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VASCO DA GAMA
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DESCOBRIMENTO DA HIA
cm 1 prologo e 5 actos
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VASCO DA GAMA
OU O
DESCOBRIMENTO DA DIA
Drama Histórico -çliautastico
em 1 prologo e 5 actos
POR
1870
HARVARD'
UNIVÉRSltV
LIBPARY ,
4UG 28 1974 /
B.l.
2lo «r.-Sr. Jítarqiuj tellija
ACTUAL REPRESENTANTE DO PRECLARO
O ACTIIOR
Vasco da Gama
Fr. Christovão Soares (freire de ChristoJ
Diogo Dias (escrivão)
Pedro d'Alemquer (piloto)
Álvaro de Braga (escrivão da feitoria)
Fernão Martins (lingoa)
Molemo-Caná (lingoa) 1
Gonzaga (dispenseiro da caravella S. Gabriel) \
Francisco (pagem) 2
Maria 2
Vicente
Veloso }- soldados
Leonardo )
Lobo-Marinho
Ecula > marinhei,™
Cabo do Espichel
Rodrigues (degradado)
ILHA CYTHEREA
SCENA I
Choro
Provada fidelidade
Tem por timbre, e por brasão:
Na guerra heroe valente.
Na paz branda condição.
2
QUADRO II
(Mutação rapida)
SGENA I
Choro
Júpiter (a Venus)
Que move, oh filha minha! esse cuidado
Que te enuvia assim teu bello rosto,
Subleva-te esse peito angustiado
Qual se morta tiveras de disgosto"?
Dise. derrama, neste peito amado,
XX
Isso em que tens o teu cuidado posto,
Que fio meu cuidado peregrino
Em serenar-tc o espirito divino
Venus (a Júpiter)
Ha pouco o disse, Padre! . . . Baccho injusto
Atroz persegue a lusitana gente;
E porque nella nunca coube o susto
Fera guerra lhe move, e inclemente;
Lá vae mares a fora, bem a custo
Em p'rigo de falhar a empresa ardente,
Pois que a frota p'las ondas combatida
Dispersa está, parece já perdida!
Baccho (levantando-se)
Ouvido tinha aos Fados que viria
Uma gente fortissima de Hespanha,
Pelo mar alto, a qual sujeitaria
Da índia tudo quanto Doris banha.
E por novas victorias venceria .
A fama antiga, ou sua, ou fosse estranha. . .
Altamente me doe perder a gloria.
De que Nisa celebra inda a memoria.
Choro final
CAE O PANNO
PROLOGO
-.
A ILHA GYHIIRli
Vista d'esta ilha, a predilecta de Venus. O panno de fundo
deve representar o conjunto da ilha, basta de arvore
dos; grutas, cascatas, estatuas; lendo no fundo mais
longiquo, o templo, habitação da deosa.
SCENA I
Venus
É a hora do concilio dos deuses . . . Cumpra-se o
que disponho. (Despede-se de Gliceris, e parte no
carro com Cupido.)
SCENA II
Ephyra
A deusa vae ao concilio?
Gliceris
Sim ... foi ella propria que o provocou . . . Grande
eommettimento de certo é o seu; mas para o conse
guir carece empregar a força de seus divinaes en
cantos, e o artificio do seu seductor discurso.
Clymene
Que intenta, pois?
Gliceris
Commover Jove, o pae dos deuses, em favor de
um povo que ama, e de uma nação briosa que segue
o impulso das suas leis.
Nise
Tenho notado que a Deusa anda ha tempos preoc-
cupada; mas pelo que ouço a Gliceris, então a Gre
cia, o Lacio, o orbe inteiro ergueram de novo os
nossos altares?
Gliceris
Não; mas a religião que essa nação professa, sim
plicissima, pura, e santa, está despida da idolatria
das paixões que se personificaram nos deuses da gen
31
tilidade; porem no profundo estudo do coração hu
mano descobriram que nós, as divindades antigas,
eramos um mytho, deificado para os rudes povos, e
em nossas alegorias unicamente os sacerdotes da
sciencia sabiam decifrar a cosmogonia do universo.
NlSE
E protege a deusa esse povo que não rende a ella
culto publico—a ella, que é a deusa do universo?
Gliceris
Contenta- lhe o culto interno . . . satisfaz-lhe a ado
ração no intimo do peito . . . Quando a alma se en
contra presa nas cadeias do amor, n'essa alma tem
Venus um altar, erguido voluntariamente, o que vale
muito mais que o culto exterior, imposto pela cons
tituição dos imperios. Aquelle, por voluntario, er-
gue-se suave, meigo, intimo, perfumado nas azas da
oração ingenua e candida, até ás sublimes regiões
onde demora a divindade; — este, o decretado, é
mentido no rosto, e na compostura que muitos affe-
ctam: não passa dos labios; e as phrases que a bocca
murmura, pois que não saem do coração, não sobem
á estancia divina—perdem-se nas quebradas dos
montes; dissolvem-se nas camadas da atmosphera!
(Ouve-se o som de calamos e pandeiros.)
Ephika
Que desaccordo?!
NlSE
Que inferneira?!
Gliceris
São os deuses sylvestres que acompanharam Bac-
eho ao Olympo.
3á
SCEiNA III
SlLENO
Sileno (interrompendo)
Por uma via até agora ignota . . .
Pan
Calla-te ahi borraxão . . .
Sileno
Ah! sim ... a cousa é isso! . . . então vou-me dei
tar. . . coserei assim dois almudes que me estão a
ferver na caldeira, porque foram tirados mesmo pu-
rinhos de cima da borra. (Quer levar comsigo uma
nympha que o repelle; e elle encolhendo os hombros
vae deitar-se á sombra d'uma arvore.)
Pan (continuando)
Gomo ia dizendo, bellas nymphas; trata-se de por
em communicação, por uma via até agora ignota, os
oppostos extremos da diurna peregrinação de Apollo
desde que o. astro do dia, abrindo aos mortaes as le
targicas palpebras cerradas pelo encantamento das
papoulas de Morpbeo, se desprende dos braços da
Aurora, para, ao aparecimento de Diana, se reclinar
nos braços de Thetis.
Cllmene
E quem hade levar esse projecto a effeito?
Sileno (levantando meio corpo, e tartamudeando)
Ora a pergunta tem bem de responder. . . a Al-
bion, a quem o tio Baccho dnrá forças e mais eu.
Pan
Calla-te dahi, ou afogo-te.
Sileno
Em vinho?. . . anda depressa.
Nise
Sim; quem é que tem esse projecto?
3
34
Pan
Os lusitanos; os portuguezes:
Ephira
Não percebo.
Gliceris
Vou explicar tudo. Morto o rei portuguez D. João,
segundo de nome, já tão glorioso pelas suas desco
bertas maritimas, foi succedido no throno pelo actual
monarcha D. Manoel, que não menos glorioso que o
seu antepassado hade deixar nome na historia uni
versal, apellidando-se o Afortunado! . . . N'este in
cessante pensamento mandou aprestar uma frota
para o descobrimento das índias; e mares fora vae
ella vogar, com o seu capitão Vasco da Gama. i
SlLENO
Ah!. . . agora dei no vinte. . . Tio Baccho que
tem o privilegio de embebedar os indios, está em
convulsões de perdêl-o ás mãos dos portugueses...
