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Literaturas Africanas de Língua Portuguesa AULA 2

Francisca Zuleide Duarte de Souza

INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA

Olhares críticos sobre


a colonização e a
descolonização

1 OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM

„„ Estudar as especificidades da colonização e


da descolonização a partir do confronto entre
elementos comuns e divergentes detectados;
„„ Discutir como o processo de descolonização ainda
sobrevive, em alguns aspectos, mesmo decorridas
quatro décadas da Revolução dos Cravos;
„„ Analisar, no texto literário, o discurso crítico contra a
colonização das mentes ou neocolonialismo.
Olhares críticos sobre a colonização e a descolonização

2 COMEÇANDO A HISTÓRIA

Na aula anterior, caro aluno, iniciamos nossa viagem ao universo das Literaturas
Africanas de Língua Portuguesa. Discutimos sobre as imagens que construímos
da África e dos africanos. Vimos que as primeiras imagens e pensamentos que
nos acometem, quando pensamos na África, estão relacionados à pobreza, à
fome, às doenças, à vida selvagem, entre outros. Dessa forma, a África não é
vista como um continente, com diferentes paisagens, modos de vida, religiões e
línguas distintas. Os nossos objetivos foram conhecer um pouco da história dos
países africanos de Língua Portuguesa; também discutir e desconstruir visões
estereotipadas sobre a África e os africanos; e, ainda, promover o diálogo entre
as experiências de vida e de memória de escritores africanos e os diferentes
caminhos seguidos pelas literaturas africanas durante e depois da colonização
portuguesa.

Nesta aula, iremos continuar essa viagem, focando a colonização e a descolonização,


discutindo, por meio da análise de textos literários, o processo de descolonização
que ainda persiste. Você topa esse desafio?

3 TECENDO CONHECIMENTO

Os africanos viviam, na sua terra, caçando, cultivando o campo, cuidando dos


filhos, contando estórias em rodas à sombra dos baobás. De repente, como bem
disse o escritor angolano Manuel Rui:
Quando chegaste mais velhos contavam estórias. Tudo estava
no seu lugar. A água. O som. A luz. Na nossa harmonia. O
texto oral. E só era texto não apenas pela fala mas porque
havia árvores (...). E era texto porque havia gesto. Texto
porque havia dança. Texto porque havia ritual. Texto falado
ouvido visto. É certo que podias ter pedido para ouvir e ver
as estórias que os mais velhos contavam quando chegaste!
Mas não! Preferiste disparar os canhões. (RUI, 1985).

A maneira enfática de se dirigir a esse outro incômodo, o colonizador, melhor


dizendo, o invasor, denuncia o processo violento que foi a colonização para
os africanos. Se falamos de colonização como um processo de usurpação, de
desrespeito aos legítimos proprietários da terra, não incorremos em fala ou
injustiça. Foi, de fato, o que aconteceu na África lusófona (países que falam a
Língua Portuguesa, por imposição do colonizador). De acordo com o historiador
Joseph Ki-Zerbo, “O período colonial recebe, por parte dos negros, a denominação
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de ‘tempo de força’, pois é pela força, pela coação e a violência física que se
instaurou o regime europeu”. Em outros países do continente africano não foi
muito diferente, mas não constitui objetivo tratar da colonização no sentido
mais amplo, pois teríamos, também, o continente americano e o asiático nas
nossas reflexões, o que, para o propósito desta aula, seria por demais extenso.

Recorremos ao professor A. Bosi, no seu livro Dialética da Colonização (1992),


para uma compreensão do sentido da palavra colonização:
“colo” significou, na língua de Roma, eu moro, eu ocupo a
terra, e, por extensão, eu trabalho, eu cultivo o campo. (p. 11).

(...) Colo é matriz de colônia enquanto espaço que se


está ocupando, terra ou povo que se pode trabalhar e
sujeitar(...) (p. 11).

(...) colonização ocupar um novo chão, explorar os seus bens,


submeter os seus naturais. (p. 15).

