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Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo 31/05/2022 09)24 Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo 31/05/2022 09)24

socorro à pessoa que o está assistindo. Neste verão [1937], compramos para ele um
Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo escorregador, e na primeira tarde, quando outras crianças ali estavam escorregando,
ele não se interessava e quando o colocamos lá em cima para escorregar, ele pareceu
Autor: Leo Kanner entrar em pânico. Na manhã seguinte, entretanto, quando não havia ninguém
presente, ele foi para fora, subiu a escadinha e escorregou, como tem feito, desde
Desde 1938 tem nos chamado a atenção um número de crianças cujas condições que não haja criança alguma por perto escorregando com ele... Estava sempre
diferem tão marcada e singularmente das observadas até então, que cada caso constantemente feliz e ocupado em entreter-se, mas ressentia-se se compelido a
mereceu - e, espero, irá eventualmente receber - a atenção pormenorizada às suas brincar com certas coisas.
fascinantes peculiaridades. Aqui, as limitações necessariamente impostas pelo espaço Quando interferiam com ele, tinha acessos de birra com características destrutivas.
(para o artigo, na revista) pedem uma apresentação condensada do material relativo Ele tinha "um medo terrível de levar umas palmadas" mas "não associava sua má
aos casos. Pela mesma razão também foram omitidas fotos. Já que todas as crianças conduta ao castigo".
desse grupo ainda têm idade inferior a onze anos de idade, esse relato deve ser Em agosto de 1937, Donald foi internado em um centro preventivo de tuberculose a
encarado como uma preliminar, a ser ampliada à medida que os pacientes forem fim de proporcionar "uma mudança de ambiente". Ali, ele tinha uma "propensão a
crescendo e forem acontecendo mais observações sobre seu desenvolvimento. não brincar com crianças e fazer coisas que as crianças de sua idade geralmente
gostam de fazer". Ele ganhou peso mas adquiriu o hábito de sacudir a cabeça de um
CASO 1 lado para o outro. Continuava a girar objetos e pulava extasiado enquanto os via
girar. Manifestava uma abstração mental que o mantinha totalmente desligado de
Donald T. foi avaliado pela primeira vez em outubro de 1938, com a idade de cinco tudo o que lhe dizia respeito. Parece estar sempre pensando e pensando, e chamar a
anos e um mês. Antes da família chegar de sua cidade natal, seu pai mandou-nos sua atenção praticamente requer que se quebre a barreira mental entre seu mundo
umas trinta e três páginas datilografadas sobre o caso que, apesar de preenchidas interior e o mundo exterior.
com muitos pormenores obsessivos, forneceu um excelente histórico. Donald nasceu O pai, com quem Donald se parece fisicamente, é um advogado bem-sucedido,
no final da gravidez, em oito de setembro de 1933. Pesava aproximadamente três meticuloso, ativo, que teve dois colapsos em virtude de excesso de trabalho. Ele
quilos e duzentos gramas ao nascer. Foi amamentado, com alimentação suplementar sempre levou suas doenças a sério, ficando de cama e seguindo à risca as prescrições
até o fim do oitavo mês; houve freqüentes mudanças de dieta. "Comer", dizia o médicas mesmo se tratava de um simples resfriado. "Quando anda pela rua vai tão
relatório, "foi sempre um problema para ele. Essa criança nunca demonstrou um absorto em pensamentos que não vê ninguém ou coisa alguma e não se lembra de
apetite normal. Ver as crianças comendo doces ou sorvete nunca constituiu uma nada ocorrido durante a caminhada". A mãe tem nível universitário, é calma,
tentação para ele". A dentição ocorreu satisfatoriamente. Ele começou a andar com eficiente, e seu marido se sente muito superior a ela. Tiveram um segundo filho em
treze meses. vinte e dois de maio de 1938.
Com a idade de um ano "cantava ou murmurava de boca fechada algumas melodias Quando Donald foi examinado em 1938, no Harriet Laine Home, o laudo médico
com perfeição". Antes dos dois anos de idade, tinha "uma memória invulgar para atestou estar em boas condições físicas. Durante a observação inicial e um estudo de
rostos e nomes, sabia o nome de um grande número de casas" de sua cidade natal. duas semanas efetuado pelos doutores Eugenia S. Cameron e George Frankl no Child
"A família o encorajava a aprender e recitar pequenos poemas e até decorou o salmo Study Home em Maryland, foi observado o seguinte quadro:
XXIII e vinte e cinco perguntas e respostas do catecismo presbiteriano". Os pais Havia uma limitação marcante da atividade espontânea. Abrangia o sorriso, o
observaram que "ele não aprendia a perguntar ou responder perguntas a menos que movimento estereotipado dos dedos que se cruzavam no ar. Ele sacudia a cabeça de
contivessem rimas ou coisa parecida, e então quase nunca perguntava nada a não ser um lado para o outro, murmurando ou cantando de boca fechada sempre as três
com palavras isoladas". Sua pronuncia era clara. Interessou-se por gravuras "e logo mesmas notas de uma canção. Ele girava com grande prazer qualquer coisa que
logo ficou conhecendo um extraordinário número de gravuras de uma seção da pudesse apanhar para fazer girar. Ficava atirando coisas no chão e parecia encantado
enciclopédia Compton". Ele conhecia os retratos dos presidentes "e também muitos com os sons que fazia. Arrumava contas, varetas ou blocos em grupos de diferentes
de seus ancestrais e da parentela do lado materno e paterno". Aprendeu com rapidez séries de cores. Quando acabava de arrumá-los, guinchava e saltava. Além disto, não
o alfabeto inteiro, "até de trás para adiante" e a contar até cem. dava mostras de iniciativa precisando de constantes instruções (da mãe) para
Desde cedo observamos que ele se sentia mais satisfeito quando deixado sozinho, qualquer tipo de atividade que não fosse uma daquelas limitadas com as quais se
praticamente nunca chorou pedindo a mãe, nunca pareceu dar-se conta da volta do absorvia.
pai para casa e ficava indiferente ao visitar parentes. O pai fez especial menção ao A maioria de suas atividades não passava de uma repetição, executada exatamente
fato que Donald parou até de prestar a mínima atenção ao Papai Noel com todo seu da mesma forma que o tinha sido originariamente. Se ele girava um bloco, começava
aparato. sempre pela mesma face principal. Quando enfileirava botões, os dispunha dentro de
Ele parece ser auto-suficiente. Não mostra nenhuma afeição quando mimado. Ignora uma certa seqüência sem modelo, mas que era a ordem usada pelo pai quando os
o fato de alguém chegar ou sair e nunca manifesta alegria ao ver o pai, a mãe ou havia mostrado pela primeira vez a Donald.
algum amiguinho. Dá a impressão de voltar-se para a sua concha e viver dentro dela. Havia ainda inúmeros rituais verbais se sucedendo pelo dia todo. Quando ele queria
Certa vez trouxemos um garotinho muito simpático, da mesma idade, de um orfanato descer, depois da sesta, dizia "Boo (como chamava a mãe), diga, 'Don, você não quer
para passar o verão com Donald. Entretanto, Donald nunca lhe fez nem respondeu descer?' ".
nenhuma pergunta e nem brincou com ele. Raramente se aproxima de alguém que o Sua mãe aquiescia e Don voltava a falar: "Agora diga 'Tudo bem' ".
chame - tem que ser carregado ou conduzido para onde quer que deva ir. A mãe concordava e Don descia. Na hora da refeição, repetindo algo que obviamente
No seu segundo ano de vida, ele "pegou uma mania de girar blocos, pratos e outros lhe tinha sido dito com freqüência, ele falava para a mãe "diga 'Coma, ou não lhe
objetos redondos". Ao mesmo tempo, darei tomates'; mas se você não comer eu lhe darei tomates", ou "diga 'Se você
lhe desagradavam veículos auto propulsores, como cavalinhos de montar, velocípedes também beber agora, eu vou dar risada e sorrisos' ".
e balanços. Ele ainda tem medo de velocípedes e parece guardar uma espécie de E sua mãe tinha que se sujeitar a isso e outras coisas mais para ele não grunhir,
horror por eles quando é forçado a andar nos mesmos, hora em que tenta pedir gritar e distender todos os músculos de seu pescoço tenso. Isso ocorria durante o dia

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inteiro em razão de uma coisa ou outra. Ele parecia ter muito prazer em emitir (de contrariado, cobrou promessas sedutoras, deu mostras evidentes de prazer quando
forma descontrolada e sem sentido) palavras ou frases como por exemplo aplaudido. Era possível, no Child Study Home, obter, com insistência constante, certa
"crisântemo", "dália", "negócios", "vinhatrombeta", "o direito sim, o esquerdo não", condescendência com a rotina diária e algum grau de manuseio apropriado de
"através da escuridão as nuvens brilhando". Expressões irrelevantes como essas objetos. Mas ele ainda escrevia letras com os dedos no ar, emitindo palavras - "ponto-
faziam parte de sua forma habitual de falar. Parecia estar sempre como um papagaio e-vírgula", "capital", "doze, doze", "morto, morto", "eu podia por uma virgulazinha ou
repetindo o que lhe tinha sido dito uma vez ou outra. Usava os pronomes pessoais ponto-e-vírgula" - mastigando sobre o papel, misturando comida com o cabelo,
com as pessoas que estava citando, até imitando sua entonação. Quando queria atirando livros dentro do privada, colocando uma chave no esgoto, trepando na mesa
tomar banho, perguntava: "você quer tomar banho?". e na escrivaninha, explodindo em acessos temperamentais, dando risadinhas e
As palavras, para ele, tinham um significado especificamente literal e inflexível. murmurando autisticamente. Ele pegou uma enciclopédia e aprendeu cerca de quinze
Parecia incapaz de generalizar, de transferir uma expressão para um objeto ou palavras do índice e as ficou repetindo indefinidamente. Sua mãe tinha ajuda nas
situação similar. Se o fez alguma vez, tratava-se de uma substituição que então tentativas de desenvolver o seu interesse e participação nas situações comuns que a
"permaneceu" definitivamente com esse significado. Consequentemente, ele batizou vida apresentava. A seguir, extratos de cartas mandadas posteriormente pela mãe de
cada uma de suas garrafas com água colorida com os nomes de cada uma das Donald:
quíntuplas Dionne - Annete, a azul, Cecile a vermelha, etc. Depois, passando para Setembro de 1939. Ele continua a comer, lavar-se e vestir-se sozinho, somente com
uma série de misturas de cores, ele raciocinou da seguinte forma: "Annete e Cecile minha insistência e auxílio. Está ficando desembaraçado, constrói coisas com blocos,
dão púrpura". dramatiza estórias, tenta lavar o carro, rega as flores com o esguicho, brinca de loja
Um pedido coloquial para "deixar isto aí" (put that down), significou para ele colocar com as mercadorias da mercearia, tenta recortar gravuras com a tesoura. Ele ainda
as coisas sobre o chão. Ele tinha um copo só para tomar leite e outro só para água. tem grande atração pelos números. Se sua forma de brincar melhorou
Quando colocou um pouco de leite no copo de água, o leite evidentemente passou a indiscutivelmente, por outro lado nunca fez perguntas sobre ninguém e não mostra
ser água branca. interesse algum pela nossa conversa...
A palavra "sim" significou por muito tempo o desejo de que o pai o colocasse no Outubro de 1939. (Um diretor da escola amigo da mãe concordou em fazer uma
ombro. Isto teve uma origem determinada. O pai, tentando ensiná-lo a dizer "sim" e experiência, colocando Donald no primeiro grau da escola) O primeiro dia foi muito
"não", perguntou-lhe certa vez difícil para eles, mas, com o decorrer do tempo, melhorou muito. Don ficou muito
"Você quer que o papai o ponha no ombro?". mais independente, quer fazer muitas coisas sozinho. Ele anda em fila corretamente,
Don expressou sua concordância repetindo literalmente a pergunta, com ecolalia. E o responde quando chamado e está dócil e obediente. Ele nunca conta voluntariamente
pai disse "se você quiser, diga 'sim'; se não quiser, diga 'não'". qualquer uma de suas experiências na escola e nunca faz objeções para ir às aulas.
Don disse "sim", mas daí em diante "sim" passou a significar o desejo de ser içado Novembro de 1939. Visitei sua sala de aula esta manhã e fiquei maravilhada ao ver a
para o ombro do pai. maneira satisfatória com que cooperava e respondia. Ele estava muito quieto e calmo
Ele não prestava atenção nas pessoas que estavam ao seu redor. e prestou atenção ao que a professora estava dizendo cerca de metade do tempo.
Quando levado para um cômodo, ignorava completamente as pessoas que lá estavam Não guinchou ou correu para ir até seu lugar mas foi sentar-se normalmente, como
e logo se virava para os objetos, de preferência os que pudesse rodar. Ordens ou as outras crianças. A professora começou a escrever no quadro negro. O fato atraiu
ações que não podiam ser ignoradas eram recebidas como instruções nada bem- imediatamente sua atenção. Ela escreveu:
vindas. Mas ele nunca ficava zangado com a pessoa que interferisse. Empurrava sim, Bete pode alimentar um peixe.
irado, a mão que viesse em seu caminho ou o pé que pisava em um dos seus blocos, Don pode alimentar um peixe.
referindo-se ao mesmo tempo, ao pé sobre o bloco como "guarda-chuva". Certa vez, Jerry pode alimentar um peixe.
o obstáculo foi removido e ele esqueceu-se completamente do caso. Não se deu conta Na sua vez, ele foi até o quadro negro e fez um círculo em volta de seu nome. Em
da presença de outras crianças; foi direto até seus passatempos favoritos, seguida, deu de comer a um peixe dourado. Depois, todas as crianças pegaram o livro
distanciando-se delas se elas fossem corajosas o suficiente para juntar-se a ele. Se de leitura e ele o folheou até a página certa, como a professora havia ordenado e leu
uma criança tirava um brinquedo seu, ele passivamente o permitia. Ele rabiscava quando foi chamado. Ele também respondeu uma pergunta sobre uma das gravuras.
linhas nos livros de gravuras que as outras crianças estavam colorindo, e se, furiosas, Diversas vezes, quando solicitado, saltou e sacudiu a cabeça enquanto respondia...
elas o ameaçavam, ele retrocedia ou punha a mão nos ouvidos. Sua mãe era a única Março de 1940. O maior progresso que notei foi o da conscientização das coisas que
pessoa com quem ele tinha realmente contato, mas mesmo assim ela ocupava todo o lhe dizem respeito. Ele está falando muito mais e perguntado muita coisa boa. Não é
seu tempo arquitetando formas para conseguir que ele brincasse com ela. sempre que me conta espontaneamente o que acontece na escola, mas se eu fizer
Depois que ele voltou para casa, a mãe mandava relatórios periódicos sobre seu perguntas dirigidas, ele as responde com acerto.
desenvolvimento. Ele aprendeu rápido a ler fluentemente e tocar melodias fáceis no Ele está tomando parte nos jogos das outras crianças para valer. Um dia, inscreveu a
piano. Começou, quando se conseguia que ele prestasse atenção, a responder família num jogo que acabava de aprender, explicando a cada um de nós o que
perguntas que pediam como resposta 'sim' ou 'não'. Embora tenha começado devíamos fazer. Está se alimentando melhor e mostra capacidade para fazer coisas
ocasionalmente a falar de si próprio como "eu" e de outra pessoa como "você", sozinho.
continuou por um bom tempo com as inversões pronominais. Quando por exemplo Março de 1941. Ele melhorou enormemente, mas as dificuldades básicas ainda são
em fevereiro de 1939 escorregou e quase caiu, fez o seguinte comentário referindo-se evidentes. Donald foi trazido para outro check up em Abril de 1941. Não lhe foi feito
a si próprio: "Você não caiu no chão". nenhum convite para que entrasse no consultório mas ele o fez com boa vontade. Lá
Ele denotava embaraço com relação às inconsistências de soletrar e podia passar dentro, nem mesmo lançou um olhar para os clínicos presentes (dois dos quais
horas escrevendo no quadro negro. Sua maneira de brincar tornou-se mais criativa e conhecia bem em virtude de suas consultas anteriores) - foi imediatamente até uma
variada ainda que quase ritualística. carteira e mexeu em papéis e livros. De início, as perguntas eram correspondidas com
Ele voltou para um check up em maio de 1939. Sua atenção e concentração haviam um estereotipado "Eu não sei". Depois, por sua conta, pegou lápis e papel e escreveu
melhorado. Tinha melhor contato com o ambiente e se notavam algumas reações e desenhou, enchendo páginas e páginas com as letras do alfabeto e alguns desenhos
diretas perante pessoas e situações. Mostrou seu desapontamento quando simples. Ele dispôs as letras em duas ou três linhas, lendo-as numa seqüência