Por isso tambem elle foi ao concilio! . . . verdade é
que quem o seu não vê, o diabo lh'o leva. ( Ouvem-
se trovões.)
Pan
NlSE
Companheiras! vou espreitar o que, se passa no
Olympo, para vir contal-o.
Climene
A curiosa!
NlSE
Diz a caldeira á certãa, tire-te lá, não me enfar
rusques.. . . Tu é que querias ir?
Climene
Eu!
Nise (para Ephira)
Tu?
Ephira
Eu!
Nise (para Chloris)
Tu?
Chloris
Eu!
Nise (para as outras nymphas)
As senhoras?!
Todas (a uma voz)
Nós?!...
Nise
SCENA IV
Sileno (remexendo-se)
Que diabo d'isto é aquillo?!. . . (levanta-se sobre
um cotovello, e escuta) Provavelmente é Vulcano,
que está trabalhando na forja.
Gliceris
Não . . . é a frota portuguesa que levanta ferro
no Tejo.
Pan
Arrojada empresa! . . . Fazer a volta do mundo,
não é para forças humanas.
Gliceris
Hade sel-o, que ao povo portuguez servem os es
torvos unicamente a incender-lhe os brios. Os impos
siveis são estimulo a mostrarem que os não conhece.
(ouve-se um vosear confuso e longiquo)
Sileno (levantando meio corpo, e applicando o ou-
do ao tablado)
Torno a repetir , e affirmo com um milhão de
diabos (dando punhadas no tablado) que é Vulca
no que está trabalhando na forja, e provavelmente
descobriu alguma arma de novo gosto para dar ca
bo da triste humanidade. . . Será bombarda de
agulha!?
Gliceris
Esse rumor confuso que, de tantas mil legoas che
ga a esta ilha, são as saudações enthusiasticas com
que o povo lusitano, apinhado na praia do Rostel-
37
Provada fidelidade
Tem por timbre, e por brasão:
Na guerra heroe valente,
Na paz branda condição.
SlLENO
Ah! . . . isso vae assim! . . . E' tudo Venus, e os
lusitanos!. . . pois eu lhes vou mostrar se Baccho, e
as índias são barro (levantem do-se). . . Para aqui.
faunos e satyros! . . . temos tempo para a bambocha,
emquanto os deuses da Gamara alta estão discutin
do projectos de agoa morna. . . Vamos a isto.
38
SCENAV
Nise (cantando)
Jove potente,
Justiça fez,
Pois que protege
O porluguez.
39
Na lide honrosa
Venus venceu:
Astuto Baccho
Tudo perdeu.
Na lide honrosa,
. Venus venceu;
Astuto Baccho
Tudo perdeu
Jove potente
Justiça fez,
Pois que proteje
O portuguez.
SlLENO
Que devorisla!
Nise (continuando)
E Mercurio.
Sileno
Que empalmador!
Clymene
A mesa tinha secretarios?
Nise
Secretarias, se faz favor.
Pan
Era mesa mixta!
Ephyba
As secretarias?
Nise
A primeira Latona.
Pan
Que chorona!
Nise (continuando)
A segunda Ceres
Pan
Ih! como havia cortar! ... se ella aprendeu a cei
feira! . . . Ora vá a gente dar credito a uma assem-
bléa deliberativa, ainda mesmo composta de deoses
da primeira ordem! ... Se tambem os immortaes
fasem d'estas!H . . . Vou beber duas pipas de vinho,
e por- me á testa duma revolta. . . Bota abaixo os
deuses—de primeira ordem, se entende. . . para go
vernar o mundo bastam os adventicios, graduados
em segunda ordem, que já são bastos; vamos lá. Em
quanto ás assembléas, catrapuz com ellas. . . Eu cá
sou assim: corto logo o mal pela raiz. . . Qh, minha
42
Choro
faunos e satyros
Nymphas
Faunos
Nimphas
Repete-se
Faunos
Nymphas
Nymphas
Ensenble
Faunos .. s Nymphas
Cantamos victoria; I V Não louvem a gloria
Cantamos sim, sim; \ ) Por ora inda assim;
Recolhe-se a gloria í j Se canta a victoria
Somente no fim. ) ' Sómente no fim.
Ensemble
Nymphas -s r Faunos
Vencemos, vencemos, j 1 Perdemos.... perdemos,
Qual era de ser; \ ) Não devia ser;
Por nós a justiça í ) A nossa justiça
Devia vencer. J f Devia vencer.
48
Gliceris (continuando)
Saude-se o genio que neste momento vae buscar a
perola indiana, gerada na concha que serve de carro
á Aurora, para a engastar fulgente e rutilante na coroa
d'esta excelsa monarchia! (desapparece o sol, eé subs
tituído pelo retrato de Vasco da Gama, n'um circulo
de gloria) Ao genio e valor daquelle heroe iguala o
genio e valor de cada um dos membros d'esta gloriosa
nação, o elogio dos quaes unicamente está cifrado
numa singella, mas eloquente phrase: «São portugue-
zes; e portuguezes só querem morrer! » (Desce opanno)
FIM DO PROLOGO
ACTO PRIMEIRO
QUADRO I
CARAVELLA S. GABRIEL
SCENA I
Lobo-Marinho
Por S. Nicoláo, que é o mestre da manobra cá dos
mareantes, esta procura das índias é uma maginação
do diabo!
Enguia
Mas donde veiu a S. Alteza, o sr. D. Manoel, ter as
sim a cabeça a léste?!
Bitacula
É para uma pessoa andar a tres quartos de éste-nor-
oeste, e sempre com a borda debaixo de agoa. Diz-se
52
que El-Rei teve a imaginação de um sonho em Estre
moz, no qual viu duas agrestes montanhas, que mos
travam nunca ter dado rumo a pés de homem, desde
que Adão peccou; e que d'estas montanhas nasciam
dois rios, que lá na bolla de Sua Altesa, que decerto
nessa occasião estava sem atemento nem substancia,
se lhe transformaram em dois velhos de barbas com
pridas, os cabellos a escorrer agoa, e a farpella enchar
cada. Vieram os taes macacos de tope grande, que
eram famosos palreadores do arco da gavea, dizer a
Sua Altesa que eram o Ganges e o Indo, que tinham
seu nascimento no imperio celeste, e lhe acenava com
muita terra, e riquissimos tributos, como uma batel-
lada de bagunxo e parne, que era ir pelo portaló fora,
se acaso Sua Altesa mandasse pelo mar largo a des-
cobril-os por davante do cabo das correntes. . .
Lobo-Marinho
Atravessa ahi. Não foi nesse cabo que Bartolomeu
Dias fez termo de arribação, quando veiu a esta via
gem por mandado do sr. Infante D. .Henrique, que
Deus haja?
Bitacula
É como diz; e até eu vim n'essa companha. A qua
renta e tantas legoas do ilheo, a que se poz nome de
Santa Cruz, está esse cabo das correntes, que não
poude dobrar; o que sómente é possivel com monção
favoravel, porque soprando o vento norte, as caravel-
las são impellidas para a costa, e não ha outra passa
gem para a índia.
Enguia
Esse cabo e o das Tormentas são o fim do mundo...
ora no fim do mundo pode haver terras?
53
BlTACULA
E se a houvesse leria este fidalgote da corte bar
bas a puxar até arrebentar cada páo com sua véla,
melhor que Bartholomeu Dias, que era um bom mes
tre de mareação?
