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Ordem urbanística e a prevenção da

criminalidade

Paulo José Leite Farias

Sumário
Introdução. I – Urbanismo e Direito Urba-
nístico: normas cogentes garantidoras do bem-
estar dos habitantes. 1) Cidade, Urbanismo e
Direito Urbanístico: preocupação com o coleti-
vo. 2) Patologias das cidades e análise da cri-
minalidade. 3) Ecologia humana e a análise da
criminalidade urbana pela Escola de Chicago e
pelo comportamentalismo. II – Novo substra-
to biológico da violência urbana: a desordem
urbana. 1) Aspectos biogenéticos da violência:
o nascimento da criminologia. 2) Aspectos
bioambientais da violência: a desordem urba-
na e a criminologia oriunda da Ecologia Hu-
mana. 3) Desordem urbana como agressão às
funções urbanísticas garantidoras da qualida-
de de vida na cidade. III – Crimes cometidos no
ambiente urbano: tipologia segundo a teoria
das atividades rotineiras. 1) Teoria das ativida-
des rotineiras: explicação socioambiental con-
temporânea da violência. 2) Pressupostos da
teoria da atividade rotineira para a ocorrência
de um delito urbano. 3) Relação entre os espa-
ços urbanos utilizados pelo cidadão (vítima) e
as taxas de crimes. IV – políticas públicas pro-
tetivas das funções urbanísticas e minimizan-
tes dos delitos urbanos. 1) O mapeamento da
violência em Belo Horizonte: exemplo concre-
to de aplicação da ecologia humana e da teoria
Paulo José Leite Farias é Promotor de Justi- da atividade rotineira no Brasil para preven-
ça da Ordem Urbanística do MPDFT. Doutor ção de crimes. 2) O planejamento urbano como
em Direito pela UFPE, Mestre em Direito e Es- política eficaz no combate à criminalidade ur-
tado pela Universidade de Brasília. Professor bana. 3) O lazer e a recreação: exemplo de res-
de Pós-Graduação na Universidade Católica de peito à função urbanística eficaz no combate à
Brasília, UniUDF e IDP. Examinador do Con- violência urbana sofrida e praticada por jovens.
curso de Promotor de Justiça do MPDFT. Visi- 4) Garantia de trabalho e de moradia digna:
ting Scholar na Boston University School of políticas públicas sociais eficazes para o com-
Law. bate da violência. Conclusão.
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“Se em uma rua escura se cometem mais atosminologia tradicional, nas obras de Ferri,
violentos do que em uma rua clara, bastaria iluminá-
Garófalo e Lombroso) e das causas exóge-
la e isso se tornaria mais eficaz do que construir
nas (fruto de características do ambiente
prisões (...)” urbano, enfatizadas no presente trabalho
Enrico Ferri
por meio da “ecologia humana”), constitui
objeto de conflitos no âmbito acadêmico
(quais são as verdadeiras causas da violên-
Introdução cia na sociedade citadina?) e político (qual
a melhor política pública para combater a
O estudo da violência urbana apresen- violência urbana?).
ta-se como desafio constante nas socieda- Na diagnose da violência urbana e na
des mundial e brasileira. Em futuro próxi- busca de soluções para o combate, o urba-
mo, praticamente todo o crescimento da po- nismo, ao contrário do que vem ocorren-
pulação mundial ocorrerá em áreas urba- do atualmente, terá importante papel, con-
nas. Entre 2000 e 2030, há expectativa de forme se almeja demonstrar no presente
que a população mundial urbana aumente trabalho.
em 2,1 bilhões de habitantes, aproximada- Os romanos já possuíam sistema de pla-
mente, praticamente o mesmo que será acres- nejamento urbano, desenvolvido para a de-
cida toda a população mundial (2,2 bilhões fesa militar e para a facilidade de garantir espa-
de habitantes em áreas urbanas e rurais) ço público para o exercício da cidadania em suas
(BRENNAN-GALVIN, 2002)1. cidades. O plano básico compunha-se de
Em médio prazo, toda a população hu- uma praça central (centro da cidade) com a
mana se concentrará no ambiente urbano. É administração da cidade e com a sede do
possível e necessário correlacionar o plane- poder governante, que se envolvia por uma
jamento urbano com a violência urbana, nes- grade de ruas que, por outro lado, eram cer-
se contexto. cadas por muros para a garantia de defesa
A Constituição Federal, ao tratar da fun- contra ataques externos. Com algumas mo-
ção social das cidades, estabelece o impera- dificações, os valores urbanos de seguran-
tivo do estabelecimento de plano diretor nas ça, cada vez mais queridos atualmente, fo-
urbes brasileiras com mais de vinte mil ha- ram mantidos nas cidades da Idade Média.
bitantes, objetivando, assim, ordenar o ple- Le Goff (1998, p. 71) ensina:
no desenvolvimento das funções sociais “A cidade da Idade Média é um espa-
da cidade e garantir o bem-estar de seus ço fechado. A muralha a define. Pene-
habitantes (art. 182 da Constituição tra-se nela por portas e nela se cami-
Federal). nha por ruas infernais que, felizmen-
Sobre esse tema, dispõe Ricardo Lira te, desembocam em praças paradisía-
(1997, p. 10) que: cas. Ela é guarnecida de torres, torres
“a Constituição de 1988 avançou mui- das igrejas, das casas dos ricos e da
to e pela primeira vez a Cidade foi al- muralha que a cerca. Lugar de cobiça,
çada ao patamar constitucional, pre- a cidade aspira à segurança. Seus habi-
vendo-se que as cidades com mais de tantes fecham suas casas à chave, cui-
vinte mil habitantes tenham um pla- dadosamente, e o roubo é severamen-
no diretor obrigatório, aprovado pela te reprimido” (grifo nosso).
Câmara Municipal”. Não seria, ainda, o momento de uma con-
A busca das causas endógenas (oriun- cepção de planejamento urbano que visas-
das do próprio ser humano (características se à diminuição da violência na cidade para
internas), objeto de estudo da psicologia e garantir o valor constitucional do bem-estar
das ciências criminais, em especial da cri- de seus habitantes.

