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U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D O E S TA D O D O R I O D E

JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CCH
LICENCIATURA EM HISTÓRIA

Monografia

VOLTA REDONDA À SOMBRA DA USINA: uma cidade criada em função de


uma empresa estatal – 1941/1993
Aluno(a): Anderson Couto
Matrícula:11116090097
Polo: Piraí

Rio de Janeiro
2016
1

VOLTA REDONDA À SOMBRA DA USINA: uma cidade criada em função de uma


empresa estatal – 1941/1993

Anderson Couto

Monografia submetida ao corpo docente da Escola


de História da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro – UNIRIO, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Licenciado em
História, sob orientação do Prof. Dr. Flavio
Limoncic.

Rio de Janeiro
2016
2

VOLTA REDONDA À SOMBRA DA USINA: uma cidade criada em função de uma


empresa estatal – 1941/1993

Anderson Couto

Aprovado por:

Prof. Dr. Flavio Limoncic – UNIRIO – Orientador

Profª. Drª. Angélica do Carmo Coitinho – UNIRIO – Co-avaliadora

Rio de Janeiro
2016
3

Dedico este trabalho à minha família com amor e gratidão pelo apoio e pela compreensão.
4

Registro aqui os devidos agradecimentos a todos que compreenderam


o meu sonho e projeto de ser educador e que não mediram esforços em
incentivar e colaborar com meus estudos. Em especial ao meu
orientador, Prof. Dr. Flavio Limoncic, pela generosidade, e aos
professores Antar Fontoura, Waldyr Leonel, Edgard Bedê e Carlos
Henrique Magalhães Costa, pelo carinho, incentivo e pelas longas
conversas e, ainda, por compartilharem da minha paixão pela História
dessa terra, lugar de sonhos, de lutas e de trabalho.
5

CANTO III – DAS GENTES

Reisado, congado e maxixe,


Samba do bom e xaxado,
Bumba-meu-boi e baião,
Balanços de corpos trocados…

Mulatos, cafuzos, morenos,


Louros e negros retintos,
Orgia de cores, instintos,
Na mesma tarefa irmanados…
Do pai-de-santo à beata
Do candomblé à capela,
Da assembléia à tendinha,
Ao mesmo cadinho jogaram
Vãs esperanças e amores,
Recalques, sonhos e dores.
E sorte nova buscaram…

Enquanto o Eldorado não vinha,


Da usina de aço crescendo,
Saudades de ontem: dorzinha.
Vivia-se aos poucos morrendo…
Até que o dia chegou
Fé e fornalha aquecidas
Correu o aço na Terra
do Eldorado das vidas…

(BEDÊ, Waldyr Amaral. Ode aos Cíclopes. 1980)


6

Uma cidade que se transforma

Volta Redonda, dentre os municípios do interior do Estado do Rio de Janeiro, talvez


seja o que possui a história mais peculiar. Enquanto as demais cidades, no geral, se originaram
de antigas fazendas cafeicultoras ou de pecuária, a “Cidade do Aço”, mesmo tendo
compartilhado essa origem comum antes de se emancipar de Barra Mansa, sofreu uma
gigantesca transformação em sua história social a partir da instalação da Companhia
Siderúrgica Nacional, tornando-se um dos mais importantes polos industriais da América
Latina. O presente trabalho de pesquisa pretende realizar um estudo das modificações sofridas
pela sociedade voltarredondense após 1940 e das relações dessa população com a estatal
controladora da Usina Presidente Vargas. Relações essas que se pautaram por um projeto
desenvolvimentista concebido pelas lideranças do Estado Novo, com grande participação de
interesses estrangeiros. Este projeto teve como um de seus objetivos transformar Volta
Redonda em uma company-town (cidade-companhia), seguindo diretrizes implementadas pela
direção da CSN. Diretrizes estas que passaram a pautar todos os aspectos da vida dos
cidadãos da cidade, em um genuíno exemplo de aplicação de conceitos do Fordismo1 em uma
sociedade brasileira. A região pesquisada limita-se ao Município de Volta Redonda, RJ. O
recorte temporal limita-se ao período em que a CSN permaneceu como empresa estatal e,
portanto, vai de 1941, ano de implantação do projeto para construção da usina, até 1993, ano
de sua privatização. O foco do trabalho se fixa na análise da mentalidade da população da
cidade, procurando entender como os moradores se engajaram na defesa de um projeto de
empresa estatal com base nas diretrizes do Estado Novo.

1 Conjunto das teorias sobre administração industrial criadas pelo industrial e fabricante de automóveis norte
americano Henry Ford, no início do Século XX. (Enciclopédia Barsa. v.7, p20.)
7

Índice das Ilustrações

Figura 1: Fonte: Acervo Fundação CSN...................................................................................12

Figura 2: Fonte: COSTA, 2004. p. 15.......................................................................................13

Figura 3: Fonte: COSTA, 2004. p. 09.......................................................................................13

Figura 4: Fonte: Acervo Fundação CSN...................................................................................17

Figura 5: Fonte: CORREIA, 2014. p. 183................................................................................18

Figura 6: Fonte: Acervo Fundação CSN...................................................................................20

Figura 7: Fonte: Acervo Fundação CSN...................................................................................22

Figura 8: Fonte: Página oficial da Prefeitura de Volta Redonda - www.portalvr.com..............24

Figura 9: Fonte: Acervo Fundação CSN...................................................................................24

Figura 10: Fonte: Acervo Fundação CSN.................................................................................25

Figura 11: Fonte: Acervo Fundação CSN.................................................................................29

Figura 12: Fonte: Revista Veja. nº 1060, dez. 1988 apud COSTA, 2004..................................36

Figura 13: Fonte: Revista Veja. nº 1060, dez. 1988 apud COSTA, 2004..................................37

Figura 14: Fonte: Jornal O Dia. 10/11/1988, apud, COSTA, 2004...........................................38

Figura 15: Fonte: COSTA, 2004. p.114....................................................................................39

Figura 16:Fonte: COSTA, 2004. p. 115....................................................................................40

Figura 17: Fonte: Página oficial da PMVR. Acesso em 27/04/2016. disponível em:
http://www.portalvr.com/turismo/mod/pontos_historicos/.......................................................40
8

SUMÁRIO

1. Volta Redonda: Antecedentes Históricos ………………………………………………… 11

2. Conjuntura interna e externa: Volta Redonda e o Estado Novo …………………………. 14

3. A Cidade Operária ………………………………………………..……………………… 17

4. Os Arigós ………………………………………………………………………………… 20

5. A Velha Volta Redonda …………………………………………………………………... 27

6. O Movimento Operário em Volta Redonda ……………………………………………… 31

7. Privatização da CSN ……………………………………………………………………... 41

8. Conclusão………………………………………………………………………………… 44

9. Bibliografia ……………………………………………………………………………… 45

10. Fontes e Documentos …….……………………………………………………………. 46


9

Volta Redonda à Sombra da Usina: Uma cidade criada em função de uma empresa
estatal – 1941/1993

INTRODUÇÃO

A ideia inicial da presente pesquisa surgiu da observação, já na década de 1980, da


relação entre a estrutura social da Cidade de Volta Redonda com os propósitos estatais da
Companhia Siderúrgica Nacional. No início dessa década, Volta Redonda ainda era
considerada área de segurança nacional devido a importância estratégica da Usina Presidente
Vargas, maior parque industrial siderúrgico da América Latina, para a economia nacional e
para os interesses do governo militar. Essa importância era ressaltada a todo momento através
da grande e bem organizada estrutura criada para envolver toda a comunidade com a dinâmica
da empresa estatal. Porém, essa estrutura era já herança de uma outra ditadura, a do Estado
Novo. Foi durante a década de 1940 que se formou a mentalidade de Volta Redonda enquanto
“Cidade do Aço”, título que ostenta com orgulho até os dias atuais.
Observando a estrutura da cidade, seus monumentos e praças, tem-se a nítida noção de
que Volta Redonda não existia antes do advento da CSN. No entanto a cidade surgiu de um
núcleo de povoamento bem mais antigo do que a usina. Sua ocupação remonta os anos de
1700.
Na década de 1940, antes da instalação da usina, Volta Redonda, então 8º distrito do
município de Barra Mansa, era um povoado que vivia seus anos de decadência da pecuária,
que havia substituído a cultura do café na primeira metade do século XIX.