Compreendemos, pelo exposto, não ser pacífica nem desejável a instalação de


possíveis “descobridores”, nem tão nobres assim os objetivos que os levavam às
terras desconhecidas, já que ambicionavam, principalmente, matérias-primas e
metais preciosos. Assim, a partir do século XV, os portugueses portaram na costa
africana, com vistas ao descobrimento do potencial econômico ali existente.

Prezado estudante, você sabe o que é colonialismo?

COLONIALISMO seria, portanto, um sistema de dominação exercido por emigrantes


(colonizadores) radicados em terras sobre os naturais da terra ou ”indígenas”,
segundo a terminologia utilizada pelo colonizador para se referir ao natural da
terra, seu legítimo dono.

Explorando o colono com trabalho forçado e gratuito, negociando os bens da


terra, repreendendo e proibindo práticas e rituais ancestrais e usando homens e
mulheres como se objetos fossem, muitas vezes para a satisfação de necessidades
sexuais, o colonizador impôs sua língua e crenças, alijando a possibilidade de
manutenção da cultura local. Daí, recorremos, mais uma vez, ao texto de Manuel
Rui, citado no início desta aula: a dança, a harmonia, a luz, o som foram coibidos
à bala. Sem negociação possível, o natural da terra submeteu-se à violência do
invasor, aos mais rudes trabalhos e, crueldade maior, servindo de mercadoria para
o tráfico de escravos. É, em rápidas pinceladas, o retrato da empresa civilizatória
que propunha dilatar a fé e o império.

Há, ainda, uma vertente perversa no regime colonial: o racismo. A cor da pele não
é tudo, mas condiciona a relação colonizador/colonizado para além de interferir
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Olhares críticos sobre a colonização e a descolonização

na visão que o colonizado constrói, a partir do complexo de inferioridade, do


servilismo e do temor incutidos pelo colonizador. Como processo de negação ou
ainda de inferiorização do outro – o negro –, o colonialismo torna o africano um
“estrangeiro para si mesmo”, expressão usada por Julia Kristeva para referir-se
aos exilados, em busca de encontrar sua identidade fraturada pelos processos
de negação e tentativa de apagamento pela ação do branco/colonizador. Para
o colonizador europeu, o africano não representaria o outro. Invisibilizado,
impedido de protagonizar sua própria história, o colonizado vê-se na dependência
do colonizador, inclusive para afirmação dos valores pessoais antes difundidos
e respeitados pela comunidade. A questão da raça torna-se, sem sombra de
dúvida, um importante pilar no conflito entre negros e brancos. Não há como
negar a influência de teorias racistas no processo colonizador.

Edward Said (1935-2003), em seu livro Orientalismo (2003), livro fundamental para
a compreensão da complexa e desigual relação colonizador/colonizado, discute
a questão do império britânico e sua dominação, levantando o problema da
oposição ocidentalismo/orientalismo. Na visão imperialista, os orientais careciam
de qualidades fundamentais a um governante, por exemplo, como espírito
analítico, características de liderança, entre outras “carências” descobertas pelo
branco imperialista, possuidor das credenciais para submeter, subalternizar.

A palavra de ordem do movimento de descolonização era FRATERNIDADE. Nas


palavras do poeta que bem conheceu o regime colonialista por ali ter vivido
(morou e trabalhou em Moçambique), o povo deveria ter voz e vez, um sonho de
igualdade. A canção, símbolo do reconhecimento do fim do regime colonialista,
a senha que deflagrou o movimento nos quartéis, aponta para a cidade ideal,
onde, como irmãos, os libertados, portugueses (da ditadura) e africanos (do
regime colonial), construiriam uma sociedade justa, sob as ordens do povo.

Mas como não foi por mágica e os bons propósitos do calor da luta às vezes
transformam-se em ganância, ainda hoje se luta tentando corrigir os danos de
um possível colonialismo das mentes, ranço do sistema antigo ainda não de
todo expurgado.

Podemos agora falar de PÓS-COLONIALISMO?

Recorremos, neste momento, à escritora Ana Mafalda Leite (2012, p. 12), que
discorre com grande propriedade sobre o tópico. Vejamos:
Depois da Segunda Guerra Mundial, o termo postcolonial
state, uasado pelos historiadores, designa os países recém-
independentes, com um claro sentido cronológico. No
entanto, postcolonial, a partir dos anos setenta, é termo

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usado pela crítica, em diversas áreas de estudo, para discutir


os efeitos culturais da colonização (...)

