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| MUITOA NITES NAVEGADOS = A tradigao de Camées na poesia colonial brasileira ©doautor 1 edigdo: 2001 Direitos reservados desta edicdo: Universidade Luterana do Brasil EDITORA DAULBRA Capa Juliano Dall’Agnol Preparagdo de texto e revisao final Roger Kessler Gomes grafico Isabel Kubaski Editoragao Roseli Menzen Impressao Grafica da ULBRA Filiada a: doLivro das Editoras Universitirias Moema Cavalcante é professora no Curso de Letras da Universidade Luterana do Brasil, onde traba- Iha na Pesquisa e no Pés-Graduacao. Mestre em Literaturas da Lingua Portuguesa pela UFRGS e Doutora em Literatura Comparada pela Universidade de Limoges, Franca. Como pesquisadora, dirige © grupo brasileiro de especialistas que trabalha no Dicionério Internacional de Termos Literarios (DIT), Dados Internacionais de Catalogagao na Publicado (CIP) P36 Por mares muito antes navegados. / Universidade Luterana do Brasil. = Ed, ULBRA, 2001, 1. Literatura brasileira - historia. 2. Lit - histéria. |. Universidade ease Literatura portuguesa DU 869.0(81)(091) CDD 869.909 Setor de Processay mento Técnico da Biblioteca Mart inho Lutero - ULBI 'SBNA5-85602.99.7 Impresso no BrasivPrinted in Brazil 3 O BARROCO BRASILEIRO E A LIRICA CAMONIANA E sob a estética do Barroco que comegam a surgir, no Brasil, as primeiras marcas do processo em que se configuraria uma nova e auténtica literatura. De modo paradoxal (o paradoxo € a principal figura de estilo no Barroco), é quando mais se observam as influéncias de Camées na poesia brasileira. Ou Porque ainda conservassem algumas normas do Classicismo, e a teoria da “imitacao nao tivesse sido de todo abandonada, ou por motivo de terem sido °s autores brasileiros educados na Europa e, por isso, buscassem 0 modelo Portugués para expressar-se 4 semelhanca da cultura do centro, em oposigao 55 tae oS a periferia a que pertenciam. O fato é que a poesia lirica e pica de Cams : lida, imitada e copiada, ou transformada e reescrita, iniciando uma das : fortes tradigdes no Brasil. E compreensivel que s6 no século XVII Camées passe a influencia, Literatura Brasileira, desde uma vez que as Rimas s6 foram Publicadas 1595. O poema épico escrito por José de Anchieta, a que nos Teferimos te capitulo anterior, tem influéncia direta dos classicos que precederam OVate portugués, como ja vimos. Prosopopéia, a obra de Bento Teixeira que inicia o Barroco no Brasil, ¢ conforme procuramos evidenciar, 0 primeiro exemplo da imitacao de Os Lusiadas no Brasil. As referéncias ao contexto compdem um minimo de diferenca em relacao ao estilo camoniano presente na obra, A simbologiz evocada. Depois dela, a lirica brasileira comecaria a surgir com Poetas nascidos no Brasil e preocupados em evidenciar as diferencas entre sey povo e o luso. Tal é 0 caso de Manuel Botelho de Oliveira e de Gregorio de Matos Guerra. Manuel Botelho de Oliveira é poeta quase esquecido pela critica brasilei- ta de modo geral, embora entendamos que sua poesia tem valor poético. Barroco no estilo e nos temas, escreveu poemas que refletem mais influénc:- as de Géngora e Quevedo que de Camées, a nao ser se considerados os sone- tos construidos em antiteses e paradoxos, os quais lembram as Rimas. O mes mo se pode dizer com relacio a algumas de suas redondilhas, porém os av tores espanhdis também empregaram o mesmo tipo de poema, com formas temas e figuras semelhantes aos de Camées. YY do Parnaso, publicado em 1705, contém poemas escritos em portugu- ole, alguns, em latim; duas comédias em espanhol. Denominaram-se & rn Versos Varios e Desoante Comicoas comédias que também compoem Rin _ Leia-se parte da “Introducao”, em que o préprio Botelho de Oliveira ° sara-se “oprimeiro filho do Brasil” a publicar em versos, bem comoas influéncias geseradas 20 Barroco espanhol: Mision (...) Ultimamente se transferiram para Espanha, aonde foi e é tao fe- cunda a cOpia dos poetas, que entre as demais nagdes do Mundo parece que aos espanhdis adotaram as musas por seus filhos, entre Os quais mereceu 0 culfo Géngora extravagante estimagao, e 0 vastissimo Lope aplauso universal...'5 Logo apés, escreve sobre a Literatura Portuguesa, denominando a obra deCamées com a perifrase “os celebrados poemas daquele lusitano Apolo”, concluin- dooparagrafo com: “(...) eoutros que nobiliaram a lingua portuguesa com a elegante consondncia de seus versos”. Observa-se, portanto, j4 uma visao de brasileiro, ou de quem sabe nao pertencer ao centro europeu, mas que, em pertencendo a periferia cultural (Brasil), quer assemelhar-se aos poetas “elegantes” do cen- tro,demonstrando a intencao deliberada de reescrevé-los. Portanto, esse olhar que vai do Brasil 4 Europa ja identifica o pensamento do escritor que se sabe diferente, porque ligado a terra americana. Leiam-se as palavras do autor sobre as “musas” e a poesia brasileira: “ met Manuel B. de. Musica do Pamaso. Rio de Janeiro: INL, 1953. A obra 6 rara; para esta | Consultamos antologias. * Te r , "Sto extraido de CANDIDO e CASTELLO. Presenga