Em 1832 as terras de Volta Redonda foram anexadas às da vila criada


na povoação de São Sebastião da Barra Mansa, em ambas as margens
do Rio Paraíba.
Muitos trabalhadores e fazendeiros da região lmítrofe de Minas Gerais
começaram a povoar a localidade, passando muitos deles a adquirir as
velhas fazendas de café, algumas já decadentes e outras quase
arruinadas.
Sem desprezar de todo a agricultura, partiram para a pecuária, em
cujos ramos já se apresentavam grandes experiências. Desse modo
10

conseguiram em pouco tempo elevar a localidade à posição destacada


de grande centro pastoril. 2

Era, então, formada basicamente de fazendas e de um núcleo de povoamento. A


implantação da Usina Presidente Vargas fez surgir uma nova cidade, que cresceu à sombra da
grande estatal, com a qual formou um único corpo estratégico, de modo que a população, em
sua quase totalidade formada por funcionários da empresa e suas famílias, vivia a CSN vinte e
quatro horas por dia: durante a jornada de trabalho, nos eventos de cultura e lazer e nos
espaços públicos construídos de forma a direcionar a atenção de todos para os propósitos
estatais. E ainda durante o sono, à noite, quando o ronco dos alto-fornos se fazia ouvir pela
cidade, como que na intenção de lembrar a todos que Volta Redonda pertencia à usina e não
vice-versa.
A bibliografia selecionada para servir de base, juntamente com a pesquisa documental
para este estudo, nos dá uma visão geral da trajetória da CSN enquanto empresa estatal e de
Volta Redonda enquanto sede desse empreendimento. Analisa, inclusive, os planos anteriores
à própria construção da siderúrgica, quando interesses estratégicos, do ponto de vista da
política interna e externa do pais, levaram à escolha dessa região para implantação da
siderúrgica, mais precisamente, com relação aos entendimentos entre os Governos Getúlio
Vargas e o Norte-Americano, no contexto da II Guerra Mundial. Contempla também alguns
aspectos pitorescos da historiografia regional, nos permitido uma análise da formação da
mentalidade do morador de Volta Redonda sob a influência direta dos propósitos estatais.

Volta Redonda, abril de 2016.

2 COSTA, Alkindar Cândido da, Volta Redonda Ontem & Hoje. p.10
11

1. VOLTA REDONDA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Os primeiros habitantes da região Sul Fluminense, que atualmente compreende os


municípios de Itatiaia, Resende, Barra Mansa, Volta Redonda, Piraí, Barra do Piraí, Valença e
Vassouras foram os índios das etnias conhecidas como Puris e Coroados. Em seu conhecido
livro, o cronista Alkindar Cândido da Costa nos dá notícias desses povos autóctones:

O desbravamento da região representou um contato, no princípio nada


amigável, entre os colonizadores e os índios que eram os verdadeiros
senhores da terra. Nas pesquisas realizadas, vamos encontrar os Puris
repartindo o domínio de Nossa Senhora da Conceição do Campo
Alegre da Paraíba Nova com os Coroados que, em São João Marcos,
eram absolutos. Nas fraldas da Mantiqueira, na parte divisória com
São Paulo, cabia o domínio aos Puris. Entre os Rios Paraíba e Preto,
na parte em que este servia, como hoje, de limite com Minas Gerais,
predominavam os Coroados. O Barão de Schwege, Debret e Rodolfo
Garcia eram de opinião que os Puris tiveram origem comum com os
Coroados e pertenciam à nação chamada de Tapuia. 3

Conforme nos antecipa o autor na citação, o contato dos indígenas com os


colonizadores da região representou a extinção dos primeiros.
Resolvido o “problema” com os povos nativos e verdadeiros donos da terra, as
sesmarias das quais fazem parte as terras hoje pertencentes ao Município de Volta Redonda
perteceram, sucessivamente aos termos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (1565-
1801); da Vila de Resende - antiga Campo Alegre da Paraíba Nova (1801-1813); da Vila de
São João do Príncipe (1813-1820); das Vilas de São João do Príncipe e Nossa Senhora da
Glória de Valença (1820-1932) e da Vila de São Sebastião de Barra Mansa (1932 a 1954), até
sua emancipação (COSTA, 2004).
O surgimento do povoado de Santo Antônio de Volta Redonda se deu no contexto da
inauguração do trecho ferroviário da Estrada de Ferro Dom Pedro II até Barra do Piraí, em
1864, que trouxe grande movimento para a região devido a facilitação do escoamento da
produção cafeeira. A ligação das fazendas da área de Barra Mansa e Resende se dava através
do Rio Paraíba do Sul, no qual barcos com capacidade para setecentas arrobas transportavam

3 COSTA, Alkindar Cândido da, op. cit. p. 07


12

o café das fazendas até Barra do Piraí, de onde seguia pela estrada de ferro para a capital. No
distrito de Santo Antonio de Volta Redonda foram erguidas as primeiras edificações
destinadas ao pouso de tropas, dando início ao povoado, um típico arraial, composto de igreja,
escola, cadeia, comércios e algumas residências, que deu origem ao atual Bairro Niterói.

Figura 1: Fonte: Acervo Fundação CSN

Antiga igreja - Bairro Niterói, 1881.

Com o prolongamento da estrada de ferro até Minas Gerais, iniciaram-se diversos


movimentos das lideranças da região para que fosse criado o trecho ligando a capital a São
Paulo. Como resultado desses movimentos, em 1871 foi inaugurado o trecho até Barra Mansa,
incluíndo uma estação no distrito de Volta Redonda, na margem direita do Rio Paraíba do Sul.
Esse fato representou o crescimento da localidade, com ampliação do comércio e a
possiblilidade de um novo ciclo para as antigas fazendas de café, que começaram a entrar em
decadência após 1888, e viram como opção a pecuária (COSTA, 2004).
13

Figura 2: Fonte: COSTA, 2004. p. 15

Antiga estação ferroviária de Volta Redonda, em 1943

A escolha, em 1941, de Volta Redonda para sediar o grande projeto do “Pacto


Industrialista” empreendido pelo Estado Novo veio mudar completamente, e para sempre, a
história do modesto distrito, cujo nome remete à curiosa curva que o Rio Paraíba do Sul forma
ao atravessar seu território.

Figura 3: Fonte: COSTA, 2004. p. 09

Curva do Rio Paraíba do Sul que deu nome à localidade.


14

2. CONJUNTURA INTERNA E EXTERNA: VOLTA REDONDA E O ESTADO NOVO

Marco na consolidação do estado nacional brasileiro, a ascenção de Getúlio Vargas ao


poder, em 1930, teve seu caráter de projeto de aceleração do desenvolvimento do país
reforçado ainda mais com a instauração do Estado Novo, em 1937. Até então, os governos
que se haviam sucedido no poder representavam os interesses dos grandes latifundiários que
produziam, principalmente, visando o mercado externo. O avanço na indústria do país se dava
incipientemente e sem grandes incentivos. Porém, naquela década a conjuntura econômica
mundial mudara completamente: a crise iniciada em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova
York havia atingido em cheio também as economias européias e de outros países,
principalmente os latino americanos, em um mercado que se encontrava em vias de
globalização. O novo regime enxergava como essencial o investimento na indústria de base do
país, a fim de reduzir as dependências com o mercado externo. Conforme afirmação do
próprio Getúlio Vargas:

O problema básico da nossa economia estará em breve sob novo


signo. O país semicolonial, agrário, importador de manufaturas e
exportador de matérias-primas, poderá arcar com as responsabilidades
de uma vida industrial autônoma, provendo as suas mais urgentes
necessidades de defesa e aparelhamento. (…) mesmo os mais
empedernidos conservadores agraristas compreendem que não é
possível depender da importação de máquinas e ferramentas (…)
como a enxada e outros implementos. 4

Nesse empreendimento o governo podia contar com o apoio dos mais importantes
setores da burguesia nacional: a burocracia civil considerava esse o verdadeiro caminho para a
independência; os militares acreditavam no fortalecimento da economia através da
implantação de uma indústria de base (e consequentemente, da segurança nacional) e o setor
industrial acabou convencido de que o incentivo à industrialização só seria possível através de
uma forte intervenção do Estado.
Esse é o contexto da política interna que culminou com a criação da Companhia
Siderúrgica Nacional, conforme nos aponta Edgard Bedê:

4 Apud ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de. Pequena história da formação social brasileira. p. 596.
15

O processo de implantação da Usina Siderúrgica de Volta Redonda


deu-se no contexto da consolidação do pacto industrialista entre
diversas forças sociais atreladas aos interesses econômicos de
mudança das bases materiais de acumulação de capital. Desse modo, a
economia brasileira deveria não mais priorizar a egroexportação, mas
sim a substituição das importações mediante o desenvolvimento dos
setores industriais vinculados ao mercado interno.5

