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"A EDUCAÇÃO SOCIOEMOCIONAL: CONCEITOS E PRÁTICAS"

MÓDULO 1. O que são competências socioemocionais?


O conceito de competência na produção industrial

A noção de competências foi amplamente utilizada a partir dos anos 1990. Nasceu num
momento em que vivíamos o que comumente se denominou da terceira onda da revolução
industrial, a Revolução Técnico-científica1. Muitos autores caracterizaram este período como o
de desenvolvimento da mutação genética, da robótica, da informática, das telecomunicações,
da eletrônica. O mundo passou a produzir mais em menos tempo e a inovar numa escala de
tempo nunca vista. Iniciada nos anos 1950, a virada ocorreu na última década do século XX,
quando o tempo de criação de novos produtos por segmento produtivo passou a ser menor que
seis meses (entre 1950 e 1990, o tempo de inovação girava ao redor de 10 anos).

Trata-se do período de eclosão da telefonia móvel, do emprego da energia atômica, do


desenvolvimento da biotecnologia, da acelerada produção de computadores e softwares, do
aprimoramento da internet, da produção de chips e outros produtos eletrônicos e da criação de
robôs usados nas indústrias.

A substituição em grande escala da mão-de-obra por robôs e automação fragmentou a classe


operária. Num primeiro momento, acreditava-se que a nova classe operária teria que se instruir,
gerando o que, naquele momento, se chamava de trabalhador polivalente, ou seja, aquele que
valia por vários outros empregados pela indústria. Na prática, o padrão japonês foi alçado à nova
condição de empregabilidade: cada operário deveria assumir sete especializações que antes
envolviam outros seis contratados, além dele próprio.

O conceito de competência se projeta no mundo do trabalho a partir deste vínculo com o


2
conceito de empregabilidade, das novas condições do perfil do trabalhador do final de século.

1
Já no século XXI, muitos autores sugerem que ingressamos na Quarta Revolução Industrial, também
conhecida como Indústria 4.0. O Fórum Econômico Mundial sugere ser a fase de novos sistemas
produtivos e comunicacionais relacionados à revolução digital. Se na terceira onda a automatização foi
implantada nas fábricas, na quarta onda os sistemas ciberfísicos, marcados pela introdução de
nanotecnologia, neurotecnologia, inteligência artificial, robôs, impressão 3D, biotecnologia
automatizaram todo processo produtivo e não apenas uma ou outra etapa. A China passou a liderar nas
inovações tecnológicas, caso das empresas Toutiao, aplicação líder em notícias digitais; Meituan, super
app de serviços com delivery de comida ou venda de ingressos para filmes e shows; e Didi, o equivalente
ao Uber na China. Na China, o acesso a redes 5G já é uma realidade em uma dezena de cidades,
beneficiando um total de 167 milhões de usuários. Empresas chinesas, como a Huawei, lideram o registro
de patentes 5G (a China detém 3,4 mil patentes reconhecidas desta tecnologia, enquanto os Estados
Unidos detêm apenas 1,3 mil). O uso em massa de algoritmos de AI já pode ser percebido nas ruas da
China, como nas estações de metrô em que se paga a tarifa por reconhecimento facial; nas lojas
autônomas da Jing Dong, onde se prova roupas via avatares virtuais; e em hotéis como o FlyZoo, do grupo
Alibaba, em que todos os serviços, do check-in ao check-out, são realizados via biometria e troca de
informações de nosso corpo com dispositivos conectados. Ver
https://copyfromchina.blogosfera.uol.com.br/2019/08/06/veja-quatro-tendencias-tec-da-china-que-
voce-precisa-conhecer/?cmpid=copiaecola .

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Vejamos como duas especialistas em Recursos Humanos, autoras do livro “Empregabilidade:
competências pessoais e profissionais”, descrevem a relação entre empregabilidade e
competência profissional:2

Os nascidos entre as décadas de 70 e 80 provavelmente conhecem pessoas que


iniciaram e concluíram suas carreiras em uma mesma empresa. Mas, isto é coisa
do passado. A chamada “estabilidade no emprego”, antes tão valorizada pelas
empresas no momento da contratação, começou a ser vista como acomodação
no emprego. Atualmente, se valoriza o aprendizado e o crescimento obtido
através do trabalho. Dessa maneira, torna-se comum e até certo ponto desejável
que os profissionais mudem de função e de área dentro da mesma empresa ou
mudem de empresa. (...) As mudanças são a maior certeza em mundo
globalizado e aproximado pelas tecnologias da informação e comunicação. Para
serem competitivas, pessoas e empresas precisam ser ágeis, flexíveis, versáteis,
proativas, resilientes, empreender, acompanhar e promover mudanças, inovar,
diferenciar-se. Os profissionais com essas características têm elevado o valor do
seu trabalho e da sua empregabilidade. São os chamados “talentos”, nem
generalistas nem especialistas, são multiespecialistas. Empregabilidade é mais
do que a capacidade de o indivíduo conseguir novas oportunidades de emprego,
manter-se empregado e conseguir promoções. É definida por Rueda, Martins e
Campos (2004) como as ações empreendidas pelas pessoas para desenvolver
habilidades e buscar conhecimentos favoráveis, com vistas a conseguir uma
colocação no mercado de trabalho, seja ele formal ou informal.

Instabilidade, inovação, aprendizado constante, adaptação ao ritmo de competição 3


intersetorial, novas tecnologias, insegurança se alinham com as novas exigências de
competências profissionais. Richard Sennett chegou a escrever um dramático livro sobre os
impactos negativos sobre o caráter que este mundo instável e exigente impôs aos
trabalhadores3. Neste livro, o pesquisador e professor da Universidade de Nova Iork e da London
School of Economics sustenta que o capitalismo estaria vivendo um novo momento
caracterizado por uma natureza flexível, que ataca as formas rígidas da burocracia, as
conseqüências da rotina exacerbada e os sentidos e significados do trabalho que, por seu turno,
gera ansiedade nas pessoas por não saberem os riscos que estão correndo e a que lugar irão
chegar. Este novo mundo testaria, em suma, o próprio senso de caráter pessoal.

