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Sinopse

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Epílogo
Agradecimentos
Outras obras
Redes sociais
Jade vai se casar! Ela sempre sonhou em constituir sua família e agora
o grande dia está bem próximo. Quando foi pedida em casamento, Jade
Moraes não conseguiu pensar em outra pessoa para assumir a missão de
padrinho, seu eleito foi Benjamim Duarte.
Eles são melhores amigos, inseparáveis desde a época da escola e não
havia ninguém mais adequado para assumir aquele cargo tão especial.
Ben adora sua vida de solteiro e a aproveita ao máximo, ele é um
apaixonado por fotografia e mulheres. Mas as coisas parecem um pouco
diferentes quando o casamento de Jade se aproxima e ele passa a questionar
se o noivo realmente é perfeito para aquele papel.
O que acontece quando o padrinho de casamento deseja estar no lugar
do noivo?
Eu não sei onde eu estaria
Sem você aqui comigo
A vida com você faz perfeito sentido
Você é minha melhor amiga

(My Best Friend - Tim McGraw)


Quando somos estudantes, ficamos malucos por atividades que nos
tirem da sala-de-aula. Por isso, as aulas de educação física acabavam sendo as
mais cobiçadas, bem como as gincanas e, obviamente, as férias. Um dos
eventos mais esperados para os alunos do Colégio Ruth Rocha são os jogos
internos. O evento esportivo tem duração média de sete dias, entre
apresentação oficial e encerramento. E nesse período, o horário é dividido
entre as aulas tradicionais e as competições nas mais diversas modalidades:
da ginástica rítmica ao judô. Mas engana-se quem acha que a euforia dos
alunos é por causa da magia do esporte, há exceções é claro, mas eu (e a
grande maioria) gostava mesmo era da diversão com os amigos. Aquele era o
momento de esquecer por algumas horas das pressões para a escolha da
profissão ou a sua pontuação no próximo simulado.
Então, com a calma de quem vive momentos de tranquilidade, eu
assistia da arquibancada da quadra, a partida de futsal. Assim como a maioria
das outras garotas que lotavam aqueles degraus, o meu interesse não era pelo
esporte em si, mas pelos garotos. Eles ficavam suados, com uniforme colado
ao corpo e o short mostrando as belas coxas grossas e aquilo era o combo
perfeito para hormônios em ebulição.
Havia um garoto, em especial, que tinha a minha torcida: o número 9
do time amarelo. Ele atendia pelo nome de Filipe e era absolutamente lindo,
parecia ter saído direto de uma das revistas Capricho que eu colecionava,
para o terceiro ano A. Seus olhos verdes eram verdes tão claros que eu
poderia passar horas olhando para ele. E os cabelos? Encaracolados como o
de um anjinho, mas o corpo... Ah, não tinha nada de angelical ali.
— Se você continuar olhando assim, ele vai achar que você é uma
maníaca e não que está a fim dele — Benjamim falou, colocando-se ao meu
lado.
— Do que você está falando? — Desviei o olhar do meu alvo para
encará-lo.
— Eu te conheço desde que era a menina de canelas finas e aparelhos
nos dentes, Jade. Se bem que isso parece que foi ontem... — Completou
exibindo os seus dentes brancos e perfeitamente alinhados, que nunca
precisaram de aparelho na vida.
— Rá-rá como você é engraçado — falei sem nenhum pingo de humor
na voz — não tem outra pessoa para encher o saco?
— Você é a minha pessoa favorita no mundo para essa função —
piscou para mim e ajeitou-se preguiçosamente no encosto da arquibancada,
colocando os pés sobre o assento livre à sua frente.
— Jade você está linda com esse delineador azul — o elogio foi
direcionado a mim, mas o olhar estava fixo no Benjamim.
Aquele elogio não era genuíno, ainda que meu delineador estivesse
realmente bonito, a Patty, vulgo garota mais linda da nossa turma, nunca o
faria se eu estivesse sozinha. Ela quase falava comigo, mas sempre que o
fazia repetia a mesma pergunta: viu o Benjamim? Eles haviam ficado duas
vezes, mas ela parecia querer sempre repetir os amassos, enquanto meu
amigo parecia querer explorar outras bocas.
— Obrigada — aceitei o elogio mesmo assim.
— Eu posso me sentar aqui com vocês? — A pergunta foi puramente
retórica, pois ela sentou-se ao lado do Benjamim antes que qualquer um de
nós respondesse — esse lugar tem um ângulo perfeito para a quadra, né? —
Ele apenas assentiu e eu voltei a prestar atenção no meu jogador preferido.
Filipe marcou um gol e impulsivamente eu soltei um gritinho em
comemoração, quando meus olhos encontraram os do Benjamim estava
escrito “eu disse que estava exagerando, tá vendo?” acompanhado de um
sorriso no rosto.
— Onde está a sua dupla inseparável? — Patty se referia a Kelly,
minha melhor amiga desde o sexto ano. Ben, Val, Kelly e eu nos tornamos
amigos nessa época e nunca mais nos separamos.
— Ela estava com cólica e não veio — dei de ombros.
— Oh, ficou abandonada hoje...
— Ela não está abandonada, eu estou aqui — Benjamim respondeu
sereno.
— Eu me referia a uma amiga, alguém que ela possa conversar sobre
os garotos — explicou sorrindo — aposto que se a Kelly estivesse aqui elas
estariam cochichando como os meninos ficam gostosos com esse short...
Mal prestei atenção no que ela estava dizendo, pois tudo que ouvi foi o
apito do juiz indicando o final da partida. Era a melhor hora, ao acabar os
jogos os meninos sempre tiravam as camisas. Ok, nas aulas de educação
física os exibicionistas também faziam isso, mas ali tinha muito mais opções.
Era praticamente impossível não olhar para os músculos ali expostos e o
Filipe tinha uma definição na área do abdômen maior que metade dos seus
colegas juntos... Eu estava atraída por aquela sequência de gominhos. Patty
também olhava com admiração.
— Ô atacante, agora é hora de atacar em quadra — Diego gritou
colado ao alambrado.
— O dever me chama! — Benjamim se levantou rapidamente. — Vai
ficar para me ver jogar, Jade?
— Não perderia por nada ver você sendo atacado pelos defensores e
rolar no chão de dor — respondi com bom humor.
— Eu amo esse carinho da torcida — sorriu abertamente.
— Se depender da minha torcida o seu carinho vai ser bem mais
generoso... — Patty pegou um pirulito da bolsa e, após se livrar rapidamente
da embalagem, o levou aos lábios, mas não colocou na boca, ela passou o
doce lentamente em sua língua exposta.
Benjamim acompanhou o gesto com atenção, completamente
hipnotizado com a cena.
— Faz um gol pra mim, Ben? — Ela pediu em uma voz melosa.
A resposta não foi audível para mim, ele sussurrou algo no ouvido da
Patty que fixou um sorriso gigante no rosto da garota.
— Ô garanhão, você vai perder o aquecimento e entrar frio em campo
— Diego avisou antes de seguir os colegas em uma corrida.
— Vai que eu quero ver você quente — Patty sorriu.
Na ausência do Benjamim, Patty voltou a me ignorar e logo mais duas
amigas se juntaram a ela, formando o “fã clube do Ben”. Aos gritos e com
palminhas, elas vibraram a cada lance e lamentaram profundamente cada
falta sofrida por ele. A última, me fez ficar aflita, pois ele recebeu uma
cotovelada nas costas que o levou até o chão, mas logo ele se recuperou e
driblou o adversário em provocação.
A partida se encerrou e consagrou Benjamim como artilheiro da rodada
e a nossa turma como vencedora, mas a vitória real parecia ser da Patty
quando Benjamim caminhou em nossa direção.
— Seu pai vem te buscar hoje, Jade? — Benjamim perguntou quando
me viu guardando o livro na mochila.
— Sim, você quer uma carona?
— Não, eu tenho umas coisas para resolver... — O olhar dele seguiu
para Patty. — Então, a gente se vê amanhã. Quando chegar em casa me
manda um SMS.
— Pode deixar.
— É bonito o jeito que você a trata como se fosse a sua irmã mais
nova, com preocupação... — Patty afirmou com os braços ao redor do
pescoço de Benjamim.
Benjamim é filho único e eu tenho uma irmãzinha, a Esmeralda, então
o que ela diz não faz nenhum sentido.
— Nada a ver isso de irmã mais nova, nossa diferença de idade é de
alguns meses — argumentei.
— Ela tem razão. Se fosse minha irmã, ela seria a mais velha, se acha
dona da razão e é mandona.
— Eu não tenho culpa se sou mais madura que você — perturbei
sorrindo.
— Se ficar mais madura, apodrece e estraga — sorriu.
— Até as implicâncias são bem de irmão — Patty completou — eu
adoraria ter você como cunhada.
— Meu pai chegou — anunciei quando o nome dele surgiu na tela do
Nokia N95 — Tchau.
Me despedi do casal agarração e corri em direção a saída.
*
— Ela está mesmo levando a sério a ideia de ter você como uma
espécie de cunhada — Kelly afirmou, segundos após eu ter sido convidada
para uma festinha na casa da Patty.
A princípio pensei em recusar o convite, mas logo que ela afirmou que
Filipe havia confirmado presença, eu me empolguei com aquele convite
inesperado. Então, perguntei se poderia levar a Kelly como acompanhante e
ela concordou prontamente desde que eu assegurasse que Benjamim estivesse
na sua casa na sexta.
— Não é como se ela precisasse da minha aprovação, né? O Benjamim
beija a boca que ele quiser — justifiquei.
— Talvez ela saiba que o Benjamim considera a sua amizade e está
querendo ganhar pontos com ele.
— Pode ser...
— Mas o que verdadeiramente importa é que a gente vai a festa da
Patty e que você pode ter a sua chance com o Filipe.
— E você terá a oportunidade de ficar a sós com o Val sem a
fiscalização dos seus pais. Basta dizer que iremos fazer um trabalho na casa
da Patty.
— A clássica desculpa — nós gargalhamos.
Sempre funcionava.
*
Havia cerca de dez pessoas na casa da Patty, alguns colegas da turma
do 3ºA e outros do 3º ano B. A casa estava livre para nós, já que seus pais
estavam trabalhando e na ausência de adultos alguns se arriscaram a
experimentar as bebidas caras do bar da residência.
À medida que o tempo passava, as risadas se tornavam mais altas assim
como aumentava a coragem para beber um pouco mais. Kelly e eu
parecíamos as únicas imunes ao álcool, eu porque temia ser descoberta pela
minha mãe e ela porque estava ocupada demais beijando o Val.
Em determinado momento, a dona da casa propôs a brincadeira do
Verdade ou Consequência para animar ainda mais as coisas. A sugestão foi
recebida com aplausos e gritos de aprovação, ninguém teve coragem de
recusar, então nos sentamos em um círculo e o jogo começou. Girando uma
garrafa de cerveja, o lado da boca indicaria quem perguntaria e o fundo da
garrafa, quem seria o alvo da questão.
As rodadas foram passando e cada vez que a garrafa parava longe de
mim eu ficava dividida entre o alívio de não enfrentar as perguntas, a maioria
delas de teor amoroso ou sexual e a frustração, pois torcia para que alguém
desafiasse o Filipe a ficar comigo.
A grande maioria respondeu abertamente sobre pessoas com quem
transaram, até que giraram a garrafa novamente e... chegou a minha vez.
— Verdade ou consequência, Jade? — Diego, o palhaço da turma,
indagou.
— Consequência! — Disse rapidamente e quase me arrependi logo
depois. As perguntas estavam ficando cada vez piores e eu fiquei com medo
do que poderia vir para mim, além disso, ainda esperava que me desafiassem
a jogar com o Lipe.
— Fugindo da verdade, Jade? — Perturbou.
— Não, estou mais interessada no desafio — sorri, fingindo não estar
arrependida.
E se ele me mandar tirar a blusa para mostrar meus peitos?
Pior, se eu tiver que levantar a saia...
Que merda, Jade!
— Então, já que é assim... Vamos achar uma consequência à altura —
o rosto dele assumiu uma expressão de prazer, semelhante ao que acontecia
quando ele armava alguma brincadeira na sala de aula e eu fiquei temerosa
pela minha escolha apressada.
O silêncio na sala era absoluto.
Até que o Diego finalmente abriu a boca:
— Quero que beije o Benjamim por três minutos.
— O que? — Perguntei, confusa.
Todos os olhares fixaram no Benjamim que exibia uma expressão
serena, ao contrário da Patty que estava sentada ao lado do Ben e fuzilava o
Diego.
— Acho que eu prefiro a pergunta — falei para pôr fim ao climão
instaurado.
— Não é assim que funciona a brincadeira, Jade — Diego rebateu.
— Eu posso fazer o desafio no lugar dela — Patty sugeriu e eu estava
prestes a aceitar a oferta quando Diego reagiu impaciente:
— Que frescura da porra, é só um beijo. Vamos Jade, estão todos
esperando — insistiu.
Benjamim me fitou por alguns segundos buscando alguma objeção
minha à brincadeira e deu de ombros mostrando que para ele era indiferente.
— Vamos acabar logo com isso... — Aceitei resignada.
Uma Patty irritada acompanhou os movimentos do Benjamim para
ficar de pé e andar até mim.
— Você já beijou tipos bem piores — Benjamim disse baixinho ao se
posicionar a minha frente.
— Nenhum deles era o meu melhor amigo.
— Mais uma prova de que você é sortuda — sorriu — poderia ser o Zé
no meu lugar e pelo estado do banheiro de hóspedes, ele comeu sardinha no
almoço...
Meu rosto se contorceu com nojo da informação.
— Isso torna você menos repulsivo.
— Não vai ser tão ruim para você... Posso sair dizendo por aí que você
beija bem, uma mentirinha inofensiva. Isso ajudaria você com o Filipe, né?
— Eu beijo bem — me defendi, irritada.
— O casal de amigos pode discutir a relação em outro momento e se
beijar de uma vez? Estamos ansiosos por esse momento.
— Vamos antes que a sua namorada avance e puxe meus cabelos.
— Ela não é minha namorada, mas a segunda parte parece possível de
acontecer. Ela está com uma cara bem furiosa, mas direcionada a mim...
— E o Filipe? — perguntei, incapaz de encará-lo.
— Tá com a mesma cara de bobo de sempre...
— O cronômetro vai iniciar em 3, 2, 1... Valendo!
Diego anunciou e não esperei pela iniciativa do Benjamim, pois não
queria ser pega de surpresa. Fiquei na ponta dos pés e colei nossas bocas. Ele
deixou que eu pressionasse os lábios nos seus e abriu a boca lentamente para
que a minha língua seguisse ao encontro da sua. Minhas mãos permaneciam
paradas junto ao meu corpo e as dele provavelmente estavam na mesma
posição, pois não sentia nenhuma delas no meu corpo.
Escutei alguns protestos ao nosso redor, alguém dizendo que aquilo
não era um beijo de verdade, que era casto demais para um jogo de verdade e
consequência.
— É que ela é café com leite — escutei o risinho de Patty.
E então, eu cedi a provocação.
Minhas mãos envolveram a nuca do Ben para aprofundar o beijo e
dessa vez ele comandou a situação, envolvendo a minha cintura com seus
braços. Sua língua encontrou a minha e naquele instante o beijo incendiou.
Esqueço que aquele é o Benjamim, o meu melhor amigo e noto que naquele
momento eu estou beijando o cara mais desejado da turma. Ali, estou
comprovando o que todas as garotas disseram até hoje ao seu respeito: ele
tem pegada. E isso constatado quando sua mão desce um pouco, quase
apertando a minha bunda ao mesmo tempo em que ele muda o ângulo,
ajustando um novo encaixe.
Estou quase sem ar. E ele também.
As nossas bocas se afastam por milímetros para recuperar o fôlego
antes de se perderem uma na outra novamente.
— Tempo encerrado — Diego anunciou, mas foi como se nem
tivéssemos ouvido.
Suguei o lábio do meu acompanhante enquanto fingíamos que éramos
dois desconhecidos se beijando.
— Alguém joga água nesses dois — gritaram.
— Wow, foi um beijão e tanto! — Val exclamou quando nossas bocas
se afastaram lentamente. — Vocês têm certeza de que são apenas amigos?
— O beijo foi bom, mas não é para tanto cara — Benjamim sorriu —
foi só um desafio..
— Foi um desafio para você também, Jade? — Patty perguntou.
— E você tem dúvidas? — sorri — se eu não me apaixonei por
Benjamim nos últimos anos, não seria com um beijo sem importância que
isso aconteceria.
— Ben, as mulheres já caíram aos seus pés com mais facilidade, meu
amigo... — Batata perturbou.
— Algumas são imunes ao meu encanto — piscou para mim.
No fim daquela tarde eu também beijei o Filipe. Ainda melhor, uma
vez que não precisei de nenhum artifício de jogo para isso. E aquele beijo
sim, significou muito para mim.
O beijo do Benjamim seria apagado da minha memória com facilidade.
Já passou da hora de almoçar e o barulho que minha barriga emite é a
prova de que eu preciso dar uma pausa nas minhas atribuições para me
alimentar. Bloqueio a tela do meu computador e sigo em busca de uma
refeição rápida, preciso finalizar o trabalho antes das dezessete horas. Sexta
não é o meu dia habitual de ida ao salão de beleza, mas o convite de última
hora do Benjamim para a inauguração de uma boate pede um novo esmalte
nas minhas unhas... E por que não aproveitar para fazer uma hidratação nos
cabelos, não é mesmo?
Com esse pensamento, chego até a praça de alimentação do Parque
Shopping Sul, encontro um número considerável de pessoas aguardando nas
filas dos restaurantes e outras tantas ocupando as mesas, uma movimentação
típica de sexta-feira pós-almoço. Avisto o meu alvo, o Bonamassa,
restaurante especializado em massas e pastas e noto que a fila está além do
que eu estou disposta a esperar. Faço um cálculo mental de quanto tempo
levará entre a realização do pedido, o preparo do prato e a minha refeição e
chego à conclusão de que terei que optar por uma vitamina de frutas. Não é a
primeira vez que recorro a ela, é saudável e permite que eu cumpra a minha
agenda.
A jovem atendente registra rapidamente o meu pedido, vitamina de
banana com maçã e morango, entregando-me o recibo de pagamento.
Aguardo que preparem ali mesmo, próximo ao balcão, um pouco mais ao
lado para não atrapalhar os outros clientes. Enquanto espero, pego meu
celular para ler as mensagens que pipocam, uma após a outra, no grupo
“Mais que amigos, friends”. O nome do grupo é a nossa piada boba para
representar a amizade duradoura de amigos que se conheciam desde a época
da escola e nunca se separariam. Ali estão os meus melhores amigos da vida:
Val, Kelly e Benjamim.
As mensagens se alternam entre os garotos afirmando que irão beber
como se amanhã não fosse dia útil no trabalho e a Kelly querendo uma
opinião sobre o que vestir hoje à noite.

Kelly: AMIGA, o que acha desse look!?


