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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CUIDADOS CLÍNICOS EM ENFERMAGEM
E SAÚDE
DOUTORADO EM CUIDADOS CLÍNICOS EM ENFERMAGEM E SAÚDE

JOSÉ JEOVÁ MOURÃO NETTO

REPERCUSSÕES DO PODER NA DIMENSÃO POLÍTICA DO CUIDADO


DA(O) ENFERMEIRA(O), NO PROCESSO DE TRABALHO E NA EXPRESSÃO
DO HABITUS PROFISSIONAL

FORTALEZA - CEARÁ
2022
JOSÉ JEOVÁ MOURÃO NETTO

REPERCUSSÕES DO PODER NA DIMENSÃO POLÍTICA DO CUIDADO


DA(O) ENFERMEIRA(O), NO PROCESSO DE TRABALHO E NA EXPRESSÃO
DO HABITUS PROFISSIONAL

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em


Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde do
Programa de Pós-Graduação em Cuidados
Clínicos em Enfermagem e Saúde do Centro de
Ciências da Saúde da Universidade Estadual do
Ceará, como requisito parcial à obtenção do título
de doutor em Cuidados Clínicos em Enfermagem
e Saúde.

Orientadora: Profª. Drª. Lucilane Maria Sales da


Silva
Coorientador: Prof. Dr. Leonardo Damasceno de

FORTALEZA - CEARÁ
2022
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
REPERCUSSÕES DO PODER NA DIMENSÃO POLÍTICA DO CUIDADO
DA(O) ENFERMEIRA(O), NO PROCESSO DE TRABALHO E NA EXPRESSÃO
DO HABITUS PROFISSIONAL

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em


Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde do
Programa de Pós-Graduação em Cuidados
Clínicos em Enfermagem e Saúde do Centro de
Ciências da Saúde da Universidade Estadual do
Ceará, como requisito parcial à obtenção do título
de doutor em Cuidados Clínicos em Enfermagem
e Saúde.

Aprovada em: 25 de fevereiro de 2022.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________ __________________________________
Prof.ª Drª. Lucilane Maria Sales da Silva Prof.ª Drª. Maira Buss Thofehrn
Presidente e orientadora
Universidade Federal de Pelotas - UFPEL
Universidade Estadual do Ceará – UECE

__________________________________________ __________________________________
Prof.ª Drª. Saiwori de Jesus Silva Bezerra dos Anjos Prof. Dr. Aluísio Ferreira de Lima
Universidade Estadual do Ceará - UECE Universidade Federal do Ceará -UFC

__________________________________
Prof.ª Dr ª. Karla Corrêa Lima Miranda
Universidade Estadual do Ceará - UECE
A todos os profissionais de enfermagem, em
especial, às enfermeiras e enfermeiros.
AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado a permissão de chegar aqui e por toda força e sabedoria concedida. A
Ele, toda honra e glória!
A Nossa Senhora, pela proteção e intercessão por todas as minhas necessidades.
A minha esposa Natália Frota Goyanna, companheira nos sonhos e nas lutas para concretizá-los,
sem a qual nada disso seria possível. O meu muito obrigado! Amo você!
Aos meus filhos, Mateus Frota Goyanna Mourão e Levi Frota Goyanna Mourão, por me
inspirarem a ser mais forte e a querer sempre ser um ser humano melhor.
Aos meus pais Maria Mourão Martins e José Valdir Mourão, pelo exemplo de vida e pelo amor
dedicado a mim. A vocês, que muitas vezes renunciaram os seus sonhos para que eu pudesse
realizar os meus, partilho a alegria deste momento.
Aos meus irmãos, Paulo Wérlon Mourão e Roberto Itallo Mourão, pela união, incentivo e apoio.
A minha sogra, Maria do Socorro Frota, pela atenção, carinho e disponibilidade em me ajudar
sempre que eu, minha esposa e meus filhos precisamos. Tenha certeza que, grande parte dessa
conquista, devo a você. O meu muito obrigado!
A todos os colegas de turma do doutorado, em especial aos amigos Edson Batista dos Santos,
Eduardo Carvalho de Sousa, Francisco Gilberto Fernandes Pereira e Francisco Rafael Ribeiro
Soares, que muitas vezes foram o apoio, o alento e a alegria, sentimentos e companheirismo que
ganham um outro significado quando se está longe de seu lar. O meu muito obrigado!
Agradecer, em especial, também, as colegas de turma e amigas: Antônia Regynara Moreira
Rodrigues, que me acolheu por anos em seu lar, configurando um apoio essencial para a
consecução do processo de doutoramento, além da convivência sempre divertida, e Maria da
Conceição Coelho Brito, essa amiga, companheira de turma, de orientadora e das viagens entre
Sobral e Fortaleza, nas quais pudemos chorar, sorrir, refletir e discutir sobre as questões
emergidas do doutorado. Às duas, o meu muitíssimo obrigado!
Aos irmãos da Equipe Nossa Senhora Desatadora dos Nós, pelos momentos partilhados,
incentivo, confiança e orações para a conclusão desse processo.
Aos profissionais que participaram da pesquisa, que me atenderam prontamente e colaboraram
durante a coleta dos dados. Obrigado!
À Professora Drª. Lucilane Maria Sales da Silva, pela orientação, atenção e paciência durante
toda essa caminhada. Obrigado pela sensibilidade para com o objeto, pois tenho certeza que
poucos pesquisadores se atreveriam a explorá-lo.
Ao Professor Dr. Leonardo Damasceno de Sá, pela coorientação e pelo apoio em toda a
construção deste estudo. As suas considerações foram determinantes para a execução da
pesquisa. Muito obrigado!
Aos professores Drª. Maira Buss Thofehrn, Dr. Aluísio Ferreira de Lima, Drª. Saiwori de Jesus
Silva Bezerra dos Anjos e Drª. Karla Corrêa Lima Miranda, Drª. Antônia Regynara Moreira
Rodrigues e Drª. Janiery Lima de Araújo por aceitarem participar da banca de defesa desta tese e
pelas valorosas contribuições.
Ao Programa de Pós-graduação em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde, da
Universidade Estadual do Ceará, pela oportunidade e a todos os professores pelos ensinamentos
e por contribuírem para a minha formação e realização deste projeto. Tenho orgulho de ter sido
produto dessa Universidade que tem consciência de sua responsabilidade para com a sociedade.
Aos meus professores da Universidade Estadual Vale do Acaraú, por todos os ensinamentos que,
até hoje, subsidiam todas as minhas ações como enfermeiro. O meu eterno agradecimento!
Aos amigos do Hospital Regional Norte e do Hospital Municipal de Cariré, o meu muito
obrigado pela disponibilidade em realizar as trocas e pela compreensão com as diversas situações
em que precisei de apoio no percurso do doutorado.
É preciso falar daquilo que nos obriga ao silêncio
(Clarice Lispector)
RESUMO

No processo de produção da saúde, muitos são os agentes envolvidos no cuidar, tecendo-se entre
eles uma imbricada rede de relações de poder, o que cria uma atmosfera invisível, que se
configura como a dimensão política do cuidado, podendo influenciar o processo de trabalho. No
contexto do trabalho da (o) enfermeira (o), observamos, em algumas situações e cenários, a
fragilidade política dessa profissão, evidenciada pela limitação: da autonomia, do pensamento
crítico ou da capacidade de mobilização coletiva. O estudo teve como objetivo geral: analisar
como a dimensão política do cuidado, no processo de trabalho da(o) enfermeira(o), influencia ou
é influenciada pelas diferentes formas de poder emergidas da interação deste com a equipe de
saúde, a ponto de definir seu habitus; e como objetivos específicos: apreender a dimensão
política do cuidado na prática profissional da(o) enfermeira(o) e sua influência na conformação
do habitus desse profissional; identificar as estratégias utilizadas pelas(os) enfermeiras(os) junto
aos demais membros da equipe de saúde que concorrem, ou não, para o aumento de seu capital
simbólico e social; verificar as posições assumidas pelas(os) enfermeiras(os) em articulação com
os demais membros da equipe multiprofissional e sua relação com os poderes estabelecidos;
evidenciar as relações de poder e dominação estabelecidas entre os agentes no campo da saúde e
como estas influenciam a dimensão política do cuidado de enfermagem. Trata-se de um estudo
de campo, de natureza qualitativa, ocorrido em um Hospital Terciário e em Unidades Básicas de
Saúde, em Sobral, Ceará, Brasil. A coleta ocorreu mediante entrevista semiestruturada e
observação não participante. Foram ouvidos 33 profissionais, entre enfermeiras(os), médicas(os),
odontólogas(os) e fisioterapeutas e realizadas 43 horas de observação em duas Unidades Básicas
de Saúde e no Serviço de Emergência. Os achados foram categorizados e analisados a partir da
Teoria do Habitus de Pierre Bourdieu. O resultados estão constituídos em quatro categorias:
caracterização dos participantes; o campo da saúde e as distintas interações de seus agentes;
mobilização dos capitais: o que tem valor no campo da saúde?; dimensão política do cuidado:
dinâmica do poder e sua influência sobre o habitus e a prática do enfermeiro e da enfermeira.
Observou-se que enfermeiros, médicos, fisioterapeutas e odontólogos desenvolvem práticas
muito similares, sendo difícil a definição de um núcleo de atividades privativas. Os (as)
enfermeiros (as) apresentam limitada capacidade de relatar suas atividades. Identificamos como
elementos que interferem na constituição do habitus profissional do (a) enfermeiro (a) a
legislação, o conhecimento e a dinâmica institucional. As relações de poder interferiram na
prática desse profissional, seja limitando a fala ou pela imposição de receios. O trabalho desse
profissional envolve gerenciamento e prestação de cuidados diretos, que podem ser clínicos ou
educativos. Muitos foram os capitais encontrados no campo e que interferem na dimensão
política, no trabalho da(o) enfermeira(o): o conhecimento, as formas de se comunicar, a postura,
a posse de bens materiais, o gênero, o cargo, a experiência, a categoria profissional, o tempo de
serviço, a idade, o reconhecimento, o prestígio, as relações de amizade, o acesso a determinados
pessoas e grupos. Ao final, podemos considerar que o trabalho em saúde, de fato, envolve e é
influenciando por relações de poder que conformam a dimensão política do cuidado. Esta
dimensão influencia no processo de trabalho da(o) enfermeira(o) e dos demais profissionais,
sendo os elementos mais fortemente relacionados com a aquisição de capital simbólico o
conhecimento teórico e prático e as formas de se comunicar. É necessário que a enfermagem
conheça mais sobre esse aspecto do cuidado, para que possam se sobressair nessa dinâmica,
podendo ofertar um melhor cuidado e aumentar sua visibilidade e valor diante da sociedade.

Palavras-chave: Enfermagem. Cuidados de Enfermagem. Serviços de Saúde. Trabalho. Política.


ABSTRACT

In the health production process, there are many agents involved in care, building a complex
network of power relationships between them, which creates an invisible atmosphere, which is
configured as the political dimension of care, which can influence work in health. In the context
of the nurse's work, we observed, in some situations and scenarios, the political fragility of this
profession, evidenced by the limitation: of autonomy, critical thinking or the capacity for
collective mobilization. The study aimed to analyze how the political dimension of care is
influenced by different forms of power, to the point of defining the professional habitus. We
defend the following thesis: there is a political dimension of care that significantly interferes in
the work process. This is a field study, of a qualitative nature, carried out in a large hospital and
in Basic Health Units, in Sobral, Ceará, Brazil. Data collection took place through semi-
structured interviews and non-participant observation. Thirty-three professionals were
interviewed, including nurses, doctors, dentists and physiotherapists, and 43 hours of observation
were carried out in two Basic Health Units and in the Emergency Service. The findings were
categorized and analyzed based on Pierre Bourdieu's Habitus Theory. The results are constituted
in four categories: characterization of the participants; the field of health and the different
interactions of its agents; capital mobilization: what is valuable in the health field?; political
dimension of care: dynamics of power and its influence on the habitus and practice of nurses. It
was observed that nurses, doctors, physiotherapists and dentists develop very similar practices,
making it difficult to define a core of private activities. Nurses have limited ability to report their
activities. We identified legislation, knowledge and institutional dynamics as elements that
interfere in the constitution of the nurse's professional habitus. Power relations interfered in this
professional's practice, either by limiting speech or imposing fears. The work of this professional
involves management and provision of direct care, which can be clinical or educational. There
were many capitals found in the field that interfere in the political dimension, in the work of
nurses: knowledge, ways of communicating, posture, possession of material goods, gender,
position, experience, professional category, length of service, age, recognition, prestige,
friendships, access to certain people and groups. In the end, we can consider that health work, in
fact, involves and is influenced by power relations that shape the political dimension of care.
This dimension influences the work process of nurses and other professionals, and the elements
most strongly related to the acquisition of symbolic capital are theoretical and practical
knowledge and ways of communicating. It is necessary for nursing to know more about this
aspect of care, so that they can excel in this dynamic, being able to offer better care and increase
its visibility and value in society.

Keywords: Nursing. Nursing Care. Health Services. Work. Politics.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AH Atenção Hospitalar
APS Atenção Primária à Saúde
CAPS Centro de Atenção Psicossocial
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
COFEN Conselho Federal de Enfermagem
COREN Conselho Regional de Enfermagem
ESEL Escore de Enfermagem Linear
ESF Estratégia Saúde da Família
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICN International Council of Nurses
NAI Núcleo de Atividades Identitárias
NANDA North American Nursing Diagnosis Association
NIC Nursing International Classification
NOC Nursing Outcomes Classification
ODS Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
OPAS Organização Panamericana de Saúde
OS Organização Social
SERNECE Sindicato dos Enfermeiros da Região Norte do Estado do Ceará
SUS Sistema Único de Saúde
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UECE Universidade Estadual do Ceará
UVA Universidade Estadual Vale do Acaraú
SUMÁRIO

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO: A DIMENSÃO


POLÍTICA DO CUIDADO NO PROCESSO DE TRABALHO EM
ENFERMAGEM E A CONFORMAÇÃO DO HABITUS
PROFISSIONAL.................................................................................................. 15
1.1 Aproximação do pesquisador ao objeto de 21
estudo.............................................
2 PRESSUPOSTOS................................................................................................. 24
3 OBJETIVOS......................................................................................................... 26
3.1 Geral...................................................................................................................... 26
3.2 Específicos............................................................................................................. 26
4 REVISÃO DA 27
LITERATURA............................................................................
4.1 Considerações sobre o processo de trabalho do enfermeiro e da enfermeira
e o trabalho em 27
saúde...........................................................................................
4.2 O cuidado e o Cuidado de 30
Enfermagem..............................................................
4.3 O entendimento sobre poder e política adotados no estudo 35
5 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO........................................... 39
5.1 O entendimento sobre política adotado no 39
estudo..............................................
5.2 A teoria sociológica de Pierre Bourdieu e seu método de investigação........... 44
6 O CAMINHAR METODOLÓGICO DA 44
PESQUISA......................................
6.1 Tipologia do 44
estudo...............................................................................................
6.2 Contexto e seus 44
interlocutores.............................................................................
6.3 Construção das 46
informações................................................................................
6.3.1 Entrevistas.............................................................................................................. 47
6.3.2 Observação não 48
participante...................................................................................
6.4 Processo de pesquisa e análise do 48
apreendido.....................................................
6.4.1 Marcação de um segmento do social com características 49
sistêmicas......................
6.4.2 Construção prévia do esquema das relações dos agentes e 49
instituições...................
6.4.3 Decomposição de cada ocorrência significativa, característica do sistema de
posições do 49
campo..................................................................................................
6.4.4 Análise das relações objetivas entre as posições no 49
campo.....................................
6.4.5 Análise das disposições subjetivas......................................................................... 49
6.4.6 Construção de uma matriz relacional corrigida da articulação entre as 50
posições....
6.4.7 Síntese da problemática geral do 50
campo.................................................................
6.5 Aspectos éticos...................................................................................................... 50
7 RESULTADOS E DISCUSSÃO DO MATERIAL EMPÍRICO..................... 52
7.1 Caracterização dos 52
participantes .......................................................................
7.1.1 O contexto 52
hospitalar..............................................................................................
7.1.2 O contexto da Atenção Primária à 54
Saúde................................................................
7.2 O campo da saúde e as distintas interações de seus agentes: o processo de
trabalho de enfermeiras(os), fisioterapeutas, médicos e 56
odontólogos...............
7.2.1 Processo de trabalho em 58
saúde................................................................................
7.2.2 Processo de trabalho da(o) enfermeira(o) e a constituição do 74
habitus....................
7.3 Mobilização dos capitais: o que tem valor no campo da 87
saúde?........................
7.4 Dimensão política do cuidado: dinâmica do poder e sua influência sobre o
habitus e a prática do enfermeiro e da 94
enfermeira............................................
8 CONSIDERAÇÕES 107
FINAIS...............................................................................
REFERÊNCIAS................................................................................................... 110
APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO (TCLE).................................................................................... 125
APÊNDICE B – ROTEIRO DA ENTREVISTA (PROFISSIONAIS NÃO
ENFERMEIROS)................................................................................................. 128
APÊNDICE C – ROTEIRO DA ENTREVISTA (ENFERMEIROS)............. 129
APÊNDICE D – ROTEIRO DA OBSERVAÇÃO NÃO PARTICIPANTE... 130
ANEXO A – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA............. 137
15

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO: A DIMENSÃO POLÍTICA DO


CUIDADO NO PROCESSO DE TRABALHO EM ENFERMAGEM E A
CONFORMAÇÃO DO HABITUS PROFISSIONAL

No processo de produção da saúde, muitos são os agentes envolvidos para que se


concretize o cuidado: profissionais que prestam atenção direta, gestores, usuários, familiares,
cuidadores e outros. Com essa gama de agentes e suas relações, tece-se uma imbricada rede,
pouco aparente, mas que interfere diretamente sobre como é ofertado o cuidado em saúde.
No entanto, antes de adentrarmos neste aspecto, mais íntimo, do processo de trabalho
em saúde, necessitamos discorrer sobre aspectos mais elementares, macros, para podermos
contextualizar as análises futuras, estas feitas em maior profundidade sobre o trabalho em saúde,
em especial sobre o trabalho da(o) enfermeira(o).
Para Marx (2013), no processo de trabalho, a atividade do homem opera uma
transformação no objeto, sobre o qual atua por meio de instrumentos, para transformá-lo em
produto, sendo estruturado a partir de três elementos: a atividade, o objeto e os instrumentos ou
meios, que viabilizam a execução do trabalho.
Há quase três décadas, Mendes-Gonçalves (1994) discute sobre o processo de
trabalho em saúde, e o analisa sob a perspectiva de seus elementos: o objeto do trabalho, os
instrumentos, os agentes e a finalidade, somente sendo possível a sua execução a partir da
existência de instrumentos materiais, representados pelos equipamentos, medicamentos, estrutura
física, dentre outros, e não materiais, nos quais se inclui os diferentes saberes.
Franco e Merhy (2012) avançam na compreensão dos instrumentos utilizados no
processo de trabalho em saúde ao introduzir a análise da micropolítica do trabalho na saúde e a
tipologia das tecnologias em saúde: as leves correspondem às relações entre os sujeitos,
acolhimento, gestão de serviços; as leve-duras são representadas pelos saberes bem estruturados,
como o processo de enfermagem e os protocolos assistenciais; as duras são os equipamentos
tecnológicos do tipo máquinas.
16

Neste cenário de produção da saúde, convivem várias profissões, dentre elas a


enfermagem, a qual expressa sua prática por meio da oferta do cuidado autônomo e colaborativo
de indivíduos de todas as idades, famílias, grupos e comunidades, adoecidos ou não, e em todos
os ambientes, promovendo saúde, prevenindo doenças, tratando pessoas adoecidas, deficientes
ou no percurso final da vida (INTERNATIONAL COUNCIL OF NURSES, 2002).
A atuação profissional da(o) enfermeira(o) se assenta em seus processos de trabalho:
assistir, administrar, ensinar, pesquisar e participar politicamente (SANNA, 2007). Estes
processos não ocorrem isoladamente, uma vez que estão conformados e ocorrem
simultaneamente para constituir o corpo de conhecimentos que sustentam o fazer da(o)
enfermeira(o) e, em seu processo de trabalho, desenvolve atividades assistenciais e gerenciais, de
forma indissociável, mediada por relações de poder, articulando saberes filosóficos, políticos e
técnicos (LEAL; MELO, 2018).
Estes profissionais desenvolvem um processo de trabalho diferente do processo de
trabalho dos demais profissionais e trabalhadores da saúde, devido à singularidade do lugar que
a(o) enfermeira(o) ocupa, ao ser a(o) única(o) profissional que coordena o processo de trabalho
em enfermagem, uma vez que tem sob sua responsabilidade uma equipe de trabalho formada por
auxiliares e técnicos de enfermagem e também outras(os) enfermeiras(os), e, ao mesmo tempo,
direciona o processo de trabalho em saúde, além de prestar cuidados diretos (LEAL; MELO,
2018).
Essa especificidade do trabalho da(o) enfermeira(o) a(o) coloca no centro da atenção
às pessoas que necessitam de cuidados, pois é a(o) responsável direta(o) pela interlocução dos
diferentes profissionais no que concerne às terapêuticas instituídas. Assim, considerando ser
inerente ao processo de trabalho em saúde uma intensa interação social (OLIVEIRA et al.,
2016), essa centralidade da(o) enfermeira(o) a(o) expõe mais às diferentes tensões existentes na
arena em que se constituem as instituições de saúde, nas quais, muitas vezes, estão em
divergência os interesses da(o) enfermeira(o), do usuário 1, da organização e dos demais membros
da equipe multiprofissional.

1
Optamos pelo uso da expressão usuários por considerá-la um contraponto a ideia de paciente, fortemente
relacionada ao modelo biomédico de prestação do cuidado, e alternativa mais adequada frente à expressão cliente,
que embora avance no que concerne ao protagonismo da pessoa, família ou comunidade, foco do cuidado, ainda
pode guardar uma conotação mercantilista e assistencialista da prestação do cuidado. Nesse contexto, usuário parece
mais adequado por possibilitar uma relação mais aproximada a noção de integralidade e cidadania.
17

Portanto, a partir da discussão do processo de trabalho da(o) enfermeira(o),


percebemos que o trabalho em saúde se produz muito além dos equipamentos, procedimentos e
técnicas usadas nas intervenções realizadas junto aos usuários, pois, qualquer que seja a
abordagem, existirão sempre relações mediadas por uma pessoa atuando sobre a outra, havendo,
nesse processo de trocas, jogos de expectativas, momentos de fala, escuta e interpretação, nos
quais existe a produção de vínculo, de uma acolhida ou não das intenções que esse encontro
produz (LUNARDI et al., 2010).
Essa teia de relações de poder, na qual um agente influencia o percurso do outro que,
irremediavelmente, é produzida entre os as pessoas no processo de cuidar, sejam estes
profissionais, gestores, usuários, familiares ou cuidadores, cria uma atmosfera invisível, mas que
pode influenciar fortemente a forma como o cuidado de enfermagem e em saúde é prestado. É
essa atmosfera que configura a dimensão política do cuidado.
No contexto das profissões que conformam o corpo da enfermagem no Brasil,
enfermeiras(os), técnicas(os) e auxiliares de enfermagem, acreditamos ser necessário que esses
profissionais compreendam a dinâmica do poder entre os membros das equipes nos serviços de
saúde, para que, com isso, possam melhor se movimentar, reconhecendo as relações de poder e
os capitais que as movimentam. Sobre esses capitais, Bourdieu (2001a) considera que eles
alimentam essas disputas entre os agentes dos campos, nesse caso, do campo da saúde, e, dentre
os capitais pelos quais se luta, o capital simbólico e suas modalidades (social, cultural,
econômico) tem uma representação central, pois está diretamente relacionado à problemática do
reconhecimento social em suas várias dimensões, incluindo o prestígio. Adiante, ao discorrermos
sobre a Teoria Sociológica de Pierre Bourdieu, nos aprofundaremos mais sobre esses conceitos.
A enfermagem representa a maior categoria profissional do campo da saúde em todo
o mundo: são 27, 9 milhões de profissionais, representando 59% de toda a força de trabalho na
saúde, sendo, somente no Brasil, 2.119.620 profissionais exercendo atividades fundamentais à
manutenção dos sistemas de saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem alertado as lideranças governamentais
de todo o mundo sobre a necessidade de maiores investimentos na formação, em condições de
trabalho e estímulo ao desenvolvimento de lideranças na enfermagem como um dos meios para
que se alcance a cobertura universal em saúde e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
(ODS) (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020).
18

Em 2016, um relatório desenvolvido pela All-Party Parliamentary Group on Global


Health, no Reino Unido, evidenciou, mais uma vez, a importância de mais investimentos na área
enfermagem, por concluir que estes investimentos resultariam em um triplo impacto: melhoria
nos indicadores de saúde, avanços na igualdade de gêneros, no contexto do mundo do trabalho,
além do fortalecimento das economias dos países (ALL-PARTY PARLIAMENTARY GROUP
ON GLOBAL HEALTH, 2016).
Esse relatório subsidiou o desenvolvimento de uma campanha mundial de
valorização da enfermagem, denominada Nursing Now, fomentada pela Organização Mundial da
Saúde, em parceria com o International Council of Nurses, com apoio do Burdett Trust for
Nursing, tendo como metas: aumentar o investimento na melhoria da educação, do
desenvolvimento profissional, da regulação e das condições de trabalho para enfermeiras(os);
aumentar a influência destes nas políticas nacionais e internacionais; aumentar o número de
enfermeiras(os) em posições de liderança com mais oportunidades para desenvolvimento em
todos os níveis de liderança; aumentar as evidências que apoiem as políticas; trabalhar para que
as enfermeiras(os) atuem integralmente; e aumentar e melhorar a disseminação de práticas de
enfermagem efetivas e inovadoras (CRISP; IRO, 2018; WHO, 2018).
No entanto, mesmo diante de sua importância para os sistemas de saúde, essa
categoria tem enfrentado problemáticas que a tem desafiado como profissão: a dificuldade do
reconhecimento e a pouca visibilidade de seu trabalho diante da sociedade e de outros
profissionais da saúde (FERNANDES, 2016; LOPERO-ARANGO, 2018); detém conhecimento
ímpar sobre os sistemas de saúde, mas é pouco considerada nos processos de tomada de decisão
e desenho das políticas públicas, de forma que, muitas vezes, seu papel tem sido o de
implementar políticas mas não de desenvolvê-las (BENTON, 2012); tem enfrentado recorrentes
intervenções de natureza judicial, emanadas ou apoiadas pelas representações de classe de outras
profissões da saúde, que tem repercutido em limitação do seu exercício (COFEN, 2018a;
COFEN, 2018b; COFEN, 2018c).
Acreditamos que a fragilidade política da enfermagem, evidenciada pela limitação da
autonomia profissional, do pensamento crítico ou da capacidade de mobilização de coletivos
necessários para promover transformações na realidade, pode estar intimamente relacionada com
a construção deste cenário.
19

Os estudos que discutem política, no contexto da enfermagem, ainda podem ser


considerados escassos, mas alguns autores têm se dedicado a estudar este aspecto da profissão,
no entanto, observamos que este termo assume diferentes conotações na literatura,
provavelmente sendo reflexo da polissemia da própria palavra “política”, frequentemente se
remetendo a limitações da autonomia, da capacidade de organização da enfermagem como
coletivo, ou ainda relacionado com a pouca habilidade desses profissionais de se inserirem em
espaços legislativos e de tomada de decisão.
Porto e Thofehrn (2015), em estudo realizado no contexto hospitalar, identificaram
que as(os) enfermeiras(os) tinham frágil empoderamento político, pois mostraram-se pouco
críticos e transformadores de suas realidades, apresentando, ainda, pouco envolvimento com suas
entidades de classe. Alhassan et al. (2019), ao investigar a inserção da(o) enfermeira(o) nas
arenas político-partidário-governamentais, em Gana, constataram ser inexpressiva a participação
da enfermagem nas casas legislativas. Outro estudo, realizado com enfermeiros e enfermeiras
dos Estados Unidos da América (EUA), chegou à mesma conclusão: é muito limitado o
envolvimento dos profissionais com a política partidária (O’ROURKE et al., 2017).
White (1995) aborda política no contexto de um padrão de conhecimento, que a
autora o nomina de padrão sociopolítico, que trata da inserção crítica da(o) enfermeira(o) dentro
dos fundamentos estruturais do meio social, da política e da economia (LACERDA; ZAGONEL;
MARTINS, 2006).
Em quaisquer dos sentidos, seja política como tema relativo à capacidade crítica e
transformadora, como referente à inserção política partidária ou, ainda, como um padrão de
conhecimento, existem apontamentos de que existe uma fragilidade política na enfermagem e
esta parece explicar parte importante do contexto vivenciado por essa categoria, uma vez que
essa fragilidade pode repercutir na incapacidade de autogestão, que se torna inapta para criar seu
próprio projeto de desenvolvimento, pois está impossibilitada de analisar criticamente o real e,
assim, de intervir para mudá-lo, podendo contribuir para que os profissionais desenvolvam uma
prática submissa e passiva, limitando sua atuação e pondo em risco sua autonomia e
emancipação (PIRES, 2007) o que interferiria diretamente sobre seu habitus2 profissional.

2
A partir do olhar de Pierre Bourdieu, o habitus é considerado a força invisível que orienta as práticas nos diferentes
contextos, inclusive as práticas profissionais, tornando tácita uma dinâmica de trabalho que é obedecida e
reconhecida por todos que convivem e compartilham desse campo.
20

Nessa perspectiva, é necessário reiterar que a participação política da(o)


enfermeira(o) se revela no pensar crítico e no fazer criativo e transformador sobre a sua prática e
no reconhecimento de que essa se faz em espaços de disputa de poder (MELO; SANTOS, 2007;
PIRES, 2007).
A dimensão política do cuidado ganha contornos quando iluminada pelo pensamento
de Hannah Arendt (2002, 2007) e Pierre Bourdieu (1989), ao inferirem, a primeira, que política
compreende ser a ação do homem no espaço público, a qual se apresenta como relação do
homem para com os outros, intrinsecamente marcada por relações de poder que se movimentam
a partir do discurso e da ação, do falar e do agir, assim, tratando-se a política da convivência
entre diferentes; e o segundo, quando discorre sobre o poder, referindo ser esta uma dimensão da
vida, constituída por uma teia invisível de relações, nomeada por Bourdieu de poder simbólico.
Hannah Arendt é uma das figuras mais proeminentes quando da discussão sobre
política, pois apresenta uma obra densa e reconhecida como de grande consistência nesse campo
(ARENDT, 2007), trazendo conceitos que nos ajudam a clarificar a dimensão política do
cuidado, objeto do estudo.
A partir do exposto, consideramos como dimensão política do cuidado a teia de
relações de poder estabelecida entre as pessoas, que existe em todos os espaços e, também, no
campo da saúde, que influencia o processo de cuidar em saúde.
Nesta mesma acepção, a(o) enfermeira(o) politizada(o) é entendida(o), por nós, como
profissional capaz de refletir e criticar a realidade e, a partir disso, mobilizar e rearranjar os
recursos e pessoas para transformá-la, sempre em uma perspectiva coletiva. Sobre o poder, o
consideramos uma capacidade transformadora, inerente às interações sociais, que intui fazer com
que os outros agentes se conformem com nossos desejos (GIDDENS (2018).
Acreditamos que a pesquisa e a reflexão sobre o processo de trabalho em saúde e a
dimensão política do cuidado podem contribuir para a construção de um corpo teórico capaz de
elucidar essas dinâmicas e tensionar mudanças, haja vista que, como anteriormente mencionado,
ainda são escassos os estudos que relacionem política à enfermagem.
No entanto, mesmo sendo escassas, é importante reconhecermos as iniciativas de
pesquisadores que se detiveram a explorar o tema da politização na enfermagem na pós-
graduação brasileira.
21

Pires (2001) investigou a fragilidade política da(o) enfermeira(o), desenvolvendo a


hipótese de que a qualidade política e a qualidade formal são importantes para o
desenvolvimento profissional da(o) enfermeira(o). Peruzzo (2006) historicizou a construção do
Projeto Político Profissional da Enfermagem Brasileira, na Associação Brasileira de
Enfermagem/ Seção Paraná, sob a ótica de ex-presidentes. Carneiro (2014) buscou compreender
a dimensão política no trabalho da(o) enfermeira(o)da atenção básica, considerando como
dimensão política a relação que os trabalhadores estabelecem com a gestão pública em saúde e
seus desdobramentos no trabalho na Atenção Básica nas distintas modalidades de organização da
Atenção Básica. Silva (2016) analisou as representações sociais de jovens de movimentos
estudantis de enfermagem sobre a formação política e as implicações na formação acadêmica.
Dias (2018) explorou a organização política da enfermagem no enfretamento à precarização do
trabalho frente ao avanço da lógica neoliberal.
O estudo tem como objeto o processo de trabalho em enfermagem e a dimensão
política do cuidar. Acreditamos que o mesmo possa repercutir: no ensino, contribuindo para que
novos conteúdos sejam trabalhados, e assim, consiga-se desenvolver mais a politicidade dos
estudantes; na pesquisa, estimulando produções que se detenham a analisar os múltiplos fatores
que compõem essa dimensão do cuidado de enfermagem e em saúde; na assistência, podendo
estimular o desenvolvimento de competências que impactem no processo de trabalho da(o)
enfermeira(o), técnicos e auxiliares de enfermagem quanto a tornar a equipe mais preparada para
os embates do cotidiano do trabalho na saúde; na gestão, com a clarificação e maior visibilidade
deste aspecto do cuidado, pode contribuir para subsidiar uma melhor atuação das(os)
enfermeiras(os) gestoras(es), uma vez que estes desenvolvem atividades de direção e
coordenação, que estão diretamente ligadas à dimensão política.