Baseado em entrevistas onde adota o instrumental de pesquisa de história de vida, Sennett


percebe um forte impacto sobre o caráter pessoal dos indivíduos dado que a experiência pessoal
perde valor. Em outras palavras, a linha do tempo dos empregados se desmancha ou se torna
obsoleta. As expectativas de longo prazo se tornam inexpressivas e a flexibilização constante
subordina a narrativa da vida do trabalhador à nova tecnologia do momento. Agrega-se a este
círculo de inovações constantes a diluição dos laços de afinidade e afeição no local de trabalho
ao se instalar uma “dinâmica de incertezas e de mudanças constantes de emprego e de moradia

2
BARDUCHI, Ana Lucia & CINTRA, Josiane. Empregabilidade: competências pessoais e profissionais.
Disponível em https://www.rhportal.com.br/artigos-rh/empregabilidade-competncias-pessoais-e-
profissionais/ . Visualizado em novembro de 2019.
3
Ver Richard Sennett. A Corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo.
Rio de Janeiro: Record, 1999

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que impossibilitam os indivíduos de conhecer os vizinhos, fazer amigos e manter laços com a
própria família. Diante das mudanças no mundo do trabalho, ...como se pode buscar objetivos
de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações duráveis?”4.

Embora o termo apresente vários significados, refere-se, de um modo geral, aos conhecimentos
e habilidades necessários para se atingir um objetivo ou resultado em um determinado
contexto. Competência não se confunde com habilitação, uma vez que nem sempre a posse de
uma habilitação confere ao indivíduo aptidão para solucionar problemas.

As competências e habilidades sustentadas pelo setor empresarial contemporâneo nas últimas


duas décadas sugerem esta flexibilidade do empregado, a maleabilidade pessoal e a capacidade
de trabalho em equipe. As equipes passam a ganhar espaço a partir dos modelos de organização
do local de trabalho liderados pela Volvo e Toyota. As células de produção (implantados na
Toyota) e o sistema de docas (Volvo) criaram dinâmica da organização do trabalho, sem deixar
de lado as condições instáveis da reestruturação industrial. As células de produção superaram a
esteira elétrica utilizada no modelo fordista que foi retratada por Charles Chaplin em Tempos
Modernos.

Cena de Tempos Modernos (1936) em que os operários ficam estáticos à frente da esteira elétrica que define o
ritmo da produção sequencial. No filme, Chaplin dramatiza a repetição de movimentos pelo mesmo operário até o
momento que enlouquece.

O Toyotismo universalizou a adoção de múltiplas tarefas por operário, a redução de desperdício,


a produção da totalidade de um produto por uma única equipe de trabalhadores5.

4
Resenha do livro de Sennett elaborada por Luiz Paulo Jesus de Oliveira e disponível em
http://www.flexibilizacao.ufba.br/RCRH-2006-243luizpaulo.pdf .
5
O modelo foi criado pelo engenheiro Taiichi Ono entre os anos 1950 e 1960 e baseia-se em duas linhas
principais: a Produção Just In Time (JIT), que acaba com alta estocagem e propõe a terceirização da

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O conceito de competência adotado na educação

A abordagem pedagógica a partir das competências consta das orientações curriculares do MEC
dos últimos anos (incluindo a Base Nacional Comum Curricular) e em diversas reformas
educativas, introduzindo um amplo debate em torno de diferentes concepções curriculares
desde os anos 1990.

O debate instalado a partir da vinculação dos novos currículos com o conceito de competência
problematiza a relação entre conhecimento e competência.

Trata-se da tensão entre os propositores de uma escolaridade de caráter mais generalista e


amplo e aqueles que advogam uma escolaridade mais “utilitarista”, focada na formação para o
mundo do trabalho ou para a inserção nas exigências sociais do mundo contemporâneo.

De acordo com o Documento Básico do ENEM (2000), competências são modalidades


estruturais da inteligência, isto é, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações
com e entre objetos, pessoas, fenômenos e situações que queremos conhecer. O
desenvolvimento de competências envolveria, portanto, a integração de conteúdos e
disciplinas. As competências de ler, compreender, interpretar e produzir textos, por exemplo,
no sentido amplo do termo, não se constrói apenas através da aprendizagem da Língua
Portuguesa, mas em todas as áreas e disciplinas que estruturam o trabalho pedagógico na
escola.

Para PERRENOUD (1999), um dos autores mais citados nos debates educacionais brasileiros no 5
início deste século, competência é a capacidade de agir com eficácia em um determinado tipo
de situação prática da vida cotidiana. Para isso, é preciso lançar mão de conhecimentos e colocar
em ação vários outros recursos cognitivos.

Ocorre que o conceito de eficácia em educação não é tão priorizado nos debates atuais sobre
políticas educacionais. Na elaboração de Benno Sander, aos critérios clássicos de eficácia e
eficiência se agregaram, nos últimos anos, os critérios de efetividade e relevância cultural para
elaboração de políticas públicas educacionais. Vejamos a síntese realizada por Delsi Fries Davok
a respeito desta contribuição de Sander:

A eficiência "[...] é o critério econômico que revela a capacidade administrativa de


produzir o máximo de resultados com o mínimo de recursos, energia e tempo" (p. 43).
É um critério de dimensões instrumental e extrínseca. A eficácia "[...] é o critério
institucional que revela a capacidade administrativa para alcançar as metas
estabelecidas ou os resultados propostos" (p. 46). Esse critério é de dimensão
instrumental e preocupa-se com a consecução dos objetivos intrínsecos, vinculados,
especificamente, aos aspectos pedagógicos da educação. A efetividade "[...] é o critério
político que reflete a capacidade administrativa para satisfazer as demandas concretas
feitas pela comunidade externa" (p. 47). É um critério substantivo extrínseco que reflete
a capacidade de a educação responder às preocupações, exigências e necessidades da

produção, de acordo com a demanda; e o Princípio dos 5 zeros: sem atraso, sem defeitos, sem estoque,
sem panes e sem papéis.