da Literatura Brasileira. S40 Paulo: Difel, 1984, p. 71. is I i t Nesta América, inculta habitagao antigamente de barbarog inl, malse podia esperar que as musas S€ fizessem brasileiras; Contig, quiseram também passarse a este empério, aonde a dogyrg 7 agucar € [a0 simpatica com @ suavidade do seu canto, acheran que imitando os poetas de Italia, e Espanta, c, muitos engenhos, aplicassem a to discreto entretenimento, para que Se Nao queiras se esta ultima parte do mundo que, assim como Apolo the comuni. ca os raios para os dias, Ihe negasse as luzes para 0s entendimen, tos. (...) para serao Menos 0. primeiro filho do Brasil, que faga piibj. ca a suavidade do metro, j& que ndo 0 sou em merecer outros maiores créditos na Poesia... e Manuel Botelho estao explicitas, por. As deliberadas influéncias d “inculta América”, buscard 0 tanto, na introdugao ao texto; como poeta da a reescritura dos poetas considerados superiores aos do Brasil (“de Italia e Espanha”). Segue de perto os mestres a quem cita, porém dispée do “engenho” como procedimento individual, que 0 levaréé criagdo e nao a simples cépia. Observe-se, a titulo de exemplo, 0 sonetoa seguir, escrito em espanhol, cujo estilo barroco nao seria desprestigio se atribuido a Gongora ou a Quevedo. “engenho” para fazer Que nao pode o Amor abrasar Anarda El diamante que en fondo luminoso Entre piedras de precios excelentes, Silas otras se ven Astros lucientes, Elbrilla de las otras Sol hermoso. 5 Op. cit., p. 72. a) Silaassiste el veneno riguroso, Vibra el diamante fuerzas tan vehementes, Que impide las ponzonas mas valientes, Que resiste al rigor mas venenoso. Asi pues la belleza esquiva, y pura De Anarda hermosa el mismo efeto aclama, Cuando ella Amor su llama apura. Pierde su fueza pues, y no la inflama, Siendo diamante, la belleza dura, Siendo veneno, la amorosa llama. Sabe-se que as manifestagdes barrocas empregavam figuras de pe- dras preciosas para a representacdo da mulher amada (a comparacaéo do “diamante” com a beleza da amada é comum a varios poemas de Géngora, por exemplo), assim como para a evocacdo da natureza e do brilho dos astros, na metafora sinestésica que faz lembrar a luminosidade da beleza de Anarda em “Sol hermoso”, “Astros lucientes” na primeira estrofe. Logo apés, 0 tema poético volta-se 4 comparacéo do amor com “veneno riguro- x’ tio comum em poemas dos estros espanhdis. Construido sob os senti- dos do conceptismo, o soneto lembra os de Quevedo e demais poetas euro- Peus. O ultimo terceto finaliza com a chave de ouro “Siendo veneno la ‘morosa llama”, que completa o silogismo proposto no primeiro verso, fm que 0s poetas conceptistas demonstravam a dor humana de serem atra- os para © amor carnal (veneno) que lhes despertava a beleza da mulher. Anio ser Por essa exaltagao (da amada), 0 soneto de Manuel Botelho nao bra diretamente os de Camées, mas os dos autores mais expressivos do °°0 de Espanha, portanto. Gérard Genette, ao analisar 0 universo simbélico do Barroco” a met&fora do “espelho” como conseqiiéncia da duplicidade (antitéticay a do poeta. Para ele, através do espelho é “alma barroca que se procura e se Projes i e desencadeia as varias antiteses e paradoxos em que o homem se Fecony () porque 0 “ efeito espelho” propde-se como um “reflexo e um duplo” em que as; gens sao revertidas e alteradas, como no mundo real, em que tudo é dup, a “reversivel”. Na ansia de compreendé-lo, impotente para tanto, o Poeta fi ve“ engenhosos” textos em que se alternam a “ realidade do mundo interior” €0“reqrs Em Miuisica do Parnaso, ha varios poemas construidos com essa simbologia que gira em torno do “espelho”. Leiam-se, por exemplo, as redondilhas: Anarda vendo-se no espelho De Anarda 0 rosto luzia No vidro que a retratava, E to belo se ostentava, Que animado parecia: Mas se os asseios do dia No rosto 0 quarto farol Vé seu lustroso arrebol; Alipondera meu gosto Ovidro espelho do rosto, Orosto espelho do sol. *” GENETTE, Gérard. Figures. Paris: Suil, 1966. 5 Idem, p. 9-21. *° CANDIDO e CASTELLO. Op. cit., p. 72. - Note-se que 0 espelho toma vida quando reflete a beleza da amada. Ea a de Anarda tao grande que se compara ao brilho do sol. No jogo da vel ym trabalhada, ha uma espécie de gradagdo vidro-espelho-dia-sol. bora em Camoes haja semelhantes metéforas para caracterizar a beleza da mulher, nada existe em Manuel Botelho que possa ser tomado como reescritura OU, muito menos, cépia do autor Portugués, nem dos escritores parrocos consultados. Na estrofe que a esta segue, a criatividade do poeta prasileiro expressa as figuras do Barroco - espelho/duplicidade - em sentidos completamente novos: Botelho repete palavras e substitui-as por sinonimos, de tal maneira que toda a estrofe exalta a mulher amada, que, no seu dizer, possui “duplicada a gentileza” ao olhar-se no espelho: Eda piedade grandeza Nesse espelho ver-se Anarda, Pois ufano o espelho guarda duplicada a gentileza: Considera-se fineza, Dobrando as belezas suas, Pois contra as tristezas cruas Dos amorosos enleios Me repete dous