1.1 Aproximação com o objeto

A percepção de como a politicidade dos profissionais repercute na enfermagem como


profissão tem me inquietado desde a graduação, quando ainda estudante do Curso de
Enfermagem da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, Ceará.
Àquela época, em 2004, quando ingressei na Universidade, percebia as dicotomias
que permeavam a profissão: uma categoria tão importante, mas pouco valorizada; profissionais
22

que trabalham tanto, mas não são percebidos; pessoas que conhecem tanto sobre o Sistema
Único de Saúde (SUS), mas não são convidados a serem ouvidos na construção das soluções de
suas problemáticas.
No entanto, em alguns estágios, nos deparávamos com algumas enfermeiras que
conseguiam romper a dinâmica hegemônica dos serviços, de pouca proatividade dos
profissionais de enfermagem, e apresentavam-se como agentes de transformação, como
lideranças que tinham conhecimento, eram ouvidas, respeitadas e tinham suas opiniões
acolhidas. As observando, percebia que os usuários que estavam sob os cuidados dessas
enfermeiras mais politizadas, pois eram críticas e provocadoras de mudanças, tinham suas
necessidades de cuidados mais rapidamente e eficazmente atendidas.
Durante a graduação, observar essas enfermeiras me ajudou a vislumbrar qual o tipo
de enfermeira(o) eu desejaria ser e a me perguntar: quais comportamentos deve ter um
enfermeiro para provocar transformações nos serviços? Por que alguns enfermeiras(os) são mais
ouvidos do que outros?
Nessa trajetória de 13 anos como enfermeiro, sempre atuando na prestação de
cuidados diretos, seja na Atenção Primária à Saúde (APS), Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) ou Hospital, tive a oportunidade de tentar ser esse enfermeiro crítico e transformador.
Entendi que a politização dos profissionais poderia nos ajudar a conquistar mais espaço diante da
sociedade e obter melhores condições de trabalho. Assim, com um grupo de colegas da
Estratégia Saúde da Família (ESF) de Sobral, em 2013, fundamos o Sindicato dos Enfermeiros
da Região Norte do Estado do Ceará (SERNECE), o primeiro da Região dedicado aos
enfermeiros.
O SERNECE tinha o intuito de organizar a categoria em busca de melhorias das
condições de trabalho, principalmente, por meio da tomada de consciência das(os)
enfermeiras(os) da ESF, na tentativa de romper com a alienação imposta pelo processo de
trabalho. No entanto, a partir dessa vivência, pude perceber como a categoria tinha uma
resistência à organização política.
Alguns anos depois, em 2017, também compus uma chapa para concorrer à mesa do
Conselho Regional de Enfermagem (Coren) do Ceará. Após vencermos a eleição, tentamos pôr
em prática um dos propósitos da equipe: organizar politicamente a categoria. Assim, durante os
anos em que estive no conselho, realizamos diversos encontros com os coordenadores e
23

professores de cursos de enfermagem, graduação e técnicos, para discutir a importância da


organização e participação política da categoria e de como poderíamos abordar isso ainda na
formação dos futuros profissionais.
A partir dessas vivências, senti a necessidade de buscar conceitos e definições
relacionados ao campo da política e do poder que pudessem subsidiar minha prática como agente
mobilizador da categoria, inserido nas entidades de classe, pois ainda não tinha clareza sobre os
fatores que contribuíam para o desenho de muitas problemáticas enfrentadas no contexto da
enfermagem da região.
A partir dessas leituras, me inquietei mais ainda com as desigualdades na distribuição
do poder entre os profissionais que compõem as equipes de saúde, tentando levar essas
discussões aos demais profissionais, sempre procurando ser um agente que desafiava a lógica e a
dinâmica social hegemônica nos espaços de produção da saúde por onde transitava.
A partir dessas vivências, ficou claro como a fragilidade política da categoria
interferia de forma negativa no desenvolvimento da profissão, expressão disso era a difícil
adesão das(os) enfermeiras(os) ao sindicato; o medo de enfrentar as pessoas e as instituições que
elas representavam para poder gozar de direitos trabalhistas; a alienação imposta pelo trabalho,
resultado de uma visão pouco crítica sobre o mundo do trabalho.
Assim, percebi que existe uma dimensão política do cuidado. Um espaço invisível,
mas que interfere muito na produção do cuidado da(o) enfermeira(o) e dos demais profissionais.
Fui descobrindo como poderia me movimentar nessa dinâmica. Neste processo, identifiquei que
o conhecimento e a forma como me expressava, como articulava as palavras influenciavam como
os outros profissionais e as pessoas que compunham a gestão dos serviços me tratavam,
configurando uma etapa importante na construção do objeto em estudo.
Com a inserção no Programa de Pós-graduação em Cuidados Clínicos em
Enfermagem e Saúde, nível doutorado, foi possível lançar um novo olhar sobre as discussões
iniciadas à época. Além disso, a participação no grupo de pesquisa Política, saberes e práticas de
enfermagem e saúde coletiva, vinculado ao Laboratório de Práticas Coletivas em Saúde, da
Universidade Estadual do Ceará (UECE), proporcionou um espaço favorável para aprofundar
essa discussão e amadurecer o objeto de estudo.
24

2 PRESSUPOSTOS

O processo de trabalho da enfermagem, expresso no cuidado, envolve uma dimensão


política, representada pelo discurso e pela ação do profissional. É prestado em um contexto
dinâmico, influenciado por fatores econômicos, organizacionais, relacionais, culturais e pelas
relações de poder, de forma que o exercício do poder será necessário para que se consiga
equilibrar as diferentes forças que influenciam o processo de trabalho, na perspectiva do cuidar.
O intuito é de preservar um ambiente fértil para o trabalho de enfermagem, mas que também
possibilite sua interação e atuação com os demais profissionais e trabalhadores do campo da
saúde.
A(o) enfermeira(o), em seu processo de trabalho, ocupa um lugar de articulação no
contexto da saúde, papel decorrente de sua formação, que deve torná-la(o) capaz de cuidar,
atenta(o) também à dimensão política desse cuidado, estando apta(o) a solucionar problemas de
saúde, de tomar decisões, de mediar o trabalho da equipe de saúde, mesmo em cenários e
situações em constante mudança, de forma que essas ações expõem a(o) enfermeira(o) a uma
interação maior com os demais profissionais da saúde, usuários, familiares, acompanhantes e
cuidadores em comparação aos demais membros da equipe de saúde, entretanto, essa atuação
não lhe confere capitais e nem poder simbólico no campo condizentes com as repercussões de
sua atuação.
Acredita-se que quanto mais a(o) enfermeira(o) tiver consciência da dimensão
política do cuidado, dos capitais (econômico, cultural, social e simbólico), melhor se
movimentará no campo, com maior autonomia e aumentando seu potencial de impactar
positivamente na qualidade de vida das pessoas, uma vez que poderá exercer o cuidado de
enfermagem de forma mais efetiva, sofrendo menos influência de outros agentes e forças
contrárias, contidas no campo da saúde.
Se os profissionais compreenderem que existe uma dimensão política do cuidado,
poderá contribuir para uma tomada de consciência e aumentar a visibilidade do trabalho de
enfermagem, deixando claro para a equipe o papel da(o) enfermeira(o) e seu poder de
articulação, entretanto, para isso, a discussão sobre a dimensão política do cuidado deve permear
toda a formação da(o) enfermeira(o), de forma a subsidiar essa atuação.
25

Para uma melhor atuação da enfermagem em seu processo de trabalho é necessário


exercer poder, mas não qualquer nível de poder, mas sim um poder suficiente para influenciar
positivamente, sempre beneficiando ao usuário, no processo de cuidar. A(o) enfermeira(o) se
utiliza e necessita se posicionar nas relações de poder e dominação estabelecidas no cenário
multiprofissional, de forma que, para isso, é necessário que ele tenha consciência da dimensão
política do cuidado.
Mesmo que a(o) enfermeira(o) conheça seu processo de trabalho e preste cuidados de
enfermagem a partir de seus referenciais teóricos, técnicos e metodológicos (teorias de
enfermagem, processo de enfermagem, linguagem de enfermagem), se ela(e) não souber se
movimentar na dimensão política do cuidado, não conseguirá exercer a enfermagem de forma
plena, não produzindo um cuidado de qualidade.
Nessa perspectiva, alguns questionamentos nos parecem adequados para auxiliar na
compreensão e elucidação do objeto de estudo: de que forma a dimensão política do cuidado no
processo de trabalho do enfermeiro influencia ou é influenciada pelas diferentes relações de
poder, emergidas da interação deste com a equipe de saúde? Qual a interferência da atuação
politizada da(o) enfermeira(o) no desenvolvimento de seu processo de trabalho, na definição do
habitus profissional, no cuidado ao usuário e na enfermagem como profissão?
Diante do até aqui discutido, sustentamos a tese de que existe uma dimensão política do
cuidado, constituída pelas relações de poder estabelecidas entre os agentes, e esta interfere de
forma significativa no processo de trabalho da(o) enfermeira(o) e na prestação dos cuidados por
essa(e) profissional.
26

3 OBJETIVOS

3.1 Geral

Analisar a influência entre as formas de poder, oriundas da interação entre a equipe de saúde, e a
dimensão política do cuidado no processo de trabalho da(o) enfermeira(o) e na conformação do
seu habitus profissional.

3.2 Específicos

Apreender a dimensão política do cuidado na prática profissional da(o) enfermeira(o) e sua


influência na conformação do habitus dessa(e) profissional.

Identificar as estratégias utilizadas pelas(os) enfermeiras(os) junto aos demais membros da


equipe de saúde que concorrem, ou não, para o aumento de seu capital simbólico e social.

Verificar as posições assumidas pelas(os) enfermeiras(os) em articulação com os demais


membros da equipe multiprofissional e sua relação com os poderes estabelecidos.

Evidenciar as relações de poder e dominação (violência simbólica) estabelecidas entre os agentes


no campo da saúde e como estas influenciam a dimensão política do cuidado de enfermagem.
27

4 REVISÃO DA LITERATURA

4.1 Considerações sobre o processo de trabalho da enfermeira e do enfermeiro e o trabalho


em saúde

Para Marx (2013), no processo de trabalho, a atividade do homem opera uma


transformação no objeto, sobre o qual atua por meio de instrumentos, para transformá-lo em
produto, de forma que esta atividade é intencional e destinada a um fim. Assim, o processo de
trabalho está estruturado em três elementos: a atividade, que deve ser direcionada a um fim, o
objeto sobre o qual incide o trabalho e os instrumentos ou meios que viabilizam a execução do
trabalho.
A partir dessa premissa, o processo de trabalho em saúde diz respeito à dimensão
microscópica do cotidiano do trabalho em saúde, assim se detendo à prática dos trabalhadores
inseridos no cotidiano da produção e consumo de serviços de saúde (PEDUZZI; SCHEIBER,
2008).
Em seus estudos sobre o processo de trabalho em saúde, Mendes-Gonçalves (1994),
a partir do pensamento de Marx, o analisa sob a perspectiva de seus elementos: o objeto do
trabalho, os instrumentos, os agentes e a finalidade, defendendo que esses elementos precisam
ser examinados de forma articulada, e não isoladamente, uma vez que apenas quando
relacionados podem configurar um determinado processo de trabalho.
Quanto aos meios necessários à execução do trabalho em saúde, este é possível pela
presença de instrumentos materiais, representados pelos equipamentos, medicamentos, estrutura
física, dentre outros, e não materiais, nos quais se inclui os diferentes saberes (MENDES-
GONÇALVES, 1994).
Franco e Merhy (2012) aprofundam a análise em direção aos instrumentos utilizados
no processo de trabalho em saúde, ao introduzirem conceitos que permitem visualizar estruturas
quase atômicas desse trabalho, ao definirem uma tipologia das tecnologias em saúde: as leves,
28

correspondem às relações entre os sujeitos, acolhimento, gestão de serviços; as leve-duras, são


representadas pelos saberes bem estruturados, como o Processo de Enfermagem e os protocolos
assistenciais; as duras, são os equipamentos tecnológicos do tipo máquinas.

No tocante ao processo de trabalho da(o) enfermeira(o), seu objeto é representado


pelo usuário e suas necessidades de cuidado; a finalidade constitui o cuidado prestado,
entendido, no contexto da enfermagem e da saúde, como o produto desse processo de trabalho; e
os instrumentos podem ser representados pelos equipamentos, tecnologias e saberes
(JACONDINO et al., 2019).
Para Franco e Merhy (2012) o trabalho em saúde é vivo em ato, pois o produto não é
separável do ato da produção e o resultado do trabalho é consumido no ato de sua realização. A
matéria prima do trabalho em saúde é o homem, que tem como objeto a pessoa, família ou
comunidade a qual se cuida, como instrumentos as tecnologias leves, leve-duras e duras e como
produto a própria ação para a produção do cuidado, com finalidades diversas: prevenção,
proteção, tratamento, manutenção, reabilitação da saúde. Assim, como serviço, torna-se menos
visível em todas as suas etapas, principalmente porque produto e consumo se confundem, pois os
sujeitos sociais a quem é destinado o cuidado e o próprio cuidado configuram-se, ao mesmo
tempo, como o principal objeto de trabalho que, ao sofrer as ações dos trabalhadores da saúde, se
torna ele mesmo o produto de tais ações realizadas (LUNARDI et al., 2010).
Neste sentido, Nogueira (2000) infere que a complexidade do processo de trabalho
em saúde ocorre em virtude de alguns aspectos: o fato de ser um serviço dependente do laço
interpessoal para a eficácia do seu ato, necessitando-se que o trabalhador se relacione com a
pessoa que o procura com: responsabilidade, escuta, acolhimento, vínculo, confiança, dentre
outros. O segundo aspecto é a não universalidade do valor de uso, o cuidado produzido é restrito
a cada indivíduo, ou seja, nem sempre o que se faz para uma pessoa pode servir para a outra,
exigindo que se esteja sempre atento para a subjetividade e singularidade envolvidas no processo
de cuidar. O último aspecto refere-se à fragmentação dos atos no trabalho em saúde, realizado
por diversos profissionais, que veem os indivíduos por partes, muitas vezes proporcionando um
cuidado sem continuidade, se contrapondo ao princípio da integralidade.
A área da enfermagem integra o campo da saúde, cuja especificidade, em relação a
outros campos, é ser compreendido como aquele no qual se processa o cuidado profissional aos
29

seres humanos (MELO; SANTOS; LEAL, 2015). Embora o cuidado em saúde não se caracterize
em uma especificidade exclusiva do trabalho da enfermagem, este se distingue por suas
singularidades em relação ao trabalho dos demais profissionais da saúde, a saber o fato de estes
desenvolverem, simultaneamente, atividades de gestão e de prestação de cuidados (LEAL;
MELO, 2018).
O trabalho em saúde mantém a especificidade de constantemente se estar em contato
com o outro: seja o usuário, seus familiares ou outros profissionais. Neste sentido, ao se fazer
saúde, constantemente, mantém-se contato com pessoas, estabelecendo relações, construindo
acordos e divergindo, ou seja, constantemente exercendo poder e sendo influenciado por ele,
pois, como lembra Bourdieu (1989), as relações de comunicação são sempre relações de poder,
reforçando o que já tínhamos sinalizado anteriormente: essa teia imbricada, complexa e
permanente de relações de poder constitui a dimensão política do processo de cuidar.
É nessa dimensão do cuidado que também deve atuar a(o) enfermeira(o) e os demais
membros da equipe de enfermagem, devendo, para isso, estes conhecerem e reconhecerem este
locus como espaço desafiador para atuação profissional, mas também rico de potencialidades que
podem alçar a enfermagem para uma nova representação diante da sociedade e dos demais
profissionais que integram o processo de trabalho em saúde.
Ao executar o seu trabalho nos serviços de saúde, que compreende coordenar o
processo de trabalho dos técnicos e auxiliares de enfermagem, direcionar o processo de trabalho
dos outros profissionais e trabalhadores da saúde, organizar o ambiente e também executar
atividades técnico-assistenciais, a(o) enfermeira(o) continuamente leva em consideração as
necessidades da organização e as necessidades dos usuários desses serviços (LEAL; MELO,
2018).
Diante do cenário descrito, é correto afirmar que a(o) enfermeira(o) encontra-se no
centro dessa teia de relações, visto o lugar que ocupa no campo da saúde, sofrendo influências
emanadas de diversas fontes (gestão, equipe multiprofissional, usuário e cuidadores) e em
diferentes intensidades, de forma que sem estar politizado (reflexivo, crítico e capaz de
transformar a realidade), dificilmente conseguirá ocupar a posição e a representação dentro do
processo de trabalho em saúde e na sociedade, almejada e merecida.
30

O conceito politizado faz sentido exatamente no momento da interlocução da(o)


enfermeira(o) com os demais membros da equipe multiprofissional e os da própria equipe de
enfermagem, pois nessa interlocução se estabelecem as relações de poder.
Por fim, é válido considerar que o lugar da(o) enfermeira(o) e a visibilidade do seu
trabalho ao prestar serviços aos indivíduos, às coletividades, às organizações de saúde e aos
sistemas de saúde ainda precisa ser analisado de forma mais profunda, de modo que avance na
discussão da sua representação social para revelar as realidades concretas, para superar a imagem
ideologizada e fetichizada da enfermeira, sensualizada, subordinada, auxiliar do médico e
trabalhadora focada na doença e não na saúde (LEAL; MELO, 2018).

4.2 Considerações sobre o cuidado e o cuidado de enfermagem

A palavra cuidado deriva do latim cura (cura), que constitui um sinônimo de


cuidado. Na forma mais antiga do latim, a palavra cura escreve-se coera e é empregada em um
contexto de relações de amor e amizade, para expressar uma atitude de cuidado, de desvelo, de
preocupação e de inquietação pela pessoa amada ou por um objeto de estimação. Outros estudos
indicam, ainda, outra origem para a palavra cuidado, derivando-a de cogitare, cogitatus, que
significa cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar interesse, revelar uma atitude de desvelo e de
preocupação (REICH, 1995 apud ZOBOLI, 2004).
Nota-se que a natureza da palavra cuidado inclui duas significações intimamente
relacionadas: a primeira, uma atitude de desvelo, de solicitude e de atenção para com o outro; a
segunda, uma preocupação e inquietação advindas do envolvimento e da ligação afetiva com o
outro, por parte de quem cuida (ZOBOLI, 2004).
O cuidado, como tradicionalmente é conhecido no campo da saúde, vem sendo
utilizado sem uma preocupação maior de explicá-lo ou fundamentá-lo, tampouco saber o que
realmente significava, sendo relativamente poucos os estudos que se detinham a analisá-lo.
Entretanto, foi na enfermagem que os estudos se avolumaram e ganharam destaque, buscando as
raízes do cuidar (WALDOW, 2015), de forma que, nesta busca, estes pesquisadores recorreram a
variadas abordagens para sua análise, tais como: antropológica, filosófica, psicossocial e
fenomenológica (WOLFF, 1996).
31

Provavelmente, como repercussão das poucas análises mais aprofundadas sobre o


cuidado, o termo “explodiu em uma tremenda desordem terminológica”, tantas são as variações
de uso da palavra cuidado no âmbito das várias profissões da saúde (CARVALHO, 2009), tendo
se configurado como termo passível de diferentes interpretações, sobretudo para a enfermagem
que, segundo Melo (2016), a considera objeto central de sua prática.

Considerando que o cuidado assume forte representação para a enfermagem, não


sendo possível discorrer sobre o trabalho da(o) enfermeira(o) sem uma aproximação a este
conceito, nos dispusemos a também analisá-lo, neste percurso, examinando como o termo se
conforma no contexto da enfermagem, a partir da dissecação das definições mais utilizadas na
literatura.
Para Boff (2014), o cuidado é visto para além dos atos dos seres humanos; o
cuidado está antes das atitudes humanas e, portanto, está em todas as situações e ações,
representando “uma atitude de ocupação, de preocupação, de responsabilização e de
envolvimento afetivo com o outro”.
Na visão de Boff, o cuidado integra a raiz de nossa existência humana, ocorrendo
antes mesmo do agir como ser, estando presente em todas as coisas e situações dos seres
humanos, se configurando em uma ação que gera múltiplos atos e expressam a atitude de fundo,
que é a essência ou cuidado em si (BOFF, 2014).
No entanto, Noddings (2003), embora reconheça a necessidade de preocupação, de
um envolvimento afetivo com quem se cuida, ressalta que, para além disso, para configurar
cuidado é imprescindível que haja ação.
Quanto ao cuidado no contexto da enfermagem, embora seja um conceito central da
profissão, há pouca clareza sobre a definição e o processo de cuidar (SCOTTO, 2003).
Vale e Pagliuca (2011) inferem ser o cuidado de enfermagem um fenômeno
intencional, essencial à vida, que ocorre no encontro de seres humanos que interagem, por meio
de atitudes que envolvem consciência, zelo, solidariedade e amor. Expressa um saber-fazer
embasado na ciência, na arte, na ética e na estética, direcionado às necessidades do indivíduo, da
família e da comunidade. Como podemos perceber, a maior parte dos qualificativos apresentados
poderia ser atribuída a outras categorias da saúde.
32

Diante da polissemia que o termo cuidado assume na literatura de enfermagem,


Finfgeld-Connett (2007), por meio de uma metassíntese, analisou 55 estudos e concluiu que o
cuidado é considerado como um processo interpessoal, caracterizado pela prática de enfermagem
especializada, por sensibilidade interpessoal e relacionamentos íntimos, sendo precedido pela
necessidade e interesse do usuário, pela maturidade profissional e por fundamentos morais da(o)
enfermeira(o). Tais apontamentos, embora tragam atributos mais palpáveis ao cuidado de
enfermagem, também traz contribuição limitada para distingui-lo do cuidado dos demais
profissionais da saúde.
Apresentar o cuidar como um conjunto indescritível de sentimentos e ações não
ajuda nem profissionais nem pacientes, de forma que, devido a essa ambiguidade, o ensino, o
aprendizado e a avaliação do cuidado de enfermagem podem ser comprometidos, pois como os
educadores podem esperar ensinar às(aos) novas(os) enfermeiras(os) sobre cuidado se não
conseguem explicá-lo? (SCOTTO, 2003).
A pouca clareza em conceitos centrais para a enfermagem não se limita ao termo
cuidado, uma vez que as definições para o conceito enfermagem também têm se apresentado
vagas, não conseguindo circunscrever os limites da atuação destes profissionais e nem
representar sua prática.
Florence Nightingale (2018) definiu a enfermagem como sendo a mais bela das
artes e, considerada como tal, requer pelo menos tão delicado aprendizado quanto a pintura ou a
escultura, pois que não pode haver comparação entre o trabalho de quem se aplica à tela morta
ou ao mármore frio, como o de quem se consagra ao corpo vivo. Embora poética e apresente-se
como uma primeira tentativa de desenvolver uma definição que abarcasse a profissão, essa
pouco serve para distinguir a enfermagem das outras profissões da saúde.
Wanda Horta (1964, p. 10), ao criticar a insipiência da definição de Florence,
propõe:

A Enfermagem é a ciência e a arte de assistir o ser humano no atendimento de suas


necessidades básicas, de torná-lo independente desta assistência através da educação;
de recuperar, manter e promover sua saúde, contando para isso com a colaboração de
outros grupos profissionais.

Orem (2001) descreve a enfermagem como um serviço ou esforço prático em saúde


humana, uma arte e uma qualidade intelectual da(o) enfermeira(o) que projetam e produzem
33

enfermagem para terceiros. A enfermagem possui funções orientadas a resultados que devem
ser articuladas pelas características interpessoais e sociais da enfermagem, e os resultados da
enfermagem podem ser expressos como formas de cuidado com a intenção de progressão para a
saúde e o bem-estar positivos.
O International Council of Nurses (ICN) refere que a enfermagem expressa sua
prática por meio da oferta do cuidado autônomo e colaborativo de indivíduos de todas as idades,
famílias, grupos e comunidades, adoecidos ou não, e em todos os ambientes, promovendo saúde,
prevenindo doenças, tratando pessoas adoecidas, deficientes ou no percurso final da vida
(INTERNATIONAL COUNCIL OF NURSES, 2002).
Essas definições não apresentam atributos objetivos e claros que permitam
distinguir o trabalho ou o cuidado de enfermagem das demais profissões. Talvez por isso,
muitas(os) enfermeiras(os) não conseguem expressar uma definição de enfermagem (ALVES et
al., 2012), não conseguem sistematizar e expressar quais são suas atribuições (FERNANDES et
al., 2018), bem como também não (re)conhecem seu próprio processo de trabalho
(MASCARENHAS et al., 2019).
Estudos têm apontado que já é fato que se formam enfermeiras que não
compreendem seu trabalho, fato que, somado ao contexto de crescente precarização do trabalho,
pode aprofundar a frustração e a pouca identidade com a profissão, bem como a alienação dessas
trabalhadoras (MASCARENHAS et al., 2019).
Diante desse contexto, Scott (2013) alerta que é preciso superar as definições vagas
na enfermagem, por não trazerem os elementos que permitem diferenciar o que as(os)
enfermeiras(os) fazem, dos outros profissionais, pois o papel da enfermagem precisa
urgentemente de definição, o que também pode contribuir para melhor caracterizar sua
identidade profissional (OGUISSO; FREITAS, 2016).
Um fazer pouco delimitado incentiva o distanciamento da essência da profissão, já
que, muitas vezes, por falta dessa delimitação, a(o) enfermeira(o) assume atribuições de outros
profissionais, o que lhe gera a sensação de pertencer, inclusive, a essas categorias, repercutindo
em demandas excessivas de atividades, se distanciando do cuidado direto e, por consequência,
fragilizando sua identidade profissional (FERNANDES et al., 2018).
Uma definição clara e que consiga trazer atributos que permitam distinguir a
enfermagem e seu cuidado dos de outros profissionais é fundamental, pois como vamos ensinar
34

o cuidado de enfermagem se não o conhecemos? Como a sociedade vai poder nos distinguir?
Como nós poderemos desenvolver uma identidade profissional clara e consistente sem saber o
que fazemos? (CARVALHO, 2009).
Diante do até aqui discutido, reconhecendo que este tema é profícuo e carece de
discussões mais densas para que avancemos em definições mais contundentes de conceitos
estruturantes para a enfermagem, embora não tenhamos encontrado uma definição que, por nós,
possa representar a enfermagem em sua totalidade e complexidade, existem considerações
sobre o cuidado de enfermagem que julgamos pertinentes.
Sobre o cuidado de enfermagem, Waldow (1998) pondera que, para sua realização
efetiva, afetiva e contextual, comportamentos e atitudes de cuidado são manifestados, todos
conjuntamente com as ações, calcadas em conhecimento, pois o processo de cuidar não pode se
dar isoladamente, pois trata-se de uma ação e de um processo interativo, caso contrário, o
cuidado de enfermagem não ocorre.
Reiterando o já trazido anteriormente por Boff (2014) e Noddings (2003), quando
apontam ser necessário ao cuidado, respectivamente, preocupação e ação, podemos concluir
que três elementos são essenciais para a consecução do cuidado de enfermagem: preocupação,
ação e interação, uma vez que, indiscutivelmente, espera-se que o cuidado de enfermagem
envolva ação e seja permeado pelo zelo e preocupação. No entanto, é imprescindível, para sua
efetivação, que haja interação entre quem cuida e quem é cuidado.
O cuidado de enfermagem envolve os comportamentos e atitudes expressas nas
ações, asseguradas por lei, pertinentes aos diferentes membros da equipe de enfermagem, de
forma que estas ações têm o objetivo de favorecer as potencialidades das pessoas no sentido de
manter ou melhorar a condição humana no processo de viver e morrer (WALDOW, 2012).
Entretanto, nem tudo o que faz o profissional de enfermagem é cuidado, em seu real sentido, pois
ações terapêuticas, intervenções, procedimentos, técnicas, essa vasta lista de tarefas denominadas
tradicionalmente cuidados de enfermagem, se não forem acompanhadas de comportamentos e
atitudes de cuidado, envolvimento e comprometimento não poderão ser considerados cuidados
de enfermagem, pois o que distingue o cuidar não é o que se faz, mas como se faz (WALDOW,
2015).
Em favor da necessidade da interação para a efetivação desse cuidado citamos a co-
participação, o respeito à autonomia e a necessidade de emancipação da pessoa a qual se cuida,
35

elementos essenciais para a produção do cuidado de enfermagem que, sem a interação, não
passarão de intencionalidade. Disto isto, nos parece incoerente a ideia de cuidado de
enfermagem indireto, como tem sido abordada por alguns autores e até mesmo na legislação de
enfermagem (COFEN, 2017).
Partindo do pressuposto de que o cuidado deve ser realizado de forma dialogada
com o usuário e sua família, é importante considerar que a interação também possa favorecer ao
desenvolvimento da enfermagem, uma vez que permitiria a sociedade conhecer melhor seu
trabalho, valorizando seu papel, aumentando sua visibilidade e ajudando a construir uma nova
identidade social da profissão (NOGUEIRA, 2010).
4.3 O entendimento sobre poder e política adotados no estudo

Diante da abrangência e polissemia que o termo “política” assume, faz-se necessário


sinalizarmos a que política o estudo se refere.
Proveniente do adjetivo originado de pólis (politikós), significando o que é relativo à
cidade e, consequentemente, ao que é urbano, civil, público e até mesmo sociável e social, o
termo “política” se expandiu graças à influência da obra de Aristóteles, intitulada Política, e foi
usado durante séculos para designar, principalmente, obras dedicadas ao estudo daquela esfera de
atividades humanas que se refere, de algum modo, às coisas do Estado (BOBBIO, 1983).
A palavra “política” constitui termo polissêmico, o qual tem sido útil para designar
várias atividades humanas. Abbagnano (2007) infere que a expressão tem sido utilizada para
designar: (1) a doutrina do direito e da moral, (2) a Teoria do Estado, (3) a arte ou a ciência do
governo e (4) o estudo dos comportamentos intersubjetivos.
Contrastando com a tradição clássica, segundo a qual a esfera da política, entendida
como esfera do que diz respeito à vida na pólis, pode compreender também toda a sorte de
relações sociais e de comportamentos intersubjetivos, assim, a concepção clássica sobre política
é certamente limitativa, pois reduz a política à atividade direta ou indiretamente relacionada com
a organização do poder coativo, por vezes relacionado ao Estado, restringindo o âmbito do
político quanto ao social (ABBAGNANO, 2007; BOBBIO, 1983).
Considerando a perspectiva da dimensão das interações sociais, Bobbio (1983) traz
que o termo também se relaciona às formas de atividade ou práxis humana, estando
estreitamente ligada ao conceito de poder.
36