A crítica pós-colonial considera as formas e os temas


imperiais já caducos, esforça-se por combater e refutar
as suas categorias, e propor uma nova visão de mundo,
caracterizado pela coexistência e negociações de línguas
e de culturas.

A primeira consideração que salta à vista é o caráter cronológico do conceito de


pós-colonialismo. O marco do final da Segunda Guerra Mundial, ainda nos anos
quarenta, está um pouco distanciado da independência dos países colonizados
por Portugal na África, considerando, como já aqui apresentado, que a grande
marcha rumo à independência intensificou-se sem tréguas a partir dos anos
sessenta, um atraso grande em relação aos colonizados por outros “impérios”.

Notemos a palavra império entre aspas para designar as ditas potências


colonizadoras, considerando a dicotomia consagrada império X colônia ou
colonizador X colonizado. Por outro lado, o combate às ideias ultrapassadas
do colonizador cria, inevitavelmente, um discurso anticolonial, nacionalista,
enfatizando formas diferentes de pensar e gerir cultura, política e economia, a
fim de desmantelar o colonial, preso à lentidão e ao obsoletismo orquestrados
pela exclusão e pela desigualdade, conforme afirma Inocência Mata (2007, p. 42).

O pós-colonialismo, portanto, representa um novo modo de conduzir a vida, a


partir de uma hierarquia de valores próprios, sem a subserviência aos parâmetros
impostos por um sistema voltado à descaracterização e ao apagamento, em muitos
casos, da cultura local. Independente, a ex-colônia traça seu próprio caminho,
combatendo o passado e buscando formas e estratégias de enfrentamento
geradas pelos anos de atraso e submissão. Pensar o pós-colonial e compreendê-lo
é, sobretudo, no tocante à produção literária, perceber o questionamento dos
cânones e procedimentos literários consagrados, permitindo o conhecimento
de novas formas de produção do conhecimento, novos temas e, acima de
tudo, a afirmação de uma identidade que não se quer aceita pela continuidade,
mas pela inovação. O modo africano de produzir literatura, os temas insólitos,
a perícia revelada na construção do artefato literário representam o modo
africano de ver e ler o mundo, um mundo por conhecer, ainda, para a maioria
esmagadora de estudiosos e leitores diletantes. A literatura é importante veículo
de divulgação dos horrores do regime colonial, bem como da campanha para
extirpar seu banimento. Poetas e ficcionistas criticaram e ainda o fazem, pois,
se bem analisarmos o ranço colonialista, ainda perdura, nas mentes colonizadas
(exploraremos adiante esse tema), os “métodos” da colonização, traçando retratos
detalhados das cenas vividas.
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Olhares críticos sobre a colonização e a descolonização

Para falar da forma portuguesa de colonizar, apresentamos o poema ”Posse”,


do poeta cabo-verdiano Jorge Barbosa:

POSSE
Nos compêndios escolares não se falava da pequena ilha solitária
e perdida nos mares do Sul.
Não passavam por lá os barcos dos brancos e o povo seguia a
sua própria lei
que no entanto não estava escrita em livro algum.
Homens e mulheres viviam nus e amavam-se sem complicações
e comiam peixes que pescavam em canoas feitas com troncos
de árvores e carne de animais caçados com setas certeiras.

Atletas e guerreiros dançavam ao som de búzios e tambores e as


bailadeiras ondeavam contorcidos ritmos lentos na toada triste
de instrumentos de uma só corda.
E tinham seus deuses, seus santos, seus sacerdotes, seus feiticeiros,
e moravam em cubatas cobertas com palmas das palmeiras.

Mas do outro lado da terra


um dia
senhores de cara grave assentaram-se à volta de uma mesa com
mapas em frente,
falando de guerras,
de bases para aviões,
de pontos estratégicos...

Então veio à baila a ilha solitária perdida nos mares do Sul...