recreios, Me oferece Anarda duas. Masé na silva A Ilha da Maré - Termo desta Cidade da Bahia, que Manuel Botelho ” sido apontado como precursor do nativismo brasileiro pela exaltagao da “ma. Sem diivida, af é brasileiro pela tematica, pelo modo orgulhoso de des- “Idem, 0S attos séo nossos, para destacar as palavras com significado relativo & duplicidade. a crever as riquezas do pais, porém os versos nao ttmo Mesmo 7 . - ae vi que os poemas Iiricos acima exemplificados. Historiadores r al 01 lor lit a ; 7 i essa a parte menos significativa de sua obra. Veja-se, por exem i an “op ‘Ore Progress, ~ de Alfredo Bosi: “O critério nativista privilegiou esses versos (que now . ridiculo) vendo os encémios aos meloes e pitombas um traco para afirmar 9 Faro a) consciéncia literdria”®'. Ch Se considerarmos, porém, que Botelho da continuidade a0 p tema da prosa descritiva do Quinhentismo - Terra - no século do 5, entenderemos que os textos fundam sentidos pelo simples fato de tm rem as diferencas pelo contexto americano a que se referem, nao Pre assim ser confundidos com a literatura ibérica. Nos textos, leremos Ova poético maior do poema, qual seja o de iniciar 0 processo (ou melhor : prenuncid-lo). Reconhece-se que tém novos sentidos, ja brasileiros que so, agora, diferentes, contendo aspectos da nacionalidade do Br identitarios. Os textos fundam sentidos. Iniciam uma tradic&o a que sex riam os pésteros. Neles, interpreta-se a mesma tradicao, o mesmo ufer: mo que se lerao nos poemas romanticos do século XIX, posterior ao Para o leitor conferir, transcreveremos algumas estrofes de Silw# da Maré. Observe-se que © sentido de exaltagao A terra jé é bem dives daquele escrito pelos estrangeiros que a descreviam: Jaz em obliqua forma, e prolongada Aterra da Maré toda cercada De Netuno, que tendo 0 amor constante, 1, p47 * BOSI, Alfredo. Histéria Concisa da Literatura Brasileira. S40 Paulo: Cultrix, 199 2 I~ _— Lhe dé muitos abragos por amante E botando-lhe os bragos dentro dela Apretende gozar, por ser mui bela. Nesta assisténcia tanto a senhoreia, E tanto a galanteia, Que, do mar, de Maré tem o apelido, Como quem preza 0 amor de seu querido...” Apesar de as caracteristicas do estilo barroco estarem presentes no poe- ma,a elas sobrepde-se 0 contetido, na evocagao ao contexto através de uma simbologia que nao pode ser tomada como de menor valor. Nos versos aci- ma,a personificagao da maré brasileira como a mulher que recebe Netuno (alusao mitol6gica barroca) da um sentido novo, sensual aos versos, que for- maria uma das mais fortes tradicGes na Literatura Brasileira. A mescla de rags deu origem ao novo carater do brasileiro, diferente do branco europeu, que é mais sensual. Nos versos de Botelho de Oliveira, a terra como simbolo da mulher amada é que recebe o homem (personificado pelo mito da cultura dissica ocidental) para fecunda-la, para dar-lhe a nova vida, para dela “assenhorear-se”. No jogo amoroso, em que a “pretende gozar, por ser mui bela (...), etanto a galanteia” o poeta descreve essa fusao de culturas, evocando a beleza das terras brasileiras e a superioridade do branco que as conquistou. A anilise semiol6gica da-nos a leitura das cores e do sabor, em metaforas Sinestésicas que lembram a exuberancia da terra pelos frutos que ela produz: ® a CASTELLO, José A. Manifestagées Literdrias do Periodo Colonial. S40 Paulo: Cultrix, 1981, p. De varias cores so os cajus belos, Uns sao vermelhos, outros amarelos, Ecomo varios sao nas varias cores, Também se mostram varios no sabores; Ecriama castanha, Que é melhor, que a de Franga, Italia, Espanha. O nativismo nascente da origem a marca da brasilidade. A terra ene cores, fértil em alimentacdo - ha muitos frutos, diferentes, mais saborose. comparagdo com os paises europeus demonstra a superioridade do Brasi) ce se que essa 6 uma nova maneira de olhar para as coisas da terra, a Visio g “primeiro brasileiro” a falar de nés para nds mesmos). O signos que remeten ao contexto geografico apontam para a nova cenografia e contém ja indices & outra ideologia, por diferente modo de pensar (a si e a terra). A reescritura de Camées deixa a marca na estrofe que segue: Esta Ilha da Maré, ou de alegria, Que é termo da Bahia, Tem quase tudo quanto o Brasil todo, Que de todo o Brasil 6 breve apodo; Ese algum tempo Citeréia a achara, Por esta sua Chipre desprezara, Porém tem com Maria verdadeira Outra Vénus melhor por padroeira.