No contexto da Enfermagem, Benton, Maaitah e Gharaibe (2016) realizaram uma


revisão que objetivou identificar as publicações que tratavam do envolvimento da enfermagem com
política e processos políticos. Esses autores encontraram que as publicações somente tratavam da
política no contexto de políticas de saúde ou política partidária, discorrendo de forma ínfima sobre o
sentido de política que trata sobre as relações dos profissionais nas equipes ou dinâmicas
organizacionais. Identificaram, ainda, que os estudos apontam fragilidades na formação da(o)
enfermeira(o) no que tange ao desenvolvimento das competências necessárias para estes
desenvolverem atividades políticas.
Quem examinar as definições tradicionais de política, não tardará a observar que
algumas delas não são definições descritivas, mas prescritivas, pois não definem o que é concreta
e normalmente a política e quando a fazem, é comum estarem em uma linguagem filosófica,
muitas vezes obscura (BOBBIO, 1983).
Ao analisar-se a obra de Aristóteles (2006), pode-se dizer que o alcance de sua
filosofia política é vasta, abordando questões relativas ao Estado, a justiça, as constituições, as
formas de governo, a escravidão e muitas outras, sendo possível afirmar que política, para o
filósofo, diz respeito às relações entre os cidadãos e os eventos ocorridos na pólis, de forma que
teria por finalidade maior permitir o bem estar e a felicidade para o homem e a sociedade, bem
como descrever a forma de Estado ideal e determinar a forma do melhor Estado possível em
relação a determinadas circunstâncias.
Assim, muitas são as concepções e definições de política, mas, neste estudo, nos
interessa a política que trata das relações sociais e dos comportamentos intersubjetivos, de forma
que, para sua realização, nos ancoramos na teoria política de Hannah Arendt e das considerações
sobre poder de Pierre Bourdieu para construirmos um entendimento sobre política que permita
nossa análise e, assim, o alcance de nossos objetivos.
Dito isto, Teles (2013) refere que o foco da filosofia política de Hannah Arendt é o
mundo humano, o artifício que homens e mulheres constroem com o objetivo de reconciliarem
suas existências no espaço comum, no qual se comunicam e interagem.
Na antiguidade, o ser político, o viver na pólis grega, significava que tudo era
decidido mediante palavras de persuasão e não por meio de força e violência (ARENDT, 2007).
Essa concepção inicial da política tem forte influência sobre o pensamento de Arendt, que
37

enxerga o mundo como esse espaço de permanente correlação de forças, mas nunca de
confrontos violentos.
Por política, a autora entende ser a ação do homem no espaço público, a qual se
apresenta como relação do homem para com os outros, intrinsecamente marcada por relações de
poder que se constituem a partir do discurso e da ação, do falar e do agir, tratando-se a política,
sobretudo, da convivência entre diferentes (ARENDT, 2002, 2007).
Hannah Arendt (2007) defende que a atuação política está estruturada na ação e no
discurso, de forma indissociável, revelando em sua teoria política a potência da relação entre o
agir e o falar. Para a autora, “o homem político é o homem que age e fala, inseparavelmente”
(ARENDT, 2007).
A ação e o discurso são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns
aos outros, configurando o meio pelo qual se existe no mundo (ARENDT, 2007) e por esses
modos, também desenham a imbricada rede de influências, ou relações de poder, que,
conformadas, constituem a política.
Consonante ao pensamento de Arendt, Bourdieu (1989) infere que as relações de
comunicação são sempre relações de poder, de modo inseparável, de forma que o poder das
palavras, poder de manter a ordem ou de a subverter, repousa na crença da legitimidade dessas
palavras e naquele que as pronuncia.
Essa interface no pensamento de Bourdieu e Arendt, acreditamos, resulta da
influência de Max Weber sobre ambos. No entanto, apesar desse ponto em comum, Bourdieu se
distancia de Arendt por buscar uma compreensão de estilo mais sociológica sobre poder e
dominação, enquanto Arendt se conecta mais às preocupações da filosofia política em pensar
novos horizontes de sentido para o humano.
A partir do pensamento de Pierre Bourdieu, o discurso permitiria o acúmulo de poder
simbólico a partir da expressão do capital cultural, formado pelo conjunto de conhecimentos,
habilidades, informações e a forma de se expressar e apresentar-se em público (THIRY-
CHERQUES, 2006).
Sem o discurso, a ação deixaria de ser ação, pois não haveria ator; e o ator, o agente
do ato, só é possível se for, ao mesmo tempo, o autor das palavras. A ação que ele inicia é
humanamente revelada por meio das palavras e, embora o ato possa ser percebido em sua
manifestação física bruta, sem acompanhamento verbal, só se torna relevante por meio da
38

palavra falada na qual o autor se identifica, anuncia o que fez, faz e pretende fazer, pois a esfera
política resulta diretamente da ação em conjunto de palavras e atos (ARENDT, 2007).
Para Arendt, o discurso presente na política tem como fim a persuasão do outro, seja
para que sua opinião ganhe a maioria das opiniões, seja para que o autor do discurso venha a ser
admirado pelo público. O discurso persuasivo intenta levar alguém a crer em alguma coisa ou
aceitar fazer algo e comporta dois aspectos principais: o argumentativo, por meio da razão; e o
oratório, por meio dos afetos e sentimentos (ARENDT, 2007; TELES, 2013).
Sobre as relações de poder, Bourdieu está em consonância com Giddens (2018),
quando este último refere serem essas relações regradas de autonomia e dependência,
apresentando sempre uma mão dupla, ou seja, por mais subordinado que seja um dos agentes
nessa relação, a própria relação sempre lhe concede algum grau de poder sobre o outro.
Sobre o poder, assim como a política, também se relacionam uma gama de definições
e concepções. Giddens (2018), ao apontar a dificuldade de consenso entre os autores sobre o que
seria poder, ora o tratando como capacidade transformadora, ora como dominação, se posiciona
ao considerar poder como “capacidade transformadora decorrente das interações sociais, de
forma que essa capacidade está atrelada às tentativas dos agentes de fazer com que os outros se
conformem aos seus desejos”.
Tal pensamento dialoga com a concepção de Bourdieu sobre poder, que em sua
teoria o trata como simbólico. Bourdieu (1989) concebe o poder simbólico como o poder de
construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem, correspondendo a um poder
invisível e que alcança os mesmos efeitos que se alcançaria impingindo força física ou
econômica.
Em suma, Hannah Arendt desenha um cenário onde os atores que nele convivem
estão em permanente correlação de forças (relações de poder) e Pierre Bourdieu dá vida a esses
atores, ao explorar e clarificar suas dinâmicas, elucidando como se movem, por que se movem e
pelo que disputam.
39

5 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

5.1 A teoria sociológica de Pierre Bourdieu e seu método de investigação

Pierre Bourdieu nasceu em agosto de 1930 em Béarn, uma pequena vila em uma
região rural do sudoeste da França, onde ao cursar seus estudos no ensino fundamental, tinha
como colegas os filhos de operários, camponeses e de pequenos comerciantes (WACQUANT,
2002).
Após concluir o ensino médio, Bourdieu logo ingressou na prestigiada École
Normale Supérieure, onde cursou filosofia, concluindo seus estudos em 1954. Um ano depois,
foi convocado pelo exército francês e enviado para servir na Argélia, em decorrência de sua
indisciplina para com o serviço militar (KOZICK; COELHO; ALMEIDA, 2013).
Essa vivência na Argélia foi um elemento definidor para a sua formação intelectual,
pois a exposição direta às horríveis realidades do domínio imperial e do estado de guerra fizeram
com que Bourdieu migrasse da filosofia para a ciência social, assim, a imersão de Bourdieu em
uma sociedade aflita, apanhada nas convulsões do colonialismo decadente e caótica lhe
permitiram apreensões do campo que foram geradoras de inquietações que alimentaram a
construção de sua teoria social (WACQUANT, 2006).
Em 1961, retorna a França, onde em 1964 ingressa como docente na École de Hautes
Études en Sciences Sociales. Durante as décadas de 60, 70 e 80 continuou publicando sobre os
mais diversos assuntos, desenvolvendo suas categorias de análise e seu método de abordagem
40

sociológica. Na década de 1990, passa a ser considerado um vigoroso crítico do modelo


neoliberalista, se envolvendo nos movimentos de militância política e de defesa dos
trabalhadores, tentando ainda provocar uma aproximação dessas discussões com o mundo
acadêmico, de forma que sua militância o fez um intelectual popular (KOZICK; COELHO;
ALMEIDA, 2013).
Em 1975, criou a revista científica Actes de la Recherche em Science Sociales, em
um esforço de expandir as ciências sociais para além dos muros da academia, derrubar as noções
pré-construídas do senso comum e da academia e acabar com as formas estabelecidas de
comunicação científica em ciências sociais. Essa combinação rara de exigência conceitual,
reflexividade metodológica e pertinência sociopolítica o fizeram um porta-voz de uma ciência
militante da sociedade (WACQUANT, 2002).
Pierre Bourdieu faleceu em 23 de janeiro de 2002, em decorrência de câncer. Deixa
um legado para as ciências sociais e representa, até hoje, um dos expoentes da sociologia,
contribuindo, sobretudo, para o entendimento da sociedade atual, principalmente ao que tange as
sociedades ocidentais neoliberais, das quais foi o intelectual mais veemente crítico.
Para Thiry-Cherques (2006), a obra sociofilosófica de Pierre Bourdieu pode ser
entendida como uma teoria das estruturas sociais a partir de conceitos-chave, de forma que o
método que adota se detém a análise dos mecanismos de dominação, da produção de ideias, da
gênese das condutas humanas em sociedade, sendo influenciado, dentre muitos, por Marx,
Althusser, Habermas e Foucault.
Na passagem da filosofia para a etnologia e, depois, para a sociologia, Bourdieu pôde
verificar que o processo de investigação científica do social é feito de uma longa série de
retomadas, o que o leva ao que denomina de uma “inversão metodológica”, na qual se parte da
prática para a teoria (BOURDIEU, 1992; THIRY-CHERQUES, 2006).
Seu método de investigação pode ser estruturado em etapas que se superpõem, mas
que podem ser explicitadas separadamente:

(1) marcação de um segmento do social com características sistêmicas (campo); (2)


construção prévia do esquema das relações dos agentes e instituições objeto do estudo
(posições); (3) decomposição de cada ocorrência significativa, característica do sistema
de posições do campo (doxa, illusio...); (4) análise das relações objetivas entre as
posições no campo (lógica); (5) análise das disposições subjetivas (habitus); (6)
construção de uma matriz relacional corrigida da articulação entre as posições
(estrutura); (7) síntese da problemática geral do campo (THIRY-CHERQUES, 2006).
41

Em seu método investigativo, ele verifica que o trabalho científico não é uma
operação linear, pois ao longo da pesquisa, a problemática pode ser alterada, a hipótese
modificada, as variáveis reconsideradas e que o objetivo da investigação é conhecer as
estruturas, tanto no que elas determinam as relações internas a um segmento do social, quanto no
que estas estruturas são determinadas por estas relações, assim, o método consiste em estudar o
campo mediante a aplicação dos conceitos pré-formados, de modo a desvelar os objetos sociais,
o conjunto de relações que explicam a lógica interna do campo (THIRY-CHERQUES, 2006).

Em seu método, Bourdieu insiste que na pesquisa se mantenha uma vigilância


epistemológica: o cuidado permanente com as condições e os limites da validade de técnicas e
conceitos. A atitude de repensar cada operação da pesquisa, mesmo a mais rotineira e óbvia, de
proceder à crítica dos princípios e a análise das hipóteses para determinar a sua origem lógica
(BOURDIEU et al, 1990; THIRY-CHERQUES, 2006).
Defende que o pesquisador deve ter uma postura ativa e sistemática, construindo o
objeto como um sistema coerente de relações, sendo necessário, antes de se buscar desvendar o
objeto analisado, desvendar-se a si e se comprometer como cientista, nesse processo
investigativo não recusando nenhuma construção teórica ou metodológica que possa lhe servir
para compreender seu objeto, assim não sendo cabível haver dissociação entre teoria, método e
prática de pesquisa (SCARTEZINI, 2011).
Para a compreensão do mundo, Bourdieu propõe sua teoria, estruturada a partir de
conceitos, sendo os principais: campo, habitus e capital.
A noção de campo designa este espaço relativamente autônomo, esse microcosmo
que surge historicamente da diferenciação do espaço social na modernidade, dotado de suas leis
próprias, constituindo o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que
produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura, as ciências de forma a ser um universo
ou um mundo social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas
(BOURDIEU, 1997).
No campo, os agentes são regidos por um habitus. O habitus emerge como um
conceito capaz de conciliar a oposição aparente entre realidade objetiva e as realidades
42

intersubjetivas dos agentes, então concebido como um sistema de esquemas de percepção e


avaliação, socialmente constituído de disposições estruturadas (no social) e estruturantes (nas
mentes), adquirido nas e pelas experiências práticas, constantemente orientado para funções e
ações do agir cotidiano (BOURDIEU, 1997; SETTON, 2002), ou seja, o modo como a sociedade
é internalizada pelos agentes sociais sob a forma de disposições mentais duráveis ou propensões
estruturadas para pensar, sentir e agir de modos determinados, configurando uma espécie de
fórmula geradora das práticas (LAHIRE, 2003), que as guiam em suas respostas criativas aos
constrangimentos e solicitações de seu meio social, sendo a prática o produto de uma relação
dialética entre a situação e o habitus (WACQUANT, 2006).

O habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas – o que o operário


come, e sobretudo sua maneira de comer, o esporte que pratica e sua maneira de praticá-
lo, suas opiniões políticas e sua maneira de expressá-las diferem sistematicamente do
consumo ou das atividades correspondentes ao do empresário industrial; mas são
também esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de
divisão e gostos diferentes. Eles estabelecem a diferença entre o que é o bom ou é mau,
entre o bem e o mal, entre o que é distinto e o que é vulgar etc., mas elas não são as
mesmas. (BOURDIEU, 1996, p. 22).

No campo, os agentes desenvolvem relações, sempre relações de poder, que


envolvem lutas simbólicas em torno da definição legítima da própria realidade social. Bourdieu
traz luz à questão do poder em sua dimensão até então imperceptível, o que denominou de poder
simbólico, ou seja, o poder de nomear, de classificar, obtendo reconhecimento legítimo nesse
ato. Bourdieu (1989) concebe o poder simbólico como o poder de construção da realidade que
tende a estabelecer uma ordem: o sentido imediato do mundo, correspondendo a um poder
invisível, o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que
estão sujeitos a ele ou mesmo que o exercem.
Esse poder configura um poder quase mágico que permite obter o equivalente
daquilo que é obtido pela força, física ou econômica, graças ao efeito específico de mobilização,
que somente pode ser exercido se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário
(BOURDIEU, 1989).
No jogo estabelecido no campo, esses jogadores vivem em constante disputa, mas é
uma disputa que envolve uma concordância a respeito da relevância de investir no próprio jogo.
43

Os agentes sociais, em disputa, aceitam que vale a pena se manter na disputa e, sobre isso,
concordam. O capital é o que alimenta essas disputas. Dentre os capitais pelos quais se luta,
social, cultural, econômico, o capital simbólico tem uma representação central, pois este é o que
faz os outros nos reconhecerem como importantes (prestígio, reconhecimento, status),
constituindo-se esse capital em um bem pessoal, subjetivo, que somente existe pelo
reconhecimento que os outros agentes do campo dão a ele, pelo valor social que ele tem. É esse
capital que “nos livra da insignificância, como ausência de importância e de sentido”
(BOURDIEU, 2001a, p. 296; SOUZA, 2014).

A partir dos conceitos de Pierre Bourdieu é possível analisar diferentes campos,


como o do ensino, da arte, da economia, inclusive o campo da saúde e o subcampo enfermagem.
A partir do olhar deste autor, é possível compreender muitas características que marcam a
atuação dos profissionais de enfermagem, uma prática essencial aos sistemas de saúde, mas
pouco visível à sociedade; tem conhecimento ímpar sobre os sistemas de saúde, mas esse
conhecimento não se traduz em capital simbólico; está em um aposição de centralidade na
organização do processo de trabalho em saúde, o que poderia ser aproveitado como capital
dentro do campo da saúde, reconhecendo fatores limitantes e potencialidades dessa prática
social, o que pode subsidiar avanços no contexto da dimensão política do cuidado, como induzir
uma tomada de consciência diante dos movimentos do campo, uma dimensão invisível que
influencia a ação humana e, consequentemente, a prestação do cuidado em enfermagem e em
saúde.
As relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre, relações de poder
que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulado pelos
agentes ou instituições envolvidas nessas relações. É enquanto instrumentos de comunicação e
conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem a sua função política de instrumentos de
imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma
classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força
que as fundamenta, contribuindo assim para a domesticação dos dominados (BOURDIEU, 1989;
WACQUANT, 2006).
O projeto da sociologia de Bourdieu visava integrar as relações de sentido às relações
de força, a fim de pensar as forças simbólicas, as lutas simbólicas, as estratégias discursivas de
44

poder nos campos. À luz do pensamento de Bourdieu, é possível superar as dicotomias entre
micro e macro, subjetivo e objetivo, ação e estrutura, para pensar estratégias microssociológicas
de pesquisa que levam em consideração as propriedades estruturais dos mundos sociais.

6 O CAMINHO METODOLÓGICO

6.1 Tipologia do estudo

Em consonância ao objeto e objetivos do estudo, privilegiamos a abordagem


qualitativa, a qual Bosi (2012) refere ser o tipo de abordagem demarcada por uma íntima relação
com a subjetividade, caracterizando as pesquisas cujos objetos exigem respostas não traduzíveis
em números, haja vista tomar como material a linguagem em suas várias formas de expressão.
Em nossa pesquisa, nos propusemos a clarificar a dimensão política do cuidado, nesse percurso,
compreendendo a construção do habitus profissional da(o) enfermeira(o), o que é atinente ao
universo da pesquisa qualitativa.
No entanto, Martínez e Bosi (2004) expressam preocupação quanto à frequente
redução da pesquisa qualitativa ao uso dos termos e conceitos, em uma ilusão de que o mero
emprego substitua a necessária postura qualitativa, ou seja, um fundamento epistemológico, no
qual as técnicas façam sentido – um método – e do qual elas se originem.
Bourdieu também chama a atenção para a posição do investigador no
desenvolvimento da pesquisa, afirmando a necessidade imperativa de uma reflexividade por
parte deste, isto é, ao fato de que todo conhecimento é condicionado pelo habitus, pois a
percepção do empírico é distorcida não só pelo habitus dos agentes, mas pelo nosso próprio
habitus. Por este motivo, ao seguir Bourdieu, o que previamente devemos buscar é a análise das
45

nossas próprias disposições, de modo a alcançar a universalidade mediante a identificação e a


crítica da produção intelectual em que se dá a pesquisa (THIRY-CHERQUES, 2006).

6.2 Contexto e seus interlocutores

O locus de interesse do estudo é o processo de trabalho em saúde, especificamente no


tocante as relações estabelecidas entre a(o) enfermeira(o) e os outros membros da equipe de
saúde, no cenário de práticas, na ocasião da prestação do cuidado de enfermagem.

O estudo foi realizado com enfermeiras(os), médicos, fisioterapeutas e cirurgiões-


dentistas inseridos na Atenção Hospitalar (AH) e na APS, ambos na Cidade de Sobral, Ceará. O
município foi escolhido por possuir rede hospitalar terciária, uma rede de APS ampla e bem
consolidada. Acrescenta-se o fato de que o autor goza de fácil acesso a instituição hospitalar,
devido integrar o quadro de profissionais desse serviço, e já integrou o quadro de enfermeiras(os)
da APS do município.
Sobral está situada na Mesorregião Noroeste do Estado do Ceará, com área de
2.068.474 km² e uma estimativa populacional de 212.437 habitantes para o ano de 2021,
conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2021).
O hospital em questão entrou em atividade em 2013, integra um equipamento do
Governo do Estado, mas é gerido por uma Organização Social (OS). Configura-se como de
grande porte, terciário, acreditado nível 3, sendo o maior hospital do interior da Região Nordeste,
com mais de 54 mil m² quadrados de área construída, responsável por atender uma população
estimada em 1,6 milhão de pessoas, dos 55 municípios integrantes da macrorregião Norte do
Estado. Conta com atendimento 24h em urgência e emergência, sendo referência em pediatria,
cirurgias torácicas, cirurgias vasculares, otorrinolaringologia e COVID-19 (INSTITUTO DE
SAÚDE E GESTÃO HOSPITALAR, 2021).
A coleta das informações ocorreu no âmbito hospitalar, mais especificamente, com
profissionais do serviço de urgência e emergência, escolhido por representar o setor no qual mais
profissionais interagem de forma simultânea, uma vez comportar uma equipe permanente, de
46

atuação por 24h, composta por: 8 enfermeiras(os), 2 fisioterapeutas, 6 médicos e 26 técnicos de


enfermagem. Essa composição é fixa para cada plantão.
Os profissionais foram identificados mediante listagem disponibilizada pela direção
do Hospital Regional Norte e pela coordenação da APS do Município de Sobral, sendo a
sequência dos convites realizada a partir da ordem alfabética dos nomes dos participantes. Foram
incluídos profissionais com mais de 1 ano de experiência no serviço. Foram excluídos os que
estavam em período de férias ou afastados em decorrência de atestados médicos e os que não
responderam ao convite em tempo hábil. Assim, todos os convidados aceitaram participar, mas
nem todos concretizaram a participação, pois não dispuseram de agenda para a entrevista.

O outro campo analisado foi a Atenção Primária à Saúde. O Município de Sobral


dispõe de 40 Unidades Básicas de Saúde (BRASIL, 2020), onde se organizam 70 equipes de
saúde da família que cobrem 100% da área municipal (SOBRAL, 2019), de forma que sua rede
de APS tem sido reconhecida nacionalmente por ser referência em organização e desde sua
implantação vem obtendo significativos avanços nesta área, tendo a ESF como referência de
orientação do nível primário (RIBEIRO, 2017).
A escolha por incluir este campo deveu-se ao fato de que, juntamente com o hospital,
configura um dos espaços hegemônicos de produção da saúde no qual trabalha a(o)
enfermeira(o) em articulação com outros profissionais da saúde, se revertendo em oportunidade
fértil de apreender como ocorrem as relações de poder durante essas interações.
No contexto hospitalar, foram ouvidos 10 enfermeiras(os), 3 médicos e 3
fisioterapeutas. Os interlocutores do contexto da APS foram 11 enfermeiros, 3 médicos e 3
cirurgiões dentistas, totalizando uma amostra de 33 interlocutores. A amostra foi definida pelo
critério de saturação teórica das respostas (MINAYO, 2017). Esses participantes estão
identificados por códigos no decorrer do estudo: ENF-APS, enfermeiras(os) da APS; ENF-H,
enfermeiras(os) do hospital; MED-APS, médicos da APS; MED-H, médicos do hospital; FIS-H,
fisioterapeutas do hospital; ODO-APS, odontólogos da APS.
Destaca-se, ainda, que a inclusão de participantes dos dois cenários possibilitou
apreensões distintas que colaboraram para a melhor compreensão do objeto, pois, os diferentes
contextos podem conformar diferentes relações de poder na prestação do cuidado.
47

6.3 Construção das informações

Com o objetivo de compreender os fenômenos relativos à construção do habitus e


das práticas da(o) enfermeira(o) quando da prestação do cuidado, privilegiamos a escuta de
diferentes agentes e o uso de diferentes técnicas de coleta: entrevista semiestruturada e
observação não participante. Assim, acreditamos estar em consonância com o pensamento de
Bourdieu, quando este defende que o pesquisador tenha uma postura ativa e sistemática,
construindo o objeto como um sistema coerente de relações, sendo necessário, antes de se buscar
desvendar o objeto analisado, desvendar-se a si e se comprometer como cientista, nesse processo
investigativo, não recusando nenhuma construção teórica ou metodológica que possa lhe servir
para compreender seu objeto (SCARTEZINI, 2011).
Pierre Bourdieu entende que não se pode compreender a ação social somente a partir
do testemunho dos indivíduos, dos sentimentos, das explicações ou reações pessoais do sujeito,
devendo-se procurar o que subjaz a esses fenômenos, a essas manifestações (THERY-
CHERQUEM, 2006).

6. 3. 1 Entrevistas

Para Triviñus (1987), a entrevista semiestruturada parte de um núcleo de perguntas


pré-estabelecidas, mas que não nascem de forma aleatória, mas sim, mantém estreita relação com
a fundamentação teórica que embasa o estudo. Assim, o informante, seguindo espontaneamente a
linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo
entrevistador, começa a participar na elaboração da produção da pesquisa.
Os profissionais foram contactados, por telefone, seguindo ordem alfabética. Ao
aceitarem participar da pesquisa, foram agendadas as entrevistas, fora do expediente de trabalho,
no intuito de não ocorrer interferências na dinâmica do serviço.
Assim, as entrevistas ocorreram mediadas por um instrumento (APÊNDICES B e C)
nas instituições, hospital e Unidade Básica de Saúde, após o término do expediente, em sala
privativa, ou no domicílio do participante, respeitando todos os protocolos sanitários
institucionais e municipais no que concerne ao distanciamento entre os participantes, uso de
máscaras, não compartilhamento de materiais e uso de álcool gel para higiene das mãos. O teste
48

do instrumento ocorreu com uma participante, no qual foi observada a necessidade de adequação
para que a entrevista fosse menos prolixa, assim, foram unificadas perguntas, evitando
paralelismos e repetições.
Em decorrência das mudanças ocasionadas pela pandemia de COVID-19, ocorreram
atrasos na etapa de coleta e algumas entrevistas foram realizadas de forma remota, por meio da
ferramenta Google Meet. Todas as entrevistas tiveram seu áudio gravado, para posterior
transcrição.

As entrevistas duraram entre 56 min e 2h15 min. e foram realizadas entre 22 de


fevereiro e 7 de dezembro de 2020. Tanto a coleta como a transcrição das entrevistas foram
realizadas pela mesma pessoa, no caso, o autor do estudo, no intuito de se minimizar perdas na
interpretação das informações e potencializar a contribuição do material empírico apreendido.
Também é necessário ressaltar que o período de coleta das informações coincidiu
com o período de deflagração da pandemia de COVID-19 no Brasil, o que repercutiu em
mudanças nas dinâmicas dos serviços de saúde em questão, refletindo-se em dificuldades para a
realização das entrevistas e as observações do campo.

6. 3. 2 Observação não participante

Quanto à observação não participante, esta compreende um tipo de observação na


qual o pesquisador toma contato com a realidade estudada, mas não se integra a ela,
presenciando os fatos, mas não participa deles, sendo, em resumo, um espectador. Isso, porém,
não quer dizer que a observação não seja consciente, dirigida, ordenada para um fim
determinado, ao contrário, uma vez ser um procedimento com caráter sistemático (MARCONI;
LAKATOS, 2003).
No entanto, é necessário refletir e reconhecer que a ideia de alguém que adentra um
campo e “somente o observa” não necessariamente elimina a capacidade de este interferir nesse
cenário. Neste sentido, trabalhamos essa inserção mais no sentido do observador como
participante do que o observador completo, situação na qual o pesquisador não participa de
49

nenhuma forma do contexto social, para isso sendo necessária a utilização de recurso de
gravação de som e imagem (GOLDEN, 1958).
No contexto hospitalar, a observação foi realizada no Serviço de Urgência e
Emergência, nos períodos matutino e vespertino. Cada observação durou em média 2h em um
total de 19h. Na APS, a observação foi realizada em 2 UBS da sede do município, escolhidas por
apresentarem mais de uma equipe existente na mesma UBS e por se configurarem em contextos
extremos na vulnerabilidade da população: uma está localizada em área muito vulnerável e a
outra em área de menor vulnerabilidade. As observações duraram em média 2:30 min. e
corresponderam um total de 23h e realizadas mediante um roteiro de observação (APÊNDICE
D).

Em decorrência da pandemia de Covid-19, a entrada no campo foi prejudicada,


limitando o tempo disponível para a observação não participante, tanto no hospital quanto na
APS. No entanto, acreditamos que o tempo destinado a essa etapa conseguiu apreender os
aspectos mais significativa dos fenômenos investigados.

6.4 Processo de pesquisa e análise do apreendido

O processo de pesquisa foi guiado pelas etapas propostas por Pierre Bourdieu para o
processo investigativo em sociologia, sistematizadas por Thiry-Cherques (2006). Todas as quatro
categorias, a partir das quais foram organizadas o material empírico e a análise, foram
determinadas a priori (ARANALDE, 2009), a partir dos objetivos e pressupostos da pesquisa, a
saber: caracterização dos participantes; o campo da saúde e as distintas interações de seus
agentes: o processo de trabalho de enfermeiras(os), fisioterapeutas, médicos e odontólogos;
mobilização dos capitais: o que tem valor no campo da saúde?; dimensão política do cuidado:
dinâmica do poder e sua influência sobre o habitus e a prática do enfermeiro e da enfermeira.

6. 4. 1 Marcação de um segmento do social com características sistêmicas

Nesta etapa, analisamos em que contexto ocorria a problemática, delimitando um


campo em que estão restritos os fenômenos. Em nosso caso, estamos tratando de um objeto
50

atinente ao campo da saúde, hospital e Atenção Primária, no qual o processo investigativo,


mesmo abrangendo algumas áreas profissionais, se detém, um pouco mais, ao subcampo
enfermagem.

6. 4. 2 Construção prévia do esquema das relações dos agentes e instituições

Definido o campo, foram realizados escopos e conjecturas de quais os agentes o


compõem, no caso enfermeiras(os), médicos, fisioterapeutas e dentistas, e suas distintas
interações, pressupondo suas relações de poder e dominação.

6. 4. 3 Decomposição de cada ocorrência significativa, característica do sistema de posições do


campo

Nesta etapa, identificou-se as evidências, expressões e comportamentos que


expressam as relações de poder e dominação entre os agentes.

6. 4. 4 Análise das relações objetivas entre as posições no campo

Observação e descrição das práticas, como ocorrem, em que ponto são ou não
influenciadas pelas relações de poder e dominação.

6. 4. 5 Análise das disposições subjetivas

Identificação, por meio das entrevistas, das estruturas mentais, dos pensamentos
estruturados, do que acham que podem ou não podem, pensamentos que limitam ou restringem
comportamentos.

6. 4. 6 Construção de uma matriz relacional corrigida da articulação entre as posições


51

Descrição das relações, dos fenômenos, dos capitais. Identificação das relações de
poder e dominação e a tessitura de uma explicação para esses fenômenos, a partir do
entendimento da dinâmica do campo.

6. 4. 7 Síntese da problemática geral do campo

Em nosso contexto, corresponde ao relatório final da tese, de forma que a análise do


material empírico ocorreu a partir da Teoria Sociológica de Pierre Bourdieu, mais conhecida
como Teoria do Habitus.

6.5 Aspectos éticos

O estudo respeitou as recomendações para o desenvolvimento de pesquisas


envolvendo seres humanos, dispostas na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde
(BRASIL, 2012).
Inicialmente, o estudo foi submetido à Comissão Científica da Secretaria Municipal
de Saúde de Sobral, para que pudesse ser obtido anuência para a realização das entrevistas no
âmbito dos Centros de Saúde da Família.
Para a entrada no cenário hospitalar, o estudo passou pela análise da Comissão
Científica do Hospital Regional Norte. Após estas etapas, a pesquisa foi submetida ao Comitê de
Ética em Pesquisa (CEP) da UECE, obtendo parecer favorável n° 3.752.721 (ANEXO A).
Com a emissão do parecer, os profissionais foram abordados a partir de um contato
prévio entre o pesquisador e as coordenações dos serviços (Coordenação de Enfermagem, no
hospital, e Coordenação da Atenção Primária à Saúde e da Escola de Saúde Pública Visconde de
Saboia, na Secretaria Municipal de Saúde).
Após o recebimento das listas com os nomes dos profissionais, foi realizado o
convite, por telefone. Para os que aceitaram, foram agendadas as entrevistas e, na ocasião,
explicado sobre a natureza e objetivos, sendo assinado o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE A). Para os participantes que concederam a entrevista de
forma remota, o TCLE foi enviado por e-mail.
52

Os benefícios esperados com a pesquisa repousam na possibilidade de poder, a partir


da identificação de dificuldades na interação da(o) enfermeira(o) com os demais membros da
equipe de saúde, expressas nas relações de poder, envidar esforços para a harmonização desse
processo de trabalho, esperando repercussões positivas à prestação do cuidado, portanto, também
para o usuário.
Quanto aos riscos, as técnicas de coleta utilizadas (entrevista semiestruturada e
observação não participante), em poucas ocasiões, despertaram algum desconforto, como
constrangimento. Enfatizamos que esse tipo de procedimento apresenta um risco mínimo e que é
garantido o sigilo sobre as informações.

7 RESULTADOS E DISCUSSÃO DO MATERIAL EMPÍRICO

Este capítulo se detém a dispor os achados empíricos resultantes das entrevistas e


observações nos serviços, sendo discutidas em diálogo com literatura pertinente e analisadas a
partir do referencial da Teoria do Habitus de Pierre Bourdieu.

7. 1 Caracterização dos participantes

7.1.1 O contexto hospitalar

No contexto hospitalar, foram entrevistadas(os) dez enfermeiras(os), três médicos e


três fisioterapeutas, totalizando 16 profissionais. As faixas etárias variaram entre 29 e 47 anos
(média 33 anos), sendo sete mulheres e nove homens. O tempo no serviço variou entre dois e
sete anos (média cinco anos). Quanto ao tempo de formação, este variou entre cinco e 20 anos
(média nove anos).
Quanto à formação, apenas quatro se graduaram em instituições privadas. Todos têm
especialização em Urgência e Emergência ou Unidade de Terapia Intensiva. Três são mestres em
Saúde da Família e, com exceção de um profissional, todos relataram experiências em outro
hospital, além do hospital que serve de cenário ao estudo. Todos têm vínculo empregatício
determinado pela Lei de Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
53

O perfil dos profissionais do serviço de emergência é composto por jovens e com


poucos anos de conclusão da graduação. Outros estudos têm confirmado esse padrão na
composição das equipes em serviços de urgência e emergência (SANTANA et al., 2019; SILVA
et al., 2020).
Considerar o perfil etário dos grupos pode se mostrar relevante, dadas as diferenças
percebidas entre as gerações, pois é possível distinguir quatro gerações compondo a força de
trabalho moderna: (1) veteranos, que compreendem os nascidos entre 1925 e 1942; (2) baby
boomers, que compreendem os nascidos entre 1943 e 1960; geração X, composta pelos nascidos
entre 1961 e 1981; e geração Y, representada pelos nascidos entre 1982 e 2000 (KAPOOR;
SOLOMON, 2011; SMOLA; SUTTON, 2002).