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sociedade. A relevância, por sua vez, "[...] é o critério cultural que mede o desempenho
administrativo em termos de importância, significação, pertinência e valor" (p. 50). Esse
critério é de natureza substantiva e intrínseca e está diretamente relacionado à atuação
da educação para a melhoria do desenvolvimento humano e qualidade de vida dos
indivíduos e grupos que participam do sistema educacional e da comunidade como um
todo. (grifo nosso)

Esses quatro critérios não são excludentes na gestão da educação, porquanto, se


complementam. Segundo Sander (1995, p. 67),

[...] embora distinguíveis, são dimensões dialeticamente articuladas de um paradigma


abrangente e superador de administração da educação. No paradigma multidimensional
de administração da educação a eficiência é subsumida pela eficácia; a eficácia e a
eficiência são subsumidas pela efetividade; a efetividade, a eficácia e a eficiência são
subsumidas pela relevância6.

Como se percebe, a proposição de Sander indica a ausência de diálogo social do critério solitário
de eficácia (sendo um critério institucional, focado na formulação do autor da política
educacional). Efetividade e relevância cultural, ao contrário, são destacados como critérios
eminentemente dialogais em conexão com demandas e interesses da comunidade externa ao
ator institucional, gestor da política.

Assim, se como sugere Perrenoud, as competências são capacidades para agir com eficácia a
partir de uma situação prática, estamos diante de um instrumento de ação, não de um 6
conhecimento. Tal instrumento faz uso de conhecimentos. Mobilizam conhecimentos para se
atingir uma meta, um resultado esperado, um objetivo. A questão não resolvida, contudo, é se
a meta ou objetivo definido é adequado. Mas, o conceito de competência não reflete sobre o
mérito do objetivo escolhido, mas o naturaliza como correto.

Em outras palavras, a competência a ser desenvolvida num currículo é apresentado como um


dado infalível, como um padrão a ser perseguido pelo processo educacional. Ora, para fugirmos
desta noção estandardizada de competência, temos que fugir da noção de padrão pré-
estabelecido, mas como uma necessidade intelectual a partir de um problema que se apresenta
ao educando.

Então, competência significa mobilizar conhecimentos diante de situações complexas. Ela não
se confunde com aquisição escolar verificável porque se relacionaria com resoluções de
situações-problema. Tampouco tem o mesmo significado de desempenho. Competências não
são potencialidades humanas inatas. Competências, portanto, são construídas, são aquisições.
Construir uma competência é aprender a identificar e buscar os conhecimentos necessários para
resolver uma situação-problema. A construção de competências está estreitamente vinculada à
formação de esquemas de mobilização dos conhecimentos. Esta construção acontece num
contexto de ação, no âmbito da prática. Os sujeitos não constroem esquemas a partir de
intervenções externas ou da interiorização de um procedimento (aulas expositivas ou

6
Ver DAVOK, Delsi Fries. Qualidade em educação. Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas),
vol.12 no.3 Sorocaba Sept. 2007. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-40772007000300007 .

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demonstrativas, por exemplo). Esquemas se constroem a partir de um exercício do fazer, de
experiências renovadas, que são mais eficazes na medida em que se associam a uma postura
reflexiva. Isso significa que, além de viver as experiências, os indivíduos deverão analisá-las.

Retornemos à Perrenoud. Elio Carlos Ricardo sintetiza o conceito de competência na educação


definida por este autor:

Em outra definição, Perrenoud afirma que as competências são "uma capacidade de agir
eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem
limitar-se a eles"(Perrenoud, 1999, p.7). Uma competência que se manifesta na
execução de uma tarefa não é, portanto, a mera aplicação de conhecimentos
memorizados, envolve também um julgamento da pertinência dos recursos disponíveis
e sua integração com discernimento em tempo real. Assim, a construção de
competências é inseparável da formação de esquemas de mobilização, que se
constituem e se consolidam em treinamentos associados a uma postura reflexiva. Tais
treinamentos envolvem experiências renovadas e disponibilidade para a análise, uma
vez que o mero acúmulo de conhecimentos não garante sua integração e mobilização7.
(grifos nossos)

A competência não se adquire como mero currículo prescritivo. Trata-se, para Perrenoud, de
mobilização (e ordenamento) consciente de saberes que são incorporados para resolução de
situações-problema. Saberes adquiridos que são mobilizados pela eleição – pela escolha
consciente – do sujeito que procura resolver um problema a ele apresentado. A concepção de
currículo a partir desta concepção não é estática ou prescritiva, mas um currículo em ação.

Ainda sob o olhar atento de Elio Carlos Ricardo:


7
Ao mesmo tempo em que o acúmulo de conhecimentos não garante a sua mobilização
em situações complexas, é condição necessária, pois sem recursos a mobilizar não se
constroem competências. O contrário também é verdadeiro, uma vez que se existem os
recursos, mas não são mobilizados com discernimento, na prática é como se não
existissem. É nesse sentido que Perrenoud sugere treinamentos de mobilização dos
conhecimentos articulados a práticas analíticas, os quais buscariam transpor tais
recursos, combiná-los, elaborar o problema e lançar mão de estratégias originais para
resolvê-lo.