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preferencialmente vertical e mostrou-se muito satisfeito com o resultado. De vez em mesmo a chegar perto deles. Mas, em geral, no seu caso, as pessoas significam uma
quando, saia-se, voluntariamente, com uma declaração ou pergunta: "Eu vou ficar interferência. Ele as empurra para longe. Se se chegam muito perto, empurra-as para
dois dias no Child Study Home". Mais além, disse "Onde está minha mãe?" longe dele. Não quer que eu o toque ou abrace, mas vem a mim e me toca.
"O que você quer com ela?", perguntaram-lhe. Por um certo espaço de tempo, ele fixa-se em uma determinada coisa. Em uma das
"Eu quero abraçá-la no pescoço". prateleiras de nossa estante de livros, tínhamos três peças dispostas de determinada
Ele empregava os pronomes com acerto, e suas sentenças eram gramaticalmente forma. Quando as mudávamos de lugar, ele tornava a dispô-las como se achavam
corretas. antes. Que se saiba, não tentava novos vôos. Depois de ficar olhado para o ar por um
A maior parte de sua "conversação" consistiu em perguntas de natureza obsessiva. bom tempo, punha-se a fazer o que tinha que ser feito de repente. Queria estar certo
Suas variações eram inexauríveis: "quantos dias numa semana, anos no século, horas de que o faria bem feito. Antes de completar dois anos, falou pelo menos duas
num dia, horas num meio dia, semanas num século, séculos em meio milênio, etc., palavras ("papai" e "Dora", o nome da mãe). Daí em diante, entre dois e três anos,
etc. Quantas canecas num galão, quantos galões para encher quatro galões?". Às pronunciou palavras que pareciam chegar a surpreendê-lo. Uma das primeiras
vezes, perguntava "quantas horas num minuto, quantos dias em uma hora?" e etc. palavras que disse foi "macacão". (Como os pais nunca esperavam que ele
Ele parecia pensativo e sempre queria uma resposta. De vez em quando respondesse as suas perguntas, ficavam surpresos quando respondia "sim") Com dois
comprometia-se temporariamente a responder depressa algumas outras perguntas ou anos e meio, mais ou menos, ele começou a cantar. Chegou a cantar umas vinte ou
solicitações mas, de repente, voltava ao mesmo tipo de comportamento. Muitas de trinta canções, inclusive um pequeno acalanto em francês. Em seu quarto ano, tentei
suas respostas eram metafóricas ou então peculiares. Quando lhe pediram que fazê-lo pedir as coisas antes de dá-las a ele. Mais teimoso do que eu, resistia mais
subtraísse 4 de 10, respondeu: "vou desenhar um hexágono". tempo e se não conseguisse no momento, também não desistia delas. Agora já pode
Ele era ainda extremamente autista. Seu relacionamento com as pessoas só se contar até as centenas e lê os números, mas não está interessado neles, nem mesmo
desenvolveu na medida em que se dirigia a elas quando precisava ou queria saber em aplicá-los aos objetos. Tem uma enorme dificuldade em aprender a devida
algo. Ele nunca olhava para a pessoa enquanto falava e não fazia gestos colocação de pronomes pessoais. Quando recebe um presente, fala consigo mesmo:
comunicativos. Mas até esse tipo de contato cessava quando lhe falavam ou davam o "você diz obrigado".
que pedia. Ele joga boliche e quando vê as garrafas caírem, pula de alegria.
Uma carta da mãe, datada de outubro de 1942: Frederick nasceu em 23 de maio de 1936 em posição incomum. A mãe teve "alguns
Don ainda fica indiferente demais ao que o cerca. Seus interesse mudam problemas renais" e foi decidida uma cesárea duas semanas antes do prazo
constantemente, mas sempre está absorvido com algo tolo, desconexo. Sua literal estipulado. Ele passou bem depois do parto e não houve dissabores com a
disposição mental está ainda muito marcada, ele quer soletrar palavras como soam e alimentação. A mãe se lembrava de que nunca foi detectado antecipadamente sua
pronunciar letras de forma consistente. Recentemente, eu consegui que Don fizesse posição quando ela estava se preparando para dá-lo à luz. Ele sentou-se com sete
pequenos trabalhos para ganhar um dinheirinho para ir ao cinema. Hoje em dia, ele meses e andou com 18, mais ou menos. Teve resfriados ocasionais e nenhuma outra
gosta muito de ir ao cinema, mas sem se dar conta da seqüência da estória. Ele doença. Tentativas para mantê-lo na creche da escola foram um fracasso: "ou ele
lembra-se das cenas na ordem em que as vê. Outros de seus recentes hobbies se fugia ou se escondia em algum canto ou enfiava-se no meio de um grupo e tornava-
acha em edições antigas da revista Time. Ele encontrou um exemplar da primeira se muito agressivo". O menino era filho único. O pai, de 44 anos, nível universitário,
edição de 3 de março de 1923 e procurou fazer uma lista com as datas de publicação diplomado em patologia das plantas, era muito viajado em virtude do seu trabalho.
de cada edição desde aquele tempo. Até agora foi até abril de 1934. Imaginou Era um homem paciente, tranqüilo, ligeiramente obsessivo; como uma criança, não
quantos exemplares há em um volume e outros disparates similares. "dava a última palavra" e era delicado, fazendo crer que lhe tenha faltado vitaminas
na dieta elaborada na África. A mãe, de 40 anos, com diploma de faculdade,
CASO 2 sucessivamente secretária de médicos, agente de vendas, diretora de estudos de
secretariado em uma escola de moças, e ao mesmo tempo professora de história, é
O médico de Frederick W., de seis anos de idade, avaliou em 27 de maio de 1942 que descrita como saudável e calma.
sua O avô paterno organizou missões médicas para a África, estudou medicina tropical na
"capacidade de adaptação em um ambiente social era caracterizada tanto pelo ataque Inglaterra, tornou-se uma autoridade em mineração de manganês no Brasil, e, ao
como pelo comportamento de recuo". Sua mãe declarou: mesmo tempo, decano de uma escola médica e diretor de um museu de arte de uma
O menino sempre foi auto-suficiente. Posso deixá-lo sozinho que ele se entretém com cidade americana, sendo citado no Quem é Quem com dois nomes diferentes. Ele
satisfação, andando pelas redondezas, cantando. Nunca o vi chorar para pedir desapareceu em 1911 e seu paradeiro ficou obscuro por 25 anos. Foi quando então se
atenção. Ele jamais se interessou por esconde-esconde, mas brinca com a bola de soube que ele tinha ido para a Europa e se casado com uma romaneista, sem ter se
todo jeito, olha o pai se barbear, segura a caixa do aparelho, coloca o aparelho de divorciado de sua primeira esposa. A família o considerava "um caráter marcante do
novo na caixa, põe a tampa na saboneteira. Ele nunca foi muito bom em brincadeiras tipo gênio que queria fazer o melhor ao seu alcance."
que exigem cooperação. Não se importa de brincar com as coisas comuns com as A avó paterna é descrita como "uma missionária calejada, se é o que foi na realidade,
quais as outras crianças brincam desde que elas girem. Ele tem medo de coisas totalmente dominadora e de difícil convívio, no momento fazendo pioneirismo no sul,
mecânicas - foge delas. Sempre teve medo de minha batedeira de ovos e fica num colégio para montanheses".
inteiramente petrificado com o aspirador de pó. Para ele, elevadores constituem-se O pai é o segundo dos cinco filhos. O mais velho é jornalista e autor de um best-seller
em um experiência simplesmente terrificante. Tem medo também dos peões que muito conhecido. A irmã casada, "sensível e totalmente precoce" é cantora. Depois,
rodam. vem o irmão que escreve contos de aventuras para uma revista. O mais novo, pintor,
Até o último ano, ele praticamente ignorou os outros. Quanto tínhamos convidados, escritor e comentarista de rádio, "não falou até cerca de seis anos de idade" e as
ele não lhes dava a mínima atenção. Olhava curiosamente para as crianças primeiras palavras que pronunciou foram: "se um leão pode falar, pode também
pequeninas e, depois, queria sair sozinho. Ele se portava como se as pessoas assobiar".
absolutamente não estivessem presentes e o mesmo acontecia diante dos avós. A A mãe falou de seus parentes: "os meus eram gente simples". Sua família
cerca de um ano atrás começou a mostrar interesse maior em observá-los e até estabelecera-se numa cidade do Wisconsin, onde o pai é banqueiro; sua mãe