Considerar aspectos geracionais na conformação das equipes de trabalho é


importante, pois cada geração possui características e atitudes que as diferenciam - valores,
visões de mundo, formas de trabalho, maneiras de falar e pensar – as quais impactam, de alguma
forma, em suas interações nos espaços de trabalho (GURSOY et al., 2008; KAPOOR;
SOLOMON, 2011), podendo ser considerando um elemento que interfere nas relações entre os
agentes, configurando um aspecto da dimensão política do cuidado.
Em nosso caso, os entrevistados integram a geração Y, caracterizados por serem
favoráveis ao trabalho em equipe, serem grandes colaboradores, possuírem predisposição para
questionar regras (GURSOY et al., 2008), serem capazes de se concentrar em várias tarefas
simultaneamente, de assimilar de forma rápida as informações (GLASS, 2007; HERSHATTER;
EPSTEIN, 2010), lidam bem com a diversidade cultural e racial, têm independência extrema,
são mais igualitários socialmente que as gerações mais velhas, são muito ligados aos seus pares e
se sentem verdadeiramente poderosos (SCHNORBACH, 2009). Assim, o fato dos participantes
conter um maior público jovem pode estar relacionado com a relação entre desgaste, pois
serviços de emergência tratam-se de cenários estressantes, e possibilidade de questionar e mudar
para outros cenários, característica inerente a este público, podendo ser um fator que pode
repercutir na alta rotatividade de profissionais nesses serviços (MARTINS; MATOS; SALUM,
2019).
O hospital em questão integra o âmbito da gestão estadual, no entanto, os
profissionais estão contratados por meio de uma OS, a qual todos estão vinculados por meio de
54

contratação regida pela CLT. Assim, a instituição adere ao movimento de terceirização na saúde,
fruto da repercussão do modelo capitalista de desenvolvimento, embora exista o vínculo não
precarizado, é importante ratificar que, como equipamento do SUS, estes profissionais deveriam
dispor de vínculo estatutário, selecionados por meio de concursos públicos.
Guimarães Júnior e Ferreira (2020), ao analisarem as recentes mudanças das
legislações trabalhistas e seu impacto no campo da saúde, inferem que o cenário de
subcontratação irrestrita, incentivado pelas mudanças na legislação, tende a catalisar os efeitos
deletérios da terceirização para a classe trabalhadora, cujos desdobramentos ameaçam a garantia
de direitos no trabalho e os mecanismos de proteção social e resistência. Assim, o tipo de
vínculo, ao passo que repercute na proteção social, também pode configurar um elemento que
desempenha papel nas tensões, conflitos e alianças no campo da saúde, dado que vínculos mais
fortes permitem aos profissionais determinados posicionamentos, em comparação aos de vínculo
precarizado, por terem mais receio da perda desse vínculo.

7.1.2 O contexto da Atenção Primária à Saúde

No contexto da APS, foram entrevistadas(os) 11 enfermeiras(os), três médicos e três


cirurgiões dentistas, totalizando 17 profissionais. A faixa etária variou entre 28 e 59 anos (média
de 39 anos), sendo 12 mulheres e cinco homens. O tempo no serviço de APS do município
variou entre um e 22 anos (média de sete anos). Quanto ao tempo de graduado, este variou entre
três e 37 anos (média de 12 anos).
Todos os participantes graduaram-se em instituições públicas, sendo um dos
profissionais graduado em Cuba. Destes profissionais, 12 são especialistas na área Saúde Pública
ou Saúde da Família e um é mestre em Saúde da Família. Apenas três participantes referiram ter
experiências na ESF de outro município. Quanto ao vínculo, apenas uma é estatutária, dois estão
vinculados ao Programa Mais Médicos e 15 estão vinculados por contratos temporários.
Quanto aos profissionais da APS, o perfil mostrou-se diferente ao do contexto
hospitalar: profissionais de maior idade, com mais tempo no serviço e vínculos trabalhistas
precarizados. Outros estudos também confirmam uma faixa etária mais madura, maior tempo de
formação entre profissionais da Estratégia Saúde da Família e a predominância feminina nesse
cenário (BRITO et al., 2016; BARBOSA et al., 2019).
55

Nesse cenário, a precarização do vínculo foi mais evidente. Reiterando a discussão


anterior, sobre as repercussões do modelo capitalista no trabalho em saúde, nesse público, foi
possível notar uma maior limitação dos discursos, expressos por determinados receios em citar
nomes e da divulgação dos conteúdos das entrevistas, que facilmente poderiam ser atribuídos ao
medo da ruptura do vínculo, dada sua fragilidade, configurando um elemento importante no
contexto da dimensão política do cuidado.
A precarização do vínculo configura um fenômeno atinente ao movimento de
estruturação do trabalho e do emprego, posto que concerne tanto ao crescimento do desemprego
quanto às especificidades dos empregos disponíveis no mercado de trabalho, caracterizado pela
instabilidade e efemeridade contratuais, conduzindo à expansão do contingente de trabalhadores
alienados de seus direitos e sujeitos a condições de trabalho instáveis, insatisfatórias e
potencialmente adoecedoras (ARAÚJO; MORAIS, 2017).
O vínculo precário e a frágil proteção social advindos dele podem contribuir para que
esses participantes assumam comportamentos diferentes dos com vinculação estatutária. Costa e
Tambellini (2009), em estudo realizado com 18 trabalhadores terceirizados por cooperativa,
lotados nos serviços de enfermagem de uma instituição pública federal de saúde no Município do
Rio de Janeiro, identificaram que esses profissionais conheciam seus direitos e garantias sociais,
porém, entendiam que esses direitos eram desrespeitados devido a uma conjuntura que os
tornava impotentes para lutar, vivendo sob coerção do medo de perder o emprego.
No mesmo estudo, foi identificado, ainda, que a convivência entre dois grupos de
trabalhadores no mesmo local, estatutários e cooperados, potencializava a sensação de
inferioridade em relação à equipe de trabalho (COSTA; TAMBELLINI, 2009). Assim, vivências
de condições e relações de trabalho precarizadas podem produzir uma série de impactos que vão
desde o comprometimento da saúde até prejuízos psicossociais (ARAÚJO; MORAIS, 2017).
Durante as observações do campo, foi possível apreender que algumas mudanças
foram determinadas pela pandemia. Na APS, as ações programadas foram suspensas e os
atendimentos se direcionavam, prioritariamente, às pessoas com sintomas respiratórios, que
poderiam estar acometidas por COVID-19. Em uma das unidades básicas de saúde foi possível
observar a sobrecarga dos profissionais. No hospital, mudanças decorrentes da pandemia
também foram identificadas. O serviço de emergência apresentava-se superlotado, em sua grande
56

maioria, de usuários com COVID-19, uma vez ser esse hospital a referência para esse
atendimento na região.
No intuito de melhor compreender a dinâmica do trabalho no campo e as relações
estabelecidas entre os participantes, o capítulo seguinte desvela as peculiaridades, aproximações
e distanciamentos das atividades laborais de enfermeiras(os), médicos, dentistas e
fisioterapeutas.

7. 2 O campo da saúde e as distintas interações de seus agentes: o processo de trabalho de


enfermeiras(os), fisioterapeutas, médicos e odontólogos

Para Bourdieu (1997), o campo corresponde a um mundo social, relativamente


autônomo, que configura um microcosmo dotado de leis próprias, constituindo o universo no
qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a
literatura e as ciências, de forma a ser um mundo social como os outros, mas que obedece a leis
mais ou menos específicas.
Muitos são os campos que poderiam ser relacionados a esse conceito, como o
político, o acadêmico, o religioso, o da educação e o da saúde. No contexto desse estudo,
trataremos mais especificamente do campo da saúde e, por vezes, em especial, do subcampo
Enfermagem, também nos utilizando, para melhor compreender o processo de trabalho dos
agentes, da Teoria Marxista, dadas as ambições expressas em nossos objetivos.
Para Marx (2013), no processo de trabalho, a atividade do homem opera uma
transformação no objeto, sobre o qual atua por meio de instrumentos, para transformá-lo em
produto, sendo estruturado a partir de quatro elementos: a atividade, o objeto, os instrumentos ou
meios e a finalidade.
No contexto da saúde, Ricardo Bruno Mendes-Gonçalves (1994) foi pioneiro em
analisar o processo de trabalho nesse campo, tendo como marco a Teoria Marxista, sendo
57

realizada a partir da dissecação de seus elementos, desenvolvendo, o que é considerada por


alguns autores, a Teoria do Processo de Trabalho em Saúde (AYRES, 2015).
Nessa acepção, o objeto é representado pela pessoa em desequilíbrio da saúde, o
“corpo humano doente” (MENDES-GONÇALVES, 2017, p. 65); o agente é o profissional da
saúde que, por meio dos instrumentos (equipamentos, medicamentos, conhecimentos, dentre
outras tecnologias) o levaria a atingir a finalidade desse trabalho. Mendes-Gonçalves (1994)
reitera ainda que essa atividade somente pode ser concretizada a partir de instrumentos materiais,
representados pelos equipamentos, medicamentos, estrutura física, dentre outros; e não materiais,
nos quais se incluem os diferentes saberes.

Em virtude de a literatura apresentar dissonâncias, torna-se necessário dedicarmos


um olhar mais aprofundado sobre a finalidade do processo de trabalho em saúde.
Pires (2008) infere que a principal finalidade do trabalho em saúde é a ação
terapêutica. No entanto, Mendes-Gonçalves (2017, p.65) aponta que esta finalidade estaria
relacionada à “arte de curar”, conotando que a cura, ou seus congêneres, equilíbrio, bem-estar ou
saúde, seria a finalidade maior das atividades dos profissionais desse campo.
Neste ponto, achamos necessário nos posicionar. Assim, ao considerarmos o que nos
diz Marx (2011), que o trabalho tem como essência ser uma atividade na qual opera “uma
transformação do objeto do trabalho segundo uma finalidade concebida desde o início”,
comungamos com Franco e Hubner (2019), pois também acreditamos que, geralmente, quando
um profissional da saúde cuida, é imediata a ideia de realizar atividades que levem ao bem-estar
físico e mental, o que, para nós, revela a finalidade do trabalho em saúde: cura, saúde, melhoria
da qualidade de vida. Em suma, a finalidade desse processo de trabalho é levar o usuário a uma
situação de maior equilíbrio da saúde, que pode ser viabilizada por atividades de promoção da
saúde, prevenção de doenças, tratamento ou reabilitação.
Ainda nos detendo a caracterizar o campo da saúde, Pires (2008) considera o
trabalho em saúde como essencial à vida humana, integrando parte do setor de serviços, sendo
um trabalho da esfera da produção não material, que se completa no ato de sua realização, não
tendo como resultado um produto material, de forma que seu produto é indissociável do processo
que o produz.
58

Feuerwerker (2014) e Merhy (1999) analisam a dinâmica das relações instituídas


entre os agentes do processo de cuidar e a denomina de micropolítica, pois, quando um
trabalhador da saúde se encontra com o usuário, no interior de um processo de trabalho dirigido à
produção de atos de cuidado, estabelece-se entre eles um espaço de interseção que sempre
existirá em seus encontros. Portanto, no processo de trabalho em saúde há um encontro do agente
produtor e do agente consumidor. Desse modo, o agente consumidor é, em parte, objeto daquele
ato produtivo, mas também é um agente ativo, que interfere e contribui no processo.

No processo de produção da saúde, muitos são os agentes que convergem suas


atividades a fim de prestar cuidados. Atualmente, no Brasil, existem 14 profissões de nível
superior que integram o campo da saúde (BRASIL, 1998). Adiante, trataremos sobre o processo
de trabalho de quatro destas: enfermagem, fisioterapia, medicina e odontologia, no intuito de
melhor caracterizar e compreender as dinâmicas do campo da saúde.

7. 2. 1 Processo de trabalho em saúde

Ao observarmos os contextos de trabalho no hospital e na APS, percebemos que o


campo da saúde é constituído por diversos agentes: trabalhadores da saúde, usuários, familiares,
cuidadores (formais e informais) e gestores.
No ambiente hospitalar, que serve de cenário ao estudo, o serviço de emergência de
um Hospital de Referência, percebemos a predominância dos profissionais de enfermagem,
fisioterapeutas e médicos. A seguir, as falas exprimem as atividades realizadas, conotando a
dinâmica dos agentes no campo.

O trabalho da gente, de maneira bem global, é reabilitar as funções motoras e


respiratórias. Fazemos a mobilização dos pacientes, tirar do leito, deambular, ou iniciar
a reabilitação pulmonar, abrir vias aéreas, expandir o pulmão, realizar ajustes
ventilatórios. (...) Mas se faltarmos, o enfermeiro faz esses procedimentos, quando
algum paciente quer levantar-se, quando precisa de desobstrução de vias aéreas e
também de ajustes ventilatórios (FIS-H-1).
O fisioterapeuta trabalha a parte respiratória, distúrbios ventilatórios, para ter
fortalecimento respiratório, parâmetros ventilatórios, desmame do ventilador e
59

mobilizações. A gente ajuda a evitar que o paciente evolua para intubação e mobilização
(FIS-H-2).
Realizamos abordagem tanto de avaliação como de assistência, existindo funções
privativas e compartilhadas. Na avaliação, vamos avaliar a parte neurológica, pulmonar,
cardiológica e motora do paciente, visando uma função de manutenção da vida e já
pensando em qualidade de vida caso ele venha a sair do hospital. No sistema
respiratório, restaurar uma via área que não esteja pérvia, então tenho que ter ausculta,
tosse eficaz, ver se precisa de manobras, de aspiração, preciso ver eletrólitos, valores
gasométricos, se tem contraindicações para uma VNI (ventilação mecânica não
invasiva), se tem trauma de face, se tem sensório comprometido (FIS-H-3).
Durante o plantão, fazemos o exame físico completo, a evolução clínica completa,
conduta farmacológica, tomar decisões quanto questões invasivas e procedimentos
invasivos como reanimação, como hemodiálise, acesso central (MED-H-1).
O médico faz exame físico, história clínica, mas tem um papel mais de diagnóstico e
tratamento. O médico tem uma função mais objetiva de interpretar dados, dar
diagnóstico e tratamento (MED-H-2).
Além de outras coisas, o médico tem o foco no diagnostico nosológico e prescrição
medicamentosa (...). Médico e enfermeiro têm um trabalho muito complementar (MED-
H-3).
Fazemos evolução de enfermagem, ofertamos assistência aos que estão mais graves,
realizamos procedimentos de enfermagem, passagens de sonda, coletas de gasometria,
supervisiona o trabalho dos técnicos, tenta agilizar o máximo para o paciente receber
alta logo, tem as questões burocráticas que prendem muito a gente, prepara para
exames, marca exames, preenche os termos de exames, atualiza a passagem de plantão,
faz curativos, checagem do carrinho de parada (ENF-H-2).
A gente checa carrinho de parada, curativos, examina, faz evolução, atualiza
instrumentos de invasivos, (...) faz transferências de paciente, escalas de Braden e Esel.
A gente também é gestor dos materiais (ENF-H-10).

O hospital tem se configurado como um dos espaços hegemônicos de produção da


saúde, onde coabitam e convivem diferentes categorias profissionais. Esses profissionais atuam
em equipes, com intensa interação no intuito de produzirem o cuidado.
O hospital levou ao aparecimento de toda uma coleção de trabalhos
“infraestruturais”, sem os quais não pode funcionar, e que se constituíram na primeira extensão
do médico em um trabalhador coletivo, de forma que o mais importante desses trabalhos foi o
da(o) enfermeira(o), encarregado, sobretudo, de funções relativamente “mais manuais”
(MENDES-GONÇALVES, 1992). Importante salientar que embora a enfermagem realize
atividades “mais manuais”, se comparadas as dos médicos, mas menos manuais, se comparadas
as dos fisioterapeutas, isso não significa que realizam uma atividade menos intelectual, haja vista
que a Ciência Enfermagem se ampara em um arcabouço teórico e de evidências científicas que
tem produzido uma vasta gama de estudos e intervenções que resultou, dentre outras, nos
Diagnósticos de Enfermagem da North American Nursing Diagnosis Association (NANDA,
60

2018), Nursing International Classification (NIC, 2020) e Nursing Outcomes Classification


(NOC, 2020).
Ao analisar as falas e observar o campo, pudemos perceber que o trabalho em saúde
ocorre a partir de processos interativos entre os profissionais, sendo, relativamente, poucas as
atividades privativas de cada categoria, ou seja, são poucas as atividades que podem ser
realizadas exclusivamente por determinada profissão. Por exemplo, ao médico compete
exclusivamente o diagnóstico médico, a prescrição medicamentosa e intervenções invasivas,
como a intubação orotraqueal. No entanto, este poderia realizar quase todas as atividades
descritas pelas(os) enfermeiras(os) e fisioterapeutas (BRASIL, 2013). Também existe uma
grande intersecção entre o trabalho de fisioterapeutas e enfermeiros, observados na prática e,
também, expresso pelos próprios profissionais, a ponto de considerarem que um pode
desenvolver as atividades do outro.
A tênue delimitação entre os fazeres desses profissionais pode ser um reflexo das leis
de regulamentação do exercício profissional dessas categorias, que se apresentam, relativamente,
amplas (BRASIL, 1969; 1986; 2013).
Ainda discorrendo sobre a pouca diferenciação entre as atividades desses três
profissionais, como exemplo, citamos Art. 3º da Lei do Exercício Profissional da Fisioterapia
(BRASIL, 1969), que traz ser “atividade privativa do fisioterapeuta executar métodos e técnicas
fisioterápicos com a finalidade de restaurar, desenvolver e conservar a capacidade física do
cliente”. Da forma como está disposta, até o ato de estimular a deambulação, prática comum
entre os profissionais de enfermagem, poderia ser considerada como exercício ilegal da
fisioterapia. Agora, analisando a Lei do Exercício Profissional da Enfermagem (BRASIL, 1986),
quando traz que cabe ao auxiliar de enfermagem “prestar cuidados de higiene e conforto ao
paciente”, nos quais estão inseridos os ajustes de cabeceira para melhor posicionamento do
usuário, permitindo movimentos respiratórios mais eficazes, o que poderia ser considerado como
uma atividade de fisioterapia, haja vista que esses profissionais também realizam esse tipo de
intervenção.
No contexto hospitalar, os agentes desse campo atuam de forma colaborativa,
apresentando núcleos de atividades que se conformam menos pela presença de uma legislação e
muito mais pela dinâmica do campo, por influência do habitus. Esse fenômeno traz sentido à
ideia de dimensão política do cuidado, na qual o habitus, as regras não ditas, exerce forte
61

influência no processo de trabalho desses profissionais. Daneliu et al. (2019) reforça essa ideia,
ao estudar a dinâmica de trabalho no ambiente hospitalar, concluindo que o trabalho em saúde é
pautado pela inter-relação entre os profissionais, sendo o trabalho em equipe promotor de
melhores desempenhos ao nível hospitalar (ERVIN et al., 2018).
Durante as observações, ficam evidentes que o trabalho em saúde ocorre de uma
forma colaborativa, mas em grande parte, o que foi observado, é que a maioria dos profissionais
ainda atua de uma forma individualizada, sem muitas trocas e com limitada
interprofissionalidade. Percebeu-se uma interação mais frequente entre enfermeiras(os) e
técnicos de enfermagem. Em algumas intervenções, sobretudo as que demandam esforços
físicos, os fisioterapeutas solicitam apoio da equipe de enfermagem, configurando uma interação
mais por justaposição do que interprofissional. De forma geral, os profissionais parecem
conviver de uma forma funcional.

No contexto da Atenção Primária à Saúde, as falas também revelam que há, quando
se compara ao contexto hospitalar, ainda menos distinção entre as práticas de alguns
profissionais, o que pode ser percebido a seguir.

(...) a gente faz muita coisa que não é da gente. (...) então renovo receita de todos os
programas, saúde mental, hanseníase, tuberculose, planejamento familiar e a escuta, a
primeira escuta, a escuta qualificada para fazer o encaminhamento, acolhimento, (...) faz
pré-natal, visita, atendimento ao hipertenso, puericultura, (...) faz procedimentos,
passagem de sonda vesical, (...) organizamos a equipe, fazemos as solicitações de
exames, vê prontuários de gestantes, cartões de vacina, a gente gerencia a equipe,
coordena a equipe (ENF-APS-1).
Ainda temos muito trabalho com a demanda espontânea, tem a questão dos programas,
saúde da criança, do idoso, saúde mental, entre outros, Programa Saúde na Escola,
visitas domiciliares, temos trabalhos intersetoriais na comunidade, nas empresas,
serviços de outras secretarias da gestão, participamos de momentos de educação
permanente, matriciamento, procedimentos, (...) consulta de enfermagem, o
acolhimento e a triagem é algo bem próprio da enfermagem, (...) também realizo
atividades de gestão, pois sou gestor de 5 agentes de saúde, técnico de enfermagem e
um médico, faço a gerencia da minha microárea (ENF-APS-3).
Tratamento de infecções, suturas, prescrição de antibióticos. Acho que só medicamentos
mesmo (faço de diferente), pois os profissionais do posto são muito bons, bem
orientados, e eles são bem resolutivos quanto ao que cabe a categoria de enfermagem
(MED-APS-1).
Eu consulto os casos mais graves que os enfermeiros não conseguem resolver, faço pré-
natal, prescrevo alguns medicamentos, alguns exames só quem pede sou eu,
encaminhamentos para especialistas, só quem pede sou eu, basicamente algumas
restrições que eles não podem fazer, alguns diagnósticos diferenciais, mas na maioria
das coisas, praticamente o que o enfermeiro faz o médico faz, com pouca coisa diferente
(MED-APS-2).
62

Realizo extração de dentes, restaurações, os acessos para iniciar tratamento de canal,


limpeza, profilaxia, raspagem de sextantes, aplicação de flúor, retirada de terceiro
molar, prescrição de medicação, (...) eu gerencio as Auxiliares de Saúde Bucal.
Também faço a gestão de materiais da odontologia. Também coordeno as escovações
supervisionadas (ODO-APS-1).
A gente faz o atendimento básico, (...) com promoção de saúde também, então além dos
procedimentos em si, a gente faz avaliação de lesões, também fazemos o Programa
Saúde na Escola, (...) vamos frequentemente fazer escovação supervisionada e fazer
avaliação bucal das crianças (ODO-APS-2).

No desenvolvimento das entrevistas observou-se certa dificuldade das(os)


enfermeiras(os) em responder à pergunta. Essa atitude, tanto das(os) enfermeiras(os) do hospital
como da APS, revela que as(os) enfermeiras(os) têm dificuldade de sistematizar e explicar seu
processo de trabalho. Os médicos e odontólogos responderam com mais facilidade, o que parece
ser repercussão de um processo de trabalho mais claro, mais bem delimitado e/ou com menos
atividades. Outros estudos já discutiram essa característica de enfermeiras(os) e médicos, na
dificuldade de um e na facilidade do outro de elaborar as respostas sobre o que fazem, conotando
que a(o) enfermeira(o) parece não ter sua função definida e nem uma identidade profissional bem
elaborada (SILVA et al., 2020), o que pode estar relacionada à variada gama de atividades
executadas por enfermeiras(os), relacionadas ao seu subgrupo profissional, mas também as que
englobam as ações do campo.
Nesse cenário, APS, as distinções entre os profissionais ficam ainda menos nítidas,
provavelmente influenciadas pelo caráter interprofissional deste nível de atenção, sobretudo por
ter o foco de suas estratégias voltadas para a promoção da saúde e prevenção de doenças, como
trazido na Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2017). No entanto, foi mais
proeminente uma distinção entre as atividades dos odontólogos em comparação as dos demais.
Na APS, para evidenciar essa pouca distinção, temos como exemplo as atividades
da(o) enfermeira(o). Os profissionais ouvidos discriminam uma vasta gama de afazeres:
acolhimento, pré-natal, prevenção do câncer ginecológico, cateterismo vesical de demora,
curativos, ações de educação em saúde, escuta dos usuários, curativos, dentre outros. Todas essas
atividades poderiam ser realizadas por outros profissionais da equipe, sendo poucas as atividades
privativas da(o) enfermeira(o), como a gerência dos técnicos de enfermagem, dos Agentes
Comunitários de Saúde e a consulta de enfermagem. Inclusive, até mesmo a gerência do
território, atividade consagrada às(aos) enfermeiras(os), poderia ser realizada por outros
membros da equipe, como médicos e odontólogos (BRASIL, 2017). No entanto, a partir das
63

queixas das(os) enfermeiras(os), observadas nas falas, pode-se perceber que nesse nível de
atuação muitas atividades que seriam do campo da APS são delegadas à Enfermagem, fazendo
com que, muitas vezes, esse trabalhador perca noção de seu trabalho identitário. Aliado a isso,
as(os) enfermeiras(os) mostram-se pouco preparados para movimentarem-se na dimensão
política do cuidado, dado que expressam frágil empoderamento político, apresentando-se pouco
críticos e transformadores de suas realidades (PORTO; THOFEHRN, 2015).
Nesse cenário, até mesmo o fazer do médico se confunde com os dos demais,
inclusive, se considerarmos que a prescrição de medicamentos, que é colocada pelos
participantes como uma de suas principais atividades, também poder ser realizada por
enfermeiras(os) e odontólogos.

Tanto pelas falas quanto pelo observado no campo, é possível dizer que definir um
núcleo de atividades privativas para cada profissão, enfermeiras(os), odontólogos, fisioterapeutas
e médicos, parece ser infértil e pouco viável, haja vista que os limites impostos pela legislação
são tênues, possibilitando aos profissionais realizarem atividades comuns, que são mobilizadas a
depender das necessidades dos espaços de produção da saúde, seja na APS ou no hospital.
Esse caráter do trabalho em saúde, no qual os profissionais misturam-se a partir de
suas práticas e de seus saberes, tem sido estimulado por configurar uma forma de prestar
cuidados mais assertivos, que impactam mais na qualidade de vida das pessoas. Ceccim (2018)
chama esses saberes de interdisciplinares, pois são conhecimentos provenientes de várias
ciências, de conhecimentos populares e de conhecimentos tácitos, reconhecendo que, quanto
mais se trabalha em equipe, de forma colaborativa, mais se pode compartilhar dos saberes uns
dos outros, ampliando-se o arsenal de competências e a capacidade de resposta dos serviços de
saúde.
Piaget (1981, p.52) concebe a interdisciplinaridade como “intercâmbio mútuo e
integração recíproca entre várias ciências”, correspondendo a uma interação entre as ciências que
deveria conduzir à transdisciplinaridade, sendo esta última, concepção que se traduz em não
haver mais fronteiras entre disciplinas. Fenômeno que já parece estar em curso nos cenários
pesquisados.
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A seguir, por meio de representações esquemáticas, tentamos clarificar esse modo de


atuação nos cenários da pesquisa.

Figura 1 – Intersecções entre as atividades de enfermeiras(os), fisioterapeutas e médicos no


ambiente hospitalar. Sobral-CE, 2022.

Fonte: Elaborada pelo autor.


No contexto hospitalar, a partir da observação do campo, percebemos um
compartilhamento significativo das atividades entre essas profissões, com poucas, mas presentes,
distinções entre essas categorias, com destaque para a fisioterapia que apresenta uma
sobreposição quase total sobre o fazer dos outros profissionais, podendo ser suas atividades,
quase que inteiramente, realizadas ou pelo médico ou pela(o) enfermeira(o).
Médicos e enfermeiras(os), embora dividam muitas atividades, apresentam distinções
em suas práticas, como a gerência da equipe de enfermagem e a realização do processo de
enfermagem, pelas(os) enfermeiras(os), ou a prescrição medicamentosa e o diagnóstico médico e
procedimentos invasivos, pelo médico.

Figura 2 - Atividades de enfermeiras(os), médicos e odontólogos no contexto da APS.


Sobral-CE, 2022.
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Fonte: Elaborada pelo autor.

As figuras são uma construção a partir das falas e das observações. Na APS, o
odontólogo apresenta atividades mais bem delimitadas e distintas do trabalho dos demais
profissionais, médicos e enfermeiras(os). Mesmo assim, muitas atividades podem ser
compartilhadas. Nesse contexto, médicos e enfermeiras(os) desenvolvem atividades muito
parecidas, com maior sobreposição que no ambiente hospitalar. No entanto, há que se ressaltar
que a diferenciação das práticas é mais quantitativa do que qualitativa, haja vista que a repetição
de determinas práticas acabam por determinar as diferenciações entre as profissões.
Um ensaio clínico randomizado, comparando os efeitos das consultas de médicos e
enfermeiras(os) na Espanha, concluiu que enfermeiras(os) prestam assistência de qualidade
comparável àquela prestada por clínicos gerais, para problemas agudos de baixa complexidade,
como os encontrados na APS (IGLESIAS et al., 2013). Laurant et. al (2018), em uma revisão
sistemática que objetivou saber o impacto de enfermeiras(os) em substituição a médicos na APS,
envolvendo 18 ensaios clínicos, concluiu que, para a grande maioria dos desfechos, a atuação do
enfermeira(o) mostra-se provavelmente igual ou ligeiramente melhor em comparação aos
médicos.
Essas evidencias corroboram com a observação de que as atividades possíveis desses
profissionais são bastante aproximadas, dado que possuem um processo de formação amplo e,
realmente, generalista, em diferenciação aos demais profissionais da saúde, que mantém forte
inclinação para determinadas disciplinas e temas, ao exemplo do dentista, concentrado no
66

adoecimento da boca, o psicólogo, com os acometimentos da mente, os fonoaudiólogos, com os


distúrbios da fala, entre outros.
A diferença não está tanto no que eles podem fazer ou não, no que é privativo ou
não, mas no grupo, no conjunto de atividades realizadas na prática, em como eles articulam
determinado conjunto de atividades, em sua maioria não privativas, e, assim, conformam o
núcleo de atividades de cada profissão, que, inclusive, pode variar a depender do espaço, do
nível de atenção, da instituição, dado o poder de influência do contexto sobre o habitus dos
profissionais e, consequentemente, sobre seu fazer, uma vez ser o “habitus a força invisível que
orienta as práticas” nos diferentes contextos (BOURDIEU, 1996, p. 22), inclusive as práticas dos
profissionais da saúde. Por exemplo, em determinados hospitais, a partir de protocolos, os e
enfermeiras podem solicitar radiografia. Já em outros, mesmo sem protocolos, os enfermeiros
realizam essa mesma atividade. Novamente ganha sentido a expressão dimensão política do
cuidado, ao ser constatado que existem permissões e coerções além das normas, formais, da
instituição.
Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1990) defendem que antes de se desbravar o
campo, o pesquisador deve ter impressões e suposições iniciais. Em nosso estudo, nossa intenção
inicial era descrever o núcleo de práticas, que em nossa imaginação seria um núcleo de
atividades privativas de cada categoria. No entanto, o campo nos mostrou que esse núcleo de
práticas, na verdade, é formado menos por atividades privativas e muito mais por atividades
comuns e que, embora existam práticas privativas, não são essas as que determinam e nem são as
mais representativas no fazer desses profissionais, seja no hospital ou na APS, pois existem sim
práticas privativas, mas o núcleo de atividades tem sua conformação mais fortemente
influenciada pela execução de práticas comuns/compartilhadas, o que é expresso pelos próprios
profissionais, ao relatarem serem poucas as práticas que são exclusivas desta ou daquela
profissão, principalmente entre enfermeiras(os), médicos e fisioterapeutas, no ambiente
hospitalar.
Uma revisão que envolveu 37 estudos, de sete países, ao comparar o trabalho do
médico e de enfermeiras(os) na APS, concluiu que a(o) enfermeira(o) pode, se qualificado,
assumir atividades complexas, semelhantes à do médico (CODY et al., 2020), como prescrever
determinados medicamentos. Parte-se do princípio de que toda(o) enfermeira(o) está qualificado
para desenvolver atividades complexas de seu subgrupo profissional, no entanto, não há
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pretensão, na formação da(o) enfermeira(o), de que este substitua o médico, pois são formações
diferentes. No âmbito da APS, apesar de se identificar um campo constituído por várias
atividades que podem ser comuns, isso não deve deixar de levar em conta as ações inerentes aos
núcleos profissionais, mas é preciso reconhecer que “o que se faz”, no campo da saúde, é mais
determinante para o cuidado do que “quem faz”, pois todos os profissionais podem fazer a
grande maioria das atividades.
No entanto, ao observar o campo, é percebido que, embora muitos possam fazer
quase tudo, grande parte das atividades comuns são realizadas com maior participação da(o)
enfermeira(o), como a gerência do território e as atividades grupais, na APS, resultando em
sobrecarga dessa(e) profissional (CAÇADOR et al., 2015; GALAVOTE et al., 2016).
Tal cenário conflui para uma dinâmica de atuação cada vez mais inter e
transdisciplinar, na qual todos fazem, ou poderiam fazer, em algum momento, quase tudo, sendo,
de fato, poucas as atividades exclusivas de uma ou de outra profissão. Mas, em nossos achados,
percebemos que, mesmo sendo poucas as atividades distintivas, ou seja, privativas, a
representação dessas atividades para a categoria e como ela se repete na prática de cada
profissional reverbera de forma diferente no fazer de cada categoria.
Por exemplo, médicos e enfermeiras(os) podem prescrever medicamentos, porém o
médico pode prescrever incontavelmente mais que as(os) enfermeiras(os) e tem mais
propriedade para isso, de forma que, embora os dois possam prescrever, esse ato ganha sentidos
diferentes no contexto de cada profissão, pois médicos consideram essa prática como uma das
mais representativas e ela ocupa grande espaço na prática cotidiana desse profissional. Já para
a(o) enfermeira(o), embora possa prescrever alguns medicamentos, essa atividade nem mesmo
chega a ser citada por elas(es).
Outro exemplo, é a realização da atividade cateterismo vesical. O médico também
sabe e pode realizar essa atividade, mas ganha um sentido diferente na prática da(o)
enfermeira(o), pois a representação dessa atividade para essa categoria é mais significativa,
existe uma relação diferente, pois a expertise dos profissionais é maior, pois esses a realizam
com mais frequência. Então, essas características, a expertise adquirida pela práxis permite
incorporar essa atividade, embora não exclusiva da(o) enfermeira(o), em seu núcleo de
atividades, que aqui chamaremos de Núcleo de Atividades Identitárias (NAI).
68

