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Literatura Brasileira III AULA 2

Marta Célia Feitosa Bezerra


Socorro de Fatima Pacífico Barbosa
João Batista Pereira

INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA

A Estação e o conto de
Machado de Assis

1 OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM

„„ Conhecer a revista A Estação suporte original


de vários contos de Machado de Assis;
„„ Analisar o conto “D. Benedita”;
„„ Identificar elementos da Ironia machadiana.
A Estação e o conto de Machado de Assis

2 Começando a história

Na disciplina de Literatura Brasileira II, mais precisamente na aula 14, vimos que
Machado de Assis colaborou durante 54 anos para a imprensa no Brasil. Entre os
periódicos em que ele escreveu, encontra-se a Revista A Estação, Jornal ilustrado
para a família. Nesta aula, iremos explorar um pouco mais essa face de Machado
de Assis, conhecendo a Revista Estação, que é o suporte original de muitos
contos desse autor. Vamos conhecer um conto do autor, D. Benedita. Nesse
conto exploraremos os mecanismos de construção psicológica dos personagens,
associando-os à ironia.

3 Tecendo conhecimento

Revista A Estação, Jornal ilustrado para a família

Figura 1 A Estação, 31/01/1887.


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AULA 2

Caro aluno, você conhece a Revista Estação? Já leu ou ouviu falar sobre ela antes
desta aula?

A Estação (1879 – 1904) era um empreendimento editorial pertencente aos


Lombaerts, família de belgas radicada no Brasil. A Estação circulava em vários
países da Europa, nos EUA e no Brasil. Não sabemos se nos outros países em que
o periódico circulava, havia também a parte do Suplemento Literário acrescida
à parte de moda. Sabemos que, na La Saison, edição francesa do periódico, não
aparecia o Suplemento.

Durante as décadas que circulou, a revista dos Lombaerts foi a mais importante
revista de moda direcionada ao público feminino no Brasil. Apresentava duas
partes: a primeira, dedicada à moda que vinha da França, era repleta de dicas
das roupas, dos tecidos e dos costumes que estavam em uso na capital francesa.
Normalmente essa parte contava com oito páginas, incluindo a página de abertura,
que consideramos ser a capa (FARIAS, 2013). A segunda parte, feita para a edição
do Brasil, era um suplemento Literário que apresentava-se como miscelânea, que
consistia na mistura de gêneros presentes nas páginas dos periódicos do século
XIX (BARBOSA, 2007). Assim, havia publicação de contos, romances, poesias,
comentários sobre a programação teatral da semana, comentários políticos,
propagandas de lojas da Rua do Ouvidor, dicas para donas de casa entre outras
coisas. Era na segunda parte que publicava-se a colaboração de Machado de
Assis. Meyer (2001) acredita até que ele era o diretor espiritual da revista, uma
espécie de responsável pelo Suplemento. Normalmente as narrativas de ficção
do autor apareciam abrindo o Suplemento Literário da revista, como pode ser
visto na edição de 30/04/1882, em que circulou um dos contos em estudo. No
mesmo ano, Machado organizou sua terceira coletânea de contos chamada,
Papeis Avulsos, e incluiu esse conto.

Figura 2 A Estação, 30/04/1882.


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A Estação e o conto de Machado de Assis

O caráter miscelânico dos periódicos, já mencionado, explica bem o Suplemento


Literário de A Estação. Isso justifica a diversidade de contos publicados pelo
autor de D. Benedita, nesta revista. A variedade dos contos, uns com histórias
com conteúdos folhetinescos, comuns nos rodapés dos jornais da época; outros,
histórias mais elaboradas, reflexivas, pensando em um leitor mais maduro. No
periódico em questão, Machado publicou 37contos, um romance, Quincas Borba,
poesias, crítica literária, propagandas entre outros gêneros. A colaboração regular
do autor para essa revista se deu de 1879 a 1898, quase vinte anos, portanto.

Figura 3 A Estação, 15/05/1883.

Uma leitura de um conto de Machado de Assis

Após sabermos um pouco sobre a Revista A Estação e


da sua relação com Machado de Assis. Vamos iniciar
um estudo mais detido da obra desse grande escritor
por meio da análise de um dos seus contos?

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Figura 6
AULA 2

O conto “D. Benedita”1 foi publicado em A Estação. Sua marca é uma característica
da prosa de ficção do século XIX: o perfil feminino, a mulher com personagem
central das narrativas. Romances com títulos de mulheres existiam desde o século
XVIII, quando de seu surgimento, mas foi no século XIX que eles ganharam maior
relevância. Da literatura francesa a mais famosa delas é Madame Bovary, do
romance homônimo de Gustave Flaubert. Os romances de Machado de Assis
quando não têm as mulheres como título, torna-as personagem principal: Helena,
Lina a Iaiá Garcia, Capitu, Sofia e Virgília.

„„ Nesse conto, Machado de Assis exercitará de forma magistral a construção


de um perfil feminino. Trazendo para a análise deste conto os aspectos
anteriormente estudados, vamos refletir sobre o perfil feminino de D.
Benedita, ao contrário de Mestre Romão, é minuciosamente detalhado.
Tanto que o autor o chama de Retrato, de forma que todo o enredo é
desenvolvido sobre a ambiguidade da personagem, mas, sobretudo, por
sua inconstância e insatisfação.

„„ Vamos pensar sobre as passagens do texto em que a descrição física


da personagem tem relação muito próxima com suas contradições de
pensamento. D. Benedita está mais próxima das leitoras da revista A Estação,
por isso é possível reconhecer no cotidiano da personagem matérias, modos
e um cotidiano que faz parte do universo das leitoras femininas.

„„ Caro aluno, você consegue perceber quais práticas da personagem traduzem


a representação da mulher de fins do século XIX e a sua insatisfação com
esta condição?