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interessa-se relativamente pelas obras da igreja e suas três irmãs, todas mais jovens que, embora muito elaborado e ricamente ilustrado, revelava, em sua totalidade, mais
do que ela, são matronas comuns da classe média. de sua própria versão do que realmente havia acontecido em cada ocasião
Frederick foi admitido no Harriet Lane Home em 27 de maio de 1942. Parecia estar mencionada.
bem nutrido. A circunferência de sua cabeça media 21 polegadas, a do tórax 22, e a O pai de Richard é professor de tudo que diga respeito a florestas em uma
do abdômen 21. Seu occipício e região frontal eram fortemente proeminentes. Tinha universidade do sul. Ele vive totalmente imerso em seu trabalho e quase não lhe
um mamilo super-numerário na axila esquerda. Os reflexos eram lentos mas sobra tempo para contatos sociais. A mãe estudou até a faculdade. O avô materno é
presentes. Todos os outros dados, inclusive exames de laboratório e raio-x do crânio físico e o resto da família, de ambos os lados, é constituída de pessoas
acusaram normalidade, exceto o que se referia às grandes e precárias amígdalas. profissionalmente bem sucedidas. O irmão de Richard, 31 meses mais novo, é
Ele foi conduzido ao consultório do psiquiatra por uma enfermeira, que deixou o local descrito como uma criança normal e de bom desenvolvimento.
imediatamente após. Sua expressão facial era tensa, um tanto apreensiva e deu a Richard nasceu em 17 de novembro de 1937. A gestação e o nascimento
impressão de inteligência. Vagamente surpreso por alguns momentos, mostrava-se transcorreram normalmente. Ele sentou-se com 8 meses e andou com 1 ano. Sua
alheio à presença dos três adultos presentes. Acabou por sentar-se no sofá emitindo mãe começou a "educá-lo" com 3 semanas, colocando-lhe um supositório todas as
sons ininteligíveis quando, abruptamente deitou-se, exibindo um escandalosamente manhãs, "para que seu intestino se porta-se como um relógio". Comparando os dois
um sorriso sonhador. Respondeu a perguntas do jeito que quis, mas o fez repetindo- filhos, a mãe recordou-se que enquanto o mais novo mostrava uma reação ativa
as de maneira ecolálica. O traço mais impressionante de seu comportamento era a antecipada ao ser pego no colo, Richard não dava nem sinal de prontidão fisionômica
diferença de reações diante dos objetos e de gente. Os objetos o absorviam ou postural e deixava de se aninhar ao ser segurado no colo por ela ou pela
facilmente e ele mostrava atenção e perseverança ao brincar com eles. Parecia olhar enfermeira. A nutrição e o crescimento físico decorreram satisfatoriamente. Vacinado
as pessoas como intrusos nada bem-vindos aos quais prestava tão pouca atenção com doze meses contra varíola, teve como reação um surto de diarréia e febre do
quanto lhe era permitido. Quando forçado a responder, fazia-o rapidamente e logo qual se restabeleceu em menos de uma semana.
voltava sua atenção para coisas. Quando uma mão se levantava à sua frente de Em setembro de 1940, a mãe, comentando a ausência de fala em Richard, observou
maneira a ser impossível ignorá-la, brincava com ela por curtos instantes como se em suas notas: eu não tenho certeza de quando, exatamente, ele parou de imitar os
fosse um objeto isolado. E soprou um palito de fósforo com uma expressão sons das palavras. Parece que ele teve uma gradativa regressão mental nos dois
satisfatória por ter apagado a chama, mas não olhou para cima, para a pessoa que últimos anos. Como ele não revelasse o passava em sua cabeça, pensamos que
tinha acendido o fósforo. Quando uma quarta pessoa entrou na sala, ele escondeu-se estivesse tudo bem. Agora que ele está emitindo tantos sons, estamos
por um minuto ou dois atrás da estante de livros, dizendo "eu não quero você" e , desconcertados por que é evidente que ele não pode falar. Antes eu pensei que ele
num aceno de mão, enxotou-a. Depois, recomeçou a brincar e não prestou mais poderia se quisesse. Ele passou-me a impressão de silenciosa sabedoria... Uma coisa
atenção nela nem em ninguém. intrigante e desencorajadora é a grande dificuldade que se tem para conseguir sua
O resultado dos testes (Escola de Performance Grace Arthur) era difícil de avaliar por atenção.
causa da falta de cooperação. Ele foi melhor com o quadro Seguin (menor tempo 58 Richard foi considerado saudável no exame físico, exceto com relação às grandes
segundos). Na conclusão do teste de água e do potro ele pareceu guiado unicamente amígdalas e adenóides que removeu em 8 de fevereiro de 1941. A circunferência de
pela forma, a ponto de não fazer diferença se as peças estavam do lado certo ou não. sua cabeça era de 54,5 centímetro. Seu eletroencefalograma foi normal.
Mostrou boa perseverança e concentração com todas as formas postas na mesa, Ele dirigiu-se voluntariamente ao consultório do psiquiatra e logo pôs-se a brincar,
trabalhando com elas espontânea e interessadamente. Nos intervalos dos testes, ativo, com os brinquedos, sem prestar atenção às pessoas que estavam na sala. De
andou pela sala, examinando vários objetos, revolvendo o cesto de lixo sem olhar vez em quando, olhava para as paredes, sorria e proferia em breve estacato vigorosos
para as pessoas presentes. Ele fez freqüentes ruídos de sucção e, de vez em quando, sons - "Ih! Ih! Ih!". Acatou a ordem falada e gesticulada da mãe para tirar os sapatos.
beijou a superfície dorsal da mão. Ficou fascinado com o círculo que havia entre as Quando a ordem foi outra, desta vez sem gestos, ele se ateve à ordem anterior e
formas na mesa, o qual colocou para girar sobre a carteira. E conseguiu não só tirou os sapatos (que já havia calçado de novo). Seu desempenho foi bom com os
cumprir a proeza como apará-lo para que não caísse no chão. Frederick foi quadros não-giratórios mas não tanto com os giratórios.
matriculado na Devereux Schools em 25 de setembro de 1942. Richard foi examinado outra vez com a idade de quatro anos e quatro meses.
Crescera consideravelmente e ganhara peso. Diante da sala de exames, gritou e fez
CASO 3 um enorme estardalhaço, mas acabou capitulando e entrando sozinho,
voluntariamente. Lá dentro, imediatamente pôs-se a acender e apagar as luzes. Não
Richard M. foi admitido no Johns Hopkins Hospital em 5 de fevereiro de 1943, quando mostrou interesse pelo clínico ou qualquer outra pessoa mas foi atraído por uma
tinha 3 anos e 3 meses de idade, sob alegação de surdez, já que não falava e não pequena caixa que acabou atirando longe como se fosse uma bola.
respondia às perguntas. Em seguida à sua internação, o residente fez esta Com quatro anos e onze meses, seu primeiro movimento ao entrar no consultório (ou
observação: qualquer outra sala) era o de acender e apagar as luzes. Ele subiu numa cadeira e da
A criança parece ser normalmente inteligente. Brinca com os brinquedos na cama e é cadeira para uma escrivaninha a fim de alcançar o interruptor na parede. Ele não
convenientemente curiosa com respeito a instrumentos usados no exame. Ela parece comunicava seus desejos mas se dirigia, com raiva até, à mãe, que adivinhava e
inteiramente auto-suficiente quando brinca. É difícil dizer definitivamente se ela ouve, procurava o que ele queria. Não tinha contato com pessoas, as quais considerava
mas parece que sim. Ela obedece instruções. como "sente-se" ou "deite-se", mesmo definitivamente como uma interferência quando falavam com ele ou tentavam obter
quando não vê quem está falando. Não presta atenção às conversas que ocorrem à sua atenção.
sua volta e embora não faça barulho, fala palavras desconhecidas. A mãe sentiu que já não era mais capaz de controlá-lo e ele foi colocado num lar
Sua mãe trouxe consigo notas copiosas que indicam preocupação obsessiva com adotivo perto de Annápolis sob os cuidados de uma mulher que mostrou sempre um
pormenores e uma tendência para ler toso tipo de interpretações relativas às notável talento para lidar com crianças difíceis. Recentemente, essa mulher ouviu-o
performances da criança. Ela observou (e registrou) cada gesto e cada "olhar", dizer claramente as primeiras palavras inteligíveis. Eram elas: "boa noite".
tentando achar-lhe o significado específico e, finalmente, decidindo-se sobre um
pormenor às vezes explicado muito superficialmente. E acumulava assim um acervo CASO 4

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abóbora". Reproduções de advertências e ferimentos corpóreos constituíam a parte


Paul G. compareceu em março de 1941, com idade de 5 anos, para fazer um teste principal de suas elucubrações.
psicométrico mediante o qual se pensou estar diante de uma severa deficiência Nenhuma dessas observações teve a veleidade de apontar um valor de comunicação.
intelectual. Ele foi para uma escola maternal privada, onde sua fala incoerente, Não havia nisso laços afetivos com as pessoas. Ele se comportava como se as pessoas
incapacidade de obedecer e reações temperamentais a qualquer interferência deram a não lhe dissessem respeito ou mesmo não existissem. Não fazia diferença se alguém
impressão de um caso de oligofrenia. lhe falava de maneira amigável ou áspera. Ele nunca encarou o rosto das pessoas.
Paul, filho; único, chegou a este país procedente da Inglaterra, com aproximadamente Quando tinha algo em comum com alguma delas, tratava-as, ou melhor, tratava parte
dois anos de idade, acompanhado da mãe. O pai, um engenheiro de minas, que se delas como se fossem objetos. Usava uma mão para dirigi-las. Ao brincar, dava
supunha na Austrália, havia abandonado a esposa pouco antes, depois de vários anos cabeçadas na mão, como há tempos atrás fazia com um travesseiro. Permitia que a
de um casamento infeliz. A mãe, provavelmente de nível universitário, mulher mãe o vestisse mas não prestava a menor atenção nela. Quando com outras crianças,
impaciente, instável, excitável, deu uma versão vaga ruidosa e conflitante do ignorava-as, e ia direto em direção de seus brinquedos.
panorama familiar e do desenvolvimento do filho. Ela levou bastante tempo Sua articulação era clara e ele tinha um bom vocabulário. A construção de suas
enfatizando e ilustrando seus esforços para tornar Paul esperto, para ensiná-lo a sentenças era satisfatória, com uma exceção significativa. Ele nunca usava o pronome
memorizar poemas e canções e várias rimas infantis. na primeira pessoa nem se referia a si mesmo como Paul. Todas as manifestações
Ele nasceu normalmente. Vomitou bastante durante o primeiro ano de vida e relativas a si mesmo eram feitas na segunda pessoa, bem como as repetições literais
alimentou-se de dietas mudadas constantemente com pouco sucesso. Deixou de de coisas que lhe haviam sido ditas antes. Ele expressava sua vontade de comer
vomitar quando começou a ingerir alimentos sólidos. Os dentes despontaram, ele bombons dizendo "você quer bombons". Ele desviou a mão de um radiados quente e
firmou a cabeça, sentou, andou e controlou o intestino e a bexiga na idade certa. disse "você se machuca". Às vezes era ouvido repetindo coisas que lhe haviam sido
Teve sarampo, catapora e coqueluche, sem complicações. Suas amígdalas foram ditas, feito papagaio.
retiradas aos três anos de idade. O exame físico acusou fimose como único senão de Testes formais não puderam ser levados a cabo, mas certamente ele não podia ser
uma boa saúde. tachado de oligofrênico no sentido exato da palavra. Depois de ouvir a tia do
As seguintes características surgiram da observação feita em suas visitas à clínica, pensionato dizer "graças" três vezes, passou a repeti-lo de forma correta e desde
durante cindo semanas num pensionato e durante alguns dias de estada no hospital. então o guardou na memória.
Paul era uma criança esbelta bem feita de corpo, atraente e seu rosto parecia Ele podia contar e nomear cores. Aprendeu depressa a identificar seus discos
inteligente e animado. Tinha boa agilidade manual. Raramente respondia a qualquer favoritos na pilha e sabia subir até a vitrola para tocá-los.
tipo de abordagem ou mesmo à chamada de seu nome. Certa vez, atendendo a um A tia do pensionato relatou uma série de observações que indicavam um
pedido, pegou um bloco do chão. Outro dia em seguida a um modelo ter sido comportamento compulsivo. Ele se masturbava muitas vezes em completo abandono.
desenhado à sua frente, ele desenhou um círculo. Às vezes, um enérgico "não faça Corria em círculos emitindo frases. Pegava um pequeno xale que ficava sacudindo
isso!" fazia-o interromper uma atividade. Mas, geralmente, se se falasse com ele, enquanto gritava deliciado "Ih! Ih!". Podia continuar fazendo tais coisas por muito
continuava com o que estava fazendo com se nada houvesse sido dito. Também tempo e mostrar grande irritação quando interrompido. Tudo isso e muitas outras
nunca foi possível detectar se estava sendo espontaneamente desobediente ou não. coisas que não se tratavam somente de repetições mas que se sucediam dia após dia
Ele era obviamente tão ausente que as observações não o alcançavam. Estava com uma mesmice quase fotográfica.
sempre vivamente ocupado com algo e parecia então plenamente satisfeito, a menos
que alguém fizesse uma tentativa persistente para interferir nas ações que ele mesmo CASO 5
escolhera. Aí, ele tentava primeiro escapar disso e, se não desse certo, gritava e caia
num respeitável acesso de raiva. Em fevereiro de 1942 foi recebida Barbara K., de oito anos e três meses de idade. Nas
Havia um marcante contraste entre suas relações com gente e com objetos. Quando anotações escritas pelo pai se lia:
entrava na sala, dirigia-se imediatamente para os objetos que usava corretamente. Primeira filha, nascida normalmente em 30 de outubro de 1933. Mamou muito pouco
Não era destruidor e tratava os objetos com cuidado ou mesmo afeição. Ele pegava passando para a mamadeira depois de mais ou menos uma semana. Aos três meses
um lápis e fazia rabiscos num papel que havia achado sobre a mesa. Abria uma caixa, deixou de aceitar qualquer tipo de alimentação. Foi alimentada por tubo, cinco vezes
tirava dela um telefone de brinquedo, sempre cantando: "ele quer telefonar", e girava ao dia, até um ano de idade. Foi quando começou a comer, embora lhe fosse muito
pela sala com o bocal e o receptor em posição certa. Apanhou uma tesoura e paciente difícil, até os dezoito meses. Desde então passou a comer bem, gosta de
e habilidosamente cortou uma folha de papel em pedacinhos, cantando a frase: experimentar comida, de saboreá-la e agora tem loucura por cozinhar.
"cortando papel", muitas vezes. Ele arranjou-se sozinho com a maquinaria de um Vocabulário comum até dois anos, mas a colocação das palavras na sentença é
brinquedo, correu em volta da sala segurando-o no alto e cantando continuamente "a sempre lenta. Tem habilidade fenomenal para ler e soletrar. Boa escritora mas com
máquina está voando". Enquanto tais expressões vocais, entoadas sempre com a dificuldades ainda nas expressões verbais. A linguagem escrita ajudou a verbal. Não
mesma inflexão, eram claramente ligadas às suas ações, ele emitia outras que se dava bem com aritmética a não ser por proeza de memória. Repetitiva quando
podiam não estar conectadas com situações imediatas. Há alguns exemplos: "as bebê, agora também é obsessiva: retém coisas nas mãos, leva outras para a cama,
pessoas no hotel"; "você machucou sua perna?"; "acabaram-se os bombons"; "o repete frases, apaixona-se por uma idéia, um jogo, etc. Aferra-se a eles e, depois, vai
bombom está vazio"; "você cairá da bicicleta e baterá a cabeça". Todavia algumas se ocupar de outra coisa qualquer. Ela costuma falar usando "você" para si própria e
dessas exclamações poderiam ter sido originadas em experiências prévias. Ele "eu" para a mãe ou para mim, como se estivesse dizendo coisas que lhe estivéssemos
adquiriu o hábito de dizer quase todo o dia: "não atire o cachorro para fora da falando.
sacada". Sua mãe lembrou-se de que tinha dito essas palavras para ele, referindo-se Muito tímida, tem medo de varias coisas mutantes, vento, animais grandes, etc.
a um cachorro de brinquedo quando eles ainda estavam na Inglaterra. Ao avistar uma Passiva a maior parte do tempo, às vezes é obstinadamente passiva. Desatenta a
panela, exclamava invariavelmente "Pedro-comedor". A mãe recordava-se que essa ponto de alguém perguntar se ela ouve. (Ela ouve!) Espirito não competitivo, nenhum
associação começara quando ele tinha dois anos de idade e ela deixara cair uma desejo de agradar a professora. Se sabe alguma coisa a mais que um outro colega de
panela enquanto recitava para ele a trovinha infantil "Pedro, Pedro, comedor de classe, não o demonstra, fica calada, talvez nem se dê conta do fato.