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Infelizmente, no Brasil, poucos trabalhos mentos normativos ao poder público,
se fizeram nesse sentido. Tal, entretanto, não a fim de que possa, com respeito ao
ocorre em outros países, como os Estados princípio da legalidade, atuar no meio
Unidos da América, em que a Escola de social e no domínio privado, para or-
Chicago, desde a década de 30, procurou denar a realidade no interesse da co-
relacionar a vida em comunidade com a letividade”.
violência. As imposições urbanísticas, assim como
As estratégias que o Estado adota para as normas penais, são preceitos de Ordem
combater a violência não podem flutuar ao Pública, cogentes, fruto do poder de polícia
sabor das preferências pessoais dos Gover- do Estado, que, intervindo na disciplina das
nantes. O conhecimento científico deve ser relações jurídicas, estabelece o condiciona-
levado em consideração, assim como o é mento do exercício do direito de proprieda-
para o tratamento das doenças dos indi- de ao interesse coletivo.
víduos. Nesse sentido, Ricardo Lira (1986, p. 7)
ensina: “a localização de uma cidade, sua
I – Urbanismo e Direito Urbanístico: extensão, sua configuração, sua magnitude
normas cogentes garantidoras do não são, nem podem ser, realizações priva-
das; são realizações coletivas, talvez o fato
bem-estar dos habitantes
coletivo por excelência das sociedades hu-
manas”.
1) Cidade, Urbanismo e Direito
Para Max Weber (1958, p. 16-17), as cau-
Urbanístico: preocupação com o coletivo
sas sociais para o crescimento da cidade po-
O surgimento dos conglomerados urba- deriam ser resumidas nas vantagens que a
nos é fato histórico,2 geográfico e, acima de cidade oferece para o homem, a saber: edu-
tudo, social. Nesse aspecto, surge a preocu- cação, recreação, melhor padrão de vida, ser
pação do Urbanismo e do Direito, como ci- um pólo atrativo de associações de intelec-
ências ordenadoras dos fatos sociais ocor- tuais, adequação do homem ao ambiente ur-
ridos nas cidades. bano, difusão dos valores da vida urbana.
Leopoldo Mazzaroli, citado por Mukai Para ele, ainda, a cidade, historicamente,
(2004, p. 13), assim definiu o Urbanismo: surge em decorrência da necessidade de a
“a ciência que se preocupa com a sis- burguesia comercial (os mercadores) impor-
tematização e com o desenvolvimen- se em relação aos nobres e aos clérigos do
to da cidade, buscando determinar a meio rural, visando à garantia da proprie-
melhor posição das ruas, dos edifíci- dade privada e a uma nova e distinta orga-
os e obras públicas, de habitação pri- nização da vida social.
vada, de modo que a população pos- Entretanto, a inovação oriunda da teo-
sa gozar de uma situação sã, cômoda ria sociológica da cidade, de Weber, focali-
e estimada”. za-se na noção de que nas cidades se desen-
O Direito Urbanístico é o conjunto de pre- volvem ações sociais, relações sociais e ins-
ceitos ou de normas de que a administração tituições sociais autônomas. Segundo a sua
se vale na coordenação e no ordenamento visão, que continua sendo considerada con-
do território (urbano ou não), em nome do temporânea, a comunidade urbana desen-
interesse coletivo e dos titulares dos direi- volve-se no Ocidente atrelada às relações co-
tos de propriedade. Segundo José Afonso da merciais, com elementos vinculados a uma
Silva (1997, p. 30): fortificação (separação do espaço rural do
“Sua formação, ainda em processo de urbano), um mercado, um poder político-
afirmação, decorre da nova função do jurídico próprio (Administração, Tribunais
Direito, consistente em oferecer instru- e leis próprias), uma organização associati-

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va dos seus habitantes (busca do bem- Nesse contexto de complexidades, en-
comum), que autonomamente definem a sua contra-se a criminalidade como situação re-
forma de organização social. crudescente, vinculada a problemas própri-
A cidade em sua origem é, pois, expres- os do corpo social urbano (endógenos) e a
são do capitalismo comercial e da busca de outros (exógenos).
novos modelos de convivência dos seus con- Certamente, grande número de fenôme-
cidadãos (WEBER, 1958, p. 54-55). nos vinculados à violência contemporânea
relacionam-se com problemas existentes nas
2) Patologias das cidades e cidades, tais como a violência das gangues.
análise da criminalidade Os arrastões, ocorridos no Rio de Janeiro e
Para os países em desenvolvimento, o em São Paulo, ilustram os fenômenos de vi-
brutal aumento da concentração populaci- olência urbana (ainda não existentes em re-
onal nas cidades não se vincula tanto ao giões rurais), vinculados à afronta ao direi-
desenvolvimento industrial (fase da evolu- to coletivo de segurança. Nesse aspecto, o
ção capitalista), como assinalava Max Ministério Público Federal (Procuradoria da
Weber, quanto à busca pela população ru- República no Rio de Janeiro) e o Estadual
ral de uma melhor qualidade de vida. ajuizaram ação civil pública, em dezembro
Entretanto, a cidade passa a ser, muitas de 2004, intimando o prefeito Cesar Maia e
vezes, falsa propaganda do melhor meca- governadora Rosinha Matheus a deporem
nismo de realização da dignidade da sobre os danos à imagem da cidade causa-
pessoa humana. As condições de vida nas dos pelo ataque a turistas acontecido em dia
grandes cidades, principalmente nas dos 28 de setembro de 2004 na Praia do Leblon.
países subdesenvolvidos, têm-se deterio- O episódio, filmado por um cinegrafista
rado. amador, foi divulgado amplamente em tele-
De pólo atrativo que propicia o acesso a visões do mundo inteiro e, segundo o MP,
uma intensa vida cultural, melhores opor- eles teriam afrontado o art. 216 da Consti-
tunidades de emprego e um enriquecedor tuição, que determina ao Poder Público a obri-
convívio com diferentes experiências de gatoriedade de tutela do patrimônio cultural,
vida, a metrópole, desordenada urbanisti- sendo patrimônios culturais imateriais a qua-
camente, tem-se tornado centro irradiador lidade de vida do habitante da cidade e a
de falta de moradia, de poluição, de violên- imagem da cidade perante o resto do mundo.
cia e de desemprego. Pesquisando diversas cidades da Amé-
A industrialização do Brasil, após a Era rica Latina, Gaviria e Pages (2000, p. 3) ob-
JK, não foge a essa assertiva. O crescente servaram, por meio de pesquisas estatísti-
processo de urbanização e de conseqüente cas, que o tamanho de uma cidade se relaci-
aumento do número de habitantes, nas prin- ona com a violência urbana sofrida naquele
cipais cidades brasileiras, vem acarretando local. No estudo, ficou comprovado que os
degradação da vida urbana. Em 1950, São membros de uma família de moradores de
Paulo e Rio de Janeiro tinham mais de 1 cidade com mais de 1 milhão de habitantes
milhão de habitantes. Em quatro décadas, possuem o dobro da probabilidade de se-
13 cidades do Brasil atingiram esse pata- rem vítimas de violência em relação aos
mar. Com o aumento do tamanho das cida- moradores de uma cidade com menos de 20
des, surgiram novas metrópoles. Além da mil habitantes. Do mesmo modo, o aumento
região metropolitana de São Paulo e do Rio de 1% na taxa de crescimento de uma cidade
de Janeiro, que engloba 21 cidades, existem poderá implicar o aumento de 1,5% na pro-
hoje, no Brasil, outras dez grandes metró- babilidade de incidência da violência.
poles. Juntas, elas abrigam 33,6% da popu- Há, pois, relação entre Urbanismo e
lação brasileira. Violência. A criminalidade é uma das faces