Semanas depois um barco de ferro chegou e fundeou nas águas
tranquilas da baía...
E um escaler veio para terra com homens loiros vestidos de
branco, trazendo, entre outras coisas,
uma bandeira para a primeira afirmação imperial,
um chicote para o primeiro castigo,
um barril de pólvora para o primeiro massacre
e um outro de álcool para o primeiro comércio!
Praia, Cabo Verde
(In: Jornal O Diabo, Lisboa, 23 de Março de 1940, p. 3)

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Figura 1 Gravura de Theodore De Bry

O poeta consegue, na linguagem sintética do poema, retratar a situação anterior


à colonização na ilha: sem leis escritas, apenas na observância dos costumes
tribais, os naturais cumpriam seus rituais, invocavam os deuses, feiticeiros,
santos. Livremente. Havia liberdade. De repente, o homem branco (o poeta
chama de “loiros”) decidiu aportar naquela ilha desconhecida, apossando-se da
terra e ameaçando com chicote, pólvora e álcool, sob a bandeira do império. Os
“homens de cara dura” trouxeram leis escritas, censuras, proibições e castigo.
Estabelecia-se o regime colonial.

Já compreendemos que o colonialismo representou invasão da terra, espoliação


do patrimônio e subalternização dos homens. Essa síntese enxuta conduz a uma
questão: como se passou do colonialismo ao pós-colonialismo, outro tópico
desta aula? Aí precisamos conversar.

Imaginemos: se o sistema colonial subjugou povos, como se superou esse regime


e se chegou ao denominado pós-colonialismo, considerando que o prefixo pós
sugere uma situação posterior?

Pois é. Não foi fácil, não foi tranquilo. Portugal perseverou com o sistema colonial,
ancorado no ditador Oliveira Salazar (presidente de Portugal no período de 1932 a
1968) que, apesar da reprovação da Inglaterra, colonizadora histórica, recusou-se
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Olhares críticos sobre a colonização e a descolonização

a receber uma comissão de inquérito da ONU, encerrando a questão com uma


frase condenatória contra o regime comunista, segundo ele, responsável pelo
crescente movimento nacionalista na África. Tanta truculência e intolerância
permitiu a deflagração de rebeliões nas então colônias, na formação da guerrilha
e, por fim, nas guerras pela descolonização.

Antes de discutirmos mais detidamente o pós-colonialismo, é preciso refletir


sobre o processo de DESCOLONIZAÇÃO.

O ano de 1961 marcou, de forma incisiva, a arranca definitiva para a libertação


das colônias a partir de três acontecimentos:

1) Em janeiro desse ano, o capitão Henrique Galvão tomou o paquete Maria


Santa em pleno mar, com vista a desviá-lo para Angola, a fim de apoiar
uma possível rebelião. Infelizmente, o plano naufragou e o navio veio ter
ao porto do Recife;

2) Em fevereiro, os africanos atacaram a prisão e as forças de polícia de Luanda,


fazendo recrudescer a repressão aos bairros negros com pilhagem e chacinas;

3) Em março, na semana de 15 do mês, houve ataques simultâneos a fazendas


de café dos portugueses, resultando na morte de brancos, incluindo mulheres
e crianças. Começou, então, o sangrento período de negros contra brancos.
A carnificina e as atrocidades de ambos os lados apresentaram um saldo
de aproximadamente 50.000 (cinquenta mil) mortos africanos contra 3.000
(três mil) mortos portugueses, isso no caso de Angola, onde a luta foi mais
violenta.

Os cinco países africanos tinham suas frentes de libertação reunindo grupos


diversos, com lideranças financiadas por potências estrangeiras como Estados
Unidos da América, Rússia e África do Sul, basicamente.