Contudo, mesmo na passagem acima, a noção de competência em Perrenoud mantém certa


tensão com a noção de padrões em função do uso da palavra “treinamento”, como algo que se
antecipa a um problema, que define esquemas mentais ou comportamentais para o educando
se familiarizar com uma questão ainda não existente. A tensão permanece, dado que uma
situação-problema se apresenta inesperadamente. Neste caso, seria o método de mobilização
de conhecimentos o foco do ensino por competências, não um conteúdo ou protocolos de
pensamento a serem ensinados.

7
RICARDO, Elio Carlos. Discussão acerca do ensino por competências: problemas e alternativas. Caderno
de Pesquisa. vol.40 no.140 São Paulo Maio/agosto, 2010. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742010000200015

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Em suma, desenvolver na escola um trabalho na abordagem das competências implica
considerar algumas questões:

 A relação dos professores com o saber modifica-se fundamentalmente, bem como sua
maneira de conduzir o trabalho pedagógico. Os conhecimentos deixam de ser
considerados fins em si mesmos e passam a ser tratados como recursos a serem
mobilizados;
 Situações-problema, projetos de trabalho e recursos variados de ensino passam a fazer
parte regular do trabalho pedagógico. O trabalha com situações-problema, por
exemplo, deve colocar o aluno diante de uma gama de decisões a serem tomadas para
alcançar um objetivo escolhido por ele mesmo ou lhe foi proposto, por exemplo,
entender a origem do universo, escrever uma peça de teatro, produzir um vídeo. A
situação-problema deve ser desafiadora o suficiente para levar o aluno a lançar mão de
seus conhecimentos disponíveis, bem como a questionar e a elaborar novas ideias, ou
seja, elas devem ser ao mesmo tempo mobilizadoras e orientadoras de aprendizados
específicos;
 O trabalho pedagógico se aproxima dos dilemas propostos por Lawrence Kohlberg e
seus seguidores. Moshe Blatt, sob orientação de L. Kohlberg, propôs uma técnica de
discussão de dilemas morais hipotéticos capaz de estimular a passagem para estágios
mais elevados de julgamento moral. Sua proposição se baseia em provocar conflitos
cognitivos, causando incertezas em relação à decisão a ser tomada frente a uma
situação-problema. Não se trata de treinamento, mas de escolhas conscientes não
padronizadas para resolução de problemas específicos;
 Trabalhar com competências ou situações-problema demanda a adoção de um 8
planejamento flexível, o desenvolvimento de um currículo mais integrado e uma prática
de avaliação formativa. A gestão da aula torna-se mais complexa, à medida que a
duração das atividades é de difícil previsão e padronização e as dinâmicas do grupo são
incertas;
 A abordagem por competências demanda uma negociação permanente entre professor
e alunos e destes entre si para a configuração dos projetos de trabalho;
 A avaliação de competências e situações-problema possui caráter formativo e passa
pela observação individualizada de uma prática relacionada a uma tarefa. É importante
o envolvimento dos alunos na avaliação de suas competências explicitando e discutindo
os objetivos e os critérios utilizados. Isso favorece a autoavaliação e a avaliação mútua.

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Inteligência emocional como competência a ser adquirida

O conceito de inteligência vem se alterando ao longo do tempo. Para Alfred Binet, criado dos
testes de inteligência (Quociente Intelectual), seria uma capacidade inata dos seres humanos.
No início do século XX, acreditava-se que a inteligência de um indivíduo se manteria ao longo da
sua vida, mantendo uma estrutura mental única.

Os estudos e pesquisas de Jean Piaget abalaram tal certeza. Para Piaget a inteligência não é inata
e seu desenvolvimento da estrutura mental e física que amadurece de acordo com sua interação
com o ambiente e as relações sociais com as quais nos defrontamos. Aprendemos quando
somos instigados e compreendemos os desafios postos. A interação gera estímulos que
resultam em estruturas cognitivas.

Já o psicólogo Lev Vygotsky – que durante toda sua vida se confrontou com a noção estanque
de Quociente Intelectual - sustentou que todo ser humano nasce com a habilidade de aprender
a aprender. Para o psicólogo russo, as condições dadas para o desenvolvimento da inteligência
são as experiências vivenciadas e as necessidades de adaptação inerentes a sua forma de viver,
a partir dos desafios postos em sua vida. Um estágio de inteligência é alçado a um nível mais
complexo na medida em que estímulos externos – mas adequados ao seu nível naquele
momento, ou seja, problemas que não se apresentam num nível muito mais complexo de difícil
compreensão – instigam o educando a agir de maneira distinta ao padrão atual. O estímulo
adequado é sugerido como uma zona de aprendizagem proximal, próxima, no caso, ao estágio
atual, mas que se vincula – ou dialoga – com um estágio mais avançado, potencial, de 9
inteligência.

O neurologista Howard Gardner, a partir dos anos 1980, desenvolveu pesquisas em Harvard
sobre inteligência humana e assim a define:

(...) implica na capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que são


importantes num determinado ambiente ou comunidade cultural. A capacidade de
resolver problemas permite à pessoa abordar uma situação em que um objetivo deve
ser atingido e localizar a solução adequada para esse objetivo8.

Ocorre, contudo, que para este autor o sistema nervoso humano não é um órgão com propósito
único, mas diferenciado e que diferentes centros neurais processem diferentes tipos de
informação e diferentes formas de processamento das informações. Assim, passou a questionar
a concepção tradicional de inteligência que destaca as habilidades linguísticas e lógicas-
matemáticas como essenciais para o desenvolvimento pleno dos indivíduos.