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da violência. Nas cidades, pode haver um la de Chicago4 e o Comportamentalismo pro-
clima de violência criado, estimulado ou duziram pesquisas e formularam conheci-
potencializado pela desordem urbana. A mentos, então denominados Ecologia Hu-
falta de um bem urbano, tal qual a água, mana e behavioral science, que muito contri-
pode causar inúmeros conflitos entre buíram para a institucionalização e o de-
indivíduos e comunidades vizinhas. Na senvolvimento da Sociologia Urbana com
verdade, nas inúmeras favelas urbanas vistas à implementação de políticas públi-
existentes no mundo, as fontes de água cas eficientes de combate às mazelas das
compartilhadas exemplificam essa situação cidades, tal qual a violência urbana.
(BRENNAN-GALVIN, 2002). A abordagem ecológica da Escola de
Assim, cidade mal organizada e mal Chicago enfatizava que o crescimento da
planejada pode ser fonte ou lente de cidade deveria ser visto como um fenômeno
aumento da violência e da criminalidade. O natural. As cidades não cresciam aleatoria-
congestionamento do trânsito (função urba- mente; o crescimento ocorria nas áreas mais
nística da circulação), a inexistência de áre- desejadas e favorecidas, por meio, inicial-
as adequadas ao lazer (função urbanística mente, da competição entre os diferentes
da recreação), a intranqüilidade do repou- grupos situados nas cidades. A ecologia, que
so dos seus moradores (função urbanística destacava a interação entre o ambiente na-
da residência), a inexistência de espaços de tural e os seres de um determinado local,
trabalho dignos para todos os cidadãos (fun- buscando o equilíbrio, poderia ser transpos-
ção urbanística do trabalho), todas essas ta para a cidade em termos semelhantes.
disfunções são formas de desrespeito às fun- Assim, as cidades cresciam em resposta às
ções urbanísticas que possuem conseqüên- condições favoráveis encontradas no seu
cias nos índices de violência daquele local. entorno. Por exemplo, grandes áreas urba-
Exemplificando, não se verifica, intuiti- nas desenvolvem-se ao longo de rios e ferro-
vamente, uma relação lógica entre a exis- vias, pois tais locais favorecem o crescimen-
tência da favela da Rocinha e a criminali- to desse organismo vivo artificial.
dade no Rio de Janeiro? Se aquela popula- Uma cidade pode ser caracterizada como
ção tivesse tido a oportunidade de morar um grande ser vivo, sujeito a mapeamento
em residências com um mínimo de respeito das suas diferentes e contrastantes áreas.
à dignidade da pessoa humana, em lotea- Geralmente, a urbe forma-se em círculos con-
mentos regularmente aprovados e urbani- cêntricos, sendo que a ecologia social pro-
zados, existiriam tantos delitos? piciou o armazenamento de inúmeros da-
A ausência de planejamento urbano dos estatísticos da cidade, que passou a ser
municipal, cujo intuito é garantir as funções vista como um todo composto por partes que
da sociedade urbana (a de circular, a de interagem (visão sistêmica, característica da
habitar, a de trabalhar e a de lazer), consti- ecologia). Há, portanto, uma dinâmica na
tui, atualmente, uma das maiores causas da cidade, por meio da qual invasões e suces-
violência urbana. Deve-se, portanto, insti- sões de determinadas partes a tornam um
tuir políticas públicas com o intuito de ga- sistema mutável tendente a novos patama-
rantia das funções sociais da cidade e da di- res de equilíbrio (GIDDENS, 1999, p. 470).
minuição/prevenção da violência urbana. As informações científicas, acumuladas
por meio da visão ecológica, permitem afir-
3) Ecologia humana e a análise da mar que a violência tem, também, um subs-
criminalidade urbana pela Escola de trato biológico, que converge para a impor-
Chicago e pelo Comportamentalismo3 tância do planejamento urbano como solu-
Através da incorporação de conceitos ção para o ajuste das partes doentes do mai-
retirados da Biologia e da Ecologia, a Esco- or organismo social contemporâneo. 5

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Analisando a ocorrência e a distribui- em busca por melhores espaços urbanos
ção espacial da criminalidade; propondo a (CALHOUN, 1949).6
elaboração de mapas e de outros instrumen- A imagem da “gaiola comportamental”
tos que melhor permitissem a visualização de Calhoun, desdobramento da Escola de
da cidade e dos problemas decorrentes da Chicago e do Darwinismo Social, ilustra e
sua urbanização, a perspectiva funcionalis- facilita a compreensão de uma das mais re-
ta da Escola de Chicago foi pioneira no que levantes causas da violência urbana no Bra-
hoje podemos chamar de “cartografia urba- sil: a enorme concentração populacional em
na”. centros urbanos com recursos escassos para
O comportamentalismo, de modo conver- garantia da qualidade de vida.
gente, destaca que a história e a organiza- A violência é patologia passível de iden-
ção das cidades registram enorme variação tificação geográfica e de cura/melhoria com
de formas e de finalidades ao longo do tem- a mudança de fatores ambientais urbanos.
po: desde as primitivas aldeias de cidades Embora ocorra em todas as classes soci-
muradas, desde os burgos até às metrópo- ais, é nos bairros pobres que ela se torna
les e, mais recentemente, desde as megaló- epidêmica.
poles. Em última instância, os agrupamen- O ecologismo social permite o desenho
tos humanos resultam de um comportamen- de mapas que demonstram a distribuição
to gregário que tem seus antecedentes ani- da violência no espaço e no tempo. Ademais,
mais na manada, na matilha, no cardume e correlacionam-se elementos como as condi-
em tantas outras formas da vida coletiva que ções precárias de moradia (função urbanís-
a experiência zoológica permite observar. tica de residir) com as taxas de delinqüên-
Nos agrupamentos animais pré-huma- cia no local. Mais recentemente, a ecologia
nos, a violência dentro da espécie resulta, social almeja ser menos descritiva e mais
na maioria das vezes, de uma disputa terri- preceptiva de soluções para a criminalida-
torial. A violência das grandes cidades tem de urbana.
uma fisionomia reconhecível e tem víncu-
los indissolúveis com um conjunto de fatos II-Novo substrato biológico da
que só as megalópoles produzem, como: o violência urbana: a desordem urbana
anonimato, a falta de compromisso afetivo
e de uma aceleração desgastante. 1) Aspectos biogenéticos da violência:
Ainda, para a Escola de Chicago e para o nascimento da criminologia
o “behaviourism”, o adensamento popula-
cional das grandes cidades transgride as A criminologia está preocupada com o
normas e os limites do instinto de territoria- crime como fenômeno social. O estudo da
lidade, comum a todos os mamíferos caça- criminologia é de grande valia para deter-
dores, de que faz parte a espécie humana; minarem-se métodos de prevenção da vio-
tal como foi provado por John Calhoun, em lência em geral. Ao estudar-se o crime, o cri-
1962, no artigo “Densidade Populacional e minoso e o seu comportamento, o que se
Patologia Social” (BARNETT, 2001, p. 161). almeja é a compreensão de um fato social
Essa teoria oferece explicação simples para complexo. Essa compreensão, por sua vez,
a epidemia de violência que a TV começava permite a formulação de políticas públicas
a mostrar nas grandes cidades: turbas enfu- para a prevenção de novos delitos
recidas, polícia, bombas de gás lacrimogê- (SHUTERLAND, 1924, p. 11).
neo, saques e gangues urbanas. Assim como No século XVIII, o anatomista austríaco
os ratos, na gaiola comportamental, matam- Franz Gall desenvolveu teoria em torno da
se por uma posição no meio da gaiola, os idéia de que a maioria das características
homens se agridem no centro das cidades humanas, inclusive o comportamento anti-

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social, seriam reguladas por regiões especí- taria iluminá-la e isso se tornaria mais efi-
ficas do cérebro. caz do que construir prisões”.8
Assim, cada comportamento humano Demonstrando a contemporaneidade da
estaria sob o comando de um centro cere- idéia de Ferri, basta ser lembrado que, na
bral específico. Quanto mais robusto fosse o época do Governo de Fernando Henrique
centro, mais intensa seria a expressão do Cardoso, foi construído um plano de segu-
comportamento controlado por ele. Essa te- rança que tinha como principal meta a ilu-
oria ganhou o nome de frenologia ou de cra- minação de vias públicas.
nioscopia. Franz Gall imaginava que, ao Assim, o comportamento humano não
crescer, os centros cerebrais exerciam pres- se acha condicionado somente às caracte-
são contra os ossos da cabeça, deixando rísticas que herdamos de nossos pais. Ele é
neles saliências que poderiam ser vistas ou resultado de interações sutis entre genes e
palpadas. As pessoas com tendências cri- condições ambientais que originam experi-
minosas poderiam ser reconhecidas pelo ências de vida.
exame cuidadoso das protuberâncias e de- Nesse aspecto, a ecologia humana bus-
pressões ósseas existentes no crânio. ca verificar outro aspecto biológico da violên-
Cerca de cem anos depois, Cesare cia urbana, a interação entre o indivíduo e o
Lombroso,7 antropologista criminal, criou seu entorno. A cidade influencia o indivíduo.
doutrina que consagrou a associação das Além das características biológicas, os fenô-
características físicas com a índole crimino- menos culturais também são tidos como me-
sa. Tais características constituiriam o “stig- canismos de influência no indivíduo. O am-
mata”. De acordo com Lombroso, os tipos biente urbano insere-se nesse contexto, sen-
humanos com testa achatada e assimetria do a desordem urbana um elemento do entor-
nos ossos da face, por exemplo, seriam crimi- no que incentiva a violência. Afinal, como
nosos potenciais. Quem tivesse esses traços ensinou o filósofo espanhol José Ortega y
era classificado como tipo lombrosiano e vis- Gasset, o homem é um ser situado e datado!
to com extrema desconfiança nos tribunais.
3) Desordem urbana como agressão às
2) Aspectos bioambientais da violência: funções urbanísticas garantidoras da
a desordem urbana e a criminologia qualidade de vida na cidade
oriunda da Ecologia Humana O urbanismo caracteriza-se basicamen-
As informações científicas acumuladas te por quatro funções vitais: habitação, tra-
permitem afirmar que a violência tem um balho, circulação no espaço urbano e recre-
substrato biológico, de fato. Para os autores ação do corpo e do espírito. Essa concepção
clássicos já referidos, Franz Gall e surgiu do Congresso Internacional da Ar-
Lombroso, haveria um determinismo gené- quitetura Moderna, realizado na Grécia em
tico vinculado às características físicas do 1933, do qual resultou a edição da Carta de
indivíduo. Atenas, repositório das recomendações apro-
Já Enrico Ferri [200-?] afirmava que o vadas naquele evento (SILVA, 1997, p. 24-25).
homem não nasce delinqüente, mas que ele Le Corbusier foi signatário dessa Carta e
se torna delinqüente. Torna-se delinqüente, precursor na arquitetura do funcionalismo,
ao longo da vida, porque o meio social, o corrente consagrada no âmbito do direito
meio ambiente, os fatores externos, os fato- urbanístico. Propõe-se uma cidade radical-
res exógenos (ecológicos) convergem no sen- mente nova, racionalmente ordenada, com
tido de que essa pessoa venha a ser violen- separação geográfica de funções (diverti-
ta. Ferri, nesse aspecto, tem uma frase céle- mento, residenciais e comerciais, etc.), onde
bre: “se em uma rua escura se cometem mais os edifícios de grandes dimensões eram en-
atos violentos do que em uma rua clara, bas- quadrados por vastos espaços verdes. A li-