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No verão passado, foi muito apreciada no acampamento. Aprendeu a nadar, era Virginia fica afastada das outras crianças, (na escola de treinamento) por que é
graciosa na água (sua mobilidade sempre parecera desajeitada), superou o medo dos totalmente diferente de todas elas. É asseada e ordeira, não brinca com as outras
pôneis, brincou melhor com as crianças de cinco anos de idade. No acampamento ela crianças e, segundo os principais testes, não aparece como surda. Mas não fala. A
adquiriu a vitaminose e desnutrição mas quase não fez queixas verbais. menina se diverte horas a fio juntado peças de um quebra-cabeças, ajustando-as até
O pai de Barbara era um conhecido psiquiatra. A mãe, bem educada, era uma boa que fiquem armados. Eu a vi, com uma caixa cheia de pedaços de dois quebra-
mulher. Em 1937 nasceu um irmão mais novo, saudável, vivo e bem desenvolvido. cabeças, armar gradativamente as peças de cada um deles. Todas as conclusões
Barbara "apertava mãos", a pedido, (oferecendo a esquerda na chegada e a direita na apontam para a existência de uma normalidade congênita que se manifesta mais
saída) apenas levantando uma mão vacilante na direção aproximada da mão como uma personalidade anormal do que um defeito orgânico.
estendida do clínico; no movimento, faltava, definitivamente, a noção de Virginia, a mais nova de três irmãos, era filha de um psiquiatra que confessou em
comprimento. Durante todo o encontro não houve indicação de qualquer tipo de dezembro de 1941: "Eu nunca gostei de crianças, o que é provavelmente uma reação
contato afetivo. Uma picada de alfinete resultou na retirada do braço, uma olhadela pessoal à restrição de movimento (viagens) e, no mínimo, as interrupções e
medrosa para o alfinete (não para o clínico) e a pronúncia da palavra "machucada!" agitações".
não endereçada a ninguém em particular. Sobre a mãe de Virginia o marido disse: "Ela não é, de jeito algum, do tipo maternal.
Ela não mostrou interesse no desempenho de testes. O conceito de teste, de Sua atitude (em relação à filha) é como se estivesse lidando com uma boneca, um
participar de uma experiência ou situação, parecia estranho a ela. Espichava a língua animalzinho de estimação ou algo semelhante."
e brincava com a mão como alguém o faria com um brinquedo. Atraída por uma Felipe, seu irmão, cinco anos mais velho, nos acusa de sua severa gagueira aos
caneta que estava sobre a carteira, ela disse: "caneta como as suas em casa". quinze anos de idade e cai em prantos quando se diz a ele que tem tudo o que deseja
Depois, vendo um lápis, perguntou: "posso levar isto para casa?". em casa. "O único momento", disse ele soluçando "que meu pai tem alguma coisa a
Quando lhe foi dito que podia, ela não fez nenhum movimento para pegá-lo. O lápis ver comigo é quando me xinga por ter feito algo errado".
lhe foi entregue mas ela empurrou dizendo "não é o meu lápis". Sua mãe nada fez para melhorar as coisas. Ele sente que toda a sua vida foi vivida
Ela fez o mesmo, repetidamente, com relação a outros objeto. E disse várias vezes numa "atmosfera gelada" com dois estranhos inabordáveis.
"vamos ver mamãe" (que estava na sala de espera). Em agosto de 1938, o psicólogo da escola de treino observou quer Virginia podia
Ela leu extremamente bem com dez anos completos, em trinta e três segundos e sem responder a sons, à chamada de seu nome e a instruções, "olhe!".
erros uma excitante história de Binet, mas foi incapaz de reproduzir de memória o Ela não presta atenção no que lhe está sendo dito mas entende com rapidez o que se
que tinha lido. Nas gravuras de Binet, (ou ao menos notou) nenhuma ação ou ligação espera dela. Seu desempenho reflete discriminação, cuidado e precisão.
entre os itens isolados que enumerou sem dificuldades. Sua caligrafia era legível. Ela acusou, através dos itens de não-linguagem dos testes de Binet e Marill Palmer,
Seus desenhos (homem, casa, gato sentado com seis pernas, abóbora, máquinas) um Q.I. de 94. "Sem dúvida", comentou o psicólogo:
eram destituídos de imaginação e estereotipados. Sua inteligência é superior a isso... Ela é quieta, solene, composta. Não a vi sorrir
Ela usava a mão direita para escrever e a esquerda para o resto, era canhota de pés e uma única vez. Ela se encolhe dentro de si mesma, segregando-se dos outros. Parece
destra de olhos. estar num mundo só dela, esquecida de tudo, mas ser o centro de interesse da
Ela conhecia os dias da semana. Quando começou a citá-los "sábado, domingo, situação orientada. Ela é muito auto-suficiente e independente. Quando outros
segunda-feira", parou por aí e disse "você vai para escola" (isto é, "na segunda- invadem sua integridade, tolera-os com indiferença. Não há manifestação de amizade
feira"), como se o assunto estivesse encerrado. ou interesse nas pessoas. Por outro lado, ela encontra prazer em lidar com as coisas,
No transcorrer de todos esse procedimentos, os quais cumpria quase que através do que mostra imaginação inventiva. É típico, não há manifestação de
automaticamente, após freqüentes e várias repetições de pergunta ou instrução, ela afeição... Nota do psicólogo em outubro de 1939 - hoje, Virginia ficou muito mais à
rabiscava palavras com espontaneidade: "laranjas", "limões", "bananas", "uvas", vontade no consultório. Lembrou-se (depois de mais de uma ano) onde os brinquedos
"cerejas", "maçãs", "damascos", "tangerinas", "panelas", "suco de melancia"; as eram guardados e pegou-os. Foi impossível persuadi-la a participar de procedimentos
palavras, às vezes, se precipitavam umas sobre as outras e obviamente não eram de teste, pois ela não esperava pelas demonstrações quando exigidas. Movimentos
para ser lidas pelos outros. rápidos e habilidosos. Tentativa e erro seguidas de acerto. Poucos movimentos
Muito amiúde ela interrompia qualquer "conversa" que se relacionava com supérfluos. Um novo teste imediato reduziu o tempo e o erro a menos da metade. Há
"transportes motores" e "a cavalo", o que - segundo o pai o deixou preocupado por momentos, a maioria deles, em que ela fica completamente alheia a tudo, exceto a
algum tempo. Ela disse, por exemplo, "Eu vi os transportes". "Eu vi a cavalo quando seu foco imediato de atenção...
fui para a escola". Janeiro de 1940. A maior parte do tempo ela fica calada, como se sempre tivesse
Sua mãe observava, "Complementações a fascinam, como também uma voluta de trabalhado e brincado sozinha. Nunca desafiou autoridade ou causou qualquer
fumaça ou um pêndulo". Seu pai declarou previamente: "Manifesta-se nela um transtorno. Durante atividades em grupo, se torna inquieta, contorce-se, e quer sair
recente interesse por assuntos sexuais na hora em que tomamos banho e um para satisfazer sua curiosidade sobre algo que está em outro lugar. Produz alguns
interesse obsessivo por banheiros". sons locais, chorando ao extremo se repreendida ou contrariada por outra criança. Ela
Barbara foi colocada nas Escolas Devereux, onde está fazendo alguns progressos no canta para si mesma, de boca fechada, e, em dezembro, ouvi-a cantar com perfeição,
aprendizado de contar coisas suas às pessoas. a melodia de um hino natalino enquanto colava correntes de papel.
Junho de 1940. As meninas da escola disseram que Virginia falou algumas palavras
CASO 6 quando estavam no chalé. Lembraram-se de que ela gosta muito de doces e disse
"chocolate", "marshmellow", "mama" e "nenê".
Virginia S., nascida em 13 de setembro de 1931, morou na escola de treinamento do Quem a reviu, em 11 de outubro de 1942, avistou uma menina alta, esbelta, bem
estado para oligofrênicos desde 1936, exceto um mês em 1938, quando foi enviada a vestida, de onze anos de idade. Quando chamada, levantou-se e aproximou-se, sem
uma escola para surdos "como oportunidade educativa". A doutora Esther L. Richards olhar uma única vez para a pessoa que a chamou. E ali ficou, alheia, olhado para o
que a viu várias vezes, diagnosticou com clareza que ela não era nem surda nem espaço. De vez em quando, ao responder perguntas, sussurrava "mama", "nenê".
oligofrênica e escreveu em maio de 1941: Quando se formou um grupo em volta do piano, uma criança a tocar e outras a

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cantar, Virginia sentou-se, dando a impressão de não notar o que estava ou gritando se não o conseguisse.
acontecendo, de estar totalmente absorta. Não pareceu dar-se conta do momento em Vimo-lo outra vez com quatro anos e sete meses e ainda com cinco anos e dois
que as crianças pararam de cantar. Quando o grupo se dispersou, ela não mudou de meses de idade. Ainda não falava. Em ambas as vezes entrou no consultório sem
posição e pareceu não ter consciência da mudança de cena. Tinha uma fisionomia prestar a mínima atenção às pessoas presentes. Ele dirigiu-se em seguida ao quadro
inteligente embora apresentasse uma expressão vazia nos olhos. de Seguin e imediatamente ocupou-se, colocando as figuras em seus devidos espaços
e tirando-as outra vez deles, hábil e rapidamente. Quando se interferia, ele
CASO 7 choramingava impaciente. Quando um figura era furtivamente removida, ele notava
sua falta de imediato, ficava perturbado, mas esquecia-se completamente do fato
Herbert B. nos foi trazido em 5 de fevereiro de 1941, com três anos e dois meses de quando ela era reposta no lugar. Às vezes, quando por fim se aquietava, depois de se
idade. Pensava-se que tinha um sério retardo nas faculdades intelectuais. Seu aborrecer por causa da remoção de figuras do quadro, ele punha-se a saltar para
eletroencéfalograma foi normal. cima e para baixo em cima do sofá, com uma expressão estática no rosto. Não
Herbert nasceu em 16 de novembro de 1937, duas semanas antes do prazo, através respondia ao ser chamado nem a qualquer outra palavra que lhe fosse endereçada.
da decisão de uma cesariana. Pesava então 2 quilos e oitocentos gramas. Desde o Ficava completamente absorto no que estava fazendo, fosse o que fosse. Ele nunca
nascimento até o terceiro mês de idade, vomitou todo o alimento que ingeria. Depois, sorria. Às vezes, emitia sons inarticulados como se estivesse cantando
o vômito cessou quase abruptamente e, exceto ocasionais regurgitações, prosseguiu monotonamente. Certa vez ele deu uma leve batida na perna da mãe e depois tocou
alimentando-se satisfatoriamente. Segundo sua mãe, ele "sempre foi lento e calado". a com os lábios. Levava constantemente blocos e outros objetos aos lábios. Houve
Durante um certo tempo, julgou-se que era surdo, por que "não mudava de uma semelhança quase fotográfica em seu comportamento durante as duas visitas,
expressão quando lhe falávamos ou quando na presença de outras pessoas; além com uma importante exceção a ser levada em conta: aos quatro anos mostrou-se
disso não tentava falar ou formar palavras". Ele levantou a cabeça aos quatro meses impressionado e afastou-se quando se acendeu um fósforo em sua frente, enquanto
e sentou aos oito, mas não tentou andar. Aos dois anos, de repente, começou a andar aos cinco sua reação foi de saltar estaticamente.
sem antes engatinhar ou apoiar-se em cadeira. Recusou-se terminantemente a tomar
líquidos a não ser em recipientes todos de vidro. Certa vez, quando em um hospital, CASO 8
ficou três dias sem tomar líquido, por que este lhe era dado em canecas de estanho.
Ele tinha um medo terrível de água corrente, queimadores de gás e várias outras A mãe de Alfred L. nos trouxe a criança em novembro de 1935, com três anos e meio
coisas. "Fica aborrecido com a mudança de algo a que está acostumado: se se dá de idade e a seguinte queixa:
conta de alguma modificação, dica nervoso e chora". Mas ele próprio gostava de Ele tem demonstrado gradativamente uma tendência marcante para desenvolver um
levantar e baixar cortinas, rasgar caixas de papelão em pedacinhos e brincar com eles interesse especial que domina completamente suas atividades diárias. Ele fala de
por horas e fechar e abrir as folhas das portas. outras coisinhas quando o interesse subsiste mas fica descontente quando não é
Os pais de Herbert separaram-se logo após seu nascimento. O pai, um psiquiatra, foi capaz de entregar-se a ele (vendo-o entrando em contato com ele, fazendo desenhos
descrito como "um homem de inteligência fora do comum, sensível, impaciente, sobre ele) e é difícil obter sua atenção quando fica assim preocupado... Tem também
introspectivo, que se leva muito a sério, não interessado pelas pessoas (mas em si sido um problema seu grande apego ao mundo dos abjetos e o insucesso para
próprio) e às vezes dado ao álcool". Sua mãe, uma física, fala de si mesma como desenvolver nele uma dose comum de consciência social.
"ativa e saliente, amante das pessoas e crianças mas com pouca vivência de seus Alfred nasceu em maio do 1932, três semanas antes do prazo marcado. Nos primeiros
problemas - de forma que acha mais fácil e melhor aceitar as pessoas como são do dois meses "a dieta alimentar causou considerável preocupação, mas, depois, ele se
que procurar entendê-las. Herbert é o caçula de três filhos. O segundo é um menino refez rapidamente e tornou-se um bebê excepcional, grande e vigoroso". Sentou-se
normal, saudável. A mais velha, Dorothy, nascida em junho de 1934, depois de 36 com cinco meses e andou com quatorze.
horas de duros trabalhos de parto, parecia ligada e responsiva como um menino e A linguagem desenvolveu-se lentamente; ele parecia não ter interesse nela.
pronunciou muitas palavras com dezoito meses; lá pelo fim do segundo ano de vida Raramente ele conta uma experiência, confunde pronomes, nunca faz perguntas em
ela "não mostrou grandes progressos em seus relacionamentos infantis ou nos forma de perguntas (com a devida inflexão). Quando fala, tem uma tendência a
contatos com outras pessoas". Gostava que a deixassem em paz, dançava em repetir indefinidamente uma palavra ou declaração. Também nunca diz uma sentença
círculos, fazia estranhos ruídos com a boca e ignorava completamente as pessoas, sem repeti-la. Ontem quando olhava um gravura disse uma porção de vezes:
exceto a mãe, a quem se agarrava "em pânico e com uma agitação generalizada". "algumas vacas estão na água". Nós contamos, por cinco vezes repetiu a mesma
(Seu pai a detestava ostensivamente). "Sua fala era muito pobre e a expressão de frase e parou para depois começar de novo. Nós temos tido uma boa dose de
idéias completamente falha. Tinha dificuldades com os pronomes e repetia "você" e "preocupações".
"eu" em vez de usá-los adequadamente". Primeiro foi declarada imbecil, depois Ele choraminga quando pomos o pão no forno para torrar. Fica com medo que ele
esquizofrênica e em seguida os pais se separaram (o filhos ficaram com a mãe) e ela queime e também que machuque. Fica perturbado quando o sol se põe. Fica
desabrochou. Agora freqüenta a escola onde está fazendo bons progressos; ela fala aborrecido por que a lua nem sempre aparece no céu à noite. Prefere brincar sozinho;
bem, tem um Q.I. de cento e oito e, embora sensível e moderadamente receosa - desce de um brinquedo mecânico assim que outra criança se aproxima. Gosta de
está interessada em gente e fica sozinha razoavelmente bem. trabalhar em algum projeto com caixas grandes (fazer um bonde, por exemplo) e não
Quando examinado pela primeira vez, Herbert mostrou uma fisionomia quer que ninguém interfira ou toque nele.
extraordinariamente inteligente e boa coordenação motora. Dentro de certos limites, Quando impedido de chupar infantilmente o polegar por causa de artificiosas
manifestou espantoso despropósito na busca de objetivos auto-selecionados. Dentro invenções mecânicas, substituía o ato colocando vários objetos na boca. Não foram
de um grupo de blocos, ele logo descobriu aqueles que estavam colados num quadro raras as ocasiões em que achamos seixos em suas fezes. Pouco antes de seu segundo
e aqueles que podiam ser retirados. Ele poderia construir uma torre de blocos alta, aniversário, ele engoliu algodão de um coelho de páscoa, aspirando-o de forma que
com facilidade, como qualquer criança de sua idade ou mesmo mais velha. Não podia foi necessário fazer traqueostomia. Alguns meses mais tarde, engoliu um pouco de
ser interrompido nas ocupações que ele próprio escolhia. Ficava contrariado com querosene "de efeito não nocivo".
qualquer interferência, afastando os intrusos para longe (sem mesmo olhar para eles) Alfred era filho único. O pai, com trinta anos na data de seu nascimento, "não se