Lobo -Marinho
Se desarvóra a galé,
Ao governo não cedendo,
Vê o p'rigo a rosto enxuto,
Negra sina não temendo! . . .
Trabalha com vivo ardor,
Força mortal excedendo:
Mas se a manobra é baldada,
A pique vae o baixel,
Busca na vaga infiel
Brava morte, com valor!
Bitacula
Lobo-Marinho
"\
50
Lobo-MarinhO
Damor esp'ranças,
Lá nesssa praia,
Que a bella estrella
Alíim nos raia!
Damor esprança
Hade sahir,
Pois em bonança
Vejo-a luzir!
Estrella dalva,
Bem confirmada
Esperanças dá
Duma alvorada.
Choro
Lobo-Marinho
Damor espVança
60
Vejo sorrir
Ao marinheiro.
No seu porvir!
A nuvem foge. . .
Já, sem temer,
Damor esp'rança
Podemos ter!
E do baixel
N'este singrar
Nos leva amor
Bem a abordar!
Oh! marinheiro!
Não tremas, não;
Em terra tens
Teu coração.
Choro
Oh! marinheiro!
Não tremas, não;
Em terra tens
Teu coração.
( Ouve-se uma voz de cominando dada por porta
voz, e a marinhagem corre á proa.
SCENA IV
Francisco, pagem, e Vicente, sentinella
Francisco (pensativo e suspirando)
Que vida a minha! (torna a cahir absorto em suas
meditações )
61
Vicente (girando no tombadilho de popa)
Francisco (suspirando)
Que vida a minha!
Vicente
Este rapaz deixou namorada lá em Lisboa! ...
coitado . . . Ahi vou sêr rendido na sentinella.
SCENA V
Francisco e Leonardo
E arrependes-te?
Francisco
Não ... Em Lisboa jurei-te, no dia em que tro
cámos as primeiras fallas de amor, ser sempre tua,
e por toda a vida ... Eu, pobre engeitada, que só
encontrei em tua mãe as caricias que devia receber
d'aquella que me deu o ser, e barbaramente demit-
tiu de si os deveres sagrados que a natureza lbe im
punha, apenas comecei a balbuciar as primeiras pa
lavras, n'ellas aprendi com o teu nome a soletrar
amor, apellidando a tua de minha mãe . . . Mãe! que
nome tão docel . . . é o som desferido na harpa de
anjos! ... A ti, chamava-te meu irmão . . . Irmão!
parece-me o ciciar do Zefiro beijando meigo as flo-
rinhas do prado! . . . Ah! (apertando-lhe a mão)
Como de pequenina já te amava.
Leonardo
Eras a minha querida irmãsinha. . . Nos meus
brinquedos de creança alegria não tinha se nelles
não tomavas tambem parte.
Francisco
E verdade. . . Ao diante, o amor da creança
transformou-se no amor da mulher; e deleitava-me
a alma a doce esperança de em breve ser tua á face
dos altares, quando esta expedição da índia, cortou
as azas em que o anjo da minha felicidade voava
G4
SCENA VI
Gonzaga, e os ditos
SCENA VII
SCENA VIII
QUADRO II
CARAVELLA S. GABRIEL
SCENA I ,
Leonardo
E vieram com os commandantes das outras tres
vellas, os escrivães João de Sá, da S. Raphael; Al
varo de Braga, da Berrio; e Nuno, da nau.
Pedro de Alemquer
E havia, segundo se diz, combinação com as ou
tras guarnições da frota . . . Não se sabe por quem
foi tudo denunciado ao sr. Vasco da Gama.
Gonzaga (áparte)
Eu o sei.
Pedro de Alemquer
Mas prevenidos hontem os capitães, traças por tal
7o
SCENA II
SCENA ffl
-"V
77
Francisco e Leonardo
Francisco
Vejamos a sua inspiração, sr. poeta.
Leonardo
Agradece-a aos teus encantos. Eil-a:
O composto de Marilia
Forma um mixto divinal,
Qual em toda a naturesa
Não se pode achar igual:
Reune a essencia das flores;
Do íris os resplendores:
Francisco
Bravo, sr. poeta! . . . tenho a felicital-o pelo gosto
da sua poesia, e ao mesmo tempo muita pena sinto, em
lhe dizer, pelo que respeita ao retrato, que está muito
favorecido. . . Um rosto, qual o meu, é facil de depa
rar; basta só buscal-o á luz de qualquer candeia: mas
uma bellesa, como o trovador a fingiu, nem ao clarão
de mil archotes se encontrará.
Leonardo
Zombeteias, cruel?! ,, ...
Francisco
Não. . . é um leve gracejo que amor permitte. ...
não quero dizer que o retrato esteja parecido. . .
não o está; lisonjeia-me, porém, que a tua imaginar
80
SCENAIV
Gonzaga
Leonardo
Quero? .I
Gonzaga
Veloso. Encostado; aqui ao mastro da gata, por
algum tempo ouviu suas conversações, e lá passeia
á proa, como agitado e preoccupado. ( Veloso effecti-
vamente passeia áprôa agitado e preocupado.)
Francisco
Estamos perdidos. .
Leonardo
Não te arreceies, que não sou homem a voltar
rosto; nem a outro inda mais ousado que elle.
Gonzaga
Vou vigial-o... {olhando para a proa) Mas que!...
desceu para a coberta! . . . Mal agouro (dirige-se à
prôa, e desce tambem à coberta como Veloso prece
dentemente o fez.)
SCENA V
Francisco e Leonardo
Francisco
Que se dirá de mim, apenas se divulgar a nova de
que sou mulher, e para seguir o amante vesti estes
trajes que me não competem?!
Leonardo
Deus fará por melhor... Elle, que conhece a nossa
innocencia, embora os homens a possam suspeitar,
não permittirá que onde não ha crime, e só impru
dencia, por esta nos advenha castigo. (As sentinellas
bradam ás armas.)
84
Francisco
O capitão-mór da frota! (retiram-se para a proa)
SGENA VI
SCENAVII
SCENA VIII
Vasco da Gama
Aproxime-se... Diga-me quem é?
Francisco [ajoelhando)
Senhor!
Vasco da Gama
A sua confusão e rubor m'o revellam... Esses fa
tos de pagem não lhe pertencem.
86
Francisco . .- > .
Sou uma desventurada.
Vasco da Gama . . , ...
Assim m'o fizeram saber ha pouco... e de desven
turada foi o passo que deu.
Francisco (erguendo- se com altivez)
Sr. capitão! a minha phrase não authorisa a maré
leve suspeita sobre a minha honra... Não devia ter-
me chamado desventurada. . . sim imprudente; por
que em verdade foi imprudencia; mas só impruden
cia... Esta tem desculpa no amor; e o sr. Vasco da
Gama, que é cavalleiro e fidalgo, bade condoer-se
de uma infeliz, que, com as lagrimas nos olhos, l'hô
roga, e a dor no coração o implora.
Vasco da Gama (enternecido')
Attenderei no caso, mas presuma, primeiro que
tudo, a triste posição em que a sua imprudencia me
colloca... Vou destinar-lhe uma camara onde fique a
recato, té chegarmos a paragem onde se encontrem
fatos ajustados ao seu sexo; e depois providenciarei,
como cumpre a mim, e a si... Por agora retire-se à
minha camara, (sae Francisco)
SCENAIX
\*vseo da Gama
SCENÀ X .