™ ® Apud CASTELLO. Op. cit., p. 74. “ CASTELLO. Op. cit., p. 74. aingluencia camoniana em A Ilha da Maré remete a Os Lusfadas - Ilha dos 3-10 ym que Camées narra 0 retorno dos portugueses a patria, quando : abranda a viagem e dé Ihes como prémio aportar na ilha onde sao venus abimigos de suas fadigas com o amor das ninfas. E, se pensarmos na oe a vga empregada através de alusées mitolégicas e o sensualismo dos e108 2 andlise jntertextual do poemeto de Botelho ndo traz muitas diferen- seem relacaO aquele; antes, confirma a tradigao de Camées como uma das mais fortes constantes no processo de formacdo da identidade nacional. O so dos versos decassilabos remete 4 maior epopéia lusa; a forma guarda, tant essas analogias. Porém, como se pode ver nas estrofes acima trans- Pgs overso é de medida mais livre, a rima é emparelhada, o tema, diferen- whi aspectos formais configuram a reescritura da epopéia, impedindo a atic de chamé-los imitativos dos de Camées. Ainfluéncia de Manuel Botelho de Oliveira inicia-se logo apés em poe- tas menores. Tal € 0 caso de Frei Manuel de Santa Maria Itaparica, autor de Euslaquidos, poema sacro e tragicémico, de “ inspiragio e assunto religioso”, segun- doJosé Aderaldo de Castello®, a que 0 escritor juntou Descrigfo da Ilha de Itaparica, Termo da Cidade da Bahia, Esse tiltimo assemelha-se a Silva a Ilha de Maré de Botelho de Oliveira, “embora literariamente inferior”®*. Deduz-se pela influéncia camoniana No texto, conforme acima procuramos explicitar na breve leitura do poema que lhe serviu de modelo. Cabe destacar, além das atividades literarias individuais acima, as in- Peat “caste LO. Op. cit, p. 75. "1g em. As ve ma pa entias, até mesmo em antologias do Barroco no Brasil, s80 minimas, ¢ nao encontramos @ confirmar 0 que afirmam os criticos. 65 . am Ty fluéncia da Literatura Portuguesa e de cane nas academias, Comy . festacdes importantes da vida cultural do Brasil-Colonia, A fundagg” = sas academias iniciou-se no Seiscentismo, sob as vistas do Barrocg : es, peu, e teve continuidade no século XVIII, a serrielhanga do que Ut, em Portugal, Espanha e Italia. Se o movimento academicista foi o do Brasil-Colénia prendeu-se ao da metrépole, quase como si em que os académicos imitavam 0 comportamento do grand ey UNdiay eu ry, exo = © centry .” conhecimentos. Examinando-se algumas dessas producées lit erdriag serva-se a influéncia direta de Camées, quando nao sua sim: plagio, 0 que confirma a opiniao de J. Aderaldo de Castello faz-se em dependéncia do movimento academicista portugues, (...) como um idea, 1 deculy, dos ‘doutos portugueses americanos’””. Seriam os “doutos portugueses americanos” : Ponsaveis por esses nticleos de saber que, ao mesmo tempo, centraliz,. vam e irradiavam conhecimentos, bem como pelo movime. nto arcade , pela difusdo de suas idéias (e das influéncias portuguesas), conforme ve remos apés. Ob. Ples cg, oops We isso + : No Brasil, as academias foram histéricas, literarias e cientificas; Pos. sufam ideais moralistas e religiosos e profund. Producées académicas. No mais das vezes, r datas histéricas, © sentido encomiastico nas euniam-se para comemorar lomenagem a santos, ou em datas em louvor a reise Principes. Algumas mosas, entre nés, foram: a Academia ®rasili mia dos Felizes, a Academia Brasilic. demia Cientifica do Rio de Janeiro, ro, Academia dos Seletos, elas pertenceram os mais em atos ou sess6es em hi de festejos populares, das mais fa. ica dos Esquecidos, a Acade ‘a dos Académicos Renascidos, a Ac a Sociedade Literaria do Rio de Janei- em homenagem a Gomes Freire de Andrade. 4 expressivos nomes do Seiscentismo literario, ta’ como Bento Teixeira, Ambrésio Fernandes Brando, Frei Vicente do Salve PP auel Botelho de Oliveira, 0 Pe. Anténio Vieira e Gregério de Matos dos vats de cuja obra trataremos a seguir. ue nasa titulo de exemplo de obra dos académicos, leiam-se os versos uel Tavares de Sequeira e S4, Prefagio - Adorando de Longe os Vestigios do Poeta a cuja leitura abriu ato académico solene em louvor ao general Go- freire de Andrade, da Academia dos Seletos. eS As armas, € 0 BrasGes santificados, Que da Cereal Provincia Transtagana, Passaram, pelos mares empolados, Ailustrar a Regiao Americana: Merecendo fiéis Régios agrados No governo, por graga Soberana, Moderando as Brasilicas Comarcas, No Reinado feliz dos dois Monarcas. Nao é preciso conhecer muito Os Lusiadas para se identificar a imita- gio, que vai do ritmo a estrofagdo, das palavras semelhantes em rimas, apenas alteradas para outras de idéntico som; é certo que o tema é brasi- leito, a regiao, americana; porém, saudados os nela “régios poderes”, 0 que nao dé novos sentidos a cépia de Camées. Assim procederam muitos na colénia. , GASTELLO, Op. cit, p. 97 a 130, Exaustivo artigo sobre as academias no Brasil. 8 Nem, p. 117, 7 Iwo GREGORIO DE MATOS E AS INFLUENCIAS LiRicas Gregério de Matos Guerra é o primeiro poeta brasileiro a Teescreve, Camées e a criar, na satira e na parédia, os sentidos (outros) da identidade nacional na Literatura Brasileira®. A andlise intertextual revela, em seus Poe. mas, um conjunto de semelhangas, e de diferengas, pelas quais se faz a Tup. tura do modelo portugués. Entre a imitagao e a reécriture, a poesia lirica tende a copia, e a satira transgride o modelo herdado. Na satira, os textos fundam sentidos, porque os signos remetem a uma nova realidade politica, Social, religiosa. Dao origem ao imaginario brasileiro, quando o tecido verbal repre. senta outras imagens, incorporando um “nds” coletivo, o qual tem outra maneira de ver-se a si proprio e de contar a Nagao brasileira. Assim, 0 discurso de Gregério de