A construção do NAI mantém relação direta com o habitus profissional, pois são
essas disposições mentais que permitem a inserção de uma atividade, de uma prática, nesse
núcleo. E essa disposição é influenciada pela prática, haja vista que podemos dizer, com
segurança, que o NAI de uma enfermeira de um hospital especializado em atenção
cardiovascular não é o mesmo da enfermeira que trabalha em um hospital com foco na
reabilitação de pessoas com sequelas de trauma. Assim, existe um NAI comum a todas(os) as(os)
enfermeiras(os), mas que sofre modificações, a depender do contexto, pois a prática vai
induzindo mudanças no habitus e este, provocando mudanças na prática, em um processo de
retroalimentação.
Mas esse núcleo de atividades identitárias não é constituído somente por atividades
restritas àquela categoria profissional, pois como visto, essas são bastantemente raras, mas sim
por atividades que, por sua repetição e, irremediável desenvolvimento de expertise, passam a
integrar o corpus de atividades consideradas mais atinentes ao escopo de práticas. Mas, somente
a expertise não é suficiente para a inclusão de uma atividade nesse núcleo.
Para compor o NAI de um profissional da saúde, além da expertise, é necessário:
amparo legal, essa atividade deve estar subsidiada pela legislação específica de cada profissão; o
reconhecimento dessa expertise pelos profissionais executores da atividade; o reconhecimento
dos demais agentes do campo, validando essa expertise e protagonismo na execução dessa
atividade. Assim, essas atividades passam a constituir o habitus desse grupo profissional, ou seja,
uma disposição mental para a realização daquela atividade e um reconhecimento, da apropriação
sobre ela. Esse reconhecimento é individual, do profissional, e coletivo, pelos outros
profissionais da mesma categoria e, também, de categorias diferentes, por influência do habitus,
afinal, este constitui as regras não ditas, mas que todos conhecem (BOURDIEU, 1989).
Assim, a grande questão sobre a distinção entre os agentes do campo da saúde não é
quem faz “o quê”, mas sim, quem faz mais e melhor uma determinada atividade. Normalmente,
entre os profissionais, essa expertise é reconhecida, pois mais ou menos uns sabem o que os
outros fazem, mas não completamente. Sempre existem facetas da prática que são desconhecidas
pelos outros membros do campo.
Então, o fator quantitativo, o quanto aquela atividade se repete na prática de cada
profissão, também parece contribuir, inclusive mais pelo fator de repetição, para a construção do
núcleo de atividades identitárias, que repercutirá na construção da identidade profissional.
69

Assim, ressalta-se que o escopo de atividades consideradas próprias parece estar ligado à
repetição daquela prática no cotidiano do processo de trabalho.
Um estudo realizado com gestores e profissionais da APS, identificou o quanto,
muitas vezes, não fica claro para aquele e para estes a competência de cada profissão, sendo isso
uma lacuna que se origina na matriz identitária de cada profissional e da equipe (AMARAL et
al., 2021), evidenciando a relação entre prática, habitus e identidade profissional, haja vista que
o reconhecimento entre os profissionais das práticas individuais interfere nesse processo.
A construção do NAI é influenciada pelo habitus profissional que, por sua vez, é
influenciado pela prática, pelo contexto, mais especificamente pelas normas e protocolos
institucionais, pela legislação que rege esses profissionais e, sobretudo, por seus conhecimentos,
mas esses fatores se relacionam de forma desigual na conformação dessas práticas, que são
resultado da defasagem entre o habitus e o contexto, entre o imaginado e o possível, entre o
subjetivo e o objetivo. Essa prática será o resultando das lutas estabelecidas pelos agentes diante
das relações de poder estabelecidas entre eles e entre a instituição, representada por seus
protocolos. Essas lutas ocorrem em uma dimensão invisível, a que chamamos de dimensão
política do cuidado.
Por exemplo, observou-se que os profissionais de enfermagem que atuam na
classificação de risco, algumas vezes, redirecionam usuários a outros serviços, pois esses não
atendem ao perfil de atendimento do hospital. Essa prática é tida pela legislação como privativa
do médico (BRASIL, 2001) e tida como proibida pelo Conselho Federal de Enfermagem
(COFEN, 2017), mesmo assim, motivados pela conivência da instituição e endossados por seu
saber, conhecimento clínico das situações de saúde, que lhe assegura uma certa previsibilidade
do que pode ocorrer com aquele usuário no percurso de um serviço ao outro, permitem que essa
prática seja executada. Ou seja, o poder institucional e o conhecimento dos profissionais foram
mais determinantes para a prática do que a legislação.
No entanto, nessa mesma situação e atividade, foi observado que a maioria das(os)
enfermeiras(os) não redireciona usuários, assim, se ancoram no poder da legislação e, mesmo
sabendo que o usuário teria condições clínicas para se direcionar para outro hospital (a exemplo
de uma gestante com dores leves em baixo ventre, sem perdas vaginais ou outro sinal de alerta) e
que seria mais interessante para a dinâmica da instituição e para o trabalho do médico que ele
mesmo, a(o) enfermeira(o), redirecionasse o usuário, solicita a presença do médico. Nesse caso,
70

a legislação foi predominante para que essa prática fosse executada, mas também dependeu de
um conhecimento sobre a clínica e sobre a legislação que o rege, permitindo entrar em uma
situação de conflito com a dinâmica institucional e com as expectativas do médico.
Os achados também nos permitem realizar considerações sobre o processo de
trabalho em saúde, que apresenta peculiaridades.

Figura 3 - Processo de trabalho e processo de trabalho em saúde. Sobral-CE, 2022.

Fonte: elaborada a partir de Marx (2011).

Fonte: Elaborada a partir de Marx (2011).


A finalidade determina todo o processo de trabalho em saúde (MENDES-
GONÇALVES, 1994) e os instrumentos e tecnologias estão diretamente relacionados a esta
finalidade. O objeto sempre é o mesmo (usuário) e o agente, embora possa assumir várias
nomenclaturas (enfermeiras(os), médicos, odontólogos, fisioterapeutas, dentre outros), parece
influenciar menos no resultado do que os instrumentos/tecnologias utilizadas, pois profissionais
diferentes podem chegar aos mesmos resultados, desde que usem as tecnologias adequadas aos
objetivos, que concorreram para que se alcance à finalidade. Por exemplo, no caso do subcampo
da estética, no qual muitos profissionais podem manipular as mesmas tecnologias e, assim,
chegar a resultados semelhantes, mesmo reconhecendo que irão existir práticas exclusivas de
71

cada profissional. Quanto ao produto, diferentemente de um carpinteiro, que terá como resultado
uma cadeira, o produto do trabalho em saúde é o próprio ato de cuidar (MERHY, 1999).
Reiteramos que existirão atividades e necessidades dos usuários que só poderão ser
atendidas, sobretudo, a partir da execução de atividades privativas de determinados profissionais,
como uma exodontia, pelo odontólogo, uma apendicectomia, pelo cirurgião, a punção de um
acesso central, pelo médico, dentre outros. Neste sentido, o reconhecimento da importância,
também, das atividades privativas, no processo de produção da saúde, ressalta a necessidade de
uma atuação interdisciplinar.
Esses agentes do campo da saúde, por meio dos instrumentos, podem atuar sobre o
objeto de forma indireta ou direta. A atenção direta envolve as atividades diretamente
instituídas, de modo interativo, sobre a pessoa, seus familiares ou cuidadores, ou coletividades:
psicoterapia, intubação, curativo, sondagem, administração de medicamentos, escuta ativa,
abordagem grupal. A atenção indireta, constitui atividades que vão repercutir na qualidade de
vida das pessoas, mas de forma indireta, não sendo realizadas a partir da interação entre
profissionais e usuários: aquisição de insumos, processamento de materiais esterilizados, central
de hemoterapia, produção de vacinas. Neste sentido, no contexto das atividades indiretas, não
poderão ser realizados cuidados, uma vez que estes necessitam, de forma irremediável, da
interação entre quem cuida e quem é cuidado (MOURÃO NETTO et al., 2021).
As atividades de gerência envolvem a articulação entre as intervenções produzidas
na atenção direta e na indireta e visam concatenar as diferentes intervenções no intuito de levar
ao alcance da finalidade do processo de trabalho em saúde: melhoria da qualidade de vida. É
importante considerar, portanto, que essas atividades, diretas e indiretas, dificilmente ocorrem de
forma isolada, ocorrendo, na prática, simultaneamente.

Figura 4 - Atividades que compõem o processo de trabalho no campo da saúde. Sobral-CE,


2022.
72

Fonte: Elaborada pelo autor.

Figura 5 - Representação da atuação dos profissionais da saúde. Sobral-CE, 2022.

Fonte: Elaborada pelo autor a partir de Arendt (2007).

De forma geral, o processo de trabalho dos profissionais em questão pode ser


representado pelo esquema anterior. Todos esses profissionais atuam sobre o usuário e seus
desequilíbrios ou necessidades de cuidado por meio de intervenções ou cuidados, que podem ser
clínicos ou educativos.
A intervenção ou cuidado clínico é realizada a partir de uma necessidade da pessoa já
em desequilíbrio da saúde. Já a intervenção ou cuidado educativo pode ser dispensada tanto a
pessoas em desequilíbrio da saúde ou não. No entanto, nas situações nas quais o desequilíbrio já
73

esteja estabelecido, deve-se priorizar o estabelecimento de intervenções ou cuidados clínicos,


pois essas podem impactar de forma mais eficaz no processo saúde doença. Importante reportar
que, em nossa análise, intervenções clínicas não podem ser destinadas a pessoas sem
desequilíbrio da saúde. Assim, seria incoerente falarmos em intervenção ou cuidado clínico no
contexto da promoção da saúde e prevenção de doenças, haja vista que a clínica necessita do
desequilíbrio/adoecimento para sua existência (FOUCAULT, 2011; MOURÃO NETTO et al.,
2021).
Independentemente da demanda de saúde, se a intervenção é clínica ou educativa, as
atividades realizadas podem sem mediadas por discurso ou por ação, sem esquecer que estas são
utilizadas, quase sempre, de forma simultânea. Assim, para uma atividade com adolescentes
sobre prevenção do uso abusivo de álcool, serão realizadas atividades mediadas pelo discurso:
palestra, roda de conversa, aula expositiva, dentre outros. Esses não apresentam desequilíbrio,
portanto, essa atividade configura como educativa. Já no caso de uma pessoa que chega à
unidade de saúde em uma crise de ansiedade e seja necessária a utilização de técnica respiratória
para acalmar, embora seja utilizada uma tecnologia com base no discurso, esse será uma
atividade clínica, pois foi disparada por um desequilíbrio da saúde já estabelecido.
Por exemplo, a realização de um cateterismo vesical, quase sempre vai se configurar
em uma atividade clínica mediada por ação. Mas em outro caso, mesmo utilizando uma
intervenção mediada pela ação, poderemos realizar uma atividade educativa, como o ensino da
amamentação, onde será necessário realizar manobras com a mãe e o bebê, no instituto de
prevenir desequilíbrios, como fissuras e ingurgitamento, configurando um cuidado educativo,
mesmo sendo mediado por uma ação. Lembrando que esta diferenciação sobre intervenções e
cuidados clínicos ou educativos é muito mais didática do que factual, pois quase sempre esses
cuidados ocorrem simultaneamente.
Também ressaltamos a diferença entre intervenção em saúde e cuidado em saúde.
Toda atividade realizada por um profissional da saúde poderá ser considerada uma intervenção
em saúde. No entanto, nem toda intervenção poderá ser considerada cuidado em saúde.
Percebe-se que há muito a palavra cuidado vem sendo usada sem grandes reflexões
(WALDOW, 2015), sendo vulgarizado seu uso e utilizada como sinônimo de intervenções na
saúde. Discordamos dessa lógica discursiva, pois para configurar cuidado em saúde devem-se
atender alguns critérios: (1) deve ser uma atividade realizada por profissional qualificado e
74

legalmente habilitado; (2) deve envolver preocupação (responsabilidade, empatia), ação (a


intervenção em si) e, principalmente, interação. Nessa acepção, uma intervenção realizada na
qual o usuário não sabe o que foi realizado, ou não foi discutido com ele, não poderá ser
qualificado como cuidado. Restringiu-se a uma intervenção em saúde, pois o cuidado só se
constrói com o outro, tendo como um dos objetivos prementes o empoderamento, autonomia e
emancipação e, sempre, com vistas ao autocuidado.
No processo de trabalho em saúde, como já dito, a finalidade guia as atividades.
Assim, a finalidade vai guiar todo o processo. Se a finalidade for melhorar a qualidade de vida
por meio da promoção da saúde, então o profissional terá que utilizar atividades (intervenções ou
cuidados) a partir de tecnologias que concorram para isso (acolhimento, atividades educativas,
aplicativos, dentre outros). Dessa forma, parece claro que a determinação das atividades e
instrumentos/tecnologias vai depender mais do objetivo do que do profissional que a está
realizando, pois se a finalidade do trabalho for a melhoria da qualidade de vida por meio da
reabilitação (respeitando o núcleo de atividades de cada profissional), não importará tanto se será
o médico, fisioterapeuta, odontólogo ou enfermeira(o), haja vista que todos comungam, em
grande parte, das mesmas práticas, podendo uns utilizarem quase todas as tecnologias do outro
para se chegar a um mesmo resultado, embora não neguemos a contribuição individual e
privativa que todos assumem nesse processo. Diante disso, percebemos que esse processo de
trabalho pode apresentar vários objetivos, promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento
e reabilitação, mas uma única finalidade: a melhoria da qualidade de vida.
No entanto, as atividades distintivas, privativas, que mesmo em um número limitado,
devem ser consideradas (a prescrição de determinados medicamentos pelo médico, a implantação
do aparelho ortodôntico pelo odontólogo, a gestão dos técnicos de enfermagem e ACS pelo
enfermeira(o)), pois também guardam potencial para impactar nessa finalidade. Por conta dessas
atividades privativas também é necessária a interdisciplinaridade e isso não pode ser esquecido.
Essa construção reforça a ideia de que todo profissional da saúde pode realizar um trabalho que
impacte na qualidade de vida e não somente este ou aquele profissional, mas a atuação de forma
integrada é necessária, pois existem atividades privativas que, embora poucas em quantidade, são
importantes para o impacto na qualidade vida almejado.
No intuito de melhor compreender o processo de trabalho em saúde, achamos
pertinente incluir um outro componente: os objetivos do processo de trabalho em saúde.
75

Diferentemente da finalidade (melhoria da qualidade de vida), que não se modifica,


os objetivos são elementos intermediários que congregam grupos de atividades (intervenções ou
cuidados) que apresentam um efeito comum, que, no final, concorrem para o alcance da
finalidade. Assim, as atividades e as tecnologias são diretamente ajustadas pelos objetivos e não
pela finalidade, pois não importa qual o trabalho em saúde, a finalidade sempre será a mesma.
Assim, esse conjunto de atividades, conectadas por um efeito comum, pode levar ao alcance de
um dos objetivos: promover saúde, prevenir doenças, tratar ou reabilitar.
Então, de forma geral, o objetivo da atividade, que levará à finalidade, está mais
diretamente relacionado com os instrumentos/tecnologias utilizados e menos com o profissional
a realizá-la, pois é possível que profissionais diferentes se utilizem das mesmas tecnologias e
produzam resultados semelhantes. Por exemplo, a escuta ativa a um usuário em adoecimento
mental pode ser realizada por qualquer profissional da saúde, desde que munido dessa
competência, e não há impedimento legal ou ético para isso.

7. 2. 2 Processo de trabalho das(os) enfermeiras(os) e a constituição do habitus

Como já discorrido, o processo de trabalho em saúde envolve alguns elementos:


profissionais e trabalhadores da saúde (agentes); pessoas com necessidades de
intervenção/cuidado, que podem ou não estar em desequilíbrio da saúde ou em risco de
desenvolvê-lo (objeto); objetivos: promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento e
reabilitação; a finalidade, a melhoria da qualidade de vida; e as tecnologias em saúde utilizados
para propiciar a atividade (intervenção ou cuidado), podendo ser medicamentos, conhecimentos,
maquinários, instrumentos, sistemas computacionais, aplicativos digitais, redes sociais virtuais,
dentre outros, sendo essa a composição dos elementos do processo de trabalho em saúde.
Entre os profissionais que compõem o campo da saúde, estão os enfermeiros. No
Brasil, a(o) enfermeira(o) exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe,
privativamente: direção do órgão de enfermagem integrante da estrutura básica das instituições
de saúde e chefia de serviços de enfermagem; organização e direção dos serviços de enfermagem
e de suas atividades técnicas e auxiliares nas empresas prestadoras desses serviços;
planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços da assistência de
enfermagem; consultoria, auditoria e emissão de parecer sobre matéria de enfermagem; consulta
76

de enfermagem; prescrição da assistência de enfermagem; cuidados diretos de enfermagem a


pacientes graves com risco de vida; cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica e
que exijam conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas
(BRASIL, 1986).
Esses profissionais integram a equipe de enfermagem, que no Brasil, é composta
ainda por técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras (BRASIL, 1986).
Segundo o COFEN (2022), a enfermagem constitui a maior categoria profissional da saúde,
perfazendo um total de 2.619.626 profissionais, sendo 665.535 enfermeiras(os), 1.489.845
técnicos de enfermagem, 463.910 auxiliares de enfermagem e 336 parteiras.
A Enfermagem é uma profissão essencial e considerada nuclear na estrutura das
profissões da saúde, no Brasil e no mundo, estando as(os) enfermeiras(os), em especial,
desempenhando atividades na atenção direta, gestão, pesquisa e ensino, em todos os níveis de
atenção e em praticamente todos os serviços de saúde (SILVA; MACHADO, 2020).
Em seguida, procuraremos desvelar os aspectos moleculares, se possível, do processo
de trabalho desses profissionais, com foco em suas atividades, em relação aos demais membros
da equipe de saúde, no contexto da APS. A seguir, as(os) enfermeiras(os) se referem sobre o que
fazem nesse cenário.

Eu faço tudo! Faço consulta de enfermagem, faço pré-natal, prevenção (câncer de colo),
acolhimento, puericultura, (...) planejamento familiar, (atendo) tuberculose, doença de
chagas, (faço) encaminhamento para especialistas, (...) urgência e emergência,
encaminhamentos para o hospital, UPA (Unidade de Pronto Atendimento), notificação,
parte da papelada (ENF-APS-2).
(...) Considero que o núcleo da nossa atuação é a consulta de enfermagem, o
acolhimento e a triagem (classificação de risco). São bem próprios da enfermagem. (...)
Também realizo atividade de gestão, (...) sou gestor de cinco ACS, técnico de
enfermagem e um médico. Faço a gerência da minha microárea (ENF-APS-3).
Só o enfermeiro faz exame de prevenção, procedimentos como sondagem vesical ou
nasogástrica, visita às puérperas. Só o enfermeiro faz o acolhimento, a gestão do ACS a
gente compartilha com o gerente (ENF-APS-4).
A gente também faz o gerenciamento da sala de vacina (ENF-APS-5).
Triagem com classificação de risco e acolhimento da demanda são atividades que a
gente não consegue destinar a outros profissionais. (...) já foi tentado colocar outros
profissionais, mas não teve tanto êxito. Também realizamos acompanhamento dos
indicadores da microárea, isso é direcionado ao enfermeiro, não conheço onde
direcionam esse fazer para outra categoria. Até a coleta de citologia já vi que médico
precisou fazer, mas não de rotina (ENF-APS-6).
Todos os enfermeiros da assistência fazem gerência, não tem como não fazer, porque
além da atenção, do vínculo, sempre tem o cuidado continuado, a gente tem muito a
parte burocrática e essa parte nos leva a parte de gerência, a organização da equipe,
minhas ACS, atendimento das gestantes, tem as planilhas de acompanhamento das
gestantes (ENF-APS-8).
77

O primeiro pensamento que eu tenho do que faço é cuidar. Eu cuido de famílias. Eu


tenho que ter um olhar crítico e aguçado para os que menos tem, quem mais está
precisando: é minha gestante de risco, é meu diabético que está com o pé
comprometido. Nessa pandemia, ficou muito cuidado a desejar, porque a gente perdeu
mãe, perdeu criança. Então o que o enfermeiro precisa para cuidar? Querer cuidar, ter
disposição para ir cuidar (...) (ENF-APS-9).

Percebe-se que é vasta a gama de atividades da(o) enfermeira(o) na APS, fenômeno


encontrado que vai ao encontro de outros estudos (MAIER; AIKEN; BUSSE, 2017), bem como
a sobrecarga desses profissionais nesse cenário, que mantém relação com o adoecimento dos
trabalhadores e a diminuição da segurança e da qualidade da assistência (BIFF et al., 2020;
PÉREZ-FRANCISCO et al., 2020).
Novamente, chama atenção a dificuldade que têm as(os) enfermeiras(os) de
sistematizar e explicar o que fazem. Em estudo no qual analisava o processo de trabalho de
enfermeiras(os) da APS, Fernandes et al. (2018) identificaram que estes também apresentaram
dificuldades em sistematizar e expressar quais eram suas atribuições, constantemente se
remetendo a palavra tudo para definir essa atuação. Em outro estudo, estudantes de enfermagem
do último ano não (re)conheceram seu próprio processo de trabalho (MASCARENHAS et al.,
2019).
Segundo Marx (2011), o trabalho, por vezes, se converte em alienação, visto que o
trabalhador se torna uma mercadoria no modo de produção capitalista e tal alienação não se
efetiva apenas na perda do objeto, mas no próprio ato de produção. Tal fenômeno pode estar
intimamente relacionado ao modo de produção capitalista e política econômica neoliberal, que
têm influenciado fortemente os modos de produção da saúde. Então, a alienação impingida por
uma inserção pouco crítica no trabalho poderia explicar essa dificuldade.

A economia neoliberal, cuja lógica tende a se impor em todo o mundo, possui um


sentido comum econômico ligado, como tal, às estruturas sociais e cognitivas de uma
ordem social particular. E a teoria econômica neoclássica toma dessa economia
particular seus pressupostos fundamentais, que formaliza e racionaliza como
fundamentos de um modelo universal. Este modelo se apoia em dois postulados: a
economia é um domínio separado, governado por leis naturais e universais que os
governos não devem contrariar com intervenções intempestivas; o mercado é o meio
ótimo de organizar a produção e os intercâmbios de modo eficaz e equitativo nas
sociedades democráticas (BOURDIEU, 2001b, p. 23-24).

O neoliberalismo está destruindo todas as instâncias coletivas capazes de resistir aos


seus efeitos, entre as quais o Estado está em primeiro lugar, depositário de todos os valores
78

universais associados à ideia de público (BOURDIEU, 1998), valorizando o individualismo


sobre o coletivismo, defendendo o ideal de que o indivíduo deve assumir a responsabilidade
sobre o bem-estar social e o Estado assume o papel de Estado Mínimo, sendo extremamente
reduzido seu poder de interferir nas políticas públicas; nesse cenário, o setor de saúde foi um dos
grandes atingidos (COSTA; TAMBELLINE, 2009).
A enfermagem tem sofrido com as perdas de direitos sociais e trabalhistas, as quais
vêm ocorrendo na sociedade atual, em virtude da economia capitalista e da influência do modelo
neoliberal sobre o processo de trabalho em saúde (SOARES et al., 2021), o que também tem
limitado as possibilidades de manobras dos trabalhadores em busca de melhores condições de
trabalho, os obrigando a permanecer em cenários, muitas vezes, insalubres, de intensa sobrecarga
e com pouca capacidade de se organizarem para provocar mudanças.
A construção desse cenário também e influenciado pelas dificuldades enfrentadas
pelo próprio SUS, dentre elas o subfinanciamento crônico e a falta de prioridade pelos governos,
o que tem limitado seu impacto (PAIM, 2019). Mais especificamente, no atual governo, as
mudanças impingidas pelo novo modelo de financiamento da Atenção Primária, no SUS, tendem
para um cenário de mais subfinanciamento, pondo em xeque o princípio da universalidade
(MENDES; MELO; CARNUT, 2022).
Assim como no hospital, percebemos que são limitadas as atividades privativas no
escopo de práticas da(o) enfermeira(o), pois a maioria das atividades que eles referem que
somente eles fazem, na verdade, poderiam ser realizadas por outros profissionais, como a
prevenção ao câncer ginecológico, que pode ser realizado pelo médico, como a classificação de
risco, que também pode ser realizada pelo médico, evidenciando uma clara distinção entre
atividades privativas e núcleo de atividades.
Em uma revisão sobre o trabalho de enfermeiras, com estudos de nove países, Leal e
Melo (2018) apontam que, pela natureza dessa atividade, não é possível dissociar atividades
gerenciais das assistenciais, identificando ainda que esses profissionais, além de coordenar o
processo de trabalho dos outros trabalhadores de enfermagem, ainda direcionam o processo de
trabalho dos outros trabalhadores para assegurar a prestação dos serviços de saúde, organizam o
ambiente e também executam procedimentos técnicos assistenciais. A grande maioria das(os)
enfermeiras(os) entrevistadas(os), em um primeiro momento, não cita a atividade gerencial como
79

componente de seu escopo profissional, aparecendo essa atividade, posteriormente, em outro


momento da entrevista.
As mesmas autoras também apontaram esse fenômeno, o não reconhecimento das
atividades gerenciais, refletindo que a negação do trabalho gerencial da enfermeira está
enraizada na concepção dessa profissão, com a valorização das ações assistenciais e dos
procedimentos técnicos, de forma que a negação do trabalho gerencial, expressa pelo pejorativo
“burocracia”, solapa a singularidade desse trabalho, pela não compreensão da natureza
indissociável da dupla dimensão do seu trabalho, visto que é essa natureza que confere a
expertise para coordenar o processo de trabalho em enfermagem e direcionar os processos de
trabalho em saúde, como gerente intermediária no processo de produção em saúde (LEAL;
MELO, 2018).
As atividades educativas foram citadas pelas(os) enfermeiras(os) de forma discreta.
Esse fenômeno é preocupante, já que educar, historicamente, constitui uma atividade elementar
das(os) enfermeiras(os), além das ações de cuidado e gerenciais (PIRES, 2009). Em um
contraponto, em estudo sobre o processo de trabalho de enfermeiras(os) da APS do Brasil, as
atividades educativas foram relatadas de forma significativa por eles (BARRIENTOS; PIRES;
MACHADO, 2020).
Pelos discursos, parece que há maior predominância nas atividades técnicos-
assistenciais e gerenciais, em detrimento das atividades educativas. Essa atuação da(o)
enfermeira(o) na educação dos usuários tem se mostrado um desafio no âmbito da APS no
Brasil, principalmente dificultada pela alta demanda de atendimento nas unidades, falta de
estrutura física e qualificação profissional para a educação em saúde (BUDÔ; MARCON, 2012;
RAMOS et al., 2018), evidenciando a disputa pela atenção da(o) enfermeira(o) na realização
dessas atividades que, na impossibilidade de realizar todas elas, sempre dará preferência às que
mais rapidamente impactam no processo saúde-doença: as gerenciais e as clínicas, haja vista que
a ausência das atividades educativas, por ter seus efeitos menos aparentes e por sua ausência ser
menos percebida e cobrada pelos usuários, parece impactar menos.
Pelos relatos, o núcleo de atividades da(o) enfermeira(o) da APS compreenderia:
realizar a abordagem inicial ao usuário, expressa como acolhimento; definir as prioridades de
cuidado, expresso como classificação de risco; encaminhar o usuário para o médico, quando
necessário; realizar prevenção do câncer ginecológico; realizar consulta de enfermagem e
80

intervenções pertinentes a essa atividade (curativos, cateterismo nasogástrico e vesical);


coordenar os ACS e técnicos de enfermagem; gerenciar o cuidado ofertado pelos diversos
profissionais, estes expressos por meio de indicadores e dispostos em planilhas.
Outros pesquisadores também têm se inquietado e buscaram melhor descrever esse
escopo de atuação. Matumoto et al. (2011) identificou que as(os) enfermeiras(os) consideraram
como atividades clínicas diretas: a) acolhimento, b) consulta de enfermagem (relacionada à
coleta do exame de Papanicolau, pré-natal e puerpério, planejamento familiar, atendimento de
puericultura, hipertensos e diabéticos, saúde mental), c) visita domiciliar/atendimento domiciliar,
d) trabalho em grupo; e como atividades clínicas indiretas, citam: a) supervisão e orientação aos
auxiliares de enfermagem, b) supervisão e orientação dos ACS e c) ações de apoio ao
atendimento do médico. Talvez por terem sido questionados sobre sua prática clínica, que
instintivamente abre pouca possibilidade para a atividade educativa, esse tipo de atividade não
tenha sido citado pelas(os) enfermeiras(os).
Em uma revisão envolvendo 30 estudos, Barbiani, Dalla-Nora e Schaefer (2016)
identificaram as práticas exercidas por enfermeiras(os) da APS do Brasil. As autoras
identificaram 23 atividades, dentre elas: consulta de enfermagem, procedimentos, atividades de
promoção da saúde, imunização, acolhimento, prevenção do câncer ginecológico,
encaminhamento, sala de espera, vigilância epidemiológica, reunião de equipe, ações de
reabilitação, grupos de promoção da saúde, visita domiciliar, educação em saúde nas escolas,
supervisão, treinamento, planejamento e avaliação dos serviços, previsão e provisão de matérias
e educação continuada e permanente, deixando claro o amplo espectro de atuação desses
profissionais.
As atividades descritas pelos participantes também estão em acordo a Política
Nacional e Atenção Básica e a Estratégia Saúde da Família (BRASIL, 2017), modelo para oferta
do cuidado na APS adotado no Brasil. No entanto, o grande número de atividades na APS e no
trabalho em rede com equipes multiprofissionais, com atuação interdisciplinar e articulação
intersetorial, pode estar contribuindo para distanciar a(o) enfermeira(o) da atenção direta e do
contato com o usuário (GALAVOTE, 2016).
A APS tem se configurado cada vez mais como espaço de compartilhamento de
saberes e práticas, que devem ser interdisciplinares. No entanto, para as(os) enfermeiras(os), essa
situação acaba por constituir um habitus que direciona a uma gama de ações cotidianas, muitas
81

vezes distantes do núcleo do saber-fazer desses profissionais e consequentemente a uma


identidade profissional com delimitações nada precisas, confusas (FERNANDES et al., 2018).
Assim, é necessário que as(os) enfermeiras(os), embora realizem atividades compartilhadas,
tenham claro seu núcleo de atividades identitárias, atividades essas que devem estar amparadas
na legislação, devem ser reconhecidas por esses profissionais e também reconhecidas pelos
demais profissionais da saúde, sendo necessário, diante da ampla gama de intervenções, refletir
sobre o que fazem estes profissionais e o que de fato deveriam estes fazer, priorizando as
atividades mais atinentes ao seu escopo profissional e que possam impactar mais na qualidade de
vida das pessoas, priorizando mais a realização do que impacte na qualidade de vida, pois
existem atividades menos complexas que poderiam ser destinadas a membros de nível médio,
estando a(o) enfermeira(o) disponível para atividades mais complexas.
Para melhor delimitar esse NAI, vejamos o que dizem os demais profissionais sobre
o fazer da(o) enfermeira(o) na APS.