A mensagem é acompanhada de uma foto dela usando um macacão
lurex metalizado.
Eu: Puta que pariu, belíssima!
Respondo a mais pura verdade e completo a mensagem com emoji de
carinha com coração nos olhos.
Kelly: Aprendam como elogiar uma pessoa @Ben e @Val
Responde marcando os dois e eu sorrio em resposta.
Kelly: Ela não disse que a minha roupa terá mais brilho que o globo
da boate.
Benjamim: Quer mais elogio do que comparar você com o globo da pista de
dança? O astro rei da noitada? Para melhorar meu elogio só se eu comparar
com o bar da boate.
Val: Ele tem razão amor.
Kelly: Anhan hahahahaha
Benjamim: E você Jade, vai usar um globo também?
Jade: Com toda certeza. Prepare seus olhos que brilharei mais que o flash
das suas câmeras.
Benjamim: Vou usar meus óculos escuros à noite.
Jade: É uma boa hahaha
— Pedido 3021 — quando o número do meu pedido é anunciado,
guardo o celular no bolso da calça.
Sabe quando você sente que está sendo observada? Eu sinto no exato
momento em que pego a minha vitamina, me preparando para voltar para
loja. Olho além da fila, para as mesas da praça de alimentação e encontro um
par de olhos claros cravados em mim. Desvio o olhar rapidamente,
processando a informação, mas quando volto a fitar os olhos que me
encaram, vou além e percebo que pertencem a um belo exemplar masculino.
O rosto dele se ilumina quando um sorriso surge em meio ao belo rosto. Ele
tem o queixo quadrado emoldurado por barba bem amparada, nariz
proeminente que, em conjunto com os lábios, o deixam muito belo.
Involuntariamente, me pego sorrindo de volta.
Até que uma mulher usando uniforme vermelho se posiciona ao meu
lado, criando uma barreira entre mim e o belo estranho, quebrando nossa
encarada mútua. Sorrindo, balanço a cabeça em negativa e, com essa deixa,
me encaminho de volta para a realidade. Não antes de mandar mensagem
para Kelly dizendo que acabei de ser encarada por um belo pedaço de
paraíso.
*
— Parece que todos os homens das agências de modelo da cidade estão
aqui — Kelly observa coerentemente o ambiente ao nosso redor.
Há mais gatos por metro quadrado naquela casa noturna do que em um
clube de strip tease.
— Estou amando isso aqui, é quase o céu — afirmo sorrindo.
— No céu não deve ter tanta gente com braços expostos, corpos
malhados e lábios carnudos — completa, levantando as sobrancelhas para
que eu note o que diz.
Viro-me de lado e encontro a figura que ela acaba de descrever: o
homem de regata branca com olhos expressivos e boca voluptuosa... Boca
essa que logo é capturada por uma ruiva belíssima.
— No céu das solteiras sim — gargalho — mas para ser perfeito aquele
bonitão tinha que estar disponível para mim.
— Não precisam mais nos procurar na pista, estamos aqui — Val se
aproxima com as nossas bebidas. Benjamim e ele tinham nos deixado
sozinhas para pegá-las.
— Você sabe que elas não estavam nos procurando, né? — Benjamim
ergue apenas a sobrancelha direita, sorrindo.
— Um homem não pode querer se manter na ignorância? — Val dá de
ombros sorrindo e recebe, em aprovação do pensamento, um selinho da
esposa.
— Um brinde a ignorância! — Benjamim ergue a sua long neck e
brindamos pela segunda vez naquela noite.
Alguns drinks depois e a pista de dança vira o melhor lugar do mundo.
Movo-me ao som da música eletrônica rodeada pelos meus amigos. Val e
Kelly estão no ritmo da sua própria dança coreografada, na qual corpos e
bocas se unem em uma sincronia perfeita. Benjamim não é o tipo que se joga
na dança quando está na balada, não por ausência de ritmo em seu corpo, mas
porque ele concentra, na maioria das vezes, sua atenção no que sabe fazer de
melhor: flertar. Por isso, ele até se mantém na pista conosco, mas geralmente
só se balançando enquanto analisa o terreno.
E assim, sem um pingo de esforço, ele consegue a atenção da loira com
cabelos longos e pernas gigantes que usa um tubinho rosa. A mulher o encara
enquanto balança seus quadris sensualmente e a troca de olhares dura até que
a mulher decide romper a distância.
— Você está sozinho aqui? — A loira pergunta, tentando saber se eu
sou sua acompanhante.
— Não, vim com meus amigos: Val, Kelly e Jade — nos apresenta e
sorrimos em resposta.
— Prazer, meu nome é Sarah.
— Eu espero que você também esteja apenas com seus amigos hoje —
Benjamim insinua apontando para o pequeno grupo que até minutos atrás
Sarah fazia parte.
— Com toda certeza — passa a língua no lábio inferior — posso te
apresentar aos meus amigos?
— Claro, é sempre bom ampliar o leque — assente e a acompanha até
a pequena rodinha.
— E a modelo dele? — Kelly fala alto para ser ouvida em meio a
música.
Ela se refere a Caroline, proprietária da casa noturna, foi ela quem
convidou o Benjamim para a inauguração. Havíamos sido apresentados a ela
em nossa chegada, posamos para fotos juntos e conversamos por uns
segundos até que sua presença foi solicitada em outro ambiente. A mulher se
despediu com a promessa que voltaria em breve para curtir com o Ben e seus
amigos.
— Eu espero que esteja ocupada demais como anfitriã para não
perceber o que está prestes a rolar aqui — meu olhar acompanha os corpos
cada vez mais próximos do Benjamim e sua mais recente amiga loira.
— Ele é um filho da puta sortudo! — É a afirmação do Val.
— Você acha? — Kelly arqueia a sobrancelha.
— Ele é solteiro e está aproveitando — sorri, dando de ombros — mas
eu não trocaria a gente por essa vida de solteiro. Deve ser terrível beijar cada
dia uma boca diferente, levar modelos exuberantes para a cama... — Kelly
belisca o marido que ri alto — deve ser triste a vida do Benjamim, né?
— Muito — afirmo sorrindo — vamos subir uma hashtag #ForçaBen
nas redes.
— Sim, vamos contar com o apoio das centenas de mulheres que
fizeram o terrível esforço de ficar com o nosso amigo — Kelly completa
sorrindo.
— Seremos Trending Topics Mundial.
— Já posso puxar a tag? — Val pergunta com o celular em mãos.
— Aproveita e pede ajuda da nova vítima — Kelly completa,
indicando com a cabeça a aproximação de Benjamim e Sarah.
— Vou pegar uma bebida, alguém quer alguma coisa? — O sonso diz e
todos negamos, pois sabemos que morreríamos de sede antes que a nossa
bebida chegasse.
Sarah dá um passo à frente em direção ao bar, mas meu amigo não a
acompanha de imediato, se aproximando mais de mim para me passar um
recado.
— Se a Caroline me procurar, a mantenha longe dos banheiros.
— Três minutos é bom para você? — Pergunto, imaginando quanto
tempo conseguiria segurar a mulher.
— Eu detesto fazer as coisas com pressa — sorri cinicamente —
aposto que você consegue mais que isso — ele beija meu rosto e não espera
minha resposta, se afastando rapidamente para alcançar a Sarah.
Não demora muito para que a função “melhor amiga de cafajeste”
precise ser executada. Creio que menos de três músicas depois que o Bem sai,
Caroline se aproxima de onde estamos, vasculhando a área com seu olhar
antes de lançar a pergunta.
— Cadê o Ben?
— Vocês não se encontraram? Ele saiu a sua procura já tem uns dois
minutos... — Respondo com a serenidade de quem está acostumada a fazer
aquilo sempre. São anos de exercício prático.
— Não o encontrei — nega desapontada — acho que vou atrás dele,
então — ameaça se afastar, mas logo a mantenho parada.
— Não é uma boa ideia. É melhor você esperar aqui com a gente para
não se desencontrarem mais uma vez — sorri — vou mandar mensagem para
ele dizendo que você já está aqui.
Caroline concorda sorridente.
Puxo o celular da minha pequena bolsa e desbloqueio a tela, indo
diretamente para o aplicativo de mensagens. Minhas unhas longas e
vermelhas digitam rapidamente:
Eu: Você me deve um jantar no restaurante da minha escolha. Seus três
minutos já começaram a contar, Caroline te aguarda ansiosa ao meu lado.
Benjamim: Hahahaha Pagarei com o maior prazer. Estou a caminho.
Não sabia como ele conseguia fazer aquilo, mas cerca de sessenta
segundos depois, Benjamim aparece totalmente alinhado, como se estivesse
vindo de uma missa. Ele se aproxima, colocando a mão na cintura da
Caroline enquanto pisca para mim.
Uma noite com amigos, acrescida a seis horas ininterruptas de sono,
me tornam a mulher mais feliz da cidade. E é com esse sentimento do tipo
“hoje nada pode abalar o meu dia” que caminho entre os carros do
estacionamento superior, em direção ao elevador. Menos de um minuto estou
no interior do shopping, observando a quantidade de pessoas que estão
aproveitando o sábado à tarde ali. Noto diversos casais caminhando
abraçados, muitas crianças correndo, algumas até esbarrando nas pernas de
adultos e alguns trabalhadores dando o melhor de si naquele horário. Eu estou
prestes a fazer parte do último grupo, adianto os passos entrando no corredor
que me leva até a joalheria.
Admiro a fachada com sua frente toda em vidro. Eu amo admirar
aquele pequeno grande feito. Algumas prateleiras, também em vidro,
expõem, sob uma luz especial para destacar sem afetar a cor real das peças. A
Pérola é o projeto de vida mais desafiador em que já embarquei, eu gozava
de uma boa vida como funcionária de uma multinacional que me garantia
acesso aos melhores restaurantes, viagens internacionais e bolsas de grife.
Porém, aos 25 anos fui tomada por uma vontade gigante de explorar outras
possibilidades e após meses de imersão no mundo das joias, o meu plano de
negócios estava definido e a elevada satisfação pessoal atingia níveis
astronômicos. Era aquilo que eu queria fazer e eu estava certa de que havia
tomado a decisão correta. E assim, cerca de oito meses depois da minha
demissão, inaugurei a joalheria Pérola no Parque Shopping Sul, cercada de
familiares e amigos.
Quando decidi investir meu capital e dedicação na venda de joias não
titubeei na escolha do local que abrigaria a loja: um shopping center. Além de
ser um ambiente seguro e ideal para um empreendimento desse porte, tinha
em acréscimo, todos os significados que aquele lugar carregava: poder, luxo e
praticidade. Eu amava o fato de ter tudo reunido em um só lugar, dessa
maneira, uma ida ao supermercado ou farmácia podia ter um pequeno desvio
em uma sessão de cinema, pelo menos era assim que eu agia quando fui
morar sozinha. Odiava ir ao supermercado, mas devido a minha necessidade
fisiológica de comida para me manter viva não havia alternativa, mas por que
não pegar um cinema antes para motivar a realizar essa tarefa chata? Era a
minha recompensa por ser adulta.
Afasto os meus pensamentos e entro na joalheria, indo direto para o
meu escritório, localizado discretamente no fundo da loja. Quando sigo, após
cumprimentar o aceno de cabeça feito por Ana, a vendedora daquela tarde,
uma voz masculina intercepta meus passos.
— Ela, gostaria de ser atendido por ela — curiosa, movo a cabeça em
direção ao cliente que está sentado, antes de costas para mim, e encontro
aquele belo par de olhos novamente.
O dono da voz firme e melodiosa é o pedaço de paraíso de ontem,
aquele que me encarou quando eu estava na fila... Observo que ele usa uma
camisa azul básica, de mangas curtas e sem botões, além de calça jeans
escura, compondo um estilo despojado que parece lhe cair super bem.
— Senhor, ela não é vendedora... — Ana se apressa em explicar, mas
eu a interrompo.
— Não tem problema, Ana, nós nos conhecemos — sorrio diretamente
para ele — será um prazer atendê-lo.
— Ah, desculpe-me — ela se levanta, se afastando para outro ponto da
loja.
— Nos conhecemos!? — Ele ergue as sobrancelhas sorrindo.
— Claro que sim, você não lembra? Nos conhecemos na praça de
alimentação, sou sua nova amiga Jade, eu havia esquecido a minha carteira e
você gentilmente pagou o meu pedido. Veio até aqui para que eu pudesse
quitar a minha dívida, não é senhor...
— Vitor Ribeiro, mas pode me chamar apenas de Vitor.
— Ok, apenas Vitor — sorrio.
— Eu não sei se tive oportunidade de dizer isso na primeira vez que
nos encontramos, mas você é uma mulher incrível, Jade...
Uau. Uma frase qualquer com meu nome saindo daqueles lábios já
surte efeito, mas me elogiar? Aquilo tem efeito semelhante a lançar uma
corrente de eletricidade dentro de mim. Para o bem do meu profissionalismo,
há um balcão entre nós. Graças a Deus.
— Obrigada — consigo dizer enquanto continuamos nos olhando de
maneira intensa, como se fôssemos as únicas pessoas no universo.
É como se quiséssemos guardar as imagens, capturando cada detalhe
um do outro como em uma fotografia de alta definição. Mas não, vai além, há
desejo físico latente ali e constatar aquilo me deixa animada.
Eu quero conhecer aquele homem. A fundo. E não consigo me lembrar
da última vez que isso tinha acontecido apenas com um olhar. Vitor parece
me olhar além do meu corpo e isso me desconcerta ao mesmo tempo que me
excita.
— Estou sendo uma péssima vendedora — limpo a garganta, relutante,
quebrando o contato visual — como posso ajudá-lo?
— Queria uma opinião feminina para me ajudar a escolher algo
delicado para presentear uma mulher muito importante na minha vida.
A frase tem o mesmo efeito de um copo de água gelada atingindo o
meu rosto, serve para me recordar dos nossos papéis naquela interação, ele é
um cliente e eu uma vendedora. É óbvio que um boy gato como ele está
comprometido, pelo menos eu vou garantir uma boa venda se o que ele
estiver em mente for um solitário de diamante.
— É para alguma data comemorativa: Aniversário, noivado?
— Aniversário — responde — aniversário de 60 anos da Dona
Valdete, minha mãe — solto o ar aliviada e imediatamente o sorriso volta a
estampar o meu rosto.
Qual é, Jade? Você não tem treze anos para fazer papel de boba diante
do crush.
— Dona Valdete é uma mãe mais moderna ou mais tradicional? —
Pergunto para traçar o perfil da presenteada.
— Tradicional, do tipo que deixa o Santo Antônio de cabeça para baixo
para garantir um bom casamento para os filhos — confessa sorrindo.
— Então, acho que tenho um presente ideal para ela — afirmo e abro a
gaveta dos colares em busca da joia que mais representa a dona Valdete.
No momento em que meus olhos encontram o que eu procuro, retiro e
coloco sobre a bandeja de exposição. Um belo escapulário de ouro branco,
mas no lugar das figuras religiosas há, de um lado o coração e do outro a
frase Love Religion. Assim que ele descreve a mãe como a figura que recorria
a superstições para de alguma forma atrair felicidade para os filhos, me
remeteu uma mãe amorosa e próxima aos filhos e nada mais especial que
receber o escapulário do amor. Uma peça requintada da coleção Love
Religion, idealizada por mim e que celebra o amor. As joias dessa coleção
são românticas e agradavam desde os casais de namorados até uma mulher
independente apaixonada pela vida.
— É perfeita! — Exclama levando os dedos longos ao escapulário,
tocando com vagareza a extensão do cordão, de modo que minha mente fértil
imagina como seria o toque dos seus dedos sobre a minha pele — tenho
certeza de que ela amará.
— Posso pedir para embalar para presente? — Pergunto, obrigando-me
a parar de desejar o homem.
Se o Benjamim estivesse ali ele diria que eu estou com o olhar de
maníaca, é assim que meu amigo descreve o meu olhar de flerte. Eu sempre
discordo dele, pois tenho certeza de que aquela é uma mera perturbação, mas
agora eu posso imaginar que o meu olhar de flerte para Vitor está bem
insistente, do tipo: estou te olhando fixamente porque estou louca por você e
caso você não tenha notado nos últimos vinte minutos, continuarei olhando
por mais algumas horas até que perceba.
Benjamim tinha razão, droga!
— Por favor, pode embalar — concorda, deixando o escapulário
escorrer por entre os seus dedos.
*
Se eu disser que não passei as últimas horas desejando que Vitor
mandasse uma mensagem para mim eu estaria sendo uma completa
mentirosa. Não só desejei que ele me ligasse como fiquei nervosa a cada
notificação que meu celular recebia. A nossa despedida no dia anterior
encerrou com uma troca de contato telefônico e dois beijinhos no rosto,
nenhuma promessa de “te ligo amanhã” ou “vamos qualquer coisa um dia
desses”, mas a supressão dessas frases era apenas um detalhe.
Detalhe esse que é superado quando a mensagem que eu tanto espero
finalmente chega:
Vitor Gato do Shopping: Eu sei que posso parecer tolo ou pior um
homem com pensamentos obsessivos, mas a verdade é que não consigo parar
de pensar em você. E a cada vez que olho para minha mãe usando o
escapulário que ela tanto amou, eu penso mais em você. Nesse exato
momento estou cogitando ir à farmácia em busca de algum remédio que
combata os efeitos de conhecer Jade.
Durante a leitura daquelas palavras é inevitável não sorrir, é fofo o jeito
como ele diz que também pensou em mim.
Eu: Tenho uma sugestão melhor: que tal conviver mais comigo!?
Aposto que a exposição ao alvo da sua fraqueza é o tratamento que você
precisa.
Estranhamente eu me sinto confortável com um homem que eu
conheço há tão pouco tempo, as coisas parecem naturais entre nós. Com ele
eu não tenho receio de mostrar meu interesse, não há aquela penumbra que
sempre existe quando eu conheço um homem: Será que ele espera que eu seja
a doce presa esperando para ser conquistada? O ano é 2021 e isso é muito
comum na minha vida de solteira, demonstrar interesse parece assustar alguns
homens ou na pior das hipóteses passar a impressão de que eu sou uma
mulher fácil demais. Um pensamento completamente retrógrado, mas
infelizmente recorrente. E com Vitor parece ser diferente, ele faz com que eu
me sinta à vontade para ser eu mesma.
Vitor Gato do Shopping: Eu aceito a sua sugestão. Quando começa a
minha exposição a sua linda presença?
Eu: Tenho um horário livre na minha agenda amanhã à tarde. Você
está disponível para iniciarmos as nossas sessões?
Vitor Gato do Shopping: Eu estou mais que disponível, estou ansioso.
Aquele clima gostoso de flerte dura até os primeiros raios do sol
aparecerem e eu adormecer com um sorriso no rosto e o pensamento no belo
Vitor de olhos marcantes.
*
É apenas mais um encontro Jade.
Mais um dos que você compareceu nos últimos dezoito meses desde
que terminou com seu último namorado.
Apenas uma oportunidade para conhecer uma nova pessoa e passar as
próximas horas em boa companhia.
Repito aquilo várias vezes enquanto faço o trajeto até a joalheria, para
convencer o meu corpo de que não há motivo para estar nervosa. Eu sei que o
Vitor será uma companhia mais que agradável, então por que eu o convidei
para assistir um filme ao invés de jantar? Talvez por que eu pretendo juntar a
fome com a vontade de comer? Eu quero muito assistir a estreia de uma
comédia romântica nacional e a Kelly está atolada em trabalho e não pode me
acompanhar, então, por impulso convidei o Vitor sem saber se ele gosta do
gênero. O que é um risco para o primeiro encontro, mas o convite foi feito,
agora eu espero que o clima do cinema salve o meu encontro.
Vitor me aguarda na entrada do cinema quando eu chego no horário
exato da sessão, havia ficado presa no trabalho em meio a uma reunião
monótona com o meu contador. Com sorte os trailers demorariam o tempo
suficiente para nos acomodarmos nas nossas poltronas.
— Desculpa por te fazer esperar — digo, ofegante pela caminhada
apressada.
— A espera valeu a pena — sorri — vamos!?
Para onde você quiser... É a minha resposta mental.
— Vamos! — É o que meus lábios emitem.
Os ingressos, comprados por ele, são checados pelo atendente e a nossa
entrada liberada. Enquanto caminhamos em direção a sala 05, ele faz uma
confissão.
— As nossas poltronas estão localizadas no meio, é uma estreia e
aparentemente toda a cidade resolveu assistir ao filme — o tom dele é o de
um pedido de desculpas.
— A culpa é toda minha que resolvi assistir um lançamento em um
domingo à tarde — afirmo para tranquilizá-lo. — Espero, ao menos, que o
filme valha a pena.
— Quem precisa de um bom filme quando se está na sua companhia?
— Continue pensando assim até o fim da sessão — pisco para ele que
sorri em resposta.
A escuridão do ambiente nos engole assim que entramos na sala e eu
levo alguns segundos para me acostumar com aquela alteração de imagem.
Vitor assume a dianteira e logo a luz que sai do seu celular ilumina o piso em
minha frente. Ele se coloca como um guia e me oferece a sua mão, quando
nos tocamos a sensação de familiaridade me atinge, parecia que já havíamos
caminhado de mãos dadas dezenas de vezes.
Atravessamos a escuridão com o Vitor iluminando o nosso caminho,
quando chegamos na fila da nossa poltrona, passamos pelo corredor repleto
de casais e ocupamos nossos respectivos lugares bem a tempo de o filme
começar.
— Droga — resmunga baixinho — esqueci de perguntar se quer
pipoca, chocolate... água?
— Não, obrigada.
— Certeza? Eu posso sair rapidinho e comprar.
— Eu quero apenas que você esteja aqui ao meu lado — afirmo e ele
acaricia a minha mão em resposta.
A comédia romântica na telona é daquelas que eu costumo assistir
sábado à noite antes de dormir, com aquele tipo de roteiro que aquece o
coração, trazendo uma personagem feminina tão humana que parece ser a sua
melhor amiga ou você mesma. No filme daquele dia, temos a Mandy que
após um pé na bunda do homem da sua vida decide recomeçar a vida em
outra cidade. A escolha dela? Um pequeno vilarejo com menos de 20 mil
habitantes. Naquele lugar ela se reconecta com a velha Mandy e encontra o
amor mais uma vez. Adam, um viúvo introspectivo que mora com seus 3
filhos, conquista o coração da mocinha... O resto da história é clichê, ela
segue cheia de dúvidas a respeito daquele amor: estaria ela mesmo disposta a
arriscar seu coração mais uma vez, embarcando num relacionamento com um
combo de três filhos pequenos? A trama leva o espectador a reflexões sobre
amizade, lealdade, amor e escolhas, tudo isso com uma delicadeza que leva
das lágrimas à gargalhada em uma fração de segundos. A cena final é Mandy
caminhando de braços abertos para a sua escolha e sendo recebida por oito
braços afetuosos que afirmam em uníssono que o coração deles é o seu lar.
Levo a mão ao rosto para enxugar a lágrima solitária que corre livre,
antes que as luzes se acendam e Vitor me flagre naquela situação, mas o
gesto é interceptado por um toque suave, seus dedos gentilmente capturam
minha lágrima.
Viro a cabeça em sua direção e me perco na intensidade do seu olhar
que segue para a minha boca e o que eu tanto espero acontece. Vitor inclina a
cabeça e os nossos lábios se encontram, se abrindo para permitir o avanço das
emoções. A mão, que segundos atrás estava no meu rosto, encontra a minha
nuca e o beijo se aprofunda, fazendo o meu coração bater
descompassadamente e esquecer das pessoas ao meu redor.
Uma voz feminina pede licença e no fundo, eu sei que o correto é
continuar aquele beijo em outro lugar, mas não consigo me afastar dos seus
lábios, então ignoro a voz e me concentro apenas no toque macio dos seus
lábios e todas as sensações que aquele beijo me provoca.
É intenso.
É doce.
É um beijo como os de cinema que merece ser transmitido em todas as
sessões da tarde.
Uma mensagem no meu Instagram e sou imediatamente transportada
para o ano de 2008. E logo a visão da Jade adolescente surge na minha
mente: espinhas no rosto, piercing no umbigo, fios extremamente lisos
alcançados através da chapinha. Para a menina de cabelos cacheados e
volumosos a chapinha foi a melhor revolução tecnológica, ela garantia o
efeito liso rapidamente e sem muito esforço. Ela continua sendo uma das
minhas aliadas para manter os fios lisos.
Não posso lembrar da adolescência sem falar das roupas de gosto
duvidoso... Eu amava as calças coloridas, tendência das bandas juvenis. No
meu guarda-roupa tinha uma para cada cor do arco-íris, de modo que durante
muito tempo o meu apelido em casa era garota Restart.
O Ensino Médio era uma época de descobertas e inseguranças, corpo
em transformação, sentimentos conflitantes, namoros platônicos, incertezas
quanto ao futuro, alguns laços de amizade fortificados e outros desfeitos,
enfim, todos os dilemas da adolescência elevados à décima potência. Claro
que havia o lado bom, os namoradinhos reais, os garotos sem camisa na aula
de educação física, os passeios da escola, as tardes comendo brigadeiro e
falando de garotos, realizadas sob a desculpa de estar estudando e a amizade
do meu trio favorito: Benjamim, Kelly e Val, eles tornaram essa fase muito
mais feliz.
Todos esses pensamentos passam pela minha cabeça enquanto leio a
mensagem no direct do meu Instagram que diz para integrar o grupo da turma
de 2008 do 3ºA. O convite realizado pela Leidinha, uma colega com a qual eu
não tenho contato há anos, é para fazer parte do grupo no WhatsApp. O
objetivo não é apenas reconectar os vínculos perdidos ao longo dos anos, mas
uma festa para celebrar a nossa turma em uma confraternização de celebração
dos treze anos da nossa formatura do Ensino Médio.
A ideia é aceita de imediato por todos os vintes e cinco ex-alunos, o
clima de alegria é predominante, as pessoas parecem ansiosas em reencontrar
velhos amigos e retomar amizades. Assim, três meses depois do contato
inicial, a festa havia sido idealizada e organizada sob o comando da Leidinha
e da Patty.
Hoje é dia desse reencontro e a minha carona chegará em dois minutos.
Para esse encontro decido usar uma calça preto em crepe, modelo
pantalona, e blazer da mesma cor. Para quebrar a seriedade e dar um ar
sensual, aposto em um sutiã rendado que pode ficar a mostra lindamente.
Observo a minha imagem refletida no espelho de corpo inteiro e sorrio para a
versão adulta da Jade. A mulher que me encara de volta não alisa mais os
cabelos para se igualar as outras meninas, meus cachos secos e rebeldes me
fizeram sentir bastante frustração no passado. Mas hoje eu mantenho os fios
longos e alisados porque quero, não para me encaixar em padrão. Passei da
fase que odiava os meus fios, venci a transição capilar e até os mantive
cacheados por um tempo, todo o processo me fez perceber que eu posso
escolher ser como quiser, inclusive uma negra de cabelos lisos.
Ainda tenho algumas espinhas ocasionais no rosto, que insistem em
aparecer na TPM e as linhas de expressões começam timidamente a surgir,
me recordando que não sou mais uma garotinha. Depois dos trinta, aquilo não
me incomoda mais tanto quanto antes. Não, eu não me tornei a mulher mais
confiante do mundo, mas aprendi a lidar com as minhas inseguranças.
Duas buzinadas em sequência anunciam a chegada de Benjamim.
Busco minha bolsa e pego as chaves de casa, fechando a porta antes de me
dirigir até o portão.
Hoje ele será o motorista da rodada, como é um reencontro,
provavelmente eu beberia e não ele. Em algumas festas, eu, ele, Kelly e Val
fazemos revezamento na direção, dando a oportunidade de os amiguinhos
beberem e seguirem respeitando o código de trânsito brasileiro.
— Que cheiro é esse? — Indago quando a porta é aberta para que eu
entre no carro. — Trocou de perfume?
Aquele cheiro não me lembra em nada perfume masculino, é
extremamente doce e enjoativo. Meu olfato sensível o rejeita prontamente.
— Você não saberia se eu trocasse de perfume... — Arqueia a
sobrancelha.
— Eu sei a senha do bloqueio de tela do seu celular, como não saberia
do seu perfume!? — sorri — e se te conheço bem, esse cheiro doce não é da
sua mãe...
— Você realmente me conhece bem. O que me lembra de mudar a
senha do meu cartão urgentemente — mostro a língua para ele como fazia
quando era adolescente e ele me provocava.
O gesto o faz sorrir abertamente.
— O cheiro deve ser da minha última carona, ela estava fotografando
para uma marca de perfumes e ficamos até tarde no estúdio...
— Posso imaginar todo o resto.
— Não, Jade — move a cabeça em negação — você sequer consegue
imaginar como acabei com o perfume dela impregnado por todo o meu corpo.
Faço cara de nojo com aquela insinuação, imaginando como se
esfregaram no banco em que estou sentada.
— Espero que não tenha nenhuma impregnação nesse lugar que minha
bela bunda ocupa.
— Talvez no banco de trás — insinua sorrindo — pode ficar tranquila
que a sua bunda está em um local imaculado.
— Isso me deixa mais tranquila — afirmo e ele põe o carro em
movimento.
De acordo com o Waze, o trajeto da minha casa até o salão de festas
levará aproximadamente trinta minutos e durante o caminho aproveito para
atualizar o Benjamim a respeito dos nossos ex-colegas.
Desde que aquela mensagem chegou no meu direct, fui tomada pela
mosquinha da curiosidade e passei a visitar as redes sociais dos meus antigos
colegas de turma em busca das suas versões atuais. Descobri nessas buscas,
por exemplo, que a Leidinha investiu em uma paleteria mexicana que faliu
em doze meses, depois investiu capital em uma franquia de produtos infantis
e colecionáveis, por fim, atualmente em parceria com o marido atuam no
ramo alimentício produzindo refeições saudáveis. Informações irrelevantes?
Sim. Mas, alimentaram a alma curiosa que habita em mim e agora eu
compartilho com o meu amigo.
— Esses eram os que tinham o Instagram aberto — finalizo a
atualização dos dados — ainda tem aqueles que não devem ter redes sociais.
Estamos em um mundo globalizado como alguém pode não estar nas redes?
— Talvez a pessoa esteja querendo fugir dos stalker, como você.
— Eu não sou stalker — bato leve em seu braço — sou curiosa.
Ele ri.
— A sua curiosidade chegou até sua antiga paixão!? — Olha para mim
de soslaio — aposto que ele perdeu os músculos e agora tem uma barriga de
chopp, deve estar calvo e com muitas rugas ao redor dos olhos.
— Isso é um desejo ou uma praga?
— É uma constatação da passagem dos anos.
— Os anos passaram e você continua bonito. Aposto que esse será o
tema central das rodas de conversa. Enquanto a mim caberão os comentários
“vai ficar para titia, hein?” “melhor arrumar logo um marido, antes que fique
velha demais para ter filhos” e tantos outros impertinentes que me causarão
uma irritação tremenda e me fará questionar por horas por que eu concordei
com a ideia de encontrar um bando de gente que não vejo há anos —
desabafo.
— E por que isso te causará irritação? — Arqueia a sobrancelha — não
é só mandar a pessoa tomar conta da sua vida e seguir o baile!?
— Por que não deixa de ser verdade, Benjamim — justifico — esses
comentários me lembram que tenho 32 anos e eu preciso correr contra o
tempo se quiser ter um filho.
— Você ainda é jovem.
— Quando você é mulher você nunca está na idade correta, você
sempre é nova ou velha demais para algo. Tenho uma coleção de
relacionamentos que nunca evoluíram para um matrimônio, de modo que, um
filho parece algo cada dia mais distante. Quero me apaixonar, fazer planos,
casar e ter filhos. Quero que meus filhos sejam fruto de amor.
— Aí é complicado... — Sorri.
— É, eu sei — concordo, resignada — mas, sou brasileira e mantenho
a minha esperança. Quem sabe o pai dos meus filhos esteja mais próximo do
que eu imagino...
*
Benjamim para o carro no estacionamento privativo em frente ao salão
de festas e eu me olho pela última vez no espelho que carrego na bolsa.
— Pronta para encontrar o antigo amor da sua vida? — Indaga.
— Pronto para encontrar a Patty? — Devolvo a pergunta.
Ele sorri e seguimos lado a lado até a porta principal.
Há uma música pop atual recepcionando os convidados, confesso que
fiquei com receio de ser uma festa nostálgica e tocar apenas as canções da
nossa época. Assim que adentramos no ambiente confirmo o quanto o
saudosismo será reduzido as conversas, a decoração é clean e requintada, os
tons de marfim e rose gold se complementam tornando a experiência visual
agradável aos olhos. O enorme lustre pendente no centro do salão fecha a
decoração com chave de ouro. Ponto para a Patty. Havia esquecido como ela
era boa em dar festas.
Meus olhos guardam o máximo de informações do ambiente antes de
serem capturados por uma figura masculina, de maxilar quadrado e dentes
mais brancos que as nuvens do céu, que caminha em minha direção de braços
abertos. Consulto com o olhar Benjamim, em questionamento mudo, sobre
quem é esse homem que aparece efusivamente feliz ao me ver e eu não
recordo da existência.
— A stalker aqui é você. — Sussurra.
Em uma fração de segundos, sou capturada pelo homem em um abraço
desajeitado. A surpresa do abraço faz com que nossos braços não se
encaixem, minhas mãos ficam presas junto ao meu corpo, devido à pressão
dos seus braços sobre mim. Quando o homem se afasta, noto que Benjamim
segura o riso.
— Como você tá, Jade? — O olhar dele percorre o meu corpo e volta a
se concentrar no meu rosto. — Você não mudou nada.
Ao contrário de você...
Tento recapitular meus vinte e cinco colegas de turma e nenhum se
encaixa naquele perfil. Talvez ele seja o companheiro de algum dos
presentes, não era o namorado da Paulinha que tinha um maxilar quadrado?
Busco na memória as semelhanças...
— Já você mudou cara — Benjamim deve ter notado a minha aflição e
assume o tom da conversa — da última vez que nos vimos você não tinha...
— Esse cabelo, né? — O homem diz e Benjamim concorda — fiz um
implante na Turquia, técnica refinada capilar. Posso passar o contato para
você depois.
Qual dos nossos colegas desenvolveu calvície nesses anos? Sigo
tentando decifrar o homem à minha frente.
— Ficou muito natural — Benjamim comenta.
— Assim como a harmonização facial — diz orgulhoso — quando a
minha esposa falou: Batata essa técnica vai apenas trazer a simetria do seu
rosto. E não é que ela estava certa?
Não, ela estava errada!
A técnica devolveu mais que uma simetria ao Batata, o rapaz com
bochechas acentuadas e lábios finos havia sido apagado e agora existia um
maxilar marcado e lábios acentuados. Não havia nada de errado com o rosto
dele antes, assim como não tem nada de errado agora. Eu que não
acompanhei a transformação e agora estava surpresa com o novo Batata.
— Não vai me contar que após essas mudanças, você acabou retirando
a batata das suas refeições? — Benjamim pergunta sorrindo.
Ele ganhou esse apelido porque era viciado em batata. Batatas de todos
os tipos e preparos estavam incluídas nas suas refeições.
— De jeito nenhum — ele ri — e acho que isso é genético, viu? Meu
menino de três anos ama batata.
— Ryan — o chamo por seu nome de batismo — você tem um filho?
— Tenho e mais um a caminho — afirma com orgulho — deixe eu te
mostrar o primogênito — ele saca o celular do bolso e logo uma infinidade de
fotos do filho é exibida. Noto pelo canto do olho, Benjamim se afastar em
direção a mesa de canapés.
Após a cronologia do nascimento do baby Ryan através das fotos, sigo
para cumprimentar rostos conhecidos. Abraços e beijinhos me levam até a
rodinha da Patty e seus amigos. E lá está ele, o garoto que fez meu coração
bater rapidamente e minha mãos suarem: Filipe Assis.
E dessa vez não sinto nada quando nossas peles se tocam em um
abraço caloroso, nosso contato dura pouco, pois seu telefone toca e ele
precisa sair rapidamente para atender. Nos poucos minutos que conversamos
ele confessa que está casado e se tornou pai recentemente, provavelmente é a
esposa ao telefone.
Entre um gole de champanhe e outro, relembramos os antigos
professores, os passeios em turma, as festas. Sinto-me de volta às reuniões da
turma, com exceção do champanhe nas minhas mãos, é igualzinho às
confraternizações de 2008: todos reunidos gargalhando e um atropelando a
fala do outro. Kelly e Val abraçados e trocando carícias, Patty e Benjamim
flertando em meio a sorrisos e conversas ao pé do ouvido. As coisas não
mudam...
— E aí Jade, não conseguiu mesmo fisgar o Benjamim, né? Eu tinha
certeza de que vocês ficariam juntos depois que banquei o cupido — Diego
indaga como o babaca que sempre foi. Deixando claro que algumas coisas
realmente nunca mudam.
A risada cessa e os olhares recaem sobre mim.
— Quando a gente não tem o que falar, a gente mantém a merda da
boca fechada! — Kelly afirma com uma determinação no olhar de quem
parece prestes a se voluntariar para manter a boca fechada do Diego pelo
resto da noite.
— Seu comentário é tão impertinente que não merecia uma resposta,
mas eu serei generosa com você, pelos velhos tempos. — O sorriso se
mantém no meu rosto enquanto eu falo — Benjamim e eu somos amigos e
continuaremos sendo pelos próximos trezes anos. E aquele beijo que
aconteceu tantos anos atrás não significou nada para nós.
— Absolutamente nada! — Benjamim confirma.
— Se vocês estão dizendo... — Diego dá de ombros sorrindo.
— Sim, nós estamos dizendo — rebato — talvez na sua visão reduzida
de mundo, homens e mulheres não possam ser melhores amigos, mas isso
existe. E Benjamim e eu somos a prova viva de que um homem e uma mulher
podem manter uma relação pautada apenas no afeto e no amor, sem o sexo
como objetivo final ou inicial.
— Você descreveu o meu casamento — alguém grita e o salão explode
em uma gargalhada.
As horas correm e as pessoas começam a se despedir com as habituais
frases “não vamos perder o contato, hein?”, “não vamos mais esperar trezes
anos para nos juntar”, “bora marcar uma pizza qualquer dia desses.” Sabemos
que, provavelmente, se ninguém tomar a frente para organizar uma nova
reunião, um encontro com todos acontecerá daqui a mais treze anos, mas
agimos de modo contrário e concordamos com um sorriso no rosto.
Duas pessoas desapareceram antes das despedidas e presumo que elas
estejam juntas. E para confirmar as minhas suspeitas a mensagem do
Benjamim chega:
Benjamim: O carro que transportaria você até em casa está prestes a
ser impregnado nesse exato momento. Você consegue um carro limpo?
Eu: Eca hahahaha Não se preocupe, pode relembrar os velhos tempos
à vontade.
Benjamim: Dizem que recordar é viver, né? Rsrs Prometo que da
próxima vez deixarei você em casa antes de impregnar o meu carro.
Envio como resposta um emoji de carinha mostrando a língua.
Benjamim: Avise quando chegar em casa.
Eu: Pode deixar, mande um beijo para Patty.
Benjamim: Seu beijo chegará em cada parte dela.
Estou prestes a sair do aplicativo de mensagens para solicitar um carro
quando noto uma mensagem não lida do Vitor, a mensagem é de uma hora
atrás.
Vitor Gato do Shopping: Estava pensando em você. Na verdade, vivo
pensando em você. Nesse exato momento estou pensando em você
gargalhando e conversando com seus amigos, relembrando o passado e
questionando ao universo por que não fomos da mesma turma. Queria ter
mais lembranças com você. Mas fico feliz pelos seus amigos por desfrutarem
da sua companhia, espero que eles estejam fazendo isso por mim.
Eu: Eu que me questiono como não te conheci antes... Você é tudo que
procuro há anos.
E encaro a frase enviada, não é uma mentira, mas estou prestes a
apagar. Aquele não é o tipo de afirmação que dizemos após um primeiro
encontro, é? De toda forma, ele já deve estar dormindo, vou apagar e mandar
outra coisa.
Mas antes que eu possa apagar ele fica online. E começa a digitar...
Vitor Gato do Shopping: Agora que você me encontrou, o que
pretende fazer a respeito disso?
Eu: Você está acordado =O
Vitor Gato do Shopping: Peguei você no flagra rsrsrs Já está em
casa?
Eu: A caminho, vou pedir um carro.
Vitor Gato do Shopping: Eu pego você, manda o endereço.
Eu: Não quero te dar trabalho…
Vitor Gato do Shopping: Trabalho nenhum. Não me negue a
oportunidade de passar mais tempo com você.
Eu: Se você insiste.
Envio a localização.
— Você tem certeza? — Vitor pergunta, fazendo a dúvida se instalar
na minha mente.
Segundo encontro, Jade!
Vai convidar o cara para sua casa só porque ele te deu carona?
Cadê a regra das três vezes que você disse que cumpriria para não o
assustar?
— Agora que você perguntou, acho que talvez não tenha sido uma boa
ideia.
— Não é uma boa ideia, é excelente. Só perguntei se tinha certeza para
tentar ser um homem decente — ele sorri e eu acompanho aqueles lábios se
esticarem lindamente.
Como seria sentir sua boca em meu pescoço?
Não custaria a descobrir, afinal o que de pior pode acontecer?
Ele sair correndo da sua cama depois de gozar em cinco minutos! Meu
cérebro alerta. Mas aí é melhor descobrir logo e seguir em frente! O lado
pragmático decide.
— Vamos entrar!
Abro a porta do carona enquanto ele sai pelo seu próprio lado, travando
o carro com o alarme automático. Enquanto abro o portão, tento não olhar
para os lados para ver se havia vizinhos espreitando pelas janelas, mesmo
sendo tão tarde.
Meu pai sempre repete que eu deveria morar em um condomínio,
alegando segurança e tudo o mais, mas a verdade é que gostei da minha casa
desde o momento em que a corretora me levou para olhá-la.
Passo pela porta da frente, sendo seguida por ele de maneira quase
imediata.
Estou prestes a me virar para dizer a típica frase “pode entrar, fique à
vontade” quando sou interceptada.
— Espero que não me julgue mal, mas eu preciso fazer isso — ouço
suas palavras antes de sentir suas mãos me puxando pela cintura, seus dedos
quentes diretamente contra a minha pele enviam um arrepio que reverbera em
meu interior.
Quando aqueles lábios incríveis encontram os meus sinto vontade de
gemer. Sim, eu estou fazendo isso porque eu queria e não importa o que virá
depois. O beijo dele é um indício de que valerá a pena.
Seu beijo faz com que eu abra mais a boca, permitindo sua busca por
todos os meus espaços. Revido a exploração, sentindo sua textura quente na
ponta da minha língua.
Os dedos de Vitor lentamente deixam minha cintura e seguem até o
meu sutiã preto de renda, aquele escolhido a dedo para ser exposto embaixo
do meu blazer. Empino meu tronco, satisfeita com o toque e sugerindo que vá
em frente.
Ele sorri e se afasta do meu beijo para deslizar por meu queixo. Nesse
segundo, respiro fundo e noto que a temperatura está aumentando
rapidamente. Eu preciso me livrar daquele blazer inconveniente antes que
derreta aos pés desse homem.
Jogo a peça aos meus pés no momento em que ele passa a beijar meu
pescoço. A barba dele é uma delícia de sentir contra a pele, eu passaria horas
esfregando-a em meu corpo inteiro. Principalmente no meio das minhas
pernas.
— Você é linda, Jade — ele sussurra, enquanto me olha.
Levo as mãos até o fecho traseiro do meu sutiã e abro os ganchos sem
hesitação, diante daquele par de olhos hipnotizantes.
— Perfeitos — balbucia, levando uma mão a cada seio.
Vitor os acaricia, apertando de leve, como se precisasse sentir a textura.
Sinto a porta atrás das minhas costas quando ele me gira e me apoio ali,
me oferecendo a ele.
— São para você.
Ele não precisa de outro incentivo, suas mãos os apertam tentando uni-
los, enquanto sua boca passa a prová-los. Seu beijo vai de um seio a outro,
com vontade, devorando-os como se estivesse faminto.
Com fome de mim.
Da minha pele.
Do meu sabor.
Gemo quando o sinto sugar o bico duro do seio direito, tomando tudo
que eu havia oferecido. Vitor se dedica naquela função e me enlouquece
completamente apertando, sugando e lambendo meus peitos.
— Quero ver você — gemo, puxando sua camiseta branca.
Ele ergue os braços e eu tiro a peça.
Ele é lindo.
E real.
Sua vasta cabeleira já indicava que haveria mais lugares com pelos, a
não ser que ele vivesse toda semana fazendo depilação. Seu peito continha
belos fios lisos, o suficiente para marcar sua virilidade e eu quis lamber toda
a sua pele, seguindo o caminho que se perdia em sua bermuda.
Sua barriga é seca, definida, mas sem muitos gominhos. Deixo meus
dedos passearem por ela para me certificar de que não é do tipo dura demais.
Vitor é lindo como um príncipe, mas real como um ser humano, sua
beleza é perfeita e nada esculpida.
— Gostoso — verbalizo ao perceber que passei tempo demais o
admirando — eu quero você dentro de mim.
— Eu vim preparado — sorri tirando um preservativo do bolso de trás.
— Quer dizer que estava pensando em transar quando me ofereceu
carona?
— Não me culpe por ter esperanças.
Ele se aproxima em apenas um passo e logo nossas bocas se colam.
Dessa vez, porém, é mais urgente. Apressado. Ainda mais quente.
Línguas se devorando, mãos se caçando, corpos se colando.
Quando sinto sua ereção contra mim, eu me esfrego contra ela, indo de
um lado para o outro para causar fricção.
Ele geme contra meus lábios e me puxa, mas não há mais espaço entre
nós.
Vitor interrompe o beijo e lambe do meu queixo até o meu umbigo.
Um rastro quente e molhado que me marcaria para o resto da vida.
Ao chegar no cós da minha calça, ele a puxa para baixo, fazendo a peça
escorregar por minhas pernas. Chuto-a para o lado.
De cima, eu o vejo afastar minha calcinha.
Ele não a tira, coloca para o lado antes de dar uma lambida na minha
boceta.
Seus dedos exploram, afastando os lábios antes que os dele se
concentrem ali, em um beijo íntimo tão intenso quanto o que tinha dado na
minha boca.
Afasto as pernas, buscando me abrir um pouco mais.
Não é o suficiente.
Coloco meu pé, ainda calçado na sandália de salto, em seu ombro,
buscando abertura.
Consigo e naquele ângulo, Vitor enfia um dedo longo enquanto sua
língua trabalha sem parar no meu clitóris.
— Isso! Por favor, não pare!
Sinto a vibração partindo dos seus gemidos contra minha boceta, ao
mesmo tempo em que ele soca o dedo dentro de mim. Estou mais molhada,
mais quente e quase no ponto, quando ele muda o lugar das suas lambidas.
Eu levo minha mão direita até sua cabeça e seguro firme em seus
cabelos castanhos, guiando sua boca de volta ao lugar anterior. O mantive ali
até retomar a sensação cada vez mais crescente. Quando ele enfia mais um
dedo em mim, mantendo o ritmo das estocadas, eu sei que estou explodindo.
Meu coração dispara e tudo ao meu redor parece se mover, como se
estivéssemos no meio de um furacão.
— Ahhh — fecho os olhos e estremeço, apertando um pouco mais os
fios dele contra os meus dedos.
Sinto-o abaixar minha perna, me apoiando enquanto fica de pé.
Abro os olhos e o assisto se livrar do restante das suas roupas. Faço o
mesmo com a calcinha que me resta enquanto noto sua ereção e sinto vontade
de me ajoelhar para levá-lo ao êxtase da mesma maneira que ele havia feito
comigo. Quando estico minha mão, fazendo menção de tocá-lo, Vitor me
encara sorrindo.
— Depois, eu não aguentaria muito e quero entrar em você agora —
diz, ofegante enquanto coloca o preservativo.
— Então, vem cá, também estou maluca para ter você — dou alguns
passos até estar, de fato, na sala de estar.
Ando sobre o tapete, sentindo sua maciez sob meus pés.
Me deito com as costas no tapete e me preparo.
Vitor não demora, logo está ajoelhado, se inclinando sobre mim.
Rapidamente, abro as pernas, ansiando para que me preencha. Eu o quero
dentro de mim, conhecendo cada canto do meu interior, me fodendo com
desejo.
Minha pele volta a arder antes mesmo que ele pincele minha entrada.
Vitor se apoia em um braço, pairando sobre mim, enquanto sua mão livre
conduz seu pau. Quando ele encaixa, eu sinto um arrepio de desejo me
percorrer. Ergo o quadril, apressada, querendo que ele avance sem receios.
Vitor me provoca, saindo completamente.
Choramingo, prestes a abrir a boca para protestar, quando ele entra de
uma só vez.
— Isso! — Grito com o impulso.
— Que delícia, Jade — ele sussurra, saindo devagar — queria
prolongar isso, mas...
— Não se preocupe, apenas vai!
Ele assente e fecha os olhos.
Eu adoraria encará-los, mas entendo que ele está fazendo um esforço
sem tamanho para não gozar rápido. Vitor sai e entra de mim algumas vezes,
ainda devagar, baixando a cabeça para chupar o bico do meu seio direito. Ele
o suga, como se mamasse com fome, tentando me fazer ir além.
Prendo seu corpo com minhas pernas, apertando firme para impedir
que se distancie. Ele abre os olhos e me encara, entendendo o desafio. Ele
passa a fazer força para se afastar, enquanto eu seguro firme para que não se
solte e aquela pequena guerra me faz quase explodir. Contraio os músculos,
sentindo-me mais e mais molhada, quase pingando.
Eu o solto por mim, quase no ponto de explodir novamente e ele não se
segura mais. Vitor geme, me estocando com força. Dando tudo de si,
entrando e saindo rapidamente.
Ouço o barulho dos nossos corpos.
Ouço meus gemidos incontidos.
Ouço ele quase urrando, desesperado.
Faço força, deslocando um pouco meu corpo para erguer meu quadril.
Assim, elevando minha bunda, mudo o ângulo de onde ele estoca e me
contraio, quando ele acerta em cheio dentro de mim. Grito completamente
perdida.
Com o coração disparado e a respiração ofegante, tento não perder o
show dele. Noto seu rosto vermelho, a testa franzida e os seus olhos
fechados, bem apertados. Os braços que ele apoia no chão para não cair sobre
mim estão tensos, tremendo levemente, enquanto o aguentam enquanto ele
me fode.
O choque entre nossos corpos fica mais rápido quando, finalmente, o
ouço gritar.
— Ah, ah, aaaa! — Observo enquanto ele estremece, tão perdido em
seu prazer quanto eu mesma estava.
Ele sai de dentro de mim e rola para o lado para não me esmagar, se
deitando de costas no tapete.
Uau. Tinha sido bom. Muito bom, na verdade.
Nossas respirações vão se estabilizando um pouco mais a cada segundo
e eu me pego pensando: e agora?
Eu deveria convidá-lo para ficar até amanhecer ou isso seria pressão
demais?
Ele seria capaz de se oferecer para dormir ou imaginaria que eu
estranharia tal pedido.
Ai, Jade e agora?
O silencio está ficando constrangedor.
— Eu...
— Você... — Falamos ao mesmo tempo.
E gargalhamos logo depois.
— Você primeiro — falo, alguns segundos depois.
— Eu preciso ir embora — diz, por fim.
É claro.
— Tudo bem — me sento no tapete.
— Gostaria de ficar — continua, também se sentando. — Mas não
posso, tenho um compromisso bem cedo.
— Não precisa justificar, Vitor — dou de ombros, ficando de pé.
— Sei que não precisa, mas achei melhor deixar claro.
— A gente se fala — informo, andando até o meu blazer.
Parecia menos constrangedor me cobrir nessas cenas de despedida pós-
sexo.
Coloco o blazer e a calcinha, enquanto ele cata as próprias roupas,
vestindo rapidamente.
— Da próxima vez eu vou ficar a noite inteira com você — sussurra, se
aproximando de mim.
— Vou aguardar ansiosa por isso — sorrio, sincera.
— Vou te avisar quando chegar em casa e assim que tiver um tempo
amanhã, vou te ligar.
— Vitor, não precisa...
— Shiii — ele coloca o dedo sobre os meus lábios — não é uma
promessa vazia, vou fazer isso.
Sua boca substitui seu dedo, tomando para si os meus lábios.
— Boa noite, Jade.
— Sonhe comigo, Vitor.
*
Depois que ele se vai, tomo banho e me preparo para dormir.
Não foi estranho constatar, no dia seguinte, que eu havia sonhado com
ele. Por um segundo, penso que nossa transa também foi fruto de um sonho,
mas o preservativo e a embalagem na minha sala me provam que foi muito
real.
E eu quero repetir.
Não sei dizer o momento exato em que me peguei fazendo planos
imaginários com o Vitor, deve ter sido entre as nossas inúmeras mensagens
diárias ou a forma como o meu corpo encaixa perfeitamente ao seu. Eu só sei
dizer que o meu último pensamento antes de dormir vem sendo ele.
Nós saímos cerca de oito vezes em um mês e aquilo parece bem
promissor.
— Eu acho que estou apaixonada! — Verbalizo pela primeira vez
aquela sensação crescente em meu peito.
A minha amiga pousa lentamente o abridor de vinho sobre a bancada
da cozinha e me fita com uma expressão séria. O timing da minha confissão
talvez a tivesse surpreendido e era compreensível. Havia menos de dez
minutos que ela tinha cruzado a porta da minha casa acompanhada de uma
garrafa de vinho pronta para dar início à noite das meninas, que consistia
basicamente em confabular sobre as nossas vidas comendo qualquer coisa
gostosa e bebendo vinho.
— Nossa, quem poderia imaginar que esses suspiros constantes eram
oriundos de uma paixão? — A expressão do seu rosto se suaviza e o sorriso
característico retorna. A safada estava brincando com a minha cara —
cheguei até a cogitar que você estava sofrendo de algum quadro respiratório
agudo.
O riso alto escapa da minha garganta e Kelly me acompanha.
Parecemos duas hienas gargalhando na cozinha.
— Besta! — Digo após me recuperar da gargalhada — tô tão com cara
de boba apaixonada, assim!?
— Tá — afirma sem titubear. — Amiga, quando você fala o nome do
Vitor seus olhos brilham.
— Ai meu Deus! — Escondo o rosto entre as mãos — você acabou de
descrever uma adolescente apaixonada e não uma mulher de mais de trinta
anos — completo sorrindo.
— Não tem nada a ver com idade, é sempre excitante se apaixonar, o
fogo da paixão ditando as nossas vontades... Vai negar o quanto isso é bom?
— Questiona.
— É maravilhoso! — Sentencio — quero estar com ele o tempo todo,
ouvir a sua voz, sentir o seu cheiro, beijar a sua boca.
— Você está oficialmente apaixonada! — Vibra — e isso pede um
brinde! — Fala no momento exato que retira a rolha da garrafa. Coloco as
taças vazias a sua frente que as preenche um segundo depois.
— À nova paixão da Jade! — Kelly ergue a taça e a minha junta-se a
dela selando o brinde — agora me conta TUDO: ele te faz sorrir, te faz sentir
a mulher mais incrível do mundo, te leva a orgasmos arrebatadores? — Me
leva pelo braço em direção a sala e só me solta quando ocupamos o sofá.
— Sim para todas as respostas.
— Então, é mais que justificável a sua paixão — pisca pra mim. —
Quando vou conhecer o seu eleito?
— Calma — bebo um gole do vinho tinto — a gente não é oficialmente
um casal, então acho que poderia se assustar apresentando aos meus amigos.
— Isso é questão de tempo — afirma — se ele for inteligente, logo
estarão oficializando a relação e darei um jantar para vocês na minha casa.
— Aposto que você vai adorá-lo amiga, Vitor é doce, atencioso e bem-
humorado.
— Meu tipo favorito — ela ri.
— Que coincidência, é o meu também — acompanho a sua risada.
O resto da noite é preenchida por nossas risadas e meus relatos
patéticos. Era oficial: eu estava apaixonada pelo Vitor.
*
Ontem ele havia me mandado mensagem, me convidando para jantar.
Segundo ele, o lugar era surpresa, como os outros detalhes da noite. O meu
papel era estar pronta hoje, no horário marcado e o resto era com ele.
A campainha notifica a chegada do Vitor, mas ele está uma hora
adiantado, segundo o relógio do celular. Jogo o roupão por cima do meu
corpo e caminho para recebê-lo. O toque insistente da campainha segue os
meus passos e os apresso para encerrar aquele som irritante.
— Tudo isso é saudades minha? — Indago assim que abro a porta,
encarando a figura masculina que aguarda no portão.
— Que demora — Benjamim responde — estava no banho?
— Não. O que você está fazendo aqui? — Pergunto, abrindo o portão.
Ele não me responde antes de entrar e se esparramar no meu sofá.
— Estou com fome e lembrei que te devo um jantar. Então, decidi
juntar o útil ao agradável. Veste qualquer coisa e vamos, pensei em irmos
naquele restaurante de frutos do mar que você gosta.
— Infelizmente, nosso jantar ficará para outro dia, estou de saída.
— De roupão? — Arqueia a sobrancelha.
— Eu estava prestes a vestir a minha roupa e calçar meus saltos quando
um certo ser apressado fincou o dedo na minha campainha como se estivesse
em um estado real de urgência.
— Mas o meu estado é de urgência real — defende-se — estou
morrendo de fome e me desloquei quilômetros para levar minha amiga para
jantar.
— Dramático!
— Quem você vai encontrar, é a Kelly? Chama ela para jantar com a
gente.
— Não é a Kelly.
— É o tal do Vitor de novo?
— Ele me convidou para jantar — informo sorrindo.
— Qual restaurante vocês vão?
— Não sei, é surpresa.
— Um jantar romântico surpresa? — Questiona, analisando a situação.
— Acho que não, é apenas um jantar.
— Nem você acredita nas suas palavras — discorda sorrindo.
— Ok, eu acho que vai ser romântico. Ele é esse tipo de cara.
— E você gosta desse tipo de cara.
— Sim, eu gosto do Vitor.
— A ponto de jantar em uma rede de fast-food?
— Eu não vejo problemas de jantar fast-food com a pessoa que gosta.
— Você está apaixonada... — Ele afirma como se tivesse feito a
descoberta do século.
— Estou e nem comece a me sacanear por isso — digo sorrindo.
— Eu jamais te sacanearia por ficar toda bobinha com um jantar
romântico — perturba.
— Você estava com fome... — Recordo.
— Estava pensando em ficar mais um tempo para conhecer o senhor
romântico — coloca os braços atrás da cabeça no sofá assumindo uma
postura ainda mais relaxada.
— Nada disso — rebato — você vai levantar essa bunda do meu sofá e
sair por aquela porta.
— Está com receio de que eu conte sobre a adolescente desajeitada e fã
de boyband? — Arqueia a sobrancelha.
— Você não vai fazer isso — ele me encara em desafio — ok, não
hoje.
— Terei outras oportunidades para falar de você — Ben se põe de pé
em um salto — agora deixe eu buscar uma amiga na minha agenda para me
acompanhar em um jantar fabuloso de frutos do mar.
— Que grande sacrifício — sorrio. — Tchau, feche o portão — me
despeço após abrir a porta.
— Tchau — quando estou prestes a fechar a porta, ele impede com o
pé — Jade está apaixonada, Jade está apaixonada — ele canta de um jeito
tipicamente infantil.
Fecho a porta e sigo a com a canção cantarolando na minha cabeça até
o meu quarto.
*
A surpresa preparada pelo Vitor supera as minhas expectativas. O lugar
escolhido para o nosso jantar é um lindo restaurante que se assemelha à
fachada de um chalé. O clima bucólico do ambiente nos recepciona e meu
encantamento aumenta quando adentramos no restaurante, noto as luzes
suspensas e flores campestres decorando o interior do recinto.
Um maitre nos guia até um novo espaço do restaurante, uma área ao ar
livre, onde os candeeiros e as velas são responsáveis pela iluminação, a dose
extra de romantismo faz meu coração acelerar quando nossos olhares se
encontram através da luz de velas e ele sorri para mim.
— Você está me mimando muito. Não que eu esteja reclamando, mas
olha isso tudo! — Indico com a cabeça o ambiente à nossa volta.
— Nada menos do que você merece — sua mão encontra a minha
sobre a mesa e o toque transmite múltiplas sensações em meu corpo.
— Você sabe como agradar uma mulher...
— Quero agradar você — sentencia e o meu coração bobo dá uma
pirueta. — Estou no caminho certo?
— Sim, parece que você encontrou a rota direto para o meu coração —
inclino meu corpo até as nossas bocas se encontrarem.
O beijo é lento e delicado e ainda assim agita cada partícula do meu
corpo. Volto a ocupar o meu lugar no exato momento em que o garçom
retorna para anotar os nossos pedidos.
Decidimos aceitar a recomendação do garçom para o prato principal, a
especialidade da casa: fondue de filé mignon ao vinho e para
acompanhamento batata sauté.
A comida está extremamente saborosa e alvo de múltiplos elogios do
Vitor ao garçom que demonstra imensa felicidade em ter acertado na
sugestão. Confesso que já estava satisfeita quando Vitor sugeriu a sobremesa:
Brownie de chocolate com sorvete de baunilha e calda de chocolate, mas
assim que a imagem do brownie banhado pela calda se forma na minha
mente, eu decido que há espaço na minha barriga.
Enquanto aguardamos a sobremesa, conversamos sobre as nossas
agendas da semana. Ele irá participar de um curso de especialização na
cidade vizinha e ficará quatro dias ausente. Apesar do tempo ser breve, é o
máximo de dias que ficaremos longe desde que nos conhecemos.
— Como vou sobreviver quatro dias sem beijar essa sua boca linda? —
A minha pergunta faz a risada dele ecoar no ambiente.
— Vai sentir falta apenas da minha boca, Jade?
— Não — balanço a cabeça — vou sentir falta de você por inteiro.
Quer que eu enumere as partes que sentirei mais falta?
— Por favor... — A boca dele se curva em um sorriso malicioso.
A minha boca se abre para listar cada parte dele quando o garçom
surge no meu campo de visão, andando em direção a nossa mesa. Fecho a
boca e espero que o garçom se retire para dar prosseguimento.
O que acontece a seguir rouba as minhas palavras, a sobremesa é
colocada à minha frente e meus olhos a fitam e demoram a decifrar o que
enxergam. Na parte superior do prato branco de porcelana está o brownie e
mais abaixo está escrito com calda de chocolate: Quer namorar comigo?
— Quer ser a minha namorada, Jade? — A pergunta dessa vez sai dos
seus lábios, como para certificar que o pedido não foi entregue à mesa errada.
— Sim — as palavras mal saem dos meus lábios e logo são engolidas
pelo beijo apaixonado.
Como se o pedido de namoro não tivesse deixado claro o suficiente,
Vitor me prova que a paixão é recíproca por meio de um buquê de rosas
vermelhas e um cartão fofo, enviado para a joalheria, alguns dias depois, com
as seguintes palavras:
Estou apaixonado por você, Jade. E agora?
E agora, eu torço para que dure para sempre.
Não é pedir demais, é?
Em média, a cada três meses eu entro no estúdio do Benjamim para ter
o meu dia de modelo fotográfica. O mercado das joias está em constante
transformação com suas tendências e a cada grande coleção, eu preciso criar
uma estratégia digital de marketing e isso incluí fotos profissionais para
publicidade nas redes sociais da empresa. No início, eu pagava uma modelo
para essa função e estava satisfeita, mas um imprevisto me fez ocupar o lugar
da mulher e Benjamim me convenceu de que eu era boa naquela tarefa, disse
que as lentes me adoravam e desde então eu sou, literalmente, a cara da
minha joalheria.
Hoje é um desses dias, iremos fotografar a coleção de brincos
Swarovski. O conceito da sessão é do Benjamim, o meu papel, como ele
sempre diz, é ficar à disposição das suas lentes e obedecer aos seus
comandos.
— E o jantar no McDonald 's foi bom? — Consigo ver o sorriso dele
atrás da câmera.
Incapaz de resistir a sua provocação, saio da minha posição inicial e
busco seu olhar para fazer a minha revelação:
— Ele não só me levou a um restaurante chique, proporcionando um
jantar mega romântico, como me pediu em namoro.
— E como foi esse pedido de namoro? Não me diz que o restaurante
tinha um cara com violino e ele foi o som que acompanhou o pedido em
frente a dezenas de outros clientes? — Ele sai de trás da câmera para me
encarar, o sorriso debochado presente no rosto.
— Foi igualmente romântico — sorrio com a lembrança — meu
pedido de namoro veio acompanhado da sobremesa
— Que brega! — Seu rosto se contorce em uma careta.
— Não é nada — discordo sorrindo — só fala isso porque acha
qualquer demonstração de amor brega.
— E eu estou errado?
— Erradíssimo, eu espero ansiosamente pelo dia que uma mulher vai
te colocar de quatro e te tornar um homem brega. Nesse dia, tomarei meu
vinho e sorrirei das voltas que o mundo dá.
— Pode apostar que o dia que eu ficar de quatro por uma mulher é para
ser o submisso dela e isso será puramente sexual, nada romântico — pisca
para mim — agora volte à posição inicial e tente não dizer a cada cinco
minutos o quanto o seu namorado é romântico.
As fotos recomeçam e o ar profissional de Benjamim retorna, as
brincadeiras pausam e a sua voz é apenas para me direcionar para as lentes.
Entre uma ordem e outra, ele solta elogios sobre como as fotos estão ficando
ótimas.
Uma pausa é realizada para a troca dos acessórios, o foco agora será
nos braceletes e anéis. A alteração das joias acompanha uma mudança no
meu perfil, Benjamim orienta a equipe de apoio, formada apenas por uma
maquiadora e sua assistente, que substituíssem o batom nude por um tom de
vermelho aberto. A transformação não se restringe a maquiagem, mas
também a minha vestimenta. O vestido marfim é substituído por uma camisa
social branca masculina, a peça seria usada de forma despojada, deixando um
ombro de fora e os primeiros botões abertos revelando o meu colo.
A minha confiança no meu amigo é tamanha que eu não questiono as
suas escolhas. Se Benjamim acredita que aquele é o melhor look para a foto,
eu acato de olhos fechados. E assim é feito, minutos depois eu ocupo
novamente a marcação central.
— Silêncio no estúdio, vamos recomeçar a sessão — Benjamim
anuncia — está pronta, Jade?
— Nasci pronta, bebê! — Pisco para ele que sorri.
— Ótimo — ele ajusta a luz e volta a me orientar — agora, apoie os
braços na mesa e leve as duas mãos ao queixo — simultaneamente a sua fala,
obedeço aos seus comandos — os dedos cerrados, suavemente... Perfeita! —
Os flashes disparam em minha direção e mantenho a pose. — A minha lente
é o seu alvo, jogue seu charme para ela!
A instrução me faz sorrir.
— Isso, continue sorrindo que ela está gostando muito de você. Leah
ligue o ventilador.
A corrente de ar chega ao meu rosto e me sinto uma diva pop com os
cabelos em movimento enquanto sou fotografada.
— Continue a sedução Jade, leve as mãos ao rosto e me lance um olhar
fatal. O mesmo que usaria para conquistar qualquer astro dos Vingadores que
você segue nas redes sociais e vive dando like nas fotos sem camisa.
— Idiota! — A minha risada é alta.
— Vamos Jade, imagine que o Thor está à sua frente e você quer o
martelo dele em suas mãos.
— Como você é baixo! — Rebato sorrindo.
— Isso, você está conquistando o martelo do Thor... — Não é o Thor
que eu tenho em minha mente quando emano um olhar sedutor, mas sim o
Vitor.
E como em um passe de mágica, ele se materializa no meu campo de
visão e eu não preciso mais pensar nele para dar às lentes do Benjamim o
meu olhar mais sedutor.
— Ei, eu estou à sua frente! — Sou repreendida.
— Desculpa, a culpa é minha. — Vitor sai da penumbra e caminha em
nossa direção.
— E quem é você? — Benjamim indaga com uma postura inquisidora.
— Esse é o Vitor, meu namorado — os apresento — Vitor, esse é o
Benjamim, meu melhor amigo.
— Ouvi falar muito de você — Vitor sorri e estende a mão em
cumprimento para Benjamim e eles trocam um aperto de mão breve.
— Eu também, cheguei até a cogitar que você era uma fantasia da
cabeça criativa da minha amiga — Benjamim não perde a oportunidade de
brincar comigo.
— Agora você sabe que não é uma fantasia, pois meu namorado é
lindo e real — atiro-me nos braços do Vitor e nos beijamos, sob o olhar do
Benjamim.
— Cheguei mais cedo de viagem e pensei em ver a minha namorada
no seu dia de modelo, fiz mal?
— Você nunca faz mal.
— Eu não quero atrapalhar o casal, mas será que podemos retomar a
sessão?
— Só mais dois minutinhos, por favor — tento negociar com o Ben em
modo fotógrafo.
— Um minuto que é o tempo de trocar a lente da câmera.
— Obrigada — sorrio — como foi a viagem?
— Ruim, senti saudades de você o tempo inteiro.
— Eu também morri de saudades sua.
— Jade... — Benjamim me chama.
— Eu preciso voltar — faço biquinho.
— Vamos ver pelo lado positivo: quanto mais cedo recomeçar, mais
rápido você estará livre e passaremos as próximas horas juntos.
— Essa é uma boa perspectiva — meus lábios se colam aos dele em
um beijo rápido e corro para minha posição inicial para não cair na tentação
de continuar beijando aquela boca linda.
— Silêncio! — Ben solicita — Jade, agora se debruce sobre a mesa
apoiando a cabeça sobre o braço direito. Deixe a mão livre descansar sobre
esquerdo. Assim — aproxima-se para colocar na posição ideal — ok.
Ele volta a me fotografar, dessa vez, ocupando o lugar bem próximo a
mim. Agacha-se à minha frente e me fotografa na mesma posição
ininterruptamente. Os únicos sons do ambiente são os dos comandos da sua
voz e os cliques automáticos do flash.
— Feche os olhos!
Cerro as pálpebras e mentalizo para que a sessão chegue logo ao fim.
*
— O chope não tá cancelado, né? — Benjamim indaga enquanto troco
de roupa atrás do biombo. Vitor havia se retirado da sala para atender uma
ligação.
Merda, eu havia esquecido que combinamos de irmos até um barzinho.
— Vai dizer que o senhor romântico não bebe chope? — Pergunta
diante do meu silêncio.
— Nada de apelidos — peço — o nome dele é Vitor e ele deve gostar
sim.
— Esqueci que o senhor romântico, digo Vitor — dá uma risadinha —
jamais levaria a amada para beber chope. Aposto que vocês se deliciaram
com espumantes e vinhos de safras antigas. Ele é o cara que gira a taça e
inala o cheiro do vinho antes de degustar — completa com deboche.
— E se for, qual o problema? Você é insuportável! — Afirmo saindo
detrás do biombo.
— Um insuportável que você ama — rebate.
— Vamos amor? — Vitor pergunta após o seu retorno.
— Esqueci que tinha combinado com meus amigos de irmos até um
barzinho — explico — pensei que você poderia se juntar a nós, apreciar um
chopinho e conhecer os demais integrantes do meu quarteto... Que tal?
— Eu topo!
— Oba, mais um para dividir a conta — Benjamim comemora.
*
Após três rodadas de chope, Vitor se torna amigo dos meus amigos. Ri
das piadas do Benjamim, conversa animadamente com o Val sobre esporte e
ouve atentamente a Kelly. Eu não tinha dúvida que meus amigos iam aprová-
lo e estou ainda mais feliz que Vitor tenha gostado dos meus amigos.
— Hora do banheiro das meninas — Kelly anuncia antes de me
arrastar junto com ela. — Onde você encontrou esse homem, amiga? Agora
eu entendo a sua súbita paixão, ele é lindo, educado e engraçado. — Kelly
questiona quando estamos distantes dos rapazes.
— Ele que me encontrou.
— Sortuda.
— É, eu sou. — Concordo sorrindo.
Eu me sinto cada dia mais feliz e sinto que é apenas o começo.
Um ano depois
Estamos juntos há um ano, quase não dá para acreditar!
365 dias desde que Vitor e eu oficializamos nosso namoro e eu posso
garantir que tinha sido um dos melhores anos da minha vida.
No âmbito profissional, as coisas estão seguindo bem seu fluxo e a
joalheria me dá bons retornos, tanto que consegui reinvestir, inovando na
escolha de grifes e me beneficiar dos ganhos. Não há dívidas em aberto, por
isso, posso finalmente gritar aos quatro cantos que estou tendo lucro. A
projeção está se concretizando e se continuar assim, em poucos anos eu posso
expandir, abrindo outras lojas.
E no campo amoroso, as coisas estão ainda melhores. Parece que,
finalmente, eu encontrei o homem perfeito. Vitor é romântico, atencioso e
sempre que podemos estamos juntos.
Hoje, para comemorar nosso primeiro ano juntos, eu preparei um
presente especial: me arrisquei a fazer uma joia exclusiva para ele. É uma
pulseira em prata 925 que se assemelha a braçadeira de um relógio, porém
com apenas um centímetro de largura. O detalhe principal é uma cruz
cravejada de topázio. As pedras me lembram seus olhos, claros e límpidos, e
a religiosidade remete ao presente que fez com ele fosse até minha loja, o
passo inicial da nossa relação. Fecho a caixinha preta de veludo depois de
admirar a peça pela última vez, antes de guardá-la na minha bolsa.
Estou usando um vestido midi de cor borgonha, com mangas curtas em
decote ombro a ombro e saia assimétrica, meio rodada na altura dos joelhos.
A peça é romântica e combina com a ocasião, nós combinamos de jantar para
comemorar, depois ele vem dormir aqui em casa e eu comprei uma lingerie
especialmente para quando voltarmos.
Vamos nos encontrar no restaurante e eu estou prestes a sair de casa
quando uma mensagem dele, no WhatsApp, me faz parar.
Vitor: Amor, a reserva foi cancelada, acabaram de me avisar.
Eu: Não acredito :(
Vitor: Sinto muito, mas pensei em irmos ao nosso cinema, que tal?
Como no nosso primeiro encontro.
Aquilo não chega nem perto do que eu espero para aquela noite, mas
fazer o que? Respiro fundo, um pouco decepcionada, e me limito a responder
que está tudo bem. Não demora nem um segundo para que ele me envie outra
mensagem.
Vitor: Te encontro lá. Sessão das 19h, filme da Mulher Maravilha.
Mulher Maravilha? Ok, minha noite romântica está virando uma noite
qualquer em que assistimos filme de ação.
Eu: Tudo bem, amor, já estou de saída. Vou usar a mesma roupa que
ia para o jantar, então não estranhe por não me ver de calça jeans.
Vitor: Você fica incrível usando qualquer coisa. Até já.
Respiro fundo enquanto coloco o meu carro em movimento, em
direção ao shopping em que trabalho todo santo dia.
Jade, veja o lado bom, ele ressaltou que ali foi o primeiro encontro,
isso é fofo, não é?
— Ele é maravilhoso, você é uma mulher de muita sorte — sorrio para
o retrovisor central, encarando a mim mesma.
No momento em que estaciono, faltam dez minutos para que a sessão
comece. Por isso, acelero os passos, me equilibrando no salto até chegar na
frente do cinema. Não há filas, por sorte, então consigo comprar meu
ingresso rapidamente. Ao contrário da recepção vazia, a sala está
completamente lotada, só tem um lugar disponível nas filas centrais. Pelo
menos é no canto, ao lado das escadas, dessa maneira não preciso me
espremer entre as pernas das pessoas para chegar ao meu lugar.
— Não seria possível sentar ao lado dele, dá para piorar? — Reclamo
sozinha enquanto me dirijo ao banheiro, sempre fico com vontade quando os
filmes são longos demais.
Uso o banheiro, lavo as mãos e sorrio para o meu reflexo no grande
espelho. Não importa como vai ser esse início de noite, vai terminar tudo
bem. Torço para que o Vitor compre pipoca e dê um jeito de trocar de lugar
com quem quer que esteja ao nosso lado para que nos sentemos juntos...
Estou quase fazendo uma oração andando para a sala em que o bendito filme
será exibido.
A sala já está escura quando entro, eu consegui me atrasar?
Sento-me no lugar destinado a mim e abro a bolsa, procurando meu
celular.
Ao desbloquear o aparelho, vou em busca da mensagem do meu
namorado que me diria que ele estava ali me esperando, mas não a encontro.
Não há mensagem do Vitor, por isso, decido ligar para ter certeza de que
havia chegado.
Vários toques depois, nada de ele me atender.
— Droga! — Reclamo ao notar que os anúncios e trailers antes do
filme já estão chegando ao fim — me atende, amor.
Será que Deus está testando a minha paciência hoje?
Ele queria que eu me mostrasse calma e tranquila quando sentia
vontade de bater o pé? Talvez seja um teste do destino, Vitor nunca me viu
estressada, nossos encontros sempre são tranquilos e divertidos, essa é a
primeira vez que ele me veria estressada. Mas não vai acontecer, eu vou
respirar fundo e assistir sozinha, depois a gente se encontra e salvamos o
restante da noite.
Quando a abertura começa, relaxo e me preparo para ver a história da
lendária Diana de Themyscira, mas uma falha faz o telão se apagar. Demora
alguns segundos para que a tela se acenda novamente e a logomarca da
Mulher Maravilha apareça ali.
Nada me prepara para o que vem a seguir.
Quase caio da poltrona quando, ao invés da Diana, começa a ser
reproduzido um vídeo meu. Eu estou andando em um jardim, fazendo poses e
graça para a câmera. Aquela gravação foi feita pelo meu namorado, da última
vez em que fomos passear.
Levo as mãos ao rosto, completamente chocada, ao ouvir sua voz ecoar
pela sala.
Dessa vez, Diana não será a protagonista dessa sessão. Uma mulher
muito mais forte e incrível, dona de um sorriso perfeito e um coração imenso
é a minha Mulher Maravilha.
Jade, há um ano você transformou os meus dias. Ao longo desses doze
meses eu me vi cada vez mais preso ao seu laço mágico.
Eu sorrio com a referência ao Laço da Verdade da heroína dos filmes.
Sinto meus olhos arderem, com lágrimas se formando diante da
grandiosidade daquilo tudo.
Nossas fotos passam, lembrando os momentos até que um vídeo
diferente ocupa a grande tela. É o Vitor, seus olhos lindos e brilhantes
invadem a cena e a câmera se afasta até mostrá-lo inteiro, abotoando sua
camisa social branca. A câmera o acompanha até entrar em seu carro e logo a
cena é cortada para o shopping.
Aquele é o presente de aniversário de namoro mais incrível do mundo.
Na entrada do cinema ele recebe um buquê de flores e...
Aquilo é ao vivo? Em tempo real?
Antes que eu possa decodificar o que está acontecendo, a câmera o
acompanha entrando na sessão em que eu estou e tudo se ilumina. As luzes se
acendem como num passe de mágica, no momento exato em que ele aparece
de pé, ao meu lado.
Meu coração bate descompassado, minhas lágrimas descem em
cascatas pelo meu rosto, não quero nem ver como eu estou sendo vista por
quem está ao meu redor. Nada importa além do homem segurando um buquê
de flores que... está se ajoelhando?
— Jade, você aceita ser a minha mulher? Maravilhosa você já é — eu
o ouço dizer isso, mas paraliso de emoção.
Meu Deus, um pedido de casamento?
— Aceita! — Alguém grita.
— Diz sim! — Outra voz incentiva.
— Aceita, aceita — um coro passa a ser entoado ao meu redor, me
tirando do leve transe em que me encontro.
Fico de pé, sentindo minhas pernas trêmulas e sorrio para o amor da
minha vida.
— Sim, eu aceito — verbalizo, meio chorando, meio sorrindo.
Ele também fica de pé e eu me jogo em seus braços.
Suas mãos seguram em minha cintura enquanto os meus braços
prendem sua nuca.
— Não acredito nisso — sussurro contra o ouvido de Vitor.
— Você achou que ia dar tudo errado? — Assenti — já deu certo.
Afasto-me do abraço caloroso para que ele coloque uma aliança de
ouro amarelo em meu dedo anelar da mão direita.
Eu sorrio, encarando aquele novo adorno.
Pego o outro anel e levo até a mão dele, que está suada, provando que
eu não sou a única nervosa nessa situação.
Vários flashs disparam naquele segundo, me fazendo olhar ao redor.
Vários rostos conhecidos estão ali. De imediato, reconheço meus pais
acenando de uma das fileiras abaixo da que eu estou sentada. Noto o Val e
Kelly mais em cima e ao lado deles está o Ben, meus amigos queridos
fazendo parte daquele momento mais que especial. Aceno para eles,
balançando minha aliança como uma noiva exibida. Eles sorriem e eu me
viro para o meu futuro marido.
— Você me surpreendeu — confesso — não consigo imaginar o
trabalho que deu armar isso tudo.
— Por você, cada esforço valeu a pena.
— E agora? — Pergunto, ansiosa.
— Vai passar o filme, um pouco atrasado, mas vai ter a sessão. Você
quem sabe se a gente assiste ou não.
— E os nossos amigos e familiares?
— Tem uma reserva para nós todos no Finesi.
— O daqui do shopping? — Pergunto boquiaberta.
— Sim — ele ri.
— Então, podemos ver o filme, comemorar no restaurante e finalizar a
noite lá em casa, o que acha? Estou com vergonha de sair correndo como
uma louca, minha mãe me mataria. E você teve todo esse trabalho...
— Como você quiser, meu amor.
E assim nós fazemos. Vitor se senta ao meu lado, assistimos ao filme e
ao término dele, nos dirigimos para o restaurante da reserva.
*
Depois de cumprimentar meus pais e meus sogros, vou falar com os
meus amigos. Vitor fala com o pai enquanto eu corro para os braços da Kelly,
antes que ela possa se sentar.
— Ai meu Deus! — Grito agarrada a ela — como você pode ser capaz
de me esconder isso?
— Desculpe amiga, mas não dava para estragar os planos do bonitão
— ela gargalha. — Tive que ajudar a trazer seus pais e mais uns convidados
que o Vitor ainda não conhecia, mas deu tudo certo.
— Você é maravilhosa! Não consigo acreditar ainda, foi tão surreal,
gente!
Saio dos braços da Kelly e sou prontamente abraçada pelo Val.
— Você merece e o cara fez bonito, hein? Praticamente fechou o
cinema, fica até difícil de ser romântico depois disso — passa as mãos nos
cabelos enquanto dá de ombros.
— Até parece que você se esforça — a esposa joga em sua cara.
— Aí, vai sobrar para mim.
— Em minha defesa, soube disso ontem e quase te contei — é a vez do
Benjamim me estender os braços.
— Ontem? E não deu com a língua nos dentes? Estou completamente
chocada com você!
Eu o abraço com carinho. Ben me segura firme, transmitindo seu afeto
através daquele gesto.
— Viu? Sou extremamente digno de confiança. Quase um poço sem
fundo para segredos...
— Também não precisa exagerar — perturbo, me libertando daquele
abraço apertado — estou tão feliz!
— Jura? Quase não dá para perceber por esse sorriso esticando toda a
sua cara, está me assustando! — Benjamim arregala os olhos, fazendo graça.
— Você não vai me tirar do sério hoje — abro ainda mais a boca,
mostrando quase todos os meus dentes.
— Nossa!
— Veio com uma roupa perfeita, hein? Aposto que as fotos estarão
lindas — minha amiga elogia e eu dou uma voltinha.
— Quando achei que fosse perder de desfilar com esse vestido para
estar escondida no escurinho do cinema, confesso que quase chorei.
— Tanta coisa para fazer no escurinho e você ia chorar? — Benjamim
alfineta novamente.
— Seu pervertido — rebato. — Bom, acho que vou voltar para o lado
do meu noivo. Ai, meu Deus: meu noivo, eu tenho um noivo, minha gente!
— Estou tão feliz em te ver feliz assim, Jade — Kelly segura em
minha mão, apertando com carinho.
— Eu também — seu marido trata de completar.
— E eu, né? — Ben sorri.
— Não preciso nem dizer que vocês serão meus padrinhos, não é? —
Verbalizo, de súbito.
— Não acha melhor discutir isso com seu noivo antes? — Val ri.
— Meus padrinhos quem vai escolher sou eu! — Decreto.
— Tem a questão de quantidades e tal... — Kelly me lembra — mas é
claro que nós vamos adorar, não é pessoal?
— Vamos estar lá com todo amor do mundo!
— Obrigada, Val.
— Mas isso ainda deve demorar, não é? — Benjamim questiona,
erguendo as sobrancelhas.
— Não sei, Ben, acho melhor você começar a se preparar: você será
meu padrinho de casamento. Por favor, tente não comer todas as madrinhas
do noivo.
— Agora estou começando a ver vantagem... — ele abre um pequeno
sorriso sacana. Daqueles que dá quando pensa em mulheres seminuas. Ou
totalmente nuas.
— Benjamim! — Repreendo.
— Eu serei seu padrinho de casamento, Jade.
— Vou mandar o convite e tudo o mais, mas só de saber que posso
contar com você lá, fico muito feliz.
— Sempre ao seu lado — ele sorri.
— Vocês serão os melhores padrinhos do mundo — expresso,
abraçando os três de uma só vez.
E eu serei a noiva mais feliz do mundo.
Muito em breve.
Jade e eu somos melhores amigos.
Desde sempre.
Na verdade, não é desde sempre, mas não consigo me lembrar de uma
vida em que ela não estivesse presente. Quando meus pais se divorciaram, ela
foi fundamental. Pediu aos dela para que eu passasse o fim de semana com
eles e, dessa maneira, dona Berenice e seu Ismael tiveram privacidade para
gritar e decidir como as coisas seriam entre nós todos. Quem sairia de casa?
Com quem o filho ficaria? E as despesas? Imagino que eles tenham usado o
tempo que passei com a família Moraes para decidir.
Val, Kelly, Jade e eu somos um quarteto e tanto. Amigos para o que
der e vier. Sempre achei que éramos como as Tartarugas Ninja, por mais que
ninguém concordasse. Leonardo, o discípulo mais fiel e alinhado aos
ensinamentos de Mestre Splinter era o Val. Ele é calmo, espiritualizado e
bem mais sério que o restante de nós. Sua esposa é o oposto: a esquentadinha.
Por isso, Kelly seria o Raphael que é a tartaruga mais agressiva, rebelde,
teimosa e propensa a acessos de raiva. Donatello é o mais pacífico do
