicao fun- damental para a aquisigao da cidadania politica. Com a introdugao do regime politico republicano € do direito de voto para os alfabetizados, as politicas educacionais procuravam propor cionar a escolarizagao para um contingente social mais amplo, € novos ‘a as futuras geracécs, programas curriculares buscavam sedimentar uma identidade nacional, por meio da homogeneizagao da cultura escolar no que diz respeito 4 existéncia de um passado tinico na constituigio da Nagao. O ensino de Histéria na escola primaria precisava assim integrat tores sociais anteriormente marginalizados no processo educacional sem a6 SEGUNDO GOVERNADON GERAL Do ARAZIL R. D. Pedro Fernandes Sardinha embarcou- se para Portugal, afim de pedir providencias a el-rei. P. Que catdstrophe succedeu a este bispo? R. Naufragando entre os rios S. Francisco e Matanga do 4° bispu da Babiia e, de scus companhetros. Cururipe, o bispo e toda a tripolacéo do navio foréo devorados pelos Cahetés (1556). P. Que outro facto importante se deu no go- verno de Duarte da Costa? R. Foi no governo de Duarte da Costa que o calvinista francez Nicolao Durand de Villega~ gnon levantou o forte de Coligny n’uma ilha Dn: oe Peeaten ane ainda conserva desde © primeiro ano escolar, aos trabalhadores Ines i ic Sm substituicio aos escravos deveria inculcar determine ms want Preservacio da ordem, da obediéncia 4 aie « aad i : S40 pudesse chegar a0 progresso, modernizan ose 8 i ela dos pal . O conceito de cidadania, criado com 0 auxilio dos Palses europeus. ° ara I estudos de Histéria, serviria para situar cada individuo em seu lugar 7 Sociedade: cabia ao politico cuidar da politica, e ao trabalhador comu "estava 0 direito de vorar e de trabalhar dentro da ordem institucional, Os feitos dos “grandes homens’, seres de uma elite predestinada, haviam ctiado a Nagio, e os Tepresentantes dessas mesmas elites cuidariam de conduzir 0 Pais ao seu destino. O fortalecimento do es $6¢s de tradicdes” Paises europeus, pirito nacionalista Proporcionou as “ “inven- » de maneira semelhante ao que acontecia em Outros bawm. tico. A Histéria despertar o patri culo XX Mostram como © patriotismo passou a ser 0 objetivo organi 0s contetidos escolares de Histéria. Em seu famoso livro Poy que me ufing de meu pais Afonso Celso sintetizou os contetidos basicos da Histéria da Patria: ; tiqueza ¢ a beleza da terra, das matas €rios, o clima, Bente mest; a ‘3 nha e pacifica, a histéria dos Portugueses, Fepresentanteg da civilig ; s a cristianizacao, que possibilitou uma moral sem Preconceitgs, 'AG40, ¢ Esse projeto de ensino de homogeneizacag dao foi, entretanto, polémico, havendo alguns educa ae ultura histética dores ¢ hisr =e que s€ Opuseram a uma hictdria evel, CONTEODOS EMETODOS De ENSINO DE HISTORIA: BREVE ABOROAGEM HSTORICA sociedade brasileira, Entre elas, a de intelectuais como Manuel Bonfim, que procurou, por exemplo, introduzir nos cursos das escolas normais para a formagao de professores primérios o ensino da Histéria da Amé- rica, assim como a de alguns seguidores dos principios anarquistas, que criaram escolas de “educacio popular” Para os setores das classes trabalhadoras. Os grupos anarquistas que lideravam, nas primeiras décadas do sé- culo passado, os movimentos operdrios em suas lutas por dircitos tra- balhistas criaram em varias cidades as Escolas Modernas, inspiradas na pedagogia do espanhol Francisco Ferrer y Guardia, em que o ensino se yoltava contra a exacerbagéo do patriotismo ¢ 0 culto A patria, os quais, entre outros propésitos, incentivavam ¢ justificavam o militarismo e as guerras. Entre os anarquistas havia a corrente pacifista, opositora frontal 4 Primeira Guerra Mundial, que, desde 1914, levava a morte milhares de pessoas com a utilizago de armas cada vez mais sofisticadas. Tais grupos questionavam o sentido da “civilizagao” que a maioria dos europeus pro- curava impor ao restante do mundo. No transcorrer das primeiras décadas do século XX, nas reas ur- banas e rurais, havia uma diversidade de escolas primarias, de escolas ptiblicas que seguiam o modelo dos grupos escolares ¢ de muitas outras mais precarias, além de escolas particulares confessionais ou criadas por grupos diversos de imigrantes e outros setores laicos que, muitas vezes, atendiam alunos trabalhadores, em sua maioria adultos. Essas escolas diferentes, com hordrios ¢ tempos pedagdgicos diferentes ¢ cada vez mais controladas pelo poder estatal, assim como o fechamento daquelas orga- nizadas pelos anarquistas e de muitas escolas de imigrantes, completaram “no fim da década de 1930 um periodo de confrontos sobre que conteti- “dos histéricos deveriam ser ensinados. A Lingua Portuguesa, a Historia do Brasil, acompanhada de Educagéo Moral ¢ Civica, juntamente com | ™~ A década de 1930 foi marcada pela consolidagao de he memérig hig térica nacional ¢ patridtica nas escolas primérias. A ak oe “Poca, ©, 8 criagio do Ministério da Educagio, o sistema escolat foi organizang de maneira mais centralizada ¢ os contetidos escolares Passaram a Obedece, a normas mais rfgidas ¢ gerais. Duas caracteristicas identificaram © enking de Histéria nas escolas primérias a partir de entio: a sedimentagio do Cty aos herdis da Patria, consolidando Tiradentes como “o herdi nacional . 