Leonardo e Veloso
Leonardo
Aqui covarde, espião infame.
Veloso
Fiz mal, Leonardo . . . Perdoa . . . foi o diabo que
me tentou.
Leonardo
O diabo!... o diabo!... Pobre genio infernal que
carrega com todos os crimes, que só os homens
commettem . . . E não tens outra desculpa?
Veloso
Não.
Leonardo (largando-o, colloca se defonte (Tellc,
e crusa os braços.)
Tu, que lá cm terra eras conhecido como rufião;
tu, que blasonavas de mulher alguma te resistir; te
mordeste de inveja vendo que uma levára sua abne
gação a ponto de perigar sua vida e sua honra, só
por seguir-me a mim, que não blasono de conquista
dor, e que me enebrio no amor d'aquella, á qual tenho
de dar um dia o meu nome.
Veloso
Leonardo!
88
Leonardo (continuando)
Deixa-me concluir. . . E eras tu o somenos que podia
denunciar o pagem ao capitão... Eras tu o somenos;
porque na bahia de Santa Helena, me deveste a vida,
senão ficavas na mão daquelles cafres, que, já com fú
ria, carregavam sobre ti, quando puz peito á terra para
te deffenderl... Isto é verdade?
Veloso
É.
Leonardo
Eras tu o somenos para tão negra traição, porque
sempre te tratei como o mais intimo amigo. .
Veloso
E verdade.
Leonardo , -, .; ,...
Marinhagem . -. .
Homem ao mar . . . homem ao mar! (Ha aqui o
movimento a bordo, natural do successo, soltando-se
e arreiando-se dos turcos um escaller.)
Leonardo (movimento de arrependimento e reflexão)
Foi tambem uma tentação do demónio, mas bem
terrivel!... (Corre a mão pela testa, enuma súbita re
solução, despe o fato, sobe á amurada, e diz) Sei
nadar... ou salval-o, ou morrer com elle (precipita-
se nas ondas.)
SCENA XI
SCENA I
i
Os REFERIDOS ACIMA
SCENA II
Leonardo
Amiguinhos como dantes; confessa, porém, que a
agoa estava fria de arrepiar!... cuidei morrer gelado!
Veloso
E julgas que me considerei n'algum banho de ca
pilé morno?! (apontando para os brocados, e pedra
ria do catel) E maravilhoso!
Leonardo
Deixa ver o commodo que isto dá. (faz menção
deitar- se)
Molemo-Caná (que tem estado a conversar com al
guns soldados, reparando na acção de Leonardo
avança para este)
Imprudente! (retendo o)
Leonardo ( detendo se
Imprudente?... em que?... Então um rei d'estes
tem melhor corpo do que eu?... Ora... já vou embir
rando com o tal sr. CanáL. Vamos vêr se esta ca
ranguejola se dá bem com os meus ossos!., (conti
nuando na menção de se deitar, e retido por Cana)
Homem vá á fava. ( Ouve-se musica no interior do paço. )
Molemo-Caná
Ãhi vem o rei.
Leonardo (indo para o seu logar,
e assim tamlem Veloso)
Vamos lá ver-lhe o focinho.
Molemo-Caná (aparte)
Alma de poeta!... estouvados sempre!
SCENA Hl
Pti-ti-tchi=pti-ti-tchi=pti-ti-tchi
Ai-phó-phó==lá-phó-phó=tchi-phó-pho
Qui-ri-qui=tiri-lá=tchá=tchá=tché;
Pá-tó-ló-=ló-tó-pá=pá-tó-ló.
Leonardo (á parte)
Molemo-Caná (continuando)
Em segundo logar, acceita as vistas no rio com o
capitão-mór, o sr. Vasco da Gama... Vae ordenar
que tudo se prepare para o encontro, onde mais de
espaço fallará sobre o negocio de sua vinda a es
te reino. . . Manda-me tambem lhe communiqucm
que, para o caso que Sua Senhoria particularmen
te me confiou, e outros, mandará ás náos seus
embaixadores esta noite. . . Mais é do seu agrado
lhe sejam entregues os presentes, de que são porta
dores.
Leonardo
Píi-ti-tchi=pti-ti-tchi=pti-ti-tchi
Ai-phó-phó=lá-phó-phó=tchi-pho-phó:
Qui-ri-qui=tiri-lá=tchá=tchá==tché;
Pá-tó-ló=ló tó-pá=pa-to-ló.
SGENA I
Molemo-Caná
Molemo-Caná
Se alguem dissera
A padres meus
Quando nascida,
Que a longos mares
Seria exposta,
Ahl não n'o crêra
Dos padres meus
A alma qrida;
Porque os pesares
De tal angosta
Os mataria!
A triste sina
Teve logar . . .
Eu fui trasida
A terra ignota.
Gommovedora
107
Esta mofina
Heide ehofat,
Se fôr trahida;
Pois, n'esta rota,
Se amor não fora
Não viviria (desalenta.)
SGENA III
Molemo-Cana
SGENA IV
Maria e Molemo-Caiú
Maria
SCENA V
SCENA VI
Molemo-Caná
Agora é mister desobrigar-me da promessa que
fiz a Maria—manejar-lhe uma pratica de despedida
com Leonardo . . . Estes namorados tem artes de en
volver estranhos em seu partido, e presumem sem
pre que os estranhos tem obrigação de metterem mão
em suas novellas amorosas! . . . Todavia, esta pobre
Maria é digna de commiseração . . . exposta, pela
violencia do amor a uma viajem tão longa, vê-se, em
tão espaçado trajecto, violentada a recalcar no fundo
do peito todo seu thesouro de affectos, para não pa
tentear aos olhos dos companheiros de viajem a in-
discripção que commettera em fingir extranho sexo,
MO
Zicm e Molemo-Caní
Zichi
Pa-ta-ho-tchi-vali'-bu <
MOLEMO
Podera não estar ella inconsolavel?! (esta phrase
é dita como que tradusindo o pensamento de Zichi,
e deve sêr pronunciada ao mesmo tempo que ella vae
soltando aquellas palavras. Depois, dirigindo -se tam
bem a Zichi:) Fa-ta-hu-ló-tu-pi-tá. (alto, para dar
a entender a phrase que lhe dirigiu.) Se a prince
sa tractar bem a mísera, nisso receberá ella alguma
consolação. (N'este dialogo o príncipe Cemerice, ma
rido de Zichi, tem atravessado, desapercebido, para
os aposentos da princesa; d'ahi a pouco, Maria, co
mo perseguida pelo príncipe, qiie chega atraz d'ella
entre portas, faz-lhe um gesto imperativo, empur-
rando-o para dentro, e desapparecendo com elle.)
Zichi (a Molemo)
Piu-ai-cari-tu-pô.
MoLEMO
(Conduzindo Zichi para entre-partas do quarta
onde Maria despiu o fato de mouro, e ficam at%
111
Zichi
(Vem dizendo a Cemereci:) Tá-pi-to.
Cemereoi
(Respondendo:) Di-to-pi-ti.
Molemo
( Emquanto se trocam aquellas phrases dizendo
tambem para Leonardo, e apontando lhe para Zi
chi:) É á princesa que ella fica confiada emquanto
vamos a Calecut. (Leonardo dirige se a Zichi, e quer
beijar- lhe a mão, que ella retira, com ademan é
zangada, e ciosa, lançando olhares chamejantes a
Maria.)