Afinal, no dia 25 de abril de 1974, um golpe de Estado do Movimento das Forças


Armadas depunha a ditadura salazarista e gritava: “Democracia ao nosso país,
descolonização em África”. A Revolução dos Cravos teve um hino, executado
no rádio como sinal, composto pelo grande compositor e cantor José Afonso
(Zeca Afonso). A canção chama-se “Grândola, vila morena”. Vamos ler o texto:

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Grândola, vila morena


Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira

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Figura 2
Olhares críticos sobre a colonização e a descolonização

Percebemos que os processos de colonização e descolonização, apesar da


baliza cronológica não representam pilares dissociados, encontrando-se, em
alguns aspectos imbricações de difícil superação. Para a professora e escritora
santomense Inocência Mata, nome incontornável nos estudos pós-coloniais:
(...) o colonial continua a ser não apenas uma presença
obsidiante (...) como continua a enformar o eixo narrativo de
referência, numa marcha temporal que caminha nitidamente
do pré para o pós e que deixa descobertas as suas relações
ambíguas como novas formas de colonialismo, isto é, com
o neo-colonialismo (...). (MATA, 2007, p. 42-3).

Assim, a permanência da “lição” do colonizador ainda continua sob a forma de


um novo colonialismo ou colonização das mentes, motivando comportamentos
avessos ao ideal de liberdade, de rejeição do jugo, na reedição de um novo
sistema de exploração e subalternização, dessa vez de africano contra africano.

Os escritores poetas e ficcionistas têm denunciado os vícios colonialistas em


textos lapidares, como o romance Predadores, do angolano Pepetela; Os filhos
da Pátria, do também angolano João Melo; os poemas de No fundo do canto, da
bissau-guineense Odete Semedo; ou, ainda, da ficção das moçambicanas Lilia
Momplé e Paulina Chiziane. Paramos aqui porque seria extensivo nomear todos
os que se insurgem contra o ranço de colonialismo ainda forte em algumas
gestões equivocadas.

Banir o colonialismo tem se revelado tarefa das menos fáceis. Lidar com a ambição
do homem que foi explorado e não aprendeu com o seu sofrimento a poupar o
outro é resultado de uma história de ressentimento e abandono difícil de apagar.
O crítico pós-colonial precisa conhecer bem a ação colonizadora e sua extensão,
para melhor desarticulá-la e sanear um terreno tão minado.

O texto a seguir, do romance O sétimo juramento (2000), da moçambicana


Paulina Chiziane, retrata o pensamento neocolonizado do personagem David,
empresário dos tempos pós-coloniais:
(...) Os operários do açúcar não recebem há vinte e quatro
meses. Os seus não recebem há apenas seis meses. Muito
pouco tempo. Comparado com outros diretores ele é um
santo. Os motivos desses atrasos têm a sua razão de ser. Tirou
alguns fundos para adquirir uma viatura nova e comemorar
condignamente os quarenta anos de Vera, sua esposa. (...)
Não se trata nem de fraude, nem de roubo (...)

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AULA 2

Pensa com mais frieza. Neste mundo ninguém é bom para


ninguém. Enganamo-nos uns aos outros. Tiranos brancos
substituídos por tiranos negros, é a moral da história. Tirania
é filha legítima do poder. Justiça e igualdade é negócio de
Deus e não preocupação dos homens. (p. 14-5).

O fragmento fala por si. O chefe subtrai bens, atrasa salários e conclui ser melhor
que os outros. Afinal, chega ao cúmulo de comparar-se ao colonizador, sugerindo
ter havido, apenas, a substituição do tirano branco pelo negro. A igualdade
e a justiça por que muitos deram a própria vida, o cínico David transfere a
responsabilidade para Deus.

Temos, nesse e em muitos outros textos, uma caracterização crua da nova


calamidade que ameaça o homem trabalhador, crédulo, que viu nas armas a
possibilidade de libertação e o advento de novos e felizes tempos. Apontar
essas mazelas e propor novos modelos e novas dicções é, também, tarefa de
criadores e críticos face a um cenário que não se configura justo, promissor e
empreendedor na direção da plena independência econômica e cultural.

Exercitando

Partindo dos elementos apresentados nesta aula, faça uma análise dos conceitos
de colonização e pós-colonização, tentando estabelecer relações com exemplos
de continuidade de mão de obra escrava e ranços da colonização nas relações
de poder. Leia atentamente o material para detectar pontos que precisam de
aprofundamento ou sobre os quais tem alguma dúvida.

Leia o poema a seguir, do angolano David Mestre, e perceba no texto o traço


anticolonialista. Anote os versos tentando justificar suas escolhas.