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gação entre as várias zonas era feita por lar- estudo da criminalidade, a teoria da oportu-
gas avenidas, susceptíveis de serem rapi- nidade e a teoria das atividades rotineiras, que
damente percorridas por automóveis. No destacam a influência do ambiente urbano
Brasil, com forte simbolismo que deve ser na ocorrência de delitos.
irradiado para todo país, Lúcio Costa e Essas teorias têm sido desenvolvidas
Oscar Niemeyer conceberam Brasília com a por criminologistas contemporâneos. A teo-
mesma filosofia. Desse modo, passou a ser ria da oportunidade (“theory of consolidated
considerada, no âmbito jurídico, como va- advantages”) de Logan busca explicar a
lor positivo a garantia das funções urbanís- evolução das taxas de crimes por meio das
ticas. A vida nas cidades, conforme já visto, circunstâncias em que os crimes ocorrem.
é caracterizada por atividades que se desen- Complementarmente, e de forma mais deta-
volvem em espaços interiores (edificações), lhada, a teoria da atividade rotineira (“routine
quer habitando as casas ou as construções activities”) de Cohen e Felson, objeto de es-
verticalizadas (prédios de apartamentos), tudo do presente item III, explica a relação
quer trabalhando nelas ou as utilizando entre um ofensor motivado, um alvo disponível
para os mais diversos fins recreativos, edu- e a ausência de guardiões com os delitos urba-
cativos, culturais, religiosos, comerciais, in- nos (STAHURA; SLOAN, 1988, p. 1.115).
dustriais, institucionais, consumistas, etc. Assim, a teoria social contemporânea
Como afirma José Carlos Freitas (1999): preocupa-se com aspectos de natureza ecoló-
“mesmo fora das edificações, as ativi- gica e ambiental, na determinação de fenô-
dades são realizadas em razão ou a menos sociais, tais como o da criminalidade.
caminho delas, agora entre portas e Haveria uma interdependência entre o ambi-
janelas, nos veículos automotores ou ente urbano, as vítimas e os “predadores”.
nos meios de transporte coletivo, so- Jacobs destaca que os ecossistemas ur-
bre as vias de circulação. Sempre al- banos são compostos por processos físicos,
guém estará se dirigindo ou saindo econômicos e éticos, em que a diversidade e
de uma edificação para outra. Mas é a interdependência cumpririam a função de
necessário que o trajeto ofereça condi- revitalização e de controle. O problema da
ções básicas para que, durante o iti- segurança nas grandes cidades estaria di-
nerário, o objetivo seja alcançado com retamente relacionado com o enfraqueci-
o mínimo de segurança”. mento dos mecanismos habituais de con-
O controle do uso, do parcelamento e da trole, exercidos, naturalmente, pelas pesso-
ocupação dos espaços urbanos – objeto, pois, as que vivem nos espaços urbanos (JACOBS,
do Direito Urbanístico –, visam à tutela des- 1961). De forma semelhante, no menciona-
sas funções urbanísticas, mediante normas do trabalho, defende-se que tais mecanis-
que se destinam a proporcionar, também, mos de controle são enfraquecidos pelo des-
ao lado da funcionalidade, a segurança. respeito às funções urbanísticas da cidade.
Das duas teorias complementares apre-
III – Crimes cometidos no ambiente sentadas, detalhar-se-á a teoria da ativida-
urbano: tipologia segundo a teoria de rotineira desenvolvida por Cohen e
Felson, que comprova a importância das
das atividades rotineiras
funções urbanísticas na garantia da segu-
rança da cidade.
1) Teoria das atividades rotineiras: explicação
socioambiental contemporânea da violência 2) Pressupostos da teoria da atividade
O impacto das teorias ecológicas dos rotineira para a ocorrência de um delito urbano
anos de 1930 e de 1940 (ecologia humana e A teoria da atividade rotineira (COHEN;
comportamentalismo) ensejou, no âmbito do FELSON, 1979) assinala a necessidade de

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três circunstâncias para que um crime (“ato como ausência antes do que a presen-
predatório”) ocorra. É necessário, pois, que ça é claramente princípio fundamen-
haja uma convergência, no tempo e no es- tal na despersonalização do estudo do
paço, de três elementos: ofensor motivado (cri- crime. Certos tipos de pessoas são
minoso), que por alguma razão esteja pre- mais prováveis de estar ausentes do
disposto a cometer um crime; alvo disponí- que outras, mas o fato de uma ausên-
vel, objeto (crimes patrimoniais) ou pessoa cia ser enfatizada é mais um lembrete
(crimes contra a pessoa) que possam ser ata- de que o movimento das entidades fí-
cados; e a ausência de guardiões (comunida- sicas no tempo e no espaço é central
de vigilante), que são capazes de prevenir para esta abordagem”.
violações. Destacando a necessária convergência
Trata-se de abordagem preocupada com desses três elementos, Cohen e Felson mos-
as características ambientais em que ocor- tram, como características urbanas vincu-
rem os crimes, chamados atos predatórios, ladas, que as funções urbanísticas estão re-
que mantém algumas ressonâncias com a lacionadas à incidência de crimes. Desse
criminologia mais tradicional, ao enfatizar modo, o local de residência dos ofensores e
a motivação dos ofensores como o primeiro das vítimas (função de residir), o relaciona-
dos elementos. A origem dessa motivação, mento entre ofensores e vítimas (função de
entretanto, é deixada em aberto. circulação, trabalho, residência e recreação),
O segundo aspecto é que a ação predató- o local dos contatos entre a vítima e o ofen-
ria dirija-se contra “alvos” disponíveis, ou sor, a idade das vítimas ou o número de
seja, pessoas ou objetos em dada posição no adultos em uma casa (função de residir) e o
tempo e no espaço vulneráveis ao agir do horário da ocorrência do crime constituem
ofensor. Aqui é destacada a vitimologia, na variáveis relevantes para a pesquisa da cau-
noção de alvo disponível. Um alvo define- sa prática dos altos índices de criminalida-
se como coisa ou pessoa que tem algum va- de em um determinado local. Exemplifican-
lor além de algumas propriedades que tor- do, o aumento de arrombamentos residen-
nam adequada a ação predatória. ciais relacionar-se-ia a mudanças na estru-
O terceiro aspecto, destacado por mui- tura de empregos na sociedade (função de
tos governantes brasileiros como o mais trabalho), de tal maneira que o aumento do
importante, vincula-se aos guardiões. Estes número de pessoas (incluindo mulheres)
não se referem apenas às organizações do que não se encontram diuturnamente nos
sistema de justiça criminal (polícia repres- lares deixa-os à mercê de atividades preda-
siva e preventiva, Ministério Público, Ma- tórias.
gistratura) tal como concebido pela crimi- A idéia simples e lógica de que ofenso-
nologia mais tradicional. Destaca, princi- res e vítimas devem encontrar-se no tempo e
palmente, os mecanismos de controle social no espaço deu origem a estudos de campo
informais. Nas palavras de Clarke e Felson que almejam identificar as dinâmicas pelas
(1993, p. 3): quais os indivíduos proporcionam oportu-
“Realmente, as pessoas mais aptas nidades para tornarem-se vítimas de crimes.
para prevenir crimes não são os poli- Esse tipo de abordagem usa dados de pes-
ciais (que raramente estão por perto quisa centrados nas circunstâncias urbanas
para descobrir os crimes no ato), mas da vítima para compreender as diversas
antes os vizinhos, os amigos, os pa- maneiras pelas quais a alocação das fun-
rentes, os transeuntes ou o proprietá- ções urbanísticas do trabalho, lazer, circu-
rio do objeto visado. Note-se que a lação e recreação influenciam as probabili-
ausência de um guardião adequado é dades de ocorrência de atos predatórios no
crucial. Definir um elemento-chave espaço urbano.