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sentia bem quando ficava a sós com pessoas, era desconfiado, magoava-se perguntas obsessivas sobre janelas, sombras, salas escuras, e especialmente sobre a
facilmente, enfurecia-se facilmente, tinha que ser arrastado para visitar os amigos, sala de raio X. Ele nunca esboçou o mais leve sorriso. Nenhuma mudança de tópico, o
ocupava o tempo livre lendo, cuidando do jardim e pescando". Ele é químico e desviaria de seus tópicos de luz e sombra. Mas na verdade, ele foi respondendo as
advogado. A mãe, da mesma idade, era "psicóloga clínica" bastante obsessiva e perguntas do médico, que freqüentemente tinham que ser repetidas, várias vezes,
excitável. Os avós paternos morreram cedo; o pai foi adotado por um ministro. O avô como numa espécie de barganha - "Você responde minha pergunta que eu respondo a
materno, um psicólogo, era severamente obsessivo, tinha inúmeros tiques, "lavava as sua". Ele era esmeradamente específico em suas definições. Um balão "é feito de fibra
mãos constantemente, demorava-se na análise de uma única linha, tinha medo de de borracha e tem gás. Às vezes eles sobem para cima e às vezes eles podem ser
ficar sozinho e de estimulantes do coração". A avó, "pessoa excitável e explosiva, que guiados, e quando tem um furo neles, eles explodem; e se as pessoas os apertam
fez várias palestras públicas e publicou vários livros, jogadora solitária, imensamente eles explodem. Não é assim mesmo?". "Um tigre é uma coisa animal. Listado como
preocupada com assuntos financeiros". Um tio por parte de mãe fugiu de casa e da um gato, pode arranhar como gente selvagem, vive na selva ou na floresta.
escola para juntar-se aos fuzileiros navais, tendo mais tarde, se encontrado Principalmente na selva. Não é isso?". Essa pergunta "Não é isso?", devia ser
ajustando-se esplendidamente à vida comercial". definitivamente respondida; havia aí um desejo muito sério de confirmação de que as
A mãe deixou o marido dois meses depois do nascimento de Alfred. A criança ficou definições tinham sido suficientemente completas.
com a mãe e os avós maternos. "Na casa há uma creche e um jardim de infância (que Ele fazia constantemente confusão a respeito do significado das palavras. Perante
a mãe vai tocando), o que cria um pouco de confusão para a criança". Alfred não viu uma mostra de gravura e a pergunta, "Sobre o que é esta gravura?" ele retrucou,
o pai até os três anos e quatro meses de idade, quando a mãe decidiu que "ele devia "Gente se movendo sobre".
conhecer o pai" e "tomou providências para que este viesse à casa ver o menino". Certa vez ele parou e perguntou, todo perplexo, por que o "Hospital John Hopkins"
Depois de entrar no consultório, Alfred não prestou atenção naquele que o estava estampado no folheto que continha sua história : "Por que eles tem que contar
examinava. Descobriu imediatamente um trem na prateleira dos brinquedos, pegou-o isto? ". Este assunto, para ele, era um problema verdadeiro, de grande importância,
e pôs-se a ligar e desligar os vagões de maneira lenta e monótona. Repetia várias sobre o qual se devia pensar e discutir, "Já que pegamos a história no hospital, por
vezes "mais trem - mais trem - mais trem". Contou sucessivamente as janelas de um que é necessário que o nome apareça em cada página? A pessoa que escreveu não
vagão: "uma, duas janelas - uma, duas janelas - uma, duas janelas - quatro janelas, sabia onde estava escrevendo? O clínico que o examinava, de quem ele se lembra de
oito janelas". Sua atenção não se desviava do trem. Tentou-se um teste de Binet sua visita há seis anos atrás, era para ele nada mais e nada menos que uma pessoa
numa sala onde não havia trens. Foi possível, com muita dificuldade, vez ou outra, destinada a responder suas perguntas obsessivas sobre luz e sombra.
penetrar além de sua preocupação. Ele finalmente cedeu em muitas ocasiões de uma
forma que indicava claramente que queria acabar com aquela intrusão; isto se repetiu CASO 9
em cada item da tarefa. No fim foi registrado um Q.I. de cento e quarenta.
A mãe não o trouxe de volta depois desta primeira consulta por causa de "sua A mãe de Charles N. o trouxe a nós em 2 de fevereiro de 1943, com 4 anos de idade,
contínua aflição quando se defrontava com um membro da equipe médica". Em e sua principal queixa era de que "O que mais me transtorna é o fato de não
agosto de 1938, ela mandou, em resposta a uma solicitação, um relato escrito de seu conseguir entender meu filho". Ela apresentou seu relatório dizendo: Estou tentando
desenvolvimento. Foi extraído o seguinte trecho deste relato: seriamente não governar minhas observações pelo conhecimento profissional que no
Ele é chamado de lobo solitário. Prefere brincar sozinho e evita grupos de crianças momento faz parte de minha própria maneira de pensar.
para brincar. Não presta muita atenção aos adultos, exceto quando quer ouvir Como criança o menino era inativo, "lento e apático". Deitado no divã, ali ficou, com
estórias. Evita competição. Ele lê estórias simples para si mesmo. Tem muito medo de os olhos arregalados, só olhando. Agia como que hipnotizado. Parecia concentrar-se
ferir-se, fala muito sobre o uso da cadeira elétrica. Entra em pânico quando alguém, em fazer uma coisa de cada vez. Suspeitou-se de hipotiroidismo, e lhe foi ministrado
acidentalmente, cobre o rosto. extrato de tiróide sem ter havido mudança no quadro geral.
Alfred voltou à baila outra vez em junho de 1941. Seus pais decidiram viver juntos. Seu prazer e gosto pela música, encorajou-me a tocar discos. Quando ele tinha um
Antes disso, o garoto havia estado em onze escolas diferentes. Esteve muitas vezes ano e meio de idade, podia diferenciar dezoito sinfonias. Reconhecia o compositor,
de cama em decorrência de resfriados, bronquite, catapora, infecção por logo que o primeiro movimento começava. Ele dizia "Beethoven". Com a mesma
estreptococus, empetigo e uma condição vagamente descrita que a mãe - não idade, começou a girar brinquedos, tampas de garrafa e potes a toda hora. Tinha
obstante afirmações contrárias de vários pediatras - insistia tratar-se de "febre grande habilidade na mão esquerda para fazer girar cilindros. Ao olhá-los girar, ficava
reumática". Enquanto esteve no hospital, disseram que se portou "como um paciente severamente excitado e pulava para cima e para baixo em êxtase. Agora anda
maníaco". A mãe tinha que bancar o psiquiatra e fazer diagnósticos psiquiátricos do interessado em refletir luz nos espelhos e caçar os reflexos. Quando ele fica
filho. Do relatório da mãe, que combinava uma obsessiva enumeração de ocorrências interessado em algo, ninguém pode demovê-lo. Não presta atenção em mim e dá
pormenorizadas com "explanações" que tentavam provar a normalidade de Alfred, mostras de não me reconhecer quando entro na sala...
foram coletadas as seguintes informações: O mais impressionante de tudo é seu desligamento e sua inacessibilidade. Ele anda
Ele começou a brincar com crianças menores do que ele, "tratando-as como bonecos - como se estivesse nas sombras, vive em um mundo próprio no qual não se pode
é tudo". A criança foi empanturrada de música, de dramas e recitais e teve uma penetrar. Nenhum senso de relacionamento com as pessoas. Ele passou por um
formidável ressaca de memória não podendo nem relatar: período em que as notava - mas ele mesmo nunca dá nada de si. Toda sua conversa é
Ele tem muitos medos, quase sempre ligados a barulhos mecânicos (moedor de uma réplica de algo que já lhe foi dito. Ele fala de si próprio na segunda pessoa e
carne, aspirador de pó, carros na rua, trens, etc.). Geralmente ele voa, com um agora, às vezes, na terceira; ele diz "ele quer" - e não "eu quero".
interesse obsessivo para as coisas de que tem medo. Agora ele tem os latidos É destruidor; a mobília de seu quarto está em pedaços. Ele pode quebrar um lápis
estridentes do cachorro. púrpura em duas partes e dizer "Você tinha um bonito lápis púrpura e agora tem dois
Alfred ficou extremamente tenso durante toda a entrevista e muito seriamente pedaços. Veja o que você fez".
disposto, e tanto, que se não fosse por sua voz juvenil, teria dado a impressão de um Ele desenvolveu uma obsessão por fezes, que esconde em qualquer lugar ( por
homenzinho ansioso e preocupado. Ao mesmo tempo, estava muito impaciente e deu exemplo, nas gavetas) e me arrelia se ando pelo quarto: "Você manchou suas calças,
mostras de forçar a fala que nada tinha de pessoal em si mas se constituiu de agora não pode ter de volta seus lápis!".

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Para culminar, ele ainda não está treinado para usar o banheiro. Ele nunca se limpa CASO 10
na creche, fazendo isso quando chega em casa. O mesmo acontece quando se molha.
Ele se orgulha de ficar molhado, pula de cá e de lá, dizendo, "olha para a grande poça John F. Foi examinado pela primeira vez em 13 de fevereiro de 1940, com dois anos e
que ele fez". quatro meses de idade.
Quando está no meio de outras pessoas, nunca olha para elas. Julho passado, O pais disse: "O que mais me preocupar é a dificuldade para alimentá-lo. Durante os
tínhamos em casa um grupo de pessoas, quando Charles entrou, parecia um potro primeiros dias de vida, não mamava satisfatoriamente. Houve uma longa história na
fora do cercado. Ele não prestou atenção nelas, mas sentiu sua presença. Inventou tentativa de fazê-lo aceitar o alimento. Tentamos tudo o que foi possível. Ele sempre
uma voz e cantou e algumas pessoas não notaram nenhuma anormalidade na foi imaturo. Com 20 meses começou a andar. Chupa o polegar, range os dentes
criança. Na escola, ele nunca se mistura a um grupo, desliga-se do resto das crianças freqüentemente, e rola de um lado para o outro na cama antes de dormir. Se não
exceto quando há reunião; se houver música, ele vai para a primeira fila e canta. fizermos o que ele quer, berra e faz alarido".
Ele tem uma estupenda memória para palavras. O vocabulário é bom, salvo o uso de John nasceu a 19 de setembro de 1937 com sete libras e meia de peso. Foi
pronomes. hospitalizado por causa de problemas com alimentação por várias vezes. Nenhuma
Ele nunca inicia uma conversa e sua conversa é limitada - vai somente até onde os desordem física foi constatada - Exceto a da fontanela anterior que não fechou até
objetos vão. que ele tivesse dois anos e meio de idade. Sofria constantemente de resfriados e otite
Charles nasceu normalmente, foi uma criança planejada e desejada. Ele sentou com média o que pedia uma meringotomia bilateral. John foi filho único até fevereiro de
seis meses e andou com menos de quinze meses - "um dia ficou de pé e andou - sem 1943. O pai, um psiquiatra, é "uma pessoa calma, plácida, emocionalmente estável, o
engatinhar preliminarmente". Não teve nenhuma das costumeiras doenças infantis. elemento moderador da família. A mão, que fez até o colegial, trabalhava como
Charles é o mais velho dos três filhos. O pai, que foi até o colegial, é um comerciante secretária no laboratório de patologia antes de casar, é "um tipo de pessoa
de roupas. Descrito como "uma pessoa que se fez sozinha, gentil, calmo, uma pessoa hipomaníaco; antes de mais nada, encara a todos como espécimes patológica.
tranqüila". "A mãe tem um escritório bem sucedido em Nova Iorque, onde trabalha Durante a gravidez mostrou-se muito apreensiva, com medo de não sobreviver aos
com discos e livros de teatro e é de uma notória serenidade". As outras duas crianças trabalhos de parto". A avó paterna é "obsessiva em matéria de religião, e lava as
tinham 28 e 14 meses de idade na época da visita de Charles à clínica. A avó mãos a toda hora. A avó materna era contadora.
materna, "muito dinâmica, enérgica, hiperativa, quase hipomaníaca", escreveu e John veio ao consultório com os pais. Perambulou pela sala constante e incertamente.
compôs um pouco. A tia materna, "psiconeurótica, muito brilhante, dada a histerias", Exceto pelos rabiscos expontâneos, jamais deu mostras de relacionar dois objetos
escreveu poemas e canções. Outra tia foi mencionada como "a amazona da família". entre si. Não respondeu aos comandos mais simples, salvo quando os pais, com
Um tio materno, um psiquiatra, tem considerável talento musical. Os parentes do pai muita dificuldade, gesticulavam um Tchau - tchau, bateram um bolo, esconde-
foram descritos como "gente simples e comum". esconde, desajeitadamente. Sua atitude típica para com os objetos era atirá-los no
Charles era um menino bem desenvolvido, de aparência inteligente, com boa saúde chão.
física. Usava óculos. Quando ele entrou no consultório, não prestou a mínima atenção Três meses mais tarde, seu vocabulário melhorou notavelmente, embora a articulação
nas pessoas presentes ( 3 médicos, sua mãe e seu tio). se mostrasse defeituosa. Leves tendências obsessivas foram observadas, como, por
Sem olhar para ninguém, disse, "eu quero um lápis!", e pegou um pedaço de papel da exemplo, empurrar para o lado a primeira colherada de cada travessa. Sua excursão
escrivaninha e escreveu algo semelhante ao número 2 ( um grande e saliente pelo consultório foi superficial, porém determinada.
calendário mostrava o número 2 - estávamos no dia 2 de fevereiro). Ele havia trazido No final do seu quarto ano, ele estava apto para fazer um tipo muito limitado de
consigo um exemplar do Readers Digest e estava fascinado pela estampa de um contato afetivo e mesmo assim, com um número bastante reduzido de pessoas. Uma
bebê, e disse, "olhem para este bebê - ele não é engraçado?", inúmeras vezes, vez estabelecido tal relacionamento, tem que prosseguir através dos mesmos moldes.
acrescentando de vez em quando, "não é engraçado? não é um doce?". Ele era capaz de formar sentenças elaboradas e gramaticalmente corretas, mas usava
Quando lhe tiraram o livreto, ele resistiu à mão que o pegou, sem olhar para a pessoa o pronome da segunda pessoa quando se referia a si mesmo. Ele fazia uso da
que havia feito isso. Quando picado por um alfinete, disse "o que é isso?" e, linguagem não como meio de comunicação, mas sobretudo como uma repetição de
respondendo a própria pergunta "é uma agulha". coisas que ouvira, sem alterar o pronome pessoal. Tinha uma obsessividade
Ele olhou timidamente para o alfinete, encolheu-se com outras picadas, mas em marcante. A rotina diária devia ser seguida rigidamente; a mais leve mudança no
nenhum momento pareceu associá-las à pessoa que segurava o alfinete, quando o preestabelecido provocava explosão e pânico. a repetição de sentenças não tinha fim.
Readers Digest lhe foi tomado, jogado no chão e um pé foi posto em cima, ele tentou Ele possuía um excelente traquejo de memória e podia recitar muitas preces, rimas
remover aquele pé como se fosse um objeto a parte que estivesse interferindo, infantis e canções "em línguas diversas"; a mão colaborou muito para encher este
sempre sem ligá-lo à pessoa a quem o pé pertencia. Ele então virou-se para a mãe e estofo e ficava orgulhosa com estas "façanhas": "ele reconhece os discos pela cor da
disse, "eu dou ele pra você!". capa, e ao identificar um lado lembra-se do que tem no outro". Aos quatro anos e
Quando se confrontou com uma prancha de Seguin, interessou-se principalmente meio, começou aos poucos, a utilizar pronomes adequadamente. Muito embora seu
pelos nomes das formas antes de colocá-las nos devidos buracos. Várias vezes ele fez interesse direto recaísse somente sobre objetos, ele empenhou-se seriamente em
as formas girarem, saltando com excitação para cima e para baixo enquanto elas atrair a atenção do clínico (Dra. Hilde Bruch) e em receber seu aplauso. Porém nunca
estavam em movimento. Toda a performance foi muito repetitiva. Ele nunca usou a dirigiu-se a ela direta e espontaneamente. Ele desejava assegurar-se da literal
linguagem como um meio de comunicação com as pessoas. Lembrava de nomes mesmice do ambiente, conservando portas e janelas fechadas. Quando sua mão abriu
como "octógono", "losango", "bloco oblongo", mas assim mesmo continuava a porta "para que sua obsessão se manifestasse, ele tornou-se violento - queria
perguntando "o que é isto?". fechá-la de novo - e, finalmente, quando houve outra interferência, impotente,
Ele não respondia ao ser chamado e não olhava para a mão quando ela lhe falava. desatou a chorar, totalmente frustrado. Ficava extremamente aborrecido quando via
Quando os blocos foram retirados, ele guinchou, bateu os pés e gritou. "Eu darei eles algo quebrado ou incompleto. Descobriu dois bonecos aos quais nunca havia prestado
para você!" (significando "Você deve dá-los para mim"). Tinha movimentos muito atenção antes. Notou que um deles não estava com o chapéu e ficou muito agitado
ágeis. vagando pela sala em busca do chapéu. Quando este foi recuperado em outro
Charles foi matriculado na escola Devereux. contato, ele perdeu, imediatamente, todo o interesse pelos bonecos.