No cenário externo, havia a disputa dos interesses econômicos e estratégicos do


capitalismo americano e do governo alemão de Adolf Hitler, disputa essa da qual Getúlio
Vargas soube tirar proveito: Enquanto setores militares negociavam com empresas alemãs
para, em troca da exportação de ferro obter a construção da siderúrgica de grande porte,
outros setores diplomáticos articulavam com empresas americanas o investimento no setor
siderúrgico. A indefinição, por parte do Governo Vargas, dessa opção geopolítica refletia a
disputa interna entre as lideranças sociais existentes no bloco atrelado ao poder. Por fim,
ficava definido que, dentre esses dois sistemas – americanismo e nazi-fascismo – iria
sobressair o que oferecesse maiores vantagens econômicas para o Brasil em troca de seu
alinhamento geopolítico, ficando, portanto, as ideologias em segundo plano. A partir de 1939
foi acontecendo uma maior aproximação do Brasil com os EUA, ocorrendo o afastamento
definitivo com a Alemanha, principalmente após o início da II Guerra Mundial. A decisão do
Governo Roosevelt de aprofundar os laços políticos com o Brasil apontava para a garantia do
reaparelhamento das forças armadas brasileiras a para o investimento de capital e de
tecnologias para a construção da siderúrgica nacional. De fato, em 1941 era fechado um
acordo para empréstimo e arrendamento de material bélico no valor de 16 milhões de dólares,
com mais 84 milhões a serem repassados posteriormente. Os Estados Unidos pretendiam
obter autorização para o estabelecimento de bases aéreas e navais em todos os países da
América Latina, principalmente no nordeste brasileiro. O Brasil aprovou a construção de oito
bases aéreas no nordeste (OLIVEIRA, 2003).
Uma missão militar foi enviada para estudar a defesa da costa brasileira. Essa mesma
missão acompanhou a concessão do empréstimo para a instalação da siderúrgica.

5 BEDÊ, Edgard Domingos Aparecida Tonolli. A formação da classe operária em Volta Redonda. p. 25.
16

Em setembro de 1942 chegava ao Brasil uma outra missão, composta de doze técnicos
norte-americanos e chefiada por Morris Llewellyn Cooke, e por isso mesmo batizada de
“Missão Cooke”. Tinha o objetivo de estudar, junto com uma comissão brasileira, formas de
cooperação técnica entre o Brasil e Estados Unidos para o desenvolvimento da indústria e da
produção de guerra. A missão foi organizada pelo Conselho Econômico de Guerra com a
colaboração do Departamento de Estado, pelo Conselho de Produção de Guerra e pelo
Coordenador para Assuntos Interamericanos. Constituída e enviada em caráter oficial em
1942, instalou-se no Rio de Janeiro em 23 de setembro, regressando aos Estados Unidos em 3
de dezembro.
A partir dos estudos realizados por essa missão, definiram-se as estratégias de
implantação do parque siderúrgico em Volta Redonda.
Os itens que definiram a implantação da usina em Volta Redonda foram: a posição
geográfica, que colocava Volta Redonda bem no meio do eixo Rio-São Paulo, cujas cidades
(e, posteriormente, as indústrias) eram os principais consumidores dos produtos da
siderúrgica, além de sua posição privilegiada com relação às regiões mineradoras de ferro
(Minas Gerais) e Carvão (Santa Catarina); a facilidade de transporte do todos os elementos
necessários à produção, graças à Estrada de Ferro Central do Brasil; a abundância de um
elemento essencial na produção: água, do Rio Paraíba do Sul; e a proximidade com os portos
do Rio de Janeiro e o Porto de Itaguaí, na Baia de Sepetiba. E, ainda, o principal interesse da
nossa pesquisa, a facilidade para a obtenção de mão de obra que fosse suprir tanto o pessoal
necessário para a construção da usina e da cidade operária quanto para sua operacionalização,
posteriormente. Não poderia haver lugar melhor que Volta Redonda para a materialização do
sonho desenvolvimentista do Estado Novo (OLIVEIRA, 2003).
O projeto da usina foi desenvolvido por uma empresa estadunidense, a Arthur G.
Mc.Kee & Co. Já a vila operária e todo o plano urbanístico que viria definir tanto os setores
de moradia quanto a área comercial, que seria frequentada pelos futuros trabalhadores da CSN
e suas famílias, ficou a cargo do arquiteto Attilio Correa Lima, autor do plano original da
cidade de Goiânia (BEDÊ, 2004).
17

3. A CIDADE OPERÁRIA

O plano urbanístico de Attilio Correa Lima, de 1941, continha todo o traçado da


cidade, os usos e as tipologias construtivas, projetando uma vila para quatro mil habitações,
toda a infra-estrutura, além dos equipamentos urbanos. O projeto respeitava a tipografia,
composta de pequenos morros e vales, da antiga Fazenda Santa Cecília, desapropriada para a
construção da principal vila operária e do centro comercial. O projeto seguiu conceitos
fordistas, com zoneamento e fluxo bem definido. Entre a usina e os locais de moradia, foi
construído o centro comercial. O plano previu a construção de hospital, posto de saúde, igreja,
equipamentos de lazer e áreas verdes. As áreas residenciais eram divididas de acordo com as
categorias profissionais e o padrão salarial. Havia também o plano de implantação de edifícios
multifamiliares, o que foi rejeitado pela direção da CSN, sob pressão da Igreja Católica, que
afirmava que as casas térreas estavam mais de acordo com os costumes e as unidades
familiares (OLIVEIRA, 2004).

Figura 4: Fonte: Acervo Fundação CSN

Aspecto de uma vila operária (Bairro Conforto) em 1944, com a usina ao fundo.

De acordo com Alberto Costa Lopes (LOPES, 1993) em sua dissertação de mestrado,
Correa Lima utilizou como modêlo para a vila operária de Volta Redonda a cidade industrial
de Tony Garnier, na França (1917). Esse modêlo propõe uma cidade que surge juntamente
18

com uma indústria metalúrgica, para servir aos seus trabalhadores e administradores e já havia
sido proposto para a Região de Lyon, que inclusive, contava com um vilarejo já existente,
assim como Volta Redonda.

Figura 5: Fonte: CORREIA, 2014. p. 183

Plano da Cidade Operária (a indicação de alguns locais na legenda foi colocada incorretamente)

Ainda segundo Lopes, no mesmo trabalho:


19

O Plano da cidade operária de Volta Redonda deveria contribuir para


exaltar o industrialismo, sublinhar a política social do governo e
espacializar, através do desenho e do equipamento da cidade o homem
novo que estava sendo construído. Nesse sentido, Volta Redonda
precisava ser a realização exemplar de uma fração decisiva do projeto
nacional de Vargas e deveria ter ressonância nacional6

Levando-se em conta a perspectiva do Estado Novo de promover o necessário para a


“vida digna” do trabalhador, como moradia, condições de saneamento, educação e saúde, bem
como para a sua família, a política habitacional da CSN para seus trabalhadores também
incluia a construção do “novo homem”. Essa política resultou na primeira cidade industrial
fordista da sociedade capitalista brasileira. O plano urbanístico expressava também a
hierarquia dentro da CSN. Os bairros dos diretores e da alta chefia ficavam nos morros do
Laranjal e Bela Vista; os bairros da média chefia, engenheiros, médicos e administradores
ficavam próximos ao novo centro comercial na Vila Santa Cecília. Quanto aos operários,
foram colocados em bairros mais distantes do novo centro: Conforto, Rústico e Sessenta. E
mesmo dentro destes havia estratificação, com tipos de casas para mestres, contra-mestres,
operários oficiais e serventes (BEDÊ, 2010). Portanto o “novo homem” já chegava tendo o
seu lugar definido.
E quem eram esses indivíduos, dispostos a terem suas vidas reconstruídas em nome de
algo que eles mal compreendiam? O próximo capítulo nos traz um perfil desses personagens.

6 LOPES, Alberto Costa. A aventura da cidade industrial de Tony Garnier em Volta Redonda. p. 70.
20

4. OS ARIGÓS

Em seu livro “Volta Redonda na era Vargas” de 2004, o Prof. Waldyr Amaral Bedê,
sociólogo e pesquisador local, nos descreve o clima social em Volta Redonda no início das
obras de implantação da CSN:

Acampados nos laranjais da Fazenda Santa Cecília, no final de 1941,


os trabalhadores assistiam o esquadrinhamento do terreno e
aguardavam o início das obras da CSN. Em 1942, já se instalavam
várias empreiteiras para as obras de aterro e construção não só da
siderúrgica, como também da vila operária.7

Figura 6: Fonte: Acervo Fundação CSN.

Acampamentos dos primeiros trabalhadores, 1941.