Gardner retoma a etimologia da palavra inteligência. Sua origem é o latim e é a soma de inter e
legere. “Inter” significa “entre” e o significado de “legere” é “escolher”. Uma pessoa inteligente
seria aquela que aprendeu a decidir, a solucionar um problema dado. Decidir apressadamente,
sem refletir ou a partir de um repertório de experiências muito diminuto (lembrando que
experiência é vivência refletida, apreendida, compreendida e processada) é agir com pouca
inteligência.

8
Ver GARDNER, H. Inteligências Múltiplas: a Teoria na Prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

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Gardner, a partir de um amplo programa de investigação, identificou inicialmente sete circuitos
inteligentes: o lógico-matemático, o linguístico, o espacial, o físico-cinestésico, o interpessoal, o
intrapessoal e o musical9. Mais adiante, o pesquisador e sua equipe incluíram mais duas
inteligências a este rol: a naturalista, que seria a capacidade humana de reconhecer objetos na
natureza e a sua relação com a vida humana, e a existencial, que está ligado ao entendimento
além do corpóreo, o transcendente, o entendimento sobre a vida, a morte, o universo
(inteligência dos místicos, dos religiosos).

A inteligência socioemocional, embora não tenha sido identificada por Gardner, teria relação
com as inteligências Interpessoal (habilidade para entender e responder adequadamente a
humores, temperamentos, motivações e desejos de outras pessoas) e intrapessoal (a
capacidade para formular uma imagem, precisa de si próprio e a habilidade para usar essa
imagem para funcionar de forma efetiva).

Aprofundemos esta relação entre habilidades emocionais e racionais que definem nossa relação
com outras pessoas e nosso autocontrole. Num mundo cada vez mais individualista, com altos
níveis de exigência de desempenho pessoal, o mal-estar pessoal e social é cada vez maior. O
grau de tensão e exigência criam um ambiente de profunda angústia entre adolescentes e

10
9
Lógica-matemática: organizado em padrões, ordenamento e sistematização. Por este sistema de
inteligência, exploramos relações, categorias e padrões. É a habilidade para lidar com séries de raciocínios,
para reconhecer problemas e resolvê-los.

Linguística: sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma especial percepção
das diferentes funções da linguagem. É a habilidade para usar a linguagem para convencer, agradar,
estimular ou transmitir ideias.

Espacial: capacidade para perceber o mundo visual e espacial de forma precisa. É a habilidade para
manipular formas ou objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais, criar tensão, equilíbrio e
composição, numa representação visual ou espacial.

Físico-cinestésica: habilidade para resolver problemas ou criar produtos por meio do uso de parte ou de
todo o corpo. É a habilidade para usar a coordenação grossa ou fina em esportes, artes cênicas ou
plásticas, no controle dos movimentos do corpo e na manipulação de objetos com destreza.

Interpessoal: habilidade para entender e responder adequadamente a humores, temperamentos,


motivações e desejos de outras pessoas. Em crianças pequenas é a habilidade para distinguir pessoas, e
na sua forma mais avançada, como a habilidade para perceber intenções e desejos de outras pessoas e
para reagir apropriadamente, a partir dessa percepção.

Intrapessoal: habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos sonhos e ideias, para discriminá-los e
lançar mão deles na solução de problemas pessoais. É o reconhecimento de habilidades, necessidades
desejos e inteligências próprias, a capacidade para formular uma imagem, precisa de si próprio e a
habilidade para usar essa imagem para funcionar de forma efetiva.

Musical: habilidade para apreciar, compor ou reproduzir uma peça musical. Inclui discriminação de sons,
habilidade para perceber temas musicais, sensibilidade para ritmos, texturas e timbre, e habilidade para
produzir e/ou reproduzir música.

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jovens. Calcula-se que, hoje, 20% dos jovens se automutilam em busca de alívio ao sofrimento
emocional10.

Daniel Goleman se destacou como o autor que procurou disseminar estudos que indicavam a
necessidade de desenvolvimento de nossa inteligência emocional11. Este autor nos revela o
papel das emoções na tomada de decisão humana. Todas emoções, sugere, são impulsos para
uma ação imediata. Ilustra:

Na raiva, o sangue flui para as mãos, tornando mais fácil sacar uma arma ou golpear um
inimigo (...); no medo, o sangue corre para os músculos do esqueleto, como os das
pernas, facilitando a fuga; (...) a sensação de felicidade causa uma das principais
alterações biológicas; a atividade cerebral é incrementada, o que inibe sentimentos
negativos (...); o amor, os sentimentos de afeição e a satisfação sexual implicam
estimulação parassimpática; (...) o erguer das sobrancelhas, na surpresa, proporciona
uma varredura visual mais ampla, e também mais luz na retina (...); uma das principais
funções da tristeza é a de propiciar um ajustamento a uma grande perda, como a morte
de alguém ou uma decepção significativa; a tristeza acarreta uma perda de energia e de
entusiasmo pelas atividades da vida, em particular por diversões e prazeres. (...)12

Como se percebe, existe uma memória afetiva que nos leva a reagir de determinada forma a um
estímulo externo. A sugestão de Goleman é pensarmos que temos duas inteligências ou duas
mentes que se complementam e dialogam entre si: a mente racional e a mente emocional. Uma
raciocina (mais lentamente) e a outra sente (mais rapidamente).

O equilíbrio entre as duas mentes se dá pela informação emocional que alimenta e informa as
operações da mente racional. Um sentimento mais intenso desperta a dominação da mente
11
emocional; uma situação que exige uma resposta mais intelectualiza, desperta a dominação da
mente racional.

Mas, como se dá o equilíbrio entre as duas mentes em termos neurológicos?