Os enfermeiros fazem a escuta, a triagem, (...) a questão de visitas, passagem de sondas,


atendimentos de hipertensos e diabéticos. (...) Eles também fazem essa parte de gestão,
de risco, de número de gestantes (MED-APS-1).
Além do atendimento da triagem, tem os grupos que ele participa, com hipertensos,
diabéticos, saúde mental, visitas a puérperas, grupos de discussão com as gerentes,
cuidados com pacientes com tuberculose e hanseníase, pré-natal. A minha enfermeira
trabalha bem a equipe, ela auxilia muito nessa parte. Além do horror de planilhas que
elas preenchem (MED-APS-2).
Creio que ele seja essencial na triagem dos pacientes. Percebo que aqui (...) eles têm
muita carga burocrática, preenchimento de fichas, questão de índices, além das
atribuições do cotidiano, de cuidar dos pacientes. De certa forma, isso sobrecarrega o
enfermeiro e muitas vezes (...) (ODO-APS-1).
Eles fazem tudo. Fazem desde toda a gestão da unidade, ao atendimento, tudo passa
pelo enfermeiro. Acho que eles fazem muito mais do que realmente aquela parte foi
proposta para eles fazerem. Ultrapassam até o limite humano, ficam saturados,
organizam toda a parte de necessidades da comunidade, de medicamentos dispensados,
de encaminhamentos, de solicitação de equipamentos essenciais, encaminha para
psicólogo. Assim, detalhadamente não saberia discorrer cada parte que eles fazem, mas
só de observar a gente sabe que é tudo (ODO-APS-2).
Ele tem a capacidade de ouvir todas as angústias e consegue distribuir e classificar. Eles
fazem esse acolhimento e conseguem encaminhar para os médicos, conseguem ter uma
escuta mais ampla que o próprio médico (MED-APS-3).
O trabalho da(o) enfermeira(o) na APS envolve atividades clínicas, educativas e
gerenciais (FERREIRA; PÉRICO; DIAS, 2018). Por esses discursos, percebe-se que o NAI
exposto pelas(os) enfermeiras(os) não difere muito das atividades percebidas como próprias
dessa categoria pelos outros profissionais da APS, validando essas como um grupo de atividades
82

que compõem seu núcleo de atividades identitárias, embora também apresentem dificuldades de
descrever as atribuições da(o) enfermeira(o), mesmo convivendo com esses profissionais.
Os outros membros da equipe ressaltam a atividade gerencial da(o) enfermeira(o), a
associando fortemente à sua prática, a associando a eles mais até que os próprios profissionais,
como visto nas falas. Essa percepção dos outros membros da equipe tem encontrado ancoragem
na literatura, que tem identificado que a(o) enfermeira(o) da APS tem suas atividades cada vez
mais direcionadas à organização do serviço, à supervisão das atividades exercidas pelos ACS e
aos cuidados desenvolvidos pelos membros da equipe de enfermagem (GALAVOTE et al.,
2016). Assim, tanto pela fala de médicos e odontólogos, como pela literatura e o observado no
campo, o “esquecimento” da atividade gerencial pelas(os) enfermeiras(os), atividade essa que
consome importante força de trabalho, pode estar relacionado, mais uma vez, com o caráter
alienante do campo de práticas, que parece induzir nos trabalhadores uma inserção cada vez
menos crítica.
Assim, essas apreensões reforçam a necessidade de uma atuação mais crítica e
transformadora, portanto, politizada, da(o) enfermeira(o), rompendo com a alienação do
processo de trabalho, no qual este reconhece e exerce poder no campo de práticas.
Bonfim et al. (2012) realizou estudo no qual mapeou as intervenções da(o)
enfermeira(o) na APS, segundo a Nursing Interventions Classification, em 152 atividades,
distribuídas em 7 domínios, 16 classes e 59 intervenções. A única atividade que não obteve
correspondência com as intervenções propostas pela NIC foi o acolhimento. As atividades
identificadas no estudo corroboram com a descrição de um cotidiano diversificado de práticas
da(o) enfermeira(o) na APS, sendo predominante as atividades de gerenciamento.
Nos discursos dos profissionais também é possível confirmar o contexto de
sobrecarga da(o) enfermeira(o), já apontado em outros estudos, que evidenciam que o cotidiano
da(o) enfermeira(o) na ESF é marcado por sobrecarga de trabalho, que prejudica a realização das
ações específicas da saúde da família (CAÇADOR et al., 2015; GALAVOTE et al., 2016).

Nas falas, odontólogos e médicos trazem suas visões sobre o trabalho da(o)
enfermeira(o). Em suma, relatam as atividades mais aparentes e parecem ser bem assertivos
quanto ao trabalho desse profissional, ressaltando sua importância para os diferentes serviços.
Em outro estudo, médicos também demonstraram uma boa compreensão sobre o fazer da(o)
83

enfermeira(o), mesmo às vezes lhe atribuindo funções que não eram suas (SILVA et al., 2020),
o que ajuda a desmistificar a percepção da(o) enfermeira(o) de que, muitas vezes, acredita que
seu trabalho não é visto ou não é valorizado pelos outros membros da equipe.
As atividades educativas também emergiram de forma tímida nos discursos dos
outros profissionais sobre o fazer da(o) enfermeira(o), como também foram observadas de forma
limitada nos cenários de práticas. Também precisamos considerar que a coleta foi realizada no
período pandêmico, no qual muitas atividades estavam suspensas, principalmente abordagens
coletivas, talvez o espaço mais propício para a atuação educativa da(o) enfermeira(o). Mesmo
assim, esse fenômeno é preocupante, pois pode estar indicando uma mudança no núcleo de
atividades identitárias da(o) enfermeira(o)nesses cenários, o que pode repercutir em perdas para
a capacidade de impacto do trabalho da(o) enfermeira(o), bem como para a representação de sua
importância no contexto da APS, pois a educação em saúde é vista como meio estruturante para
se provocar mudanças esperadas na saúde das pessoas, sendo considerada elemento estratégico
na atuação dos profissionais na ESF (BRASIL, 2017), sendo demonstrada uma possível
desarticulação entre os princípios da ESF e a atuação dos profissionais.
Foi identificada uma predominância de intervenções clínicas e gerenciais por
enfermeiras(os) da ESF, em detrimento das atividades educativas, o que está em consonância
com literatura, que aponta que, dentre as mais diversas atividades desenvolvidas pela(o)
enfermeira(o) na APS, destacaram-se as atividades administrativo-burocráticas (GALAVOTE,
2016); o que demonstra que a enfermagem no Brasil tem se afastado gradativamente das
atividades estritamente assistenciais e focado seu processo de trabalho nas atividades
administrativas, com ênfase na organização do serviço, no planejamento e no controle do
trabalho da equipe (WALDOW, 2012).
Diante do até aqui exposto, em se tratando do núcleo de atividades identitárias da(o)
enfermeira(o) da APS, no município que serve de cenário ao estudo, não seria possível dizer que
a atividade educativa comporia esse núcleo, já que não foi reconhecido nem pelos membros da
equipe e nem pelas(os) próprias(os) enfermeiras(os). Esse fenômeno revela os engendramentos
entre prática e habitus, a ponto de uma atividade, até então historicamente considerada como
integrante do escopo de atuação da(o) enfermeira(o), apresentar-se, por interferência de uma
prática que impede a educação, não ser incluída nesse NAI. Assim, o papel de educador da(o)
enfermeira(o) deve ser ressignificado, havendo para isso que existir espaço nas agendas para que
84

se faça a educação em saúde, principalmente nas consultas de enfermagem, e não somente nos
grupos.
Importante frisar que os achados não são conclusivos sobre o fato dessas profissões
educarem ou não, pois podem apenas não ter falado sobre essa atividade, possibilidade ventilada
por outro estudo, que identificou um reconhecimento menor da(o) enfermeira(o) sobre as
atividades educativas, em comparação aos usuários, que citam essa atividade como sendo de
destaque da profissão (BARRIENTOS; PIRES; MACHADO, 2020).
Em seguida, partiremos para a análise da atuação da(o) enfermeira(o) no contexto
hospitalar, onde também é vasta a gama de atividades, como expresso nas falas.

Eu presto cuidados: passagem de sondas, acolhimento de uma forma mais ampla, (...)
essa parte de exames, gasometria, coleta de urina em sistema fechado, inspecionar a
pele, organização do serviço, do plantão, direcionar a equipe, direcionar o serviço,
gestão dos técnicos. (...) A atividade de gerência do cuidado, na emergência, por isso, a
gente deixa a assistência um pouco de lado e é gestora. Eu acho que se eu não fizer
outra pessoa poderia fazer. É preencher documento, termos, acho que outra pessoa faria.
Mas a monitoração das informações é mais complexo e não tem como o técnico fazer
(ENF-H-4).
O nosso cuidado está mais limitado porque ficamos mais na parte burocrática.
Basicamente, fazemos burocracia e cuidados assistenciais. Quanto aos cuidados
NANDA e NIC não vejo muito, acho que se perdeu. Tem muitos protocolos,
procedimentos. Realizamos agendamento de exames, atualização dos pacientes,
procedimentos de enfermagem, sondas, curativos, seguimento de protocolos. (...) Não
vejo outros profissionais fazendo atividades de gerência e assistência simultaneamente
(ENF-H-5).
Faço recepção dos pacientes, checo prescrição, aprazo prescrição, checar exames,
checar se está em condição de realizar o exame (o usuário), ver dieta, checar se tem
necessidade de chamar outro profissional para avaliar o paciente, checar se precisa
comunicar ao serviço social algo, solicitar dieta, fazer curativos, chamar médico. Muito
papel, muito termo. Sem eles não tem exame também. Não vejo outros profissionais
fazerem assistência e gerenciamento. Isso já está impregnado como função do
enfermeiro. Não vejo médico, não vejo fisioterapeuta fazerem, (...) isso atrapalha no
corpo a corpo com o paciente, sem dúvidas, mas se a gente não faz essa função
gerencial, o serviço para. Tem que atualizar a passagem, paciente fica sem se alimentar,
as reavaliações não ocorreriam, pois tem que estar avisando o médico, exames que
precisam de protocolos, transfusão não seria realizada, pois não teria parte burocrática
pronta. Prejudicaria muito o serviço. Eles têm que caminhar lado a lado. (...) Acho o
gerenciamento a principal característica do nosso trabalho (ENF-H-6).
Faço evolução, não o mero registro, o exame do paciente eu digo, identificação de
agravamento, a coleta permanente de informações sobre o estado clínico dos pacientes,
percebo que sem o enfermeiro os técnicos se desestruturam. As burocracias, apesar de
atrapalharem nossa conduta, mas integram nossas ações. A burocracia existe e se faz
necessária, mas tem burocracia que só atrapalha a gente, têm muitos papeis. Me vejo
como gestor, acho que é inerente aos enfermeiros (ENF-H-7).
Fora as atividades gerenciais, tem a realização dos curativos, tem o cuidado com o
curativo, pode ser realizado por outro, pode, mas o estadiamento da lesão, um olhar
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mais humanístico para com o paciente, mas eu vejo um todo, o que eu posso fazer para
melhorar? Temos esse olhar como um todo para a melhoria (ENF-H-10).

Assim, poderíamos dizer que o NAI da(o) enfermeira(o) no hospital compreende


uma vasta gama de atividades, diferentemente de médicos e fisioterapeutas: gerenciamento das
terapêuticas instituídas sobre o usuário, sejam de enfermagem ou dos demais profissionais:
escalas de Braden e Escore de Enfermagem Linear (ESEL), preenchimento de termos e outros
documentos, atualização da passagem de plantão, monitoração do quadro clínico, gerenciamento
de protocolos; gerência: dos técnicos, de matérias, carrinho de parada; cuidados clínicos:
cateterismo vesical, curativos, coleta de gasometria, coleta de urina para exames, anamnese e
exame físico, cuidados com a pele, aprazamento de prescrição.
Assim como as(os) enfermeiras(os) da APS, as atividades educativas foram pouco
referidas, sendo também parcamente observadas no campo. Esta supressão dessas atividades
pode estar relaciona aos mesmos fatores discutidos na APS: alta carga de trabalho, grande
envolvimento com a gerência de processos terapêuticos, bem como de pessoas e materiais. Em
estudo realizado com enfermeiras hospitalares, a dimensão educativa de seu trabalho também foi
pouco lembrada, o que não quer dizer, necessariamente, que elas não eduquem, pois podem ter
respondido as perguntadas tendo como foco as atividades que a elas são mais solicitadas: gestão
e intervenção clínica (BARRIENTOS; PIRES; MACHADO, 2020).
Também foi identificado que as(os) enfermeiras(os) se consideram mais distantes do
cuidado direto. Esse afastamento pode estar relacionado com o esvaziamento do conteúdo das
atividades historicamente exercidas por esse profissional, que tem cada vez mais direcionado as
suas atividades para procedimentos vinculados a: organização da unidade hospitalar, visita aos
pacientes, supervisão dos cuidados exercidos pelos demais membros da equipe de enfermagem e
outras atividades burocráticas (LAIGNIER; LIMA, 2010). Reforçando essa perspectiva, um
fenômeno observado no campo:

As demandas por telefone consomem parte importante do tempo da(o) enfermeira(o) e


apenas esse o atendeu durante todo o tempo, nesse dia de observação (OBSERVAÇÃO,
HOSPITAL).
As enfermeiras mantêm-se presas ao computador, realizando atividades de gerência das
terapêuticas instituídas sobre o usuário (OBSERVAÇÃO, HOSPITAL).
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As atividades relativas ao uso do telefone e gerência das terapêuticas podem ser


interpretadas como administrativas e, por sua constância, consomem parte importante do tempo
dos profissionais, o que pode contribuir para o afastamento do cuidado à beira do leito.
Também neste cenário são apontadas diversas atividades, o que conota a sobrecarga
de trabalho. O atual contexto de produção da saúde no hospital também tem sido fortemente
influenciando pela prerrogativa neoliberal, de forma que a instabilidade dos contratos celetistas
dos hospitais privados e terceirizados configuram regimes de trabalho assimétricos que
dificultam a ação coletiva, tal aspecto fundamenta (SOUZA; MENDES; CHAVES, 2020),
limitando a capacidade de transformação da realidade dos cenários.
Souza, Mendes e Chaves (2020) exploraram os aspectos que resultam na inibição da
ação coletiva dos profissionais de enfermagem, destacando, em primeiro lugar, a origem social
dos trabalhadores em saúde, especificamente os profissionais de nível médio. Ao ter seu passado
atrelado às condições de extrema vulnerabilidade diante das oscilações do capitalismo,
perambulando entre “bicos” e a instabilidade no trabalho, ter a carteira assinada ou o vínculo
estatutário é entendido por esses indivíduos como “privilégio”. Tendem, assim, a evitar situações
que comprometam seus empregos, entre elas se engajar em ações coletivas, sobretudo sindicais.
Outro impedimento se refere às características das próprias organizações dos trabalhadores em
saúde, atrelados às esferas governamentais e pouco combativas (SOUZA; MENDES; CHAVES,
2020).
Como dito, para a constituição do núcleo de atividades identitárias, também há
necessidade de que os outros profissionais reconheçam essas atividades como próprias ou
pertinentes a categoria, reconhecendo sua competência para sua execução. Assim, observemos o
que trazem as falas dos outros profissionais sobre o que fazem as(os) enfermeiras(os).

A função do enfermeiro, em conjunto com o médico, é de coordenador da equipe, dos


técnicos, da organização daquele setor. Está o tempo todo cuidando do paciente. Ele
também faz exame físico, evolução, regulando e controlando os medicamentos,
cuidados assistenciais, curativos, limpeza, desbridamento químico, punção de acessos.
(...) (faz um papel) assistencial, mas também organizacional. Eu considero que também
executo atividade gerencial e assistencial (MED-H-1).
É uma atividade bem complexa e com várias características. Ele tanto faz o trabalho de
gerenciamento do setor e de todo o serviço de enfermagem. O gerenciamento em
relação a todo tipo de marcação de exames, altas, admissões. Em relação a parte da
assistência, faz assistência aos curativos, avaliação de enfermagem, a questão dos
protocolos para serem preenchidos, então é muita coisa. Acho que basicamente três
coisas caracterizam esse trabalho: questão das medicações, as paradas
87

cardiorrespiratórias e de maneira geral o gerenciamento. (...) Não percebo outros


profissionais fazerem atividades de gerenciamento (FIS-H-1).
Ele faz cuidado global do paciente. Todo cuidado e responsabilidade de gestão do setor,
porque quem é o dono do setor não é o médico. Às vezes as pessoas se enganam porque
o médico quer ser dono do setor. Ele (enfermeiro) é responsável pelo setor inteiro. (...)
quem está organizando e fazendo a gestão de tudo que acontece é a enfermagem, tanto
que, quando eu vou com alunos (ao serviço) eu sempre me apresento ao enfermeiro. Ele
é o dono do setor. Se cair um monitor no chão e quebrar, que vai se responsável é o
enfermeiro. Se um paciente parar (parada cardiorrespiratória) por qualquer coisa que
seja negligência de qualquer pessoa, nem que fosse o acesso que o médico fez e
provocou um pneumotórax, o enfermeiro está no meio. O enfermeiro também está ali,
junto com o técnico, responsável por todas as condutas que tem que ser realizadas, até
nutrição o enfermeiro tem que cuidar, porque eles vêm a dieta zero, é quem se preocupa
com a evolução do paciente no sentido do cuidado mesmo do paciente, observar como
está evoluindo, pois os médicos eles vão, prescrevem, avaliam e saem. Qualquer
mudança que tiver, quem vai perceber é a enfermagem (FIS-H-2).
O médico tem um papel mais de diagnóstico e tratamento. O enfermeiro tem o papel
mais de atenção. Ele é a conexão do médico com o paciente. Então, se o enfermeiro não
estiver oferecendo uma boa atenção ao paciente, o médico acaba deixando passar as
coisas, porque o tempo de atenção do enfermeiro é maior. O contato é maior. Tem a
ação médico- paciente, mas a enfermagem está mais próxima. (...) Tem um papel
administrativo, de organizar o paciente, AIH (autorização de internação hospitalar), de
coletar essa informação, que é uma função de importância tal qual é aquela do médico,
tal e qual a do técnico. Não existe uma diferença de importância, pois um, sem o outro,
não funciona (MED-H-2).
Acho que enfermeiro e médico têm núcleos de saber mais próximo. O entendimento de
todo o jargão é praticamente o mesmo. É muto complementar. (...) Tem todo um
trabalho administrativo de organização do setor, entre o médico, técnico e o outros
profissionais. Faz organização administrativa, dos protocolos, pops (protocolos
operacionais padrão). É o cara que faz uma intersecção, uma organização, um
planejamento do funcionamento do plantão. A gente consegue ficar centrado no
diagnóstico e tratamento medicamentoso e o enfermeiro fica no apoio a todo procedo
administrativo que leva a todas essas coisas funcionarem (MED-H-3).
(...) ele vai atuar no cuidado diretamente com o paciente, então ele é responsável desde
fazer uma avaliação, ele também vai ser responsável por todos os protocolos, a parte da
burocracia acaba passando pelo enfermeiro, então ele é o profissional mais ligado a essa
parte burocrática. Então faz avaliação, cuidado, checagem desse cuidado, checagem do
cuidado dos técnicos, aprazamento dos medicamentos, e estão envolvidos nos
procedimentos que garantem, diretamente, a vida do paciente. Então para o médico
tomar uma conduta, se o fisioterapeuta vai tomar essa conduta ou não, passa pela
intervenção do enfermeiro (...) (FIS-H-3).

Discutir a prática da(o) enfermeira(o) é necessário, pois a “identidade social define-


se e afirma-se na diferença” (BOURDIEU, 2006, p. 164), assim confrontar a prática da(o)
enfermeira(o) às dos demais profissionais da saúde pode ajudar a delimitar e definir sua
identidade profissional.
Bourdieu chama de conflitos de competência os conflitos sobre os diplomas que dão
direito ao exercício legítimo da profissão e sobre a mola legítima do exercício - que opõem
agentes dotados de diferentes diplomas de legitimidade, tais como médicos, anestesistas,
88

enfermeiras, fisioterapeutas etc., sendo profissões que têm em comum o fato de se definirem
apenas na e pela concorrência que os opõe entre si e nas estratégias antagonistas pelas quais elas
visam transformar a ordem estabelecida para garantirem aí o reconhecimento de sua profissão
(BOURDIEU, 2006).
Fisioterapeutas e médicos reconhecem as(os) enfermeiras(os) como profissionais que
realizam atividades assistenciais e gerenciais. No entanto, as atividades gerenciais emergem dos
discursos como a atividade mais característica desse profissional, mais até do que dos discursos
dos próprias(os) enfermeiras(os), ratificando que as atividades gerenciais compõem o NAI da(o)
enfermeira(o), mas muitas vezes são esquecidas de ser mencionadas por eles (LEAL; MELO,
2018).
É possível perceber que fisioterapeutas e médicos atribuem importância ao trabalho
da(o) enfermeira(o) o colocando em uma posição central no processo de produção da saúde no
contexto hospitalar, já que a ele cabe articular todas as terapêuticas instituídas e que, juntas,
concorrerão para a melhoria da qualidade de vida. Pela amplitude do trabalho da(o)
enfermeira(o), os outros profissionais também têm dificuldades de enumerar suas funções,
embora reconheçam sua atividade como importante e até essencial para o desenvolvimento do
trabalho dos demais profissionais.
Curiosamente, a palavra cuidado emergiu mais nos discurso dos outros profissionais
do que das(os) próprias(os) enfermeiras(os), o que pode ser uma repercussão do afastamento
desses das atividades de assistência direta, sendo vistos pelos colegas de outras profissões mais
como gestores do que prestadores de cuidados e muito menos como educadores.
No hospital, as atividades educativas de enfermeiras(os) não foram relatadas por
outros profissionais e nem pelas(os) enfermeiras(os). As falas ressaltam o caráter de prontidão e
de vigília do trabalho dos profissionais de enfermagem, o que pode ser descrito como atividade
distintiva, já que os outros trabalham em um regime de, apenas, prontidão.

(...) é possível diferenciar os profissionais a partir de suas práticas, de elementos


característicos, com teor simbólico, como o uso do estetoscópio, as maneiras e posturas,
a forma de falar e linguajar (OBSERVAÇÃO, HOSPITAL).

“O mundo social se oferece como uma representação, onde as práticas não são senão
papéis teatrais, execuções de partituras ou aplicações de planos” (BOURDIEU, 2011, p .86), pois
89

existe um habitus de profissão, que implica em uma prática de profissão, assim, considerando
que o habitus constitui essas partituras, percebermos que caberiam investimentos na construção
ou modificação intencionais do habitus da(o) enfermeira(o).

7. 3 Mobilização dos capitais: o que tem valor no campo da saúde?

Os capitais são bens que podem ser acumulados. São esses capitais que permitem aos
agentes exercer poder simbólico, entendido como o poder capaz de conseguir os mesmos
objetivos que a força física ou econômica (BOURDIEU, 2011).
Os capitais assumem diferentes conformações e variam de campo a campo. Neste
capítulo, discutiremos os capitais identificados nos cenários de prática que serviram como fontes
de coleta da pesquisa e exploramos como estes são mobilizados durante o estabelecimento das
relações entre os agentes.
Muitos capitais foram citados, uns com mais e outros com menos potencial para
gerar poder simbólico. O conhecimento figurou como o capital mais significativo nas relações
entre os agentes, seja ele teórico ou prático, esse último expresso nas falas como experiência ou
tempo de serviço.
Após revelarem que percebem determinados agentes exercendo mais poder do que
outros, foi perguntado aos entrevistados ao que eles atribuíam essa distribuição desigual de
poder, entendendo poder como a capacidade de mobilizar o campo em seu benefício.

Um médico exerce mais poder que outro devido ao conhecimento, credibilidade,


liderança, poder de comunicação (...) Conhecimento é o principal fator de poder, mas a
forma como se comunica, como dá o comando, a educação, a cortesia, influenciam na
forma como os outros profissionais vão colaborar (ENF-H-1).
Os médicos não têm o mesmo poder. Depende da experiência de cada um, detenção de
conhecimento de cada um, quando você não consegue mostrar conhecimento,
autoridade, você acaba perdendo essa capacidade de influenciar (...) (MED-H-1).
Aqueles que tem mais expertise, mais conhecimento, mais desenvoltura acaba se dando
melhor, pois os outros reconhecem como bom profissional e isso acaba influenciando
(ENF-H-9).
Eu vejo aqueles mais capacitados, mais capacitados na relação acadêmica e também na
experiencia profissional, ele tem mais poder em relação ao recém-formado ou ao que
não tem qualificação acadêmica relevante, então esse mais qualificado acadêmico ou de
experiência tem poder maior em relação aos outros (FIS-H-1).
A distribuição entre eles é desigual. Pois tem médico que não sabe muito, tem médico
que a gente não respeita porque a gente sabe que não sabe de nada. Mas vai considerar o
que tem mais conhecimento (FIS-H-2).
(...) acho que a experiência e conhecimento que contam mais. Entre os médicos (MED-
H-2).
90

Não percebo diferença, em que pode ser mais ouvido. Mas a vezes o profissional
quando é novo, nesse começo, acaba que cada um tem um processo, acaba que os outros
tem que
se adequar. Acho que conhecimento sim, experiência, conhecimento mesmo isso é
fundamental (MED-APS-1).
No meu caso, agora, que estou velho, tenho uma boa experiência, sou a mais antiga ...
ela sabe das coisas... lá, eles estão me olhando diferente, depois da experiência me sinto
valorizado (ENF- APS -10).

O conhecimento figura como importante capital no campo da saúde, incluindo-se


aqui a experiência, o conhecimento prático, que permite um tipo diferente de conhecimento,
pois, além de permitir um aprofundamento do conhecimento teórico, compreende o
conhecimento das rotinas e fluxos das instituições, conhecimento essencial para a execução do
trabalho em saúde.
Na teoria de Bourdieu, esse conhecimento emergido das falas pode ser considerado
como competências intelectuais, assim, sendo um dos estados fundamentais do capital cultural
(CATANI et al., 2017).
Pelas falas, é possível perceber que, no campo da saúde, o conhecimento configura
um capital capaz de mobilizar o campo, possibilitando o exercício do poder. O reconhecimento
pelos demais membros da equipe desse conhecimento dota os agentes que o tem também de um
capital simbólico, pois são reconhecidos como os de maior conhecimento e, por isso, gozam de
maior prestígio, confiança, ao ponto de serem os mais respeitados, podendo exercer mais poder.
Tal apreensão vai ao encontro do que indicaram Mattar-Silva et al. (2020), ao observar a
dinâmica de poder entre médicos e enfermeira(os), de que poder e saber estão intimamente
relacionados e que o saber legitimado produz poder.
A comunicação também foi elencada pelos participantes como um capital no campo
da saúde. Os entrevistados colocam que a forma como ocorre a interação entre os agentes pode
determinar o exercício ou não de poder, ou seja, a mobilização ou não dos agentes no campo.

A forma de falar é muito importante (ENF-H-4).


Principais Elementos de poder: coerência entre discurso e prática; saber e eloquência,
saber dizer, saber comunicar, dar sentido ao que se está fazendo; própria prática,
expressão do conhecimento acumulado, habilidade, experiência somada com o
conhecimento (ENF-H-1).
Acho que conduta respeitosa com as pessoas, se você é bruto as pessoas perdem o
respeito por você. Pode ficar isolado por não conseguir influenciar a equipe (MED-H-
1).
Percebo que tem enfermeiros que influenciam mais, quem se comunica melhor tem
mais poder, ao mesmo tempo que demonstra conhecimento, e ela ganha autoridade.
91

Tem enfermeiros que não se comunicam, e é ruim. Eu gosto dos que se comunicam
mais (MED-H-1).
Vejo também como a comunicação é importante, todos os aspectos da comunicação, a
abordagem do enfermeiro é importante, a valorização, se ele consegue fazer uma escuta
daquele usuário ele já tem a credibilidade dele, a comunicação e um ponto estratégico, a
comunicação comanda muita coisa. Quando você tem conhecimento, tem um
reconhecimento e credibilidade, pode atrair as pessoas, mas nem sempre é tão efetivo
pois tem um jeito ou outro da pessoa que pode afastar os outros membros. (...) tem
profissionais tecnicamente muito preparados mas fica essa lacuna que ele não consegue
trazer o resta da equipe pra ele, não fica uma relação boa de confiança ele não consegue
corresponder a isso, profissionais bem preparadas que poderiam realizar coisas com
êxito, mas ele não consegue envolver outras pessoas, apesar de quando você tem
conhecimento, tem um reconhecimento e credibilidade (ENF-APS-6).
Com certeza tem enfermeiros com poder diferente, tem enfermeiro que consegue
dialogar melhor, tem enfermeiro que tem propostas de trabalho, que organiza melhor,
atende melhor e acaba que ele consegue escutar melhor os técnicos, os ACS e tem
aquela empatia, e acaba sendo até mais ajudado ainda (ODO-APS-2).

É enquanto instrumentos de comunicação e conhecimento que os sistemas


simbólicos cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da
dominação, que contribuem para que ocorram diferentes mobilizações no campo a partir do
exercício de poder (BOURDIEU, 1989).
Sendo assim, a prática linguística comunica, inevitavelmente, “além da informação
declarada, uma informação sobre a maneira (diferencial) de comunicar, isto é, sobre o estilo
expressivo a que se concede um valor social e uma eficácia simbólica” (BOURDIEU, 2008, p.
54).
A forma de se comunicar está intimamente relacionada com o capital cultural, pois,
como diz Bourdieu, o discurso permitiria o acúmulo de poder simbólico a partir da expressão do
capital cultural, formado pelo conjunto de conhecimentos, habilidades, informações e a forma de
se expressar e apresentar-se em público (THIRY-CHERQUES, 2006).
Assim, a forma de se comunicar com a equipe pode sofrer interferência de diferentes
fatores, como: o vocabulário utilizado, o tom de voz, a forma como se articula as palavras, o uso
dos termos técnicos próprios do campo da saúde, as expressões corporais demonstradas durante a
interação, o respeito ao tempo de fala dos outros membros da equipe. Todos esses fatores podem
contribuir para que se perda ou se ganhe capital simbólico durante as relações de comunicação,
sendo importante lembrar que, como afirma Bourdieu (1989), as relações de comunicação são,
de modo inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do
poder material ou simbólico acumulado pelos agentes envolvidos nessas relações.
92

Em consequência, o exercício de um poder simbólico se faz acompanhar por um


trabalho sobre a forma, destinatário a atestar o domínio do orador e a conquistar para ele o
reconhecimento do grupo (BOURDIEU, 2008).
Essa forma de se comunicar, de dizer o que não pode ser dito, de aliviar as tensões
potenciais provocadas durante as interações entre as pessoas, pode ser chamada de tato ou
habilidade e corresponde a arte de levar em conta a posição relativa do emissor e do receptor na
hierarquia das diferentes espécies de capital, mas também do sexo e da idade, bem como dos
limites inscritos nessa relação, chegando até a transgredi-los ritualmente, se necessário, graças ao
trabalho de eufemização (BOURDIEU, 2008).
Nesse sentido, compreende-se por que certas experiências de psicologia social
tenham podido estabelecer que a eficácia de um discurso, o poder de convencimento que lhe é
reconhecido, “depende da pronúncia (e secundariamente do vocabulário) daquele que o
pronuncia, ou seja, através deste índice particularmente seguro da competência estatutária, da
autoridade do locutor” (BOURDIEU, 2008, p. 57).
Considerando que a comunicação é um tema estruturante para o trabalho da(o)
enfermeira(o), pois subsidia as relações interpessoais para o desenvolvimento do trabalho em
equipe, seja a de enfermagem ou a equipe multiprofissional (LEAL et al., 2016), Wang et al.
(2018) revelaram que a interação respeitosa entre médicos e enfermeiras(os) é determinante para
a prestação de cuidados de qualidade, evidenciando como a comunicação, elemento estruturante
no contexto da dimensão política do cuidado, pode interferir no trabalho da(o) enfermeira(o).
Não podemos esquecer que também são elementos envolvidos na comunicação as
expressões corporais, “considerada a experiência prática do corpo, que se produz na aplicação,
ao corpo próprio, de esquemas fundamentais nascidos da incorporação das estruturas sociais”
(BOURDIEU, 2012, p. 81).
As posturas corporais assumidas pelos agentes, ou seja, sua maneira particular de
aprumar o corpo, de apresentá-lo aos outros, expressa, antes de tudo, a distância entre o corpo
praticamente experimentado e o corpo legítimo, e, simultaneamente, uma antecipação prática das
possibilidades de sucesso nas interações sociais, que contribui para definir essas possibilidades
(pelos traços comumente descritos como segurança, confiança em si, desenvoltura (BOURDIEU,
2012).
93

A maneira é uma manifestação simbólica, cujo sentido e valor dependem tanto


daqueles que a percebem quanto daquele que a produz, “compreende-se que a maneira de usar
bens simbólicos constitui um dos marcadores privilegiados da classe, ao mesmo tempo que o
instrumento por excelência das estratégias de distinção, ou seja, da arte infinitamente variada de
marcar as distâncias” (BOURDIEU, 2006, p. 64).
Consideramos a postura como um reflexo no corpo do estado mental: atitudes,
maneira de portar o corpo, de apresentar-se, de comportar-se, de utilizar a voz e as palavras.
Esses sinais corporais assumem representação simbólica no mundo social, no campo, quando na
relação com os outros.
As posturas e maneiras podem ser considerados sinais constitutivos do corpo
percebido, produtos de uma fabricação propriamente cultural, cujo efeito consiste em distinguir
os grupos no que diz respeito ao grau de cultura, ou seja, de distância a natureza (BOURDIEU,
2006).
Assim, essas expressões, ao nos comunicarmos, emanam sinais aos agentes dos quais
podem deduzir nosso preparo, nosso medo, nossa insegurança, nossa capacidade de acertar ou
errar um procedimento, despertando no outro confiança, respeito e segurança, ou o contrário,
podendo se refletir em capital simbólico e, caso necessário, em poder simbólico, mas também
podendo fazer com que se perca capital, se do contrário, emanarmos sinais que, descodificados,
sejam interpretados como insegurança, medo, falta de conhecimento.
As formas de se comunicar estão intimamente relacionadas ao encanto e o carisma,
elementos que designam, de fato, o poder de alguns para impor (BOURDIEU, 2006), ratificando
a importância do “como” em comparação ao “o que” se diz durante as interações no campo.
Os títulos acadêmicos também figuraram como capitais a serem mobilizados pelos
profissionais da saúde nos cenários pesquisados, mas apenas quando estão associados a
expressão de conhecimentos e habilidades observados na prática, configurando um capital com
pouca capacidade de mobilizar o campo.