quarteto, por essa razão a Jade seria ele. Em vez dos punhos, o dono da faixa
roxa, preferia utilizar sua excepcional inteligência para resolver seus
problemas, bem como ela. Por último, mas não menos importante, com
personalidade muito mais extrovertida, relaxada e brincalhona estava o
Michelangelo. Eu seria ele, o engraçadinho. É a analogia perfeita, por mais
que as meninas detestem sempre que eu a uso, alegando que além de serem
todas machos, as tartarugas são feias e não se assemelhavam em nada a elas...
Bem, eu continuaria usando sempre que precisasse se referir ao nosso grupo.
“Quarteto fantástico” é tão batido que eu precisava de uma referência nova.
— Ninguém está achando estranho? — Questiono, quando encontro
Val e Kelly na porta do cinema.
— O que? — Meu amigo ergue as sobrancelhas.
— O cara vai atrasar uma sessão de cinema! — Verbalizo.
— E vai ser muito romântico — Kelly rebate.
— Sei lá, estou achando meio megalomaníaco, para que tudo isso? —
Dou de ombros — e tem mais...
— Sempre tem — desdenha a única mulher presente, assoprando as
unhas como se precisasse secar o esmalte.
— Um pedido de casamento já? Só tem um ano que eles estão juntos...
— Às vezes é inversa a proporção do sentimento ao tempo — Val
explica.
— Sim, mas...
— Qual é o problema afinal, Benjamim? — Kelly me encara,
mostrando que sua paciência está chegando ao fim e que eu devo ir direto ao
ponto.
Mas acontece que não tem ponto algum. Eu só estou pensando a
respeito de tudo. Mais precisamente, eu penso naquilo desde ontem, quando
Val me avisou da surpresa do Vitor. É uma quebra de paradigma muito
grande a Jade se casar.
— Não tem problema, é que se eu pedisse alguém em casamento com
apenas um ano de namoro algo estaria errado.
— O erro nessa frase está em você namorando alguém por tanto tempo
— rebate.
— Au, essa doeu! — Val gargalha.
— Ei, mocinha, alto lá! Não lembra da Silvia? Namorei com ela por
um ano.
— Silvia é a aquela que pegou você dando em cima da irmã dela? —
Estreita os olhos e franze a testa enquanto me desafia a responder.
— Eu não estava dando em cima dela — argumento — era ela quem
estava dando em cima de mim — dou de ombros.
— Ponto para ele, querida, se ficou mais de 365 dias com a Silvia,
então ele rebateu o seu argumento.
— Ok, mas ainda não entendi onde está o erro no fato de o Vitor achar
nossa amiga sensacional ao ponto de não esperar mais para pedi-la em
casamento.
— Talvez, ele queira dizer que é pouco tempo para ter certeza de que
quer se amarrar a alguém.
Kelly gira lentamente seu tronco, sem mover as pernas, para encarar o
marido que está ao seu lado.
— Então, para você casar é se amarrar? Deixa ver se eu entendi, nosso
casamento é tipo uma prisão, Valmir?
— Não ponha palavras em minha boca, Kelly — defende-se
rapidamente.
— Ei, amiga, se considerarmos que a comida da prisão é ruim, o sexo é
regulado, com data marcada e que não tem liberdade, acho que tem muitas
semelhanças, não é? — perturbo.
Kelly me encara, se virando, mas não consegue se conter. Ela cai na
gargalhada, acompanhada por seu esposo e eu sorrio aliviado por ter
dissipado a tensão. Se bem que o fato de estarem rindo é porque minha
comparação está correta, o que me faz ter mais certeza ainda que não quero
me casar.
— Bem, vamos, é hora do show — anuncio, apontando para dentro do
cinema.
Nós compramos lanche e seguimos para a sala em que deveria ser
exibido, naquele horário, o filme da Mulher Maravilha e tomamos os nossos
assentos. Tudo fica escuro algum tempo depois, por isso sequer vejo quando
Jade entra. Quando os trailers começam, eu já comi metade da saborosa
pipoca. Aquela fonte de fibras lambuzada em gordura, geralmente não está
incluída na minha alimentação que tem o foco de me manter seco e definido,
mas não piro com essas restrições. E quem vai ao cinema para não comer
pipoca com manteiga?
Quando o vídeo do Vitor começa eu posso ouvir os suspiros das
mulheres do lugar. Sim, o cara é bonito com seus olhos claros, cabelos
escuros meio encaracolados, se não fosse por sua barba rala poderia ser
comparado com um anjinho. Ele tem cara de bonzinho e eu posso apostar que
esse detalhe faz com que chame a atenção de muitas mulheres, por isso me
questiono ainda mais o fato de querer se casar tão rápido. Sou capaz de
apostar que ao final da sessão, mesmo tendo feito um pedido de casamento,
cerca de uma dúzia de mulheres estarão dispostas a ficar com ele.
Assisto ao momento em que ele entra na sala e vai até minha amiga.
Noto as lágrimas dela e a surpresa estampada em seu rosto ao vê-lo se
ajoelhar. Aplaudo, seguindo todos os outros, a hora em que ela aceita se casar
e recebe a aliança.
Então, é isso, em breve eu serei a única tartaruga solteira.
*
Eu sempre prezei pela minha liberdade, ter a autonomia da minha vida,
agenda e trabalho. Talvez isso justifique a minha escolha profissional,
enquanto os meus amigos seguiam profissões convencionais e admiradas
pelos pais, eu seguia o caminho inverso. Abandonei a publicidade para seguir
a minha nova paixão: a fotografia.
Cheguei até ela através de um projeto acadêmico, a tarefa era produzir
uma campanha a favor de adoções de animais, acabei ficando responsável
pela fotografia das peças publicitárias, pois tinha um celular com uma câmera
de alta resolução. Sem conhecimento técnico, apenas levado pelo meu olhar
criativo, passei as orientações para as crianças, elas deveriam brincar
livremente com os gatos e cachorros, sem se preocupar com a câmera, a
intenção era capturar a expressão genuína de felicidade com aquela troca de
carinho dos bichos e as crianças. O resultado foi aprovado pelos professores e
nos garantiu a nota máxima da turma. Aquela sessão de fotos amadora serviu
de insight para que direcionasse a minha criatividade para outros campos, me
matriculei em curso livre de fotografia e descobri que eu amava mais esse
ramo do que a própria publicidade.
O resto foi uma sequência cronológica de fatos, abandonei o curso de
Publicidade no penúltimo período para cursar Fotografia. Esse fato gerou
uma desaprovação do meu pai, ele afirmava que era burrice abandonar o
curso faltando tão pouco e acrescentava na sua lista de argumentação que eu
estava largando tudo para o alto para seguir uma carreira de baixo prestígio.
Mas adivinha? Eu nunca deixei que opiniões divergentes me impedissem de
seguir atrás dos meus desejos, então contrariando o senhor Ismael Duarte, me
mantive firme no meu propósito e investi na minha nova carreira.
Comecei como todo fotógrafo iniciante, realizando fotos em
formaturas, festas infantis, casamentos e outros eventos sociais. Até que
cheguei à fotografia da moda, um mercado lucrativo e em ascensão. O
fotógrafo nessa área não necessariamente precisa ser um especialista em
moda, o que exige dele é um olhar artístico para contar uma história através
das peças de roupa. E sem falsa modéstia, eu era bom em contar histórias. Na
minha visão, o fotógrafo é como um escritor, as fotos são as suas palavras e o
enredo é construído pela sequência de imagens que produzia. E é isso que
faço através das minhas lentes, eu conto histórias.
Confesso que o meu primeiro impulso para entrar nessa área foram as
modelos, é incrível estar rodeado por todas aquelas mulheres esteticamente
perfeitas... Foi uma troca boa depois de tanta festa infantil repleta de crianças
choronas. Passado o prazer inicial, eu vi naquela área a minha virada
profissional. Como fotógrafo de moda eu posso atuar em books, editoriais de
moda, capas de revistas, campanhas publicitárias, magazines da área, além do
e-commerce.
Essa nova experiência me levou até a conquista do meu estúdio
próprio: Luz & Câmera & Ação. O nome foi contribuição do meu quarteto de
amigos, pois não queria colocar o meu nome na fachada, por não achar
comercialmente relevante, então pedi ajuda aos meus amigos e depois de
algumas latinhas de cerveja vazias eles me convenceram que Luz & Câmera
& Ação era um bom nome e assim ficou. Atualmente, o estúdio conta com
equipe multidisciplinar de vinte profissionais entre cabeleireiros,
maquiadores, fotógrafos e assistente de direção. Nos tornamos referência na
área, com relevância em books de modelos e campanhas publicitárias da
moda. O sucesso do empreendimento ajudou a modificar a opinião do meu
pai, pois no fundo se tratava apenas de uma preocupação paternal para com
seu único filho.
Inicio meu dia como qualquer um da semana: indo a academia. Eu
preciso ajudar o meu metabolismo a manter o corpo sarado, afinal, barriga
tanquinho e corpo definido não se formam sozinhos. Eu gosto de treinar,
quando estou malhando, com meus fones de ouvido, limpo minha mente e me
concentro na execução mais perfeita que eu puder fazer para o exercício
proposto.
Em seguida, dirijo Mecinha até o estúdio. Sim, esse é o apelido do meu
carro. Meu Mercedes-Benz C300 Sport merece um nome só dele e
obviamente tem que ser um nome feminino. Após parar na vaga privativa,
pego minha mochila no banco do passageiro e sigo empresa adentro.
A agenda do dia é a campanha de uma marca de lingerie e a modelo é
uma velha amiga, o que facilita o trabalho. Na minha profissão a conexão
com o modelo é peça fundamental para um bom resultado, pois é preciso que
ele se sinta à vontade na presença das câmeras e tenha confiança no
fotógrafo. E quando você clica conhecidos, o processo flui melhor e o cliente
final acaba muito satisfeito.
— Bom dia — cumprimento a equipe de produção e meus olhos não
encontram, entre as dezenas de pessoas, o alvo da minha atenção nesse dia —
a Helleni ainda não chegou?
— Ela não vem — é o meu contratante que responde — Helleni
acordou com uma espinha e se recusou a posar nessa situação. — O homem
explica com certo desdém na voz.
— Isso poderia ser retirado na edição.
— Você acha que eu não argumentei isso!? Ela bateu o pé e exigiu
uma nova data, mas essa possibilidade é inexistente, de modo que, outra
modelo já está a caminho.
Eu adoro fotografar a Helleni, ela tem consciência que na sessão o seu
corpo torna-se um objeto de contemplação e isso facilita o meu trabalho. Mas
eu não posso negar o quanto a personalidade dela, às vezes, é complicada
com o resto da equipe, ela sempre acha algo para pôr defeito. É comum ter
atrito com maquiadores e insiste em trazer o seu próprio sob a alegação que
ele conhece sua pele e sabe destacar os pontos positivos do seu rosto, diga-se
de passagem, um rosto simetricamente belo. Mas ela é a queridinha das
marcas, então todos buscam se curvar a ela.
Agora é esperar e torcer para que a nova modelo seja mais maleável.
Uma figura feminina com traços angelicais surge e parece roubar toda
a atenção para si. Ela é o perfil oposto da Helleni, os fios pretos ondulados
caíam como cascata pelos seus ombros e contrastam com a pele alva. Olhos
grandes e azuis e lábios protuberantes me levam a encarar a mulher por mais
tempo que o meu profissionalismo exige.
— Benjamim, essa é a sua mais nova amiga: Pétala Pinheiro — o
contratante anuncia — espero que vocês estabeleçam uma amizade
verdadeira pelas próximas horas.
Ela sorri abertamente.
Eu sou bom em fazer novos amigos, ainda mais quando minha nova
amiga parece ter saído direto da passarela da Secret para o meu estúdio.
Pétala entra na brincadeira e indaga:
— E aí, quer ser meu novo melhor amigo? — Estende a mão em minha
direção.
— Você não imagina quanto… — Junto a minha mão a sua
prolongando aquele contato.
Aquele poderia ser o início de uma bela amizade. Daquelas, recheadas
de segundas intenções. E se for, eu estou mais do que disposto a apertar bem
os laços.
Se é que vocês me entendem.
Demoro um pouco a perceber, mas a verdade está se esfregando na
minha cara: eu virei vela. Val e Kelly são um casal a tanto tempo que é como
se eles fossem apenas um, estou acostumado com isso.
Mas Jade e eu sempre fomos dois.
Dois amigos. Um encobria o outro. Ninguém segurava vela, mas agora
as coisas estão diferentes. As nossas saídas em quarteto passaram a ser em
quinteto, é inevitável que o Vitor compareça, sem ele é provável que a Jade
deixe de ir de tão grudada que ela está no tal noivo.
No início, em algumas baladas, eu agi como antes, beijando quem
quisesse me beijar e contando com o apoio dela para me acobertar quando
necessário. Mas aquilo foi ficando cada vez mais estranho. Eu não podia mais
pedir para que ela me enviasse uma mensagem avisando que chegou bem,
porque ela chegaria acompanhada, provavelmente em segurança. Não queria
incomodar, atrapalhando as danças do casal ou os inúmeros beijos na pista
para pedir que ela despistasse alguém para mim, tampouco contava com sua
direção sendo a motorista da rodada. O Vitor sempre dirigia para ela. E foi
assim que eu percebi que havia virado mais do que a tartaruga solteira, eu era
a vela naquele quinteto.
E não sei como, exatamente, lidar com isso.
Quase não acredito quando confiro a tela do meu celular e leio sua
mensagem no meu WhatsApp.
Jade: Tá em casa? Estou passando no seu AP em meia hora.
Há quanto tempo Jade não me visita? Mais de um ano, com toda
certeza. Depois do noivado ela não veio aqui em casa. O que me faz pensar
que pode ter acontecido alguma coisa. Confiro o nosso grupo no aplicativo de
mensagens para ter certeza de que não perdi nenhuma informação importante
ali e constato que não tem nada relevante.
Eu: Estou, pode vir. Aconteceu alguma coisa?
Nenhuma resposta.
Aproveito os minutos que faltam para ela chegar e tomo um banho
rápido. É domingo à tarde e, especialmente hoje, resolvi não fazer nada. Sem
marcar balada para a noite, sem encontros sexuais, uma tarde do “nada faz”.
Depois de secar o cabelo com a toalha e passar desodorante, visto uma cueca
qualquer e uma bermuda jeans. Estou colocando a camiseta regata vermelha
quando a campainha toca. Jade é uma das poucas pessoas que tem acesso ao
apartamento, sem precisar que o porteiro interfone.
— Achei que ia estar na casa de alguma modelo super gostosa — ela
diz assim que abro a porta.
— Estou de folga — sorrio quando ela passa por mim e invade a sala
de estar — e eu achei que estivesse trabalhando, afinal, shoppings abrem aos
domingos.
— Vantagens de ser a dona — dá de ombros, se sentando no sofá de
couro preto.
Ela cruza as pernas, passando uma sobre a outra em um movimento
gracioso e me pego encarando suas coxas um pouco expostas por causa do
comprimento do vestido rosa que está usando.
Desde quando você presta atenção na maneira como sua amiga se
senta, Benjamim?
Balanço a cabeça e me sento ao lado dela, fixando meu olhar em seu
rosto.
— Algum problema? Você não costuma mais me visitar...
— Estou fazendo algumas visitas hoje — sorri abertamente — vim
trazer uma surpresa.
Acompanho seu gesto enquanto Jade se inclina para pegar algo na
grande bolsa preta que está no chão. Não havia notado que ela a havia trazido
até aquele momento. Ela tira uma caixa preta, quadrada e de tamanho médio.
Há um laço dourado em volta dela e quando minha melhor amiga me estende,
sei do que se trata.
— Mas já? — Questiono antes mesmo de pegar o que ela me estende.
— Por que essa admiração toda? Que olho arregalado é esse,
Benjamim? — Me encara, sorrindo, insistindo na mão estendida.
Pego a caixa preta e a deposito em meu colo.
Desfaço o laço dourado e a encaro antes de levantar a tampa.
— Só fui pego de surpresa — esclareço.
Abro a caixa e encaro o conteúdo.
Ali dentro estão depositados uma pequena garrafa de whisky Jack
Daniel's, ao lado de outra de mesmo tamanho de Vodka Absolut. Além disso,
há chocolates Lindts completando o presente.
— Diz alguma coisa — pede — passei horas escolhendo como montar
os kits dos padrinhos para que fosse legal e que vocês gostassem e você fica
mudo?
O que me deixa mudo é observar que, no verso da tampa da caixa, há a
data do casamento: 13 de Maio.
— Eu amei — sorrio e a encaro — vejo que escolheram o grande dia...
E ele será daqui há apenas três meses. — Ela assente — por que a pressa?
— Ele é o cara, Ben — ela sorri e seus olhos se iluminam — não tenho
dúvidas desde o segundo em que ele pediu a minha mão no cinema. E tem
mais, por que esperar? Não sou mais uma menininha, você sabe que sempre
quis ter uma família e o Vitor é o homem certo.
— Me impressiona a sua certeza — desabafo.
— Tenho trinta e dois anos, Benjamim, você sabe que quero ser mãe e
os dias correm contra mim...
— Então, está se casando para ter um filho?
— Não, estou me casando porque amo o Vitor e é recíproco. Estou me
casando porque temos desejos semelhantes e queremos passar o resto dos
nossos dias juntos.
Analiso a situação e percebo que estou agindo como um babaca. Minha
amiga está feliz, veio me trazer um convite especial e tudo que fiz desde que
ela chegou é questionar suas decisões.
Péssimo amigo, Ben.
— Fico feliz que esteja feliz — sou sincero e me aproximo, deixando a
caixa de lado para abraçá-la.
Aperto Jade em meus braços, transmitindo meu apoio a sua decisão e
me afasto.
— Ei, você não vai me perder — diz, segurando minha mão — serei
sempre sua melhor amiga. Você ainda poderá contar comigo para despistar as
inúmeras mulheres da sua vida, para visitar seu pai e para o que mais
precisar. Nada vai mudar isso, Benjamim.
— Eu sei, só estou me acostumando com as mudanças... Val e Kelly
são um desde sempre, agora tive uma baixa no lado dos solteiros... — sorrio.
— Em breve você vai se juntar a nós, os casados.
— Hum, acho que nem tão cedo — gargalho. — Quer alguma coisa,
não ofereci nem água...
— Não, obrigada. Já estou de saída, ainda tenho uns convites para
entregar.
Jade fica de pé, pegando sua sacola enorme e a sua bolsa a tiracolo. Eu
acompanho seus passos até a porta.
— Te amo, Ben... E você está prestes a retribuir ainda mais esse amor,
exercendo a missão mais importante que um amigo poderia: a missão
padrinho.
Com essas palavras, ela me deixa no apartamento vazio.
*
Por que o fato de a minha melhor amiga se casar em três meses me
incomoda tanto?
Desde que Jade saiu daqui, uma hora atrás, só consigo encarar a data
estampada na caixa de padrinho.
13 de maio.
Aquela data marcaria mais a mim ou a Jade?
A vida é dela, Benjamim, se ela quer se casar na velocidade da luz,
você não tem nada com isso.
Isso sequer deveria ser algo para você ponderar, para começo de
conversa.
Aquele incômodo passaria.
Tinha que passar.
Só esperava que isso acontecesse em menos de 90 dias.
Meu celular toca e eu quase agradeço a Deus por interromper meus
pensamentos confusos. Na tela, o nome Pétala (modelo) brilhava.
— Alô?
— Olá, meu fotógrafo preferido. O que está fazendo?
— Nada — respondo rapidamente — estava pensando em você, na
verdade.
— Não precisa mentir — ela dá uma risadinha — que tal umas fotos
íntimas?
— Está me chamando para trabalhar em pleno domingo?
— Não sei se o nome pode ser trabalho… estava pensando em algo
mais natural, menos posado.
— Pele contra pele? — Sugiro.
— Exatamente.
— Quer filmar? — Pergunto, curioso.
— Sim, desde que seja do meu celular. Mesmo achando que você não
compartilharia, prefiro prevenir.
— Nunca exporia alguém dessa maneira, realmente, mas não me
importo que filme…
— Isso é um sim? Eu apago logo depois.
— Que fetiche interessante, Pétala.
— Você não faz ideia… — gargalha — vou te mandar minha
localização.
Ela compartilha via WhatsApp e eu dou um pulo do sofá, deixando a
caixa e toda a confusão que ela trouxe de lado.
Eu: Chego aí em vinte e cinco minutos.
Eu e Mecinha dirigimos em alta velocidade até o apartamento do qual
ela mandou o endereço. Há uma vaga de garagem, graças a Deus, por isso
não deixo Mecinha estacionada na rua correndo risco de ser vandalizada.
Pétala abre a porta do 3213 assim que eu toco a campainha. Está
usando uma camisolinha preta de seda tão curta que quase me faz ajoelhar ali
do lado de fora mesmo. As alças são tão fininhas que não devem aguentar
qualquer puxão mais firme e a parte dos seios é feita apenas de renda, o que
faz com que tudo fique a mostra.
— Isso é o que eu chamo de boas-vindas — sorrio, encarando os bicos
rosados.
— Gostou? — Dá uma voltinha, exibindo o belo traseiro quase de fora
— vesti a primeira coisa que vi. — Gargalho, diante daquela mentira. —
Entre.
Enquanto adentro, observo a espaçosa sala de estar e meu olhar recai
sobre os dois sofás gigantescos marrom e, de frente, a TV tão grande quanto.
— Quer beber alguma coisa? — Fala, caminhando um pouco atrás de
mim.
— Sim, todo o mel que vai aparecer entre as suas pernas...
— Adoro um homem que sabe a hora de falar putaria — ela ri.
— Você sabe que não são só palavras...
— Ah, sim, eu fiquei com um pequeno incomodo ao me sentar da
primeira vez que nos encontramos.
— É o que espera de hoje?
— Com certeza — sorri e me estende a mão — vamos para o quarto.
Ela me conduz, de mãos dadas, até o quarto que fica no corredor, ao
lado da cozinha. Pouco me importo em observar o lugar, só noto que a cama
está preparada e que o celular está em cima do colchão.
Assim que entramos, Pétala se vira de frente para mim e tira a camisola
por cima da cabeça. Sem jogos, sem pudor, direta como alguém que sabe
exatamente o que quer e como conseguir. Seus seios grandes me chamam
imediatamente e não me impeço de pegá-los, apalpando a carne com
gentileza antes de puxar os bicos rosados.
Quando ela suspira, devoro sua boca, iniciando um beijo faminto e
desesperado. Sugo sua língua, enfiando meus dedos por sua vasta cabeleira
escura, prendendo meus dedos nos fios lisos para puxar sua cabeça e
controlar o beijo. Ela responde, cedendo ao meu ritmo, completamente
entregue.
Seus dedos passeiam por meu peito, descendo até a barra da camisa
que logo é invadida. Suas unhas passam de leve sobre a minha pele e eu me
afasto, para tirar a peça. Aproveito e tiro o restante da roupa, me livrando
inclusive da cueca. Do bolso da calça, tiro quatro invólucros de preservativo
e jogo sobre a cama, para estar à mão no momento oportuno.
— Agora consigo me lembrar porque não andei direito — Pétala diz,
passando a língua pelos lábios enquanto encara o meu pau já ereto.
Eu o toco, massageando da base até a ponta lentamente.
— Me deixa mamar? — Pede, dando um passo em minha direção.
— Ajoelha — mando — e abre bem a boca.
Assisto a mulher apenas de calcinha se ajoelhar próximo aos meus pés
e quase já posso sentir o tesão de ser chupado. Era sempre espetacular estar
na boca de alguém, toda a saliva e maciez daquele espaço era tão bom quanto
o de uma boceta escorregadia.
Seguro meu pau e me aproximo. Seus olhos azuis me fitam, dilatados
de vontade, enquanto seus lábios já estão abertos como ordenei. Me masturbo
devagar, fazendo com que Pétala passe a língua no lábio inferior, desejosa de
mim. Antes de colocá-lo em sua boca, eu o movo, batendo de leve em sua
bochecha.
— Quer o meu pau? — Pergunto, batendo novamente, dessa vez nos
lábios abertos. — Coloca a língua para fora.
Ela o faz, esticando o máximo que consegue e é ali que eu dou
pequenas batidas com meu pau.
— Bate na minha cara — pede e eu sorrio — bate na minha cara com
seu pau gostoso.
É exatamente o que quero ouvir e não aguardo nenhum segundo para
atendê-la.
Seguro a base e movi minha mão, deixando com que meu pau se
chocasse contra o lado direito do seu rosto. Repito o gesto diversas vezes,
sentindo meu pau esquentar na medida em que se choca contra a pele. Gemo,
dando uma surra de pau naquele rostinho lindo.
Levo minha ereção até sua boca e então, Pétala passa a chupar. Sua
língua me deu um banho excitante antes do boquete ser feito de verdade. Ela
suga a cabeça, me puxando para sua boca, e eu prendo o ar com a sensação
que reverbera em meu corpo. Sua mão masturba metade do meu pau ao
mesmo tempo em que sua boca mamava a outra.
É excitante demais ver sua entrega, ali ajoelhada com meu pau na boca
e a face rosada. Sinto os sinais ao pé da minha barriga, como uma espécie de
comichão, que indica que se continuar assim vou gozar em breve.
— Que delícia, mas se continuar assim a brincadeira acaba antes da
hora — sorrio, tirando minha ereção pulsante da boca dela — tire a calcinha e
vamos para a cama.
Pétala se livra da peça em um segundo, se deitando na cama
rapidamente. Ela abre as pernas, levando seus pés para o alto, e me dando a
visão completa da sua boceta. Os grandes e pequenos lábios brilhando de
excitação. Me aproximo e toco ali, deixando meu dedo indicador percorrer a
pele. Quando enfio dois dedos, a boceta dela pulsa.
Abaixo a cabeça e deixo minha boca beber o mel que ela exala.
Chupo com vontade e a mulher se remexe, excitada. Minha língua
trabalha, percorrendo os pequenos lábios antes de se enfiar dentro dela.
Quente, molhada e com gosto de quero mais.
— Isso — incentiva com a voz rouca — mais fundo.
Minha língua tenta ir mais fundo, mas é impossível. Assim, uso o dedo
médio para fodê-la. Minha boca passa a chupar o clitóris ao mesmo tempo e,
nossa, é delicioso sentir o dedo escorregar para dentro e para fora.
Pétala se contorce e tenta fugir, mas não paro até senti-la encharcar.
Mais um dedo.
E outro.
Eu os curvo em busca do ponto certo e quando ela grita, sei que
encontrei. E me concentro ali, fodendo com os dedos várias e várias vezes.
— Quase lá, não para — grita alto — ah, não para!
Não paro, chupo e fodo incessantemente até senti-la se perder dentro
de si mesma.
Obverso seu corpo relaxado ao me aproximar. Pego um dos
preservativos e me livro da embalagem, esticando a borracha no meu pau
antes de me voltar para o meio das suas pernas.
— Pega o meu celular — ela pede e eu o faço.
Ela o desbloqueia e abre a câmera, me entregando.
— Tente não pegar meu rosto — explica — pode focar no seu pau
entrando em mim.
— Você é quem manda — sorrio — venha para a beirada da cama.
Ela o faz, abrindo as pernas.
Clico para iniciar o vídeo e com a outra mão, conduzo meu pau até sua
entrada. Aproximo a câmera como naqueles filmes pornôs amadores e vejo
nitidamente o meu pau entrando devagar na boceta rosada.
Empurro cada centímetro, assistindo através da tela. Quando chego no
fundo, eu saio e repito movimento lento. Escorrego até sair e então entro com
força.
E aí eu a fodo de verdade.
Sentindo meu pau tocar lá no fundo.
Várias vezes.
Os gritos de Pétala não parecem ensaiados e aquilo são como música
para os meus ouvidos.
— Fique de quatro — peço.
Continuo filmando enquanto ela se posiciona.
— Que gostosa — elogio, passando a mão livre por sua bunda. Levo
meu dedo indicador até a boca e o lubrifico com bastante saliva — você vai
amar ver isso aqui — digo, antes de levar o dedo molhado até o seu ânus
apertado.
Eu enfio a ponta do dedo ali, forçando a entrada até que a carne cede e
me permite entrar com o dedo inteiro. Os dedos do meio e anelar invadem a
boceta molhada e completam o conjunto que entra e sai, fodendo seus
espaços. Pétala geme e se empurra em direção a minha mão, praticamente
rebolando nos meus dedos.
Jogo o celular na cama, ao lado dela, quando canso de me segurar
naquele ângulo. Tiro os dedos que fodem sua boceta e o substituo por meu
pau, socando de uma só vez.
Seguro seus quadris com ambas as mãos e passo a aumentar a
intensidade das investidas. Nossos corpos se chocam enquanto a fodo de
quatro. Me concentro no movimento e o repito incessantemente.
Pétala me recebe e geme, se contorce e vibra até atingir o ponto
máximo do seu prazer. Não demoro para acompanhá-la, gozando
intensamente dentro do preservativo.
Às vezes me questiono que surto foi esse que fez com que eu decidisse
me casar em menos de seis meses. As pessoas normais demoram, pelo
menos, um ano preparando todos os detalhes para o grande dia, mas nós não.
Talvez tenhamos pressa em viver tudo que há para viver.
Talvez seja o meu relógio biológico acelerado. Ou ainda, todos os
outros relacionamentos que já pareciam serem fadados ao fracasso enquanto
esse só me deixa feliz e esperançosa. Não sei, um misto de tudo isso me faz
querer ir em frente de uma vez e fazer tudo o mais depressa que puder e por
isso, os preparativos do casamento estão me deixando literalmente de cabelo
em pé.
Eu vivo correndo de um lado para o outro entrando em contato com os
distribuidores, fotógrafos, equipe de decoração, floristas, músicos e acrescido
a isso eu ainda preciso cumprir a minha agenda profissional. Eu conto com o
auxílio de uma cerimonialista e a participação do meu noivo nas decisões,
mas infelizmente a agenda de trabalho dele, agora que está supervisionando
um projeto de energia hidrelétrica, não é mais tão flexível quanto a minha e
precisei assumir a dianteira das tarefas. Houve dias que eu dormia cerca de
quatro horas, mas isso não diminuí a minha felicidade. Esmeralda, minha
irmã mais nova, afirma que eu nasci para ser noiva, pois nada me abala. Eu
também achava isso até a equipe de fotografia contratada para o Pré-Wedding
remarcar pela segunda vez a sessão de fotos, aquilo trinca a imagem da noiva
inabalável que eu carregava.
O Pré-Wedding é um ensaio fotográfico dos noivos realizado
geralmente de um a dois meses antes da data do casamento. Ele tem um ar
mais descontraído e em geral serve para estabelecer a conexão do casal e a
equipe de fotógrafos que os acompanharão no dia da cerimônia. A ideia do
ensaio partiu da minha cerimonialista que afirmou que o momento serviria
como uma espécie de folga, pois devido a correria dos preparativos do
casamento, era comum os noivos não terem muito tempo de lazer, então a
ideia era encontrar um lugar aconchegante e registrar esses momentos. Os
registros feitos durante o ensaio vão ser utilizados na decoração da festa e nos
vídeos de mensagens, além de ser mais um momento especial. Vitor e eu
topamos a ideia logo de cara e pensamos em uma praia deserta como locação
das fotos, estávamos animados para curtir esse dia juntos.
— Como eu já expliquei, senhora, imprevistos acontecem e o nosso
fotógrafo precisou se ausentar da cidade por quinze dias. Contamos com a
sua compreensão. — A assistente do fotógrafo repete no seu habitual tom
mecânico.
— Não, você dessa vez não conta com a minha compreensão —
discordo irritada — vocês não podem exigir de mim mais compreensão do
que a que eu destinei nas últimas semanas, essa sessão era para ter ocorrido
mês passado.
— Na época, conforme explicamos, tivemos um conflito de agendas
— argumenta.
— E eu compreendi, conforme você deve recordar. Reagendamos para
a próxima quarta e hoje você me liga para dizer que não será possível. Então,
só me resta achar que está escrito otária na minha testa — desabafo.
— De forma alguma, senhora — discorda em tom que deveria ser
paciente, mas eu interpreto como irônico naquele momento.
— Então, prove que não estão tirando com a minha cara e mantenham
a data do ensaio! — Quase imploro.
— Eu vou falar com os meus superiores e retorno a ligação, tudo bem?
— Ok. — A chamada é encerrada e envio uma mensagem para
Benjamim.
Eu: A sua raça é a pior que existe!
Mando ainda movida pela irritação.
Benjamim: Presumo que esteja falando da raça homem, problemas no
paraíso?
Eu: Meu relacionamento continua PERFEITO! O meu problema é
com o fotógrafo do casamento. É a segunda vez que o pré-wedding é
cancelado.
Benjamim: Isso não é um bom sinal…
Eu: Foi exatamente o que eu disse para o Vitor. Como eu posso
confiar que o fotógrafo vai aparecer no dia do casamento? Vai que no dia
ele liga e fala “Jade você precisará se casar outro dia, porque não poderei
comparecer”.
Benjamim: Acho melhor você deixar uma data reserva para o casório
então rs
Envio como resposta um emoji de cara de raiva.
Benjamim: Agora falando sério, entre em contato com outras noivas
que já trabalharam com essa equipe e veja o feedback deles… daí você
confirma se realmente há algo errado com eles ou é apenas um contratempo
com você.
Eu: Vou fazer isso ;)
A sugestão do meu amigo revela que a placa de otária que eu acuso a
empresa fotográfica de colocar na minha testa realmente existe e,
aparentemente, foi colocada por mim mesma quando fechei o contrato com
eles. Uma busca breve a um site de reclamações de consumidores revela
dezenas de reclamações datadas do último mês, feitas por formandos sobre o
descumprimento do contrato. A empresa não enviou a equipe para realizar a
cobertura fotográfica da colação de grau.
— Puta que pariu! — Esbravejo à medida que continuo rolando pela
tela e lendo as reclamações.
Com as mãos trêmulas e tomada por uma onda intempestiva de raiva,
deixo o site para ligar para Vitor e dividir aquela informação. Ele atende à
ligação no terceiro toque.
— A merda da empresa está sendo acusada de não cumprir o contrato
— despejo a informação sobre ele — sabia que tinha algo errado com eles.
— Que empresa, amor?
— A fotográfica, Vitor! Estava falando com eles minutos atrás
resolvendo sobre o nosso ensaio pré-wedding, quando o Benjamim sugeriu
que eu pesquisasse mais a fundo sobre eles e toda a verdade veio à tona.
Fomos enganados. Estou indo lá agora mesmo romper o contrato.
— Calma, amor — ele pede em um tom sereno que me irrita.
— Não me peça para ter calma — rebato — precisamos encontrar uma
equipe fotográfica com agenda disponível para o dia do casamento, você tem
ideia o quanto isso é estressante?
— Eu imagino que seja, mas não vai adiantar nada ficar irritada. —
Resmungo e ele continua calmamente — vamos pensar pelo lado bom: o
problema foi detectado e agora podemos solucionar. Eu saio do trabalho
daqui a cinquenta minutos e podemos ir juntos romper o contrato, o que
acha?
— Só se você me prometer que não vai ver o lado bom daqueles filhos
das putas e não irá criticar meus surtos caso eu grite com eles. Afinal, eu sou
uma noiva e a noiva tem sempre razão — a risada dele ecoa do outro lado e
me relaxa imediatamente.
— E você tinha dúvidas que eu ficaria ao seu lado, amor? Estou com
você, sempre!
— É por isso que te amo, até já.
— Até, também te amo!
— Te amo mais.
*
Após uma longa conversa e falsas promessas de que a empresa
honraria com o prometido, consigo romper o contrato sem pagar a multa
rescisória, pois Vitor encontra no contrato a brecha de não cumprimento de
serviços nos prazos estipulados, presente em uma das cláusulas. E assim,
encerramos o nosso vínculo contratual sem grandes contratempos.
O passo seguinte é encontrar um novo prestador de serviços e dessa
vez a minha escolha vai além das fotos perfeitas, busco uma empresa com
anos no mercado e consulto o Benjamim, para saber se ele os conhece e ele
me dá um feedback positivo. Dessa maneira, acabo contratando uma nova
equipe fotográfica para registrar o enlace, mas eles não têm disponibilidade
de data para o ensaio pré-wedding, então eu fico de encontrar outro fotógrafo
para realizar esse ensaio em específico.
Acabo deixando de lado esse assunto e me concentro nas minhas outras
atribuições de noiva. Hoje é mais um dia de caça ao vestido perfeito, eu já fiz
a pré-reserva de um modelo, mas parece que ainda não é ele. O vestido é
estonteante, cauda de tule de mais de dois metros, renda francesa bordada a
mão e precisava de poucos ajustes para o meu corpo, mas quando eu fecho os
olhos e me imagino caminhando ao encontro do Vitor, não é aquele vestido
que eu tenho em mente.
E mais uma vez, as minhas fadas madrinhas, minha mãe e minha irmã,
me auxiliam na busca. Quando entramos na loja de traje de noivos, pela
milésima vez, a vendedora é super atenciosa. Acho que é um dos pré-
requisitos básicos, já que noivas não costumam se decidir tão facilmente e
agora eu comprovo isso na pele.
— Você fica perfeita com todos — é o que Esmeralda diz quando volto
com o terceiro que estou provando naquele dia.
— Você está dizendo isso para eu adiantar logo e partir para a
degustação? — Pergunto, arqueando a sobrancelha direita.
Minha irmã gargalha e faz nossa mãe sorrir.
— Esmeralda está falando sério e eu concordo com ela, só tenho filha
linda e de noiva você é mais deslumbrante ainda, Jade.
Minha mãe fica de pé e vem até mim, eu nos enxergo na grande parede
de espelho.
— Feche os olhos — ela pede, próxima a mim. Quando obedeço, ela
continua: — imagine que está na igreja, é o seu grande dia. Você está feliz,
muito feliz e está prestes a ir até o altar. Da porta da igreja, o fotógrafo
registra o momento único. O que imagina ver na foto? Você está vestindo o
que?
Eu consigo imaginar o que ela diz e, de olhos fechados, vejo que o
vestido que desejo não é aquele que estou.
— Não é tipo princesa, com volume e tudo o mais.
— Certo, o que mais?
— Não tem mangas e nem muito brilho, mas também não é simples
demais — descrevo.
— Acho que tenho um que você pode gostar — abro os olhos para ver
que a vendedora está ali ouvindo meu surto imaginário.
— Ah, obrigada.
Ela não demora a me chamar e me ajuda a vestir o modelo que possui
alças da largura de um dedo. O vestido é estruturado como se fosse um
corpete, mas sem me apertar muito, apenas deixa a parte superior do meu
corpo ajustado. O decote é um mini “V” e como não tenho seios muito
grandes fica bem discreto. A parte da saia segue ajustado, mas não tão
colocado como o modelo sereia e sua sobreposição de tule com pequenos
bordados, delicados e perfeitos, dá um charme romântico.
É realmente lindo.
E eu me vejo perfeitamente nele no dia do meu casamento. Consigo
imaginar o Vitor no altar me admirando enquanto flutuo até ele com todo o
nosso amor ao redor.
Tenho a prova de que o vestido certo é aquele quando me coloco diante
de mamãe e Esmeralda. Ambas arregalam os olhos e sinto como se o olhar
delas brilhassem.
— É esse — informo, dando uma voltinha.
— É perfeito — minha irmã elogia, ficando de pé para ver os detalhes
de perto.
— Elegante, bonito e sem exageros — mamãe anuncia — é a sua cara.
— Estou tão feliz com tudo — seguro nas mãos das minhas
acompanhantes — obrigada pela paciência, pelo carinho e amor que me
dedicam. Sei que não é fácil porque decidi fazer tudo em pouco tempo, mas
sou grata demais por ter vocês me ajudando.
— Não se preocupe, se eu me casar um dia vou cobrar tudo — minha
irmã sorri. — Agora podemos ir para a parte que a gente come?
— Você é minha irmã mesmo — gargalho. — Vamos lá.
Nós passamos as horas seguintes degustando os mais deliciosos
sabores de bolos.
E aquela doçura é apenas o começo dos meus dias felizes.
O encontro da turma de 2008 do Ruth Rocha caminhava para se tornar
um marco no nosso calendário, tipo uma data festiva que ocorria anualmente
para lembrar de um fato importante. No nosso caso, eram os laços de amizade
construídos ao longo de todo o Ensino Médio. Isso havia começado ano
passado e hoje estamos novamente nos reunindo.
Estou cercado dos meus amigos e de lembranças e é inevitável me
pegar pensando em como as coisas mudaram tanto desde a nossa primeira
festa de reencontro. Será que no encontro do ano que vem Jade segurará seu
bebê? Eu podia apostar que sim, ela sempre deixou claro que queria uma
família e está prestes a subir ao altar para realizar esse sonho. É engraçado
perceber que, depois de tanto tempo juntos, nossos mundos parecem se
distanciar cada vez mais.
Observo o pequeno trio de gestantes que conversam enquanto
sorriem... Em breve Jade faria parte daquele espaço e os seus assuntos se
resumiriam ao universo infantil, um campo que eu desconheço e não tenho a
menor curiosidade. Então, nesse momento, o que sustentará a nossa amizade?
Será que laços de lealdade e amor construídos ao longo dos anos seriam
firmes o bastante para nos manter próximos?
— Porra! — É a minha reação após receber um safanão na nuca.
— Tava sonhando acordado, mereceu! — Val gargalha ao meu lado
enquanto esfrego a região dolorida. — Tava pensando em quê?
— Em como as coisas mudam em um ano.
— Nem me fale… — Bebe um gole de cerveja antes de continuar —
um ano atrás se alguém me dissesse que eu teria um cachorro dividindo a
cama comigo e a minha esposa, eu diria que tava maluco. E veja só, eu tenho
um labrador folgado entre a minha mulher e eu todas as noites.
É a minha vez de sorrir.
— Qual o próximo passo: Instagram do cachorro e mudar a bio para
pai de pet?
— Vai se foder, babaca! — Ele gargalha — esse é um passo que não
estou disposto a cruzar, a Kelly já sabe que se isso acontecer o divórcio vem
em seguida.
— Aposto que ela não vai reclamar por sobrar mais espaço na cama
para o labrador.
— Pode crer. — Rimos juntos.
A festa desse ano não é em um salão de festas fechado. A Leidinha
conseguiu a xácara do seu tio, por isso, nosso encontro começou com um
churrasco e duraria enquanto alguém continuasse a pedir bebida. O clima está
mais descontraído, há muito verde ao nosso redor e, claro, uma piscina. De
frente para a qual eu e o Val estamos conversando no momento em que Jade
surge no meu campo de visão.
Ela caminha em nossa direção com um drink colorido em mãos, mas
esse é o detalhe irrelevante naquele momento, meus olhos estão fixos nela.
Parece que é a primeira vez que vejo como verdadeiramente ela é. E nossa ela
é estupidamente linda! Usando uma saída de praia branca, longa e totalmente
transparente, sou obrigado a encarar aquele corpo de maneira que nunca tinha
feito antes. O biquíni amarelo cobre os pontos que eu gostaria de encarar e
aquele pensamento faz meu coração acelerar como se eu tivesse tomado um
choque rápido... Semelhante a pegar, sem querer, um fio elétrico
desencapado.
Benjamim não fode, é a sua melhor amiga! Aquela que está com
casamento marcado e que te deu a missão de ser um belo padrinho.
Repreendo os meus pensamentos.
— Parece que você viu uma assombração... — Jade afirma, parando
de frente para nós, mas seu corpo parece próximo demais do meu.
Aquilo confirma que eu preciso de uma bebida, algo forte o suficiente
para aplacar essas sensações estranhas que estão teimando em nublar meus
pensamentos todas às vezes que encontro com ela, desde a entrega do maldito
convite.
— Vou pegar uma bebida! — Falo para ninguém em específico e
começo a me afastar rapidamente.
— O que aconteceu com ele? — Escuto Jade perguntar, mas já estou a
uma distância segura dela.
*
As horas passam, as conversas fluem, meus copos se esvaziam e a Jade
continua linda. Não, ela está ficando ainda mais linda conforme os minutos
passam e isso é uma merda, pois já estou bêbado o suficiente para não conter
as inibições do meu pensamento, de modo que a fito como se não houvesse
ninguém além dela ali. Sabe quando, em um show, as luzes do palco ficam
mais fracas e apenas um refletor lança luz no protagonista? Geralmente o
vocalista que está fazendo uma capela ou um músico executando um belo
solo em seu instrumento musical... É mais ou menos assim que as coisas
estão aparecendo para mim.
Tudo ao meu redor perdeu a intensidade e apenas ela brilha, majestosa,
em minha frente. O foco luminoso está em Jade e cada gesto que ela faz
parece ensaiado para prender a minha atenção. Em câmera lenta, deixo a
posição de espectador e passo a ser o agente.
Ela dança no ritmo da canção que nos rodeia, mas não presto atenção
na letra, apenas no ritmo acelerado. Não demora e logo estou ao lado dela,
movendo-me próximo ao seu corpo como já fizemos dezenas de vezes nas
nossas saídas noturnas.
Jade sorri para mim, dividindo comigo o palco. A música agitada acaba
e uma mais lenta se inicia e por isso, ela dá um passo para se afastar, mas eu
seguro o seu braço.
— Você nunca quer dançar as lentas... — ela diz, sorrindo.
Mas eu não sou capaz de responder.
Meus olhos encaram sua boca e enxergo sua língua molhar os lábios.
Aquele é o meu fim.
Minha boca se choca contra a sua e constato que seus lábios estão
macios e quando minha língua desliza para dentro da sua boca sinto sua
doçura. Ela chupou bala ou é a minha imaginação? Minhas mãos correm por
suas costas até a sua bunda e meus dedos pressionam a região. A boca de
Jade se desgruda da minha e a percepção do que acabamos de fazer parece
que a atingiu em cheio, pois ela me encara com um misto de descrença e
raiva.
— Que merda foi essa?
Balanço a cabeça, um pouco tonto pelo afastamento abrupto.
— Um beijo — respondo sorrindo e ela estreita os olhos em
repreensão. — Você pareceu gostar quando estava em meus braços...
A minha resposta provoca um burburinho ao nosso redor e só então me
lembro que não estamos a sós. Todas as luzes parecem acesas agora e olhos e
dedos acusadores estão me apontando como o estraga prazeres do show.
Não estou esperando quando sinto meu rosto arder. Jade abre os dedos
em cheio contra o meu rosto e aquilo me pega de surpresa. Levo a mão ao
lugar atingido e esfrego a região.
— Você é um grande babaca! — Ela praticamente cospe as palavras na
minha cara e começa a caminhar, se afastando de mim.
A razão deveria me manter parado, absorvendo as últimas informações,
mas estou bêbado e ultrajado pelo tapa.
— Sou um babaca por que beijei uma pessoa? — Seguro seu braço
para que ela pare de andar, estou enjoado demais para seguir o seu ritmo
acelerado.
— Benjamim, eu estou irritada e não quero falar com você agora. —
Ela se afasta do meu toque.
— Achei que tinha extravasado a sua raiva com o tapa na minha cara.
O olhar dela segue para o meu rosto, em uma área que imagino estar
vermelha diante da ardência persistente.
— Você mereceu isso! — Afirma de braços cruzados — quem merece
um pedido de desculpas aqui sou eu e não o contrário.
— Quer que eu peça desculpas? Por qual motivo?
— Por onde eu começo a enumerar? — Ela ergue um dedo para iniciar
a contagem — Primeiro porque me desrespeitou ao me beijar sem meu
consentimento, segundo: desrespeitou a minha relação com o Vitor…
— Isso é entre nós, o que ele tem a ver? — Questiono.
— Tem a ver que é o meu noivo e ele não merecia estar na posição que
você o colocou com sua atitude imbecil. Para aquelas dezenas de pessoas —
aponta para o espaço no qual montaram a pista de dança de onde acabamos
de sair — ele é um babaca nesse exato momento porque a noiva dele estava
sendo beijada por outro homem enquanto ele está trabalhando.
— Você nem sabe mesmo se ele está trabalhando, ele pode estar
beijando outra pessoa nesse exato momento — jogo.
— Ele não é como você — rebate furiosa — Vitor me ama e respeita,
mas você não sabe nada sobre respeito e amor Benjamim, prefere deixar o
seu maldito ego governar a sua vida.
— Você fala como se ele fosse um santo e eu não prestasse para nada
— digo com raiva.
Jade ignora as minhas palavras, me dá as costas e volta a se afastar.
— Volta aqui — grito, mas sou ignorado. — Droga, Jade!
Tenho dificuldade em mantê-la em foco, pois há duas Jades
caminhando rapidamente, sinto o mundo ao meu redor girar e busco a parede
mais próxima para me apoiar. Mas antes que eu chegue nela, uma onda de
náusea me atinge e revira meu estômago, minhas mãos encontram o balde de
gelo na mesa ao lado e o resto vocês já sabem. Expilo um terço do álcool que
bebi naquele dia.
— Desculpa, eu pago por isso… — Digo após me recuperar.
— Acabou a festa para você! — Val fala comigo e eu enxergo dois
dele, não sei a qual me dirigir.
— Você não é a minha carona.
— A sua carona acabou de sair puta com você e com razão.
— Não começa, Val.
— Eu não vou, mas não posso garantir o mesmo da minha esposa.
— Acho que prefiro ficar aqui vomitado… — Confesso e ele ri alto.
— Vamos te levar em casa, mas se você vomitar no nosso carro, a
Kelly te empurrará e acredite em mim que ela quer apenas um motivo para
isso. — Val afirma.
A última coisa que eu recordo é de apagar no carro do Val.
*
Não é como se eu não soubesse que não deveria misturar uma grande
variedade de etílicos, lógico que aprendi essa lição ainda na adolescência,
mas foi como se eu tivesse esquecido desse detalhe no dia anterior. E estou
sentindo o resultado bem dentro da minha cabeça. A ressaca é como um
pequeno macaco barulhento que grita em meus ouvidos usando um
microfone conectado a um trio elétrico... Aquilo faz meu cérebro se contorcer
a qualquer mínimo movimento do meu corpo.
Com um esforço hercúleo, desloco a minha mão direita até a mesa de
cabeceira e pego meu celular. Há uma ligação perdida da minha mãe e faço
uma anotação mental de retornar à ligação e dispensar o almoço para o qual,
provavelmente, ela estaria me convidando. A simples menção à palavra
comida faz meu estômago reagir em desaprovação.
Clico no aplicativo de mensagens e dentre todas as notificações de
mensagens não lidas, é a ausência de mensagens de Jade que desperta a
minha atenção. Somos daqueles tipos de amigos que se falam todos os dias,
seja para compartilhar um meme ou uma boa notícia, independente do
horário, estamos sempre conectados.
Os flashbacks dos acontecimentos do dia anterior surgem em minha
mente para justificar a falta de mensagens da Jade. Me recordo, em uma
sequência confusa e borrada, da música alta e meu corpo movendo-se ao
ritmo da canção, o sorriso da Jade, a minha boca chocando-se contra a sua e
sua cara de incredulidade…
Caralho.
A minha ressaca moral afirma que eu agi como um babaca ao beijar a
minha melhor amiga sem o consentimento dela, exatamente como ela tinha
me acusado. E eu preciso reconhecer o meu erro, clico no seu contato e deixo
que a ligação complete.
— Que tal sushi como pedido de desculpas!?— Afirmo quando a
ligação é atendida — você sabe que prefiro massa, mas faria esse esforço por
você.
O silêncio do outro lado da linha permanece e indago:
— Jade, está me ouvindo?
— A Jade está no banho, mas acho que ela aceita o sushi — é o Vitor
quem responde.
— Desculpa, achei que estava falando com ela...
Estou prestes a dizer que irei retornar à ligação quando a voz dela
chega até mim.
— Amor, quem é? — Ouço ao longe.
— É o seu amigo Benjamim, quer falar com ele?
— Não. — A sua resposta é baixa, mas ainda assim escuto.
— Humm, quer deixar algum recado, Benjamim? — Vitor pergunta em
um tom complacente.
— Eu ligo depois. — Encerro a chamada.
É, Benjamim, parece que você cometeu um erro dos grandes.
Só espero que seja fácil contornar a situação.
Eu ligo depois, algumas vezes no mesmo dia para falar a verdade, mas
Jade não me atende. Ok, eu tinha bebido demais e feito merda, mas ela não
pode me ignorar para sempre, somos melhores amigos.
Uma vez que por telefone não daria para falar com ela e pedir
desculpas, teria que ser pessoalmente. Assim, dois dias depois da maldita
festinha, ligo para a Pérola Joalheria para sondar o horário em que a teimosa
sairia do trabalho. Torço para que o noivinho não tenha preparado nenhuma
surpresa exagerada para um dia comum de semana enquanto dirijo até a casa
dela.
Nós moramos há apenas trinta minutos de distância, em bairros quase
vizinhos, por isso, estaciono meu carro na frente da casa dela rapidamente.
Toco a campainha e espero em frente ao seu portão branco. Aguardo
cerca de quarenta segundos antes de apertar o bendito botão pela segunda
vez. E mais um pouco antes da terceira. A partir do quarto toque, eu passo a
apertar o botão a cada dois segundos, ininterruptamente. Dali, já dá para ver o
carro dela na garagem, Jade está em casa e eu não vou desistir antes de falar
com ela, nem que para isso eu precise quebrar a campainha antes de pular o
muro alto.
— Eu sei que você está aí, Jade — grito — se não abrir eu vou berrar
tudo que quero falar daqui mesmo.
Ela detestaria tal cena. Sempre reclama de vizinhos fofoqueiros e um
homem gritando que se arrependia de tê-la beijado seria um prato cheio para
as tardes de conversas. Além disso, o homem não é o noivo dela.
— Jade, eu... — Começo a falar ainda mais alto, mas a porta da frente
finalmente se abre — aí está você, estava prestes a pular para dentro.
— Ia ser ótimo ver você tomando choque na cerca elétrica. Vá embora
daqui, Benjamim! — Sua voz está firme, sem nenhum traço de brincadeira.
Ela está irritada. É notável por sua postura com ombros esticados e
peito estufado, além dos olhos estreitos e os lábios tensos, formando uma
linha.
— Eu trouxe uma barca imensa de japa...
— Não vai me comprar com comida — rebate, ainda sem abrir o
portão.
— O grand gateau está derretendo — jogo a informação sutilmente.
Ela ama aquela sobremesa a base de bolinho quente com o picolé
enterrado nele, envolvido por creme de chocolate e avelã, leite condensado e
morangos.
— Não tive tempo de comer ainda, isso é golpe baixo — respira fundo
antes de inserir a chave na fechadura.
Minha entrada finalmente é permitida, mas assim que passo pelo portão
e me aproximo para cumprimentá-la, Jade se afasta um passo.
— Está com medo de mim, sério?
Ela não responde, anda na minha frente para dentro de casa. Quando
deposito as sacolas na mesa da cozinha, eu a encaro.
— Pode confiar em mim, não vou chegar perto de você — prometo.
— Você me beijou, Benjamim, faz ideia do quão errado aquilo foi?
— Vim aqui te pedir desculpas, eu bebi demais e...
— Isso, usa a bebida para justificar sua canalhice — me interrompe
antes que eu possa concluir.
— Não sou um canalha, Jade, você sabe disso.
— Eu achava que sabia, mas ao me beijar apenas para brincar com a
situação você se mostrou pior que um canalha.
— Porra, não estava brincando, eu só...
— Você o que, Ben?
— Eu... Eu só me excedi, não leve aquilo tão a sério.
— O problema é exatamente esse — bate a mão direita com firmeza
contra a mesa — nada é sério para você. Mas o meu noivado, os sentimentos
do Vitor e tudo o mais é seríssimo para mim.
Ela se afasta, buscando o jogo americano para colocar na mesa.
— Sinto muito — passo a mão nos cabelos, derrotado.
— Você consegue imaginar como eu me senti olhando para o Vitor
depois de ter beijado você? — Questiona de costas para mim.
— Então, você beijou de volta, hein? — Tento aliviar o clima.
— Isso não tem a menor graça, Benjamim! — Jade se vira em minha
direção — é a minha vida, droga!
— Desculpe... De verdade, Jade.
— O Vitor é incrível. Ele é romântico, me respeita, é apaixonado e...
Os olhos escuros dela olham além de mim, como se o materializasse
naquela cozinha.
— Perfeito — completo.
— Exatamente, perfeito. E eu? — Balança a cabeça, como se voltasse
ao seu estado real — fui beijada pelo padrinho do nosso casamento porque
ele se acha o brincalhão. Isso faz de mim o que? No mínimo, uma
dissimulada por não ter tido coragem de contar para o Vitor.
— Você não teve culpa... E perfeição não existe, Jade.
— Não meça os outros pela sua régua, Ben. Você está longe de ser
perfeito e se sente bem assim, só não pode achar que todo mundo ama sair
por aí exibindo orgulhosamente seus defeitos.
— Caralho, você está se ouvindo? Está colocando um cara que
conheceu há pouco mais de um ano em um pedestal como se ele fosse
intocável.
— Você já disse tudo que tinha para me dizer? — Jade me encara com
a feição fechada.
— Está me mandando embora? — Questiono, incrédulo.
— Adoraria fazer isso e você merecia, mas infelizmente não consigo
— dá de ombros — estou querendo que cale sua maldita boca, enchendo-a de
comida e me dê um minuto de paz para ver se minha raiva diminui.
— Eu sabia que a comida ia funcionar.
— Não cante vitória antes do tempo... — anuncia, com o princípio de
um sorriso.
Aproveitaria aquela pequena glória e faria de tudo para que ela me
desculpasse por ter sido um babaca.
Nos sentamos frente a frente e seguramos nossos hashis, atacando as
peças da barca em nossa tão comum disputa.
Entre rolls, sashimis, sushis e harumaki doce conversamos sobre
assuntos neutros que não envolviam casamentos, noivos perfeitos ou beijos
em padrinhos. Falamos sobre as estreias de filmes no cinema e quais
gostaríamos de assistir com Val e Kelly, séries que estavam para sair a
temporada e amenidades bobas que sempre nos faziam sorrir.
As horas vão passando e tudo parece estar normal novamente.
Eu estou contente com o clima de paz que tínhamos conseguido
instaurar. Mesmo assim, apenas a comida desceu facilmente por minha
garganta.
Ainda não era capaz de engolir a perfeição do noivo que Jade tentava
me empurrar “goela abaixo”.
*
O tom habitual dele é sempre cordial e sereno, nada parece tirar o
homem do eixo, nem mesmo bêbado, quando estamos mais suscetíveis, ele
perde a aura de bom moço. É tudo muito deliberadamente executado, as
risadas, os abraços, os beijos, os comentários, ele não diz uma linha que
possa ser alvo de discordância, é sempre o amigo de todos e o namorado mais
apaixonado de toda a face da terra. O que me leva a questionar se é tudo
mesmo verdadeiro, afinal, ninguém é perfeito.
Ele não é como você. Ele me ama e respeita, mas você não sabe nada
sobre respeito e amor Benjamim, prefere deixar o seu maldito ego governar
a sua vida.
As acusações da Jade ressurgem na minha mente e faço o que deveria
ter feito desde que o senhor perfeitinho entrou no meu caminho, decido
pesquisar um pouco mais sobre ele.
Vitor Ribeiro no Instagram tem o perfil fechado, apenas amigos devem
fazer parte dessa rede e como amigo, eu sou um dos eleitos para o seu
mundinho perfeito. Nas cerca de trinta fotos que ele possui, demonstra ser um
homem ligado a família, há fotos com os pais, irmão e avós; fora do âmbito
familiar temos a presença de alguns amigos. Há fotos individuais dele em
momentos de lazer: cachoeira, com um livro em mãos e as mais recentes são
fotos de casal, onde ele e Jade são os protagonistas apaixonados. O resumo
dessa rede é de um homem de família, amante da natureza, culto e
apaixonado. Sigo para o número de seguidores e nenhum daqueles perfis
parecem macular a aura do senhor perfeitinho. Nenhuma curtida em uma foto
de uma gostosa de biquini, nenhum comentário suspeito recebido em suas
fotos.
Nada comprometedor.
No Facebook, a sua última publicação é de um ano atrás e nela aparece
um grupo de homens em uma festa empresarial na cidade de Mar Aberto,
município vizinho, o check-in neste lugar era recorrente nessa rede social.
Todos com a alcunha de vínculo empregatício. Eu já ouvi o nome desse lugar
antes, retorno ao perfil do Instagram e lá está a marcação na foto do dia 23,
ele usando o uniforme da companhia elétrica, sorrindo para a tela.
Mar Aberto deve indicar alguma coisa…
É nisso que me apego antes de continuar stalkeando redes.
*
Eu ainda não tenho provas de que o Vitor é um homem com defeitos e
olhe que eu busco extrair quaisquer resquícios nas suas redes sociais, dedico
um tempo gigante para stalkear seus amigos, familiares e não chego a
nenhuma conclusão. A vida dele se resume a trabalho, casa, Jade e repete-se
em um ciclo entediante. E isso talvez justifique ele não cometer erros,
considerando que se mantém na sua zona de conforto, então decido meio que
dar uma mãozinha ao destino e convidá-lo para o meu mundo. É a minha
última chance de provar que ele é como qualquer homem. Resultados
urgentes precisam de medidas exasperadas e para isso contarei com a ajuda
da estonteante Laísa.
Ela será a minha acompanhante no jantar oferecido por mim, como
oferta de agradecimento ao meu convite como padrinho. A missão da Laísa é
aproveitar o momento a sós com Vitor e jogar todo o seu charme para ele e
depois me relatar, ao fim da noite, como ele reagiu a sua investida.
Antes que você me julgue por armar um teste de fidelidade, espero que
compreenda que pretendo usar todas as armas que estiverem ao meu alcance
para provar que o homem perfeito não existe antes que seja tarde demais e
Jade só perceba quando já estiver casada.
— Como estou? — Ela sai do meu quarto usando um vestido
minúsculo vermelho.
— Uma sedutora perfeita! — Ofereço uma taça de vinho.
— Você não acha que isso é errado? — Indaga após ingerir um gole do
vinho — criar uma situação para ele cair...
— Ele só vai cair se não resistir ao seu encanto… — sorrio — se bem é
que é bem difícil resistir a você vestindo isso.
— É? — Enlaça a mão livre no meu pescoço — quero que você me
diga o quanto eu sou irresistível.
— Olhar para você dá vontade de te despir com a boca, depositando
beijos por toda a extensão da pele macia… — Ela morde o lábio inferior em
resposta e antes que possa completar a minha descrição, a campainha toca. —
Nossos convidados, seja bem receptiva com o Vitor.
— Vou imaginar você quando olhar para ele — pisca para mim.
Corro até a porta e a abro, notando as mãos enlaçadas.
— Boa noite — cumprimento o casal apaixonado à minha frente —
entrem, a casa é de vocês! Deixe-me apresentar a Laísa, ela será minha
acompanhante nesse jantar, espero que não se incomodem, eu não queria ser
vela do casal.
O olhar de Jade segue além de mim, encontra Laísa e noto quando a
sua mão volta a segurar a do Vitor.
A minha escolha foi certeira pelo visto.
— Você é mais linda do que o Benjamim falou — ouço minha
acompanhante e a encaro, pois eu não tinha dito uma palavra sobre a Jade —
será uma noiva linda. É o Benjamim quem fotografará seu casamento?
— Obrigada — Jade sorri diante da recepção calorosa — não, ele é
nosso padrinho, para as fotos contratamos outra equipe.
— E você deve ser o sortudo por conseguir arrematar o coração dela,
né? — Interage com Vitor.
— Sim, eu sou o sortudo — o noivo olha de modo encantado para
Jade.
Aquela interação me causaria mal-estar em outra situação, com outros
envolvidos, mas eu não cheguei até aqui para recuar, então afasto a minha
consciência moral e dou prosseguimento ao meu plano de desmascarar o
noivo perfeito.
Jade um dia irá me agradecer.
— Vamos jantar? — Pergunto sorrindo.
A beleza da Laísa foi o primeiro motivo para que a escolhesse para o
plano e o segundo é o seu bom humor e a forma como ela conduz qualquer
conversa. Ela ganha o seu interlocutor com carisma e histórias engraçadas, de
modo que todos estão relaxados com sua presença.
Em uma hora, uma garrafa de vinho foi esvaziada, conversamos
animadamente, mas eu preciso que ela execute o plano, antes que o senhor
perfeito informe que precisa se retirar pois amanhã é dia de trabalho.
— Jade, você me ajuda com a sobremesa? — Indago, dando play no
show.
— Claro — concorda e se volta para o noivo — tenta não morrer de
saudades pelo próximo minuto.
Ela dá um selinho nele e se coloca de pé para me acompanhar até a
cozinha.
A sobremesa, assim como o restante da refeição da noite é oriunda de
um restaurante, então há dezenas de recipientes plásticos espalhados pela pia.
Laísa me orientou a usar recipientes mais sofisticados para levar a comida
para a mesa, e assim acabei encontrando no meu armário itens que eu não
fazia ideia que havia adquirido, como refratários de vidro. A mesa de jantar
também recebeu a minha atenção, retirei do fundo da gaveta o sousplat,
pouco utilizado, guardanapos de tecido, taças e pratos de porcelana, montei
uma mesa digna de um jantar oferecido pelo padrinho dos noivos.
— Confessa que você está querendo impressionar a Laísa. — Jade
comenta quando nos afastamos dos outros.
— Por quê? — Pergunto sorrindo.
— Eu nunca contemplei uma mesa posta na existência dessa casa. Na
verdade, sempre achei que a sala de jantar da sua casa era um objeto de
decoração, visto que, sempre comemos no tapete da sala ou na bancada da
cozinha.
Aquela é uma verdade. Nas lembranças da visita de Jade há dezenas de
imagens dela no meu tapete comendo pizza com a mão ou nós dois comendo
hambúrguer sentados no sofá. Acho que inconscientemente a mesa da sala de
jantar representa uma formalidade que a nossa amizade dispensa, somos
íntimos e isso permite que as refeições sejam feitas de forma despojada no
tapete da sala.
— Aposto que já deve ter tido um dia que usamos a mesa, talvez a
primeira vez que me mudei!?— Pergunto sem muita convicção.
— Nunca — ela nega sorrindo — a Kelly sempre reclama de dores nas
costas, depois de passarmos horas esparramados no tapete. E a gente sempre
concorda que a próxima pizza será na mesa e nunca cumprimos.
Essa é uma cena que eu recordo e me leva à risada.
— Ela reclama, mas parece amar o meu tapete felpudo, é a primeira a
se jogar nele.
— Trouxe verdades — concorda.
Meus passos seguem até a geladeira e retiro a torta gelada de limão.
Com cuidado deposito a torta na bancada de mármore e Jade assume o
resto. Ela facilmente encontra a faca na primeira gaveta e se coloca em frente
a sobremesa, enquanto eu sigo para o outro lado para pegar os pequenos
pratos.
— Sério que você comprou torta de limão? Isso é uma tentação para
quem precisa se manter no peso pelos próximos meses…
— Por que você acha que precisa se manter no peso? — Evito olhar
para o seu corpo para constatar que essa preocupação é desnecessária.
— Eu não acho, eu PRECISO! — Sentencia — a última prova do
vestido está chegando e eu preciso manter o mesmo peso até o dia do
casamento.
— Então, isso significa que você dirá não para a saborosíssima torta?
— De forma nenhuma — sorri — só significa que terei que me
contentar com apenas uma pequena fatia.
— Vou separar uma vasilha para você levar um pedaço maior para
casa.
— Você quer mesmo a minha desgraça — ri alto.
— Eu quero que você seja feliz! — aquela é uma afirmação do íntimo
do meu ser.
Eu odiaria saber que de alguma forma eu permiti que a minha melhor
amiga seguisse por um caminho que a levaria até a sua infelicidade.
— E você e a Laísa, como se conheceram?
— No estúdio, ela é modelo.
— É claro que ela é modelo, é belíssima. Acho que vocês formam um
belo casal. — Ela prossegue o corte do doce e ajudo a colocar as fatias nos
pratos — me lembre de te passar um convite de acompanhante, não havia
colocado antes porque você diz que não precisa. Mas agora as coisas
mudaram.
— Nada mudou, Laísa e eu não somos um casal.
— Isso porque ele não quer — Laísa discorda e giro o corpo para
encontrá-la na porta da cozinha.
Você deveria estar seduzindo o Vitor. É o recado que meu olhar passa,
mas meus lábios dizem:
— Fui pego no flagra — sorri — quer mais vinho?
— Não, acho que o Vitor precisa de uma camisa nova — o fato
desperta a minha atenção. Se for o que estou pensando Laísa colocou o Vitor
em uma situação comprometedora, é mais do eu esperava para essa noite,
mas é perfeito — ele acabou derramando vinho na camisa...
— Como isso foi acontecer? — Questiono.
— Onde ele está? — Jade pergunta antes de sair em socorro do noivo
traíra.
— Ele está na suíte do Benjamim — Laísa informa.
— Ouvi falar que gelo é bom para tirar mancha da camisa… — Digo
para uma Jade cada vez mais distante.
— O que aconteceu? — Pergunto baixinho — vocês se pegaram? —
Mantenho o tom de cochicho.
— Não aconteceu nada! E olha que eu tentei, mas o cara rejeitou
qualquer insinuação minha e quando fui um pouco além, como você sugeriu,
e o provoquei com os pés por debaixo da mesa, ele se assustou e derramou o
vinho. Levantou como se tivesse levado uma descarga elétrica e pediu que eu
respeitasse a sua casa e a noiva dele — conclui o relato com um sorriso nos
lábios.
— Porra, isso não é possível!
— Ele foi aprovado com louvor no teste de fidelidade. — Sentencia —
se você estava com medo da sua melhor amiga se casar com um cafajeste,
pode relaxar. Ele é o homem perfeito.
— Não existe a porra do homem perfeito!
— Parece que existe e ele é o noivo da sua melhor amiga.
Será?
Jade teve problemas com a equipe de fotografia que contratou, por
sorte, conseguiu romper o contrato sem grandes danos, a não ser pelo seu tão
desejado ensaio de noiva. Bem, não necessariamente ensaio de noiva, porque
eu adoraria fotografá-la sozinha, mas se tratava de um ensaio de casal. E ela
só lembrou que não havia resolvido “seu sonho” uma semana antes do grande
dia.
Dessa maneira, ela me ligou desesperada, implorando que eu fizesse
isso por ela. Que espécie de padrinho se negaria, não é? Eu. Eu negaria, mas
ao ouvi-la quase chorar do outro lado da linha, acabei cedendo e aqui estou
eu.
Nos encontramos no grande parque da cidade, aquele é o local ideal
porque possuí vários cenários naturais com muita grama verde, árvores e até
um lago. Dali, seria possível ir de carro até a praia caso ela decida por fotos
dentro d’água, mas eu espero que não. Vai ser demais para o meu cérebro
observá-la de diversos ângulos estando molhada. Não me entenda mal, sou
um excelente profissional e não me encaixo no tipo que dá em cima das
modelos... Sim, eu saio com elas se rolar um clima, mas não sou um
assediador disfarçado de fotógrafo. Ainda assim, nos meus últimos encontros
com minha amiga algo parece fora do lugar na minha mente e eu me pego
olhando-a de uma maneira menos amigável e mais censurável.
Ela se casará em uma semana e a última coisa de que precisa é de um
padrinho com pensamentos pecaminosos.
Na primeira leva de fotos Jade está de vestido azul bem claro e sandália
baixa, seus cabelos estão soltos com as pontas levemente cacheadas. Está
linda, sua pele escura brilha quando eu a encaro pela lente da câmera. Vitor
usa uma camisa de manga longa da mesma cor do vestido em conjunto com
uma bermuda branca e sapatênis. Primeiro, eu os instruo a darem as mãos e
caminhar livremente para que os fotografe de costas. Peço para pararem e se
olharem, sorrirem um para o outro e se beijarem. Clico todos os momentos,
verificando se ficaram boas as fotos.
A tortura continua até que o ensaio é interrompido pelo toque do
celular dele.
Ele está posando com o celular no bolso? Não percebi isso. Depois de
rejeitar a chamada, nós recomeçamos os cliques.
*
O assistente de fotografia assume o comando das fotos mais livres do
casal, acompanho a distância enquanto belisco as comidas, praticamente
intocáveis da cesta de piquenique. Levo à boca uma maçã que parece ter sido
selecionada pela bruxa do conto de fadas infantil quando noto o noivo se
afastar.
Para atender uma ligação.
Enquanto minha amiga posa em suas fotos individuais, eu me levanto e
tento me aproximar ao máximo do lugar onde ele recebe a chamada. Era a
sexta ligação durante o ensaio… Aquilo soa estranho demais, até ele
percebeu por que, finalmente, resolve atender. Mas o que poderia ser urgente
demais para interromper a sessão de fotos com a sua noiva?
Não posso chegar perto o suficiente para ouvir o que é dito, mas noto
que o Vitor parece chateado. Volto a me aproximar do Plínio que está
instruindo a Jade a posar sentada e sorrio para ela. Alguns segundos depois,
Vitor retorna e se abaixa para se sentar com a noiva.
— Sua mãe está bem? — Ela pergunta o encarando.
— Sim, não aconteceu nada grave...
— Nada grave e ela te ligou seis vezes? — Me intrometo.
Jade me olha feio.
— Você estava contando? — Me repreende.
— Bom, considerando que interrompeu meu trabalho, fui obrigado a
contar — dou de ombros.
— Desculpe por tomar seu tempo — ela diz cabisbaixa — nada mais
vai nos interromper. Vitor, entrega o celular para o Ben guardar na minha
bolsa.
Ele me olha e eu enxergo a surpresa que aquele pedido causa.
Seria estranho ele se negar, uma vez que acabou de dizer que não era
nada demais com a mãe.
Aquilo é medo?
— Claro, amor — ele estende o aparelho e eu o pego — guarda para
mim. Obrigado.
— Acho que umas fotos com vocês deitados, tirando de cima Plínio,
vão ficar espetaculares... — sugiro.
— Sim, eu vi umas inspirações assim no Pinterest.
Enquanto me afasto, Plínio coloca a posição em ação e eu confiro se
não estou sendo observado. Encaro a tela do telefone e passo o dedo para
desbloquear, mas é claro que precisa de senha. Não dá para arriscar senhas e
bloquear o telefone, e agora Benjamim?
Como se Deus ouvisse minhas preces, o celular se ilumina e começa a
tocar. Rapidamente, aperto no botão do volume para silenciá-lo. E, em uma
atitude impulsiva, numa última tentativa de provar que o Vitor não é o
homem perfeito, deslizo o dedo para atender.
— Escuta aqui seu babaca egoísta, já entendi que não quer nada nem
comigo e nem com seu filho, mas não seja cruel ao ponto de desejar que a
gente suma! — As palavras são gritadas por uma voz feminina e eu quase
não acredito no que meus ouvidos estavam captando.
Está alucinando, Ben? O choque daquela informação me paralisa por
alguns segundos.
— Eu não...
— Odeio você — a mulher chora, fungando alto, com a respiração
totalmente alterada — odeio você seu filho da puta.
Rapidamente saco meu celular e tiro foto da tela do Vitor, para ter
aquele número comigo. Faço isso um segundo antes de a mulher encerrar a
chamada.
Meu Deus do céu, que sorte!
Aquilo é muito mais do que eu sonhei, é um problema gigantesco...
uma mulher está esperando um filho do Vitor ao mesmo tempo em que ele
leva outra para o altar. Chego ao lugar do piquenique e guardo o celular na
bolsa, como me foi solicitado.
Retomo meu papel de fotógrafo principal e fito o noivo perfeito com
uma expressão de vitória. Ele conseguiu enganar todos até ali, mas agora eu
estou muito perto de desmascará-lo.
Provaria para a Jade que o homem perfeito não existe e que eu estive
certo esse tempo todo.
*
Naquela mesma noite ligo para o número desconhecido e a mesma voz
feminina atende.
— Alô?
— Olá, tudo bem?
— Tudo bem, com que eu falo?
— Eu sou amigo do Vitor — respondo e escuto uma respiração pesada
do outro lado, como se a simples menção àquele a incomodasse.
— Olha, eu não quero ser grossa com você, mas eu não quero
conversar.
— Então, será que você pode me ouvir por um minuto? Um minuto e
você decide se quer continuar a conversa ou não.
— Ok, seu tempo está rolando.
— Na verdade, não sou amigo do Vitor — a mulher balbucia algo que
não entendo, mas prossigo — eu sou Benjamim, o melhor amigo da Jade.
Jade é a noiva do Vitor e dentro de uma semana eles farão votos de lealdade e
amor eterno na frente de todos.
— Por que você está me dizendo tudo isso? — Ela me interrompe para
perguntar.
— Porque eu acho que a minha amiga não merece casar com um
homem infiel.
— Então, você deveria estar dizendo isso a sua amiga e não a mim.
— Você acha que ela acreditaria em mim? Acha que ela acreditaria,
sem prova alguma, que o noivo apaixonado e dedicado tem uma amante? Ou
vocês têm um relacionamento? Um relacionamento que gerou um filho e que
ele recusa a assumir a paternidade... — Jogo.
— Como você sabe da minha gravidez? Como sabe sobre mim? — As
perguntas dela são a confirmação de que estou no caminho correto.
— Eu sei muito pouco sobre você, moça. O que eu sei apenas é que
você é a única que pode impedir que a minha amiga se case com um homem
que não é digno do seu amor.
Um longo silêncio se faz presente e aguardo pacientemente.
— Desculpa, eu não posso te ajudar.
— É claro que você pode!
— E quanto a mim, quem vai me ajudar Benjamim? Eu estou grávida,
assustada e sem apoio. Não tenho condições de carregar mais um fardo. —
Na minha ânsia de desmascarar o Vitor não considerei que poderia haver uma
outra mulher enganada na história e em uma condição ainda mais sensível. —
Eu sinto muito pela sua amiga.
— Como você se chama? Do que precisa? Eu posso tentar te ajudar.
— Você quer me ajudar ou ferrar com ele? — Suspira — meu nome é
Nilce, mas não vou te dizer mais nada.
Eu quero insistir, mas sei que não devo. Não agora.
— Se mudar de ideia você pode me ligar a qualquer minuto, salve o
meu número.
— Tchau, Benjamim. — Ela encerra a ligação.
Confiro se seu contato está no WhatsApp e, em um segundo,
encaminho para ela as informações sobre o casamento: dia, hora e lugar.
Envio tudo antes que ela pense em bloquear meu contato.
É a minha única alternativa para desmascarar o Vitor e eu preciso me
agarrar a ela até o último minuto.
*
Os dias que sucedem a ligação são agitados e inquietos, não obtenho
nenhum retorno da amante do Vitor e o tempo corre contra mim. Busco-a nas
redes sociais e encontro todos os seus perfis privados, envio solicitação para
seguir no Instagram e para ser amiga no Facebook, mas não tenho retorno.
Envio mensagens que não são visualizadas e, no WhatsApp, sou realmente
bloqueado.
Eu podia ter ligado de outro número para insistir, mas lembrar que se
trata de uma mulher vulnerável, gestante e que também está sofrendo com
aquilo tudo me faz tirar o pé do acelerador. Uma parte minha diz que eu devo
abrir o jogo com a Jade, contar a ela o que descobri para que esteja ciente de
tudo antes de dizer sim, mas quando eu penso nessa possibilidade o seu
discurso de outrora, em defesa do amado, surge em minha mente e me faz
esperar pela ligação da Nilce. Preciso de provas, não adianta nada acusar o
Vitor sem ter como comprovar o que eu digo, nem o próprio Valmir me
apoiaria nisso se for apenas a minha palavra.
Jade está cega de paixão e eu não quero ser alvo de acusações sobre
como eu deixo o meu ego governar a minha vida, não aguentaria ser chamado
de mentiroso e vê-la preferindo o mentiroso a mim, porque seria minha
palavra contra a dele. Por isso, me apego até o último minuto a esperança de
que a mulher entraria em contato comigo para ser a prova viva das mentiras
do Vitor.
Afasto esses pensamentos inquietantes e coloco um sorriso no rosto
para cumprimentar os amigos na fila de entrada.
— Mais um pouco e você chega mais atrasado que a noiva. — É a
recepção que recebo da Kelly.
— Você acha que não leva tempo manter essa beleza mediana? —
Arqueio a sobrancelha.
— Até parece, garanhão. — Ela sorri em resposta.
— Você está espetacular nesse vestido — ela dá um rodopio e a cauda
gira. — E você está pronto para disputar comigo o posto de padrinho mais
bonito, mas acho que terei uma certa vantagem por ser solteiro — elogio meu
amigo Val, que ri alto em resposta.
— Você também está bonitão, hoje. — Kelly completa.
— Só hoje?
— Eu não vou alimentar o seu ego, tem dezenas de convidadas afoitas
para isso — a última parte é sussurrada.
— Aposto que sim. — Concordo sorrindo.
— Estava procurando você — Esmeralda, irmã da Jade, aproxima-se
com um ramo de flores e coloca no meu paletó. — Pronto, agora está
perfeito!
— Alguém já disse que você é a mulher mais linda desse casamento?
— Já — ela sorri — Mas isso logo vai mudar depois que a Jade entrar
nesse salão. Ela está um absurdo de linda, não é Kelly?
— Muito — concorda enfaticamente — Jade é a noiva mais linda que
eu já vi na minha vida. Ela está radiante, a felicidade parece estar saindo
pelos poros.
— Sério, a boca dos convidados vai se abrir em um “O” enorme
quando ela surgir.
— Eu não duvido disso… — Comento.
— A do Vitor então… — Esmeralda prossegue — aposto que ele vai
chorar quando ver a sua Jade estonteante no vestido branco.
— É muito a cara dele, né? — Minha amiga concorda.
— Sim, ele é perfeito.
O incômodo ressurge e é engolido quando a cerimonialista diz que o
nosso momento de brilhar chegou.
Um a um, os padrinhos começam a entrar na igreja. Somos em oito
pares no total, quatro do noivo e outros quatro da noiva. Mentalmente,
agradeço a minha amiga pelo número reduzido de padrinhos, isso tornará a
cerimônia mais curta e consequentemente mais tolerável. Já fotografei
casamentos em que o número total de padrinhos era praticamente o número
dos convidados e isso tornava todo o processo exaustivo para todos que
ansiavam também pela festa. A verdade é que poucos dos presentes no
casamento estão ali pelo valor sentimental da cerimônia, a maioria comparece
a igreja apenas porque não é de bom tom ir direto para a festa, caso contrário
estaria aguardando os noivos no salão festivo. E eu não sou capaz de julgá-
los.
O meu par aparentemente pensa o contrário, pois está emocionada
quando nos posicionamos na entrada da igreja para seguir o curso até o altar,
há um casal a nossa frente e depois será a nossa vez. Esmeralda era uma
garotinha quando a conheci, acompanhei sua mudança até se tornar a bela e
atraente jovem que é hoje, no auge dos seus vinte e dois anos.
— Você sabe que não é a noiva, né? — Indago baixinho e ela sorri
alto, mas para ao notar o olhar de recriminação da cerimonialista.
— Você sabe que é o padrinho e não deveria fazer a irmã da noiva rir
alto segundos antes da sua entrada triunfal, não é?
— As pessoas deveriam me agradecer por te fazer sorrir, pois você
estava prestes a se debulhar em lágrimas e inundar a igreja. Jade precisaria de
uma canoa para chegar ao altar.
— Como você é bobo! — Responde sorrindo.
— Crianças comportem-se que chegou a vez de vocês! — O aviso da
cerimonialista não diminui o sorriso de Esmeralda e coloca um no meu rosto
diante da irritação da mulher.
Ao som da famosa canção All We Need Is Love de The Beatles,
interpretada pela banda que os noivos contrataram, fazemos nossa entrada de
padrinhos. Damos passos lentos dentro da igreja e eu observo ao redor,
buscando minha salvação. Dentre tantos rostos femininos conhecidos e
desconhecidos, busco um que só existe na minha mente. Será que a mãe do
filho do Vitor é a mulher de expressão chorosa ou a morena de decote
profundo que sorri para mim?
Ela pode nem vir, Benjamim.
Ocupo o meu lugar em um dos bancos de madeira da frente e sigo a
minha caça visual, catalogando os presentes enquanto os outros padrinhos
desfilam em suas entradas. Uma mulher chama a minha atenção, ela usa um
vestido floral e parece perdida no ambiente, acaricia a barriga média
enquanto os olhos buscam algo de maneira impaciente.
— Quem é a mulher grávida de vestido verde com estampa de flores à
nossa esquerda? — Falo ao ouvido de Esmeralda, para não ser ouvido pelos
demais.
— Você não está querendo flertar com uma mulher grávida, está? —
Ela me responde com uma cara de incredulidade.
— Se ela for desimpedida — dou de ombros.
Sutilmente, ela se vira para observar a mulher
— A Cecília? — Pergunta sorrindo — ela é a minha amiga. Jade a
convidou junto com o marido… Que acaba de chegar — acompanho o
momento em que o homem alto e forte se junta a ela. — O Flávio é faixa
preta no judô, então a menos que você queira finalizar a noite com seu belo
rosto com hematomas, recomendo ficar longe dela.
— Eu vou aceitar a sua sugestão.
Depois dos padrinhos é a vez do noivo perfeito entrar. De braços dados
com sua mãe, Vitor parece muito feliz. Aposto que seu sorrisinho é de alívio
por não ter suas mentiras descobertas.
E se eu esticasse meu pé discretamente até o meio do corredor? Se ele
caísse, batesse a cabeça no degrau do altar e sangrasse o casamento teria
que ser adiado...
Perco o time antes de executar essa manobra e logo ele está parado de
maneira imponente, com seu elegante traje azul marinho, no altar. Antes que
outra ideia possa surgir, o clima muda no ambiente. As portas da igreja são
fechadas e ali eu sei que é tarde demais.
É a preparação para a entrada triunfal da noiva.
Jade vai mesmo se casar com um homem que não lhe contou sobre sua
amante grávida.
Todos os olhares se voltam para a entrada da igreja e eu me junto aos
demais a espera dela.
Quando as portas se abrem, a melodia de Dia Branco se inicia.
Se você vier
Pro que der e vier
Comigo
Eu lhe prometo o sol
Se hoje o sol sair
Ou a chuva
Se a chuva cair