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Olhares críticos sobre a colonização e a descolonização

Portugal Colonial

Nada te devo
nem o sítio
onde nasci

nem a morte
que depois comi
nem a vida

repartida
p’los cães

nem a notícia

curta
a dizer-te
que morri

nada te devo
Portugal
colonial

cicatriz
doutra pele
apertada

Figura 3

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AULA 2

4 APROFUNDANDO SEU CONHECIMENTO

É próprio do estudante nunca ficar satisfeito com o material disponibilizado. O


verdadeiro estudante busca outras fontes, novas formas de dizer e entender,
alargando assim seu conhecimento. Considerando que esta aula destina-se a
professores em formação, é imprescindível indicar sites nos quais o assunto será,
certamente, aprofundado, como os apresentados a seguir:
àà http://cvc.instituto-camoes.pt/poemasemana/05/03.html
àà http://pt.wikipedia.org/wiki/Colonialismo
àà http://www.slideshare.net/ricardup/imperialismo-e-colonialismo-presentation
àà http://www.tamandare.g12.br/Aulafrica/as_ideias%20asicas%20do%20colonia.htm
àà http://www2.uefs.br/ppgldc/revista3_186.html
àà http://www.periodicos.ufes.br/simbiotica/article/viewFile/5494/4012
àà http://www.uff.br/revistaabril/revista-07/000_capa%2520no%25207.pdf

Há muitos outros links sobre o assunto. As referências no final da aula são


excelentes fontes para ampliação dos estudos.

5 TROCANDO EM MIÚDOS

Caro aluno, nesta aula, aprendemos os conceitos de colonialismo e pós-


colonialismo, bem como o de descolonização. Descobrimos que os processos
de colonização e descolonização não foram ainda superados, de modo que a
“lição” do colonizador continua sob a forma de novo colonialismo ou colonização
das mentes. Isso motiva comportamentos contrários aos ideais de liberdade, de
rejeição do jugo, reeditando um novo sistema de exploração e subalternização
de africano contra africano.

Vimos, por fim, que os escritores têm denunciado os vícios colonialistas e que
apontar essas mazelas e propor novos modelos e novas dicções é, também, tarefa
de criadores e críticos diante de um cenário que não se configura justo, promissor
e empreendedor na direção da plena independência econômica e cultural.

Esperamos, caro colega, futuro professor, que seu interesse pela cultura africana
o acompanhe na vida acadêmica e profissional.

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Olhares críticos sobre a colonização e a descolonização

6 AUTOAVALIANDO

Após a discussão realizada nesta aula, é preciso pararmos um pouco e refletirmos


sobre o conhecimento que foi construído, por isso sugerimos que você, estimado
aluno, faça uma autoavaliação.

1) Compreendi as especificidades da colonização e da descolonização a partir


do confronto entre elementos comuns e divergentes detectados?

2) Percebi que o processo de descolonização ainda sobrevive, em alguns


aspectos, mesmo decorridas quatro décadas da Revolução dos Cravos?

3) Consegui analisar, no texto literário, o discurso crítico contra a colonização


das mentes ou neocolonialismo?

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AULA 2

REFERÊNCIAS

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.

CASANOVA, Pablo González. Exploração, colonialismo e luta pela democracia


na América Latina. Trad. Ana Carla Lacerda. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.

CHIZIANE, Paulina. O sétimo juramento. Lisboa: Editorial Caminho, 2000.

FANON, Frantz. Peles Negras, Máscaras Brancas. Trad. Renato da Silveira.


Salvador: EDUFBA, 2008.

KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Lisboa: Ed. D. Quixote, 2000.  

LEITE, Ana Mafalda. Oralidades & escritas pós-coloniais: estudos sobre literaturas
africanas. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012.

MATA, Inocência. A literatura africana e a crítica pós-colonial: Reconversões.


Luanda: Editorial Nzila, 2007.

RUI, Manuel. “Eu e o outro, o invasor”. (Ou em três poucas linhas uma maneira
de pensar o texto). Comunicação apresentada no Encontro Perfil da Literatura
Negra. São Paulo: Centro Cultural, 1985.

SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Trad.


Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.

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