O desenvolvimento dos mamíferos levou ao surgimento de várias camadas do cérebro


emocional (inicialmente, nos estágios mais rudimentares, focado no olfato) criando o sistema
denominado de límbico (de “limbus”, que significa orla). Ansiedade e fúria, paixão e pavor
passaram a ser acionados por este sistema. O sistema límbico foi se aperfeiçoando e
desenvolveu a memória e a aprendizagem. Pelo olfato, se aprendeu que determinados odores
causavam doença, por exemplo, vinculando o bulbo olfativo ao sistema límbico.

Mas, há 100 milhões de anos, o cérebro dos mamíferos deu lugar a uma nova camada de células
cerebrais, o neocórtex. Goleman o qualifica como “a sede do pensamento”. Se o sistema límbico
alimenta as paixões, o neocórtex criam o amor maternal e familiar que sustentam compromissos
no interior da espécie.

Qual o lugar das paixões? Um feixe de estruturas interligadas em forma de amêndoa, as


amígdalas (do grego, amêndoa). Temos amídalas de cada lado do cérebro, especialistas em

10
Ver ARATANGY, Eduardo Wagner (org.) Como lidar com a automutilação. São Paulo: Hogrefe, 2017, pp.
20-22.
11
Ver GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
12
Idem, ibidem, pp. 20-21.

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atividades emocionais. Sem sua ação, as relações interpessoais se pasteurizam, perdem clareza
e sentido. O ser humano, sem as amídalas, não consegue discernir sentimentos ou ter
sentimentos sobre sentimentos, como sugere Goleman.

Numa situação de perigo, as amígdalas “escaneiam” todas experiências por nós experimentadas
de maneira a fazer uma aproximação rápida do grau de problema que temos que enfrentar.
Feita a “leitura das experiências similares”, tomamos uma atitude quase instantânea. Disparam
um alarme. O que é importante compreender é que os sinais sensoriais do olho ou ouvido
chegam mais rapidamente à amígdala e, somente depois, ao neocórtex, de tal maneira que a
mente emocional responde antes da mente racional.

À rota de emergência utilizada pelas amígdalas segue-se à reação mais refinada formulada pelo
neocórtex. De maneira que numa fração de segundo, podemos decidir se aceitamos ou não algo
que nos ocorre sem compreender conscientemente.

Citando o pesquisador LeDoux, Daniel Goleman sintetiza: “o hipocampo13 é crucial no


reconhecimento do rosto de sua sobrinha. Mas é a amígdala que diz que você a detesta”.

O problema é que nem sempre a memória da experiência afetiva – que dispara o alarme – está
relacionado com uma situação inédita, passível de comparar com o já experimentado. Esta
imprecisão pode se relacionar com uma situação ocorrida nos primeiros anos de vida que tenha
gerado uma “lição” sobre determinada ocorrência e que não se ajusta a uma situação próxima
que ocorre na vida adulta. As células, portanto, são rápidas, mas podem não ser precisas, devido
à “emoção precognitiva” ou reações baseadas em fragmentos de informação sensorial que não
foram totalmente integrados num objeto reconhecível14.
12
O administrador das emoções – ou o freio emocional – são os lobos pré-frontais, localizados
atrás da testa. Controlam o sentimento e produzem uma resposta mais analítica, modulando a
amígdala.

Pode parecer que os lobos pré-frontais são mais necessários para a tomada de decisão. Nem
tanto. Pessoas que perderam acesso ao que foi aprendido emocionalmente tomam decisões
desastrosas ou podem se tornar obsessivas sobre decisões simples. Divorciados da memória
emocional, as decisões racionais não se vinculam à experiência passada, não despertando mais
afetividade ou empatia. Muitos neurologistas sustentam, assim, que os sentimentos se
apresentam como indispensáveis nas decisões racionais, orientando-as15.

13
Hipocampo é a estrutura localizada nos lobos temporais do cérebro humano, considerada a principal
sede da memória, componente do sistema límbico.
14
GOLEMAN, Daniel, op. Cit., p. 37.
15
Ver DAMÁSIO, António. O Erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996. Este neurologista, chefe do departamento de neurologia da faculdade de medicina da
Universidade de Iowa, EUA, sustenta que “as emoções e sentimentos podem não ser de todo intrusos no
bastião da razão, podendo encontrar-se, pelo contrário, enredados nas suas teias” (p. 12) e que “a razão
humana depende não de um único centro cerebral, mas de vários sistemas cerebrais que funcionam de
forma concertada ao longo de muitos níveis de organização neuronal” onde “os níveis mais baixos do
edifício neurológico da razão são os mesmos que regulam o processamento das emoções e dos
sentimentos” (p. 13).

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Chegamos, assim, a noção da conexão essencial entre tomada de decisão racional e emocional.
É justamente aqui que floresce a sugestão de práticas educativas socioemocionais.

Trata-se do desenvolvimento do autocontrole das emoções, mas também de competências e


habilidades sociais, como sugerem Zilda Aparecida Pereira Del Prette e Almir Del Prette16. Trata-
se de um repertório comportamental pessoal que define a convivência social. Algo que nos
remete à inteligência interpessoal formulada por Howard Gardner: habilidade para entender e
responder adequadamente a humores, temperamentos, motivações e desejos de outras
pessoas, habilidade para perceber intenções e desejos de outras pessoas e para reagir
apropriadamente, a partir dessa percepção.

Atualmente, governos, empresas e sociedade civil, universidades, pesquisadores e organizações


internacionais, tais como as agências das Nações Unidas e a OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico) têm dirigido esforços para a construção das bases
do que denominaram Educação para o Século 21. Nesta perspectiva uma educação para o século
21 se daria a partir da promoção e avaliação de competências que combinem tanto as questões
cognitivas quanto as questões socioemocionais do aprendizado.

Remete, ainda, ao Relatório da UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o


Século 21 que foi organizado por Jacques Delors, organizada nos “quatro pilares da educação”,
em especial, o aprender a conviver17.