Pego o celular no bolso da minha calça para enviar uma mensagem no


grupo do quarteto, comentando o quanto aquela escolha musical é brega e
romântica. Tenho certeza que Jade ao ler irá reagir a minha provocação com
inúmeros emojis furiosos, mas antes que eu possa enviar percebo que a igreja
implode em um grande suspiro coletivo.
Levanto meus olhos e descubro a causa daquela reação que também me
paralisa.
Não controlo as lágrimas e deixo que elas corram livremente pelo meu
rosto, pois são a minha emoção florescendo. Depois que o Vitor me pediu em
casamento, todos os dias eu imaginei esse momento. O momento em que,
acompanhada pelo meu pai, cercada de amigos e familiares, entro na igreja
para celebrar o nosso amor. Na minha visão, esse é o ápice dos
relacionamentos que eu tanto ansiava: o voto de fidelidade e amor feitos aos
olhos de Deus. E eu estou prestes a realizá-lo a cada passo dado em direção
ao homem que eu amo.
As lágrimas não escondem o meu sorriso e me acompanham nos
passos lentos que nada representam a agitação do meu coração para estar
mais uma vez nos braços do Vitor. Meus olhos vagam entre os convidados e
acabam sempre voltando a ele e encontro ali a mesma emoção que carrego
em mim. Os olhos marejados e o sorriso gigante nos lábios o deixam ainda
mais lindo e confirmam ainda mais a minha escolha.
— Cuide da minha joia mais preciosa. — Meu pai diz para Vitor
quando ele se aproxima.
— O senhor pode confiar em mim… — Ele afirma com a voz
embargada e se volta para mim. — Você está perfeita e eu sou um homem de
muita sorte.
Eu sorrio e meu noivo deposita um beijo em minha testa e me guia até
a presença do celebrante que inicia o ritual litúrgico do matrimônio.
— Boa noite, irmãos e irmãs da fé de Cristo, estamos aqui para
celebrar o amor. É Santo Agostinho que nos recorda que a medida do amor é
amar sem medida, e por isso, estamos aqui para enaltecer o amor potente do
Vitor Ribeiro e da Jade Moraes. Um amor tão gigante que nos convida a amar
junto, espero que ao fim dessa noite o fruto desse amor tenha se espalhado
pelo coração de todos aqui presente.
A cerimônia segue o seu rito de leitura da palavra, salmo de resposta,
aclamação do evangelho e minha emoção me acompanha em todos os
momentos, até que chegamos ao rito sacramental propriamente dito, o
momento em que os votos serão trocados e receberemos as bênçãos do padre.
— Vitor e Jade, viestes aqui para unir-vos em matrimônio e é chegado
o momento de manifestar o vosso consentimento diante de Deus e da Igreja,
aqui reunida. Dai um ao outro à mão direita.
Nossas mãos se encontram e nossos olhares dizem eu te amo, sem a
necessidade de palavras.
— Vitor, agora você repetirá as minhas palavras — o padre orienta e
Vitor repete as palavras ao microfone
— Eu, Vitor, te recebo, Jade, por minha esposa e prometo ser fiel,
amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os
dias da minha vida — ele conclui emocionado e minha mão livre seca as suas
lágrimas.
— Agora o mesmo acontecerá com você, Jade…
— Eu, Jade, te recebo Vitor, por meu esposo…
— Não, eu não posso permitir que você prossiga com isso — uma voz
feminina chega até a mim, antes que meus olhos encontrem a dona da voz.
Olho além do homem à minha frente e encontro uma mulher que
parece um pouco desorientada, seus olhos estão vermelhos.
— Você não pode se casar com esse homem sem saber a verdade —
ela tenta se aproximar do altar, mas é impedida pelo segurança.
O homem segura em seu braço e tenta tirá-la do ambiente, mas ela
protesta aos gritos, o que intensifica a pressão no seu braço.
Estou em choque, paralisada, como se aquilo não fosse real.
Mas algo ali parece verdadeiro e ao notar sua barriga protuberante e a
maneira como estão lidando com ela, saio do meu estado de torpor.
— Ele vai machucá-la, ela está grávida! — Digo assustada, assistindo
a mulher que se debate nos braços do segurança.
— Jade, deixe que o segurança cuide disso… — Vitor pede e o ignoro.
— Solte ela! — Ordeno, me movendo para auxiliar — solte essa
mulher, agora!
Ergo a cauda do vestido e caminho até eles, para acabar com aquela
ação truculenta.
— A senhora tem certeza? — O segurança indaga.
— Sim — digo e ele solta a mulher que desaba no chão. Abaixo-me
para ficar na altura dela. — Você está bem? Quer que eu chame alguém?
— Seu amigo me disse que eu poderia impedir que você fosse infeliz e
estou aqui... Porque não quero que você seja infeliz como eu sou hoje — as
palavras saem trôpegas e acompanhadas por um choro estridente.
Tento processar todas aquelas palavras quando sinto mãos me
erguendo do chão.
— Jade, volte para o altar e vamos continuar com o casamento — Vitor
segura o meu braço, me erguendo e eu auxilio a mulher para que se levante
também.
— Como você pode agir como se não me conhecesse? — Ela grita em
direção... a ele. — Como consegue fingir que esse filho não é seu? Que tipo
de monstro você se tornou!? Responde!
Naquele instante sinto-me tonta, como se tivesse rodado bastante antes
de cair de uma ponte. A minha boca fica seca de repente, minhas mãos
tremem e minhas pernas fraquejam. Preciso me segurar em algo, pois sinto
que estou prestes a encontrar o chão, por isso me agarro a Vitor.
O mundo gira.
— Quem é essa mulher? Por que ela está falando isso? — A minha voz
sai baixo, pois me sinto sufocada.
— Amor, eu posso explicar...
Posso explicar? Quando aquelas palavras são ditas é para justificar
verdades incompreensíveis.
Minhas mãos se desprendem dele e continuo a despencar da ponte
imaginária, o chão parece cada vez mais próximo e não há nada que impeça o
impacto. Atinjo o chão com força e o grito de dor real escapa dos meus
lábios.
As lágrimas rolam pelo meu rosto feito cascata, dificultando a visão
das coisas, escuto vozes ao longe, mas não consigo focar em nada, apenas na
dor que irradia por todo o meu corpo e parece esmagar o meu coração.
— Amor, me escuta... — Sinto suas mãos me segurarem e reajo ao
toque que me levou ao prazer tantas vezes e agora me causa repulsa.
— Me diz que é mentira... diz que não conhece essa mulher e ela não
está falando a verdade. Diga para mim que você não é esse filho da puta que
me enganou — peço aos prantos e a resposta que eu tanto espero não vem,
acentuando ainda mais o meu desespero.
— Eu nunca quis magoar você!
O próximo som que se escuta é o da minha mão espalmada em seu
rosto.
— Eu mereço isso... — Diz, sem reagir e aquilo alimenta minha raiva,
ergo a mão e acerto o outro lado. — Jade...
Dou mais um tapa nele e sinto minha mão arder, mas aquilo não atenua
o meu sofrimento. Estou despedaçada e humilhada. O casamento que eu tanto
sonhei se transformou em um espetáculo de horrores.
— Jade, você está bem?
Ouço a voz que sempre esteve ao meu lado e me viro, encarando o meu
melhor amigo. Benjamim estava parado ao meu lado com a expressão mais
preocupada do mundo.
— Benjamim, agora não é o momento — Vitor o repreende.
— Eu estou falando com ela e não com você! — Meu padrinho rebate
— me diz como posso te ajudar, Jade — ele pergunta e encontro naquele
olhar familiar uma centelha de tristeza.
— Cara, você está sendo inconveniente — Vitor contesta irritado —
estamos nos acertando e…
Ouvir o Vitor me causa ódio e o ódio naquele momento sobrepôs à
tristeza. Ele me fez de palhaça, mentido para mim e brincado com meus
sentimentos. Ele me traiu e aquela não é uma dor que possa passar. Aquilo
doeria em mim para sempre e eu gostaria que ele sentisse pelo menos dez por
cento daquela sensação de humilhação.
Encaro o Benjamim e não penso duas vezes antes de me atirar em seus
braços. O choque da minha ação o deixa paralisado, mas quando nossas
bocas se chocam, sinto suas mãos buscando meu rosto.
O beijo que trocamos ali é o mais estranho que eu já dei em toda minha
vida, apesar disso é bom. Ele se divide em carinho, proteção e desejo. Quero
sentir que eu sou desejada e não a mais estúpida das mulheres... Quero que o
Vitor se sinta o pior dos homens naquele momento e como se lesse meus
pensamentos, Ben aprofunda o beijo.
Nossas línguas se encontram e se acariciam com vontade.
Meus dedos se enfiam entre os seus fios de cabelo e o puxo para ainda
mais perto. Suas mãos desviam do meu rosto e deslizam pelo meu vestido até
chegar em minha bunda, pressionando com firmeza.
— Estamos na casa do Senhor! — A voz de protesto do padre recobra
o nosso juízo e ele cessa o beijo, sem afastar nossos corpos.
Ergo a cabeça e sinto todos os olhares voltados para mim.
O peso do mundo parece recair sobre os meus ombros, então faço a
única coisa que me resta naquele momento. Me afasto do Benjamim e de
tudo aquilo. Fujo. Corro em direção a saída da igreja, ignorando o meu nome
sendo chamado.
Do lado de fora, uma rajada de ar livre me recepciona. Não sei se sinto
o frio da noite ou se é um calafrio desesperado de quem acabou de ser traída.
Meus passos se chocam contra o chão e no desespero de sumir, sequer
me lembro que estou de salto alto. Eu corro sem olhar para trás, na direção
oposta daquelas sensações que me causam dor.
As lágrimas são as minhas únicas companheiras nessa fuga solitária,
elas acompanham meus passos incertos e inseguros quando chego em uma
avenida movimentada. Desnorteada, sem saber qual direção seguir, trafego
entre os carros tentando não ser atropelada, ouço as buzinas e corro ainda
mais, tentando fugir delas.
Não sei para onde vou, mas sei para onde não quero ir. Não posso ir
para casa e ter que lidar com todas as lembranças do Vitor na minha cama,
sala, banheiro… Meu desejo é me teletransportar para um lugar onde meu
noivo não exista, mas esse lugar parece inexistente e o mais perto que
encontro desse mundo surge no meu campo de visão através do letreiro
colorido.
Talvez o álcool me carregue para uma realidade sem ele.
Empurro a grande porta de vidro e adentro no bar. Imediatamente, os
olhares curiosos estão em mim, não os condeno, a figura da noiva aos prantos
destoa completamente do ambiente alegre e festivo. Uma varredura rápida
pelo local e é possível observar casais, grupos de amigos e até pessoas
solitárias, mas todas elas estão felizes. O álcool é a felicidade engarrafada e é
isso que eu busco quando marcho em direção ao balcão.
— Eu quero a bebida mais forte que você tiver! — Digo para o
barman.
O jovem tatuado me encara em silêncio, provavelmente deve estar
tentando imaginar tudo o que aconteceu até eu chegar ao momento daquele
pedido. Mas ele não me pergunta nada e logo começa a preparar o meu drink.
— Doce Sabor — o barman deposita a bebida na minha frente e
observo o copo que contém morangos.
— Você tem certeza de que isso é o mais forte que tem? — Pergunto
desacreditada.
— Acredite no poder da Gin Tônica — ele sorri e sai para atender
outro cliente.
Levo o copo de vidro ao rosto e primeiro sinto o aroma de especiarias,
uma leve presença de pimentas e algo que parece noz moscada. Quando o
líquido chega a minha boca há uma explosão de sabores, primeiro eu sinto o
destilado forte que faz minha garganta queimar e logo em seguida o
adocicado do morango neutraliza o álcool. Não levo mais que um minuto
para esvaziar o conteúdo.
— Mais um! — Peço para o barman que sorri em resposta.
— A noivinha deveria começar devagar… — Uma voz grave diz ao
meu lado e aquele tom paternalista desperta a ira que eu estou tentando
adormecer.
Por que aquele homem acha que sabe o que é melhor para mim? Será
que era isso que Vitor tinha em mente quando decidiu omitir o filho? Estava
tentando evitar o meu sofrimento? Não, ele estava pensando no próprio
umbigo ao levar o casamento adiante.
A segunda bebida é colocada à minha frente e é esvaziada mais rápida
que a anterior.
— Se está querendo afogar as mágoas, eu sugiro Whisky — o idiota ao
meu lado continua o seu monólogo, mas decido que é uma boa pedida.
— Whisky duplo, por favor — solicito.
— Eu vou acompanhar a noivinha — meu olhar segue até encontrar o
homem inconveniente ao meu lado. Encontro uma figura bonita: olhos claros,
maxilar quadrado moldado por uma barba bem-feita. — Gostou do que viu?
— O sorriso debochado acompanha a pergunta.
— O meu noivo parecia com você e nesse momento é a pessoa que eu
mais odeio no mundo. Então, a menos que você queira se tornar a segunda,
recomendo ficar de boca fechada.
— Eu não sou o seu noivo e se você me der uma oportunidade posso
te fazer esquecer dele em um minuto… — Sinto o toque dos seus dedos
deslizando pelo meu braço.
— Se você continuar tocando meu braço, vou quebrar seus dedos —
aviso.
— A noivinha é arisca — diz, cessando o toque.
— E você um babaca inconveniente!
— Eu estava tentando te consolar — dá de ombros.
— Dispenso a sua ajuda.
— E prefere passar a noite chorando as mágoas na mesa do bar? — Ele
insiste.
— Essa é uma decisão minha e não sua!
— Qual é noivinha? Você não está em condição de ser tão exigente...
O Whisky é servido e na ânsia de manter a minha boca fechada e
seguir ignorando o homem ao meu lado, viro de uma vez. A bebida desce
rasgando a minha garganta e uma crise de tosse me acompanha em reação
aquele líquido amargo e desconfortável.
— Eu falei que deveria ir com calma.
— E eu falei que não preciso dos seus conselhos — rebato.
— Deixa a moça em paz! — Uma voz feminina em tom autoritário
chega até nós, e o homem resmunga alguma coisa antes de se afastar.
Fito a mulher com tatuagem de flores que se iniciam na mão e finaliza
no seu pescoço, camiseta preta e um jeans rasgado.
— Eu sou a Deia, gerente do bar — se apresenta — estamos com
lotação máxima, mas assim que uma conta encerrar, reservarei uma mesa
para que você tenha mais privacidade.
— Eu sou Jade, a noiva em fuga. — Ela sorri — não se preocupe
comigo, o balcão do seu bar é o local ideal para mim nesse momento.
— Fique à vontade, Jade.
— Obrigada.
Deia preenche o lugar que antes era ocupado pelo sósia do Vitor e, em
poucos segundos, estou confidenciando a aquela mulher toda a tragédia que
foi o meu casamento não realizado. Conto, em meio as lágrimas, que o
homem que eu considerava o companheiro ideal não passa de um cafajeste.
Ela não tenta me consolar com frases prontas ou conselhos, ela apenas me
escuta e me entrega guardanapos quando o choro se torna compulsivo.
— O filho da puta ainda teve a audácia de dizer que não queria me
magoar, você acredita? — Indago sentindo as palavras se enrolarem ao sair
da minha boca — eu sei que eu deveria ficar feliz porque estou livre do que
ia ser uma tragédia. Mas uma parte minha queria muito que tudo fosse
mentira, queria que hoje fosse o dia mais feliz da minha vida, queria estar
celebrando ao lado do homem que eu amo, meus amigos e familiares. E eu
me sinto ainda mais idiota por isso — escondo o rosto entre as mãos quando
o soluço alto escapa dos meus lábios.
O toque suave nas minhas costas transmite sem palavras o consolo e
lembra que eu não estou sozinha.
Não consigo descrever o que eu sinto ao vê-la ali, toda de branco. Jade
está perfeita em seu vestido de noiva, as alças finas ressaltam sua pele linda.
Fico hipnotizado a maior parte do tempo, sem conseguir raciocinar nada além
da beleza da minha amiga. Meu coração dói quando constato que aquele
momento marca o nosso fim.
O incômodo cresce dentro do meu peito. Em instantes o padre selará o
matrimônio diante dos meus olhos e da minha inércia. Todavia, o que eu
posso fazer? Devo erguer a mão e pedir a palavra, explanar para todos a
minha descoberta sobre o noivo adúltero? Jade vai acreditar em mim, confiar
na minha confissão na ausência de provas? O mais provável é que me acuse,
mais uma vez, de não respeitar os seus sentimentos e me deixar ser
governado pelos meus desejos. Eu vou atrapalhar a cerimônia, ela me odiará
e não acreditará em nada do que eu disser depois disso, então, permaneço em
silêncio esperando que um milagre aconteça.
Quanto mais os minutos passam, mais a sensação de derrota me atinge
em cheio. Observo o Vitor no altar fazendo promessas a Jade, promessas de
amor eterno e fidelidade, promessas que ele já mostrou que é incapaz de
cumprir. O momento de Jade fazer as suas promessas chega e me levanto
para sair dali, sei lá, respirar ar livre no exterior da igreja.
Mas antes que eu alcance a porta de saída lateral da igreja, o milagre
que eu tanto esperava surge por meio de uma mulher de estatura baixa e
olhos tristes. Ela se move rapidamente, para alguém com uma barriga
protuberante, em direção ao altar disposta a arrancar a máscara do noivo. E
assim ela o faz, aos gritos e acusações, desmascara Vitor para o horror de
todos os presentes.
Vibro internamente diante do fato, está apresentado para todos que o
Vitor não é perfeito, ele tem tantos defeitos quanto eu ou qualquer outro
homem presente nesta igreja. Entretanto, a minha satisfação pessoal dura
pouco tempo quando vejo a dor estampada no rosto da pessoa que talvez eu
mais me importe em todo o mundo. Jade é exemplo de força e determinação e
essa é uma das características que mais admiro nela, enfrentar os problemas
de cabeça erguida, mas naquele momento ela parece frágil e prestes a se
partir ao meio.
Eu me aproximo para evitar que ela despedace diante dos meus olhos.
Sou surpreendido com um beijo na boca e demoro alguns segundos
para entender o que está acontecendo. Sinto o corpo dela contra o meu e
aquela percepção faz tudo se encaixar. Estou no lugar certo e na hora exata,
por isso aprofundo nosso beijo, buscando em sua boca o gosto do desejo.
Minhas mãos ganham vida e seguem suas vontades até estarem na bunda da
minha amiga, apertando com vontade.
Até que somos interrompidos.
Jade parece perdida e confusa, assim que encerra o beijo parte em
disparada porta a fora. Não posso deixar que ela escape sem ouvir o que eu
tenho a dizer, mas antes que consiga dar um passo, sou interrompido por
mãos que me seguram.
— Perdeu a noção? — Vitor questiona segurando a lapela do meu
terno — você acha que pode beijar a minha mulher e sair por aí?
— Acho — respondo afastando suas mãos com um safanão — e só
para constar ela não é sua mulher. Além disso, foi a Jade quem me beijou.
— Seu cafajeste!
— Que moral você acha que tem para falar de mim? Você traiu a Jade,
renegou a existência de um filho... Você nunca gostou dela, não é? Qual era o
plano?
— Eu amo a Jade! — A sentença é dada aos gritos quando ele tenta vir
para cima de mim, mas é contido — você e nem ninguém tem o direito de
duvidar do meu amor por ela.
— Nisso você tem razão, a pessoa que tem o poder de validar o seu
amor acaba de deixar essa igreja. Acabou para você, Vitor.
Lanço o último olhar para aquele homem que nunca mais quero ter o
desprazer de ver na minha vida e volto a atenção a mulher que chora ao nosso
lado. Não consigo conter a empatia que cresce diante da mulher solitária que
enfrentou Vitor, ela parece fraca e desamparada e sinto-me responsável por
ela naquele momento.
— Você está se sentindo bem? — Ela acena com a cabeça — sou o
Benjamim, como posso te ajudar? — Ofereço gentilmente a mão para ajudá-
la a se apoiar.
As mãos trêmulas agarram-se ao meu braço enquanto a conduzo para
longe do grupo que a encara como se ela fosse culpada pelo que acabou de
acontecer. Nossos passos nos levam até a pequena praça localizada em frente
à igreja.
— Como posso te ajudar, Nilce? Você veio acompanhada por alguém?
— Eu vim sozinha, minha mãe não concordou com a ideia. Disse que
eu ia estragar a vida de mais uma pessoa e pelo visto ela estava certa.
— Se tem um culpado nessa história, certamente não é você.
Ela se senta no banco de cimento e eu a acompanho, Nilce respira
fundo algumas vezes antes de voltar a falar.
— Eu não sou amante do Vitor. Só soube da existência da sua amiga
quando eu já estava grávida — as lágrimas rolam pelo seu rosto — eu
também tinha planos de casar e achava que seria com ele, mas ele revelou
que isso seria impossível, me disse que amava outra mulher e estava prestes a
se casar com ela.
— Eu sinto muito. — Sou sincero nas palavras.
— Vitor sempre foi um homem carinhoso... Nunca imaginei que ele
fosse capaz disso. Desculpa estar desabafando com você — enxuga as
lágrimas que não cessam um minuto. — Eu preciso voltar para o hotel e
tentar antecipar a minha passagem.
— Por que você não dorme no hotel e tenta descansar? Uma viagem a
noite pode não ser segura na sua atual condição, pense no seu bebê.
— Você tem razão — acaricia a barriga.
— Queria te agradecer por ter atendido o meu chamado, imagino quão
difícil esteja sendo para você...
A mulher assente.
— Você tem meu número, pode me ligar se precisar de qualquer coisa.
— Só quero sair daqui — responde, aos prantos.
— Vou chamar um carro para você.
Solicito o carro por aplicativo e aguardo ao seu lado, quando ele chega
entrego algumas notas de dinheiro, que ela recusa veementemente, mas acaba
por aceitar diante da minha determinada insistência.
— Se cuida. — Digo quando ela entra no carro.
— Sua amiga tem muita sorte de ter alguém como você ao lado dela.
Adeus, Benjamim.
Eu não tenho tanta certeza se a Jade vai enxergar por essa ótica.
Quando Nilce se vai, entro no meu carro, não posso ficar de braços
cruzados aguardando a aparição de Jade. No momento em que dou a partida,
penso em todos os possíveis locais para onde ela poderia ter ido,
considerando que está sem telefone, documentos, dinheiro e ressentida. No
lugar dela, eu procuraria um bar para afogar as mágoas, numa tentativa de
encontrar na bebida um afago para a minha dor. Será possível que a minha
amiga seguiu essa lógica? Não sei, mas preciso começar por algum lugar e
esse será o meu norte.
Uma pesquisa rápida no meu celular informa a existência de cerca de
vinte bares nos arredores da igreja, piso no acelerador ao encontro do bar
mais próximo dando início à procura da noiva fujona. Um a um, entro nos
estabelecimentos e todos são unânimes em afirmar que nenhuma mulher
usando o traje de noiva passou por ali, os meus próximos passos me levam
até um pub com fachada luminosa.
A porta se abre e sou recepcionado pelo som de risadas e conversas,
meus olhos percorrem o ambiente e para meu total alívio ali está ela,
debruçada sobre o balcão do bar. Meus passos seguem ávidos ao seu
encontro, quando me aproximo vejo o oposto da mulher que vi horas atrás, a
maquiagem escorreu pelo seu rosto formando uma mancha preta ao redor dos
olhos, os fios de cabelo antes alinhados encontram-se rebeldes, com fios
soltos por todos os lados.
— Jade... — chamo pelo seu nome e ela ergue a cabeça para me
encarar. Um sorriso surge no seu rosto ao me ver ali.
— Você chegou para me fazer companhia, você sabe que odeio beber
sozinha, né Benjamim? — As palavras saem arrastadas da sua boca. — Traz
um Whisky pro meu melhor amigo — ela acena para o funcionário.
— Sei — sorrio — rodei feito louco à sua procura, estava preocupado
com você. Não poderia ter me chamado para ser seu piloto de fuga?
— Eu queria ficar sozinha, mas estou feliz que o meu melhor amigo
esteja aqui — toca a minha mão sobre o balcão. — Um brinde? — Sugere
quando o meu Whisky é servido.
Não está nos meus planos beber, mas diante da ênfase no melhor amigo
decido que uma dose não vai me fazer mal.
— A que vamos brindar?
— À vida de solteiro, que parece ser a minha sina… — Diz em um tom
choroso.
— Não é tão ruim assim ser solteiro, vai. Você pode beijar várias
bocas… — Tento fazer piada com a situação, mas ela não ri.
— Eu não quero viver o resto dos meus dias beijando várias bocas.
— Você pode beijar uma única boca para sempre — deixo meus dedos
deslizarem pelo seu rosto.
Ela me olha como se fosse a primeira vez que estivesse me vendo na
vida, os olhos fixos nos meus, fitando-me longamente. O carinho na sua pele
não cessa e sinto o meu corpo reagir ao simples contato dos meus dedos com
a sua pele, mas isso é bruscamente interrompido quando sinto um jato quente
nos meus pés.
Jade está com o corpo debruçado e expelindo boa parte do álcool que
ingeriu desde que chegou aqui.
— Está tudo bem — afago às suas costas.
— Acho que quero vomitar mais uma vez… — Ela confessa e dessa
vez conseguimos chegar até o banheiro.
Entramos juntos no banheiro privado e seguro o seu cabelo enquanto
vomita na pia. Ela joga água no rosto e encara a imagem refletida no espelho.
— Eu estou péssima…
— Está — sorrio.
— Você não deveria concordar comigo, um bom amigo diria: você
continua linda. — O sorriso tímido retorna ao seu rosto.
— Você é linda — sentencio — quando você entrou na igreja estava
estonteante. O mais romântico dos homens faria ode à sua beleza, a mim só
restou contemplá-la.
O meu elogio tem o efeito contrário do esperado, pois uma enxurrada
de lágrimas surge e cai feito cascata pelo seu rosto, fazendo seu corpo
tremular.
— Eu estraguei tudo!
— Não foi sua culpa.
— Claro que foi, eu estraguei seu sapato novo — aponta para os meus
pés. — Eu faço tudo errado — continua aos prantos.
E essa súbita fragilidade dela por algo sem importância me desmonta,
essa não é a Jade que eu conheço e eu faria de tudo para devolver o sorriso ao
seu rosto.
— Você confia em mim? — Pergunto e ela pisca repetidas vezes para
mim enquanto luta para controlar as lágrimas.
— Sim...
— Então, vem comigo — estendo a mão para ela que hesita.
— Eu não quero ir para casa.
— Não vamos, confie em mim — a sua mão encontra a minha e saímos
do banheiro.
Quito a dívida do bar e acrescento uma boa gorjeta em compensação
pelo vômito, caminho com ela apoiada ao meu corpo até o carro, ajudo-a a se
acomodar no banco do carona para em seguida dispensar os sapatos sujos.
Quando ocupo o banco do motorista estou usando apenas meias nos
pés e há um plano criando forma em minha mente. Poderíamos ir para minha
casa e beber, mas ela logo seria encontrada por qualquer um que a
procurasse. É bem capaz que o canalha do Vitor apareça na minha porta para
se desculpar e mais capaz ainda que ela se sensibilize e o perdoe… E aquela
simples ideia faz com que eu abandone qualquer resquício de racionalidade.
— Benjamim — Jade chama o meu nome quando coloco o carro em
movimento — você vai me apresentar seus amigos gostosos para eu beijar na
boca e celebrar a minha solteirice compulsória? — As pálpebras se abrem e
se fecham rapidamente.
— Você está bêbada, Jade…
— Eu não faço o tipo deles? É isso? — Questiona. — Não tenho o
corpo das modelos que eles pegam, né?
— Você faz o tipo de todos eles, acredite. — Ela sorri em resposta.
— Então vai me apresentar a eles, né? — Insiste. — Você promete que
sairemos em dupla para beijar todas as bocas da balada!? Promessa de
mindinho? — Estica o dedo em questão para mim.
— Quantos anos você tem, onze? — Ela gargalha alto e a minha risada
junta-se a sua logo em seguida.
Parece que voltamos no tempo e somos apenas nós dois, velhos
amigos, se divertindo dentro do meu carro a caminho de alguma balada.
— Você sempre consegue me fazer rir. — A declaração é seguida dos
olhos fechados — e essa é uma das coisas que mais amo em você — o som
pesado da sua respiração finaliza a declaração.
O carro continua em movimento, assim como os pensamentos em
minha mente, vagando sem uma direção específica. Na verdade, eu sei o que
eu quero fazer, mas não posso fazer tudo sem envolver terceiros e inventar
uma narrativa, então recorro a minha principal aliada no momento. Ativo o
sistema que interliga o meu celular ao painel do carro e faço a ligação para
Kelly.
— Você ainda tem a chave cópia da casa da Jade? — Pergunto, assim
que ela atende.
— Sim, por quê? — questiona. — Você a encontrou?
— Onde você está? — Sondo em busca da confirmação de que ela não
está em vigília com os outros em busca do paradeiro da Jade.
— Em casa, aflita em busca de notícias da minha amiga — explica —
agora será que pode responder o que realmente importa: Jade está com você?
— Indaga irritada.
— Sim.
— Graças a Deus — exclama aliviada. — O Benjamim encontrou a
Jade, amor…
— Eu falei que ela estava bem — escuto a voz do meu amigo ao
fundo.
— Onde vocês estão? Venham aqui para casa, ela pode passar a noite
aqui comigo.
— Ela tem outros planos — olho mais uma vez para a mulher
adormecida ao meu lado.
— Que planos? Passa o telefone para minha amiga, agora.
— Eu passaria se ela não estivesse roncando ao meu lado, ela bebeu
mais do que deveria e apagou assim que entrou no carro.
— E você quer seguir o plano de uma pessoa alcoolizada? — Eu
esqueci como a Kelly é atenta aos detalhes.
— Só no dia de hoje eu vi a Jade chorar mais do que eu vi em todos
esses anos que nos conhecemos. Ela está sofrendo e o que menos precisa é de
alguém questionando se está tomando decisões corretas. Então, se você a ama
como eu sei que a ama, respeite as suas decisões. — O meu apelo emocional
surte efeito rapidamente.
— O que eu tenho que fazer?
— Primeiro, preciso que não comunique ao Vitor que Jade está
comigo.
— Ele é a última pessoa que eu quero ver na minha frente.
— Ótimo — afirmo — me encontre na casa dela em 20 minutos, eu já
estou a caminho.
Encerro a ligação e acelero.
*
Assim que chego, noto o carro do meu casal de amigos estacionado,
antes que eu saia do carro sou interpelado por Kelly, ela observa através do
vidro fechado Jade adormecida, deixo o ar-condicionado ligado e junto-me a
ela na calçada.
— E agora?
— Agora você abre a porta e eu pego o que é preciso.
— Aqui a chave — deposita na minha mão — eu não vou deixar minha
amiga sozinha. — Dito isso, ela ocupa o meu lugar no carro.
Meus olhos encontram rapidamente o que eu procuro: a mala no canto
direito da sala. Por sorte, Jade é extremamente organizada e deixou na
mesinha ao lado da mala tudo que preciso: carteira, celular e o papel impresso
com código do local que ficaria hospedada.
Ao longo das semanas o nosso grupo de amigos foi alvo de múltiplos
compartilhamentos sobre a sua viagem de lua de mel como fotos,
informações e detalhes do hotel ecológico escolhido pelo casal. Eu ignorei
metade daquelas informações, mas recordo, em específico, que o hotel era um
dos poucos no país que o check-in era realizado de forma eletrônica, através
de um código de informação que funcionava como uma senha.
E no meu estado atual esse é um fato de grande valia, afinal eu serei o
senhor Vitor Ribeiro, pelos próximos três dias. É uma escolha que eu não
faria em qualquer outra situação, mas se há uma reserva para os recém-
casados, alguém precisa ocupar o lugar do noivo destituído.
Com todos os itens em mãos, dou um passo em direção a porta. Val
que permaneceu em silêncio ao meu lado, resolve externar seus pensamentos.
— Você e a Jade estão juntos?
— Chegamos no mesmo carro — sou evasivo na resposta, porque
estou ansioso para colocar o pé na estrada.
— Eu vi o beijo na igreja. Aliás, todo mundo viu.
— É complicado — sou sincero na minha resposta.
— Imagino, vocês se conhecem há anos… Você não precisa disso, mas
tem meu apoio.
— Espero que ele permaneça quando souber que serei o Vitor Ribeiro
pelos próximos dias. — Noto a compreensão daquela informação surgindo no
seu rosto.
— Puta que pariu, isso é vingança em alto estilo. — Sorri — não
preciso te lembrar que falsidade ideológica é crime, né?
— Um homem precisa assumir alguns riscos — pisco para ele.
— Vai em frente — Abre a porta para mim.
— Para que essa mala? Para onde vocês vão? — Kelly questiona
quando me aproximo.
— Vamos curtir um certo hotel ecológico — pisco para ela e sigo para
guardar a mala de rodinhas pink no bagageiro.
— Vocês estão loucos? — As palavras são ditas em alto tom e tenho
certeza de que chega até o ouvido de alguns vizinhos com sono leve. Para
minha sorte, a Jade parece estar em um estágio avançado de sono, pois não
move um único músculo em resposta.
— Agradeço a sua ajuda em meu nome e no da Jade. — Beijo o seu
rosto. — Não conta a ninguém do nosso paradeiro, tá?
— Vocês são malucos — repete baixinho.
— Cuidado na estrada. — Val aconselha.
— Pode deixar.
Entro no carro, coloco o cinto de segurança e ignoro as doses de
racionalidade que insistem em me lembrar que é um plano arriscado. Eu sei
dos riscos envolvidos, sei que quando Jade acordar e recordar de tudo que
aconteceu nessa noite ela vai mirar a sua ira em minha direção, mas eu conto
que ela me escute e entenda os meus motivos.
— Me desculpa — peço antecipadamente.
E acelero em direção a lua de mel.
Hoje, definitivamente, é o dia mais feliz da minha vida.
Sinto uma aura de amor e felicidade que emana dos meus amigos e
familiares.
Sempre sonhei com esse momento e nos meus sonhos a figura do
homem que estaria comigo nesse momento era uma incógnita, mas agora ela
tinha forma e me fitava com amor estampado no seu rosto.
Dizer sim ao Vitor era a afirmação mais fácil que fiz na minha vida,
ele era amoroso, cuidadoso, bom filho, lindo e o sexo com ele era incrível.
Ele atendia todos os requisitos que eu buscava para o pai dos meus filhos e
agora estamos dando o passo definitivo para a realização dos meus sonhos.
— As alianças são o símbolo do compromisso de um casal e de sua
ligação emocional e espiritual — o celebrante inicia a troca de alianças —
elas são consideradas um círculo perfeito sem começo nem fim. Jade e Vitor,
que estes anéis sejam o lembrete visível dos seus sentimentos um pelo outro,
uma recordação que se encontraram um no outro e jamais andarão sozinhos
novamente.
Vitor segura a minha mão esquerda e repete as palavras ditadas pelo
sacerdote.
— Jade, receba esta aliança — a aliança desliza pelo meu dedo
vagamente à medida que as palavras são proferidas — em sinal do meu amor
e da minha fidelidade.
Ele finaliza com um beijo na minha mão.
As lágrimas acumuladas transbordam quando seguro a sua mão. A
minha voz trêmula dita o tom da minha fala:
— Vitor, receba esta aliança, em sinal do meu amor e da minha
fidelidade.
Recebo em resposta um eu te amo sussurrado, mas que fala alto ao
meu coração.
— Antes que o poder instituído a mim recaia sobre o enlace do jovem
casal, eu pergunto aos presentes: Tem alguém que é contrário a essa união?
Fale agora ou cale-se para sempre — o silêncio predomina no ambiente e o
sacerdote continua. — É oficial, eu vos declaro, marido e mulher. Pode
beijar a noiva.
Preparo-me para receber o beijo apaixonado do Vitor, mas de repente
um furacão se forma em frente à igreja e sai levando tudo pelos ares. O
telhado voa, as pessoas gritam e correm... Não consigo me segurar no meu
noivo e o redemoinho me tira do chão.
Desperto atordoada e sinto minha cabeça latejar.
Fecho os olhos novamente e levo a mão a têmpora, esfregando
lentamente enquanto desejo que aquela dor cesse com o toque. Quando
minhas pálpebras se abrem novamente, não reconheço o ambiente que me
cerca. E uma sensação de desespero ganha força no meu interior.
Onde estou? Ai meu Deus, eu fui drogada!
Meu coração bate descompassadamente com aquela constatação e eu
paraliso quando me sento e percebo que não estou sozinha. O homem que
divide a cama comigo não pode ser o Vitor porque o cabelo é totalmente
diferente. Olho para mim mesma e constato, aliviada que estou
completamente vestida. Estou usando meu vestido de noiva... E isso faz a
lembrança do dia anterior me atingir com a força de um trem.
Estou prestes a gritar de desespero por estar com um homem em um
lugar que não reconheço, quando ele se vira em minha direção.
— Benjamim!
— O que aconteceu, você está bem? — De repente o desconhecido não
é mais desconhecido, e sim o meu amigo Benjamim. Mas a sensação ruim
não cessa diante do que significa nós dois dividindo a mesma cama.
— Eu que pergunto o que aconteceu. Onde estamos?
— Você não lembra? — Acompanho o sorriso surgir no seu rosto e
tenho vontade de arrancá-lo com minhas mãos. — A sua cara de horror é um
ataque ao meu ego — completa.
— Como assim? O que rolou entre nós?
— Além do beijo na igreja?
O beijo.
— Sim, além disso...
— Bem, entre a hora que você vomitou nos meus sapatos, apagou no
carro e foi carregada até essa cama… — ele faz um minuto de silêncio — não
aconteceu nada.
Não notei que estava prendendo o ar quando ele escapa dos meus
lábios.
— Então, por que estamos nessa cama?
— As pessoas também usam a cama para descansar, sabia? — O tom
brincalhão permanece.
— Que lugar é esse Benjamim e, por favor, sem respostas bem-
humoradas.
— Não sabia que acordava de mau-humor. — Ele tenta conter o
sorriso, mas não consegue.
— Eu não acordo de mau-humor — me defendo — mas estar em um
lugar desconhecido acompanhado de alguém que eu não escolhi, faz o meu
humor desaparecer.
— Vou ignorar o fato que você disse em entrelinhas que não queria a
minha presença aqui, pois você deve estar confusa depois dos últimos
acontecimentos. Estamos no Atlas Eco Hotel — anuncia e meus olhos se
arregalam.
— Por que eu escolheria vir com você para o lugar da minha lua de
mel?
— Tecnicamente, você apenas disse que confiava em mim. E eu segui
com o que achava melhor na situação.
— E você deduziu que eu escolheria dentre todos os lugares vir para
cá? — Coloco-me de pé e começo a andar de um lado para o outro.
— Eu não tinha muitas alternativas. Não dava tempo de reservar um
lugar em cima da hora e você tinha essa reserva. O lugar parecia maneiro nas
fotos... — explica com serenidade.
— Essa é a ideia mais estúpida que você já teve nos últimos anos. —
Rebato — e olhe que você já teve um porco como bicho de estimação.
— Ei, o Pig era legal — se defende.
Forço minha mente em busca de uma explicação lógica que justifique a
autonomia dada por mim ao Benjamim. Ele é meu amigo há anos, mas é
conhecido por ser governado pelas emoções e impulso, então em sã
consciência eu não entregaria o poder de decisões a ele, não sem o
consentimento de um adulto responsável. Os flashes na minha mente
recordam que a adulta responsável, no caso eu, estava preocupada demais
provando todos os drinks do cardápio para decidir o que era melhor para ela.
A minha tentativa patética de encontrar na bebida algum alento, não
amenizou os últimos acontecimentos, mas ao menos a dor dilacerante do meu
peito agora tem um combatente a altura, a cefaleia pós-ressaca no momento
dói mais que o meu coração partido. E isso já é um bom sinal.
Eu ainda não parei para lidar com os acontecimentos da noite anterior,
joguei tudo para uma gaveta do meu cérebro, pois é doloroso se debruçar
sobre tudo que aconteceu e reviver aqueles sentimentos. Mas agora tudo está
disposto a minha frente e eu relembro as acusações da mulher e seu discurso
confuso sobre impedir a minha infelicidade.
Seu amigo me disse que eu poderia impedir que você fosse infeliz e
estou aqui. Porque não quero que você seja infeliz como eu sou hoje.
— Ontem, aquela mulher falou sobre o pedido de um amigo meu para
impedir o casamento… O que será que ela quis dizer com isso?
— Por que não tomamos café antes de decifrar essa questão? — Ele sai
da cama e caminha em direção a cadeira onde está disposta a sua camisa de
botão — café da manhã de hotel é a melhor coisa do mundo, você não acha!?
— Apesar do tom descontraído, há uma tensão evidente no seu rosto,
pontuada pela ausência do sorriso habitual.
— Por que tenho a impressão de que você está me escondendo algo?
Você sabe o que ela quis dizer, não sabe?
— Jade, eu preciso que você fique calma e me escute. — Aquele
pedido soa como um aviso de que o que o meu interlocutor tem a dizer irá me
desestabilizar. — Eu quero que você saiba que as minhas intenções eram as
melhores possíveis… — Ele hesita por alguns segundos antes de continuar.
— Eu cheguei até a Nilce por acaso, a minha intenção era que ela revelasse
sobre o filho a você antes do casamento, queria impedir que você desse um
passo que te traria infelicidade.
A confissão parece ricochetear a minha pele.
— Como você pôde? — As palavras parecem presas na minha
garganta. — Como você pôde me esconder isso? — Uma lágrima escorre
pelo meu rosto.
— Eu não podia arriscar, você não acreditaria em mim se não tivesse a
Nilce ao meu lado.
— Não importa se eu acreditaria ou não, a questão não é essa. Era sua
obrigação me alertar, você era meu amigo! — Volto a me sentar na cama,
sem saber o que dizer.
— E foi por isso que eu insisti que a Nilce te revelasse tudo —
Benjamim se aproxima, se agacha e segura as minhas mãos — não me
perdoaria se permitisse que levasse adiante aquele casamento.
— Não — balanço a cabeça em negação — um amigo de verdade não
colocaria o outro em uma situação humilhante como aquela, um amigo não
permitiria que expusessem sua fraqueza diante de todos. Um amigo não
agiria como você agiu. — Puxo as minhas mãos do seu toque.
— O que você queria que eu fizesse? Queria que eu assistisse de
camarote você se casar com aquele imbecil?
— Eu queria que você tivesse agido como a porra do meu amigo! —
Brado alto — Queria que colocasse meus sentimentos em primeiro lugar, que
confiasse no meu julgamento, que me contasse e me deixasse decidir. Como
você imaginou que eu me sentiria recebendo a notícia de que o homem que
eu escolhi para ser pai dos meus filhos, tinha uma amante e ela estava
grávida, no altar? Não passou pela sua cabeça que isso me magoaria
profundamente? — As lágrimas caem feito cascata pelo meu rosto.
— Eu não queria magoar você, quando você estiver mais calma vai
entender os meus motivos…. — Tento apagar com o meu próprio punho
aquelas palavras.
Sinto os nós dos meus dedos doerem quando acerto, desajeitadamente,
a sua boca. O fator surpresa faz com ele se desequilibre, assisto em câmera
lenta o corpo dele movendo-se de encontro ao chão. Quando suas costas se
chocam contra o piso de madeira um som alto ecoa no quarto, mas eu não me
movo.
A imagem do Benjamim no chão não me causa alegria, mas também
não me provoca arrependimento. A raiva queima em mim nesse momento e
eu me afasto dele para não deixar que ela me domine mais uma vez.
— Você acabou de me socar? — Ele diz com a mão sobre a boca.
Benjamim me fita com um ar de incredulidade. Quando ele afasta a
mão do rosto, noto um filete de sangue saindo do lábio inferior.
— Como eu fui idiota em achar que você tinha me trazido aqui porque
estava preocupado comigo.
— Você não tem ideia de como é importante para mim.
— Se eu fosse importante, você não teria omitido isso de mim.
— Jade, eu tentei te dizer que ele não era tão perfeito quanto você
achava.
— Parabéns, Benjamim — bato palmas — você provou que o Vitor
não é perfeito. Mas além disso, provou que vocês dois são iguais. São duas
pessoas indignas da minha confiança e que se acham no direito de omitir
informações essenciais para mim.
— Não me coloque no mesmo patamar dele. — Reage, colocando-se
de pé — dei provas da minha lealdade ao longo de todos esses anos.
— Se você acha que lealdade é sobre acúmulo de pontos que podem
ser usados como diminuição de culpa, você é um grande imbecil.
— O que você quer que eu faça? — Ele grita.
— Eu quero que você vá embora daqui! — Grito ainda mais alto,
sentindo minha cabeça estourar.
— Jade... — Ele se aproxima e eu fico de pé, fugindo. Meus passos me
levam até o banheiro da suíte.
Assim que a porta é trancada, desabo no chão e deixo as lágrimas
escaparem, estava lutando contra elas para que não retornassem na sua frente,
não queria demonstrar fraqueza diante dele.
— Você precisa me ouvir — escuto a sua voz do outro lado da porta de
madeira.
— Chega, Benjamim! Eu não quero mais ouvir nenhuma das suas
mentiras.
— Eu não menti quando disse que você é importante para mim e eu
jamais quis te magoar. Acredite em mim.
— Se você tem o mínimo de respeito por mim, vai embora Benjamim.
— Suplico.
— Eu sinto muito…
A frase é seguida por seus passos se afastando.
Depois de me livrar do vestido de noiva, caminho até o box e abro o
chuveiro, enquanto aguardo a temperatura da água sair de escaldante para
quente, penso em tudo que me levou até aqui. Meus pensamentos flutuam e
passam por todos os bons momentos que vivi ao lado do Vitor, as risadas
compartilhadas, as declarações de amor e planos para o futuro.
É inevitável não me questionar se tudo que vivemos foi uma grande
mentira. Será que todos os beijos e demonstrações de afeto não passaram de
uma encenação? É possível que quando ele chegava ao prazer comigo seu
pensamento não estivesse ali, mas sim em outra? Será que ele nunca me
amou de verdade? Essas dúvidas me dilaceram, é doloroso que a ideia de que
tudo que vivemos foi uma fantasia, porque era real para mim.
Foi real quando eu confessei, aninhada em seus braços, que eu havia
encontrado o amor sereno e companheiro que cresci vendo em casa. Foi real
quando fizemos planos de começar a ter nossos filhos com apenas um ano de
casamento... Foi real, não Foi? As lágrimas que rolam pelo meu rosto se
juntam a água do chuveiro e deixo que elas escorram por todo o meu corpo.
Permaneço inerte sob o jato de água quente por muitos minutos e quando
meus dedos fecham o registro, faço todos os outros passos do banho em
modo automático.
Saio do banheiro vestida no roupão e com a toalha enrolada na cabeça.
Ando até a minha mala e encontro o meu celular entre as minhas roupas.
Como não pretendo sair do quarto, o roupão será a minha vestimenta, por isso
acrescento apenas uma calcinha ao meu look do dia.
O arrependimento vem à tona no momento em que aciono o botão para
ligar o celular, estou com receio de encontrar as notificações do meu ex-
noivo, mas estou com mais receio ainda de não haver nenhum sinal dele. O
meu ego anseia em vê-lo em estado de sofrimento, sentindo a dor do meu
abandono no altar... Naquele momento ele estaria andando de um lado para o
outro preocupado com a minha ausência de respostas, enquanto sente
remorso por toda a dor que me causou. Isso não vai me fazer perdoá-lo, mas
com toda certeza faria eu me sentir menos trouxa.
As notificações de dezenas de ligações perdidas do Vitor surgem na
tela, passo por elas chegando no aplicativo de mensagens e sua presença
também está lá, nas mais de trinta mensagens não lidas. Dessa vez, não tenho
vontade de saber o conteúdo delas e é até engraçado pensar que houve o dia
em que eu aguardava ansiosa por elas.
Clico no grupo da minha família, composto pelos meus pais e minha
irmã, que devem estar aflitos com a minha ausência. Meus dedos começam a
digitar uma mensagem para tranquilizá-los.
Eu: Eu estou bem. Precisei me ausentar para organizar as coisas
dentro de mim. Logo, estarei com vocês para receber os melhores abraços do
mundo.
Amo vocês.
Aperto enviar e saio do aplicativo, ignorando todas as outras
mensagens.
Volto a desligar o telefone e me levanto em busca de comida, encontro
no frigobar um grande aliado para quem está na fossa: sorvete. Pego o pote
de um litro no sabor chocolate belga e retorno para a cama. Ligo a TV e
começo a vasculhar os canais em busca de alguma comédia romântica com
uma personagem feminina em estado de sofrimento semelhante ao meu,
quando encontro o filme puxo o edredom até o meu peito.
A sessão fossa está começando.
*
É estranho estar sozinha na minha lua de mel.
Acho que nem nos meus piores pesadelos imaginei estar só no local
que elegi como o nosso ninho de amor. Recordo do dia que Vitor me
apresentou esse lugar através de um panfleto de uma agência de viagens,
aquele ambiente que eu via por meio das fotos parecia ideal para a ocasião,
pois mesclava romantismo com integração à natureza.
O Eco Hotel é composto por chalés de madeira reflorestada, eles são
espaçosos e possuem decoração rústica, além de ar-condicionado, varanda e
vista para o terraço ao ar livre. Todos incluem frigobar, banheiro privativo
com chuveiro de água quente e a suíte é ampla com uma cama king size
projetada de frente para uma enorme TV via satélite. Aquele seria o nosso
refúgio em meio a natureza, onde iríamos nos desconectar de todas as nossas
obrigações e apenas se concentrar no agora. Parecia o plano perfeito, estar ao
lado da pessoa amada, tendo como pano de fundo uma área vasta de verde e
litoral, mas agora tudo parece triste, sem cor e longe.
No dia anterior, eu havia me empanturrado de sorvete e chocolate.
Passei o dia em autocomiseração absoluta, a emoção nublou os meus
pensamentos e me culpei por não ter enxergado qualquer indício da
existência de outra mulher na vida do Vitor. Eu deveria ter desconfiado da
calmaria que era viver ao seu lado, o próprio Benjamim havia me dito que
ninguém é perfeito. É óbvio que nada do que aconteceu foi minha
responsabilidade, mas ainda assim acho que eu devia ter desconfiado de que
tudo ia bem demais.
Me olho no espelho do banheiro e encaro meus olhos vermelhos de
tanto chorar.
— Não adianta nada ficar aqui trancada chorando — digo para meu
reflexo — quer desidratar ou se afogar nas lágrimas? Seu plano é aumentar a
glicemia com mais sorvete hoje?
Meus cabelos estão embaraçados, minha pele sem brilho e quase é
possível enxergar um tom mais escuro embaixo dos olhos.
— Você vai sair desse quarto — informo ao meu eu do espelho — vai
ativar sua melanina. Você ama o sol, sua pele ama aquele calor, lembra?
Coloca o biquíni e bora!
É tomada por esse sentimento que decido ressignificar a minha
estadia, naquele momento saio do banheiro e vou me trocar. Dá para
transformar a minha passagem ali em uma miniférias. Um refúgio que vai me
abrigar antes de voltar para a realidade.
O hotel tem acesso privativo à praia, basta seguir a pequena trilha e
logo a imensidão de areia e mar azul aparece no seu campo de visão. Depois
de uma água de coco, decido aproveitar o dia ensolarado e repouso na cadeira
de sol. Coloco o chapéu de palha sobre o meu rosto e fico ali sentindo os
raios do sol tocando a minha pele, dando a ela ainda mais cor.
O som do mar me faz companhia por alguns minutos, até que o
ambiente ganha um acréscimo com a conversa feminina próxima a mim.
— Ana do céu, olha esse gostoso saindo do mar.
— Gostoso pra caralho! — A outra exclama.
— Eu tô apaixonada — afirma parecendo sorrir.
— Eu já estou molhada — as mulheres gargalham e continuam falando
do gostoso da praia.
Elas tecem tantos elogios ao físico do homem e também ao seu sorriso
que me convencem que o cara é um grande gostoso antes mesmo que eu o
veja. É como se sua ilustre presença fosse uma dádiva para todas nós.
— Ana, ele está vindo até nós — cochicha, espantada.
— Aja naturalmente...
Continuo na mesma posição quando as vozes das mulheres silenciam,
provavelmente o homem chegou até elas.
— Aproveitando o dia de sol?
Reconheço a voz e retiro o chapéu que cobre a minha visão para
confirmar as minhas suspeitas. Lá está ele usando apenas uma sunga preta,
com gotículas de água escorrendo dos seus cabelos e seguindo pelo seu
abdômen definido.
— Estava até você chegar. — Desvio o olhar do corpo do Benjamim e
me concentro em seu rosto.
Noto um tom arroxeado no contorno do lábio inferior e aquilo faz meus
lábios se curvarem para cima timidamente, é bom saber que a dor que sinto
nos nós dos meus dedos não foi em vão.
— O que você está fazendo aqui?
— O mesmo que você — dá de ombros — decidi curtir a beleza desse
lugar. Você já conheceu o SPA? A massagista fez milagres nas minhas
costas.
Decido ignorá-lo na esperança de que ele me deixe sozinha novamente,
então volto a minha posição inicial, o chapéu tampando a minha visão.
— Você sabia que tem um restaurante japonês aqui nas proximidades?
Podemos ir lá hoje à noite — ele segue falando. — Ou podemos comer nas
feirinhas da cidade, ouvi falar que é bastante movimentada com música ao
vivo e artesanato. Eu sei que você ainda está chateada comigo, mas eu tô
tentando acertar as coisas, Jade.
— Como? Não respeitando o meu pedido? — Volto a encará-lo. —
Ontem eu pedi que fosse embora.
— E eu te respeitei. Saí do seu quarto, dando o espaço que você pediu.
— Sua noção de espaço é diferente da minha, pois você está bem
próximo de mim nesse momento.
— Talvez a gente tenha nascido para compartilhar o mesmo espaço —
olho feio para ele — ok, a verdade é que não consegui ir embora e deixar
você aqui sozinha. Eu te trouxe até aqui e me sinto responsável por garantir
que esteja bem.
— Eu não preciso de um guardião.
— Tem razão, você precisa de um amigo, alguém para dividir a dor e
compartilhar risadas. — Calço meus pés, pego a bolsa e imponho entre nós a
distância que eu preciso. — Eu não vou a lugar nenhum, tenho uma amiga
para reconquistar.
As suas palavras me acompanham no caminho de volta até o hotel.
*
Todo o papo de coach que tive comigo mesma no espelho, mais cedo,
não dá em nada. Depois de encontrar o Benjamim na praia a minha vontade
de voltar para a cama e me entupir de sorvete é maior do que qualquer
discursinho motivacional.
As coisas serão assim para sempre?
Meu estômago está roncando, é quase audível e sorvete não me parece
mais tão atrativo às sete da noite, por isso, troco a camisola por um vestido
leve e decido jantar no restaurante do hotel. Faço uma maquiagem rápida e
preguiçosa, apenas batom e rímel, para disfarçar minha cara de zumbi e pego
meu cardigã preto antes de sair do quarto.
Os caminhos de pedrinhas que levam até o restaurante, confirmam que
eu fiz a escolha certa ao optar pelas sapatilhas nos pés. A mulher à minha
frente pendura-se no homem ao seu lado para se manter equilibrada no salto
agulha, acelero meus passos e passo pelos dois.
— Boa noite, o seu nome por favor. — A mulher na entrada do
restaurante indaga após minha chegada.
— Boa noite, Jade Moraes — ela busca o meu nome no tablet com as
suas unhas gigantes batendo na tela. Quando encontra, ergue a cabeça e sorri
para mim.
— Jade Moraes e Vitor Ribeiro, ok. Temos uma mesa especial para
vocês — aquela informação me pega de surpresa, deve ter sido ideia do
Vitor.
A mulher olha além de mim em busca do meu acompanhante, mas não
demonstra nenhuma reação quando não o encontra. Então, se volta para mim
sorridente:
— Enquanto seu esposo não chega, vou levá-la até a sua mesa.
Não tenho coragem de dizer que o Vitor não chegará, não quero
receber o seu possível olhar de pena, então permaneço em silêncio. Sou
guiada até uma mesa posicionada no centro do salão, num lugar de destaque
para que todos notem a ausência do outro indivíduo na mesa posta para dois.
A recepcionista deseja-me um bom jantar e me deixa sozinha com
meus pensamentos. Aquele tipo de surpresa era característica do Vitor, flores
em datas comuns, jantares românticos… aliás surpresa era uma boa palavra
para descrevê-lo agora, ele me apresentou uma versão desconhecida, foi uma
terrível surpresa descobrir esse outro Vitor. Meu fluxo de pensamento, que
certamente me levaria às lágrimas no meio do salão, é interrompido pela
chegada do garçom.
— Boa noite, posso servi-la agora ou deseja esperar pelo seu marido?
— Ele pergunta e encaro a garrafa de espumante.
Estou presa naquela teia de mentiras de esposa recém-casada e feliz,
então deixo que a narrativa siga sem interrupções. Não adiantaria nada
explicar a tragédia real.
— Eu vou começar sem ele… — A taça é preenchida pela bebida.
E em seguida o balde com o espumante é colocado sobre a mesa, o
homem me informa que o jantar será servido em quinze minutos e aquilo soa
como um alerta para apressar o meu marido.
Levo a taça aos lábios e sinto o líquido borbulhante passeando pela
minha boca numa explosão de sabor. A taça é esvaziada rapidamente e me
sirvo um pouco mais.
— Pretendia se embebedar mais uma vez sem mim? — A sua voz
chega antes da sua forma se materializa em minha frente.
— Bom jantar, senhor Vitor — a recepcionista se derrete para
Benjamim esquecendo completamente que se aquele é o senhor Vitor, eu sou
a esposa dele e ela não deveria ficar tão em cima do meu marido.
— Obrigado — ele pisca para ela e seus olhos brilham, enquanto os
meus se reviram diante daquele flerte.
— Senhor Vitor? — Questiono quando ele se senta na cadeira à minha
frente.
— Até o fim da nossa estadia aqui.
Como se aquele papel fosse o dele, ele se serve do espumante e relaxa
tranquilamente.
— Isso é inacreditável até para você.
— Eu não poderia me apresentar como Benjamim depois que dei
entrada como o senhor Ribeiro — responde após beber metade do líquido da
taça. — E aí, o que nós vamos jantar?
— Não vamos jantar juntos.
— Vai expulsar o seu marido na frente de todos em plena lua de mel?
— Arqueia a sobrancelha.
— Eu deixei o meu noivo no altar, isso seria fichinha — rebato,
irritada.
— Essa é a minha garota — sorri abertamente.
— Eu não estou para brincadeira, Benjamim.
— Estou aqui apenas porque fui informado pela bela recepcionista que
havia uma mesa reservada no meu nome, mas se você quiser eu me mudo
para a mesa ao lado e você pode continuar me ignorando. Ou a gente pode
agir como um casal que não se suporta mais, mas é obrigado a conviver para
manter as aparências. — Fico em silêncio, pois a ideia dele se retirar, vai
atrair toda atenção para mim e nesse momento estou fugindo dos holofotes.
— Vou entender seu silêncio como a representação do casal que mantém as
aparências.
É difícil ignorar alguém a sua frente, principalmente quando você não
tem nenhum celular em mãos para enfiar a cara, então finjo um súbito
interesse no rótulo do espumante.
— Será que você pode apenas me dizer o que escolheu para o jantar?
Pergunto por que se for um daqueles pratos minimalistas, eu vou pedir algo
mais substancial para mim.
— O cardápio já havia sido escolhido quando eu cheguei.
— Ah entendi, essa é mais uma das surpresinhas dele…
O silêncio volta a reinar.
— Nesse momento, estou torcendo para que seja algo que você deteste.
— Tipo? — Ele me desafia.
— Você detesta brócolis, abóbora, berinjela e ostras — me pego
enumerando os alimentos que ele não gosta.
— Não é que não goste de ostras — defende-se sorrindo — é que as
últimas me levaram ao hospital.
— Estou torcendo para que esse seja o prato da noite.
— Esse personagem mau não combina com você, mas está sendo
muito bem executado — sorri — nos últimos dias você vomitou nos meus
pés, me acertou com um soco e me expulsou do seu quarto. Isso fez com que
eu dormisse dentro do carro com dezenas de mosquitos me picando durante
toda a madrugada.
— Por que você dormiu no carro?
— Porque esse lugar é bastante procurado por recém-casados e está
com lotação máxima. Então, entre dormir ao relento e no estofado de
Mecinha, escolhi o carro.
— Você poderia ter pedido abrigo em outro quarto, aquelas mulheres
da praia não irão se opor em te receber.
— Eu não tive a sorte de encontrá-las no meu caminho.
— Que peninha, azar o seu.
Encerro a conversa ao perceber que estou caindo na sua armadilha de
me fazer falar por meio das suas provocações.
— Minha falta de sorte é realmente grande — ele prossegue — tenho
apenas duas trocas de roupas: esse traje de padrinho que uso agora e o
conjunto bermuda preta e uma camiseta “Estive aqui e lembrei de você” que
consegui comprar, o bom é que todas elas combinam com chinelos havaianas
— estica o pé para que eu veja o calçado — não vai perguntar o que
aconteceu com as minhas roupas?
— Não.
— Eu respondo mesmo assim, eu não tive tempo de preparar uma mala
porque estava sendo piloto de fuga de uma certa noiva...
— Você quer dizer sendo o sequestrador — corrijo.
— Você disse que confiava em mim, qualquer juiz dirá que houve
consentimento.
— Qualquer defesa dirá que a vítima estava com alto teor alcoólico e
sem condições de decidir nada.
— Por isso, um bom advogado afirmará que o pior não aconteceu à
vítima, pois ela estava sob proteção do seu melhor amigo, que a livrou dos
perigos da noite e a conduziu para um ambiente seguro e controlado. Uma
boa amiga agradeceria por ter sido salva — insinua.
— Um bom amigo não criaria uma situação que colocasse a amiga em
perigo.
— Jade, eu já disse que não tive a intenção.
— Desculpa por atrapalhar a conversa do casal… — O garçom escolhe
o melhor momento para chegar.
— Você não atrapalha em nada.
— Eu discordo — meu acompanhante replica.
— Camarão ao molho de ostras e brócolis... — O garçom apresenta o
prato e uma risada tímida surge quando ele continua falando sobre o preparo
do molho de ostras selecionadas.
A cara de decepção de Benjamim ao fitar o prato é o que basta para que
a minha risada ganhe forma e se transforme em uma gargalhada.
O som que escapa dos meus lábios é alto e nada gracioso, estou rindo
escandalosamente em meio ao salão lotado, mas é mais forte do que eu. O
garçom olha alternadamente de mim para Benjamim em total
desconhecimento do motivo da minha crise de riso.
— Que mulher de boca maldita! — Benjamim afirma sorrindo. —
Tenho até medo do que desejou para o Vitor…
— Isso porque você não sabe o que desejei para você — digo
enxugando as lágrimas que escaparam.
— Espero que não seja nada que envolva perda de órgãos vitais...
— Fique tranquilo quanto a isso, pensei em algo mais simples:
impotência.
— Puta que pariu, mulher!
— Desejam alguma bebida para acompanhar a refeição? — Pergunta o
garçom que acompanhava atento a nossa interação.
— Um suco de uva, por favor. — Respondo.
— Vou providenciar para a senhora — sorri — e o senhor?
— Eu preciso que a minha refeição seja trocada por favor, será que não
tem como servir o camarão com outro preparo e sem o molho dos brócolis?
— O senhor quer outra refeição?
— Ele tem um paladar infantil… — Alfineto.
— E ela esqueceu disso quando escolheu o cardápio do jantar, né
amor? — Olho feio para ele — pode ser qualquer outra coisa desde que não
tenha ostras, brócolis, berinjela ou abóbora.
— O prato do dia é medalhão de filé mignon ao molho madeira e
batatas salteadas.
— Parece saboroso, vou querer.
— Com licença — ele retira o prato do Benjamim e segue com o novo
pedido.
Para comprovar que o aroma do prato faz jus ao seu sabor, começo a
minha refeição diante de um Benjamim que me olha feito um cachorro
faminto. O molho de ostras, uma novidade para o meu paladar, me
surpreende, pois resulta uma combinação saborosa com o camarão.
A refeição do Benjamim chega antes que eu tenha finalizado a minha e
comemos em um silêncio confortável. O jantar é fechado com a sobremesa
que agrada ambos os paladares: brownie com morango e sorvete de creme.
Finalizamos o jantar com mais um embate, ele faz questão de me
acompanhar até o chalé e eu repito que não se faz necessário. Inicio a minha
caminhada de volta sozinha, mas logo seus passos juntam-se aos meus
enquanto me segue. Estou cansada demais para ficar discutindo, então acelero
os passos para pôr fim rapidamente aquela interação.
— Está entregue — ele diz enquanto meus dedos digitam rapidamente
a senha de acesso ao chalé e a entrada é liberada. — Vou voltar para o meu
carro e torcer para que os pernilongos sejam mais gentis comigo essa noite.
Boa noite, Jade.
Eu não deveria me compadecer do seu corpo atacado pelos
pernilongos, ele merece que toda a família dos mosquitos faça um rave no
seu carro, proporcionando picadas e zumbidos para ele aprender a não agir
impulsivamente e, principalmente, a não mentir para uma amiga. Mas por trás
de toda a raiva que eu ainda sinto por ele, há um laço de amizade e naquele
momento eu me recordo de que não abandono os meus amigos em situações
ruins.
— Entra — seguro a porta aberta. A surpresa no seu rosto dá lugar à
felicidade — não faça eu me arrepender — digo quando fecho a porta atrás
de nós.
— Obrigado. Minhas costas ficarão felizes em encontrar um colchão
macio...
Em silêncio caminho até a cama, pego lençol, travesseiro, edredom e
uma manta e deposito em seus braços.
— Você não tá falando sério, né? Essa cama é enorme, você nem
notaria a minha presença.
— Impossível não notar a sua presença, você não cala essa boca por
mais de um minuto.
— Eu não falo enquanto durmo.
— Então, já pode começar a fingir que dorme nesse momento — sigo
para o banheiro para retirar a maquiagem.
No lavabo, limpo o rosto com um mousse demaquilante e em seguida
aplico o creme facial hidratante. Deixo as peças de roupas caírem no piso do
banheiro e visto a camisola longa com renda preta recém abandonada no
local. Eu poderia caminhar até o quarto e escolher qualquer outra peça para
dormir, mas acabaria encontrando peças tão sexys quanto aquela, afinal havia
comprado lingerie especialmente para lua de mel e todas elas abusavam de
renda, transparências e decotes. Essa que uso no momento é a mais composta,
o cetim preto cobre mais da metade do meu corpo e o detalhe sexy da lingerie
é a aplicação da renda na região abaixo dos seios que segue até o umbigo.
Ciente da presença do meu visitante indesejado, coloco o roupão sobre
a camisola e saio do banheiro. Encontro-o fazendo a sua cama improvisada
aos pés da cama, a base é de edredom dobrado ao meio e por cima a manta
para formar uma camada mais fofa. Aproveito que ele está distraído, livro-me
do roupão e corro para debaixo do lençol. Ligo a TV e zapeio entre os canais
sem me concentrar em nada.
De onde estou, assisto ele finalizar a arrumação e começar a desabotoar
a camisa social. Calmamente, ele abre botão após botão e quando se livra da
camisa a coloca na cadeira do ambiente e se deita.
Na TV agora passa um reality de casais que são deixados pelados em
uma ilha, bem no estilo sobrevivência na selva. Eles precisam construir um
abrigo, acender uma fogueira e se alimentar com o que a natureza oferece.
Com o lema “se sobreviver case”, o programa convida os casais a superar as
adversidades juntos, como um ensaio da vida a dois. O casal que chegar até o
fim da temporada firmará o seu amor por meio do pedido de casamento.
A ideia parece absurda, já imaginou alguém escolher estar no meio do
mato sem repelente e completamente nu? Apesar de absurdo, é um daqueles
realities que te prendem. Em determinado momento do episódio, os casais
são informados de que eles trocarão de esposa por um dia, e isso gera um
clima de tensão entre o casal Marta e Carlos. Ele não está nada confortável
com a ideia de a mulher passar o dia na companhia de outro homem, o ponto
de vista dele é que a nudez da sua namorada não deve ser compartilhada com
outro homem que não seja ele. O que gera um debate entre o casal, pois
Marta argumenta que a nudez no programa não é sexualizada e sim uma parte
inerente da situação e assim como ela vai ao encontro de outro homem, outra
mulher irá ao encontro dele e isso não significa falta de respeito é apenas
parte do jogo. Carlos é bem machista nos seus argumentos, pois afirma que
ele sabe respeitar uma mulher e não olhará abaixo do pescoço da outra, mas
ele não pode garantir que os outros homens façam o mesmo e diz que é muito
provável que eles sejam desrespeitosos e tenham ereção ao ver a Marta nua.
Assim, ele decide que o melhor é que ambos desistam do programa.
Assisto, atenta, aquela discussão acalorada e quando Marta concorda
com ele, sinto um pouco de raiva dela por estar concordando com aquele
pensamento machista, mas ela me surpreende com as seguintes palavras
“concordo com você, é melhor irmos embora daqui o quanto antes, pois eu
não preciso esperar o último dia do programa para saber que não quero me
casar com você.”
— Boa, garota! — Bato palmas, animada.
A câmera foca em um Carlos atônito e a voz do narrador surge:
“Aquele seria apenas o fim do casal Marta e Carlos no reality ou o término de
uma relação conturbada? Não perca o próximo episódio!”
— Que droga, agora vou ter que ver o próximo episódio para saber o
fim.
— Ou usar as suas habilidades de stalker e procurar o casal na internet
— Benjamim sugere.
É realmente uma boa ideia, mas eu não digo isso a ele. Movida pela
curiosidade, pego o celular, desativo do modo avião e sigo para a minha
busca no google. Encontro a informação que procuro na primeira página da
pesquisa.
— E aí? — Benjamim indaga.
— Eles desistiram do reality, mas permanecem juntos — resumo o que
encontro — se casaram e agora esperam um bebê.
— Vai ser assim com você e o Vitor?
Aquela é uma pergunta que ecoa com frequência na minha mente, eu
me pergunto se o amor vai falar mais alto no fim. Será que eu tenho a
capacidade de perdoar uma traição, passar por cima do meu orgulho e aceitá-
lo de volta à minha vida? No momento eu não consigo vislumbrar um futuro
em que estejamos na mesma página, mas isso não significa que ele não
existe.
Deixo a pergunta suspensa no ar e fecho os olhos, desejando que o
sono dissipe o peso daquele questionamento.
É estranho dividir o mesmo ambiente com Jade e não conversar por
horas a fio sobre qualquer assunto aleatório, não compartilhar da sua risada
ou fazer planos para um futuro próximo. A intimidade adquirida em anos de
amizade parece ter desaparecido, agora somos dois desconhecidos dividindo
o mesmo quarto. Jade havia colocado um muro entre nós e eu me esforçava
para derrubar, mas com cuidado para não acabar a afastando ainda mais.
Na noite anterior, enquanto lutava contra os pernilongos, tive muito
tempo para refletir sobre como chegamos nesse ponto. Jade me acusava de
não ter colocado os sentimentos dela em primeiro lugar, mas não foi isso que
eu fiz quando fui atrás da Nilce e a convenci a desmascarar o Vitor? Foi nela
que eu pensei quando decidi arriscar a nossa amizade na tentativa de impedir
que se casasse com um homem mentiroso. As minhas decisões trouxeram
sofrimento para ela e disso eu me arrependo, queria ter encontrado uma
forma de tirar Vitor da sua vida sem magoá-la, mas aquilo não foi possível e
eu espero que ela consiga enxergar as minhas boas intenções.
Também penso em nós e como as nossas vidas estão intrinsecamente
ligadas. Não há um momento da minha vida que ela não esteve presente, nos
melhores e piores, Jade estava lá comigo. E aquilo é recíproco, fui o seu
maior apoiador quando decidiu abrir a joalheria, emprestei meus ouvidos para
ouvir sobre os seus fins de relacionamentos, realizamos viagens incríveis…
Na adolescência, eu dizia que ela era a minha pessoa favorita do
mundo e isso não mudou, pelo contrário, se fortaleceu e se transformou em
algo maior. Atualmente é um sentimento confuso que não sei denominar,
quando olho para Jade não vejo apenas a minha amiga divertida e
companheira de jantares no tapete da minha sala, enxergo uma mulher linda e
deslumbrante que me atrai sem o mínimo esforço.
Num primeiro momento interpretei o beijo na igreja como uma
confirmação de que a atração que eu sentia por ela era recíproca, todavia isso
foi desfeito quando ela reafirmou diversas vezes sobre sermos apenas amigos.
Na verdade, acho que ela me beijou para fazer ciúmes ao Vitor, para imputar
nele alguma dor. Eu não me importava de ser beijado com aquela função,
qualquer coisa era melhor que ela usar sua linda boca para brigar comigo.
Afasto esses pensamentos e recordo que estou ali como amigo e que
como tal não devo pensar em seus beijos, pelo menos não até as coisas entre
nós se resolverem. E para isso precisarei usar as artimanhas do Vitor e
surpreendê-la com café da manhã na cama. Não espero que a comida vá
trazer a minha amiga de volta para mim, mas pretendo, com isso, garantir que
não serei expulso do seu quarto ao amanhecer.
Adormeço com esse pensamento.
*
Desperto antes dela para receber o café da manhã, apesar de ter
apagado na noite anterior e tido um sono tranquilo, meu corpo reclama
quando fico de pé. Minhas costas, principalmente, doem mais porque não
encontraram no edredom a maciez tão desejada. Mas foi melhor que dormir
no carro, então não tenho do que reclamar.
Tento fazer o mínimo de barulho possível enquanto caminho pelo
ambiente, uso o banheiro e fico feliz de encontrar ali uma escova na
embalagem, quando finalizo a minha higiene pessoal o som da campainha
notifica a chegada do pedido e sigo para pegá-lo. Solicitei uma cesta de café
da manhã diversificada com frutas, pães, sucos naturais, geleia de morango,
Nutella, iogurte, frios, achocolatado e café. Acompanha a cesta, um vasinho
de flores naturais.
— Bom dia, dorminhoca — cumprimento uma Jade recém acordada
sentada na cama — espero que tenha acordado faminta, pois o cheiro disso
aqui está maravilhoso.
Deposito a surpresa na cama.
— O que é isso?
— Café da manhã?
— Eu sei o que é um café da manhã, mas por que você fez isso?
— Eu estou buscando formas de fazer com que você me perdoe.
— E acha que vai conseguir isso com uma cesta de comida?
— Não, mas preciso testar todas as alternativas, estou pensando até em
contratar um daqueles carros de telemensagens…
— Isso também não vai resolver.
— E o que resolve, então? Me diz o que está passando pela sua cabeça.
Grita comigo, me xinga, briga, mas não me ignora.
— Quando olho para você queria enxergar o meu melhor amigo, a
pessoa que eu mandava mensagens bêbada na madrugada, o homem que eu
confidenciava os meus medos e desejos sem medo de ser julgada… agora
esse amigo parece uma lembrança do passado, alguém que um dia já me fez
muito bem, mas agora sua presença só me lembra dor.
— Eu sou o mesmo — pontuo — seu melhor amigo continua aqui
debaixo de todas essas camadas que você colocou sobre ele. Eu continuo
aqui.
— E eu preferia que não estivesse. Queria ter o poder de voltar no
tempo e nunca ter chamado você para o meu grupo de trabalho anos atrás,
melhor ainda queria nunca ter te conhecido! — Aquela afirmação dói tanto
quanto o soco que me deu.
— Você não pode apagar o passado, não pode apagar a nossa história.
— Eu me sinto duplamente traída, Benjamim. Você armou para cima
de mim e sequer consegue enxergar isso. Não posso mudar o passado, mas
posso escolher seguir para o meu futuro apenas com pessoas que me fazem
sentir bem.
— Então é isso, está descartando anos de amizade como dispensa um
copo de plástico?
— Não fui eu quem fez isso — rebate — foi você que reduziu nossa
amizade a nada.
— Eu jamais faria isso e sabe por quê? Porque eu te amo antes mesmo
de entender o que é amor. E em todos esses anos que nos conhecemos tudo
que eu fiz foi cuidar de você, me preocupar com o seu bem-estar e felicidade
— Jade me fita em silêncio enquanto falo atropelando as palavras — e foi
isso que fiz quando não assisti de braços cruzados você se casar com aquele
imbecil mentiroso que chamava de perfeito.
— Você quer uma medalha? — A postura sarcástica ressurge.
— Pelo menos você reconhece que sou um bom amigo.
— Você era Benjamim — afasta os lençóis e se coloca de pé, tento não
engasgar vendo o que está usando — vou tomar banho, espero não te
encontrar quando sair do banheiro. Leve a cesta de café da manhã quando
sair.
— Você está sendo injusta — acuso.
— Se eu estivesse não teria me compadecido e deixado você passar a
noite aqui...
— Obrigada pela sua clemência, rainha. — Digo em deboche, me
inclinando em reverência. E ela reage batendo a porta do banheiro com força.
— Que inferno de mulher irracional — lamento, antes de voltar a
minha posição inicial, mas algo no meu movimento faz com que eu sinta uma
fisgada no pescoço.
Me coloco de pé, mas ao tentar virar a cabeça, sinto uma dor forte, o
que faz com que o músculo se contraia.
— Ai! — Grito ao tentar, em vão, mover minha cabeça. — Jade, é
sério!
Ela não me responde, me ignora completamente e tudo que consigo
fazer é dar alguns passos como se fosse um robô até conseguir me sentar na
cama.
Tento massagear o pescoço, insistindo nos movimentos para ver se
aquela dor passa, mas se foi a junção das duas noites mal dormidas e minha
inútil reverência a rainha do gelo, duvido que aquilo vá passar tão cedo.
— Ainda está aqui? — Ela diz, ao sair do banheiro algum tempo
depois. Está usando roupão branco e seus cabelos estão presos no topo da
cabeça.
— Eu te chamei, não consigo mexer a cabeça — digo, por fim.
— Não vai conseguir me deixar com pena inventando isso — ela ri,
dando de ombros.
— Adoraria que fosse uma mentira, mas a dor que estou sentindo é
terrível — lamento, respirando fundo.
Jade se vira para me encarar.
— Está falando sério?
Não respondo, apenas fecho os olhos e absorvo aquela desgraça.
Não ouço quando Jade se aproxima, mas assim que seus dedos frios
tocam meu queixo, sinto um arrepio. Ela vira meu rosto devagar e eu aperto
os olhos, em resposta involuntária ao seu gesto.
Jade repete o movimento para o outro lado, a dor é igualmente intensa.
— Eu deveria rir da sua cara e te deixar aqui enquanto aproveito o dia
na praia... — comenta, mas sinto seus dedos escorregarem até meu ombro
direito.
— O checkout é as doze, não? — Respondo com uma risadinha.
— Ainda teria algumas horas para deixar você caído no chão com
torcicolo — os dedos dela fazem círculos na região e apesar de eu adorar tê-la
ali, aquilo só está fazendo doer mais.
— Por favor, não me derrube novamente — imploro — e isso está
doendo ainda mais.
— Vou pegar um remédio para dor que coloquei na mala — ela se
afasta — acho que não vai conseguir dirigir.
Abro os olhos.
— Então, você nos guiará de volta — sorrio.
— Eu pretendia te mandar, novamente, pra puta que pariu e voltar
sozinha, mas minha personagem malvada vai tirar algumas horas de folga,
mesmo contra a minha vontade.
— Obrigado.
— Tome esse remédio e não me perturbe, caso contrário mudo de ideia
e te deixo largado aqui no meio do nada.
Obedeço, quem é louco de discutir com uma mulher cheia de razão?
*
— Olá, Mecinha — Jade cumprimenta o carro, passando a mão por sua
pintura.
Ao abrir o porta-malas, deposita sua bagagem e o fecha com mais força
do que a pobre Mecinha merece.
— Você não vai... — começo a falar, mas sou interrompido.
— Não ouse abrir a boca para ditar todas as normas chatas do que pode
ou não pode fazer no seu maldito carro.
— Eu não ia fazer isso — minto.
Ela dá a volta e eu abro a porta do passageiro. Sento-me e coloco o
cinto antes que ela faça o mesmo. Jade bate a porta do carro com força e eu
fecho os olhos, sentindo a dor da pobre Mercedes.
— Acho melhor eu dormir — constato.
— Isso, fecha os olhos e aproveita, porque eu pretendo enfiar o pé no
acelerador e colocar todos os cavalos desse motor para correr.
— Pretende nos matar?
— Está insinuando que eu dirijo mal? — Ela rebate, estreitando os
olhos.
— De forma alguma.
— Que bom — ela dá a partida — feche a boca, os olhos e ficaremos
bem.
Nossa viagem de volta é feita sob o barulho do som do carro. São
quatro horas sem nenhuma parada estratégica. Eu não sinto vontade de ir ao
banheiro ou comer, por sorte, porque a minha amiga está com bastante pressa
de chegar.
Em algum momento eu fecho os olhos e tento relaxar, a dor não
diminuí, mas o remédio me deixa sonolento. Quando dou por mim, Jade está
estacionando na vaga do meu prédio.
— Chegamos! — Anuncia com um sorriso de triunfo — em tempo
recorde, sem acidentes e, infelizmente, sem nenhum arranhão em Mecinha.
— Quer subir? — Jogo, por precaução.
— Não, vou pedir um Uber e vou para casa.
— Pelo que me lembro lá era o último lugar que queria estar três dias
atrás — relembro.
— Não vou poder fugir para sempre, não é? — Suspira.
— Jade, eu...
— Está entregue, Benjamim — ela sai do carro rapidamente.
Quando consigo acompanhar seu gesto, ela já pegou sua mala e está
passando pelo portão do prédio.
Hoje devia ser o primeiro dia da nossa vida a dois. Da vida real, já que
a lua de mel é a transição entre as vidas separadas e o início da
compartilhada. Entro no apartamento que seria nosso e encaro cada detalhe
da nossa sala de estar, daquilo que planejamos juntos. O sofá em L, que eu
teimei que fosse claro mesmo sabendo que nossos filhos sujariam tudo
rapidamente, está de frente para a mesa de centro (aquela que pensamos no
detalhe de não ter pontas para evitar acidentes com as crianças). Nossa TV
imensa está estrategicamente colocada na parede, com o móvel marrom logo
abaixo, com as gavetas com sistema de trava.
Sim, nós pensamos nessas coisas porque planejamos começar nossa
família logo, afinal, nunca escondi que era o meu desejo e que o tempo estava
correndo. Vitor embarcou nessa comigo porque afirmava que era o que ele
queria, ser pai dos meus filhos, viver ao meu lado e enfrentar qualquer coisa
que a vida colocasse no nosso caminho.
Qualquer coisa menos aquilo.
Trair não é um obstáculo, é uma barreira intransponível e descobrir que
foi traída no dia do que deveria ser o mais feliz da sua vida é devastador.
Enxugo as lágrimas que escorrem por minha face e sigo apartamento
adentro, encarando cada uma das nossas escolhas, até chegar no quartinho
branco. O quarto do nosso primeiro filho já havia sido pensado, mas não está
totalmente pronto porque não sabíamos se seria menino ou menina. Ainda
assim, o guarda-roupa planejado branco e o berço da mesma cor já fazem
parte do ambiente.
Ali, eu sinto o meu mundo desabar. E caio junto com ele.
Minhas costas escorregam pela parede, ao lado da porta, quando não
tenho vontade de ficar de pé e me deixo cair no chão do espaço que me
prometia a mais sublime das felicidades. Sinto meu peito se partir em dois,
como se meu coração literalmente se quebrasse diante da morte daquele
sonho. Eu me inundo de uma perda tão profunda que me dói na alma. A
morte de um sonho pode ser tão dolorida quanto a de um ente querido?
Minha família ideal está perdida, meu filho jamais vai existir e eu estou
completamente abalada com essa certeza.
— Não sou digna? — Grito para o vazio. — Parecia que tudo estava
dando certo e agora não me resta mais nada — confesso para o piso sem
tapete, quando me deito ali em posição fetal.
Não sei por que pedi ao motorista do Uber que mudasse a direção e me
levasse naquele apartamento ao invés de ir para casa, depois que deixei o
Benjamim. Talvez eu precise sentir tudo aquilo para matar de vez qualquer
esperança de retomada, para saber que o homem que me causou isso não
merece perdão.
Não sei quanto tempo fico ali deitada. Adormeço e perco a noção do
tempo, mas ao abrir os olhos noto que o quarto está escuro. Exausta, fico de
pé para me retirar desse lugar. Ao chegar na sala de estar, as luzes estão
acesas e aquele que jamais quis reencontrar está ocupando o nosso sofá.
— Estava tão preocupado — ouço sua voz antes mesmo de encará-lo.
Não respondo, sinto meu coração bater fora do ritmo e sei que preciso
sair daqui.
Dou passos rápidos para cruzar a sala, mas sou interpelada antes que
consiga chegar na porta.
— Jade, a gente precisa conversar. — Vitor segura o meu braço —
tenho muito a te dizer.
— Você teve mais de um ano para me dizer muitas coisas, agora é
tarde demais — puxo meu braço com força.
— Nunca é tarde para pedir perdão — eu me viro para encará-lo e
quando nossos olhos se encontram eu odeio a sensação de familiaridade. —
Eu preciso pedir desculpas por ter traído a sua confiança, nunca foi a minha
intenção te magoar.
— Como você tem a cara de pau de olhar nos meus olhos e dizer isso?
Você me traiu e a consequência da sua traição é um grande motivo de mágoa
para mim.
— E eu me culpo diariamente por isso, Jade. Você não merecia nada
disso.
— Nisso concordo com você.
— Você é a mulher mais inteligente e linda que eu já vi. Eu me
apaixonei por você à primeira vista e escolhi continuar me apaixonando todos
os dias…
O azul que tanto me encantou naquele olhar disputa espaço com a
vermelhidão.
— Não ao ponto de conseguir manter o seu pau dentro da calça diante
de outra mulher, né? — Indago em deboche — com quantas mulheres você
foi para a cama enquanto esteve comigo?
— Você me ofende me colocando nessa posição — responde sem
desviar o olhar.
— Eu te ofendo? Não fui eu que saiu trepando por aí enquanto
mantinha um compromisso com outra pessoa. Quantas outras mulheres,
Vitor? — Repito a pergunta.
— Apenas uma.
— Para um cafajeste, seu currículo é bem limitado — rio, me
distanciando alguns passos.
— Eu não sou um cafajeste — rebate irritado, seguindo-me.
— Qual é o nome que damos ao homem que trai a noiva, engravida a
amante e mantém a farsa de bom moço até o dia do casamento!? Desonesto,
mentiroso, desonrado... Prefere esses à cafajeste?
— Não menti, você acha mesmo que tudo que vivemos foi uma farsa?
Com que intuito eu te pedi em casamento e compareci aquela igreja diante
dos nossos pais e Deus para te jurar amor eterno? Responde pra mim, Jade.
— Não sei, talvez você estivesse de olho no meu dinheiro — o
pensamento surge rapidamente na minha mente e verbalizo mais rápido
ainda.
— Isso é um absurdo — reage com veemência — se eu sou esse tipo
de homem, por que aceitou casar comigo? Por que fez planos aninhada no
meu peito para constituir família, ter filhos?
— Porque eu não te conhecia. Eu não sei mais que tipo de homem você
é. O homem que eu me apaixonei era doce, confiável, ele não parecia capaz
de me trair. Mas eu estava errada… — As lágrimas se acumulam nos meus
olhos enquanto falo.
— Eu tenho muitos defeitos, mas nenhum deles engloba dar o golpe do
baú.
— Não me culpe por duvidar de você depois de tudo que aconteceu.
Você mentiu sobre a existência de um filho. Você achou que eu nunca
descobriria ou pretendia se livrar da criança? Seja qual for a opção, elas não
te colocam em boa posição.
— Será que eu tenho direito de defesa ou você irá imputar todos os
crimes em mim, antes de ouvir a versão real dos fatos?
— A sua versão, né?
— É Jade, a minha versão. A versão de quem viveu os últimos meses
no inferno, dividido entre fazer o certo e perder a mulher que ama...
— E você escolheu a decisão mais fácil, a mentira.
— Você acha que foi fácil? Não houve um dia que eu não deitasse a
cabeça no travesseiro e pensasse em nós.
— Não pensou em nós quando engravidou outra mulher — acuso.
— A Nilce não tem importância para mim — ele chega mais perto,
suas mãos seguram o meu rosto, essa ação me paralisa. — Eu amo você,
Jade.
Mesmo que aquilo for verdade, não tem mais importância.
Antes que eu possa reagir, Vitor cola sua boca na minha. Por um
segundo, lembro da maciez daquela língua e abro a boca. Demora mais um
segundo para que meu corpo se lembre que poucos dias atrás aquelas mãos
me tocaram. Vitor leva um braço até minha cintura e enlaça meu corpo, me
deixando ainda mais perto. E no segundo seguinte eu me lembro que ele
mentiu e que está tentando me fazer esquecer desse fato.
Me afasto rapidamente e ergo a mão, para fazê-lo acordar com um tapa.
— Não ouse me tocar novamente — grito furiosa — como você pode
me beijar depois de dizer que a mãe do seu filho não tem importância?
Ele se afasta dois passos, me dando espaço e abaixa a cabeça em
lamento.
— Me desculpe — diz, dando mais alguns passos para trás — mas a
verdade é que eu amo você e nunca amei a Nilce. O que tivemos foi uma
paixão, daquelas incontroláveis, mas que não fazem com que planeje futuro e
deseje encher a casa de crianças, isso eu só tive com você. Eu descobri o
amor junto a você, Jade. — A confissão é feita com a voz embargada.
Engulo em seco.
— Como você e ela se conheceram? — Pergunto para pôr fim às
minhas dúvidas internas.
— Foi antes de você — esclarece — em uma das minhas viagens a
trabalho. Nós éramos solteiros e decidimos aproveitar o momento, sem
nomenclaturas para o que tínhamos. A relação foi esfriando com a distância e
quando avistei você naquela praça de alimentação todo o resto perdeu a
importância, eu só tinha olhos e pensamentos para você. Tudo entre nós foi
rápido e intenso, Jade.
— Por que não me contou?
— Fazia mais de cinco meses que não nos falávamos quando ela
confessou que estava grávida. Na hora duvidei que eu pudesse ser o pai, mas
ela me jogou na cara que eu fui o único homem com quem ela transou. Ela
era virgem quando nos conhecemos... — Aquela informação faz com que as
lágrimas se intensifiquem e não sei dizer se meu choro é por mim ou pela
Nilce. — O meu mundo perfeito parecia estar desabando e não havia nada
que eu pudesse fazer, qualquer decisão que eu tomasse feriria as pessoas ao
meu redor.
— Você ia rejeitar o seu filho? — Questiono, perplexa.
— Pela mulher que eu amo, sim.
— Que tipo de amor é esse que faz você abdicar do seu filho? — Grito
e choro — você planejava filhos comigo enquanto uma criança inocente
pagaria pelos seus erros.
— Você teria casado comigo após eu contar sobre o meu filho fora do
casamento?
— Não é o filho, Vitor! — Sentencio. — Eu não posso prometer como
seriam as coisas entre nós se tivesse me contado a verdade, mas posso te
garantir que jamais pediria que negasse o seu filho. O motivo pelo qual não
me casei com você foi quebra de confiança, você mentiu para mim e escolheu
continuar mentindo. E isso eu não sou capaz de perdoar.
— Eu queria ter o poder de voltar no tempo e consertar as coisas. — O
soluço antecipa o choro e ele corre até mim, desabando aos meus pés.
O meu ex está ajoelhado aos meus pés, chorando como se realmente
sentisse muito.
— Também gostaria que voltar no tempo fosse possível — digo, entre
lágrimas — eu nunca teria te atendido na minha joalheria e jamais teria
trocado telefone com você.
Me afasto do seu corpo e respiro fundo.
— Eu sinto muito — ele diz, chorando baixinho.
— Eu também.
Caminho em direção a minha mala e a arrasto até a porta.
Ali, tiro a chave daquele apartamento do meu chaveiro e permito que
caia no chão. Pouco me importava o que seria feito do imóvel, eu só queria
distância daquele lugar.
Sem olhar para trás, com lágrimas turvando a minha visão e sentindo
os cacos do meu coração chacoalharem dentro de mim, vou embora.
*
Minha avó materna dizia com frequência que ''nada como um dia após
o outro", ela usava essa frase sempre que alguém compartilhava com ela as
suas aflições e a incapacidade de resolução imediata do problema. O papel de
agente paciente que a frase evoca, nunca me foi vista com bons olhos, pois
parece uma acomodação à situação ao assumir a postura passiva diante dos
problemas. Todavia, nesse momento eu estou seguindo os conselhos da
minha doce avó, deixando que os dias sigam o seu curso enquanto as coisas
se organizam dentro de mim.
E a forma que eu encontro para isso é me concentrar no meu trabalho,
passo os últimos dias sendo a primeira a chegar e a última a sair da Pérola, as
horas ininterruptas dedicadas à atividade laboral resultam no protótipo da
coleção Baby, uma coleção de joias infantis inspirada na delicadeza e
suavidade dos bebês. As peças da Pérola Baby têm todo o meu afeto e
carinho transportados naqueles desenhos. Espero que isso seja capturado na
aquisição das peças, pois muito mais do que fornecer um produto de
qualidade, hipoalergênico e seguro para os bebês, quero proporcionar uma
lembrança afetiva.
Entre pérolas, joaninhas, borboletas, gatinhos, arco-íris, coroas,
lacinhos e flores, as peças ganham forma e aquecem o meu coração. Eu
sonho acordada pelo momento em que a coleção ganhará vida com a etapa de
identidade visual: os bebês posando com a joias que eu desenvolvi,
capturados ao lado das mamães pelas lentes de uma equipe especializada.
O trabalho serve como uma dose de injeção diária de ânimo, mas eu sei
que é preciso muito mais para que eu me sinta completa por inteiro.
— Eu nunca vou te perdoar, sabia? — Esmeralda diz em um tom sério
após cessar o abraço longo e caloroso com o qual me recebe. Suas palavras
fazem meu corpo gelar. — Eu tive dor de barriga de tanto comer os docinhos
da festa. Papai queria jogar tudo no lixo, mas mamãe disse que era
desperdício então precisei comer em tempo recorde tudo antes que cumprisse
a sua ameaça — sorrio aliviada.
— Como eles reagiram a tudo? — Pergunto, preocupada.
É o primeiro fim de semana depois do fiasco e, por isso, recorro ao
aconchego dos Moraes no almoço de domingo.
— Bem, eles no fundo ficaram aliviados que o casamento não
aconteceu antes da interrupção daquela mulher. Mamãe disse que você ainda
pode se casar na igreja, já que o matrimônio não foi validado.
— Não quero entrar na igreja pelos próximos trinta anos…
— Daqui a trinta anos você será uma sexagenária, então vai ficar difícil
sair em fuga de maneira tão teatral como a anterior. A menos que você esteja
usando uma daqueles carrinhos motorizados que a vovó usou. Nesse caso,
você poderá sair cantando pneu lindamente — rimos juntas dessa
possibilidade absurda.
— Quem é, Esmeralda? — A voz da mamãe chega até nós.
— É a Jade — grita — prepare-se para receber uma dose exagerada de
amor, ela anda muito emotiva... — cochicha pouco antes de nossa mãe entrar
na sala.
— Meu amor — sou envolvida em um abraço apertado — como você
está? Você anda se alimentando bem? Estou te achando mais magrinha. — E
ali está o cuidado frequente da mãe presente.
— Eu estou bem, mãe. — Sorrio — cadê o papai?
— Cuidando da horta. Eu te falei que agora temos uma horta
comunitária no condomínio, né? — Assinto com a cabeça — qualquer tempo
livre seu pai passa por lá, já deve estar de volta. Parece que estava
adivinhando a sua presença, fiz estrogonofe de camarão para o almoço.
— Com batata palha?
— E a Coca-Cola! — Minha irmã completa.
— É desse tipo de mimo que eu preciso!
— Então, você vai ser muito mais mimada porque tem pavê de
sobremesa.
— Olha quem está aqui para ajudar a lavar os pratos do almoço — meu
pai anuncia logo após a sua entrada. — Eu não vou te abraçar agora porque
estou todo sujo.
— Então, corra direto pro banho e se livre dessa terra toda — mamãe
ordena. Há terra por todo o corpo dele, mas a concentração está nas mãos e
unhas sujas de areia preta. — Use a escovinha para tirar a sujeira dessas
unhas.
— Essa mulher não me dá sossego...
— E você me ama exatamente por isso — ela dá de ombros.
— Amo mesmo. — Ele beija o seu rosto antes de seguir para o banho.
A troca de carinho sempre foi presente na minha família, cresci vendo
os meus pais se beijando, abraçando, declarando o seu amor, até hoje eles
andam de mãos dadas na rua como um casal de namorados. É isso que
sempre busquei.
De banho tomado, meu pai cumpre a promessa e me dá o abraço que eu
gostava quando criança, o abraço de urso do papai, que como o próprio nome
sugere significa esmagar o outro com seus braços grandes. A Jade criança
sentia-se mega protegida naquele abraço e anos depois nada mudou, é como
se nesse intervalo que eu estou em seus braços nenhum mal pode me atingir,
nenhum problema pode me alcançar.
Nosso almoço de domingo segue o protocolo dos Moraes que,
basicamente, consiste em manter a televisão ligada em qualquer canal
aleatório enquanto comemos, ignorando todas as regras de etiqueta. Falamos
de boca cheia e damos risadas de qualquer coisa boba. Nenhum de nós
comenta sobre o fim trágico do meu casamento, há um não dito que
compartilhamos para não tocar naquele assunto.
Uma chamada na televisão desperta a minha atenção, presto atenção
quando a apresentadora anuncia: foi-se o tempo em que o relógio biológico
da mulher precisava estar ligado a presença de um companheiro, cada vez
mais mulheres recorrem à produção independente como uma alternativa para
a realização do sonho de ser mãe.
Desligo-me da conversa da minha família e concentro toda a minha
atenção na televisão.
— Ser mãe para algumas mulheres é a realização de um sonho, já para
outras há o momento de start que é quando o relógio biológico soa como
indicativo de que chegou a hora de ter um filho. E a partir desse momento a
ideia de ter um bebê passa a dominar os pensamentos, elas se pegam fazendo
planos para o futuro, conversam com seus companheiros e interrompem o uso
do anticoncepcional, algumas recorrem a adoção e outras recorrem a
produção independente. O que está em questão não é o método e sim o desejo
incontrolável de vivenciar a experiência da maternidade. Hoje, trouxemos ao
nosso Papo de Mulher, duas mulheres que encontraram na reprodução
assistida uma forma de concretizar o sonho de ser mãe — a fala da
apresentadora cessa e é exibido um vídeo reportagem.
Nele, vemos uma mãe amamentando o seu bebê enquanto canta uma
canção de ninar, um corte de cena é feito e outra mãe aparece, desta vez
acompanhada pela filha no passeio de bicicleta no parque.
— Jéssica é publicitária de formação, mas atualmente exerce a função
mais importante da sua vida, é a mamãe do Heitor de seis meses. Maia é
diretora executiva de uma companhia de aviação e alçou voos maiores na
companhia da filha Melinda. Sejam bem-vindas, vamos começar com a
pergunta que ronda a mente de quem nos assiste: por que a produção
independente?
— Por que não né? — Jéssica responde sorrindo — sempre quis ser
mãe, queria ter a experiência de gerar uma criança no meu ventre e um dia
conversando com a minha ginecologista ela virou para mim e disse: o que te
impede de ser mãe? Você é saudável e independente, não há empecilho para
ter um filho. Na semana seguinte, eu entrava numa clínica de reprodução e
escolhia no banco de sêmen o doador para seguir adiante no processo.
— Já eu estava casada há dez anos, um relacionamento feliz e estável,
ambos se dedicavam muito a carreira profissional e acabamos sempre adiado
a chegada de um bebê. Uma sucessão de acontecimentos culminou no
término do relacionamento, eu tinha 35 anos e um quarto de bebê no
apartamento. Naquele momento, o meu sofrimento não se restringia apenas
ao rompimento da relação, mas sim como o fim do sonho de ser mãe… E
apesar do avanço da medicina eu sabia que estava envelhecendo e precisava
correr contra o tempo para gerar meu filho de forma segura e saudável.
Orientada pelo meu médico, congelei os meus óvulos e um ano depois,
amadurecida da ideia, decidi ser mãe solo. Acabei contratando o serviço de
um banco de sêmen americano, pois a legislação de lá permite que você tenha
um acesso maior aos doadores além das informações básicas dos traços
físicos, então após ver diversas fotos de crianças dos doadores, histórias de
vida relatadas, encontrei o doador perfeito. E posso afirmar que ser mãe da
Melinda foi a decisão mais acertada de toda a minha vida, o amor de mãe é
algo tão gigante que hoje eu entendo que não precisava de mais ninguém para
ser realizado. — Ela finaliza emocionada.
— Isso não soa estranho para vocês? Escolher o pai do seu filho como
se estivesse pegando um produto na prateleira do supermercado? — A
pergunta da minha mãe não tem um tom de julgamento.
— Não — minha irmã é a primeira a discordar — ela não está
escolhendo um marido para se casar, mas um doador de sêmens que permitirá
a realização do sonho de ser mãe.
— E quando a criança crescer e perguntar pelo pai? — Meu pai
questiona.
— Com o tanto de homem que abandona as mulheres grávida, fico
imaginando o que elas respondem quando são questionadas pelo pai. O Brasil
é recorde em abandono paternal e sobre isso ninguém questiona.
— Tudo isso é muito moderno — minha mãe comenta.
— E fascinante! — Completo.
*
A separação do Vitor me desestabiliza por vários motivos, mas o
principal deles é porque o sonho de ser mãe foi mais uma vez adiado,
tínhamos planos para ter filho quando completássemos um ano de casados.
Todavia, agora tudo está desfeito e se eu quiser ter um filho antes dos 35 anos
será necessário correr contra o tempo: conhecer alguém, namorar, noivar,
casar e engravidar, tudo isso em alta velocidade. E nessa corrida maluca há
outros fatores, porém o mais importante é a confiança, amar alguém é confiar
o seu coração e eu não me sinto pronta para fazer isso tão cedo.
O tempo é o meu inimigo, eu tenho o conhecimento de que dos 31 aos
35 anos a probabilidade de engravidar é de 15% em cada mês de tentativa. A
dificuldade para engravidar nessa faixa etária é biológica, pois a mulher nasce
com um número limitado de óvulos e a partir dos 30, isso diminui no
organismo em quantidade e qualidade. Por isso, é possível que a fertilização
desses óvulos seja mais difícil, além de que a gravidez em idade mais
avançada pode trazer riscos para a mãe e o bebê. Todas essas informações são
adquiridas com a minha ginecologista, como a maternidade é um projeto de
curto prazo, conversamos muito e fazemos diversos exames para avaliar a
minha fertilidade e eu estou mais do que apta para gerar o meu bebê.
O sonho da maternidade estava sendo enterrado, mais uma vez, porque
eu não estou em um relacionamento e isso não é justo comigo. Eu batalhei
tanto para me tornar independente financeiramente para garantir uma boa
vida ao meu futuro filho. Eu serei uma mãe leoa dessas que protege a cria e
que quer vivenciar cada segundo do crescimento, vou pautar a educação do
meu filho no amor e no respeito, ele será o meu companheiro de viagens e
passeios. Iremos explorar o mundo juntos e no fim da noite, depois de um dia
cansativo, eu serei a mulher mais feliz do mundo porque terei o meu filho ao
meu lado. Não é justo que a experiência da maternidade seja retirada de mim
por não ter um pai para o meu filho.
E quem disse que seu filho precisa de um pai, Jade?
O questionamento feito pela minha mente, acompanhado da notícia da
reprodução independente que assisti na casa dos meus pais faz com que um
universo de possibilidades se abra em minha frente, é como um mundo novo
e completamente fascinante que eu estou ansiosa para explorar. Aquelas
mulheres da reportagem não precisaram de um pai para realizar o sonho de
ser mãe, elas são mães porque têm filhos, única condição da maternidade.
Afinal, ser mãe não está atrelado ao seu status de relacionamento, o nome do
genitor na certidão de nascimento ou método de reprodução escolhido, né?
Há mães adotivas, mães genitoras, mães que assumem o papel de mães e
todas elas são mães na mesma frequência, pois ser mãe é algo muito mais
grandioso do que estar com o pai.
O desejo de ser mãe pulsa forte dentro de mim e agora ele não precisa
mais ser silenciado, pois eu finalmente entendo que a maternidade faz morada
no meu peito e esse é o requisito maior para eu ser mãe.
Tomada por uma alegria genuína que havia desaparecido, decido me
aprofundar no assunto. Quero saber mais sobre o método, saber o que é
necessário para realizá-lo, conhecer outras mulheres que recorreram a ele.
Com o notebook sobre as minhas pernas, debruço-me nas pesquisas e a cada
aba sou bombardeada por notícias animadoras.
A produção independente é regulamentada pelo Conselho Federal de
Medicina, que garante que homens e mulheres possam ter um bebê por meio
da reprodução assistida sem a figura de um (a) parceiro (a) conhecido. A
maternidade em laboratório sem a figura paterna vem crescendo rapidamente
no Brasil, principalmente depois que figuras públicas adotaram a prática.
Dados apontam que houve um aumento de 2.500% na importação de
sêmen dos Estados Unidos para o Brasil nos últimos dez anos, até meados de
2010, o principal grupo que recorria a tal importação eram os casais
heterossexuais que não tinham espermatozoides para gerar um bebê. Esse
número mudou e percebemos uma heterogeneidade nas importações: esses
casais atualmente representam cerca de 50% desses importadores e a outra
metade é composta por casais homoafetivos femininos e mulheres que
partiram para a produção independente. Para esse último grupo a estabilidade
financeira e a ausência de um parceiro ideal são os principais motivos que
levaram as mulheres a terem seus filhos “sozinhas”.
Outro fato que desperta a minha atenção está relacionado ao número
crescente de importação de sêmen que não está condicionada a ausência de
um banco nacional, mas sim as características que regem esses bancos.
Enquanto no Brasil o anonimato é obrigatório, nos Estados Unidos não é e o
filho biológico pode requerer a identificação do doador após completar 18
anos, coisa inexistente na nossa legislação. Outras diferenças como
características informadas do doador são mais abrangentes no modelo
americano, nele além das tradicionais informações clínicas (cor de cabelo,
pele, olhos; doenças pré-existentes, altura, peso) também há informações
pessoais como religião, hobby, identificação política, aptidões profissionais,
habilidades desenvolvidas, entre tantas outras.
Também é possível ouvir a voz e contar com o feedback do staff do
banco com informações sobre o doador, se ele é gentil, cheiroso, educado,
paciente. Todas essas informações servem para que você encontre o doador
que atenda às suas expectativas e isso é fantástico, pois permite que você
encontre alguém com características físicas e gostos próximos ao seu.
Em resumo, a produção independente é a maneira que as mulheres
contam para engravidar sem a necessidade de um companheiro e eu me
encaixo perfeitamente nessa descrição. Salvo o contato de duas clínicas de
reprodução humana para que amanhã no primeiro horário eu possa dar esse
passo em busca da tão sonhada maternidade.
*
Quando piso na Mother Reprodução Humana sou recepcionada por
dezenas de mulheres que, assim como eu, estão ali para realizar um sonho e
isso me deixa emotiva. Na recepção, observo que apesar de estarmos em
posições diferentes (a maioria das mulheres ali estão acompanhadas pelos
companheiros) somos unidas pela maternidade. Quando o meu nome é
chamado, eu sigo com o coração acelerado até o consultório da Mayra
Carvalho.
Todas as minhas fichas estão apostadas nessa consulta.
A mulher de cabelos cacheados e sorriso largo, me recepciona com um
abraço caloroso e aquilo aquieta o meu coração. A especialista em
reprodução humana sana as minhas dúvidas sobre o processo da produção
independente enquanto me apresenta as técnicas utilizadas na reprodução
assistida, destacando a fertilização in vitro e inseminação artificial. Na
fertilização in vitro, a produção ovariana da mulher é estimulada para que
haja mais óvulos em comparação à produção natural. Em seguida, os óvulos
são captados através de uma punção guiada por um ultrassom transvaginal e
fertilizados pelos espermatozoides em laboratório. Esse ciclo dura em média
duas semanas para ser concluído e envolve uso de medicamentos. Já na
inseminação artificial, também conhecida como inseminação intrauterina, o
processo é mais simples: o sêmen é depositado diretamente na cavidade
uterina da mulher durante o período fértil, aumentando assim as chances de
conceber uma gravidez.
Diante do meu quadro clínico, a médica diz que a inseminação artificial
será o tratamento adequado e com animação recebo a notícia que eu já posso
começar a pensar no doador de sêmen. A doutora Mayra fala sobre os bancos
de doadores nacional e internacional e que as suas pacientes em geral
recorrem ao banco americano.
— Aí você me pergunta: Mayra, então qual é a diferença de um para o
outro? O sêmen americano tem maior probabilidade de fertilização? — Ela
parece ler os meus pensamentos. — Biologicamente, nenhuma, as chances de
fecundação são as mesmas de um sêmen brasileiro do americano, o que muda
são as informações detalhadas do banco americano. No modelo americano
você pode ouvir a voz do doador, saber a sua renda anual, o número de
namoradas, que faculdades foi aprovado, se tem histórico de alcoolismo na
família... Há também o tempo de espera, no Brasil ele acontece em até 3 dias
após a compra do sêmen e nos Estados Unidos pode ficar de 1 a 3 meses.
—Eu quero importar do banco americano. E em quanto tempo terei
acesso às informações?
— Até o final do dia você receberá um link com o acesso ao banco.
É oficial.
O projeto mamãe está começando a se tornar real.
Duas semanas após a viagem, Jade continua determinada a ignorar a
minha existência. E olha que eu lancei mão de tudo que está ao meu alcance
para me aproximar, envio dezenas de mensagens com piadas nossas, vou em
sua casa com comida japonesa e não sou recebido ainda que a luz do interior
indique a sua presença, chego até a enviar flores para amolecer o coração,
mas ele parece petrificado. E isso é uma merda, pois sinto falta da minha
amiga. Sinto falta da sua voz, da sua risada, seu senso de humor e até dos
seus puxões de orelha.
Sua ausência parece estar afetando diretamente minha vida, meu ânimo
está bem menor e nesses quinze dias eu nem tenho vontade de aceitar os
convites para balada, acabo dispensando convites para sair com mais de uma
modelo, entre outras coisas. Enquanto eu não resolver minha amizade com a
Jade, minha vida ficará incolor.
O que me restou? O trabalho, é claro. Para me distrair da sua ausência
me jogo de cabeça e acabo aceitando um número maior de Jobs do que
costumo fazer. As luzes e lentes acabam preenchendo boa parte dos meus
dias e das minhas noites. Pego algumas festas para cobrir e olha, faz tempo
que eu não faço esse tipo de serviço.
— Você poderia ser menos cabeça dura! — Afirmo olhando para o seu
contato no celular.
— Falou comigo, chefe? — O assistente de luz indaga.
— Não, pensei alto — devolvo o celular à mochila. — Já estou pronto,
vamos? — Dirijo-me ao diretor de produção.
Dessa vez, não exercerei o papel de fotógrafo da sessão, mas sim o de
modelo, outro trabalho a mais para ocupar meu tempo. Ok, aquela não é uma
tarefa inusitada para mim, já fui modelo fotográfico quando mais jovem e até
seguiria esse caminho se a paixão por fotografia não tivesse me dominado.
Depois de adulto, os convites são bem frequentes para posar, mas eu
geralmente convenço os clientes a estar atrás da câmera. De todos os ângulos,
as lentes me amam e a prova disso é que fui convidado para ser o rosto de
uma marca de cuecas, para falar bem a verdade não é bem o meu rosto que
será explorado na sessão de fotos e sim o meu corpo definido.
Confesso que o convite para a campanha alimenta o meu ego, não que
eu precise disso, eu sei que tenho um corpo incrível, afinal me esforço com
bastante treino e alimentação. Além disso, uso cremes para pele e aplico
protetor solar religiosamente, faço a minha contribuição para retardar os
efeitos do envelhecimento e vejo o resultado disso todos os dias diante dos
meus olhos. Ainda assim, é preciso confessar que é muito bom ser notado por
uma marca de cuecas aos 32 anos de idade, isso significa que os anos não me
roubaram nada.
O lance da idade é algo que passei a pensar com frequência depois que
fiz trinta, percebi que não tenho o mesmo vigor dos dezoito anos, mas em
compensação tenho maturidade. Jade pode discordar dessa afirmação, já que
me acusa de agir feito criança em diversos momentos da minha vida, bem, ela
não sabe, mas a maturidade me fez entender melhor o corpo feminino.
Prevejo o que uma mulher gosta no sexo antes mesmo de conversarmos a
respeito, claro que não estou generalizando, há gostos e gostos, mas não dá
para negar que a maioria delas ama um sexo oral bem-feito. Nunca fui um
egoísta no sexo, mas os anos de prática tem a sua vantagem, de modo que o
Benjamim atual dá uma surra no garoto de dezoito anos.
— Ok, silêncio no ambiente. Precisa que a equipe saia?
A pergunta dele é comum, pois muitos modelos não se sentem
confortáveis em ficar quase nus diante da equipe completa. Então, em geral
fazemos esse tipo de pergunta para manter o menor número de pessoas no
ambiente.
— Eu gosto de plateia — desato o nó do roupão e a peça escorrega
pelos ombros até encontrar o chão.
— Aposto que a plateia irá aumentar consideravelmente depois que sua
imagem estiver estampando os principais outdoors da cidade — ele ri.
— Vou te passar um endereço onde eu queria um outdoor meu — meu
pensamento segue para avenida que dá acesso ao bairro em que Jade mora,
quem sabe me vendo todos os dias ela abandone a ideia absurda de continuar
brigada comigo.
— Por que não faz um totem em tamanho real e sai por aí
distribuindo? — A fotógrafa sugere.
Conheci a Cassandra em uma exposição fotográfica, as suas fotos
artísticas estavam ali expostas e fiquei fascinada pelo trabalho incrível. Na
ocasião, ela disse que a fotografia artística era a sua grande paixão, mas o que
pagava as suas contas era o trabalho comercial. Já tive a oportunidade de
dividir a produção fotográfica de uma campanha ao seu lado e posso afirmar
que ela é extremamente talentosa em qualquer área. A última vez que nos
vimos foi em um restaurante, ela estava acompanhada do marido e revelou
estar grávida.
— Nada como uma mente feminina e suas melhores ideias — sorri —
como anda esse bebê aí?
— Esses, no plural. Umas duas semanas depois que nos vimos naquele
restaurante, fui surpreendida no ultra com mais um bebê, acredita? — Sorri e
acaricia a barriga protuberante — agora tenho duas ferinhas sugando toda a
minha energia e me levando a emoções conflitantes em curto período. Em um
minuto estou cantando e celebrando a vida e no seguinte estou chorando
escandalosamente porque terminou o meu sorvete favorito.
— É impressão minha ou você acabou de descrever uma mulher de
TPM? — Sorrio.
— Amor, isso é muito pior. Em um minuto eu amo o meu esposo e
quero passar minutos aninhada em seu peito e no seguinte eu não quero vê-lo
por que a sua voz ou seu cheiro me irrita. É hardcore gestar uma criança. —
Completa sorrindo.
— Coitado do seu marido — comento.
— Coitada de mim que entrei no segundo trimestre da gestação e já
estou com dores nas costas e indo para o banheiro em um intervalo de quinze
minutos, pois parece que minha bexiga não comporta mais líquidos como
antigamente.
— Então, vamos começar a sessão antes que você precise ir ao
banheiro — decido.
— Isso mesmo, agora ocupe o lugar central na cama e deixe o resto
com a mamãe aqui.
Faço o que ela pede e fecho os olhos. Quando volto a abri-los é para
encarar a câmera fotográfica e, consequentemente, me concentrar no trabalho
pelas próximas horas.
*
— Ainda não acredito que você está aqui — minha mãe toca minha
mão sobre a mesa — se soubesse que viria teria feito algo mais especial.
Saí direto da sessão de fotos para a casa dela, dona Berenice vive
cobrando a minha presença e aqui estou para matar as saudades e, óbvio,
comer a comida caseira da mamãe. Ela tem mãos mágicas para a cozinha,
minha infância tinha sabor graças aos pratos que ela cozinha.
— Está tudo maravilhoso, mãe — sou sincero.
— Bife acebolado com batatas fritas de última hora porque você
chegou não chega nem perto de maravilhoso, meu bem, da próxima vez você
me avisa com antecedência e eu faço, pelo menos, parmegiana. Se bem que,
deixa isso para lá, sem me avisar pode vir toda semana e come o que tem,
melhor do que esperar você marcar de vir.
— Sei que estou em falta esse mês, mas já pode olhar uma data na sua
agenda e me avisa que estarei aqui — sorrio.
— Que agenda? — Gargalha — a vantagem de ser aposentada é
justamente não ter uma agenda de trabalhos.
— Está tentando me fazer inveja? — Replico.
— Não, você gosta da correria e não finja que não, mas venha mesmo e
traga a Jade junto, ela também gosta da minha comida.
— Aí está mais complicado…
— Aconteceu alguma coisa com ela? Seus pais estão bem?
— Está tudo bem com todos, ela não está falando comigo.
— O que você aprontou? — Dona Berenice estreita os olhos e coloca a
mão na cintura, como se estivesse se preparando para me dar uma bela
bronca por ter feito uma arte.
Não posso dizer que fui um garotinho quieto, por isso reconheço os
sinais de repreensão.
— Eu? — Digo com espanto — mas por que tem que ter sido eu a
fazer algo? — Pergunto, na defensiva. — Ela não é esse anjo que a senhora
pinta não, sabia que ela me acertou com um soco?
A reação da minha mãe não se modifica, ela continua com as mãos na
cintura e me encarando, como se eu tivesse acabado de informar que Jade me
deu um simples abraço e não cometido uma agressão.
— Não vai dizer nada? — Pressiono — ela me socou!
— Ela até pode não ser um anjo, mas você também não é — ela sorri
— e eu te conheço bem demais, Benjamim. Eu te vi crescer e conheço muito
bem o seu poder para se meter em grandes confusões. Não sou a favor da
violência, mas se a Jade te bateu ela deve ter tido os motivos dela.
— Mãe, você deveria me defender — protesto.
— Eu te defendo, mas também puxo a orelha. Mas vai, me conta, o que
houve para tudo acabar em uma grande briga com a Jade? Deve ser algo
muito sério, vocês são unha e carne desde a escola.
— A senhora não vai gostar de saber… — Abaixo a cabeça.
— Então, ela teve mesmo os seus motivos — sorri — tem algo a ver
com a confusão do casamento? Eu estava lá sabe e notei que seu rosto não
parecia tão feliz quanto deveria estar em uma festança como a que viria pela
frente.
— Sim, tem a ver com o casamento, mas eu juro que estava tentando
protegê-la, mãe. Não poderia deixar Jade se prender a um homem que não a
merecia.
Ela se senta na cadeira ao lado da minha, na cozinha e assente.
— Fui eu quem convenci a mulher a expor o noivo dela, mas nunca foi
a minha intenção magoar a Jade. Mãe, eu jamais causaria dor a ela
intencionalmente.
— Eu não duvido, meu bem — ela coloca sua mão sobre a minha, em
cima da mesa — não duvido nem por um segundo que você quisesse protegê-
la e ela também não deve duvidar disso, mas não significa que as suas
intenções não a tenha magoado. Não podia ter sido em outra hora? Aquele
era um momento mágico para ela e foi reduzido a dor.
— Eu gostaria que tivesse sido antes, se eu tivesse controle sobre a
situação, com certeza, teria feito de outra maneira.
— Entenda, Jade deve se sentir duplamente traída porque você é o
melhor amigo dela e poderia ter evitado que as coisas chegassem naquele
ponto. Para ela, você poderia ter eliminado aquela dor, entende? Eu não
duvido das suas intenções, meu filho, mas elas trouxeram consequências e
você precisa arcar com elas.
Essa é uma verdade que estou sendo obrigado a lidar. A minha missão
de garantir a felicidade da minha amiga teve um preço muito caro e agora ela
me odeia e eu não encontro o caminho para o seu perdão.
— Já tentei de tudo, o que eu faço agora?
Minha mãe sorri e leva a mão macia até meu rosto, acariciando minha
bochecha antes de explicar.
— A pergunta é outra: o que a Jade gostaria que você fizesse? Você a
conhece melhor que qualquer pessoa.
Eu já fiz muitas das coisas que eu acho que ela gostaria: como as
flores, a comida japonesa, as mensagens contínuas..., mas pensando bem,
analisando o tanto que eu conheço da minha amiga, não é apenas os gestos
que ela quer.
Penso um pouco e chego a uma resposta.
— Ela gostaria que eu validasse os seus sentimentos, que reconhecesse
que as minhas ações a magoaram profundamente e que assumisse o meu erro
— confesso — mas e se isso não for o suficiente? E se a gente não voltar a
ser o que era antes?
— Você precisa tentar e ser sincero. Só resta confiar na força do amor,
não se apaga de um dia para a noite um sentimento como o de vocês.
— Eu me arrependo de ter feito ela se sentir mal, mas não de ter
revelado tudo.
— O problema está na forma como agiu, mas você já sabe disso, não
é?
Sim, eu sei. Não dá para voltar no tempo e mudar as coisas, mas dá
para tentar me desculpar.
É isso. Vou tentar novamente, apegado a tudo o que vivemos. Vou
procurá-la de novo e repetirei quantas vezes for necessário o quanto lamento
que as minhas ações a tenham ferido.
Abrirei meu coração e confessarei o quanto estou sofrendo com a sua
ausência, serei franco quanto aos sentimentos conflitantes do meu peito. Farei
de tudo para nos entendermos, pois não dá mais para continuarmos distantes
um do outro.
A cada acesso ao banco de doadores de sêmen eu juro que me sinto
como se estivesse no Tinder, só que a versão que eu consulto é reversa, como
um Tinder verso. Semelhante ao Tinder tradicional no Tinder verso, ou
carinhosamente chamado por mim de Tinder do sêmen, eu tenho uma cartela
vasta de opções para escolher a que mais gostar com base nas minhas
preferências. Só que eu não estou ali para encontrar um namorado, mas o pai
para o meu filho, então isso torna a minha busca mais criteriosa.
A equipe da doutora Mayra, que me acompanhará durante todo o
processo da reprodução assistida, incluí uma psicóloga e foi ela que me
auxiliou a definir os critérios da minha busca ao pai ideal. A psicóloga pediu
que eu escrevesse no papel tudo o que eu quero em um pai para o meu filho e
assim comecei a listar. Nas características físicas quero que meu bebê seja o
mais parecido comigo possível, com pele negra, o que não seria difícil porque
trata-se do gene dominante na genética, mas essa não é minha exigência
principal, não importa se ele vier de outra cor, pois há outros critérios mais
importantes do que a aparência e a lista foi crescendo à medida que eu
escrevia. Basicamente, o pai do meu filho deve ter senso de humor em meio a
qualquer situação adversa; ele também precisa ser leal, carinhoso, amoroso e
inteligente; deve gostar de prática atividade física, pois de sedentário basta o
gene materno; quero que ele tenha um hobby que nada tenha a ver com a sua
profissão (pode ler, pescar, escalar montanhas, jogar xadrez e essas coisas
que as pessoas fazem por lazer); criatividade é um ponto importante, assim
como ser corajoso e não ter medo de mudanças.
Ao fim dos meus pensamentos, minha lista fica escrita da seguinte
maneira:
Leal
Inteligente
Determinado
Trabalhador
Corajoso
Criativo
Impulsivo (deixar que as emoções também o movam)
Otimista
Engraçado
(ele não precisa ser o comediante da turma, mas precisa ter senso de
humor)
Gostar de animais e natureza
Não ser machista (isso é importante!!!)
Estudioso
Gentil
Praticar atividade física
Ter um hobby (fotografar, pintar, pescar, meditar)
Ter muitos amigos
Ser ligado a família
Tagarela (nada de um homem de poucas palavras)