Brasília a. 42 n. 168 out./dez. 2005 175


3) Relação entre os espaços urbanos utilizados tam segurança privada diminuem a proba-
pelo cidadão (vítima) e as taxas de crimes bilidade de ser vítimas de crime.
As vítimas tornam-se ainda mais atrati-
A abordagem da atividade rotineira tor- vas quando oferecem menor possibilidade
na a vítima (alvo disponível) e suas circuns- de resistência ou proporcionam maior re-
tâncias (estar próxima a um ofensor moti- torno esperado do crime. Os indivíduos que
vado e em ausência de guardiões) o objeto oferecem menor possibilidade de resistên-
de estudo por excelência, investigando cia9 provavelmente reagem com pouca in-
como o estilo de vida do indivíduo e os es- tensidade, o que representa menor risco de
paços urbanos públicos e privados por ele aprisionamento para o agressor (segundo
freqüentados influenciam na probabilida- Foucalt (1987), a violência é caracterizada
de de vitimização. pela relação de forças desiguais, configu-
Os fatores que mais influenciam a ocor- rando, assim, uma relação de poder). Em
rência de delitos urbanos são: a exposição e a outras palavras, a violência é o ato de sub-
proximidade entre a vítima e o agressor (alvo jugação por forças de exploração e de domi-
disponível), a sua capacidade de proteção (es- nação. Aqueles que proporcionam maior
paço urbano coletivo ou privado), os atrati- retorno esperado do crime têm maior proba-
vos das vítimas (ofensor motivado e alvo dis- bilidade de ser vitimados, uma vez que, por
ponível) e a natureza dos delitos para os quais um mesmo risco de aprisionamento, o cri-
o ofensor se encontra motivado. minoso pode ganhar mais (trata-se de apli-
A exposição é definida pela quantidade cação utilitarista do princípio da busca da
de tempo em que os indivíduos freqüentam maior felicidade com a menor dor).
locais públicos, estabelecendo contatos e A natureza do delito é importante para
interações sociais. O estilo de vida de cada determinar em que proporção cada fator
indivíduo determina em que intensidade os exposto acima influencia a probabilidade
demais fatores estão presentes na vida. As- de vitimização.
sim, determina em que medida de riscos os
indivíduos se expõem ao freqüentar luga- IV – Políticas públicas protetivas das
res públicos. funções urbanísticas e minimizantes
A proximidade da vítima do agressor diz
dos delitos urbanos
respeito à freqüência dos contatos sociais
estabelecida entre ambos, o que depende do
1) O mapeamento da violência em Belo
local de residência, das características soci-
Horizonte: exemplo concreto de aplicação da
oeconômicas e dos atributos de idade e sexo,
ecologia humana e da teoria da atividade
assim como da proximidade de interesses
rotineira no Brasil para prevenção de crimes
culturais. Indivíduos com a mesma idade
costumam freqüentar os mesmos ambientes O Centro de Estudos de Criminalidade e
nas atividades de lazer. de Segurança Pública (CRISP) é um órgão
A capacidade de proteção está relacionada voltado para a elaboração, acompanhamen-
com o estilo de vida das vítimas. Indivíduos to da implementação e da avaliação crítica
que têm maior capacidade de resguardar- de políticas públicas na área da justiça cri-
se, evitando contato com possíveis agresso- minal. Ligado à Universidade Federal de
res, têm menor probabilidade de ser vitima- Minas Gerais (UFMG), o CRISP é composto
dos. Por exemplo, indivíduos que andam de por pesquisadores dessa Universidade e de
carro, em vez de fazê-lo de ônibus, têm mai- órgãos públicos envolvidos com o combate à
or capacidade de proteção porque diminu- criminalidade. Constitui exemplo concreto, e
em a possibilidade de contato com os agres- bem sucedido, da aplicação da ecologia soci-
sores. Do mesmo modo, aqueles que contra- al e da teoria da atividade rotineira no Brasil.

176 Revista de Informação Legislativa


A principal novidade do CRISP consiste março de 2002. Esse tipo de pesquisa con-
na introdução de modelo que combina dois tém informações sobre os acontecimentos
ingredientes: de um lado, pesquisa aplica- criminais sofridos pelos indivíduos, sobre
da, multidisciplinaridade e formação sóli- a quantidade e o tipo de perda incorrida e
da em análise quantitativa de dados para as características dos criminosos. Além dis-
efeitos de planejamento e de avaliação; do so, engloba informações sobre as caracterís-
outro, uma articulação de diferentes insti- ticas socioeconômicas, sobre os hábitos e
tuições e de órgãos públicos que lidam com sobre as características de residência e vizi-
o problema da criminalidade e da violên- nhança dos indivíduos (BEATO FILHO;
cia, sob a liderança de instituição universi- PEIXOTO; ANDRADE, 2004).
tária do mais alto prestígio acadêmico. Me- A pesquisa de vitimização, realizada em
rece destaque a organização de dados pon- Belo Horizonte, considerou as seguintes
tuais de crimes na cidade de Belo Horizon- categorias de crime: furtos (ato de apropria-
te, que se constituiu em iniciativa inédita no ção de bens alheios sem que a vítima perce-
Brasil e que se tornou referência em análi- ba a apropriação na hora da efetivação do
ses espaciais da criminalidade e no mapea- ato); roubos (ato de apropriação de bens
mento de crimes. alheios em que a vítima percebe a apropria-
O primeiro passo nessa abordagem é o ção na hora da efetivação do ato); tentativa
reconhecimento de que é necessário ir além de roubo (quando o indivíduo é vítima de
da simples localização dos endereços de roubo, mas consegue evitar a consumação
ocorrências, para considerar o contexto so- do mesmo); furtos em residência (ato de apro-
cioeconômico em que o crime ocorre, a dis- priação de bens alheios que estejam dentro
ponibilidade de alvos para a ação crimino- da residência da vítima, estando ela presen-
sa e a ausência de mecanismos de controle te ou não); tentativa de furto em residência
(elementos teóricos obtidos da teoria da ati- (quando o indivíduo é vítima de furto na
vidade rotineira). residência, que, por algum motivo, não con-
Embora o CRISP tenha pouco tempo de segue ser efetivado); agressão (ato de ferir
existência, já produziu resultados impor- outrem com ou sem uso de armas); tentativa
tantes. A partir do mapeamento das ocor- de agressão (quando o indivíduo é vítima
rências de assaltos a táxi, foi possível iden- de agressão, mas não é ferido) (BEATO
tificar áreas críticas de incidência desse cri- FILHO; PEIXOTO; ANDRADE, 2004, p. 55).
me. Montou-se estratégia de ação que en- Observou-se, após a coleta e a análise
volveu os motoristas e a polícia, com postos dos dados, a comprovação da teoria das ati-
de interceptação e de apreensão de armas vidades rotineiras, pois verificou-se a corre-
nessas áreas. O resultado foi a queda de 34% lação dos dados colhidos com a noção de
em assaltos, em 2001, por comparação com ofensor motivado, alvo disponível e ausên-
2000. O Centro está ainda envolvido em pro- cia de guardiões, já que se constatou que:
jetos de mapeamento detalhado da violên- 1. A incidência de vítimas na amostra
cia em BH, sempre buscando relacionar de- varia bastante conforme o tipo de crime con-
litos com condicionantes sociais.10 siderado.
Outro exemplo reporta-se à pesquisa 2. Com relação à idade, o grupo de 13 a
mais ampla sobre crimes urbanos, realiza- 24 anos é o de maior incidência tanto de
da em Belo Horizonte, em 2002 e detalhada furto como de roubo. Isso pode estar aconte-
na Revista Brasileira de Ciências Sociais. Os cendo devido aos fatores “exposição”, “me-
dados utilizados nesse trabalho provêm da nor capacidade de proteção” e “proximida-
Pesquisa de Vitimização realizada pelo de entre vítima e agressor”. Indivíduos mais
Centro de Estudos em Criminalidade e Se- jovens, em sua maioria, são solteiros, fre-
gurança Pública (Crisp) entre fevereiro e qüentam mais lugares públicos sem se pre-