Já Regina da Luz Moreira nos dá uma visão bem pitoresca de como funcionava o
recrutamento desses trabalhadores que, oriundos das zonas rurais, vieram formar o corpo de
operários para a construção da usina e da cidade operária:

O recrutamento de mão de obra para a construção da usina se fazia


premente e, em decorrência dessa emergência, os agentes de
recrutamento se deslocavam para o interior dos estados do Rio de

7 BEDÊ, Waldyr Amaral. Volta Redonda na Era Vargas (1941-1964). p. 37.


21

Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, alistando trabalhadores que,


transportados de caminhão até a estação ferroviária mais próxima,
embarcariam no trem para Volta Redonda. Alguns vinham por seus
próprios meios; outros no caminhão contratado pela empresa
encarregada de arregimentar mão de obra pelo interior.8

Uma vez em Volta Redonda, esse trabalhador era encaminhado ao Acampamento


Central (atual bairro Nossa Senhora das Graças), onde estava situado o escritório central da
CSN. Passava por um procedimento de higienização, com banho, corte de cabelo, um
macacão novo e era submetido a avaliação médica. Então era fichado e encaminhado para seu
alojamento (PIQUET, 1988). Esses trabalhadores eram procedentes de áreas rurais.
Analfabetos e sem qualquer qualificação profissional, eram acostumados ao trabalho duro nas
fazendas e, portanto, foram encaminhados ao trabalho braçal: “O pessoal era separado pela
aparência. Separava o sujeito como se fosse boi mesmo. Você pra cá, você pra lá. Faziam três
lotes. Este pessoal aqui pode trabalhar no escritório, este vai para o serviço pesado, na obra, e
este aqui para os serviços de apoio a obra” (PIMENTA, 1989).
Os trabalhadores moravam em alojamentos de madeira, precários e sem condições de
higiene e privacidade. Faziam as refeições no próprio canteiro de obras. Como eram
forasteiros, logo passaram a sofrer o preconceito dos moradores locais, recebendo a alcunha
de “arigós”, que é uma denominação comum a todo tipo de pássaro migratório e no jargão
popular significa caipira, matuto e também pessoa que não tem moradia fixa e, por ser
desprovida de capacidade intelectual, exerce apenas trabalho braçal; o peão de obra
(OLIVEIRA, 2004).

8 MOREIRA, Regina da Luz. CSN um sonho feito de aço e ousadia. p. 50.


22

Figura 7: Fonte: Acervo Fundação CSN.

Aspecto do Acampamento Central, 1942.

Essa forma preconceituosa de tratamento revela também algumas características dos


próprios trabalhadores e da situação em que viviam nos alojamentos.
Esses homens “rústicos” precisavam ser aculturados, transformados nos virtuosos
trabalhadores que construiriam e operarariam o maior projeto industrial do Estado Novo. Da
desconstrução do “arigó” até a construção do trabalhador modelo, o operário padrão que se
tornaria a verdadeira riqueza e força de afirmação da nação brasileira, havia um grande
caminho. E o resultado desse processo receberia uma nova alcunha. O trabalhador da CSN
seria o “cíclope”. O “homem-máquina”, moldado de acordo com os parâmetros fordistas para
cumprir estritamente o seu papel dentro da hierarquia estabelecida, conforme nos aponta
Edgard Bedê:

A massa proletarizada pelo processo de construção da CSN era vista


pelos dirigentes da companhia como peças brutas que precisavam
passar pelo “torneamento pedagógico” das regras disciplinares de
obediência às hierarquias, cumprimento das tarefas determinadas,
obediência ao horário, produtividade, eficiência, espírito de
colaboração e vontade de aprender e fazer. Esse processo de
“torneamento pedagógico” ultrapassava os imensos canteiros de obras
e de instalação da grande maquinaria siderúrgica e envolvia a vida
23

social da massa operária, no seu espaço de convívio no acampamento


dos operários.9

Esse “torneamento pedagógico” vem bem de acordo com o controle dos corpos do
qual nos fala Foucault, uma vez que define um perfil moral e social de comportamento para o
indivíduo como condição básica para a sua devida inserção naquela comunidade e obriga a
sua adaptação a esse meio.
Observamos porém que o “arigó”, matuto e ignorante, agora sob a virtuosa alcunha de
“cíclope”, que viria a estampar o brasão da cidade que nasceria em seguida, continua lá. O
que muda é somente o prisma de observação. A Profª. Irene Rodrigues de Oliveira expõe com
muita propriedade (OLIVEIRA, 2013) que o “Arigó” e o “Cíclope” são o mesmo indivíduo: o
cíclope, obreiro das forjas de Hefesto na mitologia grega, representa, a princípio uma figura
forte e poderosa. Surge como indicativo de que para realizar um trabalho braçal de tamanha
envergadura, só um gigante poderia dar conta. No entanto, a partir de uma outra análise,
podemos definir o cíclope como uma figura patética, uma vez que, apesar do gigantismo
corporal, a incapacidade de vislumbrar objetos à distância tornam-no limitado. Numa imagem
grotesca o cíclope é uma espécie de trabalhador que, apesar da força, não se reconhece como
sujeito de transformação política. O gigante, por ter um único olho, não harmoniza a
capacidade produtiva com o discernimento. É um elemento imbecilizado, apenas o resultado
de um processo no qual ele não é sujeito ativo, mas somente uma das várias peças a serem
manipuladas, estando, pela pouca inteligência e compreensão, acomodado a isso. Aqui temos,
então, o encontro do “arigó” com o “cíclope”. Uma realidade que moldou-se em outra. Que,
ao mudar de ambiente precisou adaptar-se a esse novo meio, mas não teve modificada a sua
essência.

9 BEDÊ, Edgard Domingos Aparecida Tonolli. op. cit.. p. 57.


24

Figura 8: Fonte: Página oficial da


Prefeitura de Volta Redonda -
www.portalvr.com

Brasão oficial do município estampando os cíclopes.

Figura 9: Fonte: Acervo Fundação CSN.

“Arigós” em 1944.

A adaptação a esse novo ambiente não aconteceu de forma homogênea, como bem
descreve Edgard Bedê (BEDÊ, 2010), uma vez que os trabalhadores vinham de procedências
diversas, o aglomerado de milhares de pessoas com costumes diversos trouxe também casos
de violência, roubos, brigas, bebedeiras, promiscuidade e desordem. A companhia precisava,
portanto, dispor de instrumentos de repressão e manutenção da ordem desejada dentro do seu
grande canteiro de obras. Surgem então os “cabeças de tomate” (assim chamados pela cor
vermelha do capacete), o corpo particular de guardas da CSN, que encaminhava os
25

trasgressores para o chamado “Núcleo Cem”, prisão cercada de arame farpado dentro do
próprio acampamento.
Havia um Departamento de Serviços Gerais, que tinha a função de supervisionar toda
a relação entre a CSN e seus empregados e ainda os serviços como hospitais, vigilância
sanitária, transporte, recolhimento do lixo, que passaram a ser providos pela empresa quando
os barracões do acampamento deram lugar às residências dos operários. Essas residências
eram cedidas aos trabalhadores em troca de aluguéis muito abaixo do mercado e descontados
em folha de pagamento.
A CSN criou ainda uma escola profissional, em 1943. Durante o período de construção
e montagem da usina, foram recrutados, no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo, uma
centena de adolescentes, entre treze e dezessete anos, para o curso técnico em regime de
internato na Escola Técnica. Além de serem preparados para o trabalho operário
especializado, eram também educados para serem modelo de disciplina, obediência e
compromisso profissional, ou seja, “trabalhadores do novo tipo”, adequados ao regime
fordista do complexo siderúrgico de Volta Redonda. Essa experiência pedagógica, no entanto,
fracassou devido à resistência dos adolescentes ao regime de internato sob uma disciplina
rígida e militarista (BEDÊ, 2010).

Figura 10: Fonte: Acervo Fundação CSN.

Jovens na Escola Técnica Pandiá Calógeras, 1943.