Zichi
(Ao príncipe^ Pá-pu-ló (fica conversando com fi
le; e Leonardo com Maria.)
Molemo .,
(Á parte) Está ciosa. . . vamos conjurar a_ tem
pestade. . . Agora advinho o motivo porque hóntem
'"
113
tanto me inqueriu a respeito de Leonardo . . . feriu-
lhe a corda sensivel (dirigindo-se a Zichi) Pai-ti-pu
pai-tó. . . lo-pái-tu.
Zichi (olhando para Maria e Leonardo, como escur-
tinando-lhes os affectos. diz a Molemo-Canà)
Lá-tu pi?
Molemo-Caná (respondendo-lhe)
Tu-pi.
Zichi (o Molemo-Caná)
Pai-pho. (Volta se para Cemereci com o qual con
tinua a conversar).
Molemo-Caná (a Maria e Leonardo)
Façam suas despedidas. Certifiquei á princeza que
são irmãos; pareceu-me acredital-o . . . Assim é pre
ciso, para o bom tratamento de Maria emquanto se
detiver aqui, que não desmintam nas acções esta boa
opinião que fomentei . . . Basta agora um abraço; os
juramentos e protestos de ha muito que estão feitos.
Leonardo inda esta noite ha de ficar a bordo... acom-
panhal-o-hei para desculpar a ausencia que já na ca
pitania se hade ter notado .... Amanhã, ante ma
nhã, a armada hade levantar ferro.
Leonardo
Marial (conchegando -a ao peito)
Maria
Leonardo! (soluçando, e encostando- lhe a cabeça
sobre o hombro. Momentos de silencio' e angustia.)
Se no vacuo da desventura
instante de prazer lampeja,
8
114
Rapido fulge, e mais tetrica
A desventura alfim negreja.
SCENA X
ACTO TERCEIRO
QUADRO I
SCENA I
Ó-mó-é. . . ó-mó-é
Pé-sé-lé. . . ó-mó-é;
E-pho-si. . . tae-gri-pae,
Pé-sé-lé. . . ó-mó-é,
SGENA II
Leonardo
Então que vimos aqui fazer? . . . Isto é estação
obrigada?
Molemo-Caná
É costume do paiz para os naturaes se purificarem
do contagio com os estrangeiros.
Leonardo
Estamos então para com esta gente na mesma re
lação que os porcos e os animaes immundos para
com os judeus?! . . . animaes são elles, uns idolatras,
que talvez tenhamos de purificar a ferro e fogo . . .
Esta gente é muito supersticiosa?
Molemo-Caná
Se o é! . . . Não principiam empresa alguma sem
' primeiro consultar seus astrologos e advinhos sobre
o dia e hora.
Veloso
Não lhes hadc render mal o officio?
Molemo-Caná
Se rende! ... os taes astrologos e advinhos não
vivem de outra cousa, nem chatinam em 'cousa al
guma, mas não tem mãos a medir, e são ricos, po
derosos, e conceituados entre o vulgo.
120
Molemo-Caná (continuando)
O povo teme-os, e vive sugeito ao terror super
sticioso que incutem . . . Vou fazer com que, os que
o circundam, lhes deixem praça para o verem nas
suas contorsões (achega-se aos naturaes do paiz, e
depois de lhes faltar, elles deixam um claro, ao cen
tro do qual o Jogue fica visível ao espectador).
122
SGENA II
Molemo-Caná
Está cumprido o rito, e findas as purificações . . .
O sr. Vasco da Gama e o Catual vão descêr. Sem
receio podem agora todos chegar á presença do Ça-
mori, que está satisfeita a superstição.
SGENA ffl
L
127
^
120
tllTADHO II
Vasco da Gama
Essa primeira entrevista a pouco se reduziu. Re
cebido em audiencia, pelo bramane-mór mi conduzi
do ao catel onde o Çamorim se recostava, e sentei-
me nuns dcgráos do mesmo. Notei que o Çamorim
me recebeu com muita graça no ar do rosto, e por
espaço grande esteve notando os trajes e actos das
pessoas que me acompanhavam. Praticámos em pa
lavras geraes, e á 'mão lhe passei duas cartas que
Sua Real Senhoria El-Rei Dom Manoel lhe manda
va, uma escripta em arabigo, e outra em portuguez,
ambas da mesma substancia. Significou-me que as
veria, e que me fosse então repousar. Emquanto ao
gasalhado me disse se requeria que o tivesse com
mouros, ou com os naturaes, pois aqui não havia gen
te de minha nação. Respondi como apropriado.
Molemo-Ganá
Sim; que entre mouros e christãos ha differença
entre a lei que têem, e outras paixões particulares; e
que com os vassallos d'elle Çamorim, tanto o sr.
Capitão, como os portuguezes, não sabendo seus
costumes temia de os anojar; e portanto pedia a Sua
Real Senhoria que os mandasse aposentar sem com
panhia alguma.
Vasco da Gama
E verdade; e mandou ao Catual que me conten
tasse; e por isso aqui estamos alojados. ,
Molemo-Caná
E como detidos, ou prisioneiros, por industria dos
mouros.
Vasco da Gama
Prisioneiro! ... O representante do Rei de Portu-
ias
gal não se retêm assim contra sua vontade, onde
quer que seja. Em quanto ao lado me pender a es
pada, este braço terá força para abrir caminho por
entre quem ousar vedar-me o passo. Aprendi dos
meus maiores, e de todos os portugueses que mane
jam armas, a têr braço para ferir livre, e não pulso
para soffrer algemas . . . N'este logar em que estou
não sou Vasco da Gama; represento Dom Manoel,
Rei de Portugal; e os Reis de Portugal, louvado Deus,
não vergam ainda o collo a nenhuma lei do estran
geiro, nem vergarão nunca; ao contrario, alguns a
tem imposto pela sabedoria e pela espada.
Leonardo [desembainhando a espada e assim
todos os portugueses)
Nossos ferros sabem cortar, nossas vidas estão
promptas ao sacrifício pela patria, e pelo Rei... Com
ferro em punho vamos abrir caminho até ás náos, e
ai d'aquelles que se atravessarem diante! ... A mul
tidão não temêmos; nem o esforço portuguez mede
seus inimigos pelo numero... quanto maior seja,
mais se nos redobram os brios de os aniquilar . . .
Vamos, Sr. Vasco da Gama; pela religião e pelo Rei,
as nossas armas devem vingar, lavando no sangue
inimigo, a affronta feita ao nome portuguez. (Como
ameaçando sair e mais os soldados portugueses, e ins
tando com Vasco da Gama para os acompanhar.)
Vasco da Gama
Prudencia . . . Não perca a precipitação o que a
brandura pode ganhar . . . Vae nisto o interesse do
Rei, e a prosperidade da nação . . . Com os mouros,
authores d'este desaguisado, breve ajustaremos con
tas-. . . É chegada a monção de suas náos que vem
,
137
SGENA II
Leonardo
Muito prudente é o capitão! ... eu cá por mim
não me sustinha ... ia já daqui por essas ruas fora
distribuindo bordoada de cego, pelouros meudos, e
catanada por dá cá aquella palha.