Brasília a. 42 n. 168 out./dez. 2005 177


ocupar com a própria proteção. A propor- implementação de políticas públicas inter-
ção de agredidos na amostra vai diminuin- setorializadas. Conforme já demonstrado, a
do à medida que são consideradas faixas criminalidade é inseparável da problemáti-
etárias mais elevadas. ca urbana, o que confirma a necessidade de
3. Indivíduos que trabalham são vítimas conhecerem-se, em detalhes, os reflexos da
preferenciais de todos os tipos de crime. No crise econômica na sociedade e no cotidia-
caso de roubo e de furto, uma possível expli- no das pessoas. Os assentamentos huma-
cação é o fato de serem mais atrativos, pois nos, feitos sem respeito às relações entre as
proporcionam maior retorno esperado do pessoas, geram violência e criminalidade.
crime. No caso de agressão, a explicação pode Assim, o conhecimento científico e tecnoló-
residir no fato de estarem mais expostos, uma gico deve constituir o suporte para maior
vez que transitam mais em locais públicos e eficiência no combate à criminalidade e à
mantêm maior proximidade com possíveis violência.
agressores, pois o círculo social é maior. O planejamento urbano é fundamental
4. Os furtos e os roubos incidem mais em na elaboração do planejamento estratégico
indivíduos com nível superior e nos três gru- das atividades de uma cidade, instrumen-
pos de renda familiar mais elevada, mos- talizando a segurança como direito social,
trando a importância do fator atratividade. individual e coletivo. O combate à violên-
5. Com relação aos hábitos, indivíduos cia, assim como o planejamento da cidade,
que andam de coletivo, sobretudo à noite, deve envolver políticas de setores distin-
apresentam-se como mais prováveis vítimas tos como educação, saúde, lazer, ilumina-
de todos os tipos de crime. Em coletivos, os ção pública, trabalho e moradia, sendo os úl-
indivíduos têm menor capacidade de prote- timos diretamente vinculados às funções ur-
ção se comparados aos que circulam de car- banísticas.
ro, uma vez que estes têm menor contato com Há que ressaltar que a inexistência de
desconhecidos e, ao mesmo tempo, estão planejamento urbano dificulta e torna inefi-
mais protegidos no interior de seus veícu- ciente o combate à violência.
los (BEATO FILHO; PEIXOTO; ANDRADE, Por outro lado, dados empíricos, colhi-
2004, p. 78-81). dos na cidade de Belo Horizonte, impõem a
Assim, as pesquisas realizadas em Belo busca de novo modelo de gestão, que passa
Horizonte pelo CRISP comprovam a eficá- pela inversão de prioridades, enfatizando-
cia da análise empírica de dados criminoló- se gastos sociais e de infra-estrutura nas
gicos feita à luz da teoria da atividade roti- periferias (zonas mais sujeitas à violência,
neira na realidade citadina brasileira. entre outras razões, pela maior concentra-
Além disso, destaca a correlação sistê- ção de ofensores motivados e pela ausência
mica entre a deficiência da estrutura muni- de guardiões), em oposição às grandes obras
cipal urbana e as taxas de violência presen- centrais e viárias, e o engajamento popular
tes naquele local. Portanto, lutar por cida- no processo de decisão do poder instituído.
des planejadas por meio da gestão demo- São esses os dois grandes pilares da gestão
crática garantidora das funções urbanísti- democrática participativa.
cas vincula-se ao sucesso do combate à vio- A noção de ausência de guardiões nas
lência urbana. grandes cidades enseja a participação po-
pular prevista na Constituição Federal e
2) O planejamento urbano como concretizada no Estatuto da Cidade. É o que
política pública eficaz no combate à vem sendo chamado de processo de radica-
criminalidade urbana lização do sistema democrático, pelo apro-
O fenômeno da violência requer postura fundamento dos espaços de co-gestão entre
ampla na realização dos diagnósticos e a governo e comunidades locais para viabili-

178 Revista de Informação Legislativa


zar a concretização do direito à cidade se- rem lugares apropriados, tais como jardins,
gura (DANIEL, 2001, p. 522). parques, praças de esportes, praias, e aí tam-
A partir da Constituição de 1988, as ci- bém entram as áreas verdes.
dades foram alçadas, por meio do status, Uma política de esporte e de lazer que
concedido aos municípios, de ente federati- mobilize grupos tradicionalmente em risco
vo, a centro das políticas públicas de quali- (risco de tornar-se vítima – alvo disponível
dade de vida dos cidadãos. Nesse aspecto, – ou ator da violência – ofensor motivado)
o Governo Federal criou o Ministério das previne atos predatórios ocorridos na cida-
Cidades para coordenar e para agilizar a de. É conveniente destacar que os jovens de
implantação dos planos diretores munici- classes populares, se comparados a outros
pais previstos na Constituição Federal. estratos da sociedade, são dos grupos mais
O Capítulo IV do Estatuto da Cidade traz atingidos por esses fenômenos. Vários estu-
a garantia da participação popular na ges- dos demonstram que a precariedade dos
tão urbana como a operacionalização de serviços públicos e das condições de vida, a
novo ordenamento jurídico-urbanístico. falta de oportunidades, de emprego e de la-
Trata-se de normas de processo político- zer e as restritas perspectivas de mobilida-
administrativo que informam o “modo con- de social contribuem como potenciais moti-
creto de formulação da política urbana e da vadores de ações violentas para esse con-
incidência dos dispositivos tratados nos texto. Assim, tendo em vista a situação em
capítulos anteriores, para o que se exige que vivem os jovens de camadas populares,
sempre a necessária participação popular” as esferas convencionais de sociabilidade
(BUCCI, 2002, p. 333). já não oferecem respostas suficientes para
Visando à concretização dessa diretriz preencher as expectativas desses jovens.
constitucional, o Ministério das Cidades, por Nos vazios deixados por elas, constitui-se
meio da Secretaria Nacional de Programas outra esfera ou outra dimensão de sociabili-
Urbanos, lançou diretivas para implemen- dade cujas marcas principais são as trans-
tação do Plano Diretor Participativo. Tal gressões.
política pública servirá para orientar os go- A omissão estatal no campo do lazer
vernos municipais e a sociedade na cons- implica o agir favorável à violência. A forma-
trução dos planos diretores já que, de acordo ção de gangues/galeras dá-se, em sua maio-
com o Estatuto das Cidades, os municípios ria, nos espaços onde a sociedade não tem
com mais de 20 mil habitantes têm, até ou- respostas efetivas, por parte do poder públi-
tubro de 2006, que elaborar ou que atuali- co, para as demandas e as necessidades.
zar os planos diretores. Esse não cumprimento de atribuições
força o Estado a aceitar novo tipo de “or-
3) O lazer e a recreação: exemplo de respeito à dem” imposta, de maneira geral, pelo crime
função urbanística eficaz no combate à e pela violência. No livro Gangues, Galeras,
violência urbana sofrida e praticada por jovens C h e g a d o s e R a p p e r s (ABRAMOVAY;
Sistema de lazer é sinônimo de sistema WAISEFISZ; ANDRADE, 1999), discute-se,
de recreio, traduzindo a idéia de espaço também, que o “lazer negativo” contribui,
público reservado ao lazer ou a recreação, efetivamente, para o aumento da violência,
modalidade de direito social tutelado pela inclusive no Distrito Federal. Consideran-
Constituição Federal (art. 6o), que, na lição do a hipótese de existência de gangues, pro-
de José Afonso da Silva (1997, p. 248), expri- põe-se o conhecimento de quem são os jo-
me uma necessidade urbana. Para ele, lazer vens que delas fazem parte bem como da
e recreação são funções urbanísticas; daí, sua representação/percepção sobre temas
são manifestações do direito urbanístico. tais como violência, família, trabalho, edu-
Acrescenta que o lazer e a recreação reque- cação, consumo, drogas, cidadania, futuro.

