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“Oficina lúdica: transformando o brinquedo

e o brincar em ferramenta terapêutica.”

Trabalho apresentado à disciplina


Intervenção com crianças, ministrada
pela PROFª – JANAÍNA P. TOBIAS, c omo
parte dos requisitos para a conclusão do
nono semestre do curso de Psicologia.

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO


2023

IDENTIFICAÇÃO
Nome: Rafaela Soares Pires.
Idade: 5 anos.
Escolaridade: Maternal II.
Filiação: Mâe: Ana Soares Pires – 30 anos.
Pai: Luiz Francisco Pires – 32 anos.
Filha única.
Endereço: Rua do Ouvidor, nº 468 – Qd 18; Lote 23
Condomínio – Parque da Flores I – São Carlos/ SP.

QUEIXA

→ Queixa primária.
Em um contexto de clínica-escola, depois dos relatos da mãe, observou-
se um comportamento regredido e rigidez da criança, manifestados em uma
alimentação restrita.

→ Queixa secundária.
Nas primeiras sessões foi relatado pela mãe, que sua filha não ingeria a
maioria dos alimentos sólidos, como arroz, feijão, carnes, pães, legumes,
verduras e frutas, tendo uma alimentação extremamente restrita a bolachas,
doces, biscoito de polvilho e leite. A criança se comportava como se tivesse
repúdio ou aversão em relação à comida, não conseguindo muitas vezes
sequer olhar para o prato ou sentar-se à mesa.
Na escola, local que permanecia em período integral, Rafaela
alimentava-se apenas quando lhe era oferecido alimentos que gostava
(exemplo: leite) e, quando isso não ocorria, ela passava o dia inteiro sem
comer. Ana explicou que a filha também tinha alguns rituais nas refeições, as
comidas da menina não podiam ser misturadas e deviam ser cortadas em tiras.
Rafaela também não conseguia tomar água no mesmo copo em que alguém
tivesse bebido ou usar o mesmo talher que outra pessoa tivesse usado, pois
alegava sentir o gosto do alimento que a pessoa comeu. Um dos alimentos que
Rafaela mais solicitava era o leite, porém queria que este fosse servido na
mamadeira.
Rafaela apresentava forte ansiedade e muita dificuldade para dormir, além de
roer as unhas, tanto das mãos quanto dos pés.

→ Histórico da queixa.
Em função de questões financeiras Ana trocou Rafaela de escola. Na
primeira semana de adaptação, a mãe levou a mamadeira da filha, mas depois
a escola proibiu por questões de higiene. Foi então, nesse período que a
menina começou a se recusar a comer. Depois de 15 dias, a escola chamou a
mãe para avisar que a criança não estava comendo absolutamente nada. Em
casa ela também começou a recusar os alimentos.
A única estratégia adotada por Ana foi a de castigar Rafaela, recusando-
se a comprar algo que a menina pedisse, justificando que ela não estava
“colaborando” em não se alimentar. Pela mesma razão, ela também não levava
a filha para brincar no parquinho. Além disso, havia episódios em que Ana
tentava forçar a filha a comer algumas fatias dos alimentos e fazia com que ela
ficasse sentada, de castigo, até comer algo. Rafaela permanecia sentada,
olhando para a comida, virando-a e mexendo com o garfo, mas não conseguia
comer, então chorava e tinha crises de ânsia de vômito. A mãe acabava
perdendo o controle e gritando muito com Rafaela por conta da alimentação.
Tanto o pai como a mãe faziam chantagem emocional com Rafaela,
dizendo que ela os deixava muito tristes por não comer. Havia momentos,
inclusive, que a mãe dizia que a abandonaria num hospital caso ela ficasse
doente por não comer.

→ Tratamentos realizados.
A mãe contou que quando Rafaela nasceu engasgava e regurgitava em
todas as mamadas. Em uma dessas engasgadas, com 20 dias de vida, houve
um agravamento e a criança teve que ser levada ao hospital por falta de
oxigênio. Realizados alguns exames identificou-se a existência de um desvio
na traqueia e um trato intestinal muito apertado. Por conta disso, Rafaela
passou a fazer uso de medicamentos para aliviar sua dor. Ao completar um
ano, realizou vários exames para verificar como estava seu desvio e seu trato,
e descobriram que ela já estava muito melhor.
Aos três anos de idade, devido à gravidade da situação da criança em
se recusar a comer, Ana levou a filha à pediatra que a orientou a fazer um
acompanhamento com uma nutricionista e com uma psicóloga. Durante o
acompanhamento com a nutricionista, esta disse para Ana suspender o leite da
alimentação para ver se Rafaela comia ou experimentava outros alimentos.
Entretanto, o quadro da criança se agravou já que esta passou a rejeitar
até os alimentos sólidos (bolachas, doces, biscoito de polvilho) e o leite, os
quais habitualmente comia, até que adoeceu e teve que ser internada com
início de desnutrição. Após esse episódio a mãe decidiu abandonar os
acompanhamentos.