Matos situa-se num ponto de interseccao entre a influéncia direta de CamGes, pela imitacdo e colagem de textos, e a transformacao desses versos, pela leitura criativa que neles ocorre. Entre o discurso do “mesmo” e o discurso do “outro”, o poeta brasileiro reescreve a lirica camoniana a sua maneira, com novo modo de ver a realida- de, com outra consciéncia, pelos modos de contestar o sistema estabelecido no Brasil colonial. Nas relag6es intertextuais, lé-se o conjunto de diferengas como descentramento, ruptura, subversao. ® Neste subcapitulo, resumimos algumas das principais idéias desenvolvidas em tese de doutorado das Conclusdes apresentadas @ Universidade de Limoges, na Franga, em 4/4/1998, apenas no que s? referem a relagao Camées-Gregério de Matos, desde uma vez ue, na referida pesquisa, trabalhamos com um corpus bem mais amplo. Aqui selecionamos os textos mais conhecidos de Camées nos cursos Letras do Brasil e repetimos a andlise intertextual desses pré-textos em relagao a reécritures enco™ tradas na obra do poeta brasileiro. Para maiores informagdes, consulte-se- CAVALCANTE, Moema. Pre Emergence de la Littérature Brésilienne en Rapport a le Portugal et I'Espagne: la ‘Guerre’ de Grego"? de Matos. Université de Limoges. © texto, 4 disposi¢ao na biblioteca dos cursos de doutorado 4 ULBRA, em Canoas, serd pulicado na Franga pela Universidade de Limoges. 68 de plagio de Camées e dos poetas do Barroco espanhol, Gre- acusado funda sentidos pelo humor irreverente com que reconta a fi de ae carnavalizando os modelos recebidos do centro europeu. E eo as vezes absurda (folie) advém da ideologia contra 0 ido na colénia, contra as classes sociais mais altas, princi- o governo portugués e as autoridades maiores do clero no Brasil, a contra a submissdo do povo brasileiro. Pela critica irreverente e ee ea todos, recebeu de seus contemporaneos 0 apelido: “Boca ne storia 40 gq descentta mas (a mordas : do Inferno - Na dupla leitura, interpreta-se a ideologia de recusa aos valores es- trangeiros como consciéncia de ser brasileiro. O enunciador do discur- so volta-se contra O Sistema de dentro dele mesmo, rompendo-o pela insergao de novos elementos, oriundos dos cédigos das culturas que deram origem 4 mesticagem brasileira, ou escreve o discurso que se in- surge contra o “eurocentrismo” dominante, pela nova maneira de pen- aro pais, no diverso modo de “olhar” - que vai da periferia para o cen- to -, e produz a “deglutigao” dos modelos ibéricos. Indecisa entre a valorizagao do “aqui” ou do “4”, a palavra constréi sua propria légica do discurso, como num espelho que, ao mesmo tempo, reflete e distorce asimagens recebidas. _Na poesia lirica, predominam, portanto, as analogias A obra de Ca- ge por que Gregério de Matos Guerra tem sido acusado de inertextuaie ae tese de doutordo) argumentamos sobre os aspectos ainda oe lirica Bregoriana, eee no conceito de imitacao °% outro Poems, os, no Seiscentismo. Se a andlise textual revela, em um Butas, og ‘Opia de versos 6 ames, exPresstes < simbolos, temas e podem ser classificados como empréstimos e (ou) refe- 67 oe y réncias explicitas, em muitos outros ha leitura/escritura, pela “infidetg las de” criativa do poeta baiano. Tomemos, como exemplo, alguns dos mais famosos poemas de Cams, es, m alguns dos seus principais temas, anteriormente citados nesta pe egorio de Matos Guerra. Neles i “Varquitexto”) do Barroco europe, que té quisa, os quais foram reescritos por Gr predominancia das normas estilisticas ( através das quais os poetas recorriam aos pari acentuando-os e transformando-os em noyy adoxos e antiteses, aos concej. tos e silogismos do génio luso, estilo. Dos “hipertextos” portugueses, formaram-se inimeros “hipotextoy na Literatura Colonial do Brasil. Na poesia lirica de Gregério de Matos, hg muitos “hipotextos” criados, na maior parte das vezes, por colagem past. che, enquanto outros contém satira € parédia. Leiam-se as redondilhas de Camées, em que © sentido demonstra a visao do homem seduzido pela beleza fisica, sentimento colhido no conta. to direto do poeta com as “raparigas” do povo. Mote Descalga vai pera fonte Lianor pela verdura Vai fermosa, € Nao segura. Leva na cabe¢a 0 pote O testo nas maos de prata Cinta de fina escarlata. () Descobre a touca a garganta Cabelos de ouro entrangado Fita de cor de encarnado, 70 4 ‘ c a Tao linda que 0 mundo espanta Chove nela graga tanta, Que dé graga a fermosura...