Brasília a. 42 n. 168 out./dez. 2005 179


A relevância desse trabalho situa-se nos nú- Nessa fase, a responsabilidade pela pre-
meros, que demonstram a altíssima incidên- venção depende principalmente do Poder
cia de violência entre a juventude, princi- Público: Federal, Estadual e Municipal, com
palmente nos grandes centros urbanos. políticas públicas de geração de emprego e
Nesse sentido, almeja-se discutir a rela- de construção de moradias, pois somente
ção entre a violência (sofrida e praticada por assim o cidadão vai sentir-se valorizado e
jovens) e a condição de desrespeito às fun- sua auto-estima fará com que ele não tenha
ções urbanísticas do local em que os jovens motivação para a prática de atos ilícitos
se encontram. Esse desrespeito é oriundo da (“ofensor motivado”).
disponibilidade de recursos (materiais ou O desemprego é fonte de violência urba-
simbólicos) dos atores e do acesso à estrutu- na. Pesquisa realizada em 2004 pela Secre-
ra de oportunidades sociais, econômicas e taria de Segurança Pública do Estado de São
culturais que provêm do Estado, do merca- Paulo indica que a estagnação econômica
do e da sociedade civil; vincula-se, pois, a tem impacto direto no aumento da crimina-
aspectos da política social do Estado. lidade. O estudo foi feito no município de
Por meio da pesquisa Cultivando Vidas, São Paulo, analisando 33 tipos de ocorrên-
Desarmando Violências, a UNESCO acompa- cias policiais mais freqüentes. Acentuada
nhou, por meio de complexa rede de pes- porção delas acompanha, quase mês a mês,
quisas e de avaliações, programas realiza- a variação nas taxas de desemprego e as
dos por governos locais, ONGs e outras en- quedas no padrão de renda do brasileiro.
tidades da sociedade civil em 10 estados De 2001 a 2003, o ganho médio dos paulis-
brasileiros (que desenvolveram atividades tanos caiu 18,8% e a oferta de trabalho 22%,
colaborativas no combate à violência e à enquanto, nas ruas, furtos e roubos a tran-
construção de uma cultura pela paz, recor- seuntes aumentaram quase na mesma pro-
rendo ao lazer com e para jovens em comu- porção (23%). “Ao cruzar dados socioeco-
nidades sujeitas a vulnerabilidades sociais, nômicos e criminais, foi possível provar que
econômicas e sociais).11 a extrema necessidade pode ser incentivo
A pesquisa concluiu que, por meio do ao crime’’, diz o professor Leandro Piquet
estímulo ao lazer, foram criados espaços Carneiro da Faculdade de Ciências Políti-
alternativos de estímulo à criatividade, à cas da Universidade de São Paulo (USP),
participação, à auto-estima e à formação um dos cinco pesquisadores responsáveis
artístico-cultural, oferecendo alternativas de pelo estudo. Como exemplo disso, observa-
ocupação do tempo, contribuindo para acen- se que, nos bairros com poder aquisitivo
tuada crítica à cultura e à prática de violên- maior, o índice de violência é menor. Georg
cia. Em outras palavras, de acordo com a Simmel (1858-1918) já havia destacado, em
análise da teoria das atividades rotineiras, 1900, no artigo “A metrópole e a vida men-
diminuiu-se a incidência do “ofensor moti- tal”, que a vida urbana excita os nervos, in-
vado” e do “alvo disponível”. tensifica as áreas de atrito entre os morado-
res da cidade, por meio da proximidade do
4) Garantia de trabalho e de moradia digna: convívio, pelo anonimato e pela indiferen-
políticas públicas sociais eficazes para o ça (SIMMEL, 1973, p. 11-25).
combate da violência A pesquisa também revelou que o grau
Um outro nível de prevenção, também de violência dos delitos pode variar de acor-
vinculado ao capital social12 de uma comuni- do com o nível de desespero econômico de
dade, é a realizada por meio da geração de quem os pratica. Os furtos, que não envol-
emprego e de renda para os jovens e adul- vem ameaça ou agressão direta às vítimas,
tos, bem como pela garantia de moradia dig- têm relação mais direta com a queda na ren-
na à população. da da população. “São crimes furtivos, em