0s festejos também nacionais do 7 de Setembro; a obrigatoriedade, come fruto dessa politica educacional, da Histéria do Brasil para os alunos que desejavam ou possufam condigées de prosseguir os estudos secundatigs integrando os programas dos exames de admissio aos cursos ginasiais, 1.2. A “MEMORIZAGAO” NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM As lembrangas de muitos alunos da Histéria escolar ¢ os livros esco. lares produzidos no século XIX indicam o predominio de um método de ensino voltado para a memorizacao. Aprender Histéria significava saber de cor nomes ¢ fatos com suas datas, repetindo exatamente o que estava escrito no livro ou copiado nos cadernos. Um modelo de livro didatico muito utilizado em variadas escolas elementares cra 0 catecismo, € muitos textos de Histéria destinados is criangas seguiam o mesmo molde. A Histéria, segundo 0 método do c- tecismo, era apresentada por perguntas e respostas, ¢ assim os alunos de- viam repetir, oralmente ou por escrito, exatamente as respostas do livro. Como castigo, pela impreciséo dos termos ou esquecimento de algumss palavras, recebiam a famosa palmatéria ou férula. O sistema de avaliaga0 era associado a castigos fisicos. A memorizagio era a ténica do processo de aprendizagem ea principal capacidade exigida dos alunos para o sucesso escolar, Aprender era memorizar. Tal concepcio de aprendi7a_ Método do Covrrop0s £ METODOS De Eysivo DF HISTORIA: BREVE ARORDAGEM HISTORICA ANDEPENDENCTA Do mRAact 1 Independéncia do Brasil P. Quais foram os principais atos do prin- cipe regente depois da partida da esquadra portuguesa ? R. D. Pedvo partiu a 25 de Margo de 1822 para Minas-Gerais, afim de chamar 4 obedién- cia a junta governativa daquela provincia; a 13 de Maio aceitou o titulo de Defensor Per- pétuo do Brasil para si e scus sucessores, e a 3 de Junho convocou uma Assembléa consti- tuinte. P. Que manifesto publicou D. Pedro em Agosto do mesmo ano, ¢ qual foi 0 motivo? R. Ao receber a noticia que as cértes de Lis. boa iam expedir tropas ao Brasil, publicou D. Pedro o manifesto do 1° de Agosto, em que | exortava os brasileiros a se unirem para con- seguir a sua independéncia. | P. Que viagem empreendeu em seguida o principe regentc? R. D. Pedro partiu no dia 14 de Agosto para 8. Paulo, ondo reinavam graves dissensées. P. Que resolugdo importante tomou o prin- cipe em S. Paulo? R. Tendo D. Pedro alf recebido noticias da atitide ane contra éle tomavam as cértes de ¥ Se oh a4 baseados em auto! Laine cyrronos ewere0ns Um método mne foi proposto pelo histo serviu de modelo para Lavisse a relagio entre & palaw diditicos para a escola tou uma série de imag finalidade principal era 0 Na pratica, no entanto, preocupa¢ao com uma coragio de nomes e 4 cimentos da histéria nacional. Era estrarégias pedagdgicas q| uma série de rituais, co! de auroridades publicas. Os métodos de ensino bas atendimento de que “saber hiseéri: ume o que, na Pratica, signil acontecimentos método foram inevitaveis. edagégica que sugeria a necessidad res como Montessori, por interméd uma literatura p uma Tireratur troduzia tne neal ‘pe ensino DE HISTORIA: BREVE A 1 cso 0 HISTOR: REEVE APORDAZES HISTORIC ——————__ precendia desenvolve da capacidade da memorizagio, ens acompanhadas de e nasceste! Crianga, nao olidar essa memoria histérica, a de uma histéria nacional. E) m propostas dos denominados métodos ativos, qu {HORDAGEM HISTORICA ménico muito difundido no ensino de Hi, riador francés Ernest Lavisse, cuja obra diag’ a confecgio da produgio pedagégica aig, a inteligéncia da crianga por intermeg, sendo esta construida ao se estabeleg, imagens. Para isso, em seus lug, no fim do século XIX, apres ra escrita ¢ aS priméria francesa exercicios ¢ atividades Cuiy reforco para uma “memorizagio histérica”, parece ter prevalecido nao exatamente , memoriza¢ao ativa, mas simplesmente coma de. atas dos grandes herdis ¢ dos principais aconte. comum a recitagao de poesias que Olavo Bilac: ‘Arma com fie orgu. ismo, como a de haverd pats nenhum como este! incentivavam o patrioti tho a terra em qu Ademais, para cons preparar com muito ¢s as escolas passaram 2 mero as comemoragoes € festas civicas, utilizando ue envolviam miisicas, teatros, desfiles ¢ todi m a participagio de alunos e suas familias, 20 Tada eados na memorizac4o correspondiam a ‘a’ era dominar muitas informagoes ficava saber de cor a maior quantidade possivel de lentemente, as criticas a es Desde o fim do século XIX, podia-se encontrit 1c de novos mérodos, io dos quais se i" e incentivavam a ento dos alunos na aprendizagem.

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