Com a lista escrita, todos aqueles pontos me acompanham na busca


diária ao doador perfeito. Por várias noites seguidas eu chego do trabalho,
abro um vinho e acesso o banco de dados. Eu já estou me conformando que
levará semanas até encontrar alguém que atenda os meus requisitos quando
chego até o perfil do doador número 2021.
Alexander tem a cabeça cheia de pensamentos, cabelos castanhos
escuros ondulados que complementam seus olhos castanhos escuros
calorosos. Ele é incrivelmente educado, respeitoso e maduro para sua idade.
É inteligente, gentil e altruísta. Ele é atlético, praticava vários esportes no
colégio e continuou isso por meio de clubes esportivos na faculdade. Ao
mesmo tempo, ele abraça o seu nerd interior com seu amor pelo universo do
Star Wars. Ele também gosta de música e não faz distinção de gêneros, o
gosto musical o levou a aprender a tocar uma variedade de instrumentos,
mas o seu grande amor é pela bateria, há um espaço na sua casa para o
instrumento. Nas horas vagas, Alexander gosta de reunir os amigos na sua
casa. Para completar, é um jovem bonito, tem uma construção muscular
proporcionada pela prática de exercícios regulares na forma de pesos,
cardio e esportes. Alexander mantém uma barba bem-feita rente ao rosto. A
marca principal de Alexander é o seu sorriso, ele é o seu cartão de visita,
quando ele sorri, ele se estende de orelha a orelha, revelando dentes brancos
e retos e fazendo seus olhos verdes se iluminarem. Alexander é um jovem
notável e um doador incrível que realmente gostamos de ter no programa.
Poderíamos facilmente continuar escrevendo muito mais sobre Alexander,
mas sintetizamos dizendo que ele é uma pessoa altruísta, extrovertida e
gentil, ele é um dos doadores mais genuínos que temos e estamos felizes de
tê-lo como doador no nosso banco!
Se apenas a descrição do Alexander já me conquistou, a impressão da
equipe sobre ele é arrebatadora. Alexander tem todos os atributos do homem
ideal para um relacionamento amoroso, mas acima de tudo, preenche os
requisitos para ser o pai do meu bebê.
E assim o match com o Alexander no Tinder do sêmen acontece.
*
Eu preciso dividir com alguém sobre a minha produção independente,
pois estou prestes a surtar com essa informação só para mim. A compra do
sêmen do Alexander já havia sido efetuada, a gente espera que chegue em, no
mínimo, quatro semanas, o que significa que em breve a inseminação vai
acontecer.
E a primeira pessoa para quem eu decido contar é a minha melhor
amiga.
— Quem é vivo sempre aparece — são as boas-vindas de Kelly quando
abre a porta da sua casa para me receber.
Nos últimos dias, eu recusei seus convites para sair, pois Benjamim
estava incluído neles e hoje não quero conversar com ela na companhia do
Val, é um papo só de meninas. Então, quando ela me ligou para dizer que
estaria sozinha hoje à noite, saí direto do trabalho para sua casa.
— Eu também estava com saudades de você — puxo seu corpo para
um abraço.
— Como você está, sua safada? — Pergunta, fechando a porta atrás de
nós.
— Eu tenho uma novidade, o Val já foi? — Ela assente e me arrasta
para dentro da sala.
— Estamos sozinhas, conta logo — nos sentamos lado a lado, cada
uma em uma poltrona com estofado verde. Eu amo a decoração da casa da
Kelly.
— Finalmente vou ser mãe! — O sorriso no meu rosto não demonstra o
tamanho da minha felicidade.
— Você está grávida do Vitor? — Ela hesita. — É... Parabéns, né?
— Não — nego de forma enfática — não estou grávida dele.
— É do Benjamim? — Arqueia a sobrancelha.
— Eu nunca transei com o Benjamim, de onde você tirou isso? —
Questiono.
— Sei lá, vocês passaram a lua de mel juntos e agora isso. Então, quem
é o pai? Eu não estou entendendo.
— Ainda não estou grávida, meu filho será fruto de produção
independente.
— Isso sim é uma grande novidade — sorri — mas como assim?
Quando?
— Você sabe que eu sempre quis ser mãe, né? — Balança a cabeça em
afirmação — e de uns anos para cá isso está mais forte em mim, é como se o
meu relógio biológico tivesse sido acionado e com tudo que aconteceu, bem,
meus planos foram frustrados.
— Você acha que isso existe? — Levanta as sobrancelhas — do
relógio biológico...
— Sim, parece que virou uma chavinha aqui dentro e o meu mundo
gira em torno de bebês, até uma coleção infantil estou desenvolvendo.
— Acho que meu relógio veio com defeito — sorri — temos a mesma
idade e sigo com zero vontade de ter filho. Eu amo crianças, adoro meus
sobrinhos, mas não quero um bebê para mim e, por sorte, o Val também não.
Mas as pessoas não entendem, a minha sogra mesmo vive repetindo “tantos
anos de casada, já passou da hora de me dar um netinho”. Qual a dificuldade
das pessoas em compreender que uma mulher pode não querer ser mãe e isso
não faz dela menos mulher?
— Acho que é a mesma dificuldade de quem não entenderá por que eu
optei pela produção independente para realizar o meu sonho de ser mãe. A
sociedade patriarcal insiste em colocar as mulheres em caixinhas, cobram
feminilidade, maternidade, casamento, como se esses fossem os únicos
caminhos e se você age em desacordo com o pré-determinado é julgada.
— Ainda bem que somos fodas e não nos deitamos para o
patriarcado! Você até fugiu no seu casamento — gargalhamos.
— Girl Power na veia — confirmo, entre uma risada sonora e outra.
— Agora me conte sobre os detalhes da chegada do meu sobrinho ou
sobrinha. Precisamos de mais uma menina ao nosso lado, mas eu também
vou amar se for um garotinho sapeca — diz animada.
— Eu também queria uma menininha — confesso — quero usar
lacinho, vestidinhos, tiaras… quero encher ela de frufrus, mas também vou
gostar de vestir camisa social, polo, boné, calça jeans. No fundo eu só quero
ser mãe, quero ter o bebê no colo e vou amar incondicionalmente o que o
destino me presentear.
— Você vai ser uma mãe incrível, Jade. Você é forte, corajosa, doce e
dona de um coração imenso, tenho certeza de que a sua jornada como mãe
será boa e eu estou aqui para segurar a sua mão nesse caminho.
— Não me faz chorar… — Digo com os olhos cheios de lágrimas. —
Vou precisar da tia Kelly ao meu lado.
— Estou com você para todo sempre. — Segura a minha mão — agora
afaste essas lágrimas e me conte sobre o doador, vai ser o método tradicional
ou inseminação artificial?
— O doador foi encontrado no Tinder do Sêmen — ela arregala os
olhos — calma, esse é o meu apelido carinhoso para o banco de esperma.
— E como você sabe qual o melhor sêmen, experimenta? — A
pergunta desperta uma nova onda de risadas altas que ecoa no ambiente.
— Não, Kelly — digo entre risos — não vou provar sêmen, escolhe a
partir das características do doador.
— Características que presumo que não envolvem o tamanho do pau
dele...
— Nada sexual, amiga — ela faz cara de decepção — mas se você
tiver criatividade pode ser excitante, você escuta voz, vê fotos e cria a
imagem na sua cabeça.
— Você se excitou com algum doador?
— Não — sou sincera na minha resposta — estava bem racional na
minha busca, não estava procurando um boy para dar uns beijos, mas um pai
para o meu filho. Mas confesso que o pai do meu filho é bem gatinho na
minha imaginação.
— Estou tão feliz por você, é bom ver esse sorriso de volta no seu
rosto.
— Eu acho que nunca estive tão feliz.
De repente, o toque da campainha parece mudar o clima no ambiente,
sinto Kelly ficar tensa ao meu lado.
— Está esperando alguém? — Pergunto.
— Eu não, mas você está — encaro minha amiga tentando
compreender a quem ela se refere.
Kelly caminha até a porta e quando ela se abre vejo quem é a visita.
— Trouxe pizza — Benjamim diz segurando uma caixa de papelão.
— Eu já estou de saída.
— Nada disso — Kelly se volta para mim — vocês precisam conversar
e resolver isso logo. Não aguento mais ser portadora de notícias suas para
o Benjamim, todos os dias ele me pede um relatório completo de você — a
informação me surpreende — e eu também não aguento ver você fingindo
que não sente falta desse traste.
— Ei, eu estou bem aqui — Benjamim protesta.
— Vou deixar vocês aqui e vou voltar apenas quando tiverem feito as
pazes.
— Isso não vai acontecer.
— Então, ficará muito tempo ao lado do Benjamim — sorri. — Levarei
a chave comigo e essa porta será aberta depois da bandeira branca ser
hasteada — diz com a chave em mãos.
— Kelly, isso não tem graça! — Protesto.
— O que não tem graça são meus melhores amigos continuarem
brigados — rebate — crianças tentem não destruir o meu apartamento. Amo
vocês!
— Kelly, não! — Grito para a porta fechada.
— Enfim sós.
Benjamim se aproxima de onde estou, mas mantém uma distância
segura para impedir de ser atingido, de surpresa, por um soco meu
novamente.
— Metade marguerita e metade chocolate com morango, como você
gosta — ele abre a caixa de papelão e o cheiro maravilhoso da pizza entra
pelas minhas narinas e desperta uma sensação boa.
Esses eram os meus sabores favoritos e o Benjamim sabe disso, é mais
uma armadilha dele para me persuadir, mas eu resisto.
— Estou sem fome.
— Conta outra, vai — sorri — sei que você gostaria de atacar esses
morangos agora, mas só não vai porque quer se manter firme no propósito de
me odiar. Mas deixa eu te contar um segredo: os morangos, infelizmente, não
têm poderes mágicos para fazer você me perdoar. São apenas morangos
normais, pode comer sem medo.
Pisca para mim e deposita a caixa de pizza sobre o braço do sofá de
couro da Kelly.
Se ela estivesse aqui teria tido um ataque por aquele gesto, mas ela não
está e nesse momento acho bem-feito que isso tenha ocorrido, pois ninguém
mandou ela me deixar presa com o Benjamim. Mas não permito que a caixa
permaneça ali por muito tempo, me levanto da poltrona e pego a caixa do
sofá, transferindo-a para a mesa de centro.
— Será que tem cerveja na geladeira? — Ele segue para a cozinha em
busca de resposta.
— Você não deveria abrir a geladeira das pessoas.
— Essas pessoas são nossos melhores amigos. Coca ou cerveja?
— Não quero nada.
Ele retorna com uma lata do refrigerante e uma cerveja long neck.
— Isso é para você — estende a cerveja para mim — está precisando
relaxar.
— Ficar presa aqui com você não vai me ajudar nessa tarefa — rejeito
a sua oferta, me sentando no tapete felpudo.
— Ok, eu preciso disso mais que você mesmo — abre a tampa e leva a
garrafa aos lábios, ingerindo uma grande quantidade da bebida.
Ele se senta ao meu lado no chão, com a cerveja ainda em mãos e gira
o corpo na minha direção, estou prestes a dizer que não quero ouvir nada do
que ele tem a dizer quando sou atingida por sua frase inicial.
— Eu sou mesmo o babaca egoísta que você me acusou e lamento
muito por ter demorado tanto para admitir isso! Agi como um completo filho
da puta ao não pensar nos seus sentimentos, não fui o amigo que você
merecia e eu me arrependo profundamente disso. Assim como me arrependo
de ter tornado a questão do Vitor como uma coisa minha, por mais que o foco
estivesse em você, ela era pautada em mim. O objetivo da missão padrinho
deixou de ser desmascarar o noivo e proteger a Jade, para provar que o
Benjamim esteve certo esse tempo todo.
A sinceridade das suas palavras me pega de surpresa e eu o encaro,
ouvindo tudo o que tem a dizer.
— Meu ego falou mais alto e, assim como você pontuou, ele governou
a minha vida. Quando descobri que Vitor não era perfeito eu vibrei mais do
que lamentei pela sua traição. Foi nesse momento que comecei a magoar
você, quando não considerei que aquilo destruiria os sonhos da minha melhor
amiga porque estava mais preocupado em provar que ele não era o homem
perfeito que você tanto se orgulhava.
Ele faz toda aquela confissão me olhando nos olhos e não sei se o que
vejo refletido no seu olhar é a minha tristeza ou a dele.
— E quando eu o desmascarei, a minha máscara também caiu, pois
você me provou que eu agi igualzinho a ele: não pensei em você, não
coloquei seus sentimentos acima dos meus e fui desleal. Então, do que tanto
eu acusava o outro quando agia semelhante, né? Você tinha razão quando
explodiu comigo, me bateu e pediu que eu me afastasse de você, pois eu me
comportei como um cretino.
A sucessão de palavras cessa e o silêncio reina no ambiente.
Benjamim sempre teve dificuldades em assumir seus sentimentos e,
principalmente, admitir seus erros, então, imagino o quanto deve estar sendo
difícil para ele deixar o seu ego de lado e se mostrar vulnerável. Eu não
esperava aquela enxurrada de desculpas, estava lidando ainda com a sua
traição. E sua ausência. A Kelly tem razão quando diz que eu sinto falta dele,
é óbvio que eu sinto falta do meu melhor amigo, sinto muito mais agora que
eu estou solteira novamente, ele era a minha dupla de solteirice. As minhas
sextas à noite são sem graça sem o Benjamim me puxando pela mão para a
pista de dança. Mas a saudade sempre termina esmagada pela mágoa
ocasionada por ele, então sigo ignorando as suas flores, mensagens, idas a
minha casa e trabalho, porque eu não quero continuar brigando com ele, mas
ainda não consigo perdoá-lo.
Todavia, todas as determinações que eu tenho desde que ele apareceu
hoje estão caindo por terra, ele finalmente reconheceu o seu erro, assumiu
que não agiu como o amigo que eu esperava e, acima de tudo, validou os
meus sentimentos.
Não foi isso que você esperou esse tempo todo, Jade?
— Pensei muito em você durante todos esses dias, esses longos dias
que você ignorou solenemente a minha presença, acho que nunca ficamos
tanto tempo afastados, né? — Ele recosta a cabeça no assento do sofá e fecha
os olhos. — Tive bastante tempo para refletir sobre a burrada que eu fiz,
tempo para criar diálogos imaginários para o dia que nos encontrássemos. Eu
imaginava que nesse dia eu diria algo bobo e você iria sorrir em resposta,
naquele momento nada mais importaria porque eu tinha conseguido fazer
você sorrir. Não sei quando isso virou uma missão na minha vida, mas eu me
pego fazendo coisas para te ver feliz, seja te enviando um vídeo engraçado na
internet ou comprando o sabor da sua pizza favorita. Mas aparentemente eu
falhei na missão dado os nossos últimos encontros — seus olhos voltam a se
abrir e sou capturada por eles — acho que não mereço o seu perdão para ser
sincero, mas ainda assim estou aqui para suplicar por ele: Jade Moraes você
me perdoa? Perdoa esse seu amigo babaca que vive metendo os pés pelas
mãos? Perdoa esse homem imperfeito que você conhece todos os defeitos e
ainda assim foi capaz de amar um dia?
Você consegue perdoar, Jade!
Benjamim não é um homem perfeito, mas é perfeito nas suas
imperfeições.
Ele é companheiro de todas as horas e situações, alguém para sorrir e
chorar, um ombro amigo e bom ouvinte.
Mas os bons momentos vividos ao seu lado serão capazes de apagar
um momento ruim? Eu ainda não sei como, mas preciso seguir em frente. A
minha vida vai mudar dentro de alguns meses e aquele será o meu recomeço,
mas antes eu preciso resolver algumas pendências e essa é uma delas.
— Ainda bem que você reconhece que é um babaca, um babaca com B
maiúsculo, mas é o meu babaca favorito — o sorriso de alívio surge em seu
rosto — eu também pensei muito em nós dois e pensei em como minha vida
está ligada à sua. Você é um capítulo gigante da minha história e não é
simples virar a página e seguir como se nada tivesse acontecido. Todavia,
também não é simples fingir que capítulos ruins foram escritos.
— E o que isso significa?
— Significa que a gente cruzou uma linha que acho que não dá mais
para voltar. Eu te perdoo Benjamim, mas não sei se isso vai resgatar a nossa
amizade da maneira que era. Agora mesmo eu olho para você e quero contar
sobre as mudanças da minha vida, mas estou hesitante. Fico pensando em
como você vai reagir, se vai me julgar. E eu nunca tive isso em relação a
você, entende?
— Perfeitamente — pontua — e reconheço minha parcela de culpa
nisso ao quebrar a sua confiança, mas não significa que não possamos
encontrar um novo jeito de sermos amigos, se assim você desejar — balanço
a cabeça em confirmação — você disse que cruzamos uma linha que não dá
para retornar, então por que a gente não segue apenas em frente escrevendo
nas novas linhas? Você acha que consegue fazer isso?
Ele me oferece o dedo mindinho numa clara oferta de reconciliação de
amizade. A jura de mindinho, onde os dedos se cruzam, simboliza a união.
— Sim — levo o meu dedo junto ao seu e selamos a nossa amizade —
agora vamos comer que a pizza está esfriando.
— Sabia que a comida ia funcionar!
Não é a comida, é você, seu babaca.
Foi como se um peso tivesse saído dos meus ombros quando Jade e eu
fizemos as pazes. Confesso que tive receio que esse dia não chegasse, mas
agora as coisas pareciam estar bem entre nós e a prova disso foi que dessa
vez ela atendeu a minha ligação.
— Oi — dissemos ao mesmo tempo — Está ocupada? — Pergunto.
— Ainda não, acabei de chegar no shopping. O que foi?
— Nada, queria saber como minha amiga está.
— Você mente mal Benjamin — ouço sua risada — esqueceu que te
conheço há anos e sei que essa sua ligação no meio da manhã não significa
saudades da sua melhor amiga, mas sim “preciso de um favor”?
— Você não me conhece tão bem assim, já te liguei outras vezes no
meio da manhã para dizer que estava com saudades.
— Só se isso aconteceu nos seus sonhos — rebate — vai, me diz o real
motivo da sua ligação.
— É aniversário do meu pai e ele me convidou para jantar…
— Eu estava certa — sorri — não foi a saudade que te trouxe até mim.
— Você está parcialmente certa — concordo.
— Eu sempre estou. Deixe-me adivinhar, você não quer ir encontrar o
seu pai.
— Não é que eu não queira ir, ele quer aproveitar a ocasião e me
apresentar a sua namorada, mas é quarta esse ano, então, meio que não vai
fazer diferença ser apresentado a essa ou a próxima, né?
— Nisso eu tenho que concordar com você, seu pai adora trocar de
mulher, mas é o aniversário dele, se ele te convidou é porque faz questão da
sua presença.
— Eu sei, mas é que toda vez que ele me apresenta uma namorada
nova, acabo me lembrando do quanto minha mãe sofreu com a separação. Ele
foi infiel no passado e sempre que vejo uma nova mulher, essa traição vem à
tona em minha memória, o que me deixa levemente irritado.
— Cadê o Benjamin que vê nesses jantares uma oportunidade de se
divertir? Seu pai sempre leva as namoradas a restaurantes chiquérrimos,
lembra daquele último que a garrafa de vinho custava mais de 20 mil reais e
você pediu ao garçom que separasse duas garrafas da adega, pois aquela era
uma noite especial? E nem era, o seu pai estava há apenas 2 meses com a
moça. Você só fez aquilo para contrariar e conseguiu, ele passou a noite
desconfortável, enquanto a gente se divertia bebendo vinho caro.
— Só teve graça porque você estava comigo.
— E posso estar no próximo, eu gosto de comer bem e beber um vinho
caro.
— Eu achei que você fazia isso por amizade.
— E faço, mas a minha amizade é cara. Confirme a presença e
descubra que restaurante incrível iremos dessa vez.
— Então, você vai comigo?
— Só dizer o dia e horário.
— Hoje às vinte horas.
— Hoje?
— Você tem outro compromisso?
— Não, eu apenas não esperava que fosse hoje. Por que não me avisou
antes?
— Eu estava indeciso se iria, mas recebi uma mensagem do meu pai
para lembrar do jantar cinco minutos atrás e resolvi te ligar para me ajudar a
decidir. Dessa vez, não será em um restaurante, mas na sua casa, um jantar
para poucos amigos, mas se não quiser ir não tem problema...
— Eu vou.
— Te pego às dezenove e trinta?
— Combinado.
— Até a noite.
— Até.
Encerro a ligação e sigo para comprar o presente do meu pai.
*
O conceito do Dr. Ismael Duarte de jantar íntimo era bem diferente do
meu, os carros perfilados em frente à sua casa indicavam que havia no
mínimo vinte pessoas lá dentro. Enquanto encaro todos aqueles carros o
pensamento se forma na minha mente: por que você não dá meia volta e leva
a Jade para um restaurante? Aquela ideia era infinitamente melhor que passar
a noite ali.
— Não viemos até aqui para ir embora — Jade fala como se
adivinhasse os meus pensamentos.
— Por que não? Podemos aproveitar a noite em outro lugar.
— Eu sei que as coisas não devem ser fáceis, mas é o aniversário do
seu pai. Ele vai ficar muito feliz com a sua presença.
— Ok, vamos acabar logo com isso. — Coloco o meu corpo em
movimento em sentido à porta de entrada e ela faz o mesmo.
— Desfaz essa cara de menino contrariado — pede e eu prontamente
atendo, desfazendo a cara fechada. — Assim está bem melhor — sorri — vai
ser divertido.
— Acho que você ficou muito tempo em um relacionamento se acha
que jantar em família é divertido — perturbo.
— Para sua informação, os jantares da família Moraes são sempre
divertidos.
Ela tem razão, qualquer refeição dos Moraes é recheada de conversas e
bom-humor, a família da Jade é calorosa e amorosa. Aquilo sempre se
estendeu para os agregados, como eu, que sempre foram tratados como um
membro da família.
— Droga, não posso refutar esse fato.
— Ponto para a família Moraes.
— Pronta para relembrar do lado ruim dos Duarte?
— Eu achei que você fosse o lado ruim.
— Ai, essa doeu! — Levo a mão ao coração em um tom dramático.
— Vamos entrar que você precisa de uma bebida para relaxar.
— Esqueceu que eu sou o motorista da rodada hoje?
— Eu posso abrir essa exceção e dirigir. A Mecinha me ama.
— Ela ama mais você no banco do carona — ela olha feio para mim
— não estou insinuando que dirige mal.
— Nem poderia porque seria mentira — rebate.
— Acho que você merece mais beber que eu, afinal aceitou me
acompanhar nesse jantar.
— As coisas estão melhorando…
— E sabem como vão melhorar mais? Vou invadir a adega do meu pai
e pegar um daqueles vinhos.
— Benjamin, você não vai fazer isso… — A repreensão é
acompanhada de um sorriso.
— Me acompanhe que verá — pisco para ela.
A porta está aberta e como parece não haver qualquer pessoa para nos
recepcionar, seguimos casa adentro. Na casa do meu pai, assim como na sua
vida, as coisas são projetadas para demonstrar poder e a prova disso é a
enorme sala de estar que possui 4 sofás, 4 poltronas, 2 mesas de centro, 3
aparadores, uma mesa de canto e uma lareira com 6 metros de altura. Isso
sem contar nas flores e quadros espalhados pelo ambiente que completam a
locação. Sim, como eu disse a intenção é que o convidado seja impactado
com o poderio do Duarte desde a entrada e confesso que isso aconteceu
comigo a primeira vez que pisei aqui, agora eu enxergo mais como uma
demonstração de ostentação do doutor Ismael.
De antemão, avisto dezenas de homens que poderiam ser o meu pai.
Eles carregam na mão um copo com algo que parece ser Whisky, conversam
animadamente enquanto bebem pequenas doses, imagino que o tom da
conversa gire em torno de suturas e intercorrências médicas, meu pai se
encaixaria em qualquer um desses perfis, mas ele não está ali.
— Não vamos cumprimentar as pessoas? — Jade sussurra enquanto
sigo me afastando daqueles homens, ela acompanha a dois passos atrás de
mim. — Isso é falta de educação — completa.
— Não, isso é evitar conversas desnecessárias — discordo — não
estou nada interessado em procedimentos estéticos.
— Pois deveria, não temos mais vinte aninhos. Estava lendo esses dias
sobre o benefício do Botox como um efeito retardante das rugas e estou
pensando seriamente nisso, já estou notando umas pequenas linhas de
expressão surgindo na região da testa.
— Você não precisa disso.
— Toda mulher precisa, Benjamin.
Paro de andar e viro para encará-la.
— Você não! — Sentencio — vejo seu rosto há anos e posso dizer que
não há um centímetro dele que precise de qualquer intervenção estética.
Assim como qualquer outra parte do seu corpo. — Meus olhos percorreram
demoradamente por toda extensão do seu corpo.
— Vamos encontrar o seu pai? — Ela diz colocando fim a minha
observação.
Balanço a cabeça em concordância e movo o corpo para a frente,
naquele momento acabo esbarrando em algo fixo que solta uma interjeição de
dor.
— Se vai me atropelar, pelo menos deixa eu anotar a placa. — A
pessoa que eu esbarrei diz sorrindo.
— Desculpa, você está bem? — Pergunto à mulher de olhos verdes e
seios grandes expostos em um generoso decote.
— Você é um dos amigos médicos do Ismael? — Pergunta, me
avaliando.
— Você chegou! — Meu pai se aproxima antes que eu possa negar —
amor, esse é o Benjamin, meu filho. Filho, essa é a Lorena, minha namorada.
Chuto que Lorena tem entre 23 e 25 anos, sim, ela tem idade para ser
filha do meu pai. Essa é outra característica marcante do doutor Ismael: se
relacionar com mulheres bem mais jovem que ele. Acho que nunca foi
apresentado a uma namorada da sua idade e olha que ele coleciona
namoradas.
— Meu Deus a genética da beleza é mesmo de família — ela sorri —
um é o espelho do outro, aposto que você ouviu bastante que basta olhar para
o seu pai para saber como será no futuro.
— Centenas de vezes.
— Essa moça linda é a sua namorada? — O olhar dela segue até Jade.
— Não, o Benjamin é devagar demais — é meu pai quem responde —
eu no lugar dele não deixaria uma mulher como essa passar pela minha vida
sem acontecer nada.
— Como você é desnecessário, pai.
— E por acaso eu falei alguma mentira? Você conhece a minha fama
quando mais jovem — afirma sorrindo.
— A fama que segue até os dias atuais? De colecionador de mulheres?
— Não dê ouvidos a ele amor, eu mudei. — Ele passa o braço pela
cintura da namorada e a puxa para perto.
— Assim espero — Lorena sorri.
— Oi, eu sou a Jade, amiga do Benjamin — ela cumprimenta a mulher
— feliz aniversário, Ismael.
— Obrigado, querida. Você continua cada dia mais linda. Acho que
nunca terei a oportunidade de ter nas minhas mãos esse corpo que parece ter
sido esculpido por um artista talentoso.
— Ainda bem. — Resmungo.
— Mas não há nada belo que não possa ser aprimorado. Ultimamente
muitas mulheres da sua idade desejam fazer a mamoplastia de prótese para
devolver o formato ao seio, deixá-lo mais empinado. Você sabe que depois
dos 30 a musculatura começa a ceder e um bom cirurgião é a solução dos
problemas.
E aqui está o que tanto eu evitava: meu pai sendo meu pai e se
comportando como se estivesse no seu consultório médico. Ele é cirurgião
plástico especialista em mamoplastia e parece que o mundo dele gira em
torno de próteses de silicone, então basicamente ele não vê a pessoa, mas sim
um corpo que pode ser modificado através de um bom bisturi e naquele
momento Jade é o seu salvo.
— Não tem nada de errado com o tamanho dos peitos dela — rebato
irritado.
— Eu não disse isso — meu pai se defende — além do mais, a
mamoplastia não tem como propósito a correção, ela também é instrumento
de autoestima, milhares de mulheres recorrem a ela para se sentirem mais
belas.
— Esse foi o meu caso — Lorena entra na conversa — não havia nada
errado com os meus, mas coloquei 450ml para me sentir melhor comigo
mesma e eles ficaram ótimos não acha?
— Sim — Jade afirma.
— Testa boba, os homens adoram — ela pisca para Jade.
— O mais importante para mim é que eu adore — Jade pontua sorrindo
— além do mais pretendo ser mãe e já li vários artigos sobre como pode
afetar a amamentação.
— Não é tão comum, mas essa intercorrência pode ocorrer — meu pai
concorda — na cirurgia de mamas a maioria dos ductos é preservada, mas
como é feita a Mamoplastia ela pode influenciar na liberação do leite e causar
certa dificuldade, mas nada definitivo.
— Eu prefiro não arriscar.
— E eu jantar. — Afirmo.
— Estava apenas aguardando você para isso.
Minutos depois estamos todos reunidos à mesa e como já era esperado
o assunto principal gira em torno do mundinho dos médicos, mas a comida
está gostosa e Jade está se divertindo conversando com Lorena. Após o
jantar, seguimos para a sala de estar e o papo continua.
— Eu vou pegar o seu vinho e vamos embora — digo ao pé do ouvido
de Jade.
— Não! — ela reage — tem muita gente aqui.
— Eu gosto do perigo.
— Não faça isso, por favor — implora — eu morreria de vergonha
caso você fosse pego em flagrante.
— Certeza?
— Sim.
— Tudo bem, então vamos embora?
— Por favor, eu não aguento mais ouvir de cirurgia estética.
Ficamos de pé para nos despedir do meu pai.
— Pai, já estamos indo.
— Mas já?
— O jantar estava delicioso — Jade elogia.
— Obrigado. A Lorena deixou um beijo para vocês, ela não estava se
sentindo bem e precisou se ausentar — ele justifica.
— Manda outro para ela.
— Parabéns mais uma vez, pai.
— Eu fiquei muito feliz que você veio — meu pai me puxa para um
abraço — te amo, filho.
— Eu também, pai. Já ia esquecendo do seu presente — pego do bolso
do meu blazer a caixinha preta.
Ele abre a caixa e seu rosto exibe um sorriso de felicidade com o que
vê. Nela há abotoaduras de camisa social com o símbolo da Medicina, é algo
simples e simbólico, mas que imaginei que ele gostaria. Estava certo.
— Vou estrear seu presente amanhã — ele diz tocando as abotoaduras.
Ele me abraça mais uma vez em despedida.
— Sobrevivemos — digo quando chegamos até a Mecinha que estava
estacionada perto da entrada da casa — me desculpa pelo meu pai.
— Não precisa se desculpar, eu realmente acho que no futuro vou
precisar passar pelas mãos do seu pai.
— Ainda acho que você não precisa.
— Eu também, mas pula para daqui um tempo depois de amamentar
por muitos meses e eu já mudarei o discurso.
— Você sempre quis ser mãe, né? — Comento enquanto ligo o carro
e me preparo para sair quando sou interrompido por sua resposta.
— Sim e estou bem perto de alcançar isso. — A minha expressão deve
ser de choque, pois ela logo trata de me acalmar. — Calma, eu ainda não
estou grávida, mas em breve estarei. Recorrerei a reprodução assistida e
através de uma inseminação artificial, realizarei o meu sonho. Será uma
produção independente, sabe? Você tinha que ver o banco de sêmen, que
carinhosamente eu apelidei de Tinder do Sêmen, tantas opções e detalhes a
serem considerados.
Ela solta as informações em um ritmo frenético e sigo tentando
acompanhar.
— Mas essa etapa já passou e o sêmen já foi comprado, ele está a
caminho do Brasil e assim que chegar à inseminação será realizada. Depois é
cruzar os dedos e torcer para que tudo dê certo.
— Isso tudo é…
— Não diz maluco, por favor.
— Eu ia dizer inovador. Não fazia ideia de que era assim que
funcionava.
— Eu também e minha cabeça explodiu quando ouvi falar sobre a
produção independente, fiquei completamente fascinada por esse universo e
aqui estou prestes a me tornar mãe.
— E como você está se sentindo?
— Imensamente feliz, mas também um pouquinho insegura, fico
perguntando se conseguirei dar conta do bebê e do trabalho. Nessas horas
uma vozinha chata fica insistindo em levantar questionamentos na minha
cabeça se serei uma boa mãe…
— Desconheço uma coisa que você se predisponha a fazer e não faça
bem. Eu não tenho a menor dúvida de que será uma mãe espetacular.
— Obrigada.
— Será que posso abraçar essa futura mamãe?
— Claro — meus braços envolveram o seu corpo e ela recosta o rosto
no meu peito.
— Eu não acredito que serei mãe muito em breve.
— E eu não acredito que serei tio, eu sou muito jovem para isso — ela
sorri alto ainda com o corpo colado ao meu.
Jade vai ser mãe. E agora?
É sexta à tarde.
E eu estou a caminho do supermercado.
Convidei meus pais e minha irmã para jantar em casa, vou contar para
eles que serei mãe. Fiz todo o processo da produção independente sem
consultar qualquer pessoa, pois essa era uma decisão minha que não cabia a
mais ninguém. Entretanto, esperava que ao compartilhar a notícia recebesse o
apoio dos que amo. A reação dos meus amigos foi maravilhosa, eles
celebraram comigo, agora chegou o momento de compartilhar com a minha
família. Estou ansiosa pela reação dos meus pais ao descobrirem que serão
avós e para isso decidi criar todo um cenário receptivo ao cozinhar para eles.
Paro o carro no semáforo e olho ao meu redor, estou entre dois carros
distintos, o do lado direito é um modelo mais despojado, com suspensão
baixa, o carro que representa o perfil de um carro de uma pessoa sem filhos.
O carro do lado esquerdo é o oposto, ele é da família dos utilitários, com um
grande porta-malas e capacidade de levar várias pessoas, ideal para uma
família. Essa reflexão me leva a refletir que o meu Cobalt não precisará ser
trocado quando meu bebê estiver comigo.
Afasto a atenção dos carros e olho além deles, me fixando no outdoor
que exibe um homem muito gostoso apenas de cueca. Noto sua barriga seca e
definida, daquelas com gominhos que você tem vontade de deixar seus dedos
correrem despretensiosamente, se bem que esse abdômen pede mais que
dedos, talvez a minha língua fosse uma boa escolha. Vou além e observo o
belo pacote que se esconde naquela cueca curta e vermelha. Com certeza
aquele modelo era bem-dotado e deve ter sido esse o motivo para ser
escolhido para estrelar aquela campanha. Convenhamos que homem com
barriga definida é mais fácil de achar do que somar isso a um pau que fique
bem em uma cueca daquele modelo. Será que aquilo era Photoshop? Sorrio
com a ideia e finalizo a minha longa inspeção seguindo para o rosto do
homem.
E paraliso.
Arregalo os olhos e fico levemente chocada quando percebo que
conheço o modelo. É o Benjamim e sinto uma coisa estranha observando que
estou levemente atraída por ele no outdoor. O buzinaço chega aos meus
ouvidos e me desperta, ainda estou parada enquanto o sinal está aberto,
atrasando o fluxo do trânsito. Coloco o carro em movimento e me distancio
daquela imagem excitante.
Quando chego ao estacionamento do supermercado a imagem ainda
está vívida na minha mente e me faz sorrir, passei anos ao lado dele e nunca
me senti atraída, então por que agora? Provavelmente porque você teve a
visão do pau avantajado dele naquela cueca? Meu cérebro responde e eu
balanço a cabeça em negação para afastar essa hipótese.
Você só enxergou como seu amigo é um grande gostoso, só isso.
Munida de uma lista de compras, não demoro no supermercado, indo
direto nas sessões específicas. Assim, logo estou no caixa passando os itens
do jantar: alface, tomate cereja, limão, palmito, salmão e suco de uva. De
volta para casa faço o mesmo trajeto e, mais uma vez, encaro o outdoor como
um teste e nada mudou: eu continuo atraída pela versão de papel. Piso no
acelerador para espantar aquela sensação estranha.
*
Preparei para o jantar uma comidinha simples: um arroz refogado com
alho e cebola, salmão ao forno e uma salada de alface, palmito e tomate
cereja. Para meu completo alívio, a comida agradou os meus ilustres
convidados que teceram diversos elogios.
— A comida estava perfeita, filha. — Mamãe repete mais uma vez
nessa noite.
— Sim, tá cozinhando bem demais, Jade. Já está pronta para se casar.
— Papai completa.
— Pai! — Esmeralda o repreende.
— Desculpa filha, eu não falei por mal…
— Eu sei que não, pai — sorrio — é um ditado bem popular, que
vamos tentar abolir. Mas foquem aqui, eu tenho algo para contar a vocês! —
Digo animada para revelar o real motivo daquele jantar. Pego a sacolinha
pendurada na cadeira e passo para minha mãe. — Abre! — Aguardo com
expectativa, ela desfazer o laço da embalagem.
— O que é isso? — Minha mãe indaga com os sapatinhos de tricô em
mãos.
— Você será vovó! — Anuncio e sou soterrada por uma enxurrada de
perguntas.
— Você está grávida? — É meu pai quem pergunta.
— O Vitor já sabe? — Minha mãe completa.
— Quem disse que é do Vitor? Pode ser muito bem do Benjamim —
Esmeralda opina.
— Por que o Benjamim? — Questiono, é a segunda pessoa que opina
sobre ele.
— Por causa do beijo no casamento, talvez?! — Dá de ombros —
aquele beijo tinha tesão.
— Esmeralda! — O tom do papai é firme e todas nós ficamos em
silêncio por alguns segundos.
— O pai não é o Benjamim, muito menos o Vitor. — Eles me encaram
com os olhos arregalados. — Lembra daquela reportagem sobre produção
independente? Então, eu vou recorrer a ela para realizar meu sonho — eles
me fitam em completo silêncio. — Não vão me desejar parabéns?
— Parabéns, maninha! — Esmeralda é a primeira a me abraçar.
— Uau — meu pai diz, me envolvendo em seu abraço apertado. —
Estou bem surpreso.
— Eu vou ser vovó? O bebê já está aí dentro? — Aponta para minha
barriga.
— Ainda não, a inseminação acontecerá em algumas semanas.
Ela suspira... De alívio?
— Você está certa disso, filha? — Noto que o sorriso diminui no rosto
da minha mãe quando ela faz essa pergunta.
— Sempre quis ser mãe e agora estou muito perto de realizar esse
sonho.
— Não é tão simples, sabe? Criar um filho exige planejamento,
flexibilidade, é uma mudança radical na vida... — Meu pai pontua.
— E eu estou pronta para tudo isso, pai — asseguro. — Vou diminuir o
ritmo de trabalho, meu filho será a minha prioridade.
— Não estou atribuindo juízo de valor à sua escolha, mas estou
pensando nessa criança... Como vai ser quando ela crescer e perguntar pelo
pai? — Minha mãe retoma a palavra.
— Direi ao meu filho que ele foi fruto do amor gigantesco da mamãe
— respondo de imediato, me sentindo desconfortável.
— E se ele quiser conhecer o pai, isso será possível? — Esmeralda
pergunta, curiosa.
— Não, optei pelo contrato que não possibilita o conhecimento futuro
do doador — explico, respirando fundo.
— O que acontecerá quando ele for para a escola e os coleguinhas
perguntarem pelo pai? — O questionamento vem do meu pai e antes que eu
possa responder minha mãe interpela.
— Evandro, você se lembra da coleguinha da Jade que era órfã? — Ele
acena em concordância. — Aquele episódio nunca saiu da minha cabeça, as
crianças acompanhadas dos pais na apresentação do Dia dos Pais e ela
sozinha no canto.
— Meu filho não estará sozinho, estarei lá com ele — rebato — além
do mais, as escolas mudaram, algumas celebram o Dia da Família para
contemplar as novas configurações. Meu filho terá todo o amor do mundo e
não sentirá falta de um pai.
— Eu entendo, meu amor, mas por que não espera mais algum tempo?
Você pode conhecer um rapaz legal, um companheiro para constituir
família… — Aquela insinuação da minha mãe me irrita.
— E se esse companheiro não aparecer? — Questiono — Isso leva
tempo, mãe e estou envelhecendo. Não vou deixar meu sonho nas mãos de
outra pessoa como fiz nos últimos anos.
— Não estamos aqui para fazê-la mudar de ideia — Esmeralda tenta
apaziguar.
— Estamos aqui apenas apontando questionamentos futuros pensando
no seu bem-estar e do bebê — meu pai complementa — mas vamos apoiar
sua decisão final...
— Isso não é justo comigo, não é justo que eu não possa ser mãe
porque não tenho um pai para o meu filho — lamento, sentindo meus olhos
arderem, quase começando a chorar.
— Realmente não é nada justo! E não digo isso porque sou sua irmã,
digo por que reconheço a mulher incrível que você é — meus olhos se
enchem de lágrimas enquanto ela fala — você não merece ter seus sonhos
interrompidos.
— É isso — digo com a voz embargada — quando terminei com Vitor
eu lamentei o que tudo que aquilo significava, era como se a maternidade
estivesse escorrendo pelos meus dedos feito areia. Quando a produção
independente surgiu na minha vida senti que foi me devolvido aquela
oportunidade e eu não poderia deixar passar. Tenho certeza de que não será
fácil a missão de ser mãe, sei que a maternidade carrega seus sabores e suas
dores e vou me preparar para tudo isso. Talvez vocês não entendam, mas eu
sinto que nasci para vivenciar a maternidade, acho que tudo que me
aconteceu nos últimos tempos me preparou para esse momento, eu mereço
esse bebê.
— Então, seja a mãe que você sempre quis ser e conte sempre com a
tia Esmeralda nessa missão — minha irmã me desmonta com essa frase e vou
às lágrimas.
— Isso é muito importante para mim, obrigada.
— A sua família está aqui com você, meu amor — mamãe diz com os
olhos marejados — me desculpe, vou ser uma vovó muito feliz.
— Se você for como mãe um terço do que você é como filha, essa
criança será imensamente amada — papai afirma.
— Eu amo vocês! — Digo quando sou envolvida por um mar de
braços.
*
Depois que os meus pais saíram de casa fiquei pensativa, me sentei no
sofá e rememorei cada frase deles. Será que estava sendo egoísta ao priorizar
meu sonho sem dar um pai para meu filho? Será que ele sentiria falta da
figura paterna? Como seria sua vida numa sociedade extremamente
patriarcal? Ali, com as lágrimas me inundando, eu pensei em tudo isso
centenas de vezes. Eu deveria desistir de ser mãe? Por medo do futuro e do
que as pessoas irão falar?
Não é como se eles tivessem dito algo que eu não tivesse imaginado,
mas ouvir tornava meus medos reais. E se meu filho não compreendesse os
meus motivos e se tornasse uma pessoa frustrada? Eu não conseguiria lidar
com isso e me culparia eternamente por saber que fui a responsável.
Todos esses pensamentos fazem a minha cabeça fervilhar de tantas
interrogações. Mas uma coisa é certa, a certeza de ser mãe não diminuiu, ela
continua latente no meu peito. Todavia, será que o doador anônimo é
realmente uma boa opção? Quer dizer, escolher um pai para o meu filho
baseado apenas nas informações do banco de dados?
Quando penso nisso, imediatamente me lembro do Vitor. Por impulso,
pego o meu celular e digito os números que havia decorado desde o início. Os
sons da chamada preenchem a linha e eu aguardo. No segundo toque, sua voz
me traz boas lembranças.
— Jade? É você, meu amor?
— Oi, Vitor — seco meu rosto e respiro fundo.
— Como é bom ouvir sua voz. Está tudo bem?
— Liguei porque preciso te dizer algumas coisas. Naquele dia, estava
movida pela raiva, nesse momento consigo pensar com mais clareza —
informo, pontuando minha frase devagar.
— Quer que eu vá até aí? — Pergunta com certa urgência na voz.
— Não, quero apenas que me ouça.
— Tudo bem — ele respira fundo e se prepara.
— Eu sinto que o que vivemos foi de verdade. Você não seria ator ao
ponto de decorar falas e armar grandes gestos… — sou sincera.
— Juro para você que foi tudo de verdade, eu só…
— E é em nome do que vivemos que estou te ligando. Nunca seria
capaz de passar por cima do que aconteceu porque minha confiança em você
foi abalada, você mentiu e isso me machucou demais, entende?
— Entendo, mas…
— Não tem mas. Eu já segui em frente — me calo e ele fica em
silêncio. Por alguns segundos apenas nossas respirações são ouvidas. E então
eu me lembro do meu filho. E do motivo pelo qual decidi fazer a ligação. —
Quero pedir para que você seja um bom pai — digo por fim — procure
aquela mulher e haja como um homem decente. Se você não a amar, que pelo
menos a respeite. Honre com suas obrigações, não a desampare. Você
consegue imaginar o que é ter um filho? A quantidade de dúvidas, medo e
desespero de viver algo tão novo e assustador?
— Não, eu não consigo.
— Mas tente. Seja o homem que me mostrou quem era. Carinhoso,
atencioso… Participe da vida do seu filho. Assuma as consequências dos seus
atos. Ela não fez o filho sozinha e não merece lidar com tudo como se fosse
uma abominação. Seu filho não pode ser um erro. Não o deixe pensar que é.
Fico em silêncio e consigo ouvir o seu choro. Baixinho, entregue
apenas pela quantidade de vezes que tenta respirar, puxando o ar que não
passa.
— Sinto muito por ter feito você sofrer — quando ele fala, sua voz me
dá a certeza das lágrimas. E eu acredito na sinceridade delas. — Essa ligação
só mostra o quanto você é incrível e porque foi tão fácil me apaixonar por
você. Você está certa, é claro. Obrigado, Jade.
—Vai fazer o que eu te pedi? — Limpo uma lágrima que escorre pelo
meu rosto.
—Vou tentar ser o melhor pai que eu puder.
— Isso já é o suficiente.
— Isso é um adeus?
— Sim. Adeus, Vitor.
— Me desculpe, Jade.
— Está desculpado. Siga em frente.
Encerro a ligação.
Deixo minhas costas tocarem o estofado do sofá e fecho os olhos para
absorver o peso daquela ligação. Aquilo era assunto encerrado, página virada
e eu torcia para que o filho dele fosse querido. É engraçado que eu já penso
como mãe, me colocando no lugar daquela mulher e imaginando o futuro da
criança.
E o seu filho, Jade? O que vai fazer?
Repasso mentalmente os itens da minha lista de características que
gostaria que o pai do meu filho tivesse e imagino que não deva ser tão difícil
encontrar por aí um homem leal, trabalhador, engraçado, gentil, otimista,
engraçado, corajoso... Eu poderia vestir uma roupa bonita e ir em uma balada.
Lá conheceria esse cara, transaríamos e no dia seguinte, pós sexo trocaríamos
telefone e nos seguiríamos nas redes sociais. Poderíamos até nunca mais nos
falar, mas eu saberia onde encontrá-lo caso engravidasse dele. Daria ao meu
filho um nome quando perguntasse sobre o seu pai, um nome real. Seria
como tantos outros nomes de pais aleatórios que engravidam e abandonam as
parceiras, sem sequer registrar os filhos, sabe? Seria fácil explicar isso porque
é normal. Meu filho entenderia.
O plano parece bom na minha mente, até que o medo de contrair uma
DST ao fazer sexo sem camisinha com um desconhecido aparece e assim
como surgiu, a ideia desaparece rapidamente.
Deve existir outra alternativa...
De repente, aquele outdoor me lembra do homem ideal para uma noite.
Como se fosse uma confirmação do universo, meu celular toca e o nome
Benjamim brilha diante dos meus olhos. Por que trazer um completo
desconhecido quando você tem o Ben, Jade? Se você me perguntasse se a
possibilidade de transar com o meu melhor amigo passou pela minha cabeça
antes do dia de hoje receberia um contundente “não” como resposta, mas as
coisas mudaram de figura.
Eu poderia engravidar dele e teria um nome para o caso de meu filho
perguntar no futuro...
Só uma vez, Jade. Você já está sem tomar anticoncepcional desde o
seu casamento não realizado, você consegue seduzi-lo.
Se aquilo não funcionasse, recorreria a inseminação artificial e Deus
me ajude com o futuro.
— Oi. — Atendo antes que a ligação siga para a caixa postal.
— Oi, estava dormindo?
— Não… estava agora pensando em você — verbalizo, antes que eu
me arrependa daquela decisão.
— Estava? — Ele parece surpreso.
— Sim, estou prestes a abrir uma garrafa de vinho e pensei que você
poderia me acompanhar. — Jogo a isca.
— Agora?
— Sim, você vem?
— Estou a caminho.
Encerro a ligação e encaro o teto branco de gesso.
É isso, eu vou transar com o meu melhor amigo e se a deusa da
fertilidade estivesse ao meu favor eu engravidaria dele. Dessa maneira, se um
dia o meu filho exigir saber quem é o seu pai, será apresentado ao Benjamim.
Aquela era uma garantia de paternidade que eu torcia para jamais fazer uso.
O Ben servirá como doador de sêmen para a minha produção independente e
seguirei como a mãe solo que escolhi ser.
O que pode dar errado?
Benjamim não demorou mais do que vinte minutos para chegar na
minha casa. Tempo suficiente para que eu não racionalize a minha decisão.
Enquanto ele estava a caminho, substituí a calcinha básica por uma lingerie
de renda branca e joguei o robe de seda, longo e vermelho, por cima. Quando
a campainha toca, minhas mãos estão frias e minha boca seca, atribuo isso à
ansiedade da situação. Pego a taça que já havia servido e bebo um pouco de
vinho.
Quando me aproximo do portão para liberar a sua entrada, permito-me
observá-lo com a mesma riqueza de detalhes que fitei a sua versão do
outdoor. Noto os fios lisos meticulosamente penteados que formam a sua
cabeleira castanho claro. Os seus olhos azuis cristalinos parecem se iluminar,
indicando que eu estou seguindo o caminho certo. Quantas vezes me vi ali
refletida nesse olhar ao longo dos anos? Sigo contemplando o seu rosto e
gosto da barba por fazer que ele mantém, ela agrega um charme a sua
existência. Sua boca parece ter sido desenhada a mão e dessa vez, eu a queria
sentir de encontro a minha sem o efeito surpresa das últimas vezes.
Meu olhar se estende ao seu corpo, ele veste camisa básica preta e
calça jeans, mesmo estando completamente vestido eu encaro o volume que
vi no outdoor, ia descobrir se havia ou não Photoshop. Finalizo a inspeção
nos seus pés e o chinelo de dedo me faz sorrir porque indica que ele estava
com pressa de chegar.
— Vejo que começou sem mim... — Acompanho quando seu olhar
segue da taça para mim.
Lentamente, Ben inspeciona meu robe que, mesmo fechado, mostra um
pouco de pele. A pupila está dilatada quando ele volta a me encarar em total
silêncio.
— Por que perder tempo, não é? — Pisco para ele.
Não sei se é o meu nervosismo ou o Benjamim que captou as minhas
reais intenções, mas há algo no ar. Não sinto como se estivesse recebendo o
meu melhor amigo em casa, dessa vez é o homem Benjamim que está a
alguns passos atrás de mim enquanto caminhamos até o interior da minha
casa.
— Não é o vinho da adega do seu pai, mas é muito bom — digo,
caminhando até a mesa de centro onde estão a garrafa e uma taça.
Completo a minha taça e sirvo a dele, exagerando na quantidade, pois
deixo o líquido chegar a centímetros da borda. Com cuidado, passo para ele a
taça cheia e ele bebe um pouco para impedir que transborde.
— O que estamos comemorando? — Indaga, olhando fixamente para
mim.
— Por que acha que estamos comemorando algo? — Sorrio
desconcertada.
— Já sei — ele faz uma pausa e sinto meu corpo estremecer —
estamos finalmente comemorando o seu regresso à vida de solteiro.
— É isso! — Minto.
— Poderíamos estar fazendo isso em uma boate — sugere animado.
— Se o problema for música, podemos resolver isso rapidamente.
Com o celular em mãos, conecto ao Home Teather. Acesso o modo
aleatório de um aplicativo de música e os acordes de uma canção começam a
ser executados.
Vejo os olhos de Benjamim brilharem quando movo meus quadris de
um lado para o outro, seguindo as batidas da canção estrangeira
desconhecida. Ele não se aproxima, continua sentado, apenas me fitando
como se eu fosse única. Retribuo o seu olhar e sorrio.
Seus lábios encontram mais uma vez a taça e assisto ele beber
rapidamente todo o vinho tinto antes de pousar a taça na mesa de centro e,
com passos lentos, vir até mim.
Nossos rostos estão a centímetros um do outro e acompanho o
movimento dos seus lábios quando ele pergunta:
— Jade, por que você me convidou?
— Porque eu queria você!
Encaro um Benjamim surpreso e ele demora alguns segundos até
reagir.
— Me diz que estou entendendo errado…
— Seu único erro é estar usando essa linda boca para falar e não
começar a me beijar imediatamente.
Ele sorri e ali, sei que consegui.
Ele segura meu rosto e aproxima a boca da minha, sem beijar. O roçar
de lábios é perturbador. Considerando as duas únicas vezes que nos beijamos,
esse poderia facilmente ser considerado nosso primeiro beijo.
Sem joguinhos.
Sem raiva.
Naquele segundo, estamos sendo motivados pelo desejo.
Ele quer esse beijo tanto quanto eu. É como se estivesse reprimindo o
desejo durante todo esse tempo. Sinto isso quando a pressão dos lábios
aumenta e nossas bocas se abrem e no segundo que toca a minha língua, ele
suspira. Já eu, me sinto em chamas. Meus braços buscam o seu pescoço e ele
me puxa para um abraço apertado, colando nossos corpos. Sinto seus fios de
cabelos macios entre meus dedos quando os enfio em sua cabeleira, puxando
e bagunçando seu penteado.
Quero bagunçar além do cabelo dele. Preciso bagunçar seus sentidos.
Benjamim leva as mãos até a minha bunda e adoro quando seus dedos
apertam com força a região. É o suficiente para nosso beijo explodir em uma
onda de luxúria.
— Eu poderia te beijar por horas — Ben sussurra com os lábios
próximos aos meus.
— Não lembro de ter pedido para você parar — minha respiração sai
arfada e mordisco seu lábio inferior.
Eu não confesso, mas também sinto que posso beijar Benjamim por
uma infinidade de horas. Ser beijada por ele, por sua boca macia e gostosa, é
um prazer que eu poderia facilmente me acostumar.
Não percebo que estamos nos movendo até que o sinto me puxando
para me sentar em seu colo. Estamos no sofá quando passo uma das minhas
pernas sobre seu quadril, me sentando de frente.
Levo a mão até a bainha da sua camisa, mas ela está presa debaixo do
meu corpo e não consigo movê-la, mas isso não impede de percorrer os dedos
por seu abdômen e sentir seus músculos sob a camisa. Parece insuficiente e,
com pressa, ergo meus quadris e solto o tecido. Ben me auxilia na tarefa de se
livrar da camisa, passando a peça por sua cabeça.
Com a ponta das minhas unhas, traço um caminho por seu peito nu e o
observo fechar os olhos e respirar fundo.
— Jade… — Ele diz em um longo suspiro.
— Eu quis fazer isso desde que te vi no outdoor… — Confesso.
Ele ri baixinho e segura meu maxilar, puxando-me para perto. Encaro
seus olhos antes de fechar os meus e sugar seus lábios com vontade.
Esfrego meu quadril em seu colo, subindo e descendo, sentindo sua
ereção crescer contra mim. O atrito o excita e logo suas mãos me apalpam em
diversas partes.
Coxas.
Quadris.
Bunda.
Lateral dos seios.
Por onde suas mãos passam, minha pele queima. Ainda que seu toque
seja por cima da seda do meu robe.
Beijamo-nos com uma nova intensidade, uma intensidade que
incendeia cada partícula dos nossos corpos, sinto a sua ereção pressionando-
me e levo minhas mãos até ela, para tocá-la sobre o jeans.
Benjamim interrompe o beijo, respirando fundo ao me encarar.
— Você quer mesmo isso?
A pergunta me surpreende. Achei que o Benjamim não fosse racional
em momentos de tesão, mas ali estava uma pontinha do seu lado amigo se
certificando.
— Tenho certeza absoluta de que quero transar com você nesse
segundo — esclareço com palavras — se tiver alguma dúvida, tire minha
roupa que vai descobrir.
Ele não responde.
Seus olhos parecem brilhar um pouco mais, sua pupila se destaca em
meio a todo aquele azul, dilatada. Benjamim se ergue do sofá comigo em seu
colo e minhas pernas se apertam ao redor da sua cintura.
Não preciso indicar o caminho, ele conhece a casa e sobe os degraus
que o leva até o meu quarto.
O último homem que esteve em minha cama foi o Vitor...
Não os compare Jade.
Afasto meus pensamentos e me concentro no agora quando o
Benjamim me coloca no chão, ao lado da minha cama de casal.
— Acho que preciso me certificar de que quer mesmo — diz, com um
sorrisinho ao segurar o cordão que fecha o meu robe.
Ele afasta os lados da peça, observando a lingerie branca de renda que
escolhi.
— Que você é linda eu sei faz tempo, mas só nesse segundo percebo o
quanto é gostosa... Meu Deus, Jade, como eu quero você.
Dou um passo para frente, diminuindo nossa distância, sem me conter.
— Estou curiosa — digo, levando minha mão até a frente da sua calça.
Ele ri alto.
— Curiosa?
— Acho que essa é a única parte sua que não vi ainda — dou de
ombros — e para falar a verdade, acho que usaram Photoshop no outdoor.
— Não acredito que está me dizendo isso — sorri — vou te mostrar
que é real.
Ele abre a calça e a desliza pelas pernas, ficando de cueca box azul
marinho. Enquanto descarta a calça e noto que sua ereção quase não cabe na
cueca, a cabeça do seu pau se insinua contra o elástico. Uau.
Benjamim segura seu pau por cima da cueca e move a mão tão
devagar, se masturbando, para cima e para baixo, me fazendo quase salivar.
— Ainda acha que é falso? — Dá um passo para frente, presunçoso.
— Sei lá — dou de ombros — ele pode estar dentro de duas meias —
jogo.
Benjamim gargalha, fazendo seu corpo estremecer com a força da sua
risada.
Ele pega a minha mão, afasta o elástico e a enfia ali dentro.
Meus dedos se fecham ao redor do seu pau e sinto sua pele
extremamente quente e macia. O aperto levemente e sinto sua grossura.
Empurro meus dedos para que explore mais, indo até o seu testículo. Eu os
massageio e, em resposta, Benjamim geme.
— É, tenho quase certeza que é real — constato, voltando a segurar seu
pau.
— Jade... — Geme quando o aperto.
Eu me abaixo, sem me conter, e levo sua cueca junto comigo. Deixo-o
nu em toda sua glória e sorrio ao constatar que ele é imenso. A cabeça rosada
e o corpo grosso, com veias aparentes, me deixam levemente impressionada.
Benjamim me olha de cima e ergue as sobrancelhas, me instigando.
— Ajoelhou, tem que rezar — insinua, mexendo o quadril como se
rebolasse.
Coloco a língua para fora e o encaro, antes de lamber sua extensão. Me
dedico na tarefa de lambê-lo, molhando seu pau com saliva. Quando minha
boca captura a ponta, Benjamim sibila de tesão. Uso a mão direita para
masturbar metade dele enquanto tento chupar a outra metade. Mão e boca,
trabalhando em sintonia, para cima e para baixo.
— Puta que pariu! — Diz, com a voz rouca — pu-ta-que-pa-ri-u...
Movo a cabeça, indo mais fundo. Sinto sua pele quente contra minha
língua e esquento na mesma medida. Quero continuar chupando, quero fazê-
lo se perder..., mas me lembro que aquela não é uma simples transa. Ele não
deve gozar na minha boca.
Cesso o boquete e vejo o Benjamim abrir os olhos. Sua respiração está
acelerada, noto que o ar sai em lufadas rápidas.
— Quero você dentro de mim...
Me deito na cama, ainda de lingerie e abro as pernas. Afasto a calcinha
branca, mostrando minha boceta depilada.
— Porra, Jade, não queria que fosse tão rápido, mas você me levou ao
meu limite...
— Tudo bem, só me fode — peço, impaciente.
Benjamim está de pé, fora da cama enquanto eu estou totalmente aberta
para recebê-lo.
Ele não pode hesitar.
Uso minha perna para puxá-lo para mim e, com o impulso, ele se
inclina sobre meu corpo.
Tomo sua boca, segurando sua cabeça com firmeza, enquanto enfio
minha língua entre os seus lábios. Ele retribui, devorando minha boca na
mesma intensidade.
Ergo o quadril, buscando-o.
Ele pincela a entrada molhada.
Empurro o quadril contra seu corpo.
Ele me penetra de uma vez.
— Isso! — Incentivo contra sua boca.
— Que delícia, Jade — afasta os lábios — molhada, quente e tão
macia...
Sinto seu pau me preencher. Apesar de bem lubrificada, o tamanho e a
grossura dele se faz presente em cada centímetro que avança.
— Você é enorme mesmo — enfatizo.
— E sua boceta é mais gostosa do que eu poderia imaginar.
— Seu pau também é gostoso — elogio — como eu não reparei nisso
antes?
Ele não responde, está muito ocupado abrindo o fecho frontal do sutiã.
Sinto suas mãos apertarem os meus peitos, se apoiando ali para pegar
impulso e me foder.
— Perfeitos — elogia — preciso de tempo para saborear você inteira.
Estou explodindo.
— Mais rápido, Benjamim. Mais rápido! — Incentivo.
A calcinha me aperta mais quando ele a puxa de lado, liberando minha
mão da função. Ele acelera, entrando e saindo, com firmeza.
Eu grito, sentindo fundo.
Ele não para, me fodendo mais rápido.
Ouço o barulho do nosso sexo, molhado, se chocando um contra o
outro.
Mais rápido.
Mais forte.
Ele sibila, se contraindo.
Eu grito para que não pare.
Benjamim estremece, gozando.
Meu corpo relaxa, entregue.
*
Depois de gozar, Benjamim relaxa o corpo sobre o meu.
Rapidamente, ele se deita na cama ao meu lado. Passamos alguns
minutos em completo silêncio, naquela posição esquisita com as pernas fora
da cama. Encaro o teto sem saber se devo correr para o banheiro ou fazer
algum elogio a sua performance na cama.
— Vai ser estranho se eu reclamar da sua cama? — Ele quebra minha
dúvida sobre como interagir.
— Um pouco, qual é o problema dela?
— Não é bem um problema, mas aqui perto dos pés ela é bem
desconfortável para as minhas costas.
Eu viro meu rosto para encará-lo.
— Dor nas costas é um sinal da idade — digo.
— Somos da mesma idade — rebate.
— Mas minha coluna é jovem — minto.
— Vamos para o meio da cama que eu vou te mostrar algumas
posições que exigirão mais da sua coluna — ergue uma sobrancelha, em
desafio.
Sorrio, rolando até estar com a barriga na cama.
Sem me preocupar em ajeitar a calcinha torta ou a sujeira do seu gozo
entre minhas pernas, me coloco de quatro.
— Ah, sim, definitivamente podemos começar assim.
— Acha que está pronto para outra? — Pergunto, empinando a bunda
enquanto engatinho até o meio da cama.
— Estou quase lá — olho para trás e noto seu pau dando sinais de vida.
Benjamim se coloca atrás de mim, empurrando seu corpo contra o meu.
Ele se deita sobre mim, me obrigando a ficar imóvel embaixo dele. Sinto seu
pau roçando contra minha bunda.
— Por mais que eu queira foder sua boceta de novo, preciso fazer uma
coisa antes — sussurra contra o meu ouvido. — Vire para mim.
Ele se afasta e me dá espaço para que eu me vire, o que faço
rapidamente. Ele faz com que minha calcinha, finalmente, largue o meu
corpo e a descarta no chão. Sua mão direita toca meu pé e seus dedos
percorrem minha perna até o topo da coxa.
— Sua pele é perfeita — elogia, deixando os dedos irem até minha
barriga. — Não acredito que estou te olhando assim, nua, sabendo que posso
ir além de apenas admirar.
Seu rosto se aproxima da minha barriga e sinto sua língua quente
contra minha pele. Dali em diante, tudo é saliva e arrepio.
Enfio meus dedos em seus cabelos quando sinto sua boca se fechar ao
redor do meu mamilo. Benjamim chupa o bico com vontade antes de passar a
língua para provocá-lo. Aperto sua cabeça contra meu seio, indicando que
continue com força. Ele o faz, sugando e mamando. Quanto ele passa para o
outro seio, estou me contorcendo, sentindo minha boceta pulsar.
Benjamim beija minha boca, saboreando meus lábios e impondo sua
língua. Duelamos com desejo, sugando e arfando, girando o rosto e
melhorando o ângulo. Estico minha mão para alcançar sua ereção,
acariciando assim que consigo enlaçá-lo.
Somos gemidos e vontades.
Beijos intensos e mãos se explorando.
— Fique de quatro — pede, se afastando.
Obedeço, colocando os joelhos e as mãos na cama.
Eu sinto seu calor antes mesmo que ele me toque.
Benjamim se posiciona, acariciando minha bunda e meus quadris com
as mãos abertas. Sinto sua palma e me inclino contra ela. Ben aperta minhas
nádegas com firmeza e eu me derreto.
Ele testa minha umidade enfiando o dedo na minha boceta que
escorrega facilmente com o misto de sêmen e lubrificação.
Sinto sua ponta na entrada, me provocando.
Eu o quero.
Estou quente e desejosa.
Me empurro contra ele, fazendo com que entre alguns centímetros.
— Quer que eu te foda como? — Pergunta, tirando de mim sem sequer
ter me preenchido completamente.
— Forte e rápido — respondo, sem nenhuma dúvida.
— Como desejar — concorda, antes de me preencher.
Naquela posição, ele vai fundo. E como eu pedi, ele empurra com
força.
Grito ao senti-lo tocar meu íntimo.
Benjamim segura meu cabelo, torcendo os fios em seu pulso,
mantendo-os firme e então passa a estocar.
Rápido. Forte. Firme.
De novo e de novo.
Sinto suas bolas batendo contra mim.
Sinto meus seios se balançarem com o impacto.
Sinto minha boceta se contrair.
Gemo, grito e me preparo, sentindo meu corpo pegar fogo.
Ele não para, entrando e saindo, com vontade.
Meu coração acelera, minha pele esquenta e meu baixo-ventre se
contrai com sua última estocada.
Eu grito, me perdendo, sentindo meu mundo estremecer.
Ele chama meu nome e mantém suas investidas.
Até se perder em mim.
Sinto um corpo quente aninhando ao meu.
Meu braço direito sobre a sua cintura a mantém junto de mim, embaixo
de um lençol branco que nos cobre. Ainda está tudo vivido na minha mente:
meus lábios, dedos e pau explorando aquele corpo. Sua boca atrevida me
provocando com carícias e palavras, e o ápice de tudo: Jade explodindo em
prazer absoluto. Na ausência da câmera fotográfica, registrei aquela imagem
apenas em minha mente e, pela intensidade que ela ressurge, arrisco dizer que
ficará eternizada em minha memória.
Se alguém me pedisse para falar o que aconteceu nesse quarto eu não
conseguiria descrever com palavras, foi muito mais do que a minha mente
formulou desde o nosso último beijo na igreja. Estar dentro dela tinha sido
indescritível, assim como acordar e tê-la nos meus braços. Acordei há alguns
minutos, mas permaneci estático contemplando-a dormir tranquilamente
enquanto meu coração bate fora do ritmo.
O silêncio do quarto é cessado pelo som padrão do despertador do
celular. De imediato, fecho os olhos para não ser pego em flagrante fitando-a
enquanto dorme. O toque continua e o volume aumenta gradativamente. Jade
se mexe contra o meu corpo e finjo despertar nesse exato momento.
— Onde você pensa que vai? — Digo quando sinto sua mão tentando
se livrar do meu abraço.
— Preciso ir ao banheiro — retiro o braço que a mantém junto a mim,