Muitos educadores e redes de ensino apresentaram dez habilidades essenciais para o


desenvolvimento da inteligência socioemocional e amplamente disseminada nas redes sociais18.
As habilidades são apresentadas como um conjunto de temas orientados para o convívio formal,
não exatamente capacidades formuladas para resolver situações-problemas que se apresentam
13
na vida cotidiana. Em outras palavras, o método de construção é substituído por um índex
comportamental.

As dez habilidades sugeridas são: empatia, felicidade, autoestima, ética, paciência,


autoconhecimento, confiança, responsabilidade, autonomia e criatividade. É perceptível a
natureza distinta de cada uma dessas habilidades, sendo algumas relacionadas à capacidade de
autocontrole ou estado de espírito, outras, mais complexas, vinculadas à uma compreensão
filosófica sobre a espécie humana (caso de ética). Tais habilidades se desenvolvem em estágios
do desenvolvimento humano.

Empatia exige a superação da fase egocêntrica e ética trata de uma reflexão complexa que
supera a simples observação de regras de conduta ou valores ou crenças que definem um
comportamento correto.

16
Ver DEL PRETTE, Zilda Aparecida Pereira & DEL PRETTE, Almir. Um sistema de categorias de habilidades
sociais educativas. Paidéia, 2008, 18(41), 517-530. Disponível em
http://www.scielo.br/pdf/paideia/v18n41/v18n41a08
17
Ver Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre
Educação para o século XXI. Brasília/São Paulo: UNESCO/MEC/Cortez. Disponível em
http://dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_unesco_educ_tesouro_descobrir.pdf .
18
Caso da matéria intitulada “A escola e o seu papel no desenvolvimento das competências
socioemocionais”, apresentada pelo site Diário Escola. Disponível em
https://diarioescola.com.br/competencias-socioemocionais/ .

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A emergência e urgência de como se apresentaram os temas das competências e habilidades na
educação e sua transposição para a educação socioemocional reduziram, em muitos casos, o
rigor necessário para formulação de concepções curriculares e práticas educativas.

Terminamos esta provocação inicial neste curso com a apresentação da teoria dos níveis de
desenvolvimento moral proposto pelo psicólogo norte-americano Lawrence Kohlberg (1927-
1987), inspirado nas teorias de Piaget19. O objetivo aqui é sugerir que a formulação de uma
proposta curricular ou de práticas educativas relacionadas à inteligência socioemocional deve
necessariamente se orientar pelas fases de desenvolvimento humano e não pela prescrição de
currículo ou índex de temas que pretensamente sugerem estímulos comportamentais. Como
sugeria Kohlberg, a moral não é inata, mas também não se reduz à adesão a normas externas,
elaboradas sem a seu entendimento, mas fruto do processo de socialização, amadurecendo em
fases diferentes para pessoas distintas. Por este motivo que Kohlberg sugeria a adoção de
dilemas morais como estímulos ao processo de amadurecimento moral dos educandos.

Vejamos os níveis de desenvolvimento moral sugeridos por este autor, cada um dos três níveis
estruturados em estágios específicos:

NÍVEL 1. NÍVEL PRÉ-MORAL OU MORALIDADE PRÉ-CONVENCIONAL

Estágio 1. Obediência e punição. As consequências das ações determinam o certo e o


errado

Estágio 2. Hedonismo instrumental ingênuo. O individualismo e a transação passam a


serem consideradas. No caso de Heinz, as crianças davam opções que reconheciam os
interesses e necessidades diversos. 14
NÍVEL 2. NÍVEL DE MORALIDADE CONVENCIONAL OU DA CONFORMIDADE COM OS PAPÉIS
SOCIAIS

Estágio 3. Relações interpessoais. O ideal de “bom garoto”, ou seja, o que agrada aos
outros é bom.

Estágio 4. Autoridade mantém a ordem social. Atitude deondológica, cumprir os


deveres.

NÍVEL 3. MORALIDADE PÓS CONVENCIONAL OU DA ACEITAÇÃO DOS PRINCÍPIOS MORAIS.

Estágio 5. Contrato social. Acordos democraticamente alcançados sobre valores são


bons, cabendo ao indivíduo determinar o certo e o errado dentro dos parâmetros desses
valores.

19
Ver BATAGLIA, P. U. R.; Morais, A; & Lepre, R. M. (2010). A teoria de Kohlberg sobre o desenvolvimento
do raciocínio moral e os instrumentos de avaliação de juízo e competência moral em uso no Brasil. Estudos
de Psicologia; 15(1); 25-32; ESPÍNDOLA, M. Z. B. L. & LYRA, V. B. (2005). O desenvolvimento moral em
Lawrence Kohlberg: uma revisão. Humanidades em Foco, 6:3; RAVELLA, G. J. R. (2010). O pensamento
moral em jovens: o juízo moral em Lawrence Kohlberg. [dissertação de mestrado]. Coimbra: Universidade
de Coimbra.

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Estágio 6. Princípios universais. Os princípios de justiça e ética são parte da consciência,
sendo questões de escolhas individuais dentro de princípios axiológicos universais,
mesmo que contra as leis e regras socialmente estabelecidas.

O desenvolvimento moral, para Kohlberg, não era alcançado por todas pessoas, nem todos
progrediam por todos estágios. Os níveis básicos, de respeito às regras por temor à punição,
foram observados entre presos de alta periculosidade. O último nível (Estágio 6), para este
autor, exigia um grau de desprendimento e empatia tão elevados que somente algumas
personalidades o teriam alcançado, caso de Gandhi, Thoureau e Martin Luther King.