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Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo 31/05/2022 09)24 Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo 31/05/2022 09)24

Com cinco anos e meio, já dominava bem o uso dos pronomes. Começara a se direção. Tinha tanto medo do aspirador que nem chegava perto do armário em que
alimentar satisfatoriamente. Vendo certa vez, várias fotos no escritório, perguntou ao ele era guardado e, quando o usávamos, corria para a garagem, cobrindo as orelhas
pai, "quando eles vão sair daí e chegar até aqui?". com as mãos.
Ele levava este assunto muito a sério. Seu pai tinha dito algo sobre os quadros que Elaine era a mais velha dos dois irmãos. Seu pai, de 36 anos, formado em direito e
tinham em casa nas paredes. Isso perturbou John um bocado. Ele corrigiu o pai: "Eles artes liberais e, três universidades (inclusive na Sourbonne), era detentor de direitos
estão perto da parede", (mas, para ele, parecia significar "em cima" ou "no alto"). autorais de publicidade, "uma dessas pessoas cronicamente magras cuja energia
Quando viu um penny, disse "Penny. é onde vocês jogam boliche" . Nós lhe dávamos nervosa consome-se rapidamente". Era ao mesmo tempo editor de uma revista. A
pennies quando ele derrubava as garrafas ao jogar com o pai em casa. mãe, de 32 anos de idade, "uma pessoa com autocontrole, plácida e lógica", havia
Ele viu um dicionário e disse para o pai: "É aí que você deixou o dinheiro?". executado trabalho editorial para uma revista antes de se casar. O avô materno era
Certa vez o pai tinha deixado dinheiro em um dicionário e pedido a John que um editor de jornal, a avó "emocionalmente instável".
informasse a mãe sobre isso. Seu pai assobiou uma melodia, e John instantânea e Elaine foi examinada por um psicólogo de Boston com, aproximadamente, 7 anos de
corretamente a identificou como o "concerto de violino de Mendelsohn. Embora idade. O diagnóstico estabeleceu que, entre outras coisas:
pudesse definir coisas como grande ou bonito, era totalmente incapaz de fazer Sua atitude para com o profissional se configurou vaga e desligada. Ainda que
comparações. (Qual a linha maior? o rosto mais bonito? etc.). incomodada pela limitação, poderia bem ter empurrado para o lado uma mesa ou
Em dezembro de 1942 e janeiro de 1943 ele teve duas séries de convulsões que lançado mão com um grito, mas não fez nenhum apelo pessoal de ajuda ou simpatia.
comprometeram mais o lado direito, conjugadas com o desvio dos olhos para a direita Nos momentos oportunos ela mostrou-se competente ao manejar seus lápis ou
e paralisia transitória do braço direito. Um exame neurológico acusou anormalidades. agrupar peças para formar gravuras de animais. Pôde dar o nome de uma grande
Suas áreas oculares estavam normais. Um eletroencefalograma indicou "distúrbios variedade de figuras, incluindo elefantes, jacarés e dinossauros. Usou a linguagem em
focais na região occipital esquerda", mas "boa parte do registro não pôde ser lida por simples sentenças estruturais, mas raramente respondeu a perguntas diretas.
causa das contínuas artificialidades devidas à falta de cooperação da criança". Enquanto brincava, ia repetindo inúmeras vezes frases irrelevantes à situação
imediata.
CASO 11 Fisicamente, a criança estava com boa saúde. Seu eletroencefalograma acusou
normalidade.
Elaine C. foi trazida pelos pais em 12 de abril de 1939, com a idade de 7 anos e 2 Quando examinada, em abril de 1939, ela, a pedido, trocou um aperto de mãos com
meses, por causa de seu "desenvolvimento incomum": "Ela é desajeitada. Se dá a o médico, sem olhá-lo. Depois, correu para a janela e olhou para fora. Atendeu
todos os tipos de abstração. Não compreende os brinquedos das outras crianças, não automaticamente o convite para sentar-se. Sua reação perante as perguntas - depois
se interessa pelas estórias que lê para ela, nada a admira e anda sozinha, é de repetidas várias vezes - foi a de ecolalia tipo reprodução de toda a pergunta ou, se
particularmente atraída por animais de toda espécie, às vezes os imita pondo-se de era longa demais, só a porção final. Ela não teve um contato real com as pessoas do
quatro no chão e fazendo estranhos ruídos". consultório. Sua expressão era suave, embora não desprovida de inteligência, e não
Elaine nasceu em 3 de fevereiro de 1932, dentro do prazo. Parecia saudável, houve gesticulação comunicativa. A certa hora, sem mudar de fisionomia, ela disse
alimentava-se bem, ficou de pé com 7 meses e andou com menos de um ano. Já subitamente: "Os peixes não choram". Depois de algum tempo, levantou-se e saiu da
pronunciava quatro palavras no fim do primeiro ano de vida mas não fez progressos sala sem perguntas e sem mostrar medo.
no desenvolvimento lingüístico nos quatro anos seguintes. Suspeitou-se de surdez, Foi colocada no Child Study Home de Maryland, onde permaneceu por três semanas e
mas a hipótese foi logo descartada. Por causa de uma doença febril aos 13 meses, foi estudada pelos doutores Eugenia S. Cameron e Georg Frankl. Enquanto esteve lá,
suas dificuldades crescentes foram interpretadas como desordem no comportamento aprendeu logo os nomes de todas as crianças, sabia a cor dos olhos delas, a cama em
postencefálico. Outros condenam a mãe, acusando-a de tratar inadequadamente da que cada uma dormia e muitos outros pormenores afins sem nunca ter feito amizade
criança. Oligofrenia foi outro diagnóstico. Por 18 meses ela tomou remédio para a com elas. Quando levada aos playgrounds, ficava extremamente descontente e corria
pituitária anterior e tiróide. "Alguns médicos", levados pela fisionomia inteligente de de volta para seu quarto. Era muito agitada mas quando lhe permitiam olhar
Elaine, "pensaram que ela era uma criança normal e disseram que superaria isto". gravuras, brincar sozinha com blocos, desenhar ou enfiar contas, podia entreter-se
Com dois anos ela foi para um creche, onde fazia as coisas à sua maneira e não como satisfatoriamente por horas a fio. Qualquer barulho, qualquer interrupção, confundia-
os outros. Por exemplo, ela bebeu água e comeu uma planta quando estavam sendo a. Certa vez, quando sentada no vaso sanitário, ouviu pancadas nos encanamentos;
ensinados a cuidar de flores. Desenvolveu um prematuro interesse por gravuras de depois disso, por vários dias, mesmo que tivessem colocado um penico em seu
animais. Embora geralmente agitada, podia ficar horas concentrada, olhando tais quarto, o intestino não funcionou, esperando ansiosamente por aquele barulho. Ela
gravuras, principalmente as gravadas em cobre". soltava freqüentemente frases estereotipadas, como, por exemplo, "Dinossauros, não
Quando ela começou a falar, com aproximadamente 5 anos, valeu-se de início de chorem", "Camarão, tubarões, peixe e rochedos", "Camarões e garfos vivem nas
sentenças completas conquanto simples, que não passavam de "frases mecânicas", barrigas das crianças", "Borboletas vivem no estômago das crianças e em suas
não relacionadas com a situação presente, de cunho peculiar e metafórico. Ela tinha calcinhas também", "O peixe tem dentes afiados e morde as criancinhas", "Há guerra
um vocabulário excelente, sabia não só os nomes mas como "classificar" animais. Não no céu", "Rochedos e penhascos`, eu matarei" (arrebatando seu cobertor e chutando-
usava os pronomes corretamente, mas usava os plurais e tempos de verbo bem. "Não o pela cama), "Carrancas comem criancinhas e bebem óleo"; (rangendo os dent4es e
conseguia empregar as negativas mas sabia o seu significado quando os outros as girando em círculos, muito excitada); "Carrancas tem sacos de leite"; "Cabeça de
usavam". agulha. Cravo pequerrucho. Tem uma perna amarela. Cortando o veado morto.
Havia muitas peculiaridades em seu relacionamento com situações: Veneno de veado. Pobre Elaine. Nada de girinos em casa. Homens quebraram a perna
Ela pode contar, mecanicamente. Pode por a mesa se se disser o nome ou enumerar do veado", (enquanto recortava a gravura de um veado de um livro), "Tigres e
os comensais, mas não pode pô-la "para três". Se a mandarmos buscar um objeto gatos". "Focas e salamandras", "Ursos e raposas".
específico em um lugar determinado, não o trará se ele estiver em um lugar diferente, Seguem-se alguns trechos das observações:
ainda que visível. Sua linguagem tem sempre a mesma qualidade. Sua fala nunca é acompanhada por
Ela ficava amedrontada com barulhos e qualquer coisa que se movesse em sua expressões faciais ou gestos. Ela não olha para o rosto de ninguém. Sua voz é

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Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo 31/05/2022 09)24 Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo 31/05/2022 09)24