ela se levanta da cama e corre até a suíte em uma velocidade que meus olhos
demoram a acompanhar.
Tenho apenas um vislumbre da sua linda bunda antes que a porta do
banheiro se feche em um baque.
Permaneço deitado na cama, aguardando o seu retorno e, mentalmente,
começo a formular a interação para quando ela sair do banheiro. Já estive
várias vezes na posição do “dia seguinte” e, em geral, converso sobre
amenidades ou faço alguma piadinha sobre a noite anterior. Mas todas as
piadas parecem inoportunas para dizer a sua melhor amiga. Talvez seja
melhor deixar as coisas acontecerem naturalmente, tomaríamos café juntos,
conversaremos nesse intervalo e todo o resto fluiria. É isso, vou agir
naturalmente.
Os minutos se passam e nenhum sinal dela, talvez Jade seja uma
daquelas pessoas que precisam de espaço e usam o banho assim que acorda
para consegui-lo. Isso é confirmado quando escuto o som do chuveiro sendo
aberto.
Algum tempo depois, a porta é aberta revelando uma Jade de expressão
séria, envolvida em uma toalha azul marinho. Ela não me olha nos olhos
quando fala.
— Tenho que correr para o trabalho! — Anuncia e em seguida abre a
porta do guarda-roupa, puxa uma gaveta e retira uma calcinha cor de rosa.
Ela veste a peça sem retirar a toalha e o mesmo acontece quando
coloca o sutiã sem alças. Tudo isso é feito de costas para mim.
— Eu te convidaria para tomar café, mas minha despensa está vazia —
ela se volta para mim.
— A gente pode comer na padaria a caminho da minha casa, o café da
manhã lá é muito bom — sugiro.
Jade se livra da toalha e veste um vestido azul claro por cima da
cabeça.
— Eu adoraria, mas se eu não sair de casa agora me atrasarei para a
reunião de equipe. Podemos tomar café lá qualquer outro dia — a expressão
em seu rosto está suavizada, mas sinto falta do sorriso da noite anterior.
— É, vamos outro dia... — Levanto da cama e recolho parte das roupas
que estão espalhadas pelo chão do quarto e começo rapidamente a vesti-las.
Há um clima entre nós, não chega a ser desconfortável, mas parecemos
dois desconhecidos constrangidos pós foda. É como se agora eu voltasse a ser
o seu melhor amigo e não o homem com quem ela transou na noite anterior.
Ou talvez você que esteja procurando pelo em ovo. De toda forma, sinto que
precisamos conversar sobre o que aconteceu, mas agora não é o momento
ideal. Não quero que ela se sinta pressionada.
— Vamos? — Jade pergunta.
— Vamos — descemos até a sala e ali pego minha camisa e o restante
dos meus pertences.
Fazemos o caminho até nossos carros em completo silêncio, Jade se
despede de mim com um beijo no rosto e um “a gente vai se falando”.
Quando entro no meu carro a minha ficha cai e uma risada alta e genuína faz
meus ombros tremerem.
Eu já tinha feito aquilo várias vezes.
Já tinha dito a dezenas de mulheres no pós sexo “a gente vai se
falando” sem nunca mais voltar a entrar em contato e agora estava sendo o
alvo das minhas artimanhas. Ponto para você Jade, mas você não vai se livrar
tão rápido assim de mim.
*
Confesso que passei o dia olhando o meu celular de cinco em cinco
minutos em busca de uma mensagem sua, mas ela não chegou. E essa
ausência de mensagens vindo dela é algo que eu não sei administrar. Não sei
se devo dar o primeiro passo e procurá-la ou se o ideal é aguardar que ela me
procure.
Até cheguei a digitar uma mensagem convidando-a para jantar, pensei
em um lugar mais romântico, queria agradá-la fazendo essas coisas que sei
que ela gosta, mas algo me paralisou e deletei a mensagem antes de enviar.
Fiquei com medo de estar acelerando as coisas e acabar afastando a Jade mais
uma vez, então me concentrei no trabalho. Todavia, ao fim do dia, quando
finalmente cheguei ao meu apartamento eu seguia sem uma mensagem sua e
com uma forte determinação em vê-la.
E é movido por essa determinação que saio do banho com o plano já
formado em minha mente. Apareceria em sua casa com o jantar, ela havia
dito que estava com a dispensa vazia e provavelmente não deve ter tido
tempo para ir ao supermercado. Assim, passo em seu restaurante japonês
favorito e compro comida, é a desculpa perfeita para não parecer o cara que
não superou a noite anterior.
— Trouxe o seu jantar e uma garrafa de vinho — digo animado quando
Jade se aproxima do portão.
A minha entrada é liberada e ficamos frente a frente, tudo que eu
consigo pensar nesse momento é o quanto ela é linda e como eu a desejo.
Movo o corpo em sua direção para capturar a sua boca, quando noto que ela
recua.
— Você não avisou que vinha… — Jade diz, desviando o olhar.
Ela veste um pijama longo, estilo americano, de cetim na cor pêssego.
É o tipo de roupa de dormir que a minha mãe usaria, uma peça que esconde
cada centímetro de pele, mas em Jade parece a mais atraente das camisolas.
— Você está linda.
— Hoje não é um dos meus melhores dias, sinto que fui atropelada por
um caminhão — sorri — mas ainda assim obrigada pelo elogio.
— Espero que tenha anotado a placa do caminhão que te atropelou,
talvez consiga encontrar o motorista…
— Que cheiro maravilhoso — desconversa— tem filé de salmão aqui?
— Aponta para as sacolas em minhas mãos.
— Sim.
— Que delícia, vou abrindo o vinho para adiantar — pega a garrafa da
minha mão e começa a se afastar rapidamente.
Assisto-a sumir do meu campo de visão e fecho o portão antes de
seguir ao seu encontro.
Minutos depois estamos sentados à mesa, com o nosso hashi em mãos,
atacando as peças da barca. Noto que Jade quase não toca na taça de vinho a
sua frente, mas em compensação come bastante.
Conversamos sobre o nosso dia no trabalho, digo que falei com meu
pai hoje e ele me enviou uma foto usando o presente, ela me recorda do
aniversário do Val que está se aproximando e pergunta se já comprei o
presente, eu nego e combinamos de ela me acompanhar na escolha.
As horas seguem e a conversa flui normalmente, damos risadas e
relembramos o passado, mas ninguém toca sobre o que aconteceu na noite
anterior.
— Sobre o que aconteceu ontem… — Dizemos ao mesmo tempo.
E isso nos leva ao riso.
— Primeiro as damas.
— Não seja cavalheiro, pode ir em frente.
— Por que tenho a impressão de que a noite anterior é tipo elefante
branco no meio da sala?
— Elefante? Onde? — Sorri — você é meu amigo… E o que tivemos
ontem foi muito bom, mas acho que deveríamos esquecer.
— Esquecer? — Arqueio a sobrancelha.
— É — enfatiza balançando a cabeça — fingir que nada aconteceu e
seguir como sempre fomos, como melhores amigos.
— Posso saber o motivo?
— Não quero estragar a nossa amizade — pontua. — Eu te conheço há
anos e já vivemos tantas coisas juntos... Acho que não devemos nos prender a
um momento de fraqueza de ambos e correr o risco de desatar nossos laços
de amizade.
— Eu não entendo como sexo pode estragar uma amizade, pelo
contrário acredito que ela pode fortalecer ainda mais os laços.
— Não quero dar continuidade a algo que a gente não consiga lidar
depois. Gosto muito de você e não quero correr o risco de perder o meu
melhor amigo por uma noite de sexo. Será que podemos voltar a sermos o
que era?
— É isso que você realmente quer?
— Sim — afirma sem titubear e aquilo me deixa triste.
— Uma amiga me disse que tínhamos atravessado uma linha que não
dava para voltar. Acho que ultrapassamos outra, mas se é o que deseja... —
dou de ombros.
— O que aconteceu ontem foi um ato impulsivo, estávamos a fim e
rolou. Mas não deve se repetir — esclarece.
— Ok, mas não rola um sexo de despedida? Sei lá para encerrar esse
assunto de uma vez por todas — mudo a tática.
É inegável que ambos gostamos e que, naquele momento, estamos com
muito tesão, então expressei a ideia.
— Para colocar uma pedra sobre o assunto? — Jade considera.
— Isso — finjo concordar.
— Só para nos certificarmos que o que rolou não deveria ter mesmo
acontecido… — Insinua.
— Isso é um desafio? — Arqueio a sobrancelha e ela sorri em resposta.
— Você acaba de me desafiar a provar que está errada.
— Faça o seu melhor.
O tom imperativo da sua voz me fez atendê-la imediatamente.
Dou a volta pela mesa para alcançá-la.
Levo a mão ao seu rosto e ergo o queixo, vendo as faíscas de desejo no
seu olhar e só então pouso os meus lábios no dela. A intenção era saborear
cada centímetro da sua boca com uma calma calculada para levá-la a
reconsiderar todas as suas determinações, mas Jade não compartilhava da
mesma calma e logo seus braços estão em torno do meu pescoço. Em uma
demonstração de ardor, a língua dela roça na minha antes de se enfiar com
vontade e reivindicar cada centímetro do que já lhe pertencia.
Seus dedos se enfiam entre os meus cabelos e ela puxa os fios quando
o beijo se torna mais lascivo. A sensação é de que eu não conseguirei
respirar, não pelo beijo, mas pela pressão crescente no meu peito que age
como um lembrete de que estou apaixonado.
Quero que ela saiba que ontem foi mais do que um ato impulsivo. Foi
uma escolha pautada pelas minhas vontades, eu a desejava mais do que já
desejei qualquer outra mulher na vida. Ontem eu fui um homem movido pela
paixão, uma paixão que fazia com que eu concordasse com qualquer cláusula
que ela determinasse, desde que me mantivesse por perto.
Quando nossas bocas se afastam, ela me encara. E se ela não
enxergasse em mim a dimensão dos meus sentimentos? Será que não estava
estampado em meus olhos, na maneira como meus lábios se empenhavam ou
na forma como meu corpo reverberava quando a tocava?
Por mais que ela não fosse capaz de retribuir, não era justo negar.
Talvez nunca fôssemos ficar assim tão próximos de novo, mas aquele desejo
de expressar isso me consumiria.
— Jade, eu… — Ela levou os dedos até os meus lábios, me
silenciando.
— Eu quero você dentro de mim.
Sorrio.
— Quero ter certeza de que esteja pronta para me receber… — Digo
levando os lábios até o seu pescoço, beijando a pele quente.
— Eu já estou desde que você me beijou. — Arfa quando mordisco seu
pescoço. — Não me negue o que eu tanto quero na nossa última vez.
Ela fica de pé e, sem esforço, a pego no colo. Dessa vez, não a levarei
até o quarto, coloco seu corpo com cuidado no tapete felpudo da sala. Se
aquela é realmente a nossa última vez, quero que a sala seja o palco. Assim,
sempre que eu a visitar, as imagens provarão que não foi um sonho.
Em tempo recorde, nos livramos das nossas roupas, jogando as peças
longe. Jade está nua, deitada sobre o tapete. Sua pele negra em contraste com
o tapete branco formam uma visão tão bela que deveria ser registrada em óleo
sob tela para ser exposta nos quatro cantos do mundo.
— Queria minha câmera para registrar você nesse momento — digo,
completamente fascinado.
— Que coincidência, eu também. Deveria ser crime ser tão bonito…
— Você me acha bonito? — Pergunto enquanto meu corpo vai ao
encontro do seu.
— Sem falsa modéstia, Ben. Você é lindo, mas a novidade recém-
descoberta é que se trata também de um grande gostoso — ela arqueia os
quadris e roça ao encontro do meu pau ereto — estou te dizendo isso porque
amanhã não tocarei mais nesse assunto, mas você é uma delícia.
— Se é assim, vou aproveitar para dizer que nem todas as horas que
pudesse passar comendo sua boceta seriam o suficiente para me satisfazer —
os olhos dela se arregalam — a sensação de estar dentro de você é
indescritível.
— Então, por que ainda não está dentro de mim?
— Estou fazendo o momento durar o máximo possível — confesso.
Deixo minha mão percorrer seu corpo até chegar ao meio das suas
pernas, sentindo sua boceta muito molhada. Enfio um dedo ali e ele escorrega
rapidamente, sendo praticamente engolido por ela.
— Que delícia, enxarcada — constato, empurrando mais um dedo.
— Pronta para você — se remexe.
Sua mão me procura, segurando minha ereção com vontade. Jade
coloca pressão no meu pau, me fazendo arfar de vontade, alisando da base até
a ponta.
— Me dê o que eu tanto quero — sussurra.
— E o que você quer? — Instigo.
— Quero gozar chamando o seu nome.
Ouvir aquilo faz meu coração acelerar.
— Vamos fazer isso acontecer — sorri.
Abro suas pernas, flexionando os joelhos, antes de me colocar entre
elas.
Não poderia perder outra chance, precisava sentir seu gosto.
Com a mão direita, uso meu polegar e indicador para abrir os pequenos
lábios, lambendo longamente sua boceta. Com a ponta da língua, repito o
gesto para me certificar de que ficarei completamente viciado no sabor Jade.
Beijo seu clitóris, sugando levemente para senti-la estremecer. De um
lado para outro, movimento a língua para estimular aquele pontinho que já
amo.
Jade geme, se remexendo inquieta.
Uso os dedos para manusear aquele corpo que se derrete sob meu
toque, fodendo a boceta com dois deles ao mesmo tempo em que uso a outra
mão para manipular o clitóris.
— Goza para mim... — Peço, sem parar de tocá-la.
— Quase lá — arfa, se contorcendo — não pare!
Não paro, continuo até sentir sua boceta se contrair ao redor dos meus
dedos.
— Benjamim! — Ela grita, estremecendo.
Me posiciono entre as pernas dela e, centímetro a centímetro, entrego o
que ela tanto deseja. Levanto suas pernas, passando por cima dos meus
ombros, em busca do ângulo perfeito e a penetro com mais intensidade.
Preciso tocá-la. Senti-la o máximo de tempo que eu puder, por isso,
diminuo o ritmo e mudo nossa posição, baixando suas pernas. Beijo sua boca,
sugando seus gemidos, antes de descer até os seus seios. Prendo o mamilo
entre os meus lábios, fazendo pressão sobre o bico enrijecido. Ela geme alto
quando meus lábios passam a sugá-lo. Chupo, mordisco e sugo seus mamilos
enquanto ela se remexe embaixo de mim.
Sinto que ela está perto de gozar novamente, então ergo uma das suas
pernas, segurando em sua coxa, e passo a penetrá-la com mais firmeza.
Meu coração bate rápido, eu chutaria que a mil por hora e respiro
fundo algumas vezes para me conter.
— Oh...
Gememos juntos, perdidos na intensidade do prazer.
Não paro, indo cada vez mais forte.
Sinto a boceta de Jade me apertar, em contração e logo ela grita o meu
nome, em mais um orgasmo.
Nossos olhares não se desprendem por um único segundo e me vejo
refletindo nela enquanto me derramo dentro dela, completamente entregue.
Deixo meu corpo recair sobre o dela.
— Obrigada — diz, soltando o ar pela boca para recuperar o fôlego.
— O prazer foi todo meu — rolo para o lado, levando-a junto comigo.
Jade não demora nos meus braços e rompe o contato dos nossos corpos
quentes e suados, ao se colocar de pé. Ela recolhe suas roupas espalhadas,
vestindo-as rapidamente.
— Amanhã eu preciso acordar cedo…
E ali está o muro sendo erguido entre nós, mais uma vez.
Visto as minhas roupas diante do olhar atento de Jade.
— Melhores amigos mais uma vez?
Ela pergunta, sorrindo e eu sou desmontado por aquele sorriso genuíno.
Não quero retirá-lo do seu rosto, então confirmo o que ela espera que eu diga.
— Melhores amigos.
Só não sabia por quanto tempo mais.
— Por que estamos bebendo café e comendo bolo como duas
senhorinhas? — Kelly questiona após olhar o ambiente ao seu redor.
Ela estava passeando no Parque Shopping Sul quando resolveu me
fazer uma visita e acabamos vindo até o café localizado no piso 3. A
cafeteria Amor em grãos é conhecida por sua variedade de cafés e bolos
caseiros, assim como por seu espaço harmonioso e aconchegante. Aquele é
um lugar ideal para beber um bom café e conversar por horas com a sua
melhor amiga. Principalmente, se a sua amiga tiver o cabelo penteado todo
para trás, finalizado com spray fixador e usar óculos de sol grande e escuro,
mesmo em ambientes fechados, tal qual as duas mulheres sentadas a três
meses de distância. Verdade seja dita, o público que mais frequenta a
cafeteria do shopping é composto de mulheres com mais experiência de vida,
digamos assim. Somos as pessoas mais jovens do lugar e as mais barulhentas
também, já que não paramos de falar desde que nos sentamos nas cadeiras
confortáveis.
— Somos jovens, deveríamos estar bebendo tequilas e não tomando
café — ela conclui em seu típico tom de indignação.
— São quatro da tarde de uma quarta-feira — respondo sorrindo. — E
o bolo de cenoura estava uma delícia, vai negar?
— Realmente estava divino — concorda sorrindo — mas não tente
mudar o foco da situação… — Kelly me encara como se estivesse pensando
em algo mega importante que poderia mudar a existência da vida humana na
Terra.
— Já sei — bate palmas, animada, e recebe um olhar reprovador da
mulher que estava concentrada no seu livro, mas minha amiga finge não notar
— vamos organizar uma despedida de casada para você! É isso, se não quiser
fazer uma festa, podemos ir para alguma balada, sem hora para voltar para
casa e zero pensamentos para o dia seguinte. Eu não posso, mas a senhorita é
livre para beijar todas as bocas e quem sabe escolher um, ou mais, para
terminar a noite no melhor sexo da sua vida.
Quando ela cita o “melhor sexo”, é inevitável não ser transportada para
as duas vezes que estive com Benjamim. Transar com ele foi o meu plano B
para ser mãe, mas a execução do plano não foi nada mecânica, eu realmente o
quis naquele momento e senti prazer em cada segundo. E quando ele se
derramou dentro de mim, foi esquecido o real motivo pelo qual tudo aquilo
estava acontecendo, éramos apenas duas pessoas completamente entregues ao
prazer.
Foi incrível, era como se ele tivesse o meu manual de instrução e
conseguisse me acender apenas com toques precisos. Mas foi preciso dar um
ponto final àquilo antes que terminemos nos magoando.
Ainda não sei se o meu plano impulsivo terá o efeito esperado, mas de
uma coisa eu sei: não o compartilharia com ninguém. Estou diante da minha
melhor amiga e sei que se eu contasse não seria julgada, mas não quero
envolvê-la nessa confusão, Benjamim é o nosso amigo em comum e se eu
engravidar mesmo dele, não quero que ele se sinta enganado por mais
ninguém, além de mim. Não quero que respingue nos nossos amigos a minha
decisão.
Não podia contar do plano, mas uma parte da execução é mais do que
possível, é necessário.
— E antes que você diga que não precisa, esse assunto já está decidido.
Você vai ser mãe em breve e vai ficar cheia de ocupações, então precisa
aproveitar cada segundo que anteceda a maternidade.
— Eu não ia discordar, mas é que sua ideia incrível chegou um pouco
tarde. Já tive a minha despedida de casada.
— Safada, escondendo o jogo esse tempo todo — sorri — e aí? Quem
foi o sortudo?
— Benjamim — o nome sai rapidamente dos meus lábios e esbarra
numa Kelly estática.
— O nosso Benjamim?
— Sim, mas foi um ato impulsivo — justifico.
— C - A - R- A - L- H- O! — Exclama alto e sinto todos os olhares
em nossa direção.
— Fala baixo ou seremos expulsas daqui.
— Como você quer que eu fale baixo depois que você me diz que
trepou com o Benjamim? — Indaga sorrindo — ok teve o beijo e a lua de
mel, mas vocês brigaram tanto que achei que as chances tinham acabado.
Agora me conta tudo, quero saber quem tomou a iniciativa, como foi, onde,
quero detalhes de tudo.
— Foi maravilhoso! — Afirmo — e aconteceu 2 vezes.
— Então, realmente foi maravilhoso — sorri — mas e os detalhes,
como aconteceu? O pau dele é grande?
— Você quer mesmo detalhes do pau do seu melhor amigo? —
Pergunto sorrindo — quer olhar para ele e imaginar quantos centímetros
tem?
— Ai, agora eu estou dividida entre a curiosidade e a decência — ri
alto com o seu comentário.
— Vamos seguir pelo caminho da decência, então — sorri — além do
mais não é legal sair contando os detalhes íntimos das pessoas.
— Você tem razão. Mas assim, só para dirimir uma dúvida que surgiu
aqui. É ok, bacana, tamanho não é documento destinado aos membros mais
tímidos, se é que me entende… — sorriu — o bacana que é a média do
brasileiro ou seria mais um benza Deus?
— Isso é a sua escala para saber o tamanho de um pênis? Nota-se que
você é mesmo de humanas quando abandona os centímetros.
— Não estou com uma régua no sexo — sorri — então criei uma
escala de percepções diante de um pau, que vai do tamanho não é documento
até o benza Deus que é onde o meu maridinho se encaixa.
— Eu não queria saber em que categoria está o pau do Val. Obrigada
por destruir a minha inocência — ela gargalha em resposta.
— Você já viu o pau de um amigo, qual o problema de saber como é o
outro?
— Chega, vamos parar de falar de pau.
— Não vai mesmo dizer em qual categoria o pau do Benjamim se
encaixa?
— Você viu o outdoor dele? — Kelly assente — então, é real. Não
usaram Photoshop.
— Uau — faz cara de espanto.
— Pois é, mas não importa, vou ser mãe e isso não vai se repetir.
— Jade, mães também se relacionam e transam...
— Mas não com seus melhores amigos. O que aconteceu com o
Benjamim foi gostoso, mas é passado.
— Ele está de acordo?
— Por que não estaria? — Arqueio a sobrancelha. — Você o conhece
tão bem quanto eu, sabe que fui apenas mais uma na lista interminável de
mulheres que Benjamim já transou. Aposto cem reais que nesse momento ele
está conversando com alguma modelo e fazendo planos para essa noite.
— Será? Tive a impressão de que depois do fim do seu casamento,
algo tinha mudado entre vocês.
— A única coisa que mudou foi que percebi que sou incapaz de odiá-lo
para sempre mesmo ele agindo como um idiota, algumas dezenas de vezes —
ela balança a cabeça em concordância — mas ele também é engraçado,
ouvinte, leal, carinhoso, gentil e meu melhor amigo.
— O melhor amigo que você trepou duas vezes, né safada?
— Dois dias com duas vezes seguidas em cada, mas isso não vai mais
se repetir.
— Espera até vocês ficarem sozinhos outra vez e a tensão sexual
explodir.
— Eu passei muitos anos ao lado dele e nada rolou.
— Mas agora aconteceu e não tem como negar que seu corpo
reconhecerá o dele.
— Não vai acontecer novamente! — Sentencio.
— Se você acredita nisso… — dá de ombros — o aniversário do meu
maridinho está se aproximando e os pais dele vão fazer um jantar só para a
família, mas pensei que no dia anterior nós quatro poderíamos jantar. O que
acha?
— Jantar? Somos jovens, por que não saímos para beber tequila? —
Perturbo.
— Palhaça — arremessa o guardanapo de tecido em minha direção —
eu queria, mas meu marido aniversariante prefere um jantar com os melhores
amigos. Então, pensei em irmos a um restaurante menos formal, abriu um
recentemente que tem um cardápio de comida de boteco, sabe? Torresmo,
petiscos, churrasquinho, frango à passarinho, mandioquinha frita.
— Já quero conhecer esse lugar.
— Eu também, amiga — afirma — então é isso, vamos para esse lugar!
— Aproveitando que estamos falando do aniversário do Val, preciso da
sua ajuda: o Benjamim me pediu auxílio para comprar o presente do Val, o
que ele quer ganhar?
— Pega o papel porque ele é muito indeciso…
Ela começou a listar todas as dicas de presente que o marido citou na
última semana e acompanho sorrindo. A lista vai desde uma camisa da
seleção brasileira até uma cadeira de transporte de carro para cachorro.
*
Todos os dias, antes de chegar na Pérola, eu perdia alguns minutos
namorando as vitrines das lojas infantis. Em especial, a da Mamãe e Bebê,
que traz todos os artigos imagináveis para se ter durante a gestação. Eu
encarava os sapatinhos vermelhos e me perdia na infinidade de vestidinhos de
todas as cores. Aquele é um hábito que adquiri desde a primeira vez em que o
Vitor e eu falamos sobre o futuro. Repassei, inúmeras vezes em minha mente,
a cena surpresa que faria quando o contasse que seria papai. Me imaginei
comprando um super presente e incluindo na embalagem o resultado do teste
positivo. Aquilo não chegou a acontecer, como todos nós sabemos, mas a
minha contemplação às lojas continuou fazendo parte da minha rotina e meio
que me ajudava a me manter focada no projeto mãe.
Minha menstruação costumava ser regular porque sempre fiz uso de
anticoncepcional para controlar os ciclos, parei de ingeri-los cerca de uma
semana antes da data do casamento. De lá para cá, não sabia definir o dia
exato que desceria, mas contando a partir da última, vinte e nove dias depois
(ou seja, uma a mais do que o esperado), eu corri até a farmácia e comprei
diversos testes de gravidez de marcas diferentes. Tentei controlar a ansiedade
por uns dias, fingindo ter paciência até o momento ideal para realizá-los com
receio de um falso negativo, as bulas apontavam essa possibilidade em
testagem precoce. Isso porque os testes de farmácia avaliam a quantidade do
hormônio HCG na urina para detectar a gestação, quanto mais cedo o teste é
realizado menor é a quantidade do hormônio no organismo.
Os dias passaram e então passei a ter alguns sintomas semelhantes ao
incômodo pré-menstrual. Meus seios ficaram mais sensíveis, meu humor
oscilava bruscamente e meu sono aumentou. Estava com medo e, por isso,
treinei meu cérebro para aceitar que não estava grávida e que partiria, de fato,
para a inseminação. Quando acordei com uma cólica branda no décimo
primeiro dia de atraso menstrual todo o meu treinamento cerebral foi por
água abaixo e, ainda sentada na cama, eu chorei.
Chorei porque sabia que tinha falhado.
Eu sabia, mas precisava da certeza absoluta para poder seguir em
frente.
Assim, me levantei naquela manhã e decidi que não custaria nada fazer
todos aqueles testes para não jogar tudo fora sem usar. Não foi fácil controlar
meu xixi por tantos minutos para realizar tal função, mas assim que consegui,
segui em frente como se não ligasse para os resultados.
Lavei o rosto, jogando água fria, antes de fazer uma breve rotina de
skin care. Quando me livrei de todos as máscaras e cremes, fui conferir os
testes.
E quase caí para trás quando vi o primeiro.
Positivo.
Olhei o segundo e deu a mesma coisa.
O terceiro também.
Eu estava grávida?
O quarto e o quinto testes diziam que sim.
Eu achei que fosse desmaiar.
Lembro que me deitei no chão e encarei o teto.
— Eu vou ser mãe — gritei alto para ninguém ouvir.
Estou grávida, finalmente! A informação foi seguida pelo meu
rompante em lágrimas, as lágrimas corriam livremente pelo meu rosto,
acompanhadas do meu sorriso, eu ria e chorava descontroladamente enquanto
encarava novamente os resultados.
O meu filho terá a possibilidade de ter um pai.
Caso deseje, ele poderá saber que o homem que o fez tinha rosto, nome
e história. E Benjamim? Bem, ele não precisaria saber a não ser que as
circunstâncias o obrigassem.
Você não será capaz de mentir se ele te perguntar, Jade. Não, não
seria. Não se omite esse tipo de informação, mas isso é assunto para se pensar
depois, se eu tiver sorte Benjamim sequer vai questionar.
Faço uma anotação mental para ligar para a clínica e dispensar o sêmen
do Alexander, não precisarei mais dele. Provavelmente será possível doá-lo a
quem estiver na busca e deseje um perfil como aquele. Doutora Mayra
saberia o que fazer.
Ali, sozinha no banheiro, comemorei a boa nova, com pulinhos e
gritinhos histéricos. Minha vontade era abrir a janela do quarto e gritar a
notícia até que ela se espalhasse e chegasse aos meus vizinhos, transeuntes,
prédios comerciais. Queria ligar para os meus pais, dizer à minha irmã que
ela seria titia, contar aos meus amigos, falar para as minhas funcionárias,
compartilhar nas redes sociais. Entretanto, mantive aquele momento único
exclusivamente para mim, com a mão na barriga ainda sem forma, celebrei a
chegada do meu filho em minha vida.
Gostaria de dizer que as coisas com Jade tinham avançado bastante,
mas a real é que voltamos as casas no tabuleiro do nosso jogo. De fato,
estávamos nos tratando como se as duas noites que tivemos juntos não
tivessem existido. Eu tentei ir até a casa dela, como sempre fazia, levando
jantar ou qualquer tipo de suborno comestível, mas ou ela estava dormindo
cedo (apagando todas as luzes e ignorando a campainha) ou havia se mudado
(e abandonado o carro que estava na garagem). Nos encontramos em ocasiões
diversas, inclusive para comprar o presente do Valmir, mas sempre
acompanhados de outras pessoas, por isso não consigo dizer se teria rolado
caso estivéssemos a sós.
O aniversário do nosso amigo será amanhã, mas hoje nosso quarteto
está junto e misturado em um restaurante comemorando antecipadamente.
Jade se ofereceu para ser a motorista da rodada, por isso não está bebendo.
Desde que ela desceu do carro, notei que havia algo diferente. Não sei
exatamente o que é, mas seu semblante está diferente. Mais cansado, talvez?
— Aconteceu alguma coisa, Jade? — Pergunto, quando nos sentamos
na mesa de madeira com estilo de boteco que combina com o restaurante.
Ela está sentada na cadeira ao meu lado, do outro se encontra o Val
com sua esposa logo em seguida.
— Como assim? — Ela devolve a pergunta.
— Você parece cansada... — Comento.
— Está insinuando que toda base que usei não disfarçou minhas
olheiras? — Sai pela tangente.
— Você está linda como sempre, amiga. Benjamim que gosta de
implicar com você — Kelly elogia, fazendo Jade sorrir.
— O foco dessa noite não sou eu — ela aponta para o Valmir — fala
aí, idade nova.
— Sempre me disseram que dava azar comemorar antes — ele informa
— se eu não passar de meia-noite a culpa é de vocês.
— Não vamos bater os parabéns — informa Kelly — é uma saída
comum entre nosso quarteto.
— Vamos pedir? Estou doido para comer uma porção de torresmo —
digo.
— Olha só, o muso fitness vai cair em tentação — meu amigo perturba.
— Refeição livre — informo, dando de ombros, antes de chamar o
garçom.
*
A conversa corre livre entre nós, como sempre, até os pedidos
chegarem. Quando minha cheirosa porção de torresmo é colocada em minha
frente, eu quase salivo. Já minha amiga, não reage da mesma maneira. Não
tinha notado até Jade se levantar da mesa pela terceira vez em menos de trinta
minutos.
Quando ela retorna, eu a observo mais atentamente. Jade é negra, tem a
pele mais linda que eu já toquei, mas noto naquele segundo que ela parece
pálida. Seus olhos desviam da mesa com constância e ela se mostra bem
desconfortável. Ela tenta sorrir e disfarçar, mas quando se levanta, dez
minutos depois de acabar de voltar, eu decido ir atrás.
— Vou ver o que está acontecendo — informo, me levantando.
O banheiro feminino fica ao lado do masculino e, seguindo o estilo de
boteco, possuem apenas uma cabine para cada gênero. Assim, noto a porta
trancada e não consigo entrar, mas me esforço para ouvir o que está
acontecendo lá dentro. Sei lá, vai que ela esteja chorando, eu posso ouvir e
perguntar se quer ajuda.
Mas o que ouço não é o som de choro, estava mais para uma enorme
onda de ânsia de vômito. Os sons que atravessam a porta se dividem entre
tosses e engasgos, além de líquido sendo expelido.
Ela está vomitando.
Jade está vomitando pela quarta vez em pouquíssimo tempo.
Será que...
Antes que eu termine de formular o pensamento, Kelly se aproxima.
— Está pensando em invadir o banheiro feminino? — Kelly me
pergunta.
— Estou — sorrio — acho que ela está passando mal.
Jade abre a porta e dá de cara conosco ali parados.
— Você está bem? — Pergunto e ela assente — eu ouvi você vomitar
— completo.
— Eu preferia que não tivesse escutado — sorri — está tudo bem.
— É o que eu tô pensando? — Kelly pergunta, em expectativa.
— Sim — Jade responde e eu imagino que exista uma conversa
paralela para qual não me entregaram o código que traduz.
— Parabéns, a inseminação deu certo — Kelly comemora, agarrando
Jade em seus braços. — Você vai ser mãe!
— Sim, eu vou ser mãe! — Repete, eufórica e noto lágrimas se
formarem nos olhos de ambas.
Quem olhasse de longe acharia que estão bêbadas, chorando enquanto
se abraçam.
— Não vai desejar parabéns a mamãe do ano, Benjamim? — Kelly
indaga, se afastando.
— Claro — sorrio, ainda absorvendo a notícia. Eu me aproximo e a
aconchego em meus braços. Seu cabelo cheiroso invade os meus sentidos, me
embriagando por alguns segundos — parabéns.
— O que vocês estão comemorando sem mim? — Val chega para
completar o quarteto.
— A minha gravidez — anuncia — você vai ser titio!
— Isso pede um brinde — ele diz sorrindo.
— Um brinde de água mineral — sua esposa sugere e voltamos para a
mesa.
Jade não quis que o foco se virasse para ela, por isso não deu muitos
detalhes sobre o processo que levou até sua gravidez. Não comentou sobre a
ida a clínica ou como tudo aconteceu e aquela omissão de informações me
deixou com uma pulga atrás da orelha. Por mais que alegasse que deveríamos
focar na comemoração do Val, ela sempre foi muito faladeira e aqueles
detalhes todos com certeza teriam sido dissecados por horas.
— Jade, você não comeu nada e já foi ao banheiro mais duas vezes,
acho que podemos encerrar a noite, né amor? — Kelly sugere.
— Claro que sim, ainda mais que não deu meia-noite ainda e isso
garante longa vida — perturbou.
— Eu sinto muito mesmo por encerrar as coisas antes, mas vocês
fariam isso por mim?
— Por vocês — Kelly abre um largo sorriso — por você e por esse
bebezinho que titia vai mimar muito.
— Então, vamos — concordo e peço a conta.
*
Dentro do carro a conversa seguiu animada e dividiu espaço com a
música de fundo que saía das caixas de som acopladas no painel. Primeiro,
ela deixou o casal em casa e, mais uma vez, foi parabenizada com abraços e
beijos. Me despedi de ambos da mesma maneira e, então seguimos até ela
parar em frente ao meu condomínio.
— Será que você poderia me avaliar com cinco estrelas? — Ela brinca,
puxando o freio de mão.
Eu a encaro, do banco do carona e tento absorver tudo que sinto ao
fazê-lo.
Queria abraçá-la e pedir uma chance para que tentássemos, mas
naquele segundo tinha algo mais urgente para esclarecer.
— Jade, eu posso te fazer uma pergunta? — Solto o cinto de segurança
e me viro para prestar atenção em todas as suas nuances.
— Claro...
— Existe alguma possibilidade desse bebê ser meu filho? —
Questiono, colocando para fora de maneira direta a minha maior dúvida.
— Benjamim — ela olha para frente, sem me encarar quando continua:
— preciso deixar claro que não deve se preocupar com nada, que eu assumo
toda responsabilidade sobre isso e que...
— E? Então, quer dizer que sim? Sou o pai do seu filho? — Interrompo
em busca da confirmação.
— Não — ela me olha nos olhos — você não é o pai, mas foi o homem
que me doou o sêmen.
— O homem que doou o sêmen? Que porra é essa? — Passo a mão
pelo rosto. — Eu devo estar muito bêbado porque eu tenho certeza de que
acabei de escutar você dizer que eu sou o doador de sêmen e não o pai do
filho que você espera.
— Você ouviu corretamente — pontua — sua paternidade pode até ser
biológica, já que foi o seu sêmen que gerou esse bebê, mas todo o resto
continua igual.
— Você consegue se ouvir? — Pergunto, irritado — está me tratando
como se eu fosse parte da sua fertilização in vitro quando, na verdade, nós
fodemos!
Ela fecha os olhos e fala com toda calma que existe no mundo:
— Ser pai nunca esteve nos seus planos, pelo menos não naqueles que
você compartilha abertamente, então não se preocupe que nada irá mudar na
sua vida. Não vou colocar esse peso sobre os seus ombros, não pretendo ter o
seu nome no registro e muito menos vou cobrar qualquer contribuição
financeira...
— Eu não sou um dos espermas que você compra em um banco
qualquer — rebato irritado — você não pode me reduzir a isso.
— Você pode, por favor, sair do meu carro? Estou exausta e enjoada,
preciso de um banho e da minha cama — Jade pede quase em tom de súplica.
— E seu eu não quiser?
— Benjamim, entenda que você não tem que querer nada, o filho é
meu, apenas meu — sentencia — não fiz tudo que eu fiz para lidar com a sua
consciência moral, já tenho que lidar com a minha.
— O que você quer dizer com consciência moral? — Questiono e, por
um segundo, sou transportado para a primeira noite que ficamos juntos... Me
lembro que abriu o portão de robe, coisa que nunca faria por causa dos
vizinhos. — Por que me convidou para ir à sua casa naquela noite?
Ela fecha os olhos e quando volta a me encarar, noto que estão
marejados. E me preparo para o que vem pela frente.
— Eu estava desesperada — confessa — eu tinha acabado de ouvir dos
meus pais que engravidar de um desconhecido não seria benéfico para o meu
filho, que ele poderia sofrer na infância por ser diferente dos coleguinhas. E
quando você me ligou, bem, aquilo parecia que era uma espécie de sinal
divino para as minhas inquietações. Era a oportunidade perfeita de realizar o
meu sonho de ser mãe, eu não estaria sendo egoísta, meu filho teria um pai
com rosto, nome, endereço...
Cada uma daquelas palavras parece uma pedrinha sendo jogada sobre a
superfície calma de um lago. Uma a uma, elas estremecem a água quando a
atingem.
— Nada foi real?
— Você quer saber se eu encenei durante o sexo? — A ironia do seu
tom está mais que clara, ainda assim, me irrita profundamente — acha que
sou uma atriz pornô, Benjamim?
— Você encena muito bem, se decidir investir no ramo fará muito
sucesso nas telas — jogo e me arrependo das palavras no segundo seguinte.
Mas é tarde demais.
Me movo no momento em que percebo sua mão se erguer, ela vem em
direção ao meu rosto, mas a detenho no ar antes que me atinja.
— Me solta! — Ela pede furiosa, mas mantenho os meus dedos
fechados em torno do seu pulso.
— Você mentiu para mim — acuso, magoado por tudo aquilo.
— Agora você sabe exatamente como é se sentir traído por um amigo
— puxa o braço para se soltar e eu permito — estamos quites, Benjamim.
Sua frase dói muito mais do que o tapa que pretendia me dar.
— Não, Jade, não estamos. O que você fez muda completamente os
rumos da minha vida.
— Acho que não percebeu, mas você fez exatamente o mesmo, por
isso estamos aqui agora.
— Eu tinha um propósito e ele visava seu bem-estar. Fiz tudo por você.
Ela respira fundo, puxando o ar lentamente.
— Ser mãe é um dos meus maiores sonhos e você me permitiu
concretizar, sem culpa ou receio do futuro — as lágrimas se acumulam nos
seus olhos — e eu serei eternamente grata a você, mas eu não alteraria uma
linha do que fiz. Eu estou cansada, quero ir para minha casa.
— Tudo bem — concordo, não adiantaria nada continuar naquele
momento — então, amanhã à noite passarei em sua casa para conversarmos,
tudo bem?
— Sim, mas amanhã continuarei pensando da mesma forma.
— Até amanhã, Jade — abro a porta do carro.
— Boa noite, Benjamim — ela acena e aguarda que eu feche a porta
para que possa seguir.
Quando seu carro vai embora, eu olho para o céu estrelado e não sei o
que pensar.
Eu serei pai?
*
Passei a noite praticamente em claro, me virando de um lado para o
outro da minha cama. Pensei nos rumos que as coisas estavam tomando e não
sabia exatamente o que fazer. Se antes Jade só me queria como amigo, agora
ela deixava claro que não tinha a menor chance de isso mudar, uma vez que
não estava nem considerando a importância da minha participação na
concepção do bebê.
Precisava dividir isso com alguém, por isso acabei ligando para o Val,
mesmo sabendo que era seu aniversário e que ele poderia querer passar
algumas horas a mais com sua mulher na cama naquele dia.
Como um bom amigo, ele além de atender minha ligação, me permitiu
fazer uma visita. E mais, Valmir não me deixou perceber se aquela visita o
irritava.
— Você está com um grande problema! — Ele afirma após ouvir o
meu extenso relato de como acabei me tornando pai do filho de Jade.
— E você acha que eu não sei? — Levo as mãos à cabeça — passei a
noite rolando de um lado para o outro da cama pensando em como solucionar
esse problema e ele sempre esbarra na Jade. Ela é irredutível, você sabe.
— Ela tem os motivos dela... — Valmir não se amedronta com a cara
feia que lanço para ele e continua: — Jade passou esse último ano fazendo
planos para construir uma família, não era novidade para nenhum de nós o
quanto ela queria ser mãe e agora que ela conseguiu realizar o seu sonho deve
estar se sentindo acuada por causa da forma como tudo se deu.
— A Kelly disse tudo isso para você através de um ponto eletrônico?
Meu amigo ri alto em resposta.
— Eu não quero forçar nenhuma barra, mas acho que devo assumir a
paternidade — justifico.
— Por quê? — Val cruza os braços.
— Porque é o que eu faria se fosse com qualquer outra mulher, não
fugiria depois de engravidar alguém.
— Bom argumento, mas? — Descruza os braços e faz gestos com as
mãos, me indicando para ir adiante e continuar justificando.
— Ok — continuo — acima de tudo porque estou apaixonado por ela.
Eu não sei como começou, mas um dia Jade deixou de ser a minha melhor
amiga e passou a ser a mulher que fazia o meu coração bater mais rápido,
alguém que eu queria passar qualquer mínimo minuto ao seu lado. Eu estou
tão apaixonado que aceitei voltar a ser a merda do seu melhor amigo, apenas
para não perder o contato. Entretanto, agora não dá mais para disfarçar. Não
posso negar o quanto eu fiquei assustado com a ideia de ter um filho, mas ao
mesmo tempo isso me deixa feliz, sabe?
— Você já disse tudo isso a ela?
— Sobre estar apaixonado? — Ele assente — até tentei, mas ela insiste
que somos apenas amigos. Além do mais, eu não sei se é recíproco. Você
acha que é? — Pergunto em expectativa, pois se tem alguém a quem Jade
pode ter falado sobre nós era a esposa dele. E se ela falou, Val deve saber
essa resposta.
— Eu não posso dizer se é recíproco, mas não podemos negar que ela
te escolheu para ser o pai. Ela poderia ter ligado para o Vitor se o plano era
apenas ter um doador de sêmen conhecido.
— Você tem razão. Ela me escolheu — concordo tomado por uma
súbita esperança — mas o que eu faço agora?
— Mostre que ela fez a escolha correta. Prove que é digno de ocupar o
papel de seu companheiro e pai do seu filho. Mas faça isso além das palavras
bonitas e declarações, mostre com seus atos que você é mais do que o amigo
engraçado. Apresente o homem íntegro, leal e...
— Gostoso — completo — ela disse que eu sou gostoso.
— Então, mostre que esse corpo gostoso está disposto a trocar fraldas,
cantar música de ninar, alimentar e cuidar dela e do bebê. Faça Jade enxergar
que você pode ser o companheiro ideal nessa jornada, sem pressão ou
cobranças, apenas esteja ao lado dela. Deixa que o destino se encarregue do
resto.
— Eu te amo, cara — levanto da cadeira e começo a recolher os meus
pertences sobre a mesa. Pego o telefone da mesa e disco o número do ramal
— desmarque os meus compromissos do resto do dia, diga que tive um
imprevisto — informo a secretária — Obrigado.
— Aonde você vai? — Ele pergunta diante da minha agitação.
— Começar a colocar o plano “missão pai” em ação. Me deseje sorte.
— Boa sorte.
— Obrigado por tudo e feliz aniversário, cara.
— Não vem com feliz aniversário, quero um presente extra por ter me
tirado dos braços de Kelly para ficar aqui na cozinha com você por duas
horas inteiras.
— Vou comprar, você merece — sorrio e me despeço.
Vamos lá, Benjamim, você consegue.
Eu vou ser pai.
Pai de um filho da Jade.
Jade, minha melhor amiga.
Tudo isso parece irreal. Surreal até. Mais surreal ainda é ela achar que
eu não devo me preocupar com nada, pois para todos os efeitos eu sou o
doador de sêmen. Confesso que me senti ultrajado por ela sequer considerar
minimamente a hipótese que eu pudesse assumir a paternidade. Será que ela
não me achava digno para a função? Isso me tornava inferior ao traidor com
quem ela planejou uma família?
Não importa. Eu me tornaria digno.
Conversar com o Val ajudou a organizar os meus pensamentos e a
decidir como seria nossa conversa. Eu não ia conseguir resolver todos os
meus problemas de uma vez, então resolvi começar pelo caminho do coração
de Jade.
Quando paro o carro em frente à casa dela, me sinto nervoso feito um
adolescente quando vai pedir a primeira garota em namoro. Depois de travar
o carro, pego a sacola e paro de frente ao seu portão, tocando. Jade se
aproxima e permite minha entrada. Eu a acompanho, um passo atrás, até estar
em sua sala.
— Vou ao banheiro e já volto — informa, subindo as escadas.
Ela havia comentado, um tempo atrás, que o banheiro social estava
com algum tipo de problema que não me recordo no momento, ao que parece
ainda não havia resolvido.
Ainda estou nervoso quando me sento no seu sofá, fico um pouco mais
quando encaro o tapete e me lembro do dia em que a tomei ali. Será que
nosso filho foi concebido ali ou na noite anterior, em sua cama?
Respiro fundo quando a vejo voltar, com medo de atropelar as palavras
e acabar colocando tudo a perder.
— Eu não estou aqui para brigarmos — digo, quando ela se senta ao
meu lado.
— Ainda bem, porque estou indisposta.
— Você está sentindo algo?
— Eu tô grávida e aparentemente meu corpo já se deu conta disso e
está me atacando — sorri.
— Jade, sei que isso tudo é muito novo, mas quero começar te dizendo
que se você tivesse me contado, se me pedisse para ser o pai do seu filho eu
teria dito sim imediatamente.
Vejo a surpresa ser estampada no seu rosto, seus olhos se abrem um
pouco mais enquanto ela me encara.
— Se tivesse me pedido para doar meu sêmen, antes de qualquer coisa,
eu o faria, mas preciso que saiba que eu preferi fazer do jeito tradicional —
sorrio e ela me acompanha em um sorriso iluminado.
— E se você me dissesse não? Eu não podia arriscar, não tinha como
saber, entende?
— Não vou fingir que entendo por que voltaremos até as situações
hipotéticas. Sei que sua confiança em mim foi abalada uma vez, mas saiba
que eu continuo confiando em você e nas suas escolhas.
— Não está chateado por eu ter usado você?
— Talvez um pouco por ter feito isso apenas duas vezes.
— Ah, por favor, Benjamim — ela sorri.
— O que eu preciso fazer para que você entenda que eu estou disposto
a qualquer coisa que me pedir? — Permito que minha mão vá até o seu rosto
e ela não recua diante o meu toque.
Seus olhos pretos estão quase inundados quando, delicadamente, passo
a acariciar a sua face.
— Prove isso apoiando a minha decisão — uma lágrima escorre pelo
seu rosto — respeite as minhas escolhas e seja apenas o meu melhor amigo
nesse momento tão especial da minha vida.
— Você não pode me pedir isso — seco a lágrima que escorreu. —
Trouxe um presente para você.
Pego a bolsa que deixei no chão e retiro de dentro dela uma caixa
grande e retangular, pousando-a sobre seu colo.
— Presente de aniversário fora da data? — Funga, tentando afastar a
emoção.
— Abre.
Jade desfaz o laço amarelo que mantém a caixa fechada e, com toda
delicadeza, retira a tampa e a coloca ao seu lado. Quando seus olhos se
voltam para o interior da caixa noto o brilho no seu olhar. Seus dedos pegam
o porco de pelúcia e eu me pergunto o que ela vai achar de tudo que comprei.
Tinha ido ao Shopping mais cedo apenas para comprar o primeiro álbum do
bebê, um livro pronto para ser preenchido com as informações, mês a mês, do
crescimento dele. O presente serviria para mostrar que eu queria acompanhar
o crescimento dele, como um pai faria. Mas acabei indo além e sai da loja
com chupeta, body, sapatinho de tricô e o porquinho de pelúcia.
— Eu estava pensando em chamá-lo de Pig, mas não quero influenciar
você...
— Eu gosto de Pig — ela sorri.
E segue explorando os outros presentes com um olhar de
encantamento, vejo a emoção transbordar pelos seus olhos quando ergue o
body e lê a frase “mamãe do ano”. As lágrimas caem feito cascata, mas o
sorriso permanece em seu rosto e posso jurar que naquele momento ele é
ainda maior.
— O que é tudo isso? — Indaga com a voz embargada.
— É a forma que encontrei para expressar que eu quero colecionar
memórias com esse bebê que você espera. Quero acompanhar essa gestação.
Não estou pedindo nada, além de que você permita que eu seja o seu melhor
amigo, alguém que estará ao seu lado no momento mais importante da sua
vida. Permita que eu seja a mão amiga que você vai segurar caso as coisas
fiquem pesadas demais.
— Por que você está fazendo isso?
— Você ainda não entendeu que estaremos ligados para sempre? Eu
não vou embora da sua vida, você já tentou me expulsar uma vez e não surtiu
efeito — ela sorri — somos mais felizes quando temos um ao outro
— Você não é nada convencido.
— Vamos construir mais esse capítulo da nossa história lado a lado.
— Eu realmente fico muito feliz em saber que posso contar com você,
mas não quero que se sinta na obrigação de nada. Falei sério quando disse
que o bebê seria meu. Eu tomei a decisão sozinha e estava consciente do que
ela acarretaria.
— Não estou aqui por obrigação, mas sim porque te amo e, por tabela,
amo o bebê que você carrega. Eu sei que nos últimos anos passei a imagem
de que sou só um corpo gostoso, um homem cercado de modelos e festas,
mas posso ser mais do que isso. E você sabe disso, tanto que dentre qualquer
homem me escolheu para ser o pai do seu filho. Será que eu não mereço a
chance de provar que posso ser o pai que você tanto procurou?
Jade me olha em silêncio e sinto meu coração paralisar enquanto
aguardo a sua resposta.
— Consegue uma vaga na sua agenda para me acompanhar no primeiro
ultrassom do bebê?
Meu coração não volta ao ritmo normal, ele bate descompassadamente
e feliz.
— Toda a minha agenda está à sua disposição, quando quiser, a
qualquer momento.
*
Enquanto estava no trabalho, fotografando as mãos de uma modelo
para uma campanha de esmaltes, me peguei pensando em Jade e no bebê. Em
um segundo, consegui visualizá-la de frente para minha lente. Não mais em
fotos que ressaltam suas joias, mas em uma sessão para eternizar os
momentos da gravidez. Eu já conseguia ver como tudo seria e como, depois
de nove meses, as fotos contariam a história da sua gestação.
Com isso em mente, saio do estúdio na hora do almoço e dirijo para o
shopping, para passar na joalheria e lançar a ideia para a mãe do ano. Quando
entro na Pérola, saúdo as funcionárias e sigo até a Ana, que no momento não
está com cliente.
— Oi, Ana, pode avisar a Jade que estou aqui?
— Ela não está, passou menos de uma hora aqui porque ficou
indisposta.
— Muito obrigado, então. Vou ligar para ela — saio de lá já discando
os números de Jade que não me atende.
Dirijo rapidamente até sua casa, imaginando o que pode ter acontecido
para ela largar o trabalho. Jade dificilmente o faria, então pode ser que esteja
sentindo muita dor ou algo mais grave...
Quando chego em frente ao seu portão, solicito sua presença.
— Que droga, vou pedir uma cópia da chave, se a Kelly tem, eu
também posso ter. Como vou ajudá-la se estiver passando mal e sem
conseguir se levantar? — Questiono em voz alta mesmo sem ter ninguém me
ouvindo.
Toco a campainha quatro vezes antes de receber um indício de sua
presença, que se deu através de um grito de “já vou”. Alguns segundos
depois, ela aparece.
Jade está usando uma camisa grande e folgada que facilmente poderia
pertencer a um homem de 200kg, pois é enorme. Seus cabelos estão presos
no alto da cabeça, mas totalmente desalinhados e seu rosto está um pouco
mais inchado.
— Já estava prestes a derrubar o portão — aviso, aflito — o que
aconteceu? Estive na Pérola e me disseram que estava indisposta.
— Oi para você também — responde sem humor, permitindo minha
entrada — estava dormindo e você me acordou.
— Dormindo a essa hora? — Pergunto enquanto atravesso o caminho
da garagem até a sua porta.
— Não sabia que meu sono tinha que estar cronometrado no seu
relógio.
— Já comeu? Seu humor está terrível.
— Tente estar enjoado o tempo inteiro e não conseguir comer, depois
me diga como seu humor fica.
— Ok, ok — sorrio — como você está?
— Sinto-me uma bomba relógio prestes a explodir. Tem dias, como
hoje, que só quero permanecer embaixo do edredom e ignorar a existência do
mundo ao meu redor.
— São os hormônios, em especial a progesterona e o estrogênio, ambos
atingem níveis muito elevados durante a gravidez, eles influenciam as
oscilações de humor, então é natural se sentir como uma bomba relógio
prestes a explodir.
— Você adquiriu esse conhecimento no livro do pai de primeira
viagem? — Indaga com a sobrancelha arqueada.
Passei os últimos dias imerso no universo dos bebês. Um universo
completamente caótico e complexo, é insano pensar que um embrião menor
que um caroço de feijão se desenvolverá no útero da Jade e seguirá ali
protegido até que esteja pronto para nascer.
— Não, aquele livro não levou em consideração que um pai poderia
querer acompanhar o desenvolvimento do seu bebê desde o útero. Então,
voltei à livraria e adquiri um novo livro, este engloba desde a gestação até os
primeiros cuidados do bebê. Ele faz uma cronologia do desenvolvimento do
feto do bebê e também da mãe — ela me encara com ar de surpresa.
— Nunca imaginei que você estaria lendo um livro sobre gestação.
— Quero entender como tudo funciona e não dar nenhuma mancada
com você, afinal estou no estágio probatório para ser pai. Quero ser aprovado
com louvor.
— Você começou bem — afirma sorrindo — agora me conta mais
sobre esse livro. Acho que vou querer ele emprestado.
Passamos os próximos minutos falando sobre o livro e noto que seu
humor vai melhorando aos poucos.
*
Um bebê se desenvolve semana após semana, passando por várias
transformações. Nós podemos acompanhar algumas delas através do
ultrassom e estou bastante ansioso para saber como será isso. Estou
completamente envolvido por esse mundo que descubro através dos livros e
blogs de maternidade. Preciso confessar que a maioria dos conteúdos é
escrito por mulheres e me sinto até mal pelo pequeno número de homens que
se dedicam ao assunto, como se gravidez fosse um assunto restrito ao sexo
feminino.
Finalmente chegou a hora de acompanhar o desenvolvimento do bebê,
o seu tamanho, acompanhar as suas posições e movimentações dentro do
útero, além de avaliar os seus batimentos cardíacos, através da
ultrassonografia obstétrica. O relógio de parede da clínica indica que cheguei
trinta minutos antes do horário combinado e como eu já imaginava, Jade já
aguarda na sala de espera. Ela sorri quando nota a minha chegada.
— Você veio.
— Eu disse que estaria aqui. — Sento-me ao seu lado, no sofá de dois
lugares — ansiosa?
— Muito — solta o ar com força — não dormi direito pensando que
hoje é o dia de saber se o bebê está se desenvolvendo corretamente. E se tiver
algo errado com ele? — Noto o temor em seus olhos assustados.
— Ele vai estar bem.
— Você não pode ter certeza — discorda — quer dizer é o meu desejo
profundo que ele esteja saudável, mas e se não estiver? — Uma lágrima
solitária corre pelo seu rosto e ela se apressa em secar.
— Tem razão, eu não posso prever o futuro, mas se eu estiver errado
estou aqui para segurar a sua mão — estendo a mão para ela — vamos passar
por qualquer coisa juntos, tudo bem?
A sua resposta é entrelaçar os dedos aos meus e não se afastar do meu
toque pelo tempo seguinte.
— Obrigada — ela sussurra.
— Não me agradeça por fazer minha parte — pisco para ela.
No horário agendado o nome da Jade é anunciado e somos guiados até
a segunda sala à esquerda, onde um homem de fios brancos e óculos de
armação grossa nos aguarda sorridente. Ele nos cumprimenta e depois pede
que Jade erga a camiseta e se deite na maca.
— É o primeiro filho do casal? — Ele pergunta enquanto espalha o gel
pela barriga de Jade.
Ela me olha em desespero como se não estivesse pronta para responder
essa pergunta. Não sei se a ausência de palavras é por não saber denominar o
que temos ou apenas constrangimento da situação.
— Desculpa, você não é o pai? — O médico pergunta diante do
completo silêncio.
— Sou, mas não somos um casal.
— Isso, ele é o meu melhor amigo.
O homem volta a nos fitar e vejo o sorriso em seu rosto quando se volta
para mim.
— A minha esposa também era a minha melhor amiga e isso não
impediu que eu me apaixonasse por ela — sorri — temos três meninos e no
próximo mês completamos 30 anos de casados.
— Meus parabéns adiantado — sorrio com a simpatia dele.
— O amor entre amigos é mais fácil porque o sentimento já existe e
quando menos você percebe, ele se transformou em algo maior — suas
palavras flutuam pelo ar.
Foi exatamente assim que aconteceu comigo. Eu amava Jade como
amo meus amigos, mas o sentimento se transformou e se tornou algo latente
no meu peito. Algo que faz com que eu anseie pelo dia que ela corresponda
aos meus sentimentos.
— Sim, é o nosso primeiro filho — Jade responde à pergunta inicial.
— Então, agora vamos aquietar um pouco o coração de vocês — ele
diz deslizando o aparelho sobre a barriga. Jade captura a minha mão e a
mantém junto a sua. — Estão vendo esse pequeno pontinho? — Aponta com
o mouse — ele é o bebê de vocês.
— Ele é tão minúsculo — Jade comenta olhando fixamente o monitor.
— Sim, ele tem aproximadamente o tamanho de uma framboesa — o
médico responde — está dentro da normalidade, assim como o seu
desenvolvimento. Agora vamos aos batimentos cardíacos para constatar que
está tudo bem, como as imagens indicam — Jade aperta minha mão com
mais força.
Alguns segundos em um completo silêncio preenchem a sala e é a
minha vez de ficar tenso.
Que esteja tudo bem, que esteja tudo bem.
Mentalizo e como um anúncio de uma boa nova, os batimentos
cardíacos acelerados preenchem a sala. É algo semelhante a marteladas
firmes e contínuas que fazem meu coração bater no mesmo ritmo.
Olho a mulher mais linda do mundo e vejo seus olhos transbordarem.
— Está ouvindo, mamãe? Esse é o som dos batimentos do seu bebê,
um bebê saudável que está se desenvolvendo perfeitamente. — O médico
afirma sorrindo.
— Ele está bem — Jade repete como se para se certificar que aquilo é
mesmo real. — Nosso bebê está bem, Benjamim.
— Sim, o nosso bebê está bem — expresso, com a voz tomada pela
emoção.
Ao som dos batimentos cardíacos do nosso filho, de mãos dadas com a
mulher que amo e sentindo o meu coração pulsar de felicidade, dou vazão aos
meus sentimentos. Primeiro uma lágrima rola pela minha face e depois outra
se junta a ela e assim seguem sem que eu me preocupe em contê-las.
*
As minhas idas à casa de Jade aumentaram, percebi que não era
suficiente falar com ela todos os dias, eu precisava ver se estava bem, se
estava lembrando de tomar o ácido fólico e se alimentando direito. A última
semana para ela foi terrível, as náuseas aumentaram e ela está com
dificuldade de manter qualquer refeição no estômago. Por isso, vim até a sua
casa para convidá-la para jantar fora, talvez um novo tempero a ajude nessa
fase.
— Já jantou? — Indago assim que ela surge no meu campo de visão.
Ela continua caminhando até chegar ao portão de entrada da sua residência,
quando se aproxima noto seus olhos inchados e vermelhos. — Você andou
chorando?
— Estava conferindo a prova da nova coleção e acabei ficando um
pouquinho emocionada — confessa sorrindo. Seguimos até a sala e vejo um
mostruário de joias sobre o sofá, são tão delicadas — o que devo a sua ilustre
presença numa sexta-feira à noite? Não deveria estar curtindo alguma balada
ao lado das suas modeletes? — Diz, sentando no sofá.
— As minhas sextas à noite não se resumem mais a isso.
— O que aconteceu? Você não está fazendo isso pelo bebê, né? Porque
se for você está livre para curtir a noite, quem está restrita a noitadas sou eu
que não aguento ficar mais que vinte minutos em pé sem as pernas
reclamarem.
— Às vezes eu acho que você se faz de burra — digo, de uma vez. Sua
boca forma um grande “O” e seus olhos me encaram arregalados — não está
na cara que você é o motivo pelo qual as saídas de sextas-feiras à noite não
tem mais graça? Eu não quero conhecer novas pessoas e experimentar novos
beijos, pois encontrei em você o que eu procuro. Passo o tempo inteiro
querendo sentir mais uma vez os seus lábios contra os meus e me perder em
você.
— Benjamim…
— Já sei, você vai dizer que eu sou o seu melhor amigo.
— Porque é o que somos.
— E se eu quiser ser mais? Jade, a gente pode ser mais que melhores
amigos para todo o sempre...
— Não é você, sou eu — suspiro derrotado — as coisas estão confusas
dentro de mim, tenho mais dúvidas que certezas. Agora estou apenas
concentrada nesse bebê — toca a barriga — no nosso bebê. Eu amo a atenção
que você está destinando a nós, amo ter a sua mão para segurar quando eu
sinto medo, mas eu não posso dizer o que você quer ouvir. Me desculpa —
seus olhos estão marejados — então, se precisar se afastar de mim, eu
entenderei.
— Você quer que eu me afaste?
— Não quero e me sinto egoísta por estar dizendo isso — sorri
tristemente.
— Então, eu ficarei aqui, pelo tempo que você quiser. — Sentencio. —
Vamos jantar fora? Eu deixo você escolher o restaurante — digo, mudando o
rumo da conversa.
— Eu não estou suportando ouvir a palavra comida — faz careta —
nada para no meu estômago.
— Você precisa dizer isso a sua médica.
— É normal, toda mulher enjoa nos primeiros meses. Que tal pedirmos
delivery?
— Então, vamos de hambúrguer com fritas!
— Nossa que novidade — sorri — eu quero a minha batata canoa e
molho cheddar.
— Nossa que novidade! — É a minha vez de sorrir. — Refrigerante
para mim e suco para você.
— Sim, senhor.
Faço o pedido pelo celular enquanto ela continua trabalhando.
— Trinta minutos e então sua comida chegará — informo, quando
concluo — o que são essas peças infantis? Está investindo em um novo
público? — Aponto para o mostruário disposto sobre a mesinha de centro.
— Eu que idealizei, gostou? — ela traz o mostruário para seu colo e
vejo de perto os brincos e pulseiras, é tudo muito delicado e colorido.
— Foi por isso que você chorou, as peças ficaram ruins? — Indago
sem conseguir enxergar qualquer defeito nas joias.
— Não — nega sorrindo — as peças estão perfeitas, eu chorei porque
estou emotiva demais. — Jade pega uma pulseira com plaquinha em ouro
amarelo e parece se perder nos seus pensamentos. — Eu me peguei
imaginando o nome do nosso bebê gravado nessa plaquinha — passa o dedo
pela superfície — e quando vi estava debulhando em lágrimas. Falando nisso
precisamos pensar em nomes para o bebê.
— Primeiro precisamos saber o sexo.
— Mas isso não impede que a gente comece a pensar no assunto. Eu
tenho algumas sugestões já notadas — ela informa.
— Achei que pensaríamos nisso juntos.
— E vamos, porém estou carregando o bebê e a decisão final do nome
será minha — ela sorri — mas eu prometo ouvir a sua opinião.
— Serei um mero consultor, isso não parece justo.
— Reclame ao nosso criador que fez as mulheres mais completas.
— Vamos combinar o seguinte: se for menino eu escolho o nome e se
for menina você escolhe. — Ela pondera por alguns minutos.
— Ok, mas não é uma escolha sem pré-aprovação — balanço a cabeça
em concordância — de toda forma eu sinto que é uma menininha.
— Por isso você aceitou a aposta? — Jade assente.
— Eu passei por uma loja de bebê e fiquei admirando a vitrine, não
vejo a hora de começar o enxoval.
— Você está feliz com tudo isso, não está?
— Sim e às vezes acho que estou vivendo um sonho e tenho medo de
acordar e ser tudo mentira.
— É real — toco a sua mão — muito breve você estará com o nosso
bebê em seus braços e eu estarei aqui apto para exercer o meu papel de pai.
— Isso inclui trocar fraldas, papai?
— Fraldas?
— Sim, fraldas. Fraldas recheadas de coco e xixi.
— Será que não tem uma tarefa mais simples?
— Tá, vou deixar você cantar para o bebê dormir.
— Mas nada de canção de ninar, as canções são assustadoras.
— Não são.
— Claro que são, Jade. Como é mesmo aquela música? — Busco na
memória — Nana neném que a cuca vem pegar, papai foi na roça, mamãe foi
trabalhar… aí eu te pergunto quem está cantando para a criança nesse
momento, se os pais não estão lá?
— Uma tia talvez?
— Não, é a própria Cuca! E isso é assustador. Como o bebê vai dormir
com essa notícia? — Jade parece se divertir com a minha teoria.
— E o que você sugere? — Pergunta sorrindo.
— Ainda bem que você perguntou. Que tal: só basta você me ligar
aaaaa, que eu vou correndo te encontrar — canto os versos com a
interpretação do cantor de forró — o bebê se sentirá seguro, pois sabe que
pode contar com alguém e adormecerá facilmente. Não conhece a música?
Espere um segundo.
Saco meu celular e abro o aplicativo de músicas, pesquisando por
Basta você me ligar, da banda Barões da Pisadinha. Até quem não gosta do
ritmo com certeza já ouviu a música porque todas as redes sociais foram
invadidas com o som deles.
Falo que tô com nojo da tua cara
E não quero te ver nem de graça
Digo que eu não volto nem a pau
E que tu não vale um real