Títulos acadêmicos acho que não interfere (ENF-APS-1).


94

Títulos acadêmicos também não interferem pois o que interessa é o conhecimento que é
aplicado. Se aquele título não reflete em conhecimento, ele não tem valor (ENF-H-1).
Os títulos contribuem bastante, pois envolve a questão do conhecimento (ENF-APS-4).
Títulos acadêmicos não tem muito impacto, não percebo interferindo (ENF-APS-6).
Pra nós da assistência, não tem muita diferença seus títulos (ENF-APS-7).

Assim, os títulos parecem não importar se considerados isoladamente,


diferentemente de outros campos, como o campo acadêmico, no qual o título, para ter valor
como capital, não precisa, necessariamente, estar acompanhado de um saber aplicado na prática,
pois o título é um capital inquestionável.
No entanto, há que se considerar que, para a obtenção do título, alguma energia foi
dispensada para se explorar ou clarificar algum objeto de pesquisa. Considerar, também, que esse
título é decorrente de um processo formativo e que este deve ter tensionado a uma qualificação
que, embora não possa ser percebida de forma clara na atuação prática, certamente imprime ao
fazer dos profissionais qualidades que impactam na atenção fornecida.
Sobre as limitações da intercambialidade dos capitais, Bourdieu (2011) aponta que
mesmo estando submetidas as estritas leis de equivalência, consequentemente mutuamente
convertíveis, cada um deles não produz seus efeitos específicos senão em condições especificas.
Assim, se permite dizer que cada capital somente produz mobilização a depender do campo ao
qual está inserido, pois esse depende, também, das limitações do habitus de seus agentes.
A resolutividade, a capacidade de responder às necessidades de cuidado dos usuários
do SUS, também figurou como um capital, sobretudo na ESF.

A partir do momento que um paciente se consultou comigo e gostou, que a minha


conduta fez a diferença e o paciente traz uma positividade da evolução dele, isso me
contempla como profissional (ENF-APS-5).
O trabalho do enfermeiro na ESF tem resolutividade? O que é resolutividade? É atender
a expectativa do paciente? É resolver o problema de saúde que você profissional
identificou? porque ele pode querer uma receita de albendazol, e eu posso não dar
porque ele não tinha indicação? Eu fui resolutivo? Pra quem? ... bem complexo... (ENF-
APS-7).
Eu acho assim, acaba que a categoria vai levar uma culpa da visão que os outros fazem,
eu acho que o que pode ainda ficar invisível, é porque na grande maioria das vezes o
final daquele procedimento dentro da unidade vai ser o médico ne, então ele passa pelo
SAME, vai ao enfermeiro e no final vai ao médico, então na cabeça deles só quem
resolve é o médico. Mas quando estão lá para resolver, muitos processos são finalizados
ali (com o enfermeiro) então quando é finalizado ali, sem precisar do médico, então
quando é finalizado pela competência e empenho daquele profissional, ele pensa eu fui
ao enfermeiro e ele resolveu (MED-APS-1).
(...) o enfermeiro é uma peça tão importante porque além de incluir atendimento,
cuidado com o pessoal, quando você pega um enfermeiro que não consegue resolver
nada, não anda, quando tem conhecimento e consegue fazer, a gente ver que o
95

atendimento flui. Tem enfermeiro que tem conhecimento, que desenrola, trata bem a
população (MED-APS-2).

A resolutividade está intimamente relacionada ao conhecimento, pois não seria


possível a(o) enfermeira(o), ou qualquer outro profissional, ser resolutivo sem conhecer a
necessidade de cuidado do usuário e as possibilidades de resposta ofertadas pelos serviços, entre
essas possibilidades as que dependem da competência do profissional.
Assim, é importante reconhecer o hiato existente entre o trabalho prescrito e o real
que as enfermeiras realizam no cotidiano (MELO et al., 2016), sendo o trabalho prescrito o
disposto nas diferentes legislações que legitimam o trabalho da(o) enfermeira(o) e o trabalho real
o conjunto de atividades que desempenham estes profissionais, que muitas fezes não estão
abarcadas pela legislação ou ainda, estão garantidos pela legislação, mas que não é permitida a
esses profissionais executar, o que pode influenciar na resolutividade do trabalho da(o)
enfermeira(o).
A resolutividade foi apontada como capital que se reverteu em capital simbólico,
pois trouxe reconhecimento ao trabalho da(o) enfermeira(o), devendo ser considerada como
elemento significativo no processo de trabalho da(o) enfermeira(o), haja vista que
enfermeiras(os) têm autonomia e competência para atenderem muitas necessidades de cuidado,
seja na Atenção Primária ou no contexto hospitalar, pois, a partir de sua resolutividade, também
é possível perceber seu impacto no processo de trabalho dos demais profissionais da saúde, já
que a(o) enfermeira(o) assume uma posição central na consecução do trabalho em saúde.
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) tem difundido e incentivado
mudanças na formação para a ampliação da Enfermagem de Prática Avançada, constituindo um
passo fundamental para fortalecer a APS e ampliar o acesso aos serviços de saúde (OPAS, 2018),
nesse processo, aumentando a capacidade de resolução da enfermagem, o que poderia ampliar
seu capital simbólico diante da sociedade.
Para ser resolutivo, é necessário que esse profissional tenha autonomia. Assim, a
autonomia pode ser considerada um instrumento de trabalho da enfermeira em processo de
consolidação e está condicionada ao conhecimento, discernimento, atitude, postura profissional,
respeito e reconhecimento de sua capacidade pela equipe de saúde (SILVA et al., 2012).
96

Neste sentido, a resolutividade guarda íntima relação com o habitus profissional


da(o) enfermeira(o), pois um habitus com disposições mais amplas, pode configurar em um
maior leque de respostas e práticas mais assertivas, desde que limitadas pela legislação que rege
esses profissionais. Assim, quanto mais conhecimento tem a(o) enfermeira(o) sobre a clínica dos
desequilíbrios e da legislação que o rege, mais amplo seu habitus e mais resolutiva sua prática.
Assim, considerando que o capital nasce da relação social, ou seja, é uma energia
social que existe e produz seus efeitos apenas no campo em que ela se produz e se reproduz,
significando, concretamente, que a posição social e o poder específico atribuídos aos agentes em
um campo particular dependem, antes de mais nada, do capital específico que eles podem
mobilizar, (BOURDIEU, 2006). Assim, o leque de capitais apontados no capítulo nos faz crer
que o conhecimento desses, pelas(os) enfermeiras(os), guarda um potencial de os atribuir mais
poder no campo, podendo, a partir de seu reconhecimento, mobilizar mais esses capitais e, por
consequência, os agentes do campo, provocando deslocamentos verticais das(os) enfermeiras(os)
no campo da saúde.

7. 4 Dimensão política do cuidado: dinâmica do poder e sua influência sobre o habitus e a


prática do enfermeiro e da enfermeira

Neste capítulo, nos deteremos a identificar e compreender como ocorre a dinâmica


de poder no campo, evidenciando situações e interações que limitam a prática profissional,
configurando a materialização das relações de poder, portanto, da dimensão política do cuidado.
Neste contexto, muitas dessas situações limitantes podem ser consideradas violência
simbólica., sendo essa a violência censurada e eufemizada, isto é, desconhecida e reconhecida
(BOURDIEU, 2011).
As relações de violência simbólica expressam, simultaneamente, formas de
dominação que podem parecer brutais, primitivas, bárbaras e ao mesmo tempo cordiais, humanas
e respeitosas, de forma que essa coexistência entre a violência aberta, física ou econômica, e a
mais refinada violência simbólica, encontra-se em todas as instituições e no próprio centro de
cada relação social (BOURDIEU, 2011).
97

Enquanto a violência aberta do usuário ou do senhor sem piedade choca-se com a


reprovação coletiva, a violência simbólica, violência branda, invisível, desconhecida como tal,
escolhida tanto quanto sofrida, e da confiança, da obrigação, da fidelidade pessoal, da
hospitalidade, do dom, da dívida, do reconhecimento, da piedade, de todas as virtudes, em uma
palavra, que honra a moral da honra, impõe-se como modo de dominação mais econômico
porque é o mais conforme a economia do sistema (BOURDIEU, 2011).

A seguir, as falas que expressam esse tipo de relação no campo.

Sobre a questão do “Dr” (doutor), eu ainda uso porque é cultural. Acho que a utilização
faz diferença. Mas as vezes eu preciso para a gente conseguir algo, para dar uma mexida
no ego da pessoa, a gente consegue influenciar mais indo na vaidade da pessoa. Mas pra
mim não indica submissão utilizar, eu uso para pegar pela vaidade. Essas expressões
carregam poder (ENF-H-3).
Não consigo realizar meu trabalho com muita autonomia, pois muitas vezes estamos
barrada a uma prescrição medica, um confronto de uma dor você precisa sair atrás do
médico, muitos médicos estão ausentes do serviço, ausentes do olhar humano, aí a gente
não consegue desenrolar, porque eu dependo de outra pessoa, eu fico muito amarrada, a
gente não consegue agir em conjunto, a gente pede mais como um favor (ENF-H-10).
No aspecto das relações, somos felizes por termos uma equipe bem harmoniosa, bem
integrada, é algo que eu destaco muito, pessoas tranquilas, bem experientes, no que diz
respeito com as relações com a gestão local, de certa forma é natural aquele aspecto de
cobrança, aquela abordagem às vezes exagerada (ENF-APS-3).
Não é fácil colocar a casa em ordem, pois estão muito tempo habituado, então a gestão
acaba que ela cobra, mas ela não corresponde. Ela me cobra e na prática as minhas
necessidades ela não atendia, me recusando eu precisava disso então tinha. Só foi eu ir
lá, olhar no olho, me impor, dizer, perguntar o problema que há, que aí a coisa já muda
(ENF-APS-1).

Pelos relatos, identificamos um enfermeiro que, na interação com o médico sente que
a execução do trabalho se deu por um pedido seu e não porque havia uma necessidade de
cuidado que cabia a este. Tal interação coloca o enfermeiro em situação de desfavorecimento,
dominação, pois o médico está “lucrando” na interação por uma intervenção que está em seu
escopo de atuação. Dito isso, o enfermeiro sai “endividado” dessas interações, fazendo com que
o médico sempre tenha favores a serem cobrados.
A violência simbólica decorrente do uso da expressão “doutor” pode ser explicada na
expressão da interdependência entre a forma linguística e a estrutura da relação social na qual e
para a qual ela foi produzida pode ser observada nas oscilações entre senhor, senhora e você. "E
se a gente se tratasse por você?", a subordinação da forma do discurso à forma da relação social
98

na qual ele é empregado se romperia (BOURDIEU, 2008, p. 68). Assim, seguindo o mesmo
raciocínio utilizado por Bourdieu, ao tratar o médico por doutor se reforça uma relação social de
subordinação, ao passo que transgredir essa convenção, poderá contribuir para a diminuição
dessa relação de subordinação, ou para a construção de relações mais simétricas.
A rispidez no trato com as(os) enfermeiras(os) pela gestão é tratada de forma natural.
Também podendo ser um ato de violência simbólica, pois não é percebido como tal, já que é
entendida como “natural”.
Quando os dominados aplicam àquilo que os domina esquemas que são produto da
dominação ou, em outros termos, quando seus pensamentos e suas percepções estão estruturados
em conformidade com as estruturas mesmas da relação da dominação que lhes é imposta, seus
atos de conhecimento são, inevitavelmente, atos de reconhecimento, de submissão (BOURDIEU,
2012).
A alienação está intimidante relacionada à violência simbólica. Assim, em uma das
falas, o ato de cobrar resultados, mas não ofertar subsídios para a execução do trabalho, pode
fazer o profissional ter sentimento de frustração, sendo violentado, por não reconhecer que a
culpa não é sua, e sim, do contexto ao qual está inserido.
No trabalho em saúde, o poder circula e está ancorado no saber específico de cada
profissional. No caso do médico, o saber específico de sua profissão atribui a ele autonomia
técnica e o título de perito na arte de corrigir os desequilíbrios do corpo e mantê-lo em um
permanente estado de saúde (MARIN; RIBEIRO, 2018) o que explica, em parte, a causa do
maior poder simbólico desse profissional no campo da saúde.
Durante a observação do campo, uma situação expressou a violência simbólica que
podem vivenciar estes profissionais.

Em uma das ocasiões, a impressora de um dos setores da emergência ficou sem papel,
quando um médico a estava utilizando. Mesmo em um serviço com muitos profissionais
e estudantes, a enfermeira se levantou e foi buscar o papel, em uma área fora do setor,
mesmo essa atividade não sendo, oficialmente, sua atribuição (OBSERVAÇÃO,
HOSPITAL).

Provavelmente, se sentiu tensionada pelo habitus, pelas estruturas mentais, as regras


não ditas, que cria uma expectativa no campo, um poder simbólico capaz de provocar
transformações e movimentos, que tensiona a enfermeira a ir pegar o papel.
99

Além deste episódio, também foi percebido que as(os) enfermeiras(os) assumem
atribuições que não são suas, sem questionar:

Os enfermeiros receberem os avisos críticos de exames alterados do laboratório e se


sentem obrigados a comunicar ao médico o resultado (OBSERVAÇÃO, HOSPITAL).

Tal comportamento parece inadequado, já que o alerta laboratorial foi identificado


pelo bioquímico e o médico precisa saber antecipadamente, pois o exame foi colhido por
solicitação dele, então dele deverá partir as intervenções mais eficazes para ajustar o
desequilíbrio, cabendo às(aos) enfermeiras(os), nesse contexto, o papel de informante, posição
que não o honra.
Para compreender esse fenômeno, é necessário reconhecer que o habitus é produto
da história e produz as práticas individuais e coletivas, portanto, da história conforme aos
esquemas engendradas pela história; ele garante a presença ativa das experiências passadas que,
depositados em cada organismo sob a forma de esquemas de percepção, de pensamento e de
ação, tendem, de forma mais segura que todas as regras formais e que todas as normas explícitas,
a garantir a conformidade das práticas e suas constância ao longo do tempo (BOURDIEU,
2011). Então, o habitus força a constância do sistema, limitando revoluções, transformações,
mudanças das práticas, limitando a capacidade de agência dos jogadores.
As falas também evidenciam como o poder simbólico influencia o habitus. Pelos
relatos que seguem, é possível perceber a íntima relação entre capital, poder simbólico e habitus,
sendo expressa essa relação na forma de privilégios.

Acho que o enfermeiro detém muito poder, é a mola do posto, se tirar a enfermagem da
unidade o posto se acaba. Acho que não tem enfermeiro com mais poder não, acho que
todo mundo é igual. Agora quem leva a unidade, a vela do barco e o mastro é a
enfermeira, a tripulação vai toda embaixo, mas a enfermeira vai em cima, da hora que
entra a que sai é o enfermeiro, o médico chega 8h, às vezes sai mais cedo, tem médico
que não bate ponto, e ainda ganha não sei quanto, às vezes mais que a gente (ENF- APS
-9).
Ainda acho que o médico detém o maior poder em relação aos outros profissionais. Pois
sempre quem dar a palavra final é o médico, pois ele é quem define tudo, para onde o
paciente vai, quando vai, exame. Como eu já vi médico cancelar para fazer o exame e
220todos se organizaram, mas não ocorreu porque ele disse que não ia. Todo mundo já
tinha se organizado (ENF-H-2).
100

Os médicos ainda têm algumas regalias. Mas não como era. Acho que a educação da
gente e deles também. O mercado não está mais endeusando, porque está tendo mais
profissionais, eles também, estão refendendo isso. A saturação do mercado e a postura
da enfermagem não aceita mais esses comportamentos. Até porque diante desse
comportamento a gente pode acabar boicotando o trabalho dele e ele ter que trabalhar
duas, três vezes mais. Outra coisa, a medicina também está mais elitizada. Mas também
tem muito enfermeiro na relação vertical com os técnicos (ENF-H-3).
O médico ainda detém o maior poder. Acho que esse poder é por conta de acharem que
se não tiver médico no PSF não funciona, aí o médico continua com regalias, aí acha
que o enfermeiro é secretário dele, para fazer as receitas, o médico sempre estra certo,
ele não faz , só faz quando a gente implora muito, sempre aquele cuidado do gerente de
não vamos aborrecer o médico se não ele vai embora, pode ficar sem enfermeiro, mas
sem médicos não (ENF- APS -10).
Me sinto valorizada pelos outros membros da equipe multiprofissional. Eu acho que
eles têm essa visão, acho que um dos motivos de o enfermeiro não poder sair da unidade
é isso, o médico tira um mês de férias e o enfermeiro só quinze dias porque o PSF não
pode passar um mês sem o enfermeiro, o médico pode tirar folga dia de segunda, mas o
enfermeiro não pode, porque o posto não pode ficar segunda sem o enfermeiro, o
médico pode tirar duas folgas seguidas, o enfermeiro não pode, tudo para o enfermeiro é
mais difícil de sair do posto (ENF- APS -11).

No campo, também observamos tratamentos diferenciados entre os médicos e os


demais profissionais.
No hospital, em um dos setores, o de baixa complexidade, os médicos somente
chegaram 40 minutos após o início do plantão. Técnicos de enfermagem e enfermeiros,
chegaram no horário determinado. Também é possível perceber que os médicos são os
profissionais que menos tempo permanecem no setor (OBSERVAÇÃO, HOSPITAL).

Possivelmente, os médicos poderiam até já estar nas dependências do hospital, mas


não se apresentaram ao setor no horário preconizado, diferentemente de enfermeiras(os) e
técnicos de enfermagem.
Embora deva ser considerado seu processo de trabalho, no qual os médicos não
desenvolvem suas atividades somente nos setores, mas também se revezam nos atendimentos na
porta da emergência, mesmo assim, o tempo de ausência não se justificaria pelo tempo
despendido aos atendimentos à porta da emergência.
Quanto à posição do agente no campo, observa-se que o médico é o profissional que
detém um capital simbólico que lhe dá legitimidade, ou seja, um poder invisível que se propaga
no tecido social, estruturando comportamentos e valores que viabilizam a continuidade do
prestígio no campo da saúde. Este prestígio institucionalizado atribuído aos médicos constitui o
seu maior capital, é o que lhe dá legitimidade e ascensão profissional (FLORENTINO, F.;
FLORENTINO, J., 2009).
101

Seguindo os princípios explicativos de Bourdieu referentes ao campo, é possível


afirmarmos que, no campo da saúde, em que o modelo biomédico é predominante, tanto a
profissão de enfermeira(o) quanto a de médico são constituídas por habitus que lhes outorgam o
capital intelectual. O capital intelectual do médico, a expertise, deu origem ao capital simbólico,
entendido e reconhecido pela sociedade desde o nascimento da medicina, relacionado ao
domínio do conhecimento científico do diagnóstico, da terapêutica e do poder de cura. No que
diz respeito à(ao) enfermeira(o), o seu capital intelectual não se traduz em um capital simbólico,
como o do médico (FLORENTINO, F.; FLORENTINO, J., 2009).
Portanto, o capital simbólico dado à medicina viabiliza a continuidade da hegemonia
médica, representado pela legitimação das relações históricas de poder e estratégias de acúmulo
de prestígio o que fortalece a existência dos sistemas simbólicos subordinado à estrutura do
campo em que eles são produzidos e reproduzidos. O que agrava essa existência é o fato de que,
através da hegemonia médica, efetiva-se uma relação de poder que extorque submissões que
sequer são percebidas como tais, apoiando-se em expectativas coletivas, em crenças socialmente
inculcadas (FLORENTINO, F.; FLORENTINO, J., 2009), resultando, muitas vezes, em
violência simbólica.
A escassez de profissionais também pode configurar um capital que beneficia os
médicos nessa relação, pois, embora tenham sido percebidos avanços na disposição e
distribuição de médicos no Brasil (MOURÃO NETTO et al., 2018) as distorções na distribuição
desse profissional ainda é um desafio para os gestores no país (CFM, 2020).
Embora muitos estudos descrevam a relação entre médicos e enfermeiras(os) como
conflituosa, começam a aparecer descrições de realidades mais harmoniosas (OLIVEIRA et al.,
2010; SANTOS et al., 2015). Ghamohammadi et al. (2019) observaram, ao analisar o trabalho
entre médicos e enfermeiras(os), que os últimos apresentaram atitude positiva em relação à
colaboração com os médicos, embora apresentem nível moderado de autonomia profissional.
A observação do campo também nos traz uma impressão positiva:

As relações parecem harmoniosas entre os médicos, os técnicos de enfermagem, os


enfermeiros e os fisioterapeutas (OBSERVAÇÃO, HOSPITAL).
102

No Centro de Saúde da Família, percebo os profissionais tratando-se com cordialidade


(OBSERVAÇÃO, CENTRO DE SAÚDE DA FAMÍLIA).

Situações que exprimem a interferência do habitus nas práticas em saúde foram


percebidas no campo e estão expressas nas falas. São situações que demonstram a defasagem
entre o habitus e o campo, demonstrada por Bourdieu em uma equação: “[(habitus) (capital)] +
campo = prática” (BOUDIEU, 2006, p. 97).

O que dificulta não a categoria, mas o profissional, principalmente o descaso. O


paciente precisando de intervenções e o profissional protelando. Saber que o paciente
precisa do cuidado, saber que o profissional está ali para prestar aquela atenção, e isso
não ocorrer, causa uma indignação, um desgaste, sentimento de injustiça, de revolta,
mas você não tem autonomia pra chegar e dar uma voz de comando, embora você possa
denunciar à coordenação. Prejudica até seu bem-estar na equipe (ENF-H-1).
Eles aceitam nossa opinião, se tem paciente grave, a gente questiona, eles aderem, mas
tem uns difíceis de lidar, às vezes paciente morrendo e eles sem querer elevar achando
que o médico do eixo vermelho vai achar ruim. Parece que os médicos têm medo de
elevar para o eixo vermelho (ENF-H-2).
Eu estou cansado, tento não gastar tanta energia se não vai complicar. A não ser que for
uma parada, ou algo mais sério. Eu estou tentando relaxar (ENF-H-6).
Não tenho problemas com os médicos, comigo não. Já passei por uma situação que vi o
erro e enfrentei o médico. Era um nefrologista. Percebo enfermeiros que vem as coisas
erradas e não fala (ENF-H-4).
Oprimida já me senti com certeza, opressão dos dois, gestão e paciente, mas mais da
gestão, eu ficava ali engolida, e hoje tem a mídia também, que é o paciente. Acredito
que ter o nome da mídia dá um receio. Não consigo realizar 100% com autonomia.
Talvez os indicadores, você tem que atender tantos, que atingir isso. (...) as pessoas tem
medo de perder o emprego, as vezes tem medo de falar porque acha que a outra
categoria sabe mais (ENF- APS -1).
Eu tenho medo de agressão, eu fico só no posto 12h com o dentista. Se vier um
assaltante, um traficante... eu tenho medo, da exposição, da minha reputação, porque
não é fácil, eu tenho ficado muito cansada disso. Hoje aprendi que quem fala muito se
perde mesmo, não adianta, hoje aprendi que o calado se torna mais inteligente, ele é
sábio, que ele observa, ninguém sabe o que ele está pensando. Hoje eu não sei o que
eles querem, eles não falam e a gente vai seguindo. Eu nem sei, sei que o que vão
pedindo eu vou fazendo. Se tiver suporte aqui, eu faço (ENF- APS -2).
Exerço minhas atividades com autonomia. Mas tenho receio, pois prevalece ainda muito
a questão política do vínculo do enfermeiro, eu continuo ainda como cargo
comissionado, é um vínculo muito frágil, outro medo e receio que tenho é da gestão, a
gente sabe que o gerente tem essa função de cobrar (ENF- APS -3).
(...) às vezes tenho medo, hoje em dia as pessoas gravam seu atendimento, filmam,
podem fazer algum julgamento de valor, a comunidade pode fazer isso, assim como
alguma coisa da gestão que seja desagradável para eles, eu estou em período probatório,
em avaliação o tempo todo, quanto assiduidade, ao atendimento, a tudo, e aí a gente
sempre tem medo, dizer que não tem medo, totalmente com autonomia não tenho. (...)
103

eu sou muito tímida, eu ficava mais calada mesmo, aí as vezes vejo e não consigo falar
e quando fui falar já foi bem depois. Não falei buscando evitar conflitos, sei que não é
certo, mas foi procurando evitar conflitos, com a gestão, com o paciente, com o colega
(ENF- APS -4).
Todo funcionário do posto tem muito medo de ir pra ouvidoria, porque a gente é muito
cobrado, todo mundo que vai para ouvidoria é chamado atenção, e eu já vi, eu já
trabalhei com enfermeiros muito bons que foram transferidos por denúncias bobas da
ouvidoria. (...) eu tenho medo que tenham a impressão de que eu não quero trabalhar
quando reclamo, exemplo eu já sofri muito com isso, ficar até 12h, até 18h no posto, e
no outro dia eu não tive coragem de reclamar pra minha gerente com medo de ela dizer
assim, ave maria passou 1h do horário e tá morrendo, não quer trabalhar... eu sempre
tive medo disso. (...) eu tenho medo de não fazer isso, de ser taxada de que não quer
ajudar, de que não quer trabalhar. Olhe, na época do início da pandemia, a secretaria
pediu para a gente visitar os casos de COVID, os dentistas e os ACS se negaram a ir. Os
enfermeiros todos disseram que iam, pra você ver como nós somos. Os dentistas
colocaram o pé na parede e disseram: a gente não vai, e não foram. Os enfermeiros: não,
a gente vai, sem problema nenhum. Tudo da enfermagem parece que a gente é mais...
vulnerável, a gente abre mais. Se você soubesse o que eu já fiz para ajudar o paciente
(...,) sei que não é certo (ENF- APS -11).
Já presenciei coisas erradas, vi um médico com luva de procedimento colocar o dedo na
incisão só com a luva de procedimento, vi e fiquei em choque e não consegui fazer
nada, depois eu até me martirizei, porque que eu não questionei aquele médico.
Inclusive eu estava com uma médica, que depois ela comentou comigo e nenhuma das
duas questionou o cirurgião (ENF-H-9).

A dimensão política do cuidado é constituída pelas relações de poder estabelecidas


pelos agentes e instituições no campo. A partir das falas, podemos perceber como essas relações
de poder interferem na prática dos profissionais, pois elas são capazes de calar, tolher, moldar e
conformar suas práticas, ressaltando a necessidade premente dos profissionais reconhecerem essa
dimensão para melhor poderem se movimentar nela.
O fato de calarem e de se sentirem tolhidos tem relação com o fato de quererem
evitar conflitos. Também pode estar relacionado com o receio de não ter argumentos, por
acreditarem que o outro saiba mais, e se verem com argumentos limitados para a disputa, o que
poderia constrangê-los. Assim, possivelmente, um dos motivos das(os) enfermeiras(os) evitarem
entrar em conflitos seria a vergonha, essa emoção autodestrutiva que surge quando os dominados
começam a observar a si próprios através dos olhos dos dominantes, ou seja, quando são
forçados a vivenciar os seus próprios modos de pensar, de sentir e de se comportar como
degradados e degradantes (WACQUANT, 2006).
Quando as(os) enfermeiras(os) são limitadas(os) pelas circunstâncias e isso incorre
em eventos ou ações entendidas como incorretas, por ação ou omissão, isso pode repercutir em
104

sofrimento psicológico, emocional e fisiológico, situação compreendida como sofrimento moral


(MCCARTHY; GASTMANS, 2015).
Estudos mostram que as situações que envolvem sofrimento moral são mais
proeminentes no contexto hospitalar do que na ESF (SCHAEFER; ZOBOLI; VIEIRA, 2018), o
que pode ser explicado, principalmente, pela escassez de tempo e com a qualidade das relações
de trabalho, problemas mais acentuados no contexto hospitalar (EIZENBERG; DESIVILYA;
HIRSCHFELD, 2009).
Tais situações ocorrem mediante a presença de poder simbólico, que é o que faz o
outro calar para evitar o conflito. É o que faz o outro temer o conflito, é o que faz os
profissionais temerem o conflito com o usuário, pois ele pode ir para as redes sociais ou para o
ouvidoria; temer o conflito com o médico, pois ele pode ter uma melhor argumentação em
decorrência de seu, suposto, maior conhecimento, e isso pode constranger o profissional que o
questiona; é o que faz o médico do local de menor complexidade evitar transferir o usuário para
o de maior complexidade, pois o médico com mais conhecimento sobre cuidados críticos tem
melhores argumentos para justificar que este permaneça onde está.
Assim, diante do conflito, algumas enfermeiras optam por evitá-lo, calando-se, por
acreditarem não ter capital para vencerem o embate. Dessa forma, as(os) enfermeiras(os) podem
deixar de angariar transformações ou condutas que beneficiariam a si ou aos usuários sob seus
cuidados. Possivelmente, esse comportamento esteja relacionado com o fato de que há uma
tendência a perceber os “grandes” como se fossem ainda maiores (BOURDIEU, 2008, p.196),
somando a isso a tendência que têm os sujeitos de tornarem-se cúmplices dos processos que
tendem a realizar o provável, o que é mais aceito no campo (BOURDIEU, 2011) o que
desencorajaria muitos profissionais a assumirem posicionamentos mais combativos diante dos
conflitos.
Considerando esses fenômenos, pois é a partir deles que ganha sentido a ideia da
dimensão política do cuidado e a atuação de um profissional politizado, o qual seria capaz de
reconhecer essas relações de poder e envidar esforços para se movimentar por essa dimensão,
provocando movimentos de resistência e/ou disruptivos, podendo resultar em melhores
resultados na consecução do cuidado aos usuários ou nas condições de trabalho.
Questões de gênero também foram observadas nos discursos. As falas ratificam a
visão androcêntrica, assim continuamente legitimada pelas próprias práticas que ela determina:
105

pelo fato de suas disposições resultarem da incorporação do preconceito desfavorável contra o


feminino, instituído na ordem das coisas, as mulheres não podem senão confirmar seguidamente
tal preconceito (BOURDIEU, 2012).
Percebe-se que muitos fatores interferem na construção do habitus da(o)
enfermeira(o), como os protocolos institucionais, as legislações e o conhecimento que tem as(os)
enfermeiras(os) sobre assuntos pertinentes a sua profissão (anatomia, fisiologia, clínica,
medicamentos, procedimentos, entre outros). No entanto, no campo, esse habitus sofrerá uma
defasagem, resultando nas práticas, resultando no que de fato é executado pela(o) enfermeira(o),
pois no campo as possibilidades existentes no habitus podem encontrar resistências diante das
relações de poder (dimensão política do cuidado), ao exemplo das falas, nas quais as(os)
enfermeiras(os) até percebem condutas inadequadas e seu habitus permitiria uma intervenção
que está a seu alcance, mas por uma limitação do campo, devido ao poder simbólico dos outros
agentes, ele se furta de falar, resultando em uma prática omissa, nessas situações.
Assim, a partir das falas, percebemos que as permissividades institucionais parecem
influenciar mais o habitus e as práticas da(o) enfermeira(o) do que as legislações, haja vista uma
das participantes mencionar que realiza atividades que atendiam as necessidades dos usuários
mas pareciam estar em desacordo com a legislação que a deveria nortear, assim, o serviço, a
instituição, de forma não expressa, permite atividades em desacordo com a legislação, desde que
colaborem com a melhora das respostas do serviço e da experiência do usuário, ao passo que,
nos faz refletir sobre o impasse entre o que pode ou não a(o) enfermeira(o) fazer e a necessidade
de reposta dos serviços, deixando a(o) enfermeira(o) em permanente conflito entre a legislação
que o guia, os interesses da instituição e os interesses dos usuários.
Os medos de violências, exposição em redes sociais, violência física, demissão,
também acabam tolhendo as práticas da(o) enfermeira(o), portanto, em alguma dimensão,
também restringem e influenciam o habitus da(o) enfermeira(o).
As falas dos outros profissionais também permitem conhecer que, assim como as(os)
enfermeiras(os), eles já passaram por situações nas quais a manifestação do poder simbólico dos
agentes lhes tolheu a prática.