180 Revista de Informação Legislativa


que a ocasião e o risco são mais bem contro- ausência de guardiões. Tais elementos ten-
lados pelo autor, que minimiza o risco’’, diz dem a não ocorrer em cidades planejadas
Piquet. ‘’Entre os que tiveram uma queda de que garantam o pleno exercício das funções
renda, o crime mais comum são pequenos urbanísticas.
furtos no local de trabalho ou na rua’’, ex- A garantia da recreação e do lazer nas
plica. Eles costumam ser praticados por pes- cidades diminui as tensões sociais, dificul-
soas com menor propensão à violência, vin- tando o surgimento de ofensores motivados
das de ambientes sociais mais estruturados, ao cometimento de delitos.
ou por adultos que não querem correr o ris- O trabalho e a moradia seguros ensejam
co de ser pegos pela polícia.13 a inexistência de alvos disponíveis, na me-
É necessária a adoção de políticas sérias dida em que amparam o exercício das ativi-
no campo do desenvolvimento econômico, dades basilares da cidade, evitando situa-
para a geração de empregos e de habitação, ções de risco que tendem a aumentar a inci-
buscando-se evitar o aumento da criminali- dência dos crimes.
dade. Exemplificando, a necessidade de parti-
O Estado democrático de direito pressu- cipação popular na gestão da cidade, pre-
põe políticas públicas garantidoras das fun- vista na Constituição Federal e concretiza-
ções urbanísticas. A violência nasce da fal- da no Estatuto da Cidade, propicia a pre-
ta de esperança ou de perspectiva de vida sença de guardiões nas grandes cidades, na
melhor. A falta de trabalho, de moradia e de medida em que conscientiza a população
lazer geram vazio no coração, o que permite quanto aos problemas existentes em sua
a instauração da violência. O ofensor pode comunidade, o que minimiza a ocorrência
ser motivado pela falta de esperança de dias de infrações relevantes para o Direito Penal
melhores. Há, pois, correlação entre a Or- e a qualidade de vida citadina.
dem Urbanística e a criminalidade. Assim, o combate à violência pode ser
realizado por meio de políticas públicas
Conclusão garantidoras da dignidade da pessoa hu-
mana, nos termos da diretriz constitucional
Na identificação das causas endógenas (iden- de garantia das funções urbanísticas. Pro-
tificáveis por meio da “ecologia humana” e tejam-se as funções urbanísticas de uma
do comportamentalismo) da violência urba- comunidade urbana para que sejam prote-
na e na busca de soluções para esse problema, gidos os seus habitantes!
o respeito às funções urbanísticas da cida-
de tem papel de destaque, consoante a dire-
triz pública constitucional de planificação Notas
das cidades para garantia do bem-estar de
seus habitantes (art. 182 da Constituição 1
Por outro lado, Le Goff (1998, p. 26) assinala
Federal). que: “Em 1300, menos de 20% da população do
A falta de estrutura urbana municipal Ocidente reside em cidades e a maior aglomeração é,
contribui para a existência e para o aumen- de longe, Paris, com... 200 mil habitantes, não mais”.
2
As primeiras cidades surgiram há aproxima-
to da violência urbana. A teoria da ativida- damente 3.500 anos antes de Cristo, nos vales das
de rotineira destaca a relação entre as taxas bacias do Rio Nilo (Egito), dos Rios Tigre e Eufrates
de crimes e as circunstâncias em que estes (atual Iraque). As cidades nas sociedades da Anti-
ocorrem. Estudos realizados, no Brasil e no guidade eram bem menores que as atuais. A Babi-
Exterior, comprovam, empiricamente, que a lônia, por exemplo, possuía área de 3 milhas qua-
dradas e a população de aproximadamente 15.000
ocorrência de um crime vincula-se à con- pessoas. Roma, à época do Imperador Augusto,
vergência espacial e temporal de um ofen- no primeiro século antes de Cristo, possuía em tor-
sor motivado, de um alvo disponível e da no de 300.000 habitantes (GIDDENS, 1999, p. 467).

Brasília a. 42 n. 168 out./dez. 2005 181


3
“Conhecida (...) pelo seu nome mundial, çar tais metas. A desigualdade entre meios e metas
behaviorism, essa tem sido a escola de pensamento gera a violência. O espaço existente entre os meios
predominante na PSICOLOGIA acadêmica (...) que a sociedade dá a alguns (classes favorecidas) e
William James supunha que a psicologia estudava as metas ideais, que sugere para todos, é preenchido
os eventos mentais por meio da introspecção. Esse pela conduta agressiva, que, assim, busca alcançar
processo era notoriamente destituído de fidedigni- as metas por mecanismos não convencionais.
dade, faltando-lhe os meios de replicar as desco-
9
Esta noção encontra-se na política criminal
bertas relatadas (...) B.F. Skinner tornou popular adotada na cidade de Nova Iorque intitulada “to-
uma imagem do comportamentalismo como recei- lerância zero” e que teria sido “importada” para
ta para resolver as ansiedades individuais e os males algumas cidades brasileiras, tal qual Brasília. A
do mundo” (LOUCH, 1996, p. 108-109.) estratégia, implantada pelo então prefeito Rudolph
4
“Um número de pesquisadores associados à Giuliani, era não ignorar os pequenos crimes do dia
Universidade de Chicago no período de 1920 a 1940, a dia – pichações ou desordem, por exemplo – para
especialmente Robert Park, Ernest Burguess e Louis criar um ambiente de ordem na cidade e, assim,
Wirth, desenvolveram idéias que por muito tempo evitar que pequenos problemas se transformassem
influenciaram a teoria e a pesquisa da sociologia em grandes crises.Os defensores da tese dizem que,
urbana” (GIDDENS, 1999, p. 470). “Essa analogia se uma janela for quebrada em uma rua e nada for
entre a ecologia vegetal e animal e a dimensão não feito a respeito disso, alguns jovens podem come-
intencional de vida social humana foi mais plena- çar a achar que têm carta branca para quebrar ou-
mente desenvolvida e aplicada no campo da socio- tras janelas e cometer pequenos atos de
logia urbana, em que Park e Burgess analisaram os vandalismo.Com o tempo, o bairro ganharia fama
efeitos da competição por recursos escassos entre de decadente e perigosos. Os cidadãos amedronta-
indivíduos e grupos” (BENTON, 1996, p. 226). dos ficariam longe da área e os criminosos ganhari-
5
Deve-se destacar que a violência é fenômeno am uma base para suas operações. Para os parti-
complexo, constituído por vários elementos em in- dários do Tolerância Zero, a solução é resolver os
teração. Na presente monografia, foi dada ênfase à pequenos problemas da comunidade antes que eles
questão da violência sob a ótica da filosofia do se tornem grandes.
pragmatismo (a qual vincula-se a Escola de Chica-
10
CENTRO DE ESTUDOS DE CRIMINALIDA-
go e o Comportamentalismo) que visa por meio de DE E DE SEGURANÇA PÚBLICA (CRISP). Infor-
conhecimento científico amparar soluções para po- mações colhidas no site http://www.crisp.ufmg.br/
líticas públicas. intro.htm. Acesso em 15 de fev. 2005.
6
Em sentido oposto há outros estudos da pri-
11
Desde 1997, a UNESCO-Brasil iniciou série
matologia que contrariam as conclusões da “gaiola de pesquisas centradas nos temas de juventude,
comportamental”. Em 1971, B. Alexander, do Ore- violência e cidadania. Alguns dos livros que resul-
gon Regional Primate Research Center, descreveu taram dessas pesquisas são os seguintes: Culti-
brigas ferozes e até mortais entre macacos japone- vando Vidas, Desarmando Violências – Experiên-
ses, quando os animais previamente mantidos em cias em Educação, Cultura, Lazer, Esporte e Cida-
cativeiro eram libertados num espaço 73 vezes dania com Jovens em Situação de Pobreza (2001),
maior (ALEXANDER, 1970, p. 270-285). Juventude, Violência e Vulnerabilidade Social na
7
As idéias de Lombroso sustentaram um mo- América Latina: Desafios para Políticas Públicas
mento de rompimento de paradigmas no Direito (2002) e Escolas de paz (2001).
Penal e o surgimento da fase científica da Crimino- 12
“O conceito de capital social convida-nos a
logia. Lombroso e os adeptos da Escola Positiva de explorar a infra-estrutura da sociedade civil e su-
Direito Penal rebateram a tese da Escola Clássica gere que com sua análise se possam encontrar ex-
da responsabilidade penal lastreada no livre- plicações do porque algumas localidades ou insti-
arbítrio. Com o despontar da filosofia positivista e tuições apresentam maior vitalidade e eficiência no
o florescimento dos estudos biológicos e sociológi- combate à exclusão social e à violência do que ou-
cos, nasce a escola positiva. Essa escola, produto tras” (ABRAMOVAY; PINHEIRO, 2003, p. 4).
do naturalismo, sofreu influência da doutrina evo-
13
Cf. CRIME E DESEMPREGO, 2004, p. 20.
lucionista (Darwin, Lamarck); sociológica (Comte,
Spencer, Ardig e Wundt) e frenológica (Gall)
(PRADO, 1999, p. 47).
8
Outra versão moderna de teoria sociológica Referências
de cunho ecológico, é dada por Merton, que afirma
que a sociedade capitalista constantemente pro- ABRAMOVAY, Miriam (Coord.). Escolas de paz.
põem metas de “sucesso” (dinheiro, sucesso, patri- Brasília: UNESCO, Governo do Estado do Rio de
mônio, automóveis, roupas etc), sem no entanto ofe- Janeiro / Secretaria de Estado de Educação, Uni-
recer a todas as pessoas os mesmos meios de alcan- versidade do Rio de Janeiro, 2001.
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