Todos, contudo, temos capacidade para alcançar os seis estágios, desde que resultem em
estímulos cognitivos adequados, que respeitem os progressos de cada fase de desenvolvimento
humano e que se compreenda, reforçamos, que não se trata de uma adesão passiva a um
repertório de comportamento definido como adequado por uma elaboração heterônoma,
imposta por vontade de outrem.

15

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PARA SABER MAIS

Portal Porvir
 http://porvir.org/especiais/socioemocionais/ - Como a aprendizagem socioemocional
entra no Século XXI.
 http://educacaosec21.org.br/wp-content/uploads/2013/07/desenvolvimento-
socioemocional-e-aprendizado-escolar.pdf - Desenvolvimento socioemocional e
aprendizado escolar

Portal MEC
 http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=158
91-habilidades-socioemocionais-produto-1-pdf&Itemid=30192 – Desenvolvimento das
habilidades socioemocionais

Fundação Telefônica:
 http://fundacaotelefonica.org.br/wp-content/uploads/pdfs/GELP/HABILIDADES-
SOCIOEMOCIONAIS-QUEST%C3%95ES-CONCEITUAIS-E-PR%C3%81TICAS.pdf – Quais
competências emocionais são importantes?

Rede de Experiências
 https://www.rededeexperiencias.com.br/em-familia/5-competencias-
socioemocionais-que-irao-ajudar-seus-filhos-em-casa-e-na-escola - 5 competências
socioemocionais que irão ajudar seus filhos em casa e na escola (Big Five)
16
Vídeos
 Habilidades socioemocionais e Método FRIENDS
https://www.youtube.com/watch?v=0jxJ987-zHE
 O que são as competências socioemocionais - Anita Abed
https://www.youtube.com/watch?v=f1HVsfG3bcM
 Especial Competências Socioemocionais - Presença na vida do aluno
https://www.youtube.com/watch?v=gH5Jf42_pD0
 INTELIGÊNCIA EMOCIONAL De DANIEL GOLEMAN Resumo Animado Resenha
https://www.youtube.com/watch?v=pnw3XqDAV9c
 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO MORAL EM LAWRENCE KOHLBERG:
https://www.youtube.com/watch?v=H6F68ym1em8&feature=emb_title

Textos em PDF
 file:///C:/Users/casa/Downloads/compet%C3%AAncias%20socioemocionais-
fator%20chave.pdf – Competências Socioemocionais: Fator Chave para o Trabalho.
 file:///C:/Users/casa/Downloads/COMPET%C3%8ANCIAS-
SOCIOEMOCIONAIS_MATERIAL-DE-DISCUSS%C3%83O_IAS_v2.pdf – Competências
Socioemocionais: Material de Discussão.
 file:///C:/Users/casa/Downloads/Dialnet-
DoTecerAoRemendarOsFiosDaCompetenciaSocioemocional-3398255.pdf - Tecer e
Remendar os Fios das Competências Socioemocionais.

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Referências

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2017, pp. 20-22.

BARDUCHI, Ana Lucia & CINTRA, Josiane. Empregabilidade: competências pessoais e


profissionais. Disponível em https://www.rhportal.com.br/artigos-rh/empregabilidade-
competncias-pessoais-e-profissionais/ . Visualizado em novembro de 2019.

BATAGLIA, P. U. R.; Morais, A; & Lepre, R. M. (2010). A teoria de Kohlberg sobre o


desenvolvimento do raciocínio moral e os instrumentos de avaliação de juízo e competência
moral em uso no Brasil. Estudos de Psicologia; 15(1); 25-32

BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº


9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, 23 de dezembro de 1996.

CARVALHO, J. S., MARQUES-PINTO, A., & MARÔCO, J. (2016). Adaptação e avaliação do


MindUp um programa de competências socioemocionais através de práticas de
mindfulness, no 1º ciclo do ensino básico. In A. Marques-Pinto, &R. Raimundo (Eds.),
Avaliação e promoção de competências socioemocionais em Portugal (pp. 291-320).
Lisboa: Coisas de Ler.

COELHO, V. A., SOUSA, V., & MARCHANTE, M. (2016). “Atitude Positiva”: Um resumo de 12
17
anos de resultados de aplicação de programas de aprendizagem socioemocional. In A.
Marques-Pinto, &R. Raimundo (Eds.), Avaliação e promoção de competências
socioemocionais em Portugal (pp. 373-398). Lisboa: Coisas de Ler.
DAMÁSIO, António. O Erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.

Ver DAVOK, Delsi Fries. Qualidade em educação. Revista da Avaliação da Educação Superior
(Campinas), vol.12 no.3 Sorocaba Sept. 2007. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-40772007000300007

DEL PRETTE, Zilda Aparecida Pereira & DEL PRETTE, Almir. Um sistema de categorias de
habilidades sociais educativas. Paidéia, 2008, 18(41), 517-530. Disponível em
http://www.scielo.br/pdf/paideia/v18n41/v18n41a08

DOLZ, Joaquim & Edmée Ollagnier (e colaboradores). O Enigma da Competência.


Trad.Cláudia Schilling. Porto Alegre: Artmed, 2004.
Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional
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EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA GLOBAL: PREPARANDO ALUNOS PARA OS DESAFIOS DO
SÉCULO XXI. Brasília, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura, UNESCO, 2015. Acesso em 24-03-18

ENEM. Exame Nacional do Ensino Médio. Apresenta o documento básico do exame.


Desenvolvimento pelo INEP. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/enem>
ESPÍNDOLA, M. Z. B. L. & LYRA, V. B. (2005). O desenvolvimento moral em Lawrence
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FAGALI, Eloísa Q. (org.). Múltiplas faces do aprender: novos paradigmas da Pós


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FERNÀNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

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PERRENOUD, Philippe, Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas,
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RICARDO, Elio Carlos. Discussão acerca do ensino por competências: problemas e


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em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742010000200015

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