HISTÓRIA DE VIDA

No discurso de sua mãe Rafaela é uma criança feliz, mas quer fazer
apenas o que gosta. Ana menciona que a gravidez de Rafaela foi complicada,
pois ela sangrava muito e com isso, sofreu muito.
Seu pai, Luiz Francisco, reside em outra cidade e de acordo com Ana,
este pai não se faz presente na vida da criança, ficando muito tempo sem ver a
menina. Afirma, que Rafaela “é louca pelo pai", mas este não quer saber dela.
A separação do casal aconteceu quando Rafaela tinha dois anos e foi
um pouco conturbada, pois eles brigavam muito.

PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO

Após as entrevistas iniciais com a mãe, iniciou-se o atendimento com a


criança. Nas sessões com a menina foram disponibilizados cartolina, papel
pardo, cola, lenços de papel, tinta guache, alimentos crus (arroz, macarrão).
À partir de um vídeo que contava a história da “Cachinhos dourado e os
três ursos” a terapeuta sinalizou para a criança que todos nós podemos fazer
coisas que achamos feias e outras que achamos bonitas, mas que isso não
tinha problema e que podíamos guardar tanto as coisas que gostamos como os
que não gostamos. Além de mostrar, também por meio da história citada, a
questão do desenvolvimento de uma criança elencando quais os alimentos que
ela poderia comer em cada fase da vida- bebê, criança, adulto.
Estes materiais ficavam visíveis para Rafaela e era ela quem
determinava qual iria utilizar e assim, a terapeuta manejava a atividade
direcionando Rafaela para explorar o setting e experimentar a si mesma,
podendo expressar seus sentimentos, raivas e angústias. A reposição do
material que fosse necessário, era feita toda sessão, tanto por ter acabado ou
por solicitação da paciente, quanto por ter sido “destruído”.
Passada algumas sessões, após várias afirmações da terapeuta de que
aquele espaço podia ser usado da maneira como a paciente quisesse, Rafaela
passou a ter preferência por atividades com tinta, cola, água e lenços de papel.
Com o tempo, a menina começou a utilizar todos os potes de tinta e os
outros materiais levados em cada sessão, misturando-os, espalhando pela
mesa e pelo chão da sala e desse modo as sessões passaram a se constituir
dessas vivências com esses materiais sendo cheias de experimentações,
sujeira, bagunça.
A terapeuta permitiu todos esses tipos de brincadeiras e permaneceu
disponível para a menina utilizar-se dela como quisesse.
Após algum tempo em que nas sessões utilizou-se somente essas
vivências com as tintas, alguns outros movimentos de Rafaela apareceram. Um
deles foi com a utilização de caixas (caixa da massa de modelar, da tinta, do
lenço) para fazer construções. Outra atividade foi a de contornos, como
contornar os pés e as mãos com tinta e pintá-los dentro. E também, a atividade
que se seguiu a essas foi que Rafaela recortou os pedaços de corpos ou as
caixas e colou-os juntos, com muita cola, formando “bonecas” ou pessoas.
Essas intervenções que ocorreram, foi uma tentativa de possibilitar a
menina, explorar o ambiente e nesse processo retomar o seu desenvolvimento
psíquico.

COMPREENSÃO DA QUEIXA

Compreendeu-se que o que a menina apresentava um medo, uma


angústia em relação à comida, que era fruto das fantasias persecutórias
alimentadas no início de sua vida, agravadas pela deformidade fisiológica que
a impossibilitava de ter uma experiência satisfatória com a amamentação. Além
disso, uma hipótese, pelo modo como a mãe se apresentou, é que o ambiente
vivenciado pela menina nos primeiros anos de vida não foi um ambiente capaz
de acolher as angústias, a destrutividade e os movimentos espontâneos dela,
tal como Winnicott (1958/2000b) preconiza. Sem essa função materna
suficientemente boa, a criança não conseguiu desenvolver seu verdadeiro self
e integrar-se. A falta de pessoas com quem estabelecer vínculos seguros e
confiáveis, assim como ambiente previsível e constante, pode levar a criança a
ter uma grave cisão da personalidade (Winnicott, 1942/1982).
Além disso, Rafaela possuía a peculiaridade do desvio na traqueia, e
provavelmente, experenciou sensações de desconforto e dor, o que faz pensar
que ela se identificou com a fantasia de que era retaliada ao alimentar-se por
ser destrutiva ao usufruir do leite. Dessa maneira, a menina encontrou como
mecanismo de defesa a projeção de sua destrutividade na comida,
passando a necessitar de total controle sobre o que estava sendo ingerido.
Concluindo, entendemos que a terapia possibilitou à criança retomar
suas principais angústias e ansiedades iniciais e elaborá-las para seguir
seu processo de desenvolvimento, integrando--se e podendo com isso
perceber o outro sem tanto receio.

REFERÊNCIAS

HÖFIG, J. A. G., & ZANETTI, S. A. S. (2016). O setting suficientemente bom


e o manejo clínico na psicoterapia infantil: relato de caso. Estilos Da
Clinica, 21(1), 45-62. <https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v21i1p45-62.>.
Acesso em: 13 de março de 20023.

WINNICOTT, D. W. (1982) A criança e seu mundo. Rio de Janeiro, RJ:


Imago. (Trabalho original publicado em 1942)

WINNICOTT, D. W. (2000b). Desenvolvimento emocional primitivo. In D. W.


Winnicott, Textos selecionados: da pediatria à psicanálise (pp. 218-232).
Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1958).

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