26

A partir dessa época, a Companhia Siderúrgica Nacional passou a reger todos os


aspectos da vida dos cidadãos de Volta Redonda, rompendo com o modelo colonial urbano
que até então vigorou no surgimento dos núcleos urbanos brasileiros ao fazer do capital o
centro irradiador da lógica fordista na ordenação do espaço urbano, tornando-se modelo de
modernização espacial capitalista. Edgard Bedê destaca:

(…) A intervenção da companhia na cidade de Volta Redonda não se


restringiu à construção dos bairros residenciais, ruas, praças, escola,
hospitais, igrejas, centro comercial. Além de construir os
equipamentos urbanos, a CSN também se incumbia de gerenciar e
manter os serviços urbanos em geral de abastecimento d’água,
iluminação, rede de esgoto, limpeza urbana, manutenção e pintura das
residências, segurança, abastecimento alimentar dos armazéns,
cooperativa, educação primaria e secundária, ensino profissional,
saúde hospitalar, bombeiro, serviço social e transporte coletivo.10

Volta Redonda pertencia a CSN, e não ao contrário. Bem como toda a população, que,
de uma forma ou de outra, dependia economicamente da empresa.
Parte da força de trabalho empregada na construção da usina e da cidade foi mantida,
cerca de sete mil homens, sendo utilizada em diversas seções da usina. Esses trabalhadores
tiveram que receber treinamento, pois nunca haviam trabalhado com máquinas. Uma outra
parcela dos trabalhadores da construção foi dispensada e permaneceu em Volta Redonda. E,
uma vez fora dos quadros funcionais da CSN e desamparada, veio formar os primeiros
núcleos de ocupação desordenada, bem próximos da “cidade operária fordista”, como é o
exemplo do Morro do São Carlos, próximo ao bairro Conforto, que remonta ao ano de 1940.
Essas pessoas passaram a formar um contingente de “cidadãos de segunda classe” em
Volta Redonda, uma vez que não pertencendo mais à CSN e não fazendo parte de uma elite
econômica formada pelos antigos proprietários de terra (que, com a vinda da CSN e o
consequente crescimento da cidade, prosperaram na condição de loteadores, especuladores de
terrenos e comerciantes), passaram a viver à margem do sistema na cidade, não podendo
frequentar os clubes, os eventos, a vida social e nem dispondo de benefícios como o centro de
puericultura que cuidava dos filhos dos operários ou a assistência médica no “Hospital da

10 BEDÊ, Edgard Domingos Aparecida Tonolli. op. cit.. p. 62.


27

CSN”. Esses trabalhadores formaram, juntamente com a antiga elite da cidade, o que passou a
se chamar de “cidade velha”, em contraponto à “cidade nova”, que eram os bairros
construídos pela CSN (PIMENTA, 1989).
28

5. A VELHA VOLTA REDONDA

Nas áreas da cidade que não “pertenciam” à CSN, que incluíam também os antigos
núcleos de povoamento anteriores ao advento da mesma, ocorreu um desenvolvimento
paralelo ao dos bairros planejados construídos pela usina. Ângela Fontes e Sérgio Lamarão
destacam:

Nas áreas fora da responsabilidade da CSN, Volta Redonda


experimentou, desde o início, um processo de desenvolvimento
“autônomo” - vale dizer, desvinculado dos interesses imediatos da
companhia, mas por ele direcionado. Nas terras da margem esquerda
do Paraíba, em pouco tempo, espalhava-se uma outra Volta Redonda,
conhecida por Cidade Velha (em oposição à cidade nova dos bairros
planejados), ocupada, de forma não planejada, por pequenos
comerciantes e por aquela massa de trabalhadores dispensada pela
CSN.11

O povoado de Santo Antonio de Volta Redonda, núcleo original da cidade, passou a ser
a ligação entre a Cidade Nova e os bairros surgidos nesse processo, como Retiro, Santo
Agostinho, Vila Americana, entre outros. Volta Redonda, em 10 anos, a partir de 1940, teve
um espantoso crescimento populacional, saltando de 2.782 para 36.964 em 1950, segundo
dados do IBGE.12
Esse rápido crescimento populacional gerou uma série de problemas devido à falta de
desenvolvimento dos bairros não pertencentes à Cidade Operária. A Prefeitura Municipal de
Barra Mansa, sobre a qual deveria recair a responsabilidade por esse investimento, aplicava os
tributos gerados pelas atividades da CSN, em sua maior parte, na sede do município, o que
causava grande descontentamento na população do distrito. Comerciantes e proprietários de
terras do local começaram a reivindicar a emancipação. Esse movimento atendia também aos
interesses da direção da CSN, uma vez que, no início da década de 1950, a Cidade Operária já
havia se tornado dinâmica e com uma certa independência da usina e seria muito conveniente

11 FONTES, Ângela M. M.; LAMARÃO, Sérgio T. N. Volta Redonda: História de uma cidade ou de uma
usina? p. 6.
12 IBGE, Banco de dados agregados. Censo 1940/1950.
29

à empresa diminuir sua responsabilidade com a manutenção e administração da mesma,


entregando essa responsabilidade à um governo municipal.
Em 17 de julho de 1954 era emancipado o 8º distrito de Barra Mansa, com a criação
do Município de Volta Redonda. O movimento emancipacionista teve grande participação dos
interesses dominantes da Cidade Velha, reunidos em torno da loja maçônica local. E esses
interesse se fizeram presentes desde a administração do primeiro prefeito, Sávio Cotta de
Almeida Gama (FONTES & LAMARÃO, 2006), um grande proprietário de terras de muito
prestígio na capital, mas que era praticamente desconhecido como personalidade política pela
população local, sendo apenas o “dono” da Fazenda Retiro.

Figura 11: Fonte: Acervo Fundação CSN.

Expansão do Bairro Retiro, 1955.

No final da década de 1950, havia aumentado sobremaneira a demanda por


loteamentos e novas áreas de crescimento da cidade, devido ao “Plano de Expansão C” da
usina siderúrgica, que aumentou a produção e a demanda por mão de obra, na esteira do
crescimento industrial provocado pela abertura econômica do mercado brasileiro ao capital
estrangeiro promovido pelo governo de Juscelino Kubitschek. Como havia especulação
imobiliária por parte dos grandes proprietários de terra da cidade, a maior parte dos
trabalhadores que vieram para a cidade atendendo à demanda se intalaram em ocupações
irregulares, fazendo surgir novas favelas e bolsões de construções irregulares em terrenos da
30

prefeitura ou até de particulares, ficando as melhores terras desocupadas ou sob controle da


CSN.
Em 1967 a CSN transferiu para o poder público municipal o atendimento aos serviços
básicos da cidade operária, transferindo todo o seu patrimônio publico para a Prefeitura
Municipal. A CSN manteve sob controle os terrenos onde havia previsão de ampliação das
atividades industriais e passou a reduzir o atendimento às demandas dos trabalhadores e suas
famílias. A prefeitura, por sua vez, não teve condições de administrar a cidade operária com
os mesmos recursos dos quais dispunham a CSN, provocando grande impacto no modo de
vida daqueles que viviam sob a “proteção da CSN”. Conforme pontuam Fontes & Lamarão:

Outra face da estratégia da CSN foi o desvencilhamento do seu


patrimônio público, transferindo à Prefeitura a responsabilidade pela
manutenção dos bairros operários planejados. Os trabalhos de
manutenção não receberam a atenção devida por parte da Prefeitura,
que, de uma hora para a outra, viu-se às voltas com um patrimônio
urbano multiplicado, o que a empobreceu relativamente. Acrescente-se
a isso o empobrecimento geral dos municípios brasileiros,
determinado basicamente por uma reforma tributária que, instituída
por essa época, concentrou os recursos arrecadados nas mãos do
Governo Federal. O aspecto mais aberrante desse processo é que a
água fornecida aos bairros planejados passou a ser comprada pela
Prefeitura à CSN, pois o reservatório pertence à usina.13

A relação de paternalismo que a população de Volta Redonda, principalmente os


moradores da cidade operária, tinha por parte da CSN tornava-se cada vez mais fraca. A
conjuntura política de revogação de diversos direitos sociais, principalmente após o golpe
militar de 1964, levaram a empresa a assumir com os seus empregados uma postura similar
àquela de qualquer grande complexo capitalista. Relação essa que, apesar de nem sempre ter
sido harmoniosa, haja vista que o movimento operário existia desde 1943, foi rompida de vez
a partir da privatização da empresa, em 1993.

13 FONTES, Ângela M. M.; LAMARÃO, Sérgio T. N. op. cit. p. 11.


31

6. O MOVIMENTO OPERÁRIO EM VOLTA REDONDA

O primeiro movimento de organização dos trabalhadores num proto-sindicato em


Volta Redonda surgiu já em 1943. O contexto era o da crise do governo ditatorial do Estado
Novo diante das pressões pela democratização. A temática trabalhista do governo ganhou cada
vez mais peso político, uma vez que as propagandas e o discurso oficial tinham um caráter
ideológico de engajar os trabalhadores com as políticas públicas no campo da legislação
social e da ideia de “doação” dos benefícios aos trabalhadores. A partir da premissa de que a
existência da legislação trabalhista não representava necessariamente a existência concreta
dos benefícios sociais consolidados na CLT aos trabalhadores, a transformação dos benefícios
“legais” em benefícios efetivos dependia do grau de mobilização e das condições de exercer
pressão política dos movimentos operários.
A própria temática trabalhista assumida pelo governo envolvia o estímulo à
organização dos aparelhos sindicais vinculados a estrutura do Ministério do Trabalho, uma
das estratégias da passivização populista, uma vez que a democratização trabalhista dependia,
em primeira instância, da construção de aparelhos ideológicos (entre eles os sindicais) capazes
de difundir a reforma moral e intelectual trabalhista e sustentar o ideário de emancipação
nacional através do desenvolvimento industrial. Por outro lado, esses sindicatos serviram
também de espaço de disputa de poder e de projetos sociais distintos daqueles oficiais. As
lutas de classe, portanto, redefiniram as funções dos aparelhos sindicais, mesmo sendo estes,
órgãos quase oficiais de difusão da ideologia trabalhista, tão cara ao Regime (BEDÊ, 2010).
A Associação Profissional dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas de Barra
Mansa, que englobava os trabalhadores da CSN, da Cia. Siderúrgica Barbará e da Cia.
Siderúrgica Barra Mansa, foi fundada em 1945, legalizando o movimento surgido em 1943 a
partir de militâncias do PCB (Partido Comunista Brasileiro), que após sofrer forte repressão
da Ditadura Vargas, iniciava sua reconstrução política e mantinha células na região. A
legalização da associação seguiu o processo do corporativismo sindical do Ministério do
Trabalho, obtendo portanto, apoio oficial apesar da repressão de alguns outros departamentos
do governo. Isso se deu porque as lideranças comunistas apoiavam a instalação da CSN, uma
vez que, de acordo com a sua doutrina “marxista-leninista” compreendiam o significado
32