„„ O narrador ao descrever a personagem também traz para o enredo o


conteúdo da moda. Nesse ponto, é preciso compreender de que forma o
narrador aproveita a moda para ironizar a veleidade da personagem.

„„ O mote “O tempo como um cruel inimigo das mulheres” é usado pelo


narrador para iniciar a narrativa. Também, nesse conto, o tempo tem dupla
conotação: é cronológico e psicológico.

„„ A data do aniversário de D. Benedita é descrita com dados concretos da sua


idade e o modo por que o foi já indica uma certa tendência da personagem
a esconder ou dissimular o que era de conhecimento de todos. Outros

1 Considerando que o conto é muito grande, sugerimos a sua leitura no site do Domínio Público, no
link: D. Benedita: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000235.pdf Lembre-se de
que é importante reconhecer o sentido de alguns nomes e termos, para uma melhor compreensão
dos contos e da ironia machadiana
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A Estação e o conto de Machado de Assis

acontecimentos da sua vida associam ao tempo a sua volubilidade de


pensamento. Um dos momentos mais irônico que traz o tempo para ajudar
na construção do perfil de Benedita é o que segue.
Meia hora depois de cair no sofá, ergueu-se um pouco, e
percorreu o gabinete com os olhos, como procurando alguma
coisa. Essa coisa era um livro. Achou o livro, e podia dizer
achou os livros, pois nada menos de três estavam ali, dois
abertos, um marcado em certa página, todos em cadeiras.
Eram três romances que D. Benedita lia ao mesmo tempo.
Um deles, note-se, custou-lhe não pouco trabalho. Deram-
lhe notícia na rua, perto de casa, com muitos elogios; chegara
da Europa na véspera. D. Benedita ficou tão entusiasmada,
que apesar de ser longe e tarde, arrepiou caminho e foi ela
mesmo comprá-lo, correndo nada menos de três livrarias.
Voltou ansiosa, namorada do livro, tão namorada que abriu
as folhas, jantando, e leu os cinco primeiros capítulos naquela
mesma noite. Sendo preciso dormir, dormiu; no dia seguinte
não pôde continuar, depois esqueceu-o. Agora, porém,
passados oito dias, querendo ler alguma coisa, aconteceu-
lhe justamente achá-lo à mão.

Talvez pelo fato de ser um conto mais longo, ou mesmo de a personagem


principal ser uma mulher, o narrador do início ao fim não deixa de utilizar a
ironia em nenhuma das situações em que precisa descrever o espírito volúvel,
insatisfeito e frívolo de D. Benedita. Segundo Andrea Perrot (2006, p. 207), a ironia
é elemento constitutivo desse conto e o início é determinante “para instaurar a
atmosfera irônica do texto, levando o leitor à interpretação irônica das palavras
do narrador”; As estratégias do narrador são variadas: ora se faz de inocente
e de ingênuo com o intuito de ressaltar o retrato da mulher abandonada, ora
finge não compreendê-la para dimensionar o seu caráter frívolo. Após a leitura
do conto, você, estimado aluno, percebe a ironia do narrador? Em que partes e
posições ele foi mais cruel e, portanto, mais irônico com a pobre personagem?

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AULA 2

4 Aprofundando seu conhecimento

Após esta aula, se você quiser saber quase


tudo sobre Machado de Assis, acesse o site da
Academia Brasileira de Letras, que teve o autor
como um dos seus fundadores:
àà http://www.machadodeassis.org.br/

Figura 4

A Revista A Estação, revista em que Machado


de Assis, teve grande participação, pode ser
consultada em sua íntegra no site da Fundação
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
àà http://memoria.bn.br/DOCREADER/
DOCREADER.ASPX?BIB=709816

Figura 5

5 Trocando em miúdos

Agora é hora de resumir e rever o que aprendemos nesta aula. Conhecemos


a Revista A Estação e a sua importância na produção literária de Machado de
Assis. No conto estudado, é possível perceber a importância da ironia na obra
machadiana. Esta ironia é responsável pelo humor, perpassando a caracterização
psicológica dos personagens. Logo, por meio dela, é percebida uma crítica aos
costumes do Rio de Janeiro. Vimos, ainda, que o narrador é irônico e que ele
influencia a visão que o leitor tem dos personagens.

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A Estação e o conto de Machado de Assis

Exercitando

Você agora deve exercitar o que aprendeu sobre o conto do autor carioca, o
Bruxo do Cosme Velho. Selecionamos o conto “D. Paula”, que também trata de
um perfil de mulher. Tente caracterizar o perfil da personagem a partir da ótica
do narrador.

6 Autoavaliando

Caro aluno, agora é hora de refletir sobre o que você aprendeu nesta aula:

„„ Percebi a importância da revista A Estação para a publicação e o estilo dos


contos de Machado de Assis?

„„ Reconheci como a ironia é constitutiva da narrativa machadiana?

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AULA 2

Referências

BARBOSA, Socorro de Fátima P. Jornal e literatura: a imprensa brasileira no


século XIX. Porto Alegre: Nova Prova, 2007.

CEIA, Carlos. Dicionário de Termos Literários. Disponível em http://www.edtl.


com.pt/index.php?option=com_content&view=frontpage&Itemid=1

FARIAS, Virna Lúcia Cunha de. Machado de Assis na imprensa do século XIX:
práticas, leituras e leitores. Tese e Doutorado, PPGL, UFPB, João Pessoa, 2013.

MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos literários. São Paulo: Cultrix, 1975.

PERROT, Andrea. Machado de Assis e a ironia: estilo e visão de mundo. UFRGS.


Programa de Pós-Graduação em Letras, 2006. Doutorado. Disponível em http://
www.lume.ufrgs.br/handle/10183/8575

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