Veloso
Seriam as tuas primicias de primeiro cavalleiro da
índia.
Leonardo
Morde-te, cão invejoso, que nunca has perder ò
138
•estro. . . Mas não vá por isto quebrar- se a nossa
amisade tão bem soldada naquelles mergulhos no
mar do Gabo da Boa Esperança. Inda não te contei
a minha aventura em Melinde.
Veloso
Correu pela caravella S. Gabriel que íisestes por lá
grandes proesas. (Fazem circulo a Leonardo).
Leonardo
Ah rapazes! se eu fora gabarolla podia contar o
feito e por fazer, e vocês haviam acreditar. . . Pois
saibam que indo a empresa muito bem perfillada e
alinhavada, fiquei, por fim de contas, ah! (escancara
a bocca) aguado, homens! . . . por fé minha com
agoa na bocca, assim como qualquer de vós outros
que já tenha ido a um colloquio ajustado, e venha
por fim com uma canella no ar.
Veloso
Então o principe, o esposo da tal princeza de Me
linde foi apanharte com a bocca no gomil, e tocou-
te a pavana?
Leonardo
Leonardo
Qual marido, tollos?... Os maridos nesta terra não
se importam com estas cousas ... foi um magico.
Todos (ás gargalhadas)
Um barbaças!. . . bem empregados abraços. . .-
ah! . . . ah! . . . ah! . . . boa pulha!
Leonardo (a Veloso, em voz aparte)
Encontrei Maria, que Vasco da Gama confiou
em recato á princesa, até voltarmos a recolhel-a em
Melinde, no regresso para Portugal.
Uma voz
E o magico deixou-se abraçar?
Leonardo
Callem-se para ahi, zombeteiros do diabo . . . sim
abracei, beijei o magico, fiz-lhe tres festinhas na cara,
e ficámos amigos á boa paz.
Todos
Ah! ... ah! . . . ah! . . . Um magico por uma prin
cesa. (Dispersam-se, ficando só Veloso e Leonardo).
Veloso
È de suppor, mudaste a chave á fechadura?
Leonardo :
Podera não ... as mulheres sempre èngollem cada
carapetão! . . . disse-lhe que tinha ido alli por sua
causa, e a despedir-me . . . chorei, chorámos, abra-
çamo-nos. . . e ella engoliu a pirola.
Veloso
E a princesa?
Leonardo
Damnada como uma bixa. . . deilou-me uns olhos
que eram mesmo de comer-me. . . e tinha rasão, fi
cámos pintados. . . . '.;>
HO
Veloso
Leonardo! . . . Maria merece- te mais lealdade.
Leonardo
Ahi vens pregar-me moral. . . Maria tem aqui o
seu quinhão, (batendo no peito) que ninguem lh'o
tira, mas por ora não lhe commetto infidelidade . . .
(olhando para Vasco da Gama, Fr. Christovão Soa
res, e Molemo Cana, que entram em scena) O capi-
tão-mór da armada.
SCENA III
Vasco da Gama, Fr. Christovão Soares,
Molemo- Cana e os ditos
Fr. Christovão Soares
Deve o sr. Vasco da Gama muitas graças a Deus,
pelos perigos de que o tem livrado n'este commetti-
mento da descoberta das índias.
Vasco da Gama (entregando a carta
a Molemo- Cana)
Conhece a importancia da missão ... do seu re
sultado depende como haver-me em Calecut... Peço
que nella empregue toda a diligencia.
Molemo-Caná
Nenhum outro servidor encontraria o sr. capitão
mais dedicado. (Sae fazendo reverencia).
SCENA IV
Os DITOS, MENOS MoLEMO-CanÁ
I
147
Leonardo
Oh Veloso! . . . faz-te bramane; que eu meto-me
a naire. . . anda. . . apanhamos as petises.
Diogo Dias (continuando):
E são elles e ellas tão livres o"este vinculo conju
gal, que se um aborrece ao outro, isto basta para
se apartarem por modo de repudio; porem emquan-
to estão em concordia elle é obrigado de manter a
ella.
Leonardo
Ainda em cima!
Vasco da Gama
Costumes, em verdade, estravagantes, e só filhos
da religião do gentilismo. Já não estranho, pois, o
proceder da esposa do Çamorim, mas não é de mi
nha fidalguia e religião conformar-me a taes usos...
(com inquietação): Molemo-Caná demora-se com a
resposta!
Leonardo
Diga cá, sr. Diogo Dias, que é tão sabido das vir
tudes caseiras d'esta terra ... os maridos ficam as
sim?. . .
Diogo Dias
Como hão de ficar se é o uso! . . . Costume faz
lei. Quando um naire vem de fora, e algum outro
naire está com ella, basta, para não entrar, e saber
que está. . . (hesitando no termo que hade empre
gar) . . . sim, que está . . . achar a adaga e a espa
da do outro á porta, sem por isso receber escandalo,
ou paixão. „ .-,..'.',.,-,
148
Leonardo
Veloso
E então como se havêm elles em o negocio dos fi
lhos?
Fernão Martins
De tudo isto vem nenhum d'elles haver por filho
o parto da mulher, nem são obrigados a os manter;
e seus verdadeiros herdeiros são os sobrinhos, filhos
das irmãas.
Vasco da Gama
Mui lidos nestas cousas são vossas mercês, sr.'
Diogo Dias e Fernão Martins, e se, em veras, encon
tro entretenimento em as suas narrações, assalteia-
me a demora de Molemo-Caná, pois não dista mui
to daqui a moradia do Catual. (Molemo-Caná ap-
parece entre portas).
Leonardo (apontando para Molemo-Caná):
Falla no máo, e aparelha o páo! . . . E adagio por-
tuguez.
SCENA V
Molemo-Ganá e os ditos
QUADRO I
SCENA I .,."'^'J
SCENA II
Leonardo
Agora pertence-nos a honra da recepção.
;. .... Vasco da Gama (para Molemo-Caná):
Sr.. Molemo-Caná, servirá sua mercê de interpe
152
SCENA III
Veloso (á parte):
Chuxa que a cousa vae com todas as etiquetas!...
E a primeira vez que vejo o capitão tão sobrancei
ro em todos os pontinhos.
Vasco da Gama
Represento neste acto Sua Alteza El-Rei o Se - ,
nhor Dom Manoel. . . os sr.s cavalleiros, officiaes,
homens de armas, e mareantes que são presentes,
tomem nos seus rostos e continencia a quadra que
lhes compete numa audiencia solemne. (Senta-se
ríuma cadeira alta. Á ilharga, á direita estão co
xins para o Catual). *
SCENA IV
SGENA V
>.
187
onde lhe envio regimento de como proceder. (Mole-
mo-Canà recebe as cartas e sae, dizendo Vasco da
Gama para os soldados) Passe que leva ordens mi
nhas.
SCENA VI
Vasco da Gama
Cilada! . . . por um olho, olho: e pelo dente, den
te .. . Cilada! . . . e como chamarei á ousadia de me
reter, a mim, embaixador do Rei de Portugal, nas
casas que me deram por moradia . . . não permittir
ao feitor, e seus empregados que despachem o carre
gamento de especiarias, como se havia tratado! . . .
Queriam da minha, parte blandicias, quando de seu
lado engano e traição! . . . Animo portuguez não sof-
fre mingoa no seu pondunor e credito . . . Julgavam
reter-me, e elles é que ficam retidos até que obtenha
despacho dos meus requerimentos ao Çamorim . . .