peculiar, não tem modulações e é um tanto rouca; ela solta as palavras de maneira interferência que lhes é aflitiva.
abrupta. Segundo Gesell, uma criança de 4 meses de idade fez um antecipado ajuste motor
Seus pronunciamentos são impessoais. Nunca emprega os pronomes pessoais da através da tensão facial e da atitude de encolher os ombros quando levantada de uma
primeira e segunda pessoas corretamente. Parece não ser capaz de conceber o mesa ou colocada sobre ela. Gesell comentou:
significado real dessas palavras. É possível que uma evidência menor definitiva de tal ajuste possa ser detectado
Sua gramática é inflexível. Usa as sentenças exatamente como as ouviu, sem adaptá- antes, no período neonatal. Embora um hábito possa ser condicionado pela
las gramaticalmente à situação atual. Quando diz "Quero que eu desenho uma experiência, a oportunidade para a experiência é quase universal e a resposta é
aranha", ela quer dizer "Quero que você desenhe uma aranha". suficientemente objetiva para merecer outras observações e registro.
Sua fala é raramente comunicativa. Ela não se relaciona com crianças, nunca lhes Essa experiência universal é fornecida pela freqüência com que a criança é pega pela
dirigiu a palavra, nunca foi amigável ou brincou com elas. Passa por elas como se mãe e outras pessoas. É entretanto altamente significativo o fato de que quase todas
fossem seres estranhos, como alguém que passasse entre os móveis de uma sala. as mães de nossos pacientes lembram-se de seu espanto com as suas crianças
Insiste sempre na repetição da mesma rotina. Interromper essa rotina é a causa mais porque as mesmas nunca manifestavam antecipadamente uma postura preparatória
freqüente de explosões. Suas próprias atividades são simples e receptivas. Ela é para serem carregadas. Um pai lembrou-se que sua filha (Barbara) não mudou nem
capaz de passar horas numa espécie de devaneio e parece ficar muito feliz com isso. um pouco, durante anos, sua fisionomia ou posição, quando os pais, ao chegar em
Tem tendências a movimentos rítmicos que são sempre masturbatórios. Ela se casa depois de algumas horas de ausência, aproximavam-se do berço falando com ela
masturbava mais em períodos de excitação do que durante os de calma felicidade... e tomando-a nos braços.
Seus movimentos são ágeis e habilidosos. A criança normal aprende em seus primeiros meses de vida a adequar o corpo à
Elaine foi colocada numa escola privada na Pennsylvania. Em carta recente, o pai posição em que fica quando carregada. Nossas crianças não eram capazes de fazer
mencionou "algumas surpreendentes mudanças": isso até os dois ou três anos. Tivemos a oportunidade de observar Herbert, com 38
Ela é uma garota alta, robusta, com os mesmos olhos claros que a muito perderam meses, em tal situação. Sua mãe o informava, com termos apropriados, que ia
qualquer característica daquela selvajaria animal que periodicamente se mostrava na levantá-lo, estendendo os braços em sua direção. Não havia resposta. Ela o levantava
época em que vocês a conheceram. Ela fala bem sobre quase todos os assuntos, assim mesmo e ele a deixava fazê-lo, permanecendo, porém, completamente passivo
embora guarde ainda uma estranha entonação. Sua conversa ainda vagabundeia, como se fosse um saco de farinha. Era a mãe que tinha que fazer toda a acomodação.
freqüentemente com um assunto divertido, e é apenas ocasional, deliberado e Herbert era, naquele tempo, capaz de sentar, ficar de pé e andar.
anunciado. Ela lê muito bem, mas lê rápido, misturando palavras, sem pronunciá-las Oito das crianças alunas adquiriram a habilidade de falar ou na idade aprazada ou
claramente e sem lhes dar a devida ênfase. Seu leque de informações é bastante depois de algum atraso. Três (Richard, Herbert e Virginia) permaneceram "mudos" em
extenso e a memória quase infalível. É obvio que Elaine não é "normal". Qualquer tais circunstâncias. Nenhuma dessas oito crianças "falantes" serviu, num período de
falha em qualquer coisa a leva a um sentimento de derrota, de desespero e a um anos, para transmitir um significado às outras. Elas eram, com exceção de John F.,
momentâneo acesso de depressão. capazes de uma clara articulação e fonação. Nenhuma dificuldade com a nomeação
dos objetos apresentados; mesmo palavras longas e incomuns eram aprendidas com
DISCUSSÃO notável facilidade. Quase todos os pais registraram, geralmente com muito orgulho,
que as crianças aprenderam cedo a repetir um excessivo número de rimas infantis,
As onze crianças (oito meninos e três meninas) cujas histórias foram apresentadas preces, lista de animais, o rol de presidentes, o alfabeto de frente para trás e de trás
resumidamente, oferecem, como era de se esperar, diferenças individuais segundo o para frente e mesmo canções de ninar estrangeiras (francesas). Ao lado do recital de
grau de seu distúrbio, a manifestação de traços específicos, a constelação da família e sentenças contidas nos poemas feitos ou outras peças relembradas, houve um longo
o desenvolvimento passo-a-passo ocorrido ao longo dos anos. Mas, mesmo uma hiato de tempo antes que elas começassem a juntar as palavras. Por outro lado, a
rápida revisão do material contata a emergência de diversas características essenciais "linguagem" consistia principalmente em "nomear", em nomes que identificassem os
e comuns e inevitáveis. Essas características formam uma única "síndrome", nunca objetos, adjetivos que identificassem cores e números que indicavam nada de
antes mencionado, que parece ser bastante rara e provavelmente mais freqüente do específico.
que o indicado na exiguidade dos casos observados. É bem possível que algumas Sua excelente memória para listas, acoplada à inabilidade para usar a linguagem de
dessas crianças tenham sido vistas como oligofrênicas ou esquizofrênicas. Na outra forma, levou com freqüência os pais a abarrotá-las com mais e mais versos,
verdade, diversas crianças de nosso grupo nos eram apresentadas como idiotas ou termos de zoologia e botânica, títulos de compositores que faziam sucesso em disco e
imbecis, sendo que uma delas ainda reside numa escola estadual para oligofrênicos e coisas semelhantes. Dessa maneira, desde o começo, a linguagem que as crianças
duas outras foram previamente consideradas esquizofrênicas. não usavam com propósito de comunicar-se era desviada consideravelmente para
A projeção, "patognomônica", a desordem fundamental está na incapacidade dessas uma auto-suficiência, uma semântica e conversa sem valor ou para um exercício de
crianças de se relacionarem de maneira comum com pessoas e situações desde o memória totalmente distorcido. Para uma criança de 2 a 3 anos de idade, todas essas
começo de vida. Os pais, ao referirem-se a elas, mencionam que sempre foram "auto- palavras, números e poemas ("perguntas e respostas de catecismo presbiteriano",
suficientes"; "que vivem como que dentro da concha"; "que são mais felizes quando "concerto de violino de Mendelssohn", o "Salmo Vinte e Três", a canção de ninar
as deixam sozinhas"; "totalmente absortas de tudo que lhes diz respeito"; "dando a francesa, a página de índice de uma enciclopédia), poderiam dificilmente ter mais
impressão de silenciosa sabedoria"; "falhando no desenvolvimento da cota normal de significado do que uma série de sílabas disparatadas para os adultos. É difícil saber
consciência social"; "agindo quase como que sob hipnose". Esse não é, para crianças com certeza se um empanturramento desses flui essencialmente no processo da
ou adultos, um ponto de partida para iniciar uma conexão atual; não é uma "saída" condição psicopatológica. Mas também é difícil imaginar que ele não corte
para a participação que se existia outrora. Há, desde o início, um extremo isolamento profundamente o desenvolvimento da linguagem como ferramenta para receber e dar
autista que, sempre que possível, desconsidera, ignora, cala qualquer coisa que chega mensagens significativas.
à criança vinda de fora. Contato físico direto ou movimentos e barulhos, como No que concerne à função comunicativa da fala, não há diferença fundamental entre
ameaças, para quebrar o isolamento, são ainda tratados "como se não existissem", as oito crianças falantes e as três mudas. Certa vez, a "Tia" de Richard entreouviu-o
ou, se isto não suficiente, ainda há o ressentimento penoso dessas crianças com a dizer distintamente "Boa Noite". Um justificado ceticismo sobre essa observação foi

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Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo 31/05/2022 09)24 Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo 31/05/2022 09)24

mais tarde agastado quando essa criança "muda" foi vista no consultório mexendo a corrente, bicos de gás, brinquedos mecânicos, batedeiras de ovos e até o vento,
boca numa silenciosa repetição de palavras quando requisitado para dizer certas podem, conforme a ocasião, causar um enorme pânico. Uma das crianças tinha até
coisas. A "muda" Virginia - sua companheira de chalé insistiu no assunto - foi ouvida mesmo medo de aproximar-se do armário em que o aspirador de pó estava guardado.
quando dizia repetidamente "chocolate", "marshmallow", "mama", "nenê". Injeções e exames com estetoscópio ou otoscópio deram lugar a graves crises
Quando as sentenças são finalmente formadas, por um longo tempo as crianças emocionais. Porém, não e o barulho ou movimento em si que é temido. O transtorno
procedem como papagaios, repetindo as combinações de palavras ouvidas. Elas são, eclode com o barulho ou movimento que causa invasão ou ameaça à solitude da
às vezes, ecoadas imediatamente, mas quase sempre são "estocadas" pela criança e criança. A própria criança pode alegremente fazer um barulhão como qualquer outro
pronunciadas mais tarde. Pode-se, se se quiser, falar em ecolalia retardada. A que ela rejeita e movimentar objetos a seu bel prazer.
afirmação é indicada pela literal repetição de uma pergunta. "Sim" é um conceito que Mas os barulhos e movimentos da criança e todas as suas performances são tão
a criança leva muitos anos para alcançar. Elas são incapazes de usá-lo como um monotonamente repetidos como suas expressões verbais. Há uma limitação marcante
símbolo geral de assentimento. Donald aprendeu a dizer "Sim". Essa palavra então na variedade de suas atividades espontâneas. O comportamento da criança é
passou a "significar" somente o desejo de ser colocado no ombro do pai. Foram governado por um desejo ansiosamente obsessivo da manutenção da mesmice que
precisos muitos meses para que ele pudesse desligar a palavra "Sim" dessa situação ninguém, salvo a própria criança pode romper em raras ocasiões. Mudanças na rotina,
específica e foi preciso mais tempo ainda para que fosse capaz de usá-lo como um na disposição dos móveis, na ordem em que todo dia as ações são executadas, pode
termo geral de afirmação. conduzi-la ao desespero. Quando os pais de John estavam se mudando para um nova
O mesmo tipo de literalidade existe também no que toca a preposições. Quando casa, a criança ficou desvairada quando viu os carregadores enrolarem o tapete de
perguntado "Sobre o que é essa gravura?", Alfred replicou: "Pessoas movendo sobre". seu quarto. Ficou agudamente transtornado até o momento em que, na nova casa,
John F. corrigiu uma declaração do pai sobre quadros na parede: os quadros estavam viu seus móveis arrumados do mesmo jeito que na outra. Parecia encantado, toda
"perto da parede". Donald T., quando pediram que deixasse algo cair, colocou-o ansiedade desaparecera de repente e ele andava de um lado para outro tocando
prontamente no chão. Aparentemente, o significado de uma palavra torna-se afetuosamente cada peça. Como blocos, contas e varetas tinham sido postos juntos
inflexível e só pode ser usado com a conotação adquirida originalmente. de qualquer jeito, logo foram reagrupados na forma antiga, embora não tivessem um
Não há dificuldade com os plurais e tempos de verbo. Mas a ausência de traçado definitivo. A memória da criança era fenomenal nesse particular. Depois de
espontaneidade na formação da sentença e a ecolalia tipo reprodução têm, em cada um lapso de vários dias, uma multidão de blocos foi rearranjada na mesma forma
uma das oito crianças falantes, dado ligar a um peculiar fenômeno gramatical. desorganizada, com blocos da mesma cor virados para cima, com cada gravura ou
Pronomes pessoais são repetidos exatamente como são ouvidos, sem as mudanças letra da superfície superior voltados para a mesma direção, como antes. A ausência
que a situação alterada exige. A criança, quando a mãe falou "Agora vou dar o seu de um bloco ou a presença de um bloco extra era comunicada imediatamente e havia
leite", expressou o desejo pelo leite pronunciando exatamente as mesmas palavras. um pedido imperativo de reposição da peça faltante. Se alguém removesse um bloco,
Consequentemente, acaba falando de si própria como "você" e da pessoa a quem se a criança se batia para tê-lo de volta, entrando num acesso de pânico até reavê-lo e,
dirige como "eu". Não somente as palavras, mas também a entonação é conservada depois, prontamente e com súbita calma, após a tempestade, retornava ao desenho e
na memória. Se a observação original da mãe foi feita em forma de pergunta, é recolocava o bloco.
reproduzida com a forma gramatical e a inflexão de uma pergunta. A repetição de Essa insistência na mesmice levou várias das crianças a tornar-se imensamente
"Você está pronta para a sobremesa?" significa que a criança já pode comer a perturbadas diante da visão de algo quebrado ou incompleto. Uma grande parte do
sobremesa. Há um jogo, uma frase que não deve ser mudada para cada ocasião dia era passada na busca não só da mesmice das palavras de um pedido mas também
específica. A fixação pronominal permanece até o sexto ano de vida, quando a criança na mesmice da seqüência de eventos. Donald não saía da cama, depois de um
aprende gradativamente a falar de si própria na primeira pessoa, e daquele a quem cochilo, sem antes dizer "Boo, diga: Don, você quer descer?" e a mãe fazia por
se dirige na segunda. No período de transição ela, às vezes, volta à forma primitiva concordar. Mas isso não era tudo. O ato não era ainda considerado completo. Donald
ou refere-se a si próprio usando a terceira pessoa. continuava: "Agora diga: tudo bem". Sua mãe tinha que concordar mais uma vez por
O fato de as crianças fazerem eco de coisas ouvidas não significa que "nos escutam" que senão haveria berreiro até que a performance estivesse completa. Todo esse
quando lhe falamos. Freqüentemente são precisas numerosas reiterações de uma ritual era uma parte indispensável do ato de levantar-se depois da sesta. Cada uma
pergunta ou ordem para que se obtenha uma simples resposta em eco. Nada menos das outras atividades tinham que ser completadas do princípio ao fim, da maneira
do que sete entre as crianças, por essa razão, foram consideradas surdas ou duras de segundo a qual haviam começado originalmente. Era impossível voltar de um passeio
ouvido. Há uma toda-poderosa necessidade de não serem perturbadas. Tudo que vem sem cobrir a mesma distância que antes tínhamos percorrido. A descoberta de uma
de fora até a criança, tudo que muda seu clima externo e mesmo interno representa ripa quebrada na porta da garagem, em sua volta diária, transtornava tanto Charles
uma espantosa intrusão. que ele continuava perguntando e falando sobre o fato semanas a fio, mesmo quando
O alimento é a primeira intrusão vinda de fora sofrida pela criança. David Levy passava alguns dias numa cidade distante. Uma das crianças notou uma fenda no teto
observou que as crianças com fome de afeto, quando colocadas em lares adotivos do consultório e ficou ansiosa , perguntando várias vezes sobre quem teria feito isso e
onde são bem tratadas, no início requerem quantidades excessivas de alimento. Hilde nenhuma resposta a tranqüilizava. Outra criança, ao ver um boneco com chapéu e
Bruch, em seus estudos sobre crianças obesas, constatou que o fato de viver comento outro sem, não teve sossego até que o outro chapéu fosse encontrado e posto na
acontece quase sempre quando as manifestações de carinho por parte dos pais são cabeça desse boneco. Feito isto, perdeu imediatamente o interesse pelos dois
insuficientes ou consideradas insatisfatórias. Nossos pacientes, ao contrário, ansiosos bonecos; a mesmice e a inteireza tinham sido restauradas e tudo estava bem outra
por manterem o mundo exterior afastado, o confirmam, recusando comida. Donald, vez.
Paul, ("vomitaram bastante durante o primeiro ano de vida"), Herbert, Alfred e John O temor da mudança e do incompleto parecem ser o principal fator na explicação da
apresentaram severas dificuldades alimentares desde o início de vida. Muitos deles, monótona repetitividade e a resultante limitação da variedade da atividade
depois de uma luta mal sucedida, constantemente interferindo em suas vidas, espontânea. Uma situação, uma performance, uma sentença, não são vistas como
desistiram por fim de lutar e de repente começaram a comer satisfatoriamente. completas se não forem executadas exatamente com os mesmos elementos que
Outra intrusão vem dos grandes ruídos e objetos que se movem, que provocam, por estavam presentes na hora em que, antes, a criança se confrontou com eles. Se o
si sós, uma reação de horror. Triciclos, balanços, elevadores, aspiradores de pó, água menor ingrediente é alterado ou removido, a situação não é mais a mesma e por essa