modernizador do capitalismo estatal brasileiro dentro do projeto de revolução democrática


burguesa. Além disso, conseguiram a adesão do operariado (BEDÊ, 2010).
Edgard Bedê nos traz um aspecto do clima político do país e em Volta Redonda no
início de 1945:

Naquela conjuntura, com as pressões internas pela redemocratização e


a influência do imperialismo americano, o Estado Novo, sob o
comando de Getúlio Vargas, inicia sua inflexão no sentido da abertura
política, promove a anistia aos prisioneiros políticos, flexibiliza a
liberdade de expressão e indica o caminho para uma constituinte, mas
sob a direção getulista. Surgem vários partidos políticos na sociedade
brasileira, em especial, a UDN (União Democrática Nacional, grifo
meu) antigetulista; o PSD (Partido Social Democrático, grifo meu),
apoiado por Getúlio e ligados às elites, burocracias e setores
moderados; o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro, grifo meu), com
atuação mais vinculada à ideologia trabalhista e atuando no
movimento operário; e, por fim, o PCB, que se rerganizava no final do
Estado Novo e buscava uma aliança com Vargas, apoiando o
“queremismo”.
Em Volta Redonda, os militantes do PCB atuavam com plena
liberdade, aproveitando a conjuntura imediata do pós-guerra, e
buscavam mobilizar a população de modo amplo para discutir a
Constituinte e a democratização do Brasil.14

O movimento operário em Volta Redonda começa a se organizar então sob uma


orientação ideológica de esquerda, ligada ao Partido Comunista.
Essa participação do Partido Comunista era intensificada em Volta Redonda conforme
avançava o processo de democratização do país, pois a cidade era, naturalmente, pólo de
intensa concentração operária e potencial reduto político dos comunistas. No entanto, o
processo de democratização chegou a um ponto contraditório em 1947, quando o Governo
Dutra, eleito com o apoio de Vargas, aderiu ao sistema internacional anticomunista proposto
pelos EUA, formando um bloco de países capitalistas contra as forças de expansão do
socialismo sob liderança da URSS. O Brasil entrava na Guerra Fria. Nesse contexto, os
políticos eleitos pelo PCB tiveram seus mandatos cassados, o comunismo passou a ser
criminalizado e seus militantes perseguidos. A onda repressiva do governo manteve o

14 BEDÊ, Edgard Domingos Aparecida Tonolli. op. cit.. p. 66.


33

Sindicato dos Metalúrgicos sob intervenção do Ministério do Trabalho, assim permanecendo


até as eleições de 1951. A intervenção no sindicato dos metalúrgicos ocorreu no mesmo ano
de inauguração da CSN, 1946, quando são introduzidos seus primeiros produtos no mercado
interno (BEDÊ, 2010).
Analisando os fatos apresentados pela lógica da ampliação da acumulação de capital
mediante a diminuição da remuneração dos trabalhadores, podemos considerar esse
movimento de criminalização dos movimentos sindicais como uma forma de esvaziar de
poder político a classe trabalhadora, diminuindo assim seu poder de barganha diante da
cassação de direitos sociais. De fato, os anos do Governo Dutra foram marcados pelo arrocho
salarial que significou uma compensação para a fração da burguesia industrial nacional.
Apesar da tentativa de esvaziamento da luta dos trabalhadores, a militância comunista
em Volta Redonda continuou atuando clandestinamente, tornando-se a vanguarda do
movimento operário na CSN na luta da exploração do capital sobre o trabalho no contexto do
Governo Dutra.
A partir de 1951 vemos uma mudança na condução das lutas operárias na região, com
a militância comunista cedendo lugar a membros do PTB, conforme explica Edgard Bedê:

O movimento operário em Volta Redonda incorporava a força social


de um novo ator coletivo, o PTB, que, segundo o relatório do agente
de informações do DOPS, estava articulado com os militantes do PCB
e dirigia suas críticas à diretoria da CSN, personificação do poder
corporativo. Nesse processo particular de luta de classes, articulado às
mudanças políticas no âmbito nacional com o início do segundo
governo Vargas (1951), deu-se início ao processo de conformação
reformista do movimento operário. Nesse sentido, a eleição de Getúlio
Vargas, em 1950, representou para Volta Redonda, de um certo modo,
a particularização de uma “política de bem estar social”,
estabelecendo, assim, as condições históricas para a orquestração do
compromisso fordista entre o poder corporativo, o poder sindical e o
poder estatal no mundo do trabalho da CSN.15

A eleição de Vargas, em 1950, representava então a retomada do pacto industrialista


construído historicamente após 1930. O Estado precisava então investir em bens de consumo
duráveis para completar o processo de substituição de importações. A participação da massa
15 BEDÊ, Edgard Domingos Aparecida Tonolli. op. cit.. p. 90.
34

trabalhadora e do sindicalismo foi como forças subalternizadas, valorizadas pela retomada da


ideologia trabalhista, através da política de bem estar social e de passivização populista.
Por seu turno, a UDN, que aglutinava as forças sociais de direita antinacionalistas,
anticomunistas e antitrabalhistas, se organizava para tentar desestabilizar o processo de
continuidade de Getúlio Vargas no poder, com o apoio das forças liberais e conservadoras.
Apresentava-se, portanto, um cenário em que disputavam entre si três projetos
políticos de organização da sociedade e da economia brasileiras: (a) a modernização da
economia capitalista, via associação e interdependência com o capitalismo internacional, para
obtenção de capital e tecnologia dos centros hegemônicos; (b) a via socialista e reformista de
estatização progressiva e nacionalização da economia contra o latifúdio e o imperialismo; (c)
a via capitalista nacional, baseada no intervencionismo estatal e nacionalização dos centros de
decisão sobre as diretrizes da economia brasileira, da qual era representante o Governo
Vargas.
As medidas nacionalistas do Governo Vargas levaram a suspensão do acordo de
cooperação mútua por parte do governo norte-americano. Mesmo sob forte pressão
imperialista, o governo procurou apoio do movimento operário, exceção feita aos militantes
comunistas.
A crise de agosto de 1954, que culminou com a renúncia e suicídio de Getúlio Vargas,
fizeram o golpismo udenista recuar diante das manifestações populares. Nos governos
interinos que se sucederam a Getúlio Vargas, as estratégias da direita foram a de influenciar os
gabinetes ministeriais e articular nova tentativa de golpe udenista contra a vitória de Juscelino
Kubitschek. O movimento golpista foi neutralizado pela intervenção militar, que decretou
estado de sítio para garantir o cumprimento da Constituição, dando posse ao presidente eleito.
Até 1964, o que se viu no movimento operário da cidade foi o fortalecimento do
caráter de “passivização populista”, na qual o pacto industrial-trabalhista foi construído
através da direção moral e intelectual da sociedade em favor da modernização capitalista,
destacando-se, como exemplo, a adesão do movimento trabalhista e sindical ao Plano de
Metas de JK, que elevou a procura pelo aço, aumentando a produtividade da CSN.
Durante anos de ditadura militar, sob forte repressão através da Doutrina de Segurança
Nacional, que declarava Volta Redonda como área de “segurança nacional”, a atividade
sindical na CSN foi tímida. Somente em 1979, através da campanha salarial, o Sindicato dos
35

Metalúrgicos iniciou a retomada das suas atividades enquanto verdadeiro órgão de classe,
concentrandos seus esforços na esfera da produção, representando os trabalhadores junto à
direção da CSN e reorganizando a categoria.