° Veja-se @ reescritura de Gregério de Matos, que difere do modelo: () Dentro da fonte achei Brites, que ali se foi a banhar, por dar que entender aos olhos um cristal noutro cristal.”" Observe-se que Gregorio surpreende a amada dentro da agua, enquan- toCamées a descreve indo banhar-se (ainda vestida, é ldgico), 0 que eviden- ao tratamento mais sensual da linha temitica pelo escritor brasileiro. O tema da exaltacao da amada, que Gregorio atualiza no poema, é constante na literatura em geral. Pelo tratamento dado, associando a beleza de “Brites” ao rio e A natureza, nado pode ser tomado como imitacdo - antes, chamemos influéncia - ow reescritura original. O mesmo pode ser dito para o uso de metéforas como “cristal”, caracteristicas do periodo literario. Destacam-se em valor os sonetos amorosos de Camées, os quais contém alégica do racionalismo, em que o “eu” tende a conter-se nos limites do equilfbrio e da harmonia. Nesse discurso inovador, o motivo da preocupacgao 'emporal d4 continuidade a tradicdo classica € organiza uma nova produgao ee cay , (OES, Luis Vaz de, Lirica. So Paulo: Cultrix, 1984, p. 20, 21 "ATOS, Gregério de. Op. cit, p. 704. original e criativa, que, 20 dinamizar a lingua Pelas p, éa reécriture que S€ produz no cruzamentg os Se tidos e marcando a individuatidag, Pup, le tos, renovando sen ; tex! A atitude diante do mundo e da = s eSsig, i sico na lirica de Camé6es. Tal conceit, . H culo posterior ao seu. © Sen, textual, agora pressoes simbélicas, (antigos) : normas gerais da sua €poca- humana do amor € conceito ba! herdado pelos poetas barrocos no sé Gregorio de Matos Guerra faz a releitura dos sonetos de on camonianos empregando a J da” de erotismo, de sensuali ido, busca da beleza, causa sexo e prazer carnal. A intenci ma o gosto de homenagear © poeta luso, sem duvida. A brincadeira t parédia, acrescentando-lhes sempre q+. dade. O amor deixa de ser sentiment a do sofrer, para traduzir sentido humang « ional presenga do soneto camoniano oe riso, quando o discurso revira os sentidos do poema lirico, traduzem y, temperamento individual “gozador”, proveniente de carnavalesca perce, cao de tudo. Lembrem-se, por exemplo, os versos de Cam6Ges, verdadeiras obr: primas da cultura universal: Amor é fogo que arde sem se ver; E ferida que déie nao se sente; Eumcontentamento descontente E dor que desatina sem doer; Eum nao querer mais que bem querer; E Solitério andar por entre a gente; Enunca contentar-se de contente; E cuidar que se ganha em se perder; 72 E querer estar preso por vontade; E servira quem vence, o vencedor; E tercom quem nos mata lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos coragées humanos amizade, Se to contrario a si é o mesmo amor?” Aconcepgao paradoxal do amor vem escrita nas antiteses, metdforas e invers6es, Com as quais se configura um jogo elegante e sonoro de lingua- gem, enquanto 0 poema desenvolve o silogismo para explicar o sentido uni- versal, contraditério do amor. Diante do sentimento, o homem torna-se frd- gil, a linguagem é insuficiente, a palavra, ildgica e sem razao. Ao expressar 0 “eu” universal, CamGes joga com escrita/escritura, fazendo dessa tiltima o mais puro “estranhamento” e novidade, ainda que pudesse estar inspirado nos modelos classicos. Géngora e Quevedo, no século seguinte, iriam dar continuidade a linha tematica que busca definir o amor, através de antiteses e paradoxos, com o sentido da fugacidade/efemeridade do mundo, um dos motivos mais encon- trados em Camoes. O significado desse petrarquismo, acentuado pelo “espi- Tito” barroco, que se traduz no uso da linguagem das antiteses e paradoxos, éinvariante do proprio canon, uma das linhas-mestras do periodo literdrio, segundo a maior parte da critica do periodo. Agora, observe-se 0 conceito de amor na definicdo - Parodistica - de Gregorio de Matos Guerra. Transcrevem-se apenas alguns dos versos ou ex- a CAMOES, Luis Vaz de. Op. cit., p. 123. iS pressdes retirados do longo poema, composigao de 215 versos: () que o amor é fogo, e bem era () cujo céu sdo esperangas cujo inferno sdo auséncias () Isto 6 Amor? é um como... () endoudece a triste freira. Muitos paradoxos remetem ao texto de Camées: Uma prisao toda livre uma liberdade presa (.) Uma esperanca sem posse, uma posse que nao chega, desejo, que nao se acaba, nsia, que sempre comega. (.) uma chaga que deleita...’° Ao lado da reescritura pela parédia, a referéncia A mesticagem lembrt Brasil, quando o poeta diz quem se ama: “o Moco com sua Moga” e “o Negrocomst 78 MATOS, Gregorio de. Op. cit., p. 916. > as. O PO , a qual resume o oe: Gregorio, promovend: ; sis ge amor para Gres PI lo total desconstrugao do soneto once ie de ouro) de Camées. av at e ema conclui-se com a sintese da definigao, O Amor é finalmente um embarago de pernas, uma unio de barrigas, um breve tremor de artérias. Uma confusao de bocas uma batalha de veias, um rebuligo de ancas, quem diz outra coisa, é besta.”