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razão não é mais aceita ou é rechaçada com impaciência ou mesmo com uma reação Há uma melhor afinidade com gravuras de gente do que com gente ao vivo. Gravuras,
de profunda frustração. A incapacidade para experiências totais oriunda da completa afinal de contas, não podem interferir. Charles estava afetivamente interessado numa
falta de atenção às partes constituintes de seja lá o que for, é algo remanescente de gravura de criança estampada em uma revista de propaganda. Ele reparou repetidas
uma condição de crianças com específica inadaptação para ler, que não respondem ao vezes na doçura e na beleza dela. Elaine era fascinada por gravuras de animais mas
sistema moderno de instruções configuradas de leitura e que precisam ser ensinadas não se aproximava de um animal vivo. John não fazia diferença entre uma foto e uma
a construir palavras com seus elementos de alfabeto. Essa é talvez uma das razões pessoa de carne e osso. Quando ele olhava uma série de fotografias, perguntava
porque essas crianças do nosso grupo, que têm idade o bastante para ser muito sério quando aquelas pessoas iam sair dali e vir para a sala.
imediatamente iniciadas na leitura, tornam-se excessivamente preocupadas com Muito embora a maioria dessas criança fossem vez ou outra consideradas
"soletrar" palavras ou porque Donald, por exemplo, ficou tão confuso com o fato de oligofrênicas, eram todas, inquestionavelmente, dotadas de boas potencialidades
"light" e "bite", com a mesma qualidade fonética, terem que ser soletradas de forma cognitivas. Todas tinham fisionomias impressionantemente inteligentes. Seus rostos
diferente. davam a impressão, ao mesmo tempo, de séria determinação e, na presença de
Objetos que não mudam de aparência e posição, que conversam sua mesmice e outros, de ansiosa tensão, provavelmente por causa de uma incômoda antecipação de
nunca ameaçam interferir na solidão da criança, são prontamente aceitos pela criança possível interferência. Quando sozinhas com os objetos, têm constantemente um
autista. Ela tem uma boa relação com objetos; interessa-se por eles, pode brincar plácido sorriso e uma expressão de beatitude em seu rosto, às vezes acompanhados
com os mesmos por horas seguidas. Pode gostar muito deles ou ficar com raiva deles de um feliz embora monótono cantarolar. O assombroso vocabulário das crianças
se, por exemplo, não puder encaixá-los em um determinado espaço. Quando com falantes e excelente memória para decorar poemas e nomes e a precisa recordação
eles, tem um sentimento gratificante de poder e controle incontestáveis. Donald e de modelos complexos e seqüências, evidencia boa inteligência no sentido em que
Charles entraram no segundo ano de vida exercendo esse poder, girando tudo que essa palavra é comumente usada. O teste de Binet ou similares não puderam ser
fosse possível girar e pulando em êxtase quando viam o objeto rodopiar. Frederick aplicados em razão do limitado acesso. Todas as crianças, porém foram submetidas,
"saltava com muita alegria" quando jogava a bola de boliche e os pinos caíam. As com sucesso, às placas de Seguin.
crianças sentem e exercitam o mesmo poder nos próprios corpos gingando ou Fisicamente, as crianças eram plenamente normais. Cinco delas tinham cabeças
fazendo outros movimentos rítmicos. Essas ações acompanhadas de fervor extático relativamente grandes. Várias eram um tanto desajeitadas para andar e nas
indicam decididamente a presença de uma gratificante masturbação orgástica. performances de coordenação motora grossa, mas todas mostravam-se hábeis em
O relacionamento das crianças com pessoas é completamente diferente. Todas as termos de coordenação muscular fina. Os eletroencefalogramas de todas acusaram
crianças, depois de entrar no consultório, dirigiram-se imediatamente para os blocos, normalidade, salvo o de John, cujo fontículo anterior não se fechou até seus 2 anos e
brinquedos ou outros objetos, sem prestar a mínima atenção às pessoas presentes. meio e que com 5 anos e 1/4 teve duas séries de convulsões acentuadamente no lado
Seria errado dizer que não tinham consciência da presença delas. Mas as pessoas, direito. Frederick teve um mamilo extra na axila esquerda; não houve outras
enquanto deixaram a criança a sós, representaram a mesma figura que a carteira, a ocorrências no campo das anormalidades congênitas.
estante de livros ou o arquivo. Quando se dirigiam à criança, esta não se importava. Há outro interessante denominador comum por trás da vida dessas crianças. Todas
Ela podia escolher entre não responder absolutamente nada e, se uma pergunta fosse são provavelmente de famílias muito inteligentes. Quatro pais são psiquiatras, um é
repetida com insistência, "dá-la por respondida" e continuar com o que estivesse um brilhante advogado, outro é químico e técnico em leis, empregado do
fazendo. Idas e vindas, mesmo que fosse da própria mãe, não pareciam ser Departamento de Patentes do governo. Um outro é um patologista de plantas, outro
percebidas. A conversa que rolava pela sala não despertava o mínimo interesse. Se os mais um professor de florestas, um outro editor de publicidade que possui graduação
adultos não tentaram entrar nos domínios da criança, ela o fez, às vezes nos deles, em leis e estudou em três universidades; outro ainda é um engenheiro de minas e um
porque enquanto se movimentava para cá e para lá, tocava gentilmente uma mão ou último um homem de negócios bem sucedido. Nove dentre as onze mães tinham nível
um joelho da mesma forma como, outras vezes, tocava de leve na mesa ou no sofá. superior. Das duas que tinham somente chegado à faculdade, uma era secretária em
Mas, sem olhar para o rosto de ninguém. Se um adulto forçava uma intromissão e um laboratório de patologia e a outra tocava um escritório de livros de teatro na
carregava um bloco consigo ou pisava em um objeto que a criança precisava, ela cidade de Nova Iorque, antes de se casar. Entre as mães havia uma escritora
reagia, tornava-se irada contra a mão ou o pé do invasor, que era tratado de per si, e freelance, uma física, uma psicóloga, uma enfermeira graduada e a mãe de Frederick,
não como uma parte de uma pessoa. Ela nunca dirigiu uma palavra ou um olhar ao que foi sucessivamente agente de compras, diretora de estudos de secretariado numa
dono da mão ou do pé. Quando o objeto era recuperado, o ânimo da criança mudava escola de jovens e professora de história. Entre os avós e parentes há muitos físicos,
abruptamente e tornava-se plácido. Quando espetada, mostrava medo do alfinete cientistas, escritores, jornalistas e estudantes de arte. Todas essas famílias, salvo
mas não da pessoa que a tinha picado. O relacionamento com os membros da família três, são mencionadas no Quem é Quem na América ou no Homens Americanos de
ou com as outras crianças não era diferente do que aquele com as pessoas do Ciências, ou em ambos.
consultório. Uma profunda solidão dominava todo seu comportamento. O pai ou a Duas das crianças são judias, as outras são de descendência anglo-saxônica. Três são
mãe, ou ambos, podiam ausentar-se por uma hora ou um mês; quando voltavam, filhos únicos, cinco são primeiros filhos numa família com duas crianças, uma outra é
nada indicava que a criança tivesse consciência de sua ausência. Depois de muitos a mais velha de três filhos, outra é a caçula de dois e finalmente uma outra é a
acessos de frustração, gradativa e relutantemente ela aprendeu, quando não havia menorzinha de três.
outra saída, a obedecer certas ordens, a cumprir deveres da rotina. Quando havia
visitas, ela se movimentava entre as pessoas "como uma estranha" ou, como disse a COMENTÁRIOS
mãe, como um potro fora do cercado. Quando com outras crianças, não brincava com
elas. Brincava sozinha quando elas estavam por perto e não mantinham contato A combinação do autismo extremo, obsessividade, estereotipia e ecolalia oferece uma
físico, fisionômico ou verbal com nenhuma. Não tomava parte em jogos competitivos. ilustração completa que se conecta com alguns fenômenos básicos esquizofrênicos. O
Apenas ficava ali e, se às vezes acontecia de andar até a periferia do grupo, logo se diagnóstico de algumas desta crianças, vez ou outra, indicou esse tipo de distúrbios.
afastava e permanecia sozinha. Enquanto isso, o nome de todas as crianças do grupo Mas a despeito das extraordinárias similaridades, a condição difere em muitos pontos
tornavam-se familiares para ela, que podia dizer a cor do cabelo de cada uma delas e de todas as outras instâncias conhecidas da esquizofrenia infantil.
mais outros tantos detalhes individuais. Antes de mais nada, mesmo nos casos registrados de início de esquizofrenia,

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Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo 31/05/2022 09)24 Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo 31/05/2022 09)24

incluindo os de demência precocíssima de De Santis e de demência infantil de Heller, por trás dessas famílias. Os diários bastante pormenorizados, os relatos e as
as primeiras manifestações que se podiam observar eram fruto de uma média de dois freqüentes recordações, depois de vários anos, de que as crianças aprendiam a
anos de estudo de desenvolvimento essencial; os históricos enfatizam recitar vinte e cinco perguntas e respostas do Catecismo Presbiteriano, a cantar trinta
especificamente uma mudança gradual, maior ou menor, no comportamento do e sete canções de ninar ou a reconhecer dezoito sinfonias, fornecem-nos um retrato
paciente. As crianças do nosso grupo mostraram se exceção sua extrema solidão fiel da obsessividade dos parentes.
desde o começo de suas vidas, não respondendo a nada que lhes viesse do mundo de Um outro fato destaca-se visivelmente. Em todo o grupo, há muitos pais e mães
fora. Isto fica caracteristicamente expresso no relato recorrente sobre a deficiência da realmente amáveis. A maioria, pais, avós e parentes são pessoas altamente
criança no assumir uma postura antecipada ao ser levantada e a deficiência em se preocupadas com abstrações de natureza científica, literária e artística e limitado
ajustar ao corpo da pessoa que a está carregando. interesse genuíno por gente. Mesmo alguns dos casamentos mais felizes resumiram-
Em segundo lugar, nossas crianças são capazes de travar e manter uma excelente e se, antes de mais nada, a frios e formais tratos. Três casamentos foram tristes
"inteligente" relação com objetos que não ameaçam interferir em sua solidão, mas equívocos. A pergunta que fazemos é se, ou até que ponto, esse fato contribuiu para
ficam desde o início ansiosa e tensamente inacessíveis a pessoas com as quais, há a condição das crianças. A solidão das mesmas desde o seu começo de vida torna
muito tempo, não têm qualquer tipo de contato direto afetivo. Se relacionar-se com difícil atribuir o quadro inteiro exclusivamente ao tipo das primeiras relações
outra pessoa se tornar inevitável, então uma conexão é efetuada com a mão ou o pé matrimoniais com nossos pacientes.
desta, como um objeto decididamente desligado e não com a pessoa em si. Devemos, então, assumir que essas crianças vieram ao mundo com inata inabilidade
Todas as atividades e formas de expressão das crianças são governadas rígida e para travar contato afetivo normal, biologicamente fornecido, com pessoas, da
consistentemente pelo desejo poderoso de solidão e mesmice. Seu mundo deve ser, mesma forma que outras crianças vêm ao mundo com inatas deficiências físicas ou
para elas, feito de elementos que, uma vez experimentados em um certo lugar ou intelectuais. Se essa conjectura for correta, um novo estudo de nossas crianças
seqüência, não podem ser tolerados em outro lugar ou seqüência; nem podem o lugar poderá ajudar-nos a fornecer critérios concretos relativos a noções ainda difusas
ou seqüência ser tolerados sem todos os ingredientes originais e numa ordem idêntica sobre os componentes constitucionais da reatividade emocional. Por hora parece que
espacial ou cronológica. Por isso a reprodução de sentenças sem alterar os pronomes temos exemplos de pura cultura sobre distúrbios autistas inerentes ao contato
segundo a ocasião. Por isso, talvez, também o desenvolvimento de uma memória afetivo.
verdadeiramente fenomenal que permite à criança lembrar-se e reproduzir complexos
modelos "estapafúrdios", não importando o quanto de desorganização ali reine, Imprimir o Artigo
exatamente com a mesma forma com que foram montadas na origem.
Cinco de nossas crianças estão agora entre 9 e 11 anos. Salvo Vivian S., que foi
jogada numa escola para oligofrênicos, elas mostram um percurso muito
interessantes. O desejo básico de solidão e mesmice permaneceram essencialmente
imutáveis, mas houve um grau variante de emergir da solitude, uma aceitação de
pelo menos algumas pessoas dentro da esfera de consideração da criança e um
suficiente aumento do número de padrões experimentados para refutar uma
prematura impressão da extrema limitação do conteúdo do ideário da criança. Poder-
se-ia, talvez, colocar isto desta maneira: enquanto o esquizofrênico tenta resolver o
seu problema caindo fora de um mundo do qual fez parte e com o qual teve contato,
nossas crianças vão se ajustando gradualmente, vão estendendo suas antenas
cautelosas para um mundo dentro do qual têm sido completamente estranhas desde
o começo. Entre 5 e 6 anos abandonam aos poucos a ecolalia e aprendem
espontaneamente a usar os pronomes pessoais com referência adequada. A
linguagem trona-se mais comunicativa, primeiro no que toca o exercício de perguntas
e respostas, e depois a maior espontaneidade na formação das sentenças. O alimento
é recebido sem dificuldade. Barulhos e movimentos são mais tolerados do que
anteriormente. Os acessos de pânico acalmam-se. A repetição assume a forma de
preocupações obsessivas. O contato com um limitado número de pessoas fica
estabelecido de duas maneiras: as pessoas são incluídas no mundo da criança à
medida que satisfazem suas necessidades, respondem suas perguntas obsessivas, as
ensinam a ler e a fazer coisas. Segundo, embora as pessoas sejam ainda encaradas
como um transtorno, suas perguntas são respondidas e suas ordens obedecidas
relutantemente, com a conclusão de que será melhor agüentar tais interferências e
logo estar livre para voltar para a ainda muito desejada solidão. Entre as idades de 6
e 8 anos, as crianças começam a brincar em grupo, não ainda com os outros
membros do grupo de brinquedo, mas pelo menos com periferia deste. A habilidade
de ler é adquirida rapidamente, porém, as crianças lêem de maneira monótona e a
estória ou a gravura movimentada é experimentada mais em partes desconexas do
que em sua coerente totalidade. Tudo isto faz a família sentir que, apesar da patente
"diferença" das outras crianças, há progresso e melhora.
Não é fácil avaliar o fato de que todos os nossos pacientes têm vindo de pais
sumamente inteligentes. Uma coisa é certa: há uma grande dose de obsessividade

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