É impressionante como a gente é calado e mudo para essas coisas. Me sinto até
conivente, ficava com uma angústia, igual no dia que a gente viu o cara fazer uma
negligência, uma imperícia e a gente ficou travado, não sei o que leva a isso não,
sinceramente (MED-H-3).
106

É porque a gente está tão acostumada com a relação de poder, de estereótipo que o
médico é o dono do mundo que a gente não quer argumentar com ele porque a gente
tem medo de médico. Isso que faz a nossa profissão cair, porque temos medo dele, do
médico, isso não pode acontecer. Isso acontece por questões históricas. Até pouco
tempo só tinha ele, nossas profissões são novas, e hoje ele divide com muitas pessoas, e
quando você divide poder, você tem medo de perder poder, status (FIS-H-2).
Já aconteceu com um médico. Já vi quando era uma paciente jovem com pancreatite e
ele só entubou porque a enfermeira implorou para ele intubar. Implorou olha ai! E veio
outro médico e perguntou o que houve, porque não mandaram pra UTI e a gente ficou...
mas ele é dono da razão. Eu até disse, esse paciente você acha que tem indicação de
tubo, ele disse sim, e ela vai morrer! Acho que a gente acaba se calando devido a essa
frieza, da ignorância. Eu nunca tive medo, mas respondi a altura, já fiquei calada. Tem
gente que tem medo do que ele vai dizer. Acho que esbarra na desinformação de achar
que é ele quem diz o que deve ser feito, de achar que ele é detentor da resposta final, do
medo do que ele vai responder (FIS-H-3).
Já aconteceu isso há uns 15 dias, tinha uma paciente, que eu já acompanhava, que tinha
DM, mas o colega ainda pediu mais exames, mas aí chamei o ACS, disse que poderia
ser uma conduta mais adequada, pois eu não iria na sala da colega falar isso..., não
tenho nenhum contato com ela, ela é meio fechada até, acho que não seria bem-vinda
(MED- APS -1).
É uma situação um pouco constrangedora, que foge até a ética profissional, já aconteceu
de um paciente estar com uma infecção muito forte e o colega passar um antibiótico que
não iria fazer efeito, então chamei o paciente e falei, mas em nenhum momento quis ser
mais que o meu colega (ODO-APS-3).

As falas revelam que não somente as(os) enfermeiras(os), mas todos os profissionais
são influenciados pelas relações de poder estabelecidas no processo de trabalho, evidenciando
como a dimensão política do processo de cuidar influencia no trabalho em saúde.
A partir das falas, podemos perceber mais claramente como a prática é o resultado da
defasagem entre o habitus (disposições mentais) e as relações de poder estabelecidas no campo,
assim, podemos dizer que a prática é o resultado do que é possível ser feito diante das relações
de poder estabelecidas no campo. Por isso, advogamos que quanto mais os profissionais
conhecerem e souberem se movimentar na dimensão política do cuidado, mais seu habitus
poderá ser revertido em prática.
As dificuldades na comunicação e interação entre os profissionais da saúde tem sido
discutida na literatura. Valadão, Lins e Carvalho (2017), ao analisarem os conflitos bioéticos na
APS, identificaram falta de companheirismo e colaboração entre os membros da equipe
estudada.
Mesmo muitos participantes tendo demonstrado aversão ao conflito, foram
apreendidas situações em que as(os) enfermeiras(os) se mostraram como agentes de
107

transformação da realidade, como refere Bourdieu: no campo, em um momento somos


dominados e, em outro, dominamos.

Saber receber poder e exercer poder, em um meio termo. Na maioria das vezes consigo
influenciar os profissionais, depende dos profissionais que estamos lidando (ENF-H-3).
Existem momentos que a gente não consegue influenciar. Às vezes na triagem eu via o
paciente hipossaturando, levava para a reanimação e o médico dizia que ele está bem e
que levasse para o consultório. Era uma frustração. Mas, dias você ganha e dias você
perde. Eu me sinto mais submissa, mas eu acho que eu também tenho parte de poder, de
mandar, de ter meu espaço e fazer o que eu acho. Me sinto mais influenciada (ENF-H-
4).
Já ocorreu vezes que a minha percepção ajudou a mudar a conduta, mas outras não.
Consegui influenciar menos vezes do que mais vezes. Quando vejo coisa errada
geralmente falo. Me vejo mais influenciando do que sendo influenciado (ENF-H-5).
Não consigo influenciar sempre, eu percebo que eu consegui esse poder com aqueles
que são mais jovens, não sei se é por inexperiência, mas acho que não, mas eu penso
que é porque ele estuda mais e a gente consegue persuadir, não sei se pela forma de
falar, não sei se pela idade mais próxima que a minha. Os mais velhos são mais
resistentes. Mas eu dou a minha opinião, embora não vá persuadir. O que é
determinante é o argumento, provas (ENF-H-7).
A minha relação de amizade facilita o trabalho. É mais fácil para um médico entender
que o paciente está grave quando eu digo do que outros colegas. Mas, mesmo assim, eu
tenho dificuldade. Penso na visão de alguns colegas, os meus 20 anos de experiencia, 7
anos aqui, isso conta alguma coisa. Na maioria, consigo influenciar (ENF-H-6).
Consigo influenciar bastante, mas não todas as vezes. O que é determinante é o que eu
demonstrei... no meu último plantão eu tomei a frente da parada pois o médico não
estava muito por dentro. Acho que ganhei a confiança dele. Acho que existe uma
questão de gênero, a gente percebe que muitas vezes entre médica mulher e enfermeiro
homem não vejo problema, mas entre médico homem e enfermeira mulher acho que
ainda existe dificuldade (ENF-H-8).
Percebo relações de poder no serviço, me vejo mais sendo influenciado do que
exercendo poder (ENF-H-10).
Eu me vejo mais sofrendo a influência do poder dos outros (ENF- APS -4).
Acho que sou mais influenciada (ENF- APS -9.

As relações de amizade são observadas como facilitadoras das interações no campo


de trabalho. Sobre isso, Bourdieu traz que troca de dons é o único meio de instaurar relações
duráveis de reciprocidade, mas também de dominação, o intervalo interposto representando um
começo de institucionalização da obrigação (BOURDIEU, 2011), diante disso, parece coerente
induzir a construção de lações de amizade entre os profissionais, permitindo performances mais
funcionais no campo de trabalho.
O poder pode ser definido “como a produção dos resultados pretendidos”
(RUSSELL, 1979, p. 24). Assim, a relação de amizade constitui capital simbólico, repercutindo
em poder simbólico, já que o capital simbólico é um crédito, uma espécie de adiantamento, de
desconto, de credibilidade, que somente a crença do grupo pode outorgar (BOURDIEU, 2011).
108

Em outros termos, os discursos não são apenas (a não ser excepcionalmente) signos
destinados a serem compreendidos, decifrados; são também signos de riqueza a serem avaliados,
apreciados, e signos de autoridade a serem acreditados e obedecidos. A língua raramente
funciona, na existência ordinária, como puro instrumento de comunicação (BOURDIEU, 2008).
Para o sucesso nos conflitos ou para se sobressaírem nas relações de dominação,
as(os) enfermeiras(os) se valem do conhecimento e da comunicação.
As(os) enfermeiras(os) se sentem tanto mais influenciadas(os) como influenciando,
fugindo do estereótipo de profissional submissa(o) predominante no imaginário social. Nas
observações do campo, também foi possível perceber o protagonismo da(o) enfermeira(o), a
centralidade de seu papel na prestação do cuidado.

Todos os profissionais que adentram ao setor, se reportaram ao enfermeiro em algum


momento: cirurgião vascular, técnica de laboratório e nutricionista (OBSERVAÇÃO,
HOSPITAL).

Questões de gênero também foram observadas. As profissionais mulheres parecem


ter mais dificuldade para desenvolver suas atividades, ou parecem sofrem mais influência do
poder simbólico.
A relação entre médicos e enfermeira(o), que constituem as profissões que atuam
mais próximas e interagem mais efetivamente nos serviços, foi fortemente influenciada pela
estrutura social decorrente dos antagonismos entre homem e mulher. A estrutura doméstica, onde
o homem é dominante e a mulher dominada, onde o homem pensa e a mulher executa as várias
atividades essenciais à vida, foi transportada aos espaços de produção da saúde, onde o trabalho
do homem é o importante e o da mulher, menos importante, pois detém-se a cuidar da casa, dos
filhos, dos animais, das plantas e o homem é quem trabalha e coloca a comida na mesa. Então, as
duas profissões reproduzem essa dinâmica, já que os médicos são, em sua maioria, homens e as
enfermeiras, mulheres. Entretanto, mesmo quando são médicas, o poder é exercido da mesma
forma em relação a enfermagem, então, mesmo considerando o gênero como influenciador das
relações no processo de trabalho, só esse aspecto não seria capaz de explicar o poder simbólico
109

de uma profissão em relação a outra. Neste sentido, o habitus da profissão pode justificar a
relação da médica em relação a enfermeira.

Embora tenhamos percebido avanços nessa configuração, com inserção de mais


mulheres na graduação em medicina (CFM, 2020), e mais homens na graduação em enfermagem
(MACHADO et al., 2015), as estruturas e dinâmicas entre as duas profissões foram constituídas
sobre essa acepção e não será descontruída facilmente.
A relação que existe entre as práticas médicas e as da enfermagem traduz, por
exemplo, as ligações que existem entre natureza e legitimidade, entre gênero, classe e poder. A
(re)construção cotidiana do poder médico e a dominação que exercem as práticas do tratar sobre
as práticas do cuidar se articulam na dupla conjunção entre sexo e classe (LOPES; LEAL, 2005).
A divisão entre os sexos parece estar "na ordem das coisas", como se diz por vezes
para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável: ela está presente, ao mesmo tempo,
em estado objetivado nas coisas (na casa, por exemplo, cujas partes são todas "sexuadas"), em
todo o mundo social e, em estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes,
funcionando como sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e de ação (BOURDIEU,
2012).

Diante do exposto, é possível referir que as(os) enfermeiras(os) também conseguem


exercer poder no campo, mesmo quando estão tensionados por poder simbólico dos demais
membros da equipe. Essas(es) enfermeiras(os) se utilizam de diferentes artifícios para
conseguem movimentar o campo: relações de amizade, estratégias comunicacionais e
discursivas, argumentações, entre outras).
110

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante o percurso até aqui construído, é possível afirmarmos que os objetivos do


estudo foram alcançados e a tese proposta, confirmada: o trabalho em saúde envolve relações de
poder, relações essas que conformam a dimensão política do cuidado, que influenciam de forma
significativa o trabalho e a prestação do cuidado de todos os profissionais, em especial da(o)
enfermeira(o).
Muitos são os fatores que influenciam na dimensão política do cuidado, como o
conhecimento, as formas de se comunicar, a postura, a posse de bens materiais, o gênero, o
cargo, a experiência, a categoria profissional, o tempo de serviço, a idade, o reconhecimento, o
prestígio e as relações de amizade.
As(os) enfermeiras(os) se sentem tanto mais influenciados como influenciando
processos, portanto, exercendo poder, fugindo do estereótipo de profissional submisso,
predominante no imaginário social. Diante disso, percebemos seu protagonismo, a centralidade
de seu papel na prestação do cuidado, seja no hospital ou na APS, obtendo, também, o
reconhecimento dos demais agentes que, com ele, dividem o campo da saúde.
A(o) enfermeira(o) é a(o) única(o) profissional que, de forma mais constante e
consistente, exerce concomitantemente atividades de prestação de cuidados diretos e
gerenciamento, configurando um aspecto que a(o) diferencia no campo da saúde. Também
conseguem exercer poder no campo, mesmo quando estão tensionadas(os) por poder simbólico
dos demais membros da equipe. Essas(es) enfermeiras(os) se utilizam de diferentes artifícios
para conseguirem movimentar o campo, como: relações de amizade, estratégias comunicacionais
e discursivas e argumentações, subsidiadas por conhecimento científico, da dinâmica do serviço
ou do quadro clínico do usuário.
Os elementos mais fortemente relacionados com a aquisição de capital simbólico são
o conhecimento teórico e, sobretudo, prático; e as formas de se comunicar.
Tanto no hospital como na APS, os profissionais atuam de forma colaborativa,
apresentando núcleos de atividades que se conformam, menos pela presença de uma legislação e
111

muito mais pela dinâmica do campo, por influência do habitus, portanto, seus fazeres são
fortemente influenciados pela dimensão política do cuidado.
As(os) enfermeiras(os) têm dificuldade para sistematizar e falar sobre o que fazem,
podendo ser repercussão da pouca reflexão sobre o processo de trabalho acrescido de uma maior
gama de atribuições, se comparados aos demais profissionais.
É possível dizermos que definir um núcleo de atividades privativas para cada
profissão, enfermeiras(os), odontólogos, fisioterapeutas e médicos, parece ser infértil e pouco
viável, haja vista que os limites impostos pela legislação são tênues, possibilitando aos
profissionais realizarem atividades comuns, que são mobilizadas a depender das necessidades
dos espaços de produção da saúde, seja na APS ou no hospital.
Em nosso estudo, uma das intenções era descrever o núcleo de práticas, que em
nossa imaginação seria um núcleo de atividades privativas de cada categoria. No entanto, o
campo nos mostrou que esse núcleo de práticas, na verdade, é formado menos por atividades
privativas e muito mais por atividades comuns e que, embora existam práticas privativas, não são
essas as que determinam e nem são as mais representativas no fazer desses profissionais, seja no
hospital ou na APS, pois existem, sim, práticas privativas, mas o núcleo de atividades tem sua
conformação mais fortemente influenciada pela execução de práticas comuns/compartilhadas,
fenômeno que sustenta o que estamos denominando de Núcleo de Atividades Identitárias (NAI).
Foram identificadas situações de violência simbólica, as quais vivenciam as(os)
enfermeiras(os). Essas situações são, provavelmente, fruto de uma inserção prática pouco crítica,
o que sinaliza a necessidade de se discutir mais sobre política junto a esses profissionais.
Os resultados deste estudo podem contribuir com a elucidação das dinâmicas de
poder no campo, permitindo às(aos) enfermeiras(os) reconhecer situações de violência simbólica
e como melhorar sua performance no referente às relações de poder implicadas na produção do
cuidado, sabendo melhor se movimentar pela dimensão política do cuidar.
Assim, o desenvolvimento da politicidade dos enfermeiros e enfermeiras é
estruturante para que sejam capazes de reconhecer essas relações de poder e envidar esforços
para se movimentar por essa dimensão, provocando movimentos de resistência e/ou disruptivos,
podendo resultar em melhores resultados na consecução do cuidado aos usuários ou nas
condições de trabalho, o que, possivelmente, se refletiria em mais reconhecimento social dessa
profissão.
112

Apontamos como limitação do estudo o tempo destinado para as observações de


campo. Dado a complexidade do tema, reconhecemos que haveria uma necessidade de maior
tempo de observação, limitado em decorrência das restrições impostas pela pandemia de
COVID-19. Consideramos, ainda, que a visão dos usuários sobre o trabalho da(o) enfermeira(o)
e as relações de poder poderia trazer uma contribuição significativa à compreensão da dimensão
política do cuidado.
Também é importante considerar que as entrevistas remotas limitam, em comparação
com a presencial, a percepção da comunicação não verbal, que para a pesquisa qualitativa é um
aspecto importante e deve ser considerado.
Diante da complexidade do objeto, outros estudos são necessários para clarificar
melhor os elementos que compõem a dimensão política do cuidado e como eles se conformam
no campo de práticas, incluindo, ainda, nessas investigações a perspectiva de outros atores, como
Agentes Comunitários de saúde e técnicos de enfermagem, que dividem os espaços de produção
da saúde com a enfermeira.
Ressalta-se que conhecer as dinâmicas de poder nos campos de atuação é
estruturante para que as(os) enfermeiras(os) consigam desenvolver seu trabalho. Assim, ainda na
formação, é necessário que se discuta sobre os capitais que importam nesse cenário, fazendo com
que os futuros profissionais saibam as regras do “jogo” ao serem inseridos no mundo do
trabalho.
Apontamos, ainda, a lacuna existente no que tange aos estudos sobre a participação
política da enfermagem, sendo escassos, também, autores que tragam um corpo teórico com
conceitos bem delimitados sobre enfermagem, cuidado e política o que poderia favorecer o
desenvolvimento de pesquisas para subsidiar essa seara do conhecimento atinente aos
profissionais de enfermagem.
113

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 1025
p.

AGHAMOHAMMADI, D.; DADKHAH, B.; AGHAMOHAMMADI, M. Nurse-Physician


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130

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

TÍTULO DA PESQUISA: REPERCUSSÕES DA DIMENSÃO POLÍTICA DO CUIDADO


DO ENFERMEIRO NO PROCESSO DE TRABALHO E NA EXPRESSÃO DO
HABITUS PROFISSIONAL

PESQUISADOR(A) RESPONSÁVEL: JOSÉ JEOVÁ MOURÃO NETTO

Prezado(a) Colaborador(a),

O(A) Sr.(a) está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa que irá investigar as
repercussões da dimensão política do cuidado do enfermeiro no processo de trabalho e na
expressão do habitus profissional. Esta pesquisa tem como objeto de estudo a dimensão
política do cuidado, ou seja, a teia de relações de poder estabelecidas pela equipe durante a
prestação do cuidado e de como essa dimensão influencia nesse mesmo cuidado.
O interesse pela realização do estudo emergiu de experiências profissionais, no âmbito da
Estratégia Saúde da Família, atenção hospitalar, Centro de Apoio Psicossocial e na atuação junto
à entidades de classe, de como a politização dos profissionais pode interferir na prestação do
cuidado, de forma que, muitas vezes, isso pode ser definidor para as terapêuticas obterem
sucesso ou não.
Neste sentido, e no contexto da enfermagem e saúde, acredita-se que a realização do estudo
possa repercutir: no ensino, contribuindo para que novos conteúdos sejam trabalhados, e assim,
consiga-se desenvolver mais a politicidade dos estudantes; na pesquisa, estimulando produções
que se detenham a analisar os múltiplos fatores que compõem essa dimensão do cuidado de
enfermagem e em saúde; na assistência, podendo estimular o desenvolvimento de competências
que impactem no processo de trabalho dos enfermeiros e técnicos de enfermagem; na gestão,
com a clarificação e maior visibilidade desta dimensão do cuidado, este estudo pode contribuir
para subsidiar uma melhor atuação dos enfermeiros gestores, uma vez que estes desenvolvem
atividades de direção e coordenação, o que estão diretamente ligadas a dimensão política.

1. PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA: ao participar desta pesquisa você será convidado a fazer


parte de uma entrevista semiestruturada e/ou grupo focal a fim de conhecermos sua opinião
sobre alguns aspecto e características do processo de trabalho do enfermeiro no contexto da
Atenção Primária e da Atenção Hospitalar. A entrevista e o grupo focal ocorrerão em momentos
previamente agendados, de acordo com sua conveniência, em um ambiente que possibilite a
escuta de forma agradável para o diálogo e sigilosa. Pedimos sua autorização para que possamos
gravar o áudio da entrevista e enfatizamos a confidencialidade da gravação. Lembramos que a
sua participação é voluntária, o(a) Sr. (a) tem a liberdade de não querer participar, podendo
desistir em qualquer momento, mesmo após ter iniciado a entrevista, sem nenhum prejuízo para
131

você.

2. RISCOS E DESCONFORTOS: o procedimento utilizado (entrevista semiestruturada,


grupo ou observação não participante) poderá trazer algum desconforto, como timidez,
constrangimento e sensação de estar sendo observado. Enfatizamos que esse tipo de
procedimento apresenta um risco mínimo que será reduzido pela ambiência proporcionada para
os momentos de entrevista, com respeito mútuo durante os discursos através de uma escuta
qualificada.

3. BENEFÍCIOS: os benefícios esperados com a pesquisa são no sentido de poder, a partir da


identificação de dificuldades na interação do enfermeiro com os demais membros da equipe de
saúde, envidar esforços para a harmonização desse processo trabalho, esperando que haja
repercussões positivas a prestação do cuidado, portanto, também para o paciente.

4. FORMAS DE ASSISTÊNCIA: se você precisar de alguma ORIENTAÇÃO, por se sentir


prejudicado em decorrência da pesquisa, você será encaminhado(a) por José Jeová Mourão
Netto (contatos: 88 99911-8966, jeovamourao@yahoo.com.br) para o Centro de Estudos do
Hospital Regional Norte, onde serão avaliadas suas necessidades e estabelecidos os
encaminhamentos necessários.

5. CONFIDENCIALIDADE: todas as informações que o(a) Sr.(a) nos fornecer, ou que sejam
conseguidas por nós a partir de sua participação, serão utilizadas somente para esta pesquisa.
Suas RESPOSTAS ficarão em segredo e o seu nome não aparecerá em lugar nenhum
(ENTREVISTAS, GRAVAÇÕES), nem quando os resultados forem apresentados.

6. ESCLARECIMENTOS: se tiver alguma dúvida a respeito da pesquisa e/ou dos métodos


utilizados na mesma, pode procurar a qualquer momento o pesquisador responsável.

Nome do pesquisador responsável: José Jeová Mourão Netto


Endereço: Rua Orgendina Gomes, 1212, Renato Parente, Sobral/CE.
Telefone para contato: (88) 99911-8966
Horário de atendimento: integral

Se desejar obter informações sobre os seus direitos e os aspectos éticos envolvidos na pesquisa
poderá consultar o Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar.

Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar


Rua Socorro Gomes, 190
Bairro Guajiru, CEP 60.843-070.
Telefone (85) 3195-2767, Fortaleza, Ce.

7. RESSARCIMENTO DAS DESPESAS: caso o(a) Sr.(a) aceite participar da pesquisa, não
receberá nenhuma compensação financeira.
132

8. CONCORDÂNCIA NA PARTICIPAÇÃO: se o(a) Sr.(a) estiver de acordo em participar


deve preencher e assinar o Termo de Consentimento Pós-esclarecido que se segue, e receberá
uma cópia deste Termo e a outra ficará com o pesquisador.

O participante da pesquisa deve rubricar todas as folhas do Termo de Consentimento Livre e


Esclarecido, apondo sua assinatura na última página do referido Termo.

O pesquisador responsável deve, da mesma forma, rubricar todas as folhas do Termo de


Consentimento Livre e Esclarecido, apondo sua assinatura na última página do referido Termo.

9. CONSENTIMENTO PÓS ESCLARECIDO

Pelo presente instrumento que atende às exigências legais, o Sr.


(a)__________________________________________________________, portador(a) da
cédula de identidade____________________________, declara que, após leitura minuciosa do
TCLE, teve oportunidade de fazer perguntas, esclarecer dúvidas que foram devidamente
explicadas pelos pesquisadores, ciente dos serviços e procedimentos aos quais será submetido e,
não restando quaisquer dúvidas a respeito do lido e explicado, firma seu CONSENTIMENTO
LIVRE E ESCLARECIDO em participar voluntariamente desta pesquisa.

E, por estar de acordo, assina o presente termo.

Sobral, _______ de ________________ de _______.

__________________________________________________
Assinatura do participante

________________________________________________
Assinatura do Pesquisador
133

APÊNDICE B – ROTEIRO DA ENTREVISTA (PROFISSIONAIS NÃO


ENFERMEIROS)

1 Caracterização
Codificação (iniciais do nome): Data: Cenário/local: ( ) hospital ( ) PSF sexo: ( )
masculino ( ) feminino
Idade:
Graduação: Ano:
Tempo que atua na APS/HOSPITAL atual: Experiência em outro serviço de saúde similar: ( ) sim
( ) não

1° BLOCO: NARRATIVA BIOGRÁFICA DA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL


Me fale um pouco de sua trajetória profissional:
- onde se formou?
- cursos e formações?
- locais que já trabalhou?
- quanto tempo em cada local?
- já participou de organizações de classe?

2° BLOCO: O QUE PENSA DAS INSTITUIÇÕES


1. O que pensa sobre o modelo de gestão da AB muncipal?
2. Como é o clima organizacional?
3. A partir de suas outras experiências profissionais, em comparação com sua atuação e a dinâmica
organizacional deste municípiol, percebe diferenças? Quais?
3° BLOCO: ATIVIDADES DO PROFISSIONAL SOBRE SEU COTIDIANO, PROBLEMAS DO
EXERCÍCIO DA PROFISSÃO (dores e delícias do serviço)
1. Você poderia descrever o seu processo de trabalho e quais atividades você considera que
marcam/caracterizam esse trabalho (atividades que somente você realiza)?
134

2. Você poderia descrever que atividades o enfermeiro realiza? Que atividades você considera que
caracterizam a atuação desse profissional?
3. Qual sua percepção sobre a repercussão do trabalho do enfermeiro, seja para os pacientes, seja
para os demais profissionais? Como você acha que os pacientes percebem o trabalho desse profissional?
médicos e fisioteraopeutas : por que vc acha que o enfemrio não consegue visibilidade?
4. Você acha que os pacientes conseguem diferenciar os profissionais da saúde na prestação do
cuidado? A partir de que elementos eles os conseguem diferenciar?
5. Quais as facilidades e dificuldades encontradas na realização de suas atividades profissionais, no
tocante a interação com os outros profissionais?
4. Qual profissional/categoria você acha que mantém mais relação/interação com os demais atores
do processo de cuidar (outros profissionais, familiares, acompanhantes, gestão, etc)?
5. Quais profissionais você mais interage para a execução do seu trabalho? Como se dá essa
interação? Qual mais influencia no seu trabalho e porquê? (investigar as relações de poder sem citar
poder). Como você considera o nível de poder dos enfermeiros ? Acha que o enfermneiro mais exerce
poder ou sofre com o poder exercido pelos outros profissionais? Porque o enfermeiro não tem
visibilidade?
6. Quais principais dificuldades para a execução do seu trabalho diante da equipe interdisciplinar?
(investigar as fragilidades relacionadas ao poder).
7. Já passou pela situação de ver o colega ou outro profisisonal) fazer algum procedimento errado mas
não conseguir falar ?
Por que não conseguiu?
8. Você consegue desempenhar suas atividades com autonomia?
9. Acha que todos os profissionais detém o mesmo poder (conceito: capacidade de influenciar processos)?
Por que uns têm mais poder e outros menos? (descobrir quais capitais mais valiosos)
10. Acredita que por ser homem ou mulher isso resulte em doferenças nas relações profissionais?
11. Para você, o que seria um profissional de saúde politizado?
Para prosseguir, explorar a ideia de política do participante, discutir e informar qual a definição de
política e politização adotada no estudo.
12. Como você acha que a politização interfere no trabalho entre os profissionais? Dê exemplos?
13. Como você percebe as relações de poder no trabalho? Como e onde você se encontra nessas relações?
4° BLOCO: FRUSTRAÇÕES, DESEJOS, SONHOS, EXPECTATIVAS DE FUTURO,
PERSPECTIVAS DE MUDANÇA.
Quanto às dificuldades na interação multiprofissional, que estratégias você utiliza para enfrentá-las?
Como a equipe enfrenta essas dificuldades de interação? (investigar relações de poder).
135

Sobre essas dificuldades, acredita que possam ser superadas? Como a instituição lida com esses
problemas?
Quanto à sua vida profissional, quais suas perspectivas nos próximos 10 anos?
E na instituição, quais suas expectativas para os próximos 10 anos? Se deseja sair antes desse período,
explique o motivo.

APÊNDICE C – ROTEIRO DA ENTREVISTA (ENFERMEIROS)


1 Caracterização
Codificação (iniciais do nome): Data: Cenário/local: ( ) hospital ( ) PSF
sexo: ( ) masculino ( ) feminino
Idade: Ano de graduação
Tempo que atua na APS/HOSPITAL atual: Experiência em outro serviço de saúde similar: ( ) sim ( ) não
1° BLOCO: NARRATIVA BIOGRÁFICA DA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Me fale um pouco de sua trajetória profissional:
- onde se formou?
- há quanto tempo?
- cursos e formações?
- locais que já trabalhou?
- quanto tempo em cada local?
- já participou de organizações de classe?
- Qnto tempo de gestão do PSF? Quanto tempo de assistência?
2° BLOCO: O QUE PENSA DAS INSTITUIÇÕES
1. O que pensa sobre o modelo de gestão da Atenção Básica do município?
2. Como é o clima organizacional?
3.A partir de suas outras experiências profissionais, em comparação com sua atuação e a dinâmica
organizacional, neste município, percebe diferenças? Quais?
4.Como você avalia o PSF nos últimos 20 anos? Avanços? Retrocessos? Desafios? ( para as que tiverem
mais de 20 ou 10 anos)
3° BLOCO: ATIVIDADES DO PROFISSIONAL SOBRE SEU COTIDIANO, PROBLEMAS DO
EXERCÍCIO DA PROFISSÃO (dores e delícias do serviço)
136

1.Você poderia descrever o seu processo de trabalho (enfermeiro) e quais atividades você considera que
marcam/caracterizam esse trabalho (atividades que somente o enfermeiro realiza)? Quais as facilidades e
dificuldades na realização dessas atividades, no tocante a interação com os outros profissionais?
2. Qual sua percepção sobre a repercussão do trabalho do enfermeiro, seja para os pacientes, seja
para os demais profissionais? Como você acha que os pacientes percebem seu trabalho? Como você acha
que os outros profissionais percebem seu trabalho?
3. Você acha que os pacientes conseguem diferenciar os profissionais da saúde na prestação do
cuidado? A partir de que elementos eles os conseguem diferenciar?
4. Qual profissional/categoria você acha que mantém mais relação/interação com os demais atores do
processo de cuidar (outros profissionais, familiares, acompanhantes, gestão, etc)?
5. Quais profissionais você mais interage para a execução do seu trabalho? Como se dá essa interação?
Qual mais influencia no seu trabalho e porquê? (investigar as relações de poder sem citar poder)
6. Quais suas principais dificuldades para a execução do seu trabalho? Que medos impedem você de
realizar seu trabalho ? o receio de entrar em conflito limita o seu trabalho ? o medo de represálias ou
retaliações pode interferir no seu trabalho? Se sente ou já se sentiu oprimido no trabalho?
7. Você consegue desempenhar suas atividades com autonomia?
8. Já passou pela situação de ver o coelga (enfemrio ou outro profisisonal) fazer algum procedimento
errado mas não conseguir falar ? Por que não conseguiu?
9. Acha que todos os profissionais detém o mesmo poder (conceito: capacidade de influenciar processos)?
Por que uns têm mais poder e outros menos? (descobrir quais capitais mais valiosos, explorar relações de
poder).
10. Acredita que por ser homem ou mulher isso interfira em suas interações com os outros profissionais?
(traga mais ou menos poder)
11. O que seria um enfermeiro politizado?
Para prosseguir, explorar a ideia de política do participante, discutir e informar qual a definição de
política e politização adotada no estudo.
12. Como você acha que a politização interfere no trabalho do enfermeiro? Dêexemplos?
13. Como você percebe as relações de poder no trabalho? Como e onde você se encontra nessas relações?
14. Você acha que o melhor entendimento sobre a dimensão política do cuidado, relações de poder,
capitais, pode ajudar no processo de trabalho do enfermeiro? Como?
Você sabe que existe uma dimensão política não porque vc ve, mas porque sente. vc sabe que existe pelos
seus efeitos: medo, vergonha, constrangimento, frustração, receio, sensação de ser impedido, de ser
calado, todos os sentimentos que limitam a liberdade de expressão dos enfermeiros
137

15. Quando as decisões da gestão estão em desacordo com o que vc pensa, e podem prejudicar os
pacientes ou os profissionais, como vc se sente? Como vc faz para tentar resolver?
4° BLOCO: FRUSTRAÇÕES, DESEJOS, SONHOS, EXPECTATIVAS DE FUTURO,
PERSPECTIVAS DE MUDANÇA.
Quanto às dificuldades de interação, que estratégias você utiliza para enfrentá-las?
Como a equipe enfrenta essas dificuldades na interação? (investigar relações de poder). Sobre essas
dificuldades, acredita que possam ser superadas ?
Como a instituição lida com esses problemas?
Quanto à sua vida profissional, quais suas perspectivas nos próximos 10 anos?
E na instituição, quais suas expectativas para os próximos 10 anos? Se deseja sair antes desse período,
explique o motivo.
APÊNDICE D – ROTEIRO DA OBSERVAÇÃO NÃO PARTICIPANTE

Cenário/Local: _____________________________________ Data: ___________________


Horário: de___________ até: ____________________
Participantes: _______________________________________________________________

Características das interações entre os


profissionais:__________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
Relações de poder estabelecidas/momentos críticos/conflitos:
_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
Capitais percebidos:
_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
138

ANEXO A – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA


139
140

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