® Note-se que a tltima estrofe do soneto camoniano lembrara a final oposi- godoamor “nos coragées humanos amizade” e ser “contririoa si” “o Amor”, enquantoa parodia define-o pelo ato sexual, erotismo puro e simples, que o descreve por partes do corpo e acdes erdticas. Sem 0 ideal sentido do poema de Camoes, nem mesmo a sua beleza, Greg6rio re-escreve-o, contraria-o, inverte-o, faz 0 trvestissement da escritura na “folia” de um sentido carnavalesco de amor. O mesmo pode-se dizer para relagao homem-mundo e a configuracao dialética da realidade, que se da através de doloroso sentido das “mudancas” das coisas do mundo, presentes em muitos textos da lirica de Camées. O Barroco ibérico de modo geral herdou e, como época de crise, conservou sentimentos, em divida ao mestre luso, mas acentuou-os em especial leitura. * carne MATOS, Gregorio de. Op. cit., p. 915. MA TOS, Gregério de, Op. cit, p. 919. ie Em partic Quevedo traz em sia ular, destaque-se que a 16 forte presensa de Camées nesse sentido. Po Mudam-se OS tempos, mudam-se as vontades, uda-se a confianga, Muda-se 0 set, ™ Todo o mundo écomposto de mudanga, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vernos novidades, Diferentes em tudo da esperanga: Do mal ficam as maégoas na lembranga, Edo bem, sealgum houve, as saudades. Otempo cobre 0 chao de verde manto, Que jé encoberto foide neve fria, Eemmim converte em choro 0 doce canto. E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudanga faz de mor espanto, Que nao se muda ja como soia.”° cing osteo resultante 2 “estranhamento” da linguagem comur i ae n° oe junto com “as mudangas” do mundo, of* nei eo 7 oa fragilidade de todas as coisas. Tudo é transitén ve eewone vues dines oser aan é fragil, efémero, precari Camie ania a “ TO aes humano diante dessa precéria lo espirito paradoxal do Barroco para com Caméest © CAMOES, Luis Vaz de. Op. cit,, p. 118. ) encontram-se muitos textos com o presente sentido geral, inclusi- pear ueved® Assim também na lirica de Gregério de Matos. Ha um sone- yeem mete ao de Camées, fazendo a reescritura nos dois Ultimos tercetos, rel . * “ 4 roque 5 demais estrofes diferentes, cujo estilo é bem menos elegante. a’ endo Seis horas enche e outras tantas vaza Amaré pelas margens do Oceano, E nao larga a tarefa um ponto no ano Depois que 0 mar rodeia, o sol abrasa Estabelecido o tema no primeiro quarteto - as marés e 0 influxo do mar ja se pode deduzir o silogismo, o qual se estabelece através de metdaforas que lembram a natureza e as “mudancas” do mundo. As figuras nao inovam sentidos, sao de linguagem simples e, por vezes, de mau gosto, como a personificacao a dizer que: “a lua (...) engole o mar (...) por um secreto cano” e “o mar vomit”. Como em muitos poemas liricos, falta inspiracdo, e Gregério nao consegue criar figuras que ultrapassem as dos seus modelos. Nos tercetos, ° poema remete diretamente ao texto de Camées. Interessa notar que o estilo melhora muito em termos de criatividade e lirismo: Muda-se o tempo, e suas temperangas. Até 0 céu se muda, a terra, os mares, E tudo esta sujeito a mil mudancas S6 eu, que todo o fim de meus pesares Eram de algum minguante as esperangas, Nunca o minguante vi de meus azares.”” noe =————— Maro, Gregérig de. Op. cit., P. 768. 7 Ee ret oO a - Apenas o primeiro verso remete ao soneto de Camées, como se Pod, C ley, num procedimento comum em Gregério de Matos. Porém, 0 seu CStilo j escrevesse melhores figuras, com maior “eng indi. enho" Na metafora da Ultima estroge ho", que lembra a lua da segunda es nto (4 e ‘ le ” es. perangas”) e & antitese empregada a seguir (‘azares” = desesperangas) 1. vidual cresce, como se quando alimentado pelo grande mestre. strofe (“minguante”) associada a um sentime, fragilidade humana diante das “mudangas” do mundo. O passar do ici instabilidade da natureza inteira fazem as coisas todas passageiras e do mun, do o lugar onde prevalece 0 azar ea desesperanga. A reescritura transforma os versos de Camées, de que se nutre, conservando 0 tema e alterando pala. Em Gongora e Quevedo, encontram-se intmeras com. vras, versos € figuras posigdes associando o passar do tempo a 4gua e ao mar. O Barroco traz bem nitido o sentimento de “desconcerto do mundo", posto em antiteses e paradoxos. Heranga de Camées, uma das dividas de Quevedo tre da poesia portuguesa. Os silogismos do poeta espanhol remetem provoca a ao me: ao tema, tratando-o de maneira diferenciada, de tal modo que desconstrug’o do texto original, sem que se possa falar de imitagao e cépia, mas com visfvel referéncia intertextual. Em Camées, esté escrito: Ao Desconcerto do Mundo Os bons vi sempre passar No mundo graves tormentos, E para mais me espantar, Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos. Cuidando alcangar assim O bem tao mal ordenado, Fui mau, mas fui castigado. Assim que, S6 para mim Anda 0 mundo concertado.”® Em Gregorio de Matos, ha um soneto que emprega a imitagao, através de outra forma, remetendo ao famoso poema de Camées. O poeta, desiludi- docom a realidade, escreve: Carregado de mim ando no mundo, Eogrande peso embarga-me as passadas Que como ando por vias desusadas, Fago 0 peso crescer, e vou-me ao fundo. Oremédio sera seguir 0 imundo Caminho, onde dos mais vejo as pisadas, Que as bestas andam juntas mais ornadas, Do que anda s6 0 engenho mais profundo. Nao é facil viver entre os insanos, Erra, quem presumir, que sabe tudo, Se o atalho néo soube dos seus danos. O prudente varao ha de ser mudo, Que é melhor neste mundo 0 mar de enganos Ser louco c’os demais, que ser sisudo.”” a ES, Luis Vaz de. Op. cit., p. 90. ATO 8, Gregério de. Op. cit., p. 347. ‘N Um pouco diferente do poema de Camées, nele Gregérig i : ji a intertextual em texto mals longo (soneto), com palavras diferente, "i, i ixa ‘Vich 1 a do-o aos seus problemas no contexto baiano. Deixa visiye] a “Plan, j ii Mtengs é n imitar a fonte, sem qualquer pejo. Esse € procedimento COmuM agg =e do periodo e pode ser lido em intimeras composicées de Varios Pret a Poe partir da idéia ‘central, promove a reelaboragao. 