Queria o Catual expedir-se só, para segundo disia,
abreviar as vistas, como se eu fóra homem que não
estivesse prevenido contra os tramas e embustes . . .
Era-lhes, de certo, favoravel o intento para indispo
rem contra nós o Çamorim, mas a prudencia acau
tela- me, e não recebi de Sua Altesa ordens senão
para tractados de paz. O mal que fiserem será vin
gado nas armadas que hão de seguir, e tenho em
Deus, que o nome portuguez, descoberta, como está
a viajem da índia, ha de ficar gravado em ferro e
fogo no coração d'aquelles que se escusarem á paz
e amisade que nos presamos saber sustentar. Não se
158
SCENA VII
I
159
SCENA VIII
SCENA IX
SCENA X
Vasco da Gama
E como haver-me senão por esta forma, para não
indusir o Çamorim, que de boa fé creio illudido pe-4
los mouros, e por suas venaes authoridades por el-
les corrompidas?... Não me pêsa usar de pruden
cia, quando com ella se não prejudique o serviço de
El-Rei.
SCENA XI
QLADRO II
SCENA I
SCENA II
>
i
169
do mui proveitosa a sua vinda a estes reinos, por se
rem senhores de tanta mercadoria, como se diz.
Fernão Martins (á parte):
Aqui vae disfarce. ' ,
V\sco da Gama
Alta honraria nas expressões, desafinada, comtu-
do, na armonia com as obras! . . . (para Molemo-
Caná) peça desculpa ao sr. Çamorim dos desagui-
sados com o Catual.
Fernão Martins (emquanto Molemo-Caná
falla com o Camarim, e á parte
para Veloso):
Principiam as reconvenções! . . . que caminho le
vará a audiencia?. . . Tudo, porém, devemos fiar da
prudência do capitão.
Veloso
Nem era justo passasse por alto o estimular-se da
affronta que nos fizeram.
Leonardo [para Veloso):
Não vês como o sorriso lhe brinca nos labios (re-
ferindo-se á esposa do Çamorim) quando olha cá
para o meu lado?. . . Aquelle sorriso está mesmo di
zendo ginjas.
Molemo-Caná (para Vasco da Gama):
Immediatamente, porém, despachou no aggravo,
quando d'elle teve conhecimento. Culpados de tudo
foram os mouros que sobre a vinda dos portuguezes
tiveram consulta, e deram vozes de terror. . .
Vasco da Gama
Certo estou.
Molemo-Caná [continuando):
Diz mais. o Çamorim, permittindo o sr. capitão.
170
que, como prova de sua lealdade e boa vontade, ex
porá parte do que se passou.
Vasco da Cama (faz uma cortezia de assentimento.
Emquanto Molemo-Caná falla baixo com o Ça-
morim, diz para Fr. Christovão Soares):
Em verdade que vejo o Çamorim em feição de não
ser hostil. . . Se os mouros um dia me caem sob
mão, dar-lhes-hei de rosto, a tirar-lhes para sempre
a vontade de se metterem com os portuguezes.
Fr. Christovão Soares
Que novo embuste urdiriam (continua follando
baixo com Vasco da Gama).
Leonardo (para Veloso):
O barco vae nagoa.
Veloso (para Fernão Martins):
Não hade perder o sestro de galanteador.
Fernão Martins
O que o berço dá! . . .
Leonardo (para Veloso):
Morde-te de inveja. . . Se queres alguma conquis
ta laz-te desempenado como eu. . . Olha, mas á so
capa, cá para este garbo.
Molemo-Caná (para Vasco da Gama):
Refere Sua Alteza, que entre muitas rasões que
foram trazidas do grande damno que todos recebe
riam se os portuguezes entrassem na índia, foi o que
contou um cTelles, dizendo que o anno passado so
bre duas náos de Mecca que tardavam, em que lhes
vinha fazenda, fizera pergunta a algumas pessoas que
usam do officio de astrologia e de outras artes, que
d'ella dependem, e que em um vaso d'agoa lhe mos
trou as náos perdidas, e mais outras á vella que di
\1i
aia partirem de mui longe para vir á índia; que a
gente d'ellas seria total destruição dos mouros n es
tas partes; e verdade foi que as duas náos se perde
ram; e nestes termos se pode tomar suspeita do mais
em a vinda das vellas portuguezas.
(Riso na gente portuguezá): Contos de bruxas.
Vasco da Gama (a Molemo-Caná, para o
referir ao Çamorim):
Em respeito ao Soberano não tomo mesmo em
Calecut desaggravo das offensas. Vim despachado a
assentar pazes, e é uma resposta peremptoria e cla
ra ás cartas de El-Rei que hoje requeiro. (Enquan
to Molemo-Caná falla baixo com o Çamorim, uma
dama que tem fallado com a esposa do Çamorim,
vem ter com Leonardo, e diz-lhe, com muitos acio-
nados que vá follar com a Imperatriz, expressan
do -se assim): Phi-ti-phto.
Veloso (para Leonardo):
Desferra-te d'ella.
Leonardo (para Fernão Martins):
Veja se entende esta lingoa de trapos, e m'a põe
em pratos limpos.
Veloso
Queres a dama de fricassé? (Fernão Martins fal
ia de vagar com a dama).
Leonardo
Quero só uma lingoa que tenha sabor a alguma
cousa . . . esta é sem sal.
Fernão Martins (a Leonardo):
A Imperatriz quer que lhe vá fallar.
172
Leonardo (puxando por Fernão Martins):
Venha dahi. . . ajude-me a levar esta cruz ao
ealvario.
Fernão Martins (que tem foliado
baixo com a dama):
Não precisa lingoa. A Imperatriz é moura do Cai
ro, onde teve tractos com os portuguezes.
Leonardo
Diga-me isso. . . já está costumada.
Fernão Martins
Faz-se entender perfeitamente.
Leonardo
Então fique-se. . . Tambem n'estas cousas é me
lhor a gente entender-se só do que por terceiras pes
soas. (Dá caricatamente o braço á dama, e dirige-
separa o catei da Imperatriz, onde fica a conversar).
Veloso
Em verdade é o namorador mais feliz que conhe
ço. (Durante este jogo de scena, Molemo-Caná tem
faltado com o Çamorim, que lhe entrega uns pa
peis: Vasco da Gama com Fr. Christovão Soares;
Leonardo com a esposa do Çamorim; e assim os
mais grupos).
Molemo-Caná (appresentando a Vasco
da Gama os papeis que recebeu
do Çamorim):
Eis o despacho que o Çamorim dá á embaixada.
E uma carta para Sua Alteza El-Rei o Senhor Dom
Manoel, na qual diz como recebera outra sua, e ou
vira seu embaixador, e explica a partida dos portu
guezes, como que se alguma cousa agastados, causa
fora pelas antigas differenças entre christãos e mou
473
",
ACTO QUINTO
SCENA I
Leonardo
Então que lhe parece, sr. Pedro de Alemquer?...
Temos acolá um palacio, por ali estão grutas, aqui
estatuas: bella vegetação, fontes, cascatas . . . porém
nada de viva alma!
Enguia
Aposta cá o méco, olhem que lh'o juro pelas obras
mortas da caravella S. Raphael, que estamos numa
ilha encangada!