A greve de novembro de 1988:

Conforme nos aponta Alkindar Costa (COSTA, 2004), tropas do exército ocuparam a
usina em sete ocasiões diferentes. A mais tragicamente notória foi a greve iniciada em 07 de
novembro de 1988, decidida em assembléia do Sindicato dos Metalúrgicos no dia 04. O
movimento era liderado por José Juarez Antunes, sindicalista que, à época, encontrava-se
como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos licenciado, cumprindo mandato de deputado
federal, e que logo depois se elegeria prefeito, vindo a falecer no início de seu mandato.
O movimento teve início a partir de uma reinvidicação de reposição de perdas salariais
dos metalúrgicos, em torno de 26,06% e resultou em uma greve de ocupação que gerou
conflitos nos pátios internos da usina entre metalúrgicos e a tropa de choque da Polícia
Militar, acionada pela direção da empresa a fim de promover a desocupação de suas
instalações. A intervenção da polícia havia sido autorizada por decisão judicial.
Diante da incapacidade da tropa da Polícia Militar de conter os grevistas, outra decisão
judicial determinou que tropas federais realizassem intervenção a fim de desocupar a usina.
Foi acionado o 22º Batalhão de Infantaria Motorizada, sediado em Barra Mansa.
36

Figura 12: Fonte: Revista Veja. nº 1060, dez.


1988 apud COSTA, 2004.

Exército faz frente aos trabalhadores no interior da usina.

Essa tropa do exército recebeu a missão de desocupar a siderúgica, o que representava


enfrentar a resistência de cerca de dez mil trabalhadores que participavam do movimento
grevista.
Após a realização de uma série de assembléias e reuniões envolvendo a direção do
Sindicato dos Metalúrgicos, com a participação de Juarez Antunes, autoridades do Exército e
o Presidente da CSN na época, Juvenal Osório, o impasse permaneceu e foi dada então a
ordem para a desocupação da usina. No mesmo dia, bombas de efeito moral foram disparadas
contra manifestantes do lado de fora da CSN.
O 22º Batalhão de Infantaria Motorizada contava com cerca de dois mil soldados. A
esses vieram se somar os homens do 1º Esquadrão de Cavalaria Mecanizada, de Valença e a 9ª
Brigada de Infantaria Motorizada da Vila Militar de Realengo, Rio de Janeiro. Todos sob o
comando do General José Luiz Lopes da Silva, da 1ª Brigada de Infantaria Motorizada de
Petrópolis.
37

Figura 13: Fonte: Revista Veja. nº 1060, dez. 1988 apud COSTA,
2004.

Soldados do Exército se posicionam no interior da Usina.

Houve confronto entre trabalhadores e soldados no interior da usina e pelas ruas da


Vila Santa Cecília, ocorrendo depredação de patrimônio público e privado e ainda prisão de
diversas pessoas que participavam dos protestos.
A decisão de ocupação da Usina Presidente Vargas foi tomada em conjunto pelos
ministros-chefes do Gabinete Militar e do SNI e pelo ministro do exército, General Leônidas
Pires Gonçalves, com a aprovação do presidente da República, José Sarney (COSTA, 2004).
Alkindar Costa descreve a ação do exército e a resistência dos operários no interior da
usina:

Enquanto o exército ocupava as dependências da CSN, os


trabalhadores fizeram trincheiras na área de aciaria e superintendência
de lingotamento contínuo, dois prédios interligados que formam um
imenso conjunto, onde gigantescas caldeiras processam o aço,
bloqueando as passarelas com caçambas e tudo o que era possível.
Municiaram-se de pedaços de metais, entre eles grandes “tarugos” e
até mesmo vergalhões, utilizando-se ainda de garrafas com “thiner e
óleo”, enquanto a mão no registro de gás de coqueria, que é venenoso,
ficou preparada. Já havia a notícia de que três operários estavam
mortos e mais de 30 feridos.16

16 COSTA, Alkindar Cândido da, op. cit. p. 82


38

Os três operários mortos eram Carlos Augusto Barroso (19 anos), Walmir Freitas
Monteiro (27 anos) e William Fernandes Leite (22 anos). Esses três jovens tornaram-se
mártires desse movimento e da luta dos operários da CSN desde então.

Figura 14: Fonte: Jornal O Dia. 10/11/1988, apud, COSTA, 2004.

Os trabalhadores mortos pelo exército.

Após o assassinato dos trabalhadores pelo exército, o comando de greve resolveu


determinar a desocupação da aciaria, e o exército, por sua vez, recuou. Porém a greve
continuou. A intervenção do exército na greve teve repercussão internacional e levou diversas
entidade de direitos humanos a cobrarem um posicionamento do governo brasileiro.
Em 23 de novembro de 1988, os trabalhadores, reunidos em assembléia, decidiram
pelo fim do movimento, aceitando proposta da empresa de reajuste de 15%. A proposta era
defendida também pelo Sindicato dos Metalúrgicos.
Após a saída do exército, da Polícia Militar e Federal das áreas da usina, os
trabalhadores retornaram ao trabalho, iniciando o turno das 16 horas (COSTA, 2004).
A greve de 1988 ficou gravada para sempre na memória coletiva não só dos
trabalhadores da CSN, mas de toda a cidade. As imagens de violência contra trabalhadores e
moradores impactaram todo o país e ficaram registradas através do Memorial 9 de Novembro,
39

localizado na Praça Juarez Antunes, em frente a Passagem Superior, principal acesso da Usina
Presidente Vargas.
O Memorial 9 de Novembro foi criado pelo arquiteto Oscar Niemeyer a pedido do
Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda. Sobre ele, o próprio arquiteto declarou em
matéria para o Jornal do Brasil:

Foi com o maior empenho que recebi do Sindicato dos Metalúrgicos


de Volta Redonda a incumbência de projetar esse monumento. Como
ocorreu ao desenhar o monumento contra a tortura, procurei
caracterizá-lo pela violência. Violência que durante anos pesou sobre
nosso país e agora se repetia com a morte de três bravos trabalhadores,
naquele revoltante episódio de novembro de 8817.

Figura 15: Fonte: COSTA, 2004. p.114

Memorial 9 de Novembro no dia da inauguração.

Infelizmente esse monumento sofreu um atentado à bomba no dia seguinte a sua


inauguração que ocorreu em 1º de maio de 1989. Durante a madrugada, o monumento foi
explodido pelo que ficou apurado posteriormente, serem duas cargas de explosivos colocados
em sua base.
Após inquéritos policiais e investigações de diversos órgão, não se chegou a qualquer
conclusão quanto a autoria do atentado, apurando-se, apenas que se tratava de explosivo

17 Jornal do Brasil, 15-03-1989. apud. COSTA, Alkindar Cândido da, op. cit. p. 114
40

produzido exclusivamente pela Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), controlada pelo
exército.

Figura 16:Fonte: COSTA, 2004. p. 115.

Monumento após o atentado.

Em 12 de agosto de 1989, o memorial seria reinaugurado, porém, sem passar por


reformas, sendo apenas reerguido pelos trabalhadores e mantido com as marcas do atentado, a
pedido do próprio autor do projeto.

Figura 17: Fonte: Página oficial da PMVR. Acesso em 27/04/2016.


disponível em:
http://www.portalvr.com/turismo/mod/pontos_historicos/

Monumento reerguido pelos metalúrgicos.


41

7. A PRIVATIZAÇÃO DA CSN

A proposta de privatização da CSN surgiu ainda durante a greve de novembro de 1988.


Na ocasião a imprensa noticiava que a CSN havia tido um prejuízo de 40 milhões de dolares
durante os oito dias da greve. E apontava também para um déficit no orçamento da empresa
da ordem de 400 milhões de dolares anuais, o que levou o governo a discutir a possibilidade
de desativação parcial ou total de sua produção.
Nessa mesma época, o então presidente da CSN, Juvenal Osório, declarou ser
favorável à privatização da empresa, reforçando ainda que a CSN teria duas saídas:
“privatizá-la ou fazê-la funcionar com uma empresa privada.” 18, revelando ainda, dados
referentes à crise pela qual passava a empresa e agravada ainda mais pelo movimento dos
trabalhadores. Dentre os fatores apresentados como razões para a crise, a defasagem do preço
do aço estava entre as mais importantes e revelava a relação da crise da CSN com a
enfrentada pela Usiminas, ou seja, era um quadro comum às outras siderúrgicas estatais, o
que, de certa forma, era bom para a iniciativa privada.
As reações dos movimentos sociais e do próprio Sindicado dos Metalúrgicos foi
imediata e concretiou-se na criação do “Fórum de Debates sobre a Privatização da CSN”.
Apontando uma série de fatores que revelavam uma certa relação da crise da CSN com
interesses de grupos privados, foi distribuída uma cartilha produzida pelo Fórum com o título
de “Diga Não à Privatização”. Ao coro das entidades contrárias à venda da empresa, se somou
o Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda, produzindo outro material impresso
apresentando sua análise econômica e política da proposta, denominado “Privatização? Não,
obrigado” (GRACIOLLI, 2007).
A despeito da crítica dos setores populares e ligados aos trabalhadores de diversas
hierarquias, o movimento em direção à privatização da CSN era irreversível e parte de um
direcionamento governamental: o Programa Nacional de Desestatização (PND). Esse
programa, em poucas palavras, era uma autorização geral e ampla ao Poder Executivo para,
via decreto, alienar ao setor privado as empresas nas quais o governo pussuísse participação
societária e controle acionário. Conforme discrimina Graciolli:

18 Revista Exame, 5-04-1989, p. 56-57. apud. GRACIOLLI, Edilson José. Privatização da CSN. p. 210.
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As modalidades de transferência eram várias: alienação de


participação societária, abertura de capital, aumento de capital com
renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de substituição,
transformação, incorporação, locação, comodato ou cessão de bens e
instalações e, por fim, dissolução de empresas ou desativação parcial
de seus empreendimentos, com a consequente alienação de seus
ativos.19

Esse ato político-administrativo veio à luz já no governo Collor, instituído através da


Medida Provisória nº 155, de 15 de março de 1990.
Um dos aspectos mais importantes dessas operações de transferência de bens públicos
para o capital privado foi o uso de títulos da dívida externa, as chamadas “moedas podres”.
Na prática, qualquer pessoa, física ou jurídica, poderia adquirir, no mercado interno ou
externo, títulos da dívida externa brasileira, no mercado secundário, com deságio de até 60% e
trocá-los, com seu valor de face, por ações das empresas públicas ou sociedades de economia
mista em processo de privatização.
Aliado a esse aspecto do processo de venda das estatais, havia denúncias de que a
corrupção interna levara as estatais ao estado de semi-falência em que se encontravam.
No início de 1992, o BNDES começou os trabalhos para se determinar o valor da
CSN. O leilão estava previsto para os primeiros meses de 1993.
No dia 02 de abril de 1993 ocorreu o leilão para a venda da CSN. A empresa foi
vendida pelo preço mínimo de suas ações, apurando um valor total de um bilhão e
quatrocentos e noventa e cinco milhões de dolares. Desse montante, apenas 56,8 milhões
(3,8%) corresponderam a moeda corrente. O valor foi pago basicamente com Certificados de
Privatização, debêntures da Siderbrás, dívidas vencidas do BNH e outros títulos de dívidas
públicas vencidas e a vencer. O quadro de acionistas (capital votante) da CSN privatizada foi
composto da seguinte forma: Companhia Vale do Rio Doce (9,4%); Grupo Vicunha (9,1%);
Bamerindus (9,1%); Bradesco (7,6%); Itaú (7,3%); Clube de investimento dos Empregados da
CSN, incluíndo a Caixa Beneficiente (20,0%); Emesa (1,5%); outros 1,0%; num total de 65%
das ações.

19 GRACIOLLI, Edilson José, op.cit. p. 214-215.


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Os 20% do capital votante dos empregados da CSN não representou para estes o
controle da empresa, uma vez que as empresas integrantes do consórcio, em conjunto,
possuiam a maior parte das ações. O presidente do Bamerindus, Maurício Schulman, foi eleito
presidente do Conselho de Administração da CSN, ficando Benjamin Steinbruch, do Grupo
Vicunha como vice-presidente.
Apesar do discurso inicial do Conselho de Administração, de que não haveria
demissões, estas foram da ordem de 35,75% dos postos de trabalho na empresa
(GRACIOLLI, 2007).
A relação da CSN com a cidade de Volta Redonda havia chegado ao seu ponto de
maior distanciamento. A partir de então, esta relação seria a mesma de tantos outras grandes
estrutras capitalistas no Brasil com as comunidades onde se encontram inseridas. A
Companhia Siderúrgica Nacional e suas terceirizadas continuam sendo os maiores
empregadores da cidade, porém a vida em Volta Redonda não gira mais em torno da empresa.
Com a redução dos postos de trabalho no setor siderúrgico, a cidade teve de encontrar uma
nova vocação para o desenvolvimento de sua economia, tando apostado nos setores de
comércio e serviços, deixando a indústria em segundo plano.
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8. CONCLUSÃO
Entrelaçadas, as Histórias da cidade de Volta Redonda e da Companhia Siderúrgica
Nacional formam uma única trajetória: a do povo que veio para esta terra tentar a sorte, em
busca do “Eldorado” citado pelo Prof. Waldyr Bedê no poema que abre este trabalho.
Entre “arigós” e “cíclopes” foi escrita a História dessas pessoas e a grandiosidade das
experiências aqui vividas merece registro nos anais da História Brasileira. Narrativas que
envolvem preconceito, doutrinação, injustiças e trabalho duro, mas também vida, afetos,
superação e progresso. Assim, feita de contrapontos, se constrói uma cidade única, apesar de
moldada a partir de um esquema já pronto. Volta Redonda soube encontrar sua identidade ao
longo dos anos.
A Volta Redonda de hoje é bem diferente daquela que existia em meados do Século
XX. A relação da CSN com a população resume-se às relações entre empregados e empresa,
não se estendendo aos serviços sociais. A maior parte da população sequer tem relação direta
com a empresa. Uma nova geração agora conduz a cidade, não mais sob os auspícios da CSN,
mas reconhecendo nela a gênese da grande cidade na qual Volta Redonda se transformou.
O município hoje possui, segundo o IBGE 20, uma população estimada de mais de
duzentos e sessenta mil habitantes. A CSN emprega, na usina em Volta Redonda e em outras
unidades do Grupo, cerca de dezenove mil pessoas. Apesar de ainda participar em grande
parte da economia da região, a usina perdeu muito de sua importância econômica. O mesmo
se deu com o seu aparato social, que ainda tentou se manter através da Fundação CSN, logo
após a privatização, mas que hoje atende poucas pessoas em projetos cada vez mais raros.
De toda forma, a presença da CSN e todo o histórico das políticas trabalhistas, do
movimento sindical e da relação fordista entre empresa e cidade permanecem como que
dando um sentido para o que a cidade representa no imaginário de seus moradores até hoje.
Volta Redonda ainda ostenta com orgulho o título de “Cidade do Aço”.
Não haveria lugar melhor do que Volta Redonda para a grande experiência do
progresso industrial brasileiro. Nem povo mais capacitado para enfrentar tal desafio.

Volta Redonda, 31 de maio de 2016.


Anderson Couto

20 IBGE, Cidades. Censo 2010.


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9. BIBLIOGRAFIA

ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de. Pequena história da formação social brasileira. 4ª


ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

BEDÊ, Edgard Domingos A. T. A formação da classe operária em Volta Redonda. Volta


Redonda: s.n., 2010.

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(Brasil, 1918-1953). São Paulo: Anais do Museu Paulista. n. ser. v. 22. nº. 1. p. 161-198. jan-
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COSTA, Alkindar Cândido da. Volta Redonda ontem & hoje – visão histórica e estática.
Volta Redonda: Glan. 2004.

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GRACIOLLI, Edilson José. Privatização da CSN: da luta de classes à parceria. São Paulo:
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Redonda. Dissertação de Mestrado. UFRJ/PPGG. Rio de Janeiro: 1993.

MOREIRA, Regina da Luz. CSN um sonho feito de aço e ousadia. Rio de Janeiro: Iarte,
2000.
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OLIVEIRA, Irene Rodrigues de. Jecas, arigós, peões, bisonhos, cíclopes: o discurso “sob
medida” na construção de uma identidade de operário na cidade de Volta Redonda
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PIQUET, Rosélia. Cidade empresa: presença na paisagem urbana. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1998.

10. FONTES E DOCUMENTOS

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1940/1950. Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br, acesso em 11.05.2016.

________, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Cidades. Censo 2010. Disponível


em http://www.cidades.ibge.gov.br/, acesso em 12.06.2016

FUNDAÇÃO CSN. Acervo fotográfico – Centro Cultural da FCSN. Pesquisa em 12.04.2016.

FILME: Volta Redonda – Memorial da Greve


Ano de Produção: 1989
Direção: Eduardo Coutinho
Duração: 39 min.
Gênero: Documentário
Nacionalidade: Brasil
DVD
47

FILME: Nasci em Volta Redonda


Ano de Produção: 1956
Direção: Jean Manzon
Duração: 28 min.
Gênero: Documentário / Propaganda institucional
Nacionalidade: Brasil
Disponível em www.acervojeanmanzon.com.br. Acesso em 03.05.2016

FILME: Assim é Volta Redonda


Ano de Produção 1955
Diração: Jean Manzon
Duração: 20 min.
Gênero: Documentário / Propaganda institucional
Nacionalidade: Brasil
Disponível em: www.acervojeanmanzon.com.br. Acesso em 03.05.2016

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