4 Feita a comparacao entre os dois textos, observa-se que o de Can, mais lirico e tem sentidos mais universalizados que o de Gregério de i que é mais pessoal e menos lirico, pois motivado pelo seu édio aos Mes Bahia, que se escreve em figuras como: “imundo caminho’, “bestas andam uti, ornadas” e revelam o temperamento satirico e revoltado do escrito, Hou apropriagao, quando Gregorio emprega o mesmo tema e alguns versos gua mas reelabora 0 texto (usa o intertexto), dando-lhe outras figuras © Novo sentido, adaptado ao novo contexto e ao seu préprio modo de Pensar a rea. lidade brasileira. Uma das razées dos desacertos do mundo é que o préprio poeta niox encontra consigo mesmo. Como ser humano, animal “da terra”, precétioe imperfeito como os demais, cujos desencontros cabem-lhe “anunciat’, vit as culpas humanas e canta o universal pecado de ser no mundo (humano} Na lirica de Quevedo, existe a divida do poeta espanhol 4 literatura port: guesa, em referéncias a “Carregado de mim ando no mundo” ou, por’ exemplo,et toe . a 8 Comigo me desavim™, que remetem a Camées e a literatura popular, come ee tae s insula ee a *Cantiga” foi escrita por S4 de Miranda e reescrita por muitos poetas 08 Pen a MIRAN Ane desavim, [Sou posto todo em perigo:|Ndo posso viver comigo/Nem Passo cu NDA. Sa de. In: MOISES, Massaud. A Literatura Portuguesa Através dos Textos. S40 1978, p. 101. 4 60 I —f sutras dividas, em diversas alusées explicitas ou implicitas. Jé em Gregorio Matos, hd muitos poemas que explicitam 0 “desacerto” consigo mesmo Boca do Inferno”, cuja pena fere ao outro, pois que busca um mundo is perfeito, ou na busca de entender a si e aos demais. O que se quer comprovar, através da andlise, é que, no século XVIL, 0 do da intertextualidade detém intmeras formas, em que © “hipotexto” aliza através de parafrase, traducéo, copia, apropriacdo clara ou suben- \dida, influéncias e imitagdes, ou pastiches, recriagdes, parédias, releituras. normas prescritas da retrica ainda eram empregadas, e ao escritor cabia os “antigos” e alterar (ou nao) os sentidos primeiros de acordo com a satividade de que dispunha no ato da criagdo (ou nao). A leitura da obra de grande mestre barroco, tal como a de Quevedo, bem o atesta. Logo, regorio de Matos seguia, como os seus modelos, uma concepgao de litera- 1a de sua época. A especificidade dos textos gregorianos, divididos entre a adigao conservada e a novidade americana, reside na leitura especial do undo novo, que registrou, pela primeira vez, na Literatura Brasileira. As afirmagées acima levam a concluir que a lirica gregoriana, com mui- s referéncias explicitas a Camées, tinha criatividade, aliada a imitacéo bus- da, como ideal poético, movido pelo conhecimento da obra de um dos aiores poetas de seu tempo na literatura ocidental, Camées. Outros exem- los podem ser tomados, a titulo de argumentos a favor dessa idéia. O sentido draméatico da condigao humana e da transitoriedade, ao ldo do escoar de um tempo irrecusdvel, a presenca da morte e quest6es tanscendentais, estao na reescritura de versos famosos, tais como os da edondilha camoniana Sébolos Rios, bem como em refer tais como Alma minha gentil, que te partiste, éncias que remetem Vari 0s outros sonetos amorosos, 81 ik ou a concepgao mesma de amor, do ideal de amada, da saudade, i a vida e da Beleza. imei i -escreve Gregorio de Matos, Do primeiro texto referido, re-esc 8 a eM sone, que guarda a beleza do original e semelhanga tematica, Mas com a “infidgy jativa” imei remete a Cam6 ae dade criativa” de que se trata. O primeiro ee i es, ea Prime ra estrofe inteira estabelece © tema lirico e motivo diversos. Em Babel e Sido (Sdbolos rios), Camoes representa a eterna busca do ser hu mano de ascender ao Divino, a saudade de todo Bem, que lembra o plang das esséncias de Platao, através do emprego intertextual do motivo, como ”, “Sitio, 0 tempo passady’ referéncia biblica®': em Camées, “Babilénia” é 0 “presente”, no exilio, caminhada eterna na terra, hd saudade de um passado ausente-9 Bem -, cuja lembranga se chora, e o tempo - 0 presente - trouxe as “mudangas dos anos” e, com elas, o sofrimento, “enganos (...) as esperancas”. O poema, compos. to em redondilhas, tem como primeira estofe: Sébolos rios, que vao Por Babilnia, me achei, Onde sentado chorei As lembrangas de Siao E quanto nela passei. Eis a primeira estrofe do soneto de Gregério de Matos, que recorre 40 ®: Ambos os poemas fazem, intertextualmente, a referéncia ao di $0 biblico, o canto do ex i iscursi Salmos, 137, de Davi: Yunto dos rios de Babilénia, ali nos assentamos e choramos, 4 ; il6nia, ali ssental lado, &* 108 ® CAMOES, Luis Vaz de. Op. cit., p. 75 82.

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