% Pedro de Alemquer
A fé que sim . . . (para os besteiros): vão vêr se
descobrem por ahi alguem (saem os besteiros, com
Vicente).
SCENA II
Veloso
A chalaça não está má! . . . Aposto que viemos
12
178
Enguia
Tambem aqui pode haver algum rombo que me
ta agoa, e as bombas não dêem força a esgotar. . .
oh se pode!
Pedro de Alemquer
* Emquanto ao Timoja, esse foi bem escovado. Pau
lo da Gama, e Nicolao Coelho salvaram os navios
enramados com a sua artilheria, e de maneira que os
barcos se derramaram, acolhendo-se a tripulação a
terra.
Enguia
E foi bom para o corsario vir á falla: . . . arreou
bandeira, entregou-se á discripção, e lá ficou nosso
amigo.
Pedro de Alemquer . '
Mas aqui, se esta ilha não fôr alguma ficção do
diabo, não temos a receiar arteficio de piratas.
SCENA III
Leonardo
Então! . . . que de novo?
Vicente
Corremos a ilha toda . . . E fertil; mas nem folgo
vivo.
' ' Lobo Marinho . i<-
Esta é mesmo de fazer doudejar a bussola!
' . Vicente : [,
Se o inimigo não está de emboscada, recolheu-
180
se á praça forte, que ainda não sabemos onde é.
Leonardo
Pois olhem lá, emquanto vocês parlam quebrando
a cabeça por advinhar quem é o domno, ou adom-
na d'esta prenda, como aquellas fructas me fazem
crescer agoa na bocca, vou apanhal-as(írepaaw<t
arvore).
Lobo Marinho
Tome tento que o temporal não lhe carregue com
a gata e a gavea.
Leonardo
A deus e á ventura deitar a nadar.
Enguia
Não se fie no velacho, que está sobre a pega, o
tempo cada vez vem a mais (Leonardo tem trepado
ao meio da arvore).
Vicente (para os besteiros):
Amigos! temos passaro bisnáo ... a caçada é cer
ta; toca a apontar.
Leonardo (em cima da arvore):
Olá rapazes! . . . tento com o alvo (o arvore tre
me. Leonardo fica suspenso pelos braços).
Leonardo
Ai que anda aqui manha do diabo . . . Guarda lá
de baixo.
Vicente
Eu ouvi!
Enguia
Foi dali!
Lobo Marinho
Foi dacolá!
Pedro de Alemquer
Daqui (cada um aponta para seu lado).
Leonardo
Estupidos! . . . para que esta pasmaceira? Procu
remos ... Se alguem fallou é porque cá está.
Todos
Farejemos (emquanto procuram cada um por seu
lado, cantam o seguinte quinteto):
Farejemos . . . farejemos,
Pois havemos encontrar. . .
Cá por nós nada tememos,
Ou vencer, ou espichar!
Todos
Foi aqui. . .
Leonardo
Não digas, tal . . . aqui.
Pedro de Âlemquer
Aqui.
Lobo Marinho
Aqui.
Vicente
Aqui.
Enguia
Aqui.
183
SGENA IV
Celeste apparição,
Encanto divinal,
Imploro o meu perdão
Que sou fraco mortal.
SCENA V
Glyceris
Leonardo
Falla bem (comprimentando-a).
Vicente
Cá vamos (idem).
Lobo Marinho
Daqui a pouco lhe estaremos na alheta (idem).
Todos os restantes (a uma voz):
Até já (idem).
Glyceris
Remem á força, e prestes se façam de bordo (saem
Leonardo. Vicente, Lobo Marinho, Enguia, Pedro
de Alemquer e os soldados).
SCENA VI
As NVMPHAS
SCENA VIII
Gliceris
SCENA IX
Chôro
A sua gloria
Viva eternal;
Deus abençôe
Fiel Portugal.
SCENA X
Vasco da Gama, Glvceris, Maria k Leonardo
SGENA XI
Leonardo e Maria
Leonardo
Até que finalmente, Maria!
Maria
E como anciava este momento! . . . Vasco da Ga
ma cumpriu sua palavra de fidalgo e cavalleiro, indo
a Melinde, e desde então tenho sido a bordo da ca-
ravella de Paulo da Gama, a quem me confiou, em
companhia daquellas mulheres indias que leva a
Portugal, tractada com todas as attenções. Promet-
teu-me que apenas aportados a Lisboa, serás ap-
presentado a El-Rei, como seu mais estremado ca
valleiro, e que as nossas nupcias breves seguirão,
sendo elle, e El-Rei os padrinhos do nosso consorcio.
Leonardo
Tudo, Maria, tem um termo:—a desdita para que
tambem um dia os desgraçados folguem; e a ventura
para ninguem se fiar n'ella.
Maria
Estou tão feliz!
Leonardo
E eu não menos ditoso.
Dueto
Lá no futuro
Terno porvir,
Feliz auguro
Vejo surgir.
SCENA XII
Viva o soldado
Leal portuguez
191
Heroe estremado
Até num revez
Choro da marinhagem
E viva da armada
O nauta leal,
Gloria provada
De Portugal.
Choro geral
SCENA XIII
SCENA XIV
Entram oito nymphas, trazendo festões, e formam um
pequeno bailado, terminando o qual, postas em li
nha se lê a palavra Portugal, formada pelos fes
toes de flores.)
Glyceris
A piedade de Dom Manoel, e as riquesas que as
frotas, que vão seguir na viajem da índia, hão de ac-
cumular na mãe patria, erguerão esse monumento
na mesma praia do Rostello, donde a armada par
tiu, e onde será recebida entre os enthusiasticos vi
vas de um povo, que vae cingir o diadema do pre
dominio do oriente. Agora o monumento que Portu
gal ha de um dia erguer ao cantor dos Lusíadas, pa
gando a divida dos seculos ao epico seu rival; (sw&s-
titue-se a vista do convento dos Jeronimos, pelo mo
numento a Camões, e entram emscena mais cinco nym
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phas, trazendo festões de flores que formam a palavra
ÍNDIA, depois de terminado um pequeno bailado,
com as precedentes bailarinas, que ficam formadas em
duas linhas, a primeira, com um joelho em terra, di
zendo ÍNDIA: a segunda, de pé, e portanto mais ele
vada, dizendo, PORTUGAL. Ouve-se um torvão.)
Glyceris
As náos, senhores, que a ilha vac submergir-se...
Ide descançar das trabalhosas fadigas do mar; e na
patria, abençoados pelo monarcha, que a historia de
nominará o Afortunado; victoriados pelos concida
dãos que em cada um de vós outros ha de venerar
um heroe—adorados pela familia estremosa que se
ufanará de contar entre si um dos descobridores da
índia—todos encontrarão seu quinhão de gloria na
fama e prosperidade da Patria.
Vasco da Gama
Deus abençoado, que nos restitue á patria cober
tos de gloria,—á Patria, que seus filhos tanto de
peito estremecem; que pela sua prosperidade e li
berdade sacrificam voluntaria e heroicamente a viífâ
(desembainhando e floreando a espada) A Portugal!!!
(os portuguezes desembainham as espadas) Viva Por
tugal.
Todos (repetindo este brado)
Viva Portugal! (Saem de acena, tocando a musica
da armada o hymno da índia, e cantando em choro:
SCENÂ XIV
Glyceris