Mas é só tu ligar pra mim que eu não resisto


Eu queria dizer não, mas não consigo
É só me ligar, que a perna fica bamba
Bateu saudade, eu vou parar na sua cama

— Você não existe, Benjamin — afirma sorrindo — isso lá é música


de ninar um bebê?
— Existo e estou bem aqui, ai vem o refrão, vou cantar só ele pro bebê,
não se preocupe.
Só basta você me ligar, ah-ah-ah-ah
Que eu vou correndo te encontrar
Só basta você me ligar, ah-ah-ah-ah
Que eu vou correndo te encontrar

— O restante da música eu posso cantar pra você, que tal?


— Eu estou com sede. Você quer água? — Desconversa.
— Não, obrigado, mas posso pegar para você. — Ofereço-me.
— Estou grávida e não doente — sorri.
Jade se levanta rapidamente e começa a se afastar, mas não vai muito
longe.
Ela para e tenta se apoiar na parede. Quando noto seu corpo
desfalecendo, me levanto em um salto.
— Jade!
Corro para ampará-la e não consigo explicar o desespero que me toma.
— Jade, fala comigo!
Lentamente as pálpebras se abrem e ela foca em mim, com o olhar
confuso.
— Eu desmaiei — afirma o óbvio.
— Você me assustou. Está se sentindo bem agora? Devemos ir à
urgência médica?
— Sim e não — responde, se sentando no chão — eu estou melhor e
não é preciso ir buscar ajuda médica. Os desmaios são comuns na gravidez.
— Já aconteceram outras vezes? E você não pensou em me dizer
nada? — Pergunto irritado.
— Se está estudando tanto achei que soubesse que era normal —
justifica.
— Você ficou desacordada pelo minuto mais longo da minha vida.
— Eu estou bem — toco o seu rosto — aposto que tem mais cor no
meu rosto do que no seu.
— Você está tão pálida quanto um fantasma — informo — vamos
marcar uma consulta para você, preciso ouvir de um médico que tudo isso é
normal.
— Que exagero — ela se levanta e faz menção de ir até as escadas.
— Onde você pensa que vai?
— Preciso fazer xixi.
— Eu te levo!
Rapidamente, passo os braços por baixo das suas pernas e a levanto
com facilidade. Já estou no terceiro degrau quando ela manifesta sua
indignação.
— Não precisa disso, me coloca no chão!
— Não vou deixar você subir a escada e correr o risco de cair daqui do
alto.
— Você está agindo feito um neurótico — ignoro solenemente seu
protesto e sigo até sua suíte. — Vai querer entrar no banheiro também?
— É uma boa ideia — respondo ao colocá-la de pé. Ela entra no
banheiro e fecha a porta na minha cara.
— Não tranque a porta, querida — peço.
Ela não responde e começo a contar os segundos para me distrair.
Passo do número 180 e nada dela falar.
— Jade, você está aí? — Pergunto, preocupado.
— Não, eu fui embora junto com a descarga — responde malcriada um
segundo antes de acionar a descarga. — Eu não preciso de um guarda-costas
de banheiro — diz abrindo a porta — entendo que você tenha ficado
assustado com o meu desmaio, mas…
— Eu usaria palavras como apavorado, impotente, desesperado. E se
você desmaiasse no percurso?
— Eu não desmaiei enquanto você me carregava — justifica — além
do mais, você não vai estar comigo todas às vezes que precisar usar o
banheiro, então é melhor começar a trabalhar a sua mente para isso.
— Eu andei pensando nisso e acho que poderia passar uns dias aqui, te
fazer companhia.
— Você não está falando sério.
— Não estou me auto convidando para morar aqui — deixo claro.
— Mas é o que parece — a campainha toca indicando a chegada do
nosso jantar — vamos comer para que possa ir embora.
Se ela achava que ia se livrar de mim, estava muito enganada.
Benjamim passou a noite no quarto de hóspedes não porque eu cedi às
suas vontades, mas porque não tive forças para movê-lo, estava mais ocupada
tentando não expulsar a alma do meu corpo enquanto vomitava o meu jantar.
O enjoo matinal me deseja um bom dia amargo, o simples gesto de
escovar os dentes faz com que uma onda de náusea percorra meu corpo,
fazendo com que minhas mãos suem. Como se nada fosse tão ruim que não
pudesse piorar, os enjoos se prolongaram por todo o dia e juro que estou
pensando em ter um balde ao meu lado onde quer que eu vá, porque está cada
vez mais difícil conter o vomito até chegar ao banheiro.
Não tive condições de ir até o trabalho e ao fim do dia me senti sem
forças.
*
O desconforto da gravidez que sinto é muito maior do que os relatos
que já li, eles se tornaram recorrentes e persistentes. Eu me esforço
diariamente para ingerir qualquer alimento, já tentei frutas, castanhas, sucos,
iogurtes, bolacha de água e sal, mas eles não passam muito tempo dentro de
mim, pois logo são expelido.
Sinto-me extremamente cansada, irritada, frágil, doente e com ânsias
de vômito que me impedem de fazer uma simples refeição. Por isso, cedi a
insistência do Benjamim e marquei uma consulta para avaliar todo aquele
desconforto.
Doutora Mayra me recebeu com um sorriso gentil e convidou
Benjamim a se juntar a mim enquanto eu relatava tudo que estava
acontecendo.
— Bem, Jade, pelo que está descrevendo acho que você foi sorteada —
brinca.
— Como assim? — É o Ben quem questiona.
— Sinta-se sorteada, pois está na restrita taxa de 2% das grávidas que
enfrentam a hiperêmese gravídica. A síndrome é caracterizada por enjoos e
vômitos que vão além do normal e impedem a mulher de se alimentar como
esperado e ter uma rotina normal.
— Oh meu Deus, tanta coisa para eu ganhar e vem logo isso? —
Lamento. — Isso afeta o bebê?
— O excesso de náuseas e vômitos pode comprometer o estado
materno, ou seja, a gestante não consegue manter uma alimentação mínima
sem vomitar. Com isso, pode apresentar desidratação com alterações clínicas
secundárias, como queda da pressão arterial e taquicardia, além de sensação
de fraqueza, boca seca e emagrecimento — explica — já para o bebê, são
raros os casos em que o problema afeta o desenvolvimento.
— Então, isso significa que Jade sofrerá e o bebê não? — Benjamim
pergunta preocupado.
— Casos em que há desnutrição grave da mamãe podem resultar em
baixo peso do bebê para a idade gestacional ou nascimento prematuro, mas
não se preocupem que vamos trabalhar com uma equipe para monitorar tudo.
Dá para controlar os sintomas com uma dieta leve, em menores intervalos de
tempo.
— O que é uma dieta para quem praticamente está em jejum? — Faço
graça, mas me sinto mal com o diagnóstico.
— Vou te avaliar — ela diz e eu fico de pé.
Sou pesada, medida e tudo o mais, antes de Mayra voltar a falar.
— Vai dar tudo certo, Jade. Posso te recomendar consulta com a
nutricionista, se preferir. Mas de antemão, evite o consumo de alimentos
gordurosos e processados. Não estou vendo perda de peso, que bom que
vocês vieram rápido para a consulta. Quando há perda de peso, alterações
clínicas e laboratoriais, é recomendado que a paciente seja internada para
hidratação endovenosa e correção dos possíveis distúrbios.
— Internação? — Questiono assustada.
— Estou apresentando os cenários, querida, mas vamos trabalhar
juntos para o melhor, tudo bem? E papai, o apoio psicológico também é
importante para as grávidas que enfrentam o problema — completa.
— Pode contar comigo — Benjamim responde rapidamente.
— Vou prescrever antieméticos para ajudar com os enjoos e vamos nos
falando sempre que surgir alguma dúvida.
Quando saímos do consultório, eu abracei o meu amigo e me debulhei
em lágrimas. Estava me sentindo culpada com tudo aquilo.
*
Como explicado pela minha obstetra, o enjoo é um dos principais
sintomas da gestação, a ocorrência de náuseas e vômitos é natural e dura até
aproximadamente a 14ª semana. Porém, quando as náuseas e os vômitos se
tornam persistentes e estão associados à perda de peso, desidratação, queda
de pressão arterial, fraqueza, intolerância a odores e entre outros sintomas, é
o caso de uma hiperêmese gravídica que costuma cessar por volta da 20ª
semana. Mas em algumas o quadro pode persistir até o parto. Para o meu
alívio não há consequências recorrentes para o bebê.
Repouso, mudança na alimentação e hidratação é a principal
recomendação médica. Os antieméticos cumprem o seu papel de diminuir as
náuseas, mas elas não desaparecem, continuam acompanhando-me como uma
sombra a todos os lugares. Lugares esses que hoje se restringem a saídas
esporádicas ao trabalho e consulta médica. Para lidar com a intolerância a
odores que surgiu nos últimos dias, aposentei meus hidratantes e perfumes e
troquei a fragrância do sabão de lavar roupas. Também pedi a Benjamim que
não usasse perfume dentro de casa.
Sim, ele temporariamente ocupa o quarto ao lado do meu. A intenção
era que ele ficasse por um fim de semana para me ajudar a implementar a
dieta da nutricionista, estar na cozinha para mim era torturante com todos os
cheiros dos alimentos, então quando ele prontamente se ofereceu para
cozinhar para mim eu não rejeitei a oferta. E assim ele acabou ficando pelos
dias seguintes.
No início, foi estranho me acostumar com Benjamim andando sem
camisa pela casa ou entrar na cozinha e encontrá-lo usando avental
concentrado na tarefa de cozinhar. Ele é um homem que você não consegue
ignorar, meu corpo estava completamente consciente da sua presença, dos
seus músculos e sorrisos destinados a mim mesmo quando eu agia feito uma
maluca descompensada. Nessas horas ele me puxava para um abraço e eu me
permitia ficar aninhada no seu peito enquanto as lágrimas rolavam pelo meu
rosto. Eu queria dizer que os meus batimentos cardíacos acelerados contra o
seu peito eram oriundos dos hormônios em ebulição que me faziam ir do
choro ao riso em questão de minutos, mas eles continuam acelerados quando
seus braços cessam o toque que me mantém aquecida e ele segue para o seu
quarto. Naquele instante eu percebo que o real motivo pelo qual meu coração
erra a batida na sua presença não tem nada a ver com os hormônios da
gestação, mas sim com os sentimentos crescentes no meu peito.
*
Entrei na vigésima semana de gestação e a minha barriga já apresenta
os pequenos indícios de que carrego um bebê, na verdade ela não passa de
um pequeno monte redondo. Meu bebê está se desenvolvendo normalmente,
ganhando peso e crescendo, e isso me motiva para continuar me alimentando
corretamente apesar dos enjoos constantes. Ainda continuo chamando de meu
bebê, pois o danadinho não permitiu que descobríssemos o seu sexo na última
ultrassom, ele permaneceu de pernas fechadas durante o período do exame.
Agendamos a próxima para daqui a um mês, mas eu não queria prolongar
essa ansiedade para descobrir se estou esperando uma menina ou um menino,
então recorri ao exame de sexagem fetal, feito através de coleta de sangue,
onde é possível visualizar, por meio de biologia molecular, amostras de
fragmentos do DNA do feto e assim identificar o sexo do bebê.
O resultado saiu hoje e Benjamim ficou de passar na clínica para pegá-
lo, vamos descobrir juntos o sexo do nosso bebê. No momento aguardo a sua
chegada, sentada no sofá, enquanto vejo quartos de bebês no Pinterest. Estou
em busca de inspirações, mas tudo que eu vejo é absolutamente lindo que a
vontade é fazer do quarto do bebê uma colcha de retalhos para garantir que
tenha tudo que eu gostei.
— Finalmente! — Digo quando a porta da sala é aberta. Benjamim
possui a chave cópia agora. — Está com o resultado dos exames?
— Tudo isso é saudades minha? — Ele sorri e meu coração acelera.
É só um sorriso Jade.
De onde estou, assisto o seu ritual diário. Primeiro ele deposita a
carteira, o celular e a chave no aparador, em seguida retira os sapatos e meias,
feito isso ele caminha até mim para perguntar como estou, mesmo sabendo
que nada mudou desde a sua última mensagem de uma hora atrás.
Benjamim levanta as minhas pernas estiradas no sofá e as coloca sobre
o seu colo ao se sentar. Suas mãos seguem até o meu pé direito e eu suspiro
quando inicia a massagem.
— Como passou o dia? Conseguiu se alimentar agora à tarde?
— A pera que eu comi há trinta minutos ainda permanece aqui dentro
— com a hiperêmese gravídica eu passei a comemorar essas pequenas
vitórias.
— Ótimo — ele continua massageando os meus pés.
— E o exame? Não me diga que você esqueceu.
— Como eu posso esquecer se você passou o dia me mandando
lembretes para pegar o bendito — ele leva a mão ao bolso de trás da calça
interrompendo a massagem nos meus pés fazendo com que eu solte um
lamento.
— Você não confirmou nenhum dos meus dez lembretes.
— Eu queria criar um suspense — pisca para mim — está pronta para
chamar nosso filho de Sócrates?
— O filósofo?
— Não, o ídolo do Timão.
— Não — nego com a cabeça — meu filho não vai homenagear
jogador de futebol. E esse nome é terrível, Benjamim. Imagina o bullying que
a criança sofrerá na escola, você não pode querer isso para o seu filho! —
Digo tomada por um desespero que faz a minha cabeça doer.
— Quando aceitou a aposta, você sabia das regras — dá de ombros, me
lembrando que apostamos que se fosse menino, ele poderia escolher o nome e
se fosse uma garota, eu era quem escolheria. Mas já começo a me arrepender
de ter feito essa babaquice.
— Benjamim, você não pode querer isso para o seu filho —
argumento, tentando trazer bom senso — pensa no trauma dessa criança,
precisará de terapia por anos. Eu não posso permitir que você o registre como
Sócrates.
— Ei, respira, eu estou brincando.
Faça o que ele pede, não notei que estava começando a hiperventilar.
— Nosso filho não se chamará Sócrates, só falei para você sentir um
gostinho do que eu vou passar se sair menina nesse resultado.
— Isso não teve graça.
— Desculpa — sorri — vamos acabar logo com esse suspense.
Ele rompe o lacre e abre o envelope, debruço-me sobre ele para que
possamos ler juntos o resultado. Corro os olhos pelas letras explicando a
metodologia do teste até encontrar a conclusão e quando encontro reajo com
uma onda de felicidade.
— É uma menina, é uma menina — repito enquanto balanço os braços
e quadris em uma dança patética.
— Sim, uma menina — Benjamim parece pensativo.
— Você está triste porque é uma menina?
— Não, eu estou pensando no que o Val me disse outro dia. Ele falou
que se fosse uma menina eu iria sentir na pele o que os pais das minhas
namoradas sentiram comigo.
— E pela sua cara não é uma boa posição para estar, né? — Indago
sorrindo.
— Não — ele enfatiza balançando a cabeça em negação — não é nada
bom.
— O mal do malandro é achar que só a mãe dele fez filho esperto —
repito a frase que meu pai costuma falar e Benjamim me encara, arregalando
os olhos.
— Eu não estou pronto para isso.
— Você vai ter, no máximo, treze anos para se acostumar com essa
ideia
— Treze? Estava pensando em dezoito.
— Você demorou dezoito anos para beijar alguém?
— Não, eu dei o meu primeiro beijo aos 10.
— Se a sua filha herdar o seu gene, você vai começar a sofrer mais
cedo do que eu pensei...
— Eu já estou sofrendo — ele encosta a cabeça no sofá e fecha os
olhos.
— Você vai pagar seus pecados em terra — Afirmo sorrindo.
— A gente pode educar ela no homeschooling? Isso diminuiria o
contato dela com os garotos — ele faz menção ao formato educacional em
que o estudante não frequenta a escola tradicional e estuda em casa.
— Claro, também podemos mantê-la presa no alto de uma torre
protegida por dragões.
— Não é uma má ideia — abre os olhos para me encarar.
— O mundo não é um conto de fadas e nossa filha será uma garota
normal, que vai paquerar e ser feliz. Você que lute para lidar com isso.
— Eu vou afastar todos os garotos que ousarem se aproximar dela.
— Isso vai fazer com que ela os encontre escondido — justifico.
— Isso é um pesadelo — lamenta, com o rosto se contorcendo em uma
dor que demoraria muito para começar.
— Será que podemos lidar com o seu surto mais tarde!? Quero logo
anunciar o nome da nossa filha e parar de chamá-la de bebê.
— Isso vai tornar tudo mais real — respira fundo, puxando o ar
lentamente — será que você pode escolher um nome esquisito? Isso vai
afastar os garotos.
— Você já olhou para mim? Ela pode se chamar “Fogão de Quatro
Bocas” que os garotos olharão para ela — digo em um tom soberbo.
— Obrigado por acabar de me empurrar até o fundo do poço — já o
seu tom é ainda mais dramático — vou perder todos os meus belos fios de
cabelo pensando em quando chegar na adolescência com aquele bando de
garotos com espinha na cara e os hormônios em ebulição.
— Garotos como você foi um dia.
— Exatamente. Você não tem medo pela nossa filha?
— Ela vai ser esperta como a mãe e fugirá dos garotos espertinhos.
— Agora eu começo a ver uma vantagem na sua determinação em
manter-me longe — uma risada escapa dos meus lábios — vamos lá, qual
nome o motivo da insônia terá?
— Eu achei que eu era o motivo da sua insônia — perturbo sorrindo.
— Você é o motivo dos meus sonhos mais eróticos — pisca para mim.
— Eu pesquisei bastante, levei em conta o significado e sonoridade —
digo enfiando a cara no celular para não o encarar. Busco no bloco de notas o
fruto da minha pesquisa — inicialmente, a minha lista tinha dez nomes,
depois reduzir para cinco e agora estou entre dois, mas estou com medo de
compartilhar com você e você acabar influenciando na minha escolha.
— Eu prometo que não vou influenciar — afirma — por que não me
diz as suas opções?
— Ok, eu fiquei em dúvida entre Aurora e Cristal — ele apenas
balança a cabeça, sem qualquer expressão influenciadora — o nome Aurora
tem origem no latim “aurora”, que quer dizer “aquela que é como o raio de
sol” ou “aquela que brilha como ouro”. De acordo com a mitologia romana, a
deusa Aurora era responsável em sobrevoar os céus anunciando o começo de
um novo dia. Ainda segundo o significado dos nomes, Aurora representa
cheia de energia e vitalidade. Já Cristal significa o próprio "cristal", mas
também pode significar "gelo", "pura", "pureza", "límpido" ou "aquela que
guarda Cristo dentro de si". A palavra em português "cristal", refere-se ao
sólido com faces planas, por vezes de origem mineral, e muitas vezes
translúcido. Outro significado diz que o nome remete a uma mulher
charmosa, afetuosa e muito otimista — termino de ler as informações que
anotei.
— São dois belos nomes.
É tudo que ele me diz.
— É, mas um faz meu coração bater mais rápido — justifico —
quando fecho os olhos imagino a baby Cristal nos meus braços e ela é tão
linda como uma pedra preciosa.
— Cristal, você vai manter a tradição dos Moraes de nome de pedras
— ele sorri, fazendo referência ao meu nome e ao da minha irmã Esmeralda.
E como uma aprovação, ela se move em minha barriga. É a primeira
vez que sinto ela se mexendo e isso me leva às lágrimas em fração de
segundos.
— Ela mexeu! — Exclamo atordoada com aquela sensação, levanto a
blusa e levo a mão à barriga no lugar que recebo uma pequena pontada —
sinta — coloco a mão de Benjamim sobre a minha e nossa menina se
movimenta mais uma vez.
— Filha, você gostou mesmo do nome.
— É ela gostou — sorrio em meio às lágrimas.
O movimento cessa, mas nossas mãos permanecem ali, juntas.
— Cristal, você tem a mamãe mais linda do mundo — Benjamim me
encara e me perco na intensidade daquele olhar.
Eu deveria retribuir o elogio e dizer que ela também tem o pai mais
lindo do mundo.
Um homem dedicado e devoto que abraçou a paternidade de uma
forma que eu jamais esperei, que tem sido meu suporte e meu acalento, tanto
cozinhando quanto me fazendo sorrir. Sem pedir nada em troca. Eu deveria
dizer que não poderia ter escolhido um melhor companheiro para segurar a
minha mão nessa montanha russa que é a maternidade, mas eu não digo
nada. Não porque me faltam palavras, mas sim porque elas parecem
insuficientes para demonstrar tudo que sinto.
Então, eu faço a coisa que me parece certa nesse momento, encosto os
meus lábios nos seus e fecho os olhos.
Os lábios dele se movem contra os meus e o meu corpo
automaticamente reage em resposta às sensações que o seu beijo me provoca.
Não é um beijo novo, conheço a pressão da sua boca e como as nossas
línguas ditam o ritmo que inicia sereno e depois fica provocante e faminto,
mas neste momento o beijo ganha um novo significado.
Ele desliza as mãos por dentro da minha blusa e logo seus dedos estão
abrindo o fecho do sutiã, a boca dele desce pelo meu pescoço e sinto a barba
arranhando a extensão de pele enquanto ele pontua beijos. A trilha de beijos é
interrompida para que a minha blusa seja retirada.
Quando seus lábios voltam a me tocar, eles se concentram nos meus
mamilos. Agarro os seus ombros quando ele suga o bico duro como se
estivesse desesperado por aquilo. Ele me olha quando repete o gesto no outro
seio e vejo a satisfação no gesto. Benjamim sente prazer ao me dar prazer,
isso fica evidente no sorrisinho que o acompanha a cada sibilar de tesão que
emito.
O meu corpo incendeia rapidamente em resposta ao seu toque e logo
estou pronta para tê-lo. Ele fica de pé e, com cuidado, me pega no colo.
Semelhante a um Déjà vu, eu sei que quando entrarmos no meu quarto eu
terei vontade de recebê-lo na minha boca, pois já memorizei como seu corpo
reage quando o faço. Lembro da maneira como ele fecha os olhos, entregue
ao momento e no modo firme como seus dedos envolvem os meus cabelos
em um puxão. Ele permitiria que eu ditasse o ritmo do boquete, sem pressa.
Quando chegamos na minha cama ele parte para cima, tirando o
restante das minhas roupas. Eu o assisto se despir e admiro quão maravilhoso
é o corpo daquele homem. Não cansaria de olhar e nem posso julgar as
mulheres que o fazem, porque Benjamim, de fato, é gostoso demais com sua
barriga super definida e seu pau enorme.
— Estava com saudades? — Pergunta, ao me pegar babando por seu
corpo.
— Um pouquinho, talvez — dou de ombros quando ele se aproxima.
— Você está linda — elogia — um pouco mais a cada dia.
— Espere até minha barriga crescer mais e parecer que vai explodir
para repetir — sorrio.
Eu me deito com as costas na cama.
Ele vem por cima.
Mas fica imóvel, assim que percebe que pode me machucar, indo para
o lado da cama, em seguida.
— Filha, me perdoe se eu atrapalhar o seu descanso aí dentro —
aproxima o rosto da minha barriga enquanto fala — papai e mamãe precisam
ter um papo íntimo.
— Você está cortando o clima — confesso.
— Eu resolvo isso rapidinho — se estica e vem me beijar.
Eu o toco em todos os lugares que consigo, passando as mãos para lá e
para cá. Braços, costas, pescoço, rosto... Acaricio todos os cantos sem me
deter em nenhum porque preciso senti-lo.
Benjamim deixa o meu beijo de lado e desce por meu corpo até se
colocar entre as minhas pernas. Eu as abro o máximo que consigo e ele se
acomoda ali, levando seu rosto para minha boceta.
Ele me abre, me toca e me beija.
Sua língua quente leva fogo sobre a região sensível e eu me remexo,
buscando o contato certo. Ele chega lá, passando a língua de um lado para
outro.
Ele me fode com os dedos ao mesmo tempo em que me chupa por um
longo período, fazendo com que meu tesão aumente. Sinto-me excitada, me
perdendo um pouco mais a cada segundo. Até que o tempo acaba e sinto os
tremores do orgasmo.
— Perfeita — ele diz, segundos antes de mudar de posição — vem cá.
Ele se senta e apoia as costas na cabeceira, estendendo a mão para que
eu o monte. Quando o faço, escorrego facilmente por seu pau ereto.
— Nossa, estava louco por isso aqui.
Eu o cavalgo, gemendo, sentindo tudo dentro de mim.
Benjamim me observa rebolar e segura os meus seios quando me
inclino para me apoiar em seus ombros.
Eu acelero, subindo e descendo em seu pau cada vez mais rápido.
Minhas pernas sentem o incomodo do esforço repetitivo, minha respiração
acelera e meu coração dispara. Estou me cansando muito facilmente, mas não
quero que ele note.
Se Benjamim percebe eu não sei, mas com carinho, ele nos move e
muda a posição. Saindo de dentro de mim, Benjamim me deita de lado e vem
por trás. Levanto a perna direita e ele prontamente a segura, me invadindo no
segundo seguinte.
Não é apenas o desejo que me faz gemer desesperadamente a cada
estocada sua, é algo mais intenso que rouba os meus sentidos e acelera o meu
coração. Não estamos fazendo sexo quando ele entra e sai de mim repetidas
vezes, é mais do que isso, é uma conexão maior.
Enlouqueço em seus braços, me remexendo para recebê-lo. Benjamim
geme, sussurra e grita me avisando que está prestes a explodir. Quando ele se
derrama em mim, estamos suados de paixão.
Ainda com ele dentro de mim sinto a familiaridade dos nossos corpos
que se encaixam tão bem. A sensação de pertencimento é assustadora ao
mesmo tempo que é reconfortante.
O som da nossa respiração ofegante é o barulho que sucede o sexo
intenso que acabou de acontecer. Eu me viro e nós ficamos lado a lado, cada
um perdido no fluxo dos seus pensamentos.
— Não diz que isso foi um erro… — Ele sussurra próximo ao meu
ouvido.
— Eu ia dizer justamente o contrário. — Apoio o braço no seu peito,
ergo a cabeça para olhá-lo nos olhos e vejo uma centelha de dúvida ali. — Eu
gostei muito do que aconteceu e acho que podemos repetir mais vezes.
— Isso quer dizer que terei acesso livre ao seu quarto?
— Achei que você não gostasse da minha cama — sorri.
— Eu tenho críticas à sua cama, mas por você faço esse sacrifício.
— Não me incomodo de depois do sexo você seguir para a sua cama
— ele me olha com um falso ar de ultraje.
— Aparentemente, fui reduzido a um objeto sexual à sua disposição,
saiba que eu gosto desse papel — sua língua lambe meus lábios.
— Estou realmente sentindo o quanto gosta — faço menção ao seu pau
que já dá sinais de vida quando o toco.
Monto sobre Benjamin e envolvo o seu pau com as minhas mãos, em
um movimento de vai e vem, percorro toda a sua grandiosa extensão fazendo-
o fechar os olhos.
Sou mais uma vez transportada para a nossa primeira vez e como ele se
derreteu em meus lábios. A sensação de tê-lo completamente entregue a mim
é única e faz com que eu ignore o meu receio de sentir náuseas ao levá-lo à
boca. Seu pau primeiro recebe a minha língua que lambe a sua extensão, do
modo como eu faria com um picolé. Passo para o passo seguinte e abro a
boca para recebê-lo, minha boca captura a ponta e Benjamim deixa escapar
um gemido.
— Isso, Jade! — Ele diz em aprovação.
Movo a cabeça, indo um pouquinho mais fundo, quando começo a
sentir minha respiração ficar acelerada e minhas mãos suarem. Benjamim
parece não notar o que está acontecendo, pois ergue minimamente o quadril
para que eu o receba mais entre meus lábios. Quero continuar chupando,
quero continuar dando prazer, mas não consigo.
Cesso o boquete abruptamente e movo a cabeça para o outro lado para
não o atingir com o jato de vômito. Sinto os dedos de Benjamim entre os
meus cabelos e aquilo acentua a minha vergonha diante do que acabou de
acontecer.
Mais um segundo e eu vomitaria sobre ele.
Sinto a minha dignidade escorrer pelos meus dedos e isso faz com que
meus olhos se tornem duas poças d’água, ardendo ao lacrimejar. Tento me
distanciar daquela cena patética, mas as suas mãos me impedem.
— Você está se sentindo bem? — Ele pergunta preocupado.
— Aham — digo incapaz de encará-lo.
— O que foi? — Ele toca o meu queixo e ergo a cabeça — está tudo
bem, Jade.
— Não está — luto contra as lágrimas — estou me sentindo péssima
em quase ter vomitado no seu pau.
— Saiba que se isso ocorresse, teria sido uma experiência nova na
minha vida. Uma daquelas histórias que a gente lembra depois e dá risada —
ele conclui sorrindo.
— Essa é uma das histórias que definitivamente eu quero apagar da
minha memória.
— Vou estar com sessenta anos e ainda lembrarei desse dia — pontua
— e sabe por quê? Porque foi o dia que você começou a abrir as portas do
seu coração para me receber.
— Comecei?
— Tudo começou quando você abriu a porta da casa, depois do quarto,
o próximo passo é me deixar fazer morada no seu coração. Porque no meu
você já construiu um triplex com vista pro mar.
Eu sorrio e o encaro, com o coração apertado.
— Quem é você e o que fez com o Benjamim?
*
No meu interior eu tinha certeza de que Benjamim seria um bom pai,
mas ele estava superando as suas expectativas, fazia questão de acompanhar
de perto toda a gestação, presente nas consultas médicas e exames.
Temi que a convivência diária dividindo o mesmo tempo, afetasse a
nossa relação, mas nada mudou. A nossa dinâmica permanece a mesma, ele
segue sendo o meu melhor amigo, meu confidente, meu parceiro de risadas e
responsável por trazer comidas gostosas até mim. O que aconteceu foi o
acréscimo a nossa relação, ela ganhou apenas o plus do sexo. E eu não tenho
nada a reclamar disso.
Hoje é mais uma noite de sexta-feira e eu estou no meu modo habitual
das últimas duas semanas: de pijama na cama assistindo um filme qualquer
de comédia romântica enquanto como palitinhos de cenoura crua. A pipoca
havia sido substituída pela cenoura. Ela tinha se tornado o meu alimento
favorito, era prático e eu podia carregar na bolsa, e além de todos os
componentes nutritivos presentes no legume, ela não me causava náusea. São
esses detalhes sutis que a maternidade acarreta, quando eu imaginei que um
dia me tornaria uma grande fã da cenoura? Benjamim costuma brincar com o
fato de que se a nossa filha nascer “de olhos vermelhos e pelo branquinho”
como na música infantil, a culpa é minha que consumi cenouras demais
durante a gestação.
Sinto saudades dele quando a protagonista do filme recebe uma
massagem nos pés do homem amado, geralmente ele já está em casa nesse
horário, mas hoje está fotografando uma campanha grande e avisou que
ficaria até mais tarde no trabalho para adiantar o serviço.
Quase duas horas depois, ele chega em casa e estou nos minutos
iniciais do novo filme.
— Oi, linda, tá tudo bem? Eu te liguei e você não atendeu — se
debruça sobre mim para me dar um selinho.
— Deixei o celular lá embaixo e fiquei com preguiça de descer. Como
foi as fotos?
— A modelo teve ataque de estrelismo e precisamos pausar várias
vezes, mas não quero falar de trabalho em casa. Já jantou?
— Sim.
— Ufa, não vou me sentir culpado por ter comido pizza no estúdio —
sorri — vou tomar banho e serei todo seu.
Encosta seus lábios mais uma vez nos meus e segue para o banheiro.
— Você vai querer assistir ao filme? — Grito antes dele desaparecer
atrás da porta.
— É mais um daqueles filmes que você vai chorar no meio? — Ele
arqueia a sobrancelha.
— São os hormônios, Benjamim — justifico sorrindo — e sim, é um
filme de um casal de amigos inseparáveis que cresceram juntos. Há um
afastamento entre os dois, o rapaz muda de país para estudar e anos depois,
quando eles se reencontram, descobrem que a conexão permanece a mesma e
que a amizade é também uma forma de amor. — Dou a minha própria
explicação para a sinopse.
— Acho que já assisti esse filme — sorri — ele me parece bem
familiar. Vou querer ver.
— Ok, vou esperar por você.
Ele não demora e quando sai do banheiro veste apenas uma cueca
samba-canção cinza. O homem parece não sentir frio mesmo diante do ar-
condicionado na temperatura mínima. Benjamin se junta a mim debaixo dos
lençóis.
Aninhada em seu peito, assisto ao filme e vou às lágrimas nas cenas
mais românticas, se ele nota não tece nenhum comentário. Quando o filme
chega ao fim estou com os olhos inchados e morrendo de vontade de fazer
xixi, meu corpo lamenta o contato com ar frio quando ergo as cobertas.
— Será que você pode pegar o meu celular lá embaixo? Mas acho que
está quase descarregado, traga o carregador também. Fiquei de confirmar
com a minha mãe que iremos almoçar amanhã. Aliás, ainda vamos, né?
— Claro que vamos.
Sigo para a suíte e esvazio a minha bexiga rapidamente. Quando volto
para a cama ele já está de pé.
— Vou beber água, você quer? Ah, usa o meu para falar com ela
enquanto o seu carrega.
Ele pega o celular da mesa de cabeceira e coloca em minhas mãos.
— Não vai desbloquear?
— A minha senha continua a mesma que a senhorita disse uma vez que
sabia — ele pisca para mim.
— Vamos ver se ainda lembro — sorri.
Antes dele sair do quarto já estou com o aparelho desbloqueado e
começo a digitar os números que eu sabia de cabeça. Fico de pé para esticar
as pernas enquanto digito o último número e o nome da minha mãe aparece,
movo o dedo para apertar do botão de chamada quando a chegada de uma
notificação no WhatsApp me paralisa.
E sou tomada por uma curiosidade absurda em saber quem envia
mensagens quinze para onze da noite. Alguém com intimidade é a resposta
que meu pensamento formula, alguém com quem Benjamim troca mensagens
diárias, ele completa, muito provavelmente uma mulher.
Não sou o tipo de mulher que vasculha o celular do companheiro, aliás
se assim o fosse talvez tivesse descoberto as mentiras do Vitor antes daquele
vexame. E se o Benjamim estivesse fazendo o mesmo, se relacionando com
outras mulheres enquanto brincava de casinha comigo? Essa ideia ganha
força quando lembro que vomitei antes de finalizar o boquete... Eu não o
satisfaço.
Em um impulso, clico na notificação e ela pertence a Pétala. Ela enviou
“oi sumido” e um vídeo. Aperto o play e preciso me sentar na cama quando
um vídeo pornô se inicia. Um pênis entrando em uma boceta e... Aquela voz.
Quando escuto a voz do Benjamim sinto meu mundo desmoronar.
Entre dedadas e gemidos, o vídeo finaliza sem mostrar o rosto dos
envolvidos, mas eu sei que é ele ali. Sinto minhas mãos tremerem e meu
quarto girar enquanto, mais uma vez, assisto a cena do Benjamim fodendo
outra mulher. As lágrimas rompem as barreiras e molham meu rosto, em um
choro sufocante porque não consigo gritar.
Sinto meu coração ser esmagado novamente. É uma dor dilacerante
que me recorda porque eu criei barreiras para não termos uma relação.
Benjamim sempre foi galinha e eu conhecia bem sua incapacidade de se
relacionar, mas ele parecia que tinha mudado.
Choro mais uma vez, porque é terrível a sensação de não ser única.
Não noto que ele entra no quarto até que chega perto demais, se
sentando na cama.
— Por quê? É porque eu estou engordando? Por que eu não chupo seu
pau? Você disse que estava tudo bem e eu idiota acreditei — acuso.
— Do que você está falando? — Ele parece surpreso — por que você
está nesse estado? — Ele tenta me tocar, mas eu recuo, não quero ceder ao
seu toque.
Afasto-me sobre o colchão até as minhas costas tocarem a cabeceira.
— Você está me deixando preocupado, Jade. — Seus olhos parecem
aflitos e tristes.
— Você quebrou, mais uma vez, a confiança que eu tinha em você —
as palavras saem entrecortadas pelo choro — você achou que eu nunca fosse
descobrir? Claro que não, a Jade é burra demais e facilmente manipulável.
— Do que estou sendo acusado para que eu possa me defender?
— O que você fez não tem defesa...
— E o que eu fiz? — Pergunta, com paciência.
— Isso! — Viro o celular para que ele veja o seu vídeo.
— Ah, não — ele pega o celular da minha mão e pausa o vídeo.
— Não gostou de se ver em ação? — Debocho, tentando achar um
pingo de autoconfiança.
— Como você teve acesso ao vídeo?
— Pelo menos você tem dignidade de confirmar que é você! — Encaro
seu rosto que nem arde de vergonha por ser flagrado.
— Jade, não vou mentir, sou eu, mas esse vídeo é antigo — justifica —
anterior a nós e...
— Não existe nós, Benjamim — grito — eu quero você fora da minha
casa, fora da minha vida.
— Como não existe? Tudo que vivemos nos últimos meses foi uma
invenção da minha cabeça?
— Mesmo que tudo tenha sido verdadeiro, não apaga o que eu vi. Não
posso chamar de traição porque não sei que nome se atribui ao que temos.
— Eu também não sei que rótulo damos ao que vivemos, mas tudo que
eu sei é que eu sou apaixonado por você. E desde que eu me dei conta disso,
eu me tornei a porra de um celibatário, não transei com ninguém. Abandonei
as baladas e pausei a minha vida para esperar por você. Eu não fiquei com
mais ninguém porque nenhuma delas era você. Era você que eu queria na
minha cama, era em sua boceta que eu queria enterrar o meu pau, era sua
boca que eu queria beijar mesmo você sem me dar espaço. E nada mudou, eu
continuo querendo tudo isso e vou continuar querendo porque eu sou louco
por você.
— Você quer que eu acredite nas suas palavras? — Pergunto incerta,
porque eu senti verdade no seu discurso, na intensidade do seu olhar quando
disse que estava suficiente.
— Não é o suficiente? — Vejo a tristeza no seu olhar — então, vamos
ligar para a Pétala e acabar com isso de uma vez.
Ele pega o aparelho, colocando a chamada no viva-voz. A cada toque
da ligação meu coração acelera.
Por favor...
— Oi sumido, vejo que entendeu meu recado — a voz feminina
preenche o quarto.
— Por que você me mandou esse vídeo? — Ele vai direto ao ponto.
— Porque pensei que poderíamos repetir a dose, meu corpo esquenta
somente em pensar no seu pau…
— Não vai rolar, Pétala — ele a corta delicadamente — eu te liguei pra
dizer que muita coisa aconteceu desde esse vídeo. Estou perdidamente
apaixonado e vou ser pai muito em breve.
— Nossa, não sabia, meus parabéns. Quem é a sortuda que conseguiu o
seu coração? Ai deixa, não me conta que não quero ter inveja dela — ela sorri
alto — desejo toda felicidade do mundo e desculpa pelo vídeo, realmente não
tive a intenção de te constranger.
— Obrigado. Uma última coisa: você lembra quando esse vídeo foi
gravado?
— Vish, não lembro a data exata, posso olhar nos detalhes da gravação,
mas com certeza tem mais de oito meses.
— Ok, adeus Pétala.
— Adeus, Benjamim, foi mal.
Ele encerra a ligação e me encara, a culpa me atinge em cheio.
Eu o julguei, não acreditei nas suas palavras e acabei estragando tudo
entre nós.
Escondo o rosto entre as mãos para conter a nova rodada de choro. As
lágrimas continuam e meu corpo treme todo enquanto me entrego ao choro
estridente.
— Olhe pra mim — seu tom de voz é sereno e parece ter o poder de me
acalmar. Afasto as mãos do rosto e o vejo bem mais perto de mim — vem cá
— ele abre os braços e me arrasto até ele.
— Eu estraguei tudo — choro contra seu peito.
— Você não estragou nada — suas mãos acariciam meus cabelos.
— Estraguei sim, eu te acusei de algo que você não fez e...
— Isso realmente não foi legal, você podia ter conversado comigo.
— Eu fiquei apavorada achando que você era igual ao...
— Ao Vitor — ele completa — realmente compreendo que você tenha
medo de que a história se repita. Mas esse é um novo roteiro, com novos
personagens e novo enredo. E nesse novo roteiro, o protagonista é cheio de
defeitos, mas é perdidamente apaixonado pela heroína. Ele admira a sua força
e doçura, além da sua beleza. A maternidade trouxe a ela um brilho que
acentua ainda mais a sua beleza e se o mocinho fosse romântico ele faria
poesias para ela, mas ele só sabe tirar fotos — me afasto momentaneamente
dos seus braços para mergulhar de uma vez na imensidão dos seus olhos
azuis — o capítulo atual da vida deles tem um bebê a caminho — Benjamim
toca a minha barriga — e ele não vê a hora de preencher novos capítulos
como pai. Na história perfeita essa declaração aconteceria em ambiente
romântico, um jantar à luz de velas, mas correríamos o risco de a mocinha
terminar a noite no banheiro do restaurante vomitando o jantar caro — a
minha risada é alta.
Ele fica de pé para então se ajoelhar no chão duro do meu quarto.
— Jade, nunca quis tanto ter um rótulo na vida, mas depois dessa prova
de ciúmes eu acredito que já esteja pronta para me aceitar. Não estamos no
lugar mais romântico do mundo, mas aqui, no escuro deste quarto, com a tv
ligada eu te pergunto: quer ser a minha namorada?
Ele estende a mão e eu a aceito, com o rosto inchado de tanto chorar e
o coração mais quentinho e leve.
— Sim — afirmo — mas será que você quer ser mesmo meu
namorado? Pense bem, meu corpo está passando por grandes mudanças.
— E estou adorando todas elas, seus seios estão cada vez maiores —
diz, ficando de pé.
— E tem o vômito constante e o boquete que dificilmente irá rolar até
nosso bebê nascer. Ainda quer seu meu namorado? — Aviso.
— Mal firmamos o namoro e a senhorita já está dando para trás? —
sorri — Aposto que vai querer fugir quando eu a apresentar aos meus pais
como oficial. Se você acha que um vômito a mais irá me fazer mudar de
ideia, você não entendeu nada.
— Quero ver você manter esse pensamento quando meus pés
parecerem rolinhos primavera e eu engordar os 15 quilos previstos até o fim
da gestação.
— Eu amo rolinhos primavera — sorrio — e ainda continuarei sendo
seu namorado mesmo que chegue aos 150 quilos.
— Você jura?
— E você tem dúvida? — Acaricia o meu rosto — eu te amo Jade, amo
você, a nossa filha e toda a vida que teremos pela frente.
— E se eu não conseguir corresponder às suas expectativas, haverá
dias que eu serei apenas uma alma vagando por essa casa, que não terei
energia para sexo ou sair para jantar, visitar amigos?
— Eu vou continuar te amando nesses dias também — sentencia — e
passarei os dias repetindo isso e provando até que entenda de uma vez por
todas.
— Eu também amo você — assumo, finalmente — já o amava como
amigo, passei a amá-lo como companheiro nas tarefas da maternidade e agora
confesso que te amo como homem.
— Finalmente — ele sorri, me abraçando.
— Como o homem mais gostoso com quem já estive...
— E o que tem maior pau, pode falar.
— E o que está no TOP 1 de paus — gargalho. — Eu amo você,
Benjamim, demorei muito para aceitar isso, mas é um fato. Mesmo com
medo, eu amo você.
Ele me beijou, selando nosso novo momento.
Eu estava namorando.
Estava namorando o meu melhor amigo.
Jade e eu oficializamos a nossa relação para nossos amigos e nossas
famílias, e consequentemente a minha paternidade. E aparentemente a
informação não pegou nenhum deles de surpresa, Val e Kelly reagiram com
um “até que fim”, meus pais ficaram radiantes que serão avós, minha mãe
chegou até a chorar de emoção e o meu pai chegou a mandar flores para Jade
para a parabenizar pela maternidade. A reação da família de Jade não foi
diferente, Esmeralda disse que sempre soube que ficaríamos juntos e os pais
foram carinhosos como sempre foram comigo. Seu Evandro, agora meu
sogro, chegou a confessar que estava mais sereno agora que sabia que a sua
filha tinha um companheiro para ajudá-la a dividir o peso da maternidade.
Era exatamente assim como eu me colocava, como um companheiro
para dividir as obrigações e responsabilidades. E eu já estava fazendo isso
enquanto nossa filha não nascia. Jade seguia com o quadro acentuado de
hiperêmese gravídica, a esperança era que com o avanço da gestação os
enjoos e vômitos diminuíssem, mas até agora não mudou. Ela permanece
vomitando de quatro a cinco vezes por dia, o que a deixa constantemente
fraca e irritada. As limitações físicas ocasionadas pelas náuseas fizeram com
que seu trabalho ocorresse somente a distância, agora ela resolve tudo de casa
e por telefone, visto que, andar de carro se tornou uma tarefa torturante pois
intensifica o enjoo.
A minha vontade era que existisse uma forma de dividir com ela esses
sintomas incômodos, era angustiante ver a mulher que você ama padecendo e
nada poder fazer, então eu me concentrei no que poderia efetivamente fazer
por ela. E assim acabei assumindo uma grande parcela das tarefas da casa,
desde colocar o lixo para fora até as compras no supermercado, tudo para
minimizar o incômodo de Jade.
Acho que o casamento deve ser assim, né? Cuidar da casa, colocar o
lixo para fora, tomar café juntos, dormir na mesma cama, ocasionalmente
transar e acordar no dia seguinte disposto a repetir tudo por mais um dia.
Meus antigos relacionamentos nunca avançaram para esse tipo de intimidade,
de dividir o mesmo teto 24 horas por dia, mas com Jade as coisas fluíram
naturalmente, respeitando os espaços um do outro, e assim seguimos dia após
dia.
Há dias que são mais fáceis que outros. Jade tinha razão quando disse
que haveria dias que o seu humor estaria péssimo, nesses dias ela reclamava
das limitações que as náuseas te impuseram e preferia ficar sozinha, mas não
completamente sozinha, pois ela está sempre ao lado do seu fiel escudeiro:
um balde plástico branco que ela carrega a tiracolo como se fosse uma bolsa
de mão. Costumo brincar que o balde passa mais tempo em contato com ela
do que eu, nessas horas que ela sorri e diz que não vê a hora de se livrar de
seu tanque de vomito e passar mais tempo com as mãos em mim. Mas
também há dias em que ela amanhece mais animada, os sintomas mais
controlados e nesses dias assistimos filmes abraçados enquanto fazemos
planos para a chegada da nossa filha.
A chegada de Cristal estava cada vez mais próxima e o seu cantinho
começava a ganhar forma. O quarto de hóspedes oficialmente se tornou o
quarto do bebê, ele passou por algumas mudanças. O papel de parede cinza
foi substituído por um amarelo claro com desenhos de nuvens cinzas e
brancas, as luzes foram trocadas para dar uma iluminação mais suave ao
local, os móveis do ambiente foram retirados e no lugar, por hora, temos uma
poltrona de amamentação, carrinho de bebê e trocador, além dos itens
encaixotados aguardando serem desempacotados, a maioria são roupas e itens
de cama. Jade adquiriu uma grande quantidade de roupas, são dezenas de
luvinhas, mijões, meias, calças, camisetas, toucas, lacinhos, sapatinhos e
vestidos, até cheguei a opinar se aquilo tudo era mesmo necessário, mas
recebi um olhar fatal em resposta e nunca mais toquei no assunto.
Montar o enxoval da Cristal online foi mais um desafio que precisamos
superar, Jade se sentia mal frequentemente fora de casa, então precisou ceder
às imposições do seu corpo e realizamos as compras nos sites. A cada item
comprado a ansiedade era adquirida junto, ela ficava de guarda para não
perder a chegada dos entregadores e a cada embalagem de roupas aberta ela
chorava como se fosse a primeira.
O berço chegou em uma das múltiplas entregas que recebemos
diariamente e como a loja não oferecia o serviço de montagem, acabei
assumindo a função de montar ele. Para a desconfiança inicial de Jade, ela
disse que era melhor contratar algum profissional para o serviço, mas eu
acabei convencendo-a do contrário.
Não deveria ser difícil montar um berço, além do mais que tipo de pai
eu seria se não montasse o próprio berço da minha filha?
Era o que eu pensava até estar com todas as peças de madeira e
parafusos a minha frente e notar que o manual de instrução mais atrapalhava
que ajudava, mas eu continuava fingindo que estava tudo sob controle.
— E aí como estamos? — É a terceira vez, em um pequeno intervalo
de tempo, que Jade entra no quarto e faz a mesma pergunta.
— Estamos bem — a estrutura do berço já está montada, no momento
estou colocando as grades laterais.
— Você não acha que esses espaços entre uma grade e outra estão
grandes? — Ela move o corpo todo para dentro do quarto e caminha até onde
estou para observar de perto.
— Deve ser impressão sua, ainda falta acrescentar algumas ripas…
Jade balança a cabeça em concordância, espero que ela me deixe
sozinha para que eu possa continuar concentrado na árdua tarefa, mas ela se
acomoda na poltrona em minha frente.
— Sabe o que me deu vontade de comer agora? — Pergunta e não
aguarda a minha resposta para compartilhar o seu desejo — jaca!
— Jaca? — Ergo a cabeça para fitá-la.
Eu não faço ideia de onde encontrar jaca, mas se é seu desejo ele será
atendido. Jade não era de ter muitos desejos, então quando ela manifestava
um eu corria prontamente para atendê-la. Foi assim que acabei em uma loja
de conveniência do posto de gasolina de madrugada para comprar sorvete de
menta, do qual ela tomou apenas uma colher antes de colocar tudo para fora.
— Sim, jaca mole — sorri — nossa, chega salivei só imaginando a
fruta na minha boca.
— Assim que eu acabar aqui, irei atrás da jaca.
— Será que você vai encontrar? Será que não é uma daquelas frutas de
estação?
— Nem que eu precise mandar trazer de outro estado você terá a sua
jaca.
— Viu filha? Papai vai trazer jaca para nós — acaricia a barriga
avantajada. — Sim, papai é o melhor do mundo — ela continua a falar com
Cristal.
— E o melhor pai do mundo acabou de montar o seu berço, filha —
anuncio animado. Admiro a minha tarefa árdua de metade de um dia, ele está
de pé e fixo, constatei isso após balançar a sua estrutura.
— Já está pronto? — Jade arqueia sobrancelha.
Seu olhar segue do berço para as peças que sobraram no chão:
parafusos, roscas e algumas ripas de madeira.
— Sim, isso são itens de substituição para caso de algo ser danificado
— justifico.
Ela se levanta e chega perto do berço. Seu olhar é crítico e atento a
todos os detalhes, primeiro ela empurra o berço e as rodinhas se movem
corretamente, depois toca na superfície e por último leva a mão entre as
grades de proteção e o braço entra todo e ainda sobra espaço para mais um.
Ok, talvez aquele espaço esteja maior que a imagem do manual.
— A bebê pode cair por esse espaço… — O tom dela não admite
objeção.
— Acho que as almofadas do kit berço servem para impedir isso, né?
— Tento tranquilizá-la.
— As almofadas não têm essa função — rebate — eu falei que
deveríamos contratar um montador, mas não você disse que era capaz de
montar o berço. Está aí a prova da sua capacidade. Minha filha não encosta
nesse berço! — Sentencia.
— Agora ela é a sua filha? — Digo irritado — enquanto eu acertava eu
era o melhor pai do mundo.
— Ai Benjamim, para de drama — pede impaciente — e eu não disse
que você era um pai ruim, apenas um péssimo montador de móveis.
— Nossa, isso melhora muito as coisas — digo enquanto guardo as
ferramentas na caixa.
— O que você quer que eu diga?
— Para começar, que tal um obrigado? — Pontuo — valeu amor, você
fez um bom trabalho, apesar de tudo. Não estou pedindo que você me elogie,
mas que reconheça meu esforço. Será que você consegue fazer isso?
Ergo a cabeça e encontro Jade estática com os olhos cheios de lágrimas
e os braços em volta da barriga como se fosse um escudo de proteção.
Me arrependo das palavras no segundo que a vejo naquele estado.
— Me desculpa — tento trazê-la para meus braços, mas ela dá um
passo para trás.
— Você tem razão — as primeiras lágrimas surgem e logo outros a
acompanham — e me desculpa por não reconhecer o seu esforço. Eu sou uma
pessoa terrível, desculpa — esconde o rosto entre as mãos quando o pranto se
intensifica.
— Amor, olhe para mim — ela afasta lentamente as mãos atendendo
ao meu pedido — você não é nada disso.
— Eu sou sim — discorda entre soluços — passei a última semana
reclamando de tudo, não tive disposição para sexo e agora eu acabo
descontando em você as minhas frustrações. Tem horas que eu me pergunto
por que você ainda está aqui, sabe?
— Sabe qual é a resposta para essa sua pergunta? — Indago
calmamente — eu estou aqui porque quero estar aqui, porque amo você e a
nossa filha — ela abre a boca para discordar com argumentos oriundos dos
seus sentimentos confusos. — Eu escolhi você e continuo escolhendo dia
após dia, nada disso vai mudar, aconteça o que acontecer.
— E se você cansar de mim? Se o peso de lidar com tudo que estou
passando for demais para você? — Vejo a fragilidade no seu olhar, uma
vulnerabilidade que não é habitual dela, mas que com a gravidez se tornou
frequente.
— Como você pode achar que isso pode acontecer? Sinta meu coração
— coloco a palma da mão dela sobre o meu coração — ele bate por você!
Você é o meu último pensamento antes de dormir e o primeiro ao acordar. É
você que eu vejo ao meu lado daqui a vinte anos, é a sua mão que eu quero
estar segurando no meu último suspiro na terra. É com você que eu quero
viver todas as outras vidas.
Sinto a emoção que as frases mais sinceras que disse na minha vida
contém e noto minha voz ficar embargada.
— As pessoas buscam um amor que a completem, que façam seu
coração errar a batida, que motivem a serem melhor, que seja companhia nos
dias bons e ruins, alguém que saiba seus defeitos e ainda assim escolha
continuar amando e eu tive a sorte de encontrar esse amor na minha melhor
amiga. Não poderia estar mais feliz.
Limpo a garganta, pigarreando, enquanto me preparo para fazer o
segundo pedido mais importante. O primeiro tinha sido feito no quarto dela
algum tempo atrás.
— Eu deveria estar com uma aliança agora, mas eu não posso mais
esperar um único dia — me ajoelho novamente diante da mulher da minha
vida e ela arregala os olhos — Jade Moraes, eu quero unir a minha vida a sua
para sempre. Você me aceita com minha incapacidade de montar móveis
corretamente e tudo mais? — Jade sorri em meio as lágrimas.
— Você sabe que não precisa fazer isso — ela diz e eu não me dou o
trabalho de responder — é claro que eu aceito.
Ela me puxa e eu fico de pé no momento em que ela cola sua boca na
minha.
— Eu te amo! — Ela sussurra contra a minha boca.
— Não mais que eu — volto a beijá-la — agora eu vou atrás da sua
jaca e quem sabe no caminho eu pare em alguma joalheria para adquirir
nossas alianças?
— Eu conheço uma ótima, a dona dela é incrível.
— É? Será que ela me dará um tratamento exclusivo? — Sussurro ao
seu ouvido.
— Não, ela está comprometida com um homem igualmente incrível —
ela suspira quando meus lábios tocam seu pescoço — e gostoso...
— Ela é uma mulher de sorte — sorrio contra sua pele.
— Ah, ela é...
Eu tenho muita, muita sorte.
— Você está com algo que me pertence. — Ele diz quando apareço na
cozinha usando sua calça de moletom, desço para tomar café da manhã
usando um top preto e a calça dele.
Cheguei naquela fase da gestação que nada mais é confortável, a
barriga acentuada e pontuda de 36 semanas aposentou todas as minhas calças
e passei a usar as dele, de moletom, que me vestia como um abraço
quentinho.
— Seu coração? — Aproximo para beijá-lo.
— Também — diz com os lábios próximos ao meus — fiz suco de
laranja e torradas para a minha futura esposa.
Benjamim me pediu formalmente em casamento aos meus pais, o que
me levou inevitavelmente às lágrimas e me deu um lindo anel de noivado
com uma pedra de cristal em formato de coração. O anel também me levou às
lágrimas pelo seu significado, mas já tem umas semanas que ele não ocupa
mais o lugar de destaque na minha mão. Meus dedos estão inchados, mas ele
continua em mim, preso na correntinha que eu trago junto ao meu peito.
Eu já estava no céu com o que estava vivendo ao seu lado, o pedido de
casamento, a aliança e a nossa filha a caminho. Fazer planos para o futuro ao
lado do homem amado enquanto carregava o fruto do nosso amor no ventre
era o final feliz que eu vinha sonhando a anos e agora estava concretizado.
Esse é o motivo pelo qual chegamos ao dia de hoje: o dia do nosso
casamento. Não tinha por que adiar, ao lado de Benjamim eu entendi que o
matrimônio era muito mais que entrar na Igreja usando um vestido de noiva
diante de centenas de convidados para fazer votos de fidelidade, amor,
respeito e companheirismo. Esses votos já estão presentes na nossa vida a
dois todos os dias quando, por vontade mútua e amor, seguimos juntos. Por
isso, vamos oficializar o nosso amor com um juiz de paz apenas para efeitos
legais.
Sem igreja, sem festa, sem tumulto e com meu baldinho de estimação.
O mais importante era o amor e isso tínhamos de sobra.
— Obrigada, futuro marido — apoio-me na bancada de mármore para
auxiliar a tarefa de me sentar na banqueta da cozinha.
Esse é mais um desconforto da minha atual semana de gestação, o
simples ato de sentar parece uma tarefa hercúlea.
— Acho que você terá que me levar café na cama todos os dias — digo
enquanto busco uma posição mais confortável.
— Por mim você não sairia da cama até nossa filha nascer. — Ele se
senta ao meu lado.
— Eu já passo metade dos meus dias nela — sorri.
Não é um exagero, subir e descer as escadas me deixava cansada, então
passei a concentrar a minha morada no primeiro andar, descia apenas para
fazer as refeições, isso quando Benjamim não levava meu jantar em uma
bandeja.
— Quais os seus planos para o seu último de solteiro, Benjamim? —
Pergunto com a boca cheia de torrada.
— Nada demais, o Val vai me levar em uma casa de strip tease. E
você?
— Ah é? — Arqueio a sobrancelha — acho que vou cancelar a
massagista e contratar um garoto de programa para a função.
— Você fica linda com ciúmes — ele ri — vou almoçar com o Val e
aguardar ansioso o horário que seremos oficialmente marido e mulher. Sua
irmã já deveria estar aqui, né?
Esmeralda e Kelly insistiram muito até me convencer de que ir a um
SPA me faria bem. Eu não saio de casa para nada além das consultas, então
não concordava muito com aquilo. De qualquer forma, elas me asseguraram
que haveria um balde para mim no lugar e que eu não precisaria ficar
constrangida caso vomitasse porque todos já estavam avisados. Assim, fui
vencida pelo ofurô e massagista, não tinha como recusar uma massagem nos
meus pés inchados.
— Está querendo me ver longe de casa, querido?
— Até parece, sentirei saudades suas a partir do minuto que passar por
aquela porta. Aliás, saudades de vocês duas — acaricia a minha barriga e
Cristal reage ao toque.
— Nós também sentiremos muitas saudades suas.
*
O dia no SPA foi maravilhoso e eu só vomitei uma vez! Fui mimada e
cuidada por todos, passei o dia sendo chamada como mamãe da Cristal e isso
me deixou em êxtase. Todos os votos de bom parto e carinhos na minha
barriga aqueceram o meu coração, assim como a companhia da minha irmã.
Aproveitamos o tempo juntas para colocar o papo em dia, Esmeralda me
confidenciou que está saindo com um cara legal e que ele queria conhecer
nossos pais para pedi-la em namoro. Ela estava dividida, uma parte dela
achava isso uma cafonice e a outra achou fofo e romântico. Aconselhei que
ela seguisse o coração e afirmei que o amor era inevitavelmente cafona em
alguns momentos.
Quando ela para o carro em frente à minha casa a minha vontade é
correr para os braços do Benjamin, apenas algumas horas longe dele e já
parecia uma eternidade. Não faço isso primeiro porque eu não conseguiria
literalmente correr até ele, segundo porque Esmeralda mantém a porta do
carro travada.
— O que foi? — Pergunto para ela que tenta disfarçar que estava
olhando para o celular.
— Nada — sorri — só estou olhando o quanto você está linda.
Estou usando um vestido branco, todo em renda, com uma faixa que o
prende logo abaixo dos seios e permite que caia solto daí para baixo. É
confortável e destaca totalmente minha barriga protuberante.
Meus cabelos foram escovados e, com babyliss, fizeram longos cachos.
Não estava alisando com produto químico desde o início da gestação.
— Pronta para dizer sim? — Esmeralda aperta minha mão e eu sorrio.
— Sim e dessa vez para o homem certo. Vamos que estou ansiosa para
beijar o meu marido.
Eu esperava encontrar na minha sala apenas os meus pais, os do
Benjamim, e nosso casal de melhores amigos: Kelly e Val, mas além deles eu
encontro um novo ambiente. Uma rápida varredura pelo lugar e vejo arranjos
de flores, tapete vermelho, cadeiras de ferro, mesa de bolo e doces. Como
fizeram tudo aquilo em tão pouco tempo?
Eu encontrei seu olhar antes mesmo de entrar e me prendi no seu amor.
— Vai lá e arrasa — Esmeralda beija o meu rosto e ocupa a cadeira ao
lado da minha mãe.
Me surpreendo quando a voz de Marisa Monte ecoa ao meu redor.
Você é assim
Um sonho pra mim
E quando eu não te vejo
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito

Se o nosso amor tivesse uma música para representá-lo Velha Infância


seria a canção, afinal o meu melhor amigo é o meu amor. Sorrio por ele ter
lembrado desse detalhe e caminho em direção ao Ben.
Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo é o meu amor

O curto trajeto até o altar improvisado é preenchido pelas minhas


lágrimas e o ritmo frenético do meu coração que bate descompassadamente
pela surpresa que o Benjamim me proporcionou. Ele me recepciona com um
beijo breve, apenas o tocar dos lábios, e repete o gesto na minha barriga.
— Você está linda! — Noto as lágrimas condensadas nos olhos azuis.
— Eu vou passar a cerimônia toda chorando e a culpa é sua — ele ri —
por que você não me contou que estava preparando tudo isso?
— Eu queria fazer surpresa. Você gostou?
— Sim, está tudo lindo. Obrigada.
— Pronta para se tornar a senhora Duarte?
— Eu não vejo a hora desse momento.
Ele me ajuda a ocupar a poltrona da esquerda e senta-se ao meu lado.
Benjamim tinha pensado em todos os detalhes, sabia que permanecer em pé
por muito tempo seria ruim para mim e colocou duas poltronas em frente ao
juiz de paz.
— Eu te amo!
Sussurro para ele e recebo de volta a resposta:
— Não mais que eu.
— Bem-vindos — o juiz de paz inicia a cerimônia — estamos aqui
para celebrar o amor de Jade e Benjamim. Eu prometo não me prolongar no
meu discurso, em respeito a mamãe da Cristal — sorri — mas vou iniciar a
cerimônia com um breve trecho do poeta Mário Quintana: “Amar é voar sem
asa, e porque amar é acolhimento, amar é mudar a alma de casa.” Quintana
quando escreveu amar é mudar a alma de casa, nos presenteou com uma
bela definição do verbo. Amar alguém é encontrar no outro o seu lar —
Benjamim busca a minha mão e nossos dedos se entrelaçam.
— E Benjamim e Jade sabem muito bem disso, pois fizeram morada
um no coração do outro, por isso que estamos aqui para celebrar o amor desse
casal. Eles já foram muitas coisas um do outro, colegas de turma, amigos,
namorados, noivos e agora se tornarão um só no enlace matrimonial.
Noto quando Benjamim leva a mão ao bolso do paletó para pegar as
alianças, mas o interrompo.
— Eu também tenho uma surpresa para você — digo e Kelly se
aproxima e me entrega a caixinha de veludo vermelha.
Abro a caixa e revelo as alianças de ouro branco. A minha é
semelhante ao anel solitário que ele me entregou, com o coração de cristal e a
dele parece no primeiro momento uma aliança masculina tradicional, mas na
parte inferior tem o formato de coração que se encaixa perfeitamente na
minha, simbolizando a união dos nossos corações. Trabalhei em segredo
nesse projeto para surpreendê-lo e pela sua reação alcancei êxito. Ele olha
encantado das alianças até mim como se estivesse absorvendo a surpresa.
— Eu quero que quando estivermos distantes fisicamente, olhemos
para as nossas alianças e recordemos que nossos corações permanecem
juntos.
— Para todo sempre — afirma com lágrimas nos olhos.
— As alianças são os símbolos físicos do amor e união. Usando as
palavras da Jade — o juiz de paz sorri para mim — as alianças são uma
recordação do comprometimento que estão fazendo um com o outro diante
dos amigos e familiares, um lembrete dos votos de amor que serão trocados
diariamente. Vocês gostariam de tornar esse momento tão especial dizendo os
seus votos um para o outro?
— A gente não preparou nada, né? — Pergunto aflita para Benjamim.
— Não fizemos nossos votos. — Ele confirma.
— As melhores palavras são ditas através do coração... — O celebrante
afirma com um sorriso.
Ele tem razão, ainda que eu não tenha preparado nada para esse
momento, o meu coração transborda de amor pelo Benjamim e eu não preciso
de frases prontas para dizer o quanto o amo e quero passar os meus dias ao
seu lado.
— Eu sempre te amei, mas o nosso amor não iniciou de forma carnal,
meu amor por você começou através da amizade. Entramos na vida adulta
juntos, segurando um a mão do outro e você sempre foi o meu melhor amigo,
o meu confidente, o meu parceiro de balada, a minha carona preferida — ele
sorri — sempre admirei a sua força, seu bom-humor, o jeito carinhoso que
você trata os seus amigos. Não é difícil amar você, sendo tão indecentemente
bonito — nossos convidados gargalham — mas também é bom ouvinte,
carinhoso, engraçado. Pai e mãe tapem os ouvidos agora — aviso, olhando
para trás antes de continuar — você é incrivelmente gostoso e lê meu corpo
como ninguém na cama — risadas ecoam no ambiente. — Então, por que eu
demorei tanto para enxergar que o amor que eu sempre busquei esteve ao
meu lado durante todos esses anos? Eu costumo pensar que tinha que ser
agora, precisávamos passar por tudo até chegarmos a esse momento. O
momento mais feliz da minha vida — seguro a mão de Benjamim para
colocar a aliança. Quando volto a falar a minha voz falha pelo choro contido.
— Quero continuar sendo a sua melhor amiga, a sua companheira, a
sua confidente, a sua parceira de baladas, a motorista da rodada — começo a
deslizar a aliança no seu dedo — quero continuar fazendo planos com você,
envelhecer ao seu lado e continuar me apaixonando enquanto eu viver. Te
amo! — Finalizo com um beijo na aliança.
— O que eu digo depois disso tudo? — Ele enxuga a lágrima solitária
que escapa dos meus olhos. — Você me ensinou que o amor pode ser
bondoso e sereno, mas também conflitante e intenso, ao ponto de nos fazer
meter os pés pelas mãos. Na ânsia de encontrar o caminho do seu coração, eu
te magoei profundamente — as lágrimas rolam pelo seu rosto — e tivemos o
primeiro hiato da nossa amizade. Eu nunca tinha passado tanto tempo sem
falar com você, ouvir a sua voz, acho que foi naquele instante que eu percebi
que estava apaixonado pela minha melhor amiga. Ali eu me dei conta que
não conseguiria mais viver um dia sem escutar a sua risada. Só que eu tinha
um longo caminho até o seu coração e quer saber? Valeu a pena cada
segundo de espera, fui recompensado com o melhor dos beijos, o melhor dos
abraços e uma filha — as minhas lágrimas se juntam as dele.
— Ao seu lado eu sou um homem melhor e só tenho a te agradecer por
isso. Obrigado por confiar o seu bem mais precioso a mim — toca a minha
barriga — obrigado por me tornar pai, obrigado por me convidar para fazer
parte dos seus planos. E eu digo sim para todos eles — sorri em meio às
lágrimas — sim para uma casa maior, sim para os filmes de comédia
romântica, sim para um cachorro para Cristal, sim para os nossos futuros
filhos, sim para toda a vida que teremos pela frente. Eu sou um homem de
muita sorte por encontrar na minha melhor amiga o amor.
A aliança é deslizada por meu dedo ao término do seu voto.
Selamos os nossos votos com um beijo apaixonado e molhado pelas
nossas lágrimas.
— Jade e Benjamim eu vos declaro marido e mulher! Pode continuar
beijando a noiva.
E nós continuamos.
Um filme passa pela minha cabeça quando sou levada até o centro
cirúrgico, como em câmera lenta, vejo algumas cenas. As primeiras cenas são
da minha infância quando a minha brincadeira favorita era interpretar o papel
de mãe das minhas bonecas, é vívido na minha memória eu fingindo que
estava amamentando a minha filha de brinquedo enquanto cantava uma
canção. Com o tempo as bonecas foram esquecidas, mas o instinto maternal
ainda me acompanhava e quando Esmeralda nasceu eu ganhei mais que uma
irmãzinha, eu ganhei um bebê que eu podia brincar, beijar e cuidar.
Desde o primeiro dia da sua chegada em casa, eu a tive em meus
braços, papai me botou sentada no sofá e colocou a minha irmã no colo, me
apresentando como irmã mais velha e explicando que eu tinha uma função
importante na família: dar as boas-vindas ao novo membro. E assim eu fiz.
Amei a pequena bolinha, ela era pequena e rechonchuda desde o primeiro
instante e com o passar dos meses ajudei a trocar as fraldas, contei histórias,
cantei canções de ninar e acompanhei maravilhada a sua evolução. Quando
ela falou pela primeira vez ‘imã’, mamãe disse que eu abordava as pessoas na
rua para contar que tinha sido chamada de irmã.
A vida adulta chegou e ela foi se encarregando das coisas, entre amores
e desamores, erros e acertos, conheci pessoas que pareciam ser a ponte que
me levaria a realizar o meu sonho de ser mãe. Namorei, noivei e quase me
casei para perceber que eu não precisava de uma ponte para isso, eu apenas
precisava fazer acontecer. Essa constatação reveladora me levou a uma
clínica de reprodução e, de forma indireta, me trouxe até aqui.
Não foi a inseminação que me levou a gestar a minha Cristal, mas sim
o desejo irrefreável de tê-la. A confirmação da gestação foi o momento pelo
qual eu esperei por todos esses anos e finalmente eu estava esperando o meu
bebê. Semana após semana eu vivi minha gestação com as suas alegrias e
dores: os primeiros batimentos cardíacos do bebê, os enjoos e vômitos
diários, a formação do enxoval, as dores nas costas e pernas, os chutes na
barriga. A hiperêmese gravídica foi um desafio que eu não contava nessa
trajetória, devo confessar que teve dias que eu chorava e pedia para que as
semanas corressem e Cristal nascesse o quanto antes, mas não era o
arrependimento da gestação que me fazia ter essa reação, era a exaustão de
uma doença que me levava ao meu limite físico e emocional, mas eu sempre
me apegava ao dia em que eu teria a minha filha nos meus braços e nesse
momento tudo se tornava superável.
Dizem que existe um motivo para tudo, uma razão pela qual as coisas
acontecem, regido talvez por uma força cósmica ou divina para a vida
acontecer. E eu acredito nisso. Havia um motivo para eu assistir a reportagem
da reprodução independente, uma razão por que dentre tantas clínicas eu
escolhi a Mother Reprodução Humana e conheci a doutora Mayra Carvalho,
que se tornou a minha obstetra. Havia uma razão pela qual Benjamim se
tornou o pai que eu buscava e não o doador de sêmen do banco da clínica.
Uma razão que pode não conhecer à lógica, mas que convergiu para que eu
chegasse até o dia do nascimento da minha filha.
E nesse momento tão especial, estou cercada por uma equipe da qual
confio, integralmente formada por mulheres que se fizeram presente durante
o Pré-Natal, transmitindo-me segurança, carinho e afeto. Quando o
assunto parto foi abordado pela equipe médica, eu já tinha lido muito a
respeito, havia fatores como o encaixe do bebê e a saúde da mãe que
determinavam o parto ideal, mas a única coisa que eu tinha em mente era que
eu queria um parto humanizado, no qual os desejos e necessidades da mãe e
do bebê são colocados em primeiro lugar. E assim, em comum acordo, e
levando em consideração o que seria melhor para mim e o bebê, decidimos
por cesárea.
A cesariana, apesar de ser uma cirurgia, também pode ser humanizada
e para tornar isso possível alguns cuidados são adotados antes, durante e após
o parto. Tais quais anestesia com segurança, sem sedação e sem mãos
amarradas; possibilitar o contato pele a pele entre mãe e bebê após o
nascimento; respeito à hora de ouro, a primeira hora pós-
parto, proporcionando as primeiras interações entre mãe e filho. Todos esses
cuidados foram assegurados pela equipe e estavam prestes a entrar em ação.
Essas pessoas serão as responsáveis por fazer do parto o mais lindo da
minha vida, a doutora Mayra diz que eu sou a protagonista do momento e,
como tal, a equipe atende as minhas necessidades. A temperatura do ar-
condicionado foi ajustada para que eu não sentisse frio, a playlist que sai da
caixa de som foi escolhida por mim e a cortina entre nós será abaixada para
que eu veja minha filha. Eu estava serena e confiante, mas sentia falta da mão
que segurava a minha até minutos atrás. Benjamim acompanharia o parto ao
meu lado, nesse momento deveria estar vestindo a roupa adequada.
— Como você está se sentindo, Jade? — A anestesiologista me
pergunta depois que a analgesia foi realizada.
— Bem — sorri — vocês vão esperar o meu marido chegar, né?
— Sim, não vamos começar sem o seu marido, pode ficar tranquila.
Os minutos se passam e acompanho o movimento da equipe, o som dos
instrumentos cirúrgicos se juntam à música ambiente e formam um som que
começa a me deixar inquieta e um pouco temerosa. A cesariana, como toda
cirurgia, tinha seus riscos e eu estava ciente deles, mas preferia me apegar
que tudo ocorreria sem intercorrências. E se algo acontecesse, Benjamim
estaria segurando a minha mão, não é? Como se soubesse que meu coração o
buscava, ele surge vestindo os equipamentos de proteção e segurança
exigidos para adentrar naquele ambiente.
— Oi — ele sussurra próximo ao meu ouvido.
— Oi — sorri, mais aliviada.
Benjamim se senta na cadeira colocada ao meu lado, segura a minha
mão e todo o meu medo parece se esvair.
— Cassandra já está aguardando para registrar tudo — Cristal ganhou
de presente da fotógrafa as fotos do seu nascimento e a amiga de Ben é quem
fará os registros. — Está muito perto de vermos o rosto da nossa menina,
meu amor — ele encosta os lábios aos meus.
— Jade, está pronta para trazer a sua menina ao mundo? — A voz da
doutora Mayra chega até mim e nosso breve beijo chega ao fim.
— Sim, eu sempre estive pronta.
Entre as coisas mais lindas que eu conheci
Só reconheci suas cores belas quando eu te vi
Entre as coisas bem-vindas que já recebi
Eu reconheci minhas cores nela, então eu me vi
As primeiras estrofes da canção anunciam a chegada de Cristal ao
mundo, o seu choro alto e firme se mistura à melodia e me levam às lágrimas
que molham o meu rosto e desaguam no meu sorriso. Os lábios de Benjamim
encontram os meus e nossas lágrimas se unem.
A cortina que separa a minha filha de mim é abaixada e a vejo pela
primeira vez. A sensação é indescritível, eu achei que nenhuma emoção
superaria a descoberta da gravidez, mas o que sinto agora é avassalador. É
um sentimento que rouba o ar e meus sentidos, é amor em sua forma mais
pura. A cortina é erguida mais uma vez e minha filha desaparece do meu
campo de visão, mas ela já está registrada no meu coração.
— Amor, ela tem a sua boquinha — Benjamim afirma sorrindo.
— Ela é tão linda... — Digo, emocionada, sem conter o choro.
— Ela é perfeita como você!
Cristal nasceu e eu renasci.
Há uma Jade antes e depois de se tornar mãe, agora há uma nova
mulher que encara o mundo com outros olhos, uma mulher forte e corajosa
que enfrenta tudo e todos para proteger a sua cria. Sinto-me forte, incrível,
amada e feliz em uma potência nunca experimentada. É a força que só a
maternidade proporciona.
O meu coração bate descompassadamente quando a pediatra se
aproxima com o meu pacotinho de amor nos braços.
— Oi papais, eu sou uma menina saudável de 53 centímetros e três
quilos e seiscentos gramas de puro charme e beleza — rimos com a
apresentação. — O papai quer segurar a bebê?
Benjamim balança a cabeça em afirmação e a Cristal é colocada nos
seus braços, a médica o ajuda a achar a posição correta.
— Papai não vai te deixar cair, tá? — Percebo que ele está nervoso
quando emite essas palavras.
— Não tem braços mais seguros que o seu, amor — asseguro — você
está se saindo bem.
— Você terá que ter paciência com o seu pai, pois tudo é novo para ele.
Os livros que ele leu não o prepararam para esse momento, sinto que sei tão
pouco. Você parece mesmo um cristal que eu preciso proteger com todo o
cuidado do mundo e farei isso. Não vou permitir que nada te aconteça, você
tem a minha palavra, filhinha — ele sentencia — eu te amo, pequena.
O jeito que ele olha para ela é sublime.
Benjamim a fita como se ela fosse o seu bem mais precioso.
Com o olhar de amor de um pai.
— Agora chega desse papo com o papai, que a mamãe está ansiosa
para tê-la em seus braços — ele sorri.
Cristal é colocada sobre meu peito, nosso primeiro contato pele com
pele é registrado pela fotógrafa e acompanhado pelos olhares atentos do
papai. Sinto meu peito transbordar de amor naquele instante.
— Mamãe sonhou tanto com esse momento, mas a realidade é ainda
melhor — acaricio o seu rostinho. — Você é tão preciosa, filha. É a joia mais
linda que meus olhos já viram. — Cristal me olha como se estivesse
compreendendo o que está sendo dito.
E eu me vejo através dos olhinhos atentos. Não é um encontro, mas o
reencontro de duas pessoas que estiveram destinadas a ficar juntas.
— Seja bem-vinda, amor. Há uma vida linda lá fora esperando por
você e para te guiar nesse novo mundo eu te aconselho a segurar a mão do
papai. Você vai ver como facilmente a sua mão encaixa na dele e nunca mais
vai querer soltar quando a segurar pela primeira vez. Seu pai é o homem mais
lindo, carinhoso, amoroso e o melhor pai que você poderia ter. — Meu olhar
encontra o de Benjamim e vejo ele sorri em meio às lágrimas. — Eu vou me
esforçar bastante para ser a mãe que você merece.
— Não precisará de esforço para isso — Benjamim completa — filha,
você tem a mãe mais corajosa e amorosa do universo, ela vai te fazer se sentir
amada apenas com um olhar, vai fazer você querer morar no abraço dela e
desejar receber seus beijos de bom dia por toda a vida. Eu não tenho dúvidas
de que você tem a mãe mais incrível desse planeta — vou às lágrimas, mais
uma vez, com as suas palavras. — Nós três vamos ser muito felizes juntos,
filha.
— Eu tenho certeza disso.

A verdade é que nenhuma leitura te prepara para a chegada de um


filho. Nenhum dos relatos que li e ouvi sobre o nascimento chegam perto do
que você sente quando pega o seu bebê no colo pela primeira vez. Era como
se o universo tivesse mandado especialmente para você uma joia de valor
inestimável para que seja o guardião e era exatamente assim como eu me
sentia em relação a Cristal.
Lembro que sua primeira noite em casa, literalmente, roubou o meu
sono. Não consegui dormir pensando que ela poderia acordar em algum
momento e que não ouviríamos o seu choro, mas aquilo era quase impossível
considerando que ela estava dormindo entre Jade e eu. Ainda assim, passei a
noite velando o seu sono e admirando as duas mulheres da minha vida
dormindo serenamente.
Optamos por deixá-la dormir a primeira noite na nossa cama para que
Jade não precisasse ir até o quarto ao lado para amamentar. E assim a
primeira noite na nossa cama se transformou na segunda, terceira, quarta, até
que paramos de contar e agora Cristal dormia todas as noites entre nós.
Aquilo trazia uma segurança maior para os papais de primeira viagem,
fizemos um acordo de que ela seguiria para o quartinho quando completasse
o primeiro mês de vida. Ela parecia tão frágil e insegura que tememos que
sentisse medo em dormir sozinha, mas a verdade é que essa insegurança era
nossa. Por mais que os conselhos externos nos assegurarem que nada de mal
aconteceria a ela em seu berço, os nossos corações de pais diziam o contrário.
Então nos escutamos, aquele era o norte da nossa família, escutar o coração,
deixar que ele seja o condutor das nossas decisões como pais.
Ter um filho é viver em um loop de sentimentos. Há momentos que
você está em baixo e nessa posição você se sente inseguro, com receio de
errar e teme pelo futuro, mas também há os momentos em que você está no
topo, como quando a sua filha enrosca o dedo no seu enquanto você canta
para ela dormir. Ou quando você olha para o lado e vê a sua linda esposa
amamentando com um enorme sorriso de felicidade e é exatamente aí que eu
me encontro agora, no topo, sentado na cama trabalhando enquanto Jade
amamenta a nossa filha.
Estou voltando aos poucos ao trabalho, depois de vinte dias dedicados
exclusivamente a missão de ser pai da Cristal, volto ao estúdio e tenho uma
agenda flexível que permite que eu almoce em companhia delas e retorne
para casa impreterivelmente às dezoito para fazer o jantar e cuidar de Cristal
pelo adentrar da noite. A rotina de cuidados do recém-nascido é exaustiva,
você é imerso vinte e quatro horas em um universo de chupetas, fraldas,
banhos, arrotos, cocôs e xixis. Em um looping infinito que rouba o seu sono e
energia. Por esse motivo, nós nos revezamos no cuidado, à noite eu fico com
ela para que Jade possa descansar. A nossa filha tem os hábitos noturnos do
papai e ficamos bem durante a madrugada, recorremos a mamãe apenas para
amamentar e logo ela volta para os meus braços.
— Amor, ela é toda sua! — Fecho a tela do notebook e me preparo
para pegar o meu pacotinho de amor.
Ela está usando um macacão de manga longa amarelo claro com
estampa de bichinhos. Eu brinco que ela é o meu raio de sol quando está
usando qualquer roupa amarela, pois a cor ressalta o tom escuro da sua pele e
desde que eu disse isso Jade começou a dar preferência pelo amarelo. Cristal
herdou não apenas a boca da mãe, mas a sua cor, seus olhos atentos e seu
nariz arrebitado, fisicamente ela é a cópia de Jade. De mim puxou a
personalidade, detestamos acordar cedo e temos hábitos noturnos. Cristal
costuma estar mais ligada à noite e passa muitas horas da madrugada
acordada, por isso eu ficava com ela durante a madrugada para Jade dormir.
— Acho que tem uma surpresinha para o papai aqui, né? — Faço
menção ao cheiro vindo da sua fralda.
Cristal reage a minha voz e seus lábios se movimentam em um sorriso.
Os livros dizem que é involuntário, um reflexo motor do bebê, mas para mim
continua sendo o sorriso do bebê direcionado a mim.
— Vamos trocar essa fralda mocinha e depois curtir a noitada com
nossos amigos de pelúcia.
— Benjamim, você deve colocá-la para dormir — Jade afirma
sorrindo.
— A noite é uma criança para nós, né amor? — Pisco para a minha
pequena — vamos te deixar descansar. Boa noite, mamãe — imito a voz
infantil — boa noite, amor — Inclino-me sobre ela e nossos lábios se
encontram rapidamente, o contato dura o tempo de Cristal resmungar. —
Calma princesa, papai já vai limpar você.
Levanto da cama e caminho em direção ao quarto dela, quando Jade
interrompe antes que eu passe pela porta.
— Quinze dias! — Aquela menção me faz sorrir.
O resguardo da cesárea é de quarenta dias, quarenta dias sem sexo, e
Jade parecia ansiosa para que os dias voassem. Confesso que eu também
aguardo com bastante vontade que ela se recupere.
— Alguém está contando os segundos — falei encarando a minha
esposa que exibia um sorriso sacana nos lábios.
— E você não? — Arqueia a sobrancelha.
— Acho que voltei à adolescência, a minha mão se tornou a minha
melhor amiga — ela ri alto.
— Quinze dias e você terá a sua verdadeira melhor amiga de volta —
pisca para mim — quinze dias que eu vou poder muito mais do que beijar. É
uma tortura ter um homem gostoso na sua cama e apenas dormir ao lado dele,
quando o meu resguardo terminar a última coisa que eu quero fazer é dormir
a noite.
— Que coisa indecente para falar na frente da sua filha — ela gargalha
diante da minha falsa repreensão. — Vamos aproveitar todo o tempo perdido,
o máximo de tempo que Cristal nos permitir.
— Os intervalos de sono entre uma mamada e outra já são um bom
começo. Do jeito que estamos não precisaremos mais do que cinco minutos.
— Eu estava pensando em três — digo, fazendo-a gargalhar.
— Quinze dias — Jade repete — quinze dias que eu me sentirei mais
que dois peitos ambulantes andando por essa casa. Sua filha olha para mim e
vê apenas peitos.
— Você é mais que isso, você é uma bunda gostosa, uma boca
deliciosa. Daqui de onde estou, vejo uma grande gostosa sentada na minha
cama.
— Claro, uma grande gostosa usando sutiã de amamentação bege com
mancha de leite — ela ironiza sorrindo — meu ego agradece por essa
pequena mentira.
— Não é mentira, a minha visão é de uma mulher linda. Para mim você
é a mulher mais sexy do mundo nesse momento. E vou fazer cada parte sua
compreender isso daqui a quinze dias, minhas digitais na sua pele lembrarão
como você é sexy usando qualquer coisa, Jade.
— Eu realmente acho que preciso ser lembrada…
— Eu farei isso com o maior prazer.
Cristal choraminga nos meus braços como o lembrete sonoro do tipo:
“ei papais, eu ainda estou aqui”.
— Mas agora eu preciso sujar as minhas digitais com cocô de bebê —
sorrimos — sonhe comigo, amor.
— Ah, eu vou sonhar. Não tenha dúvidas do que farei com você no
meu sonho...
— Filha, vamos embora que a sua mãe hoje quer manter a conversa
+18 e isso não é adequado para uma mocinha — Jade gargalha em resposta
— vou te manter longe desses pensamentos impuros, levando-a para o seu
quarto imaculado das conversas sacanas da mamãe — continuo a conversa
com Cristal no corredor.
— Quero ver você lembrar que o quarto dela está imaculado daqui a
quinze dias — escuto a voz de Jade — não foi você que imaginou me
comendo contra o trocador?
— A gente não fala coisas sensatas em meio ao tesão, amor — justifico
sorrindo.
— Continue pensando assim quando a gostosa mamãe estiver fora do
resguardo e o quarto dela continuará imaculado.
Entro no quarto de Cristal e meus olhos se fixam no trocador.
E a imagem da minha linda esposa debruçada sobre o trocador faz a
minha pele esquentar.
Talvez eu não seja um pai tão bom assim por ter esses pensamentos
pecaminosos no quarto do bebê, mas a minha esposa também tem, então
estamos quites.
Formamos uma dupla de papais fogosos.
— Mamadeiras, brinquedos, chupetas, roupas e remédios — Benjamim
enumera após ter conferido por duas vezes os itens nas mochilas. — As
minhas meninas, já estão prontas?
Eu não canso de admirar a beleza do meu marido. Ele é incrivelmente
lindo, mas hoje está ainda mais bonito, usando uma camisa social preta e
calça da mesma cor. Ele é um delicioso homem de preto com duas mochilas
infantis nos braços.
Cristal, que estava sentada no tapete brincando, se levanta e vai ao
encontro do pai. É sempre assim, ela para tudo que está fazendo quando
Benjamim chega no ambiente e corre para os seus braços.
— Quem é essa princesa mais linda do papai? — Benjamim se abaixa
até ficar na sua altura.
— É a Quistal! — É o som que sai dos seus lábios para o seu nome.
— É a Cristal, é? — Ele faz cócegas na sua barriga e ela se derrete em
seus braços.
As risadas deles agitam a pequena à minha frente que balança
freneticamente os bracinhos e perninhas dificultando que eu feche o botão da
jardineira.
— Pronto, amor — pego a bebê gorducha no colo e ela sorri exibindo a
sua linda boquinha desdentada.
Agora temos mais um bebê em casa.
Um bebê que não foi planejado, mas chegou para provar que a
felicidade poderia ser ainda maior. Cristal tinha apenas três meses quando eu
descobri que esperava um outro bebê, a notícia nos pegou de surpresa, mas ao
invés de desesperados, nós ficamos imensamente felizes mesmo sabendo que
não seria fácil. Benjamim e eu já fazíamos planos para aumentar a família,
queríamos dar a Cristal uma irmãzinha, só não contávamos que seria com
uma curta diferença de idade. É verdade que a chegada da Safira trouxe
mudanças repentinas em nossa vida, tivemos que antecipar o projeto de
mudança para uma casa maior, pois queríamos que as meninas crescessem
com espaço para correr e brincar.
Para lidar com tudo, nós contamos com a ajuda da Gleise, a nossa
colaboradora que ajuda nas tarefas domésticas, além da nossa rede de apoio,
formada por amigos e familiares, que nos auxilia nos cuidados quando
precisamos de uma mão extra.
Em meio a essas mudanças, Safira chegou para acrescentar mais
felicidade e amor em nossas vidas. E integrar a equipe das meninas, agora
somos três mulheres que mandam no papai. Eu, Cristal e Safira.
— Acho que esse quarto está repleto de princesas, Cristal — Benjamim
se aproxima com ela nos braços. — Oi, princesa — Safira agita os bracinhos
para que o pai a pegue no colo.
— É imãzinha da Quistal — ela toca o rosto da irmã suavemente e eu
não consigo não me emocionar com essa cena.
Cristal é muito carinhosa com a irmã, no início tememos que ela
sentisse ciúmes por dividir a atenção, mas desde a primeira noite de Safira em
casa, ela foi só amor e afeto. Às vezes, eu tenho a impressão de que estou
vivendo um sonho de tão feliz e doce é a minha vida ao lado das minhas
filhas e meu marido. Não é a ausência de problemas que me faz pensar nisso,
eles existem, não é nada fácil administrar a rotina de cuidados de duas
crianças pequenas. Mas quando chega ao fim do dia e eu vou até o quarto e as
observo dormindo serenamente, me sinto a mulher mais completa do mundo.
— Mamãe ama tanto vocês, filhas! — digo com a voz embargada. —
Vocês e o papai são os meus bens mais preciosos.
— A gente também te ama muito, amor — Benjamim seca a lágrima
solitária que escorre pelo meu rosto. — É melhor nos adiantarmos, antes que
a mamãe desista de sair.
— É, vamos logo — concordo sorrindo.
*
— Cristal, seja uma boa menina enquanto o papai estiver fora. Não dê
trabalho ao vovô — Benjamim dá um beijo no rosto dela.
A relação de Benjamim com o pai se tornou mais sólida com o
nascimento das meninas, Ismael pode não ter sido o pai exemplar que
Benjamim precisava, mas era um avô amoroso e dedicado. Ele e Lorena
amavam as crianças e sempre se ofereciam para cuidar delas caso um dia
precisássemos. Sim, ao contrário do que Benjamim previu, a última
namorada do pai permaneceu em sua vida e agora eles moravam juntos. Hoje
precisamos recorrer a eles, pois acabamos confundindo a data do encontro
com nossos amigos do Ensino Médio e os meus pais e a mãe de Benjamim,
que geralmente ficam com as meninas, tinham compromissos para o mesmo
horário. E a Esmeralda e o namorado estavam viajando. Já estávamos
conformados que não iríamos, quando o vovô Ismael ligou, em chamada de
vídeo para falar com as netas, troquei um breve olhar com Benjamim e
fizemos o pedido, ele prontamente se colocou à disposição para ficar com as
netas.
— Não é trabalho algum cuidar das minhas netas — Ismael diz
pegando a Safira nos braços e enchendo-a de beijos.
— Eu tenho uma surpresa! — A voz da Lorena antecede a sua
aparição e eu não estou pronta para o que meus olhos veem.
Ela surge montada sobre um unicórnio de pelúcia, um daqueles bichos
motorizados comuns em shopping e noto os olhos de Cristal brilharem de
encantamento quando ela estaciona a nossa frente.
— Oiiiii — Lorena nos cumprimenta sorridente — quer dar uma volta
comigo Cristal?
— Sim! — Cristal responde e logo é colocada sobre o unicórnio.
— Tchau mamãe, tchau papai. Vamos dar uma voltinha — Lorena se
despede.
— Divirta-se, filha.
— Pai, isso é…
— O máximo — completo para o meu marido que olha o brinquedo
com um misto de encantamento e incredulidade.
— Também tem um para você, pequena — ela sorri para neta mais
nova. — O seu é um lindo cavalo.
— Você quer brincar no cavalinho, amor? — Pergunto para ela que
emite ruídos sonoros de animação.
— Alguém está animada para brincar de upa, upa cavalinho com o
vovô — Benjamim afirma sorrindo.
— Vamos brincar com o vovô? — Ele pergunta e Safira estende os
bracinhos em resposta.
Benjamim e eu nos despedimos dela com um beijo na cabecinha
cheirosa.
— Papai, volta logo pra te buscar — Benjamim se despede da filha.
— Ismael, pode nos ligar a qualquer momento. Antes das onze já
estaremos aqui.
— Não se preocupem com nada, podem ir tranquilos. As meninas estão
em boas mãos.
— A gente sabe pai, mas são duas crianças, então se acontecer
qualquer coisa nos ligue no primeiro minuto.
— Achei que o cordão umbilical havia sido cortado na maternidade —
meu sogro sorri — já estive nesse lugar, sei como é assustador as primeiras
saídas sem os filhos, a gente acha que o pior pode acontecer na nossa
ausência, mas nada acontece — balanço a cabeça concordando — quando
voltamos para casa vemos as crianças felizes e constatamos que era só a
angústia da separação. Podem ir tranquilos, as meninas estarão bem cuidadas
e se porventura alguma intercorrência acontecer, vocês serão os primeiros a
saber. Agora vão logo se divertir e deixe que a gente comece a nossa
diversão, né pequena? — Safira sorri.
— Seu pai tem razão, vamos aproveitar nossas horas livres — estendo
a mão para Benjamim que a segura prontamente.
— Tchau, amorzinho — ele se despede da filha com um beijo na
cabeça. — Obrigado, pai.
— Eu que deveria agradecer por esses três presentes em minha vida.
— Três? — Ele arqueia a sobrancelha — não vai me dizer que você
está esperando mais um bebê?
— Não — nego sorrindo — seu pai deve estar se referindo a mim
como um dos presentes na vida dele. Se você ainda não se deu conta, querido,
eu sou um presente inestimável e seu pai reconhece isso. Estou certa, sogro?
— Certíssima — ele sorri — a sua esposa e as suas filhas são os
melhores presentes que esse velho recebeu após o seu nascimento.
*
Ter Benjamim ao meu lado não é novidade, passamos mais da metade
das nossas vidas lado a lado e costumávamos chegar nos lugares um
acompanhando o outro, de modo que, quando aparecemos de mãos dadas
diante dos nossos antigos amigos da escola eles nos olham com naturalidade.
Não os surpreendeu que estejamos juntos como marido e mulher, é como se
para eles a gente sempre tivesse sido um casal. E em parte sempre fomos,
tínhamos cumplicidade, lealdade e amor.
— Olha se não é a mamãe mais linda do mundo — Kelly me
recepciona com um abraço apertado — e você não está nada mal, Benjamim.
— Você também, não — diz antes de ser envolvido por seu abraço —
como vai compadre? — Ele cumprimenta Val. Nossos melhores amigos
foram eleitos para serem os padrinhos de batismo da nossa primeira filha.
— Muito bem — Val responde sorrindo — e minha afilhada?
— Andando de unicórnio na casa do vovô — Benjamim afirma
sorrindo.
— Unicórnio? — Kelly levanta as sobrancelhas em estranhamento.
— Sim, aqueles bichos motorizados que as crianças passeiam no
shopping — explico — amor, será que seu pai nos empresta? Eu ganharia
muitos minutos indo de um canto para outro andando pela casa sobre um
unicórnio.
— Facilitaria muito a nossa vida quando Safira começasse a andar, né?
Poderíamos monitorar as crianças através dele. Está decidido, vamos pedir ao
meu pai emprestado — ele sentencia sorrindo.
— Seu pai está babando nas netas, né? — Nosso amigo pergunta.
— Ele e a Lorena são completamente apaixonados pelas meninas —
Benjamim afirma orgulhoso — elas possuem até um quarto para elas na casa
deles, com papel de parede infantil e dezenas de brinquedos.
— As meninas também são apaixonadas por ele — afirmo com o
coração quentinho.
Nós cumprimentamos alguns dos presentes e tiramos fotos para marcar
aquele encontro que adorávamos mais a cada ano. Aquele era o primeiro que
comparecíamos depois dos bebês e estávamos gostando muito, apesar da
lembrança constante das nossas pequenas.
Quando nosso quarteto se reúne novamente é para comentar as
novidades que coletamos nessa volta por todos. Estamos em nossa mesa,
aproveitando os comes e bebes, quando vejo uma Patty sorridente
caminhando em nossa direção. Ela segura uma taça de champanhe e me
encara, mas rapidamente seus olhos se fixam no meu marido.
Eu sei o efeito que Benjamim causa nas mulheres, lido com eles todos
os dias, há anos. Em geral, não me incomodam, porque meu marido me
desperta segurança e prova, dia após dia, que merece a minha confiança.
Assim, é raro eu sentir ciúmes dos olhares de cobiça que recebe, mas nesse
momento não só estou sentindo ciúmes como estou insegura.
Enquanto ela desfila até nós com seu vestido justo, noto que continua
belíssima com seu corpo esguio e a pele descansada de quem dormiu oito
horas de sono ininterruptas, enquanto eu ainda estou voltando ao corpo que
eu tinha antes de engravidar e há muito tempo eu não sei o que é dormir
horas seguidas.
Emendei uma gestação na outra e foi inevitável que meu corpo não
passasse por transformações, tenho cicatrizes das cesarianas e estrias no peito
e bunda. Eu sei que é uma vaidade boba feminina, mas eu não consigo deixar
de senti-la diante da antiga paixão do meu marido. Como se sentisse a minha
insegurança, sinto os dedos de Benjamim sobre minha coxa, por baixo da
mesa.
— Desculpa atrapalhar, mas eu precisava perguntar qual é o segredo
para ter esse corpo mesmo após dois filhos seguidos? Considerando que o pai
do Benjamim é cirurgião plástico não me surpreenderia se o segredo fosse
cirurgia. — Patty fita-me com um sorriso maldoso nos lábios.
— Que desnecessária! — Kelly a repreende.
— Por quê? Foi uma pergunta inocente — ela dá de ombros — Jade
está muito bonita para quem teve dois filhos.
— Você tem razão, a minha esposa está ainda mais linda após o
nascimento das meninas — Benjamim sorri — a maternidade trouxe a ela
nuances que a deixaram a mulher mais linda do universo, eu repito
diariamente para ela que é a mamãe mais sexy do planeta Terra. Aposto que a
Jade também gosta de ouvir de outra mulher que ela continua linda. Obrigada
por isso, Patty — Kelly e Val tentam conter o sorriso, mas falham.
— A propósito, não fiz nenhuma cirurgia plástica, mas caso precise do
contato do meu sogro eu posso te passar. Ele é um ótimo cirurgião.
— Acho que não vou precisar tão cedo, querida.
— Cai fora daqui, Patty — é Val quem fala e nos surpreendemos com a
firmeza.
— Ok, estou indo, só vim fazer um elogio, mas se não sabem lidar com
isso, fazer o que, né?
— Vamos dançar, amor? Se nos dão licença... — Ben fica de pé e
estende a mão para mim que prontamente aceito.
Nos afastamos deixando para trás uma Patty com cara de poucos
amigos.
Ocupamos a pista de dança do salão onde está sendo o encontro desse
ano, há apenas um casal se movendo no ritmo da canção romântica. Quando
o homem vira a cabeça em minha direção o reconheço: Filipe. Ele está
acompanhado de uma mulher bonita que deve ser a sua esposa, trocamos um
sorriso em cumprimento. E a partir daí a minha atenção se concentra no lindo
homem em minha frente e seus braços em volta do meu corpo. Levo as mãos
até o seu pescoço e movemos nossos corpos no ritmo lento.
Quando a música acaba e uma nova canção se inicia, eu sorrio ao
prestar atenção na letra. Olho ao redor e Kelly faz um sinal de legal, o que
significa que foi ela que foi até o responsável pelo som e pediu que tocasse
Best Friend de Jason Mraz.
Amor é onde isso começa
Obrigado por me deixar entrar
Eu nunca tive que fingir
Você sempre soube quem eu sou

E eu sei que a minha vida é melhor, porque você é uma parte dela
Eu sei que sem você do meu lado eu seria diferente

Obrigado por toda a sua confiança


Obrigado por não desistir
Obrigado segurar minha mão
Eu sempre soube onde você está

Nós dançamos juntinhos, apreciando cada linha dessa música que


parece dizer tanto sobre nós.
— Obrigada por ter me defendido ali na mesa — sussurro,
aproximando meu rosto do seu.
— Não foi uma defesa, foi uma declaração de amor — ele sorri.
— Então, muito obrigada por se declarar na frente da mulher que você
pegava antigamente.
— Você pode fazer muito mais do que me agradecer com palavras —
ele sussurra perto do meu ouvido — o que acha de darmos uma voltinha?
— Uma voltinha? Não tem nada para ver nesse salão que já não
tenhamos visto.
— A maternidade te deixou inocente, amor? — Arqueia a sobrancelha
— estava pensando em encontrar um lugar para você me demonstrar como
está grata ao seu maridinho…
— Sacanagem em local proibido? — Pergunto com falsa indignação —
vamos lá.
Ele me puxa pela mão e me leva pela porta lateral do salão. Do lado de
fora, ele me conduz para o caminho que nos levaria até o estacionamento
onde deixamos nosso carro. Antes de chegarmos lá, Benjamim percebe que
há um corredor ali que pode ser bem mais útil e muda de direção.
— Deve passar pessoas por aí — sussurro apreensiva.
— O que faz com que isso fique ainda melhor — rebate, me colocando
contra a parede, ao lado de dezenas de caixas de papelão empilhadas.
— Amor, mas e se...
Ele não me deixa completar, tomando minha boca em um beijo
devasso. Benjamim chupa minha língua com vontade, me fazendo esquecer
qualquer protesto que eu poderia pensar.
Sinto suas mãos subirem por minhas pernas, por baixo da saia plissada
que estou usando e não dificulto as coisas, abrindo as pernas para facilitar seu
toque.
— Vai ser rápido — ele informa — mas vai ser inesquecível.
Ele diz antes de se abaixar e enfiar a cabeça embaixo da saia.
Só dá tempo de colocar minha mão na boca e morder para evitar gritar.
Benjamim me chupa intensamente, fazendo meu corpo esquentar de maneira
instantânea. Ele me manipula com os dedos e lábios até me fazer pingar de
desejo, o que acontece em trinta segundos.
Ele se afasta e fica de pé, levantando as sobrancelhas como se pedisse
desculpas por não continuar até eu gozar.
Ben abre a calça e se aproxima, levanta uma das minhas pernas e eu me
preparo para recebê-lo.
— Eu juro que queria que gozasse na minha boca, mas parecia que
vinha alguém, ouvi passos — sussurra colocando seu pau em minha entrada.
Creio que ele não ouviu ninguém, mas disse aquilo para me deixar
mais alerta e com mais tesão. Duvido que Benjamim se arriscasse a deixar
qualquer pessoa me ver naquela situação.
De qualquer forma, surte efeito. Imaginar que poderíamos ser flagrados
a qualquer momento me faz ir a loucura enquanto ele estoca.
— Quer gritar? — Pergunta ao notar que estou tapando minha boca
contra o seu ombro.
Não respondo. Benjamim respira fundo e ergue minha outra perna,
para então me foder mais rápido. Sinto minhas costas se chocarem contra a
parede, sinto seu pau tocando no fundo e sinto-me a mulher mais desejada do
mundo.
Ali, contra a parede de um salão de festas, com nossos amigos há
poucos metros, eu me sinto tão gostosa que meu marido não se contém. Me
sinto sexy, safada e muito feliz enquanto sou fodida.
Eu gozo um segundo antes dele fazer o mesmo.
— Uau — suspiro quando ele me coloca no chão — me limpar com a
calcinha para não mostrar a todo mundo as marcas do seu gozo — sorrio.
— Você fica ainda mais gostosa assim, excitada e com medo do flagra.
— Vamos sair daqui antes que eu queira de novo e de novo.
— Não tem sido suficiente? Te engravidei duas vezes seguidas.
— E pode tentar a terceira, quarta… — Sorrio, entregando a calcinha
suja para ele guardar.
— Interessante — seus braços me puxam novamente — eu estou
precisando de dois meninos para o meu time. Estou sendo massacrado pelo
time feminino.
— Podemos começar a treinar para a formação desse time, dizem que o
treino é essencial.
— Será que podemos ir embora daqui para treinar num motel?
— Agora? Mas a festa ainda nem chegou na metade — sorri.
— Temos dois bebês, eles não têm noção do tempo, cinco minutos
longe para eles é uma eternidade, ninguém vai desconfiar.
— Eu deveria estar me sentindo péssima por usarmos as crianças? —
Pergunto sorrindo.
— De jeito nenhum, pais felizes, crianças felizes não é o que dizia
aquele livro lá dos pais e filhos? — Assenti em confirmação — vem, deixe
que eu conte a nossa mentirinha inofensiva.
— Eu acho que te amo ainda mais essa noite.
— Eu realmente sou um homem de sorte.
Naquela noite nos despedimos de quem importava e seguimos para o
motel. Era nossa primeira vez juntos em um lugar como aquele. Antes de
começarmos o treino, de fato, ligamos para Ismael e nos certificamos de que
estava tudo bem. Dali em diante, pensamos apenas em nós dois.
Nos amamos com a calma de quem tem uma vida inteira pela frente.
Benjamim beijou cada parte minha, fazendo questão de acariciar as minhas
cicatrizes da cesárea, as minhas estrias, as gordurinhas na barriga. Ele fez eu
me sentir adorada.
Benjamim se moveu dentro de mim, reivindicando cada espaço que era
apenas seu. Chegamos juntos ao ápice do prazer, como se nossos corpos e
corações estivessem completamente conectados.
Ao fim da noite, quando estávamos a caminho de casa, com as nossas
filhas adormecidas no banco de trás, eu era a pessoa mais feliz do universo.
E continuaria sendo enquanto eles estivessem ao meu lado.
Foi muito difícil chegar até aqui.
Estamos em um looping infinito, já perceberam?
Parece que 2020 não acabou e que tudo que estamos vivendo nesse ano
é um retrospecto... E nesse looping nós ficamos presas sem conseguir
produzir nada. São seis meses desde nosso último livro, dá para acreditar?
Por isso, se você é nosso leitor e ainda está aqui, nosso agradecimento é para
você.
Muito obrigada por ir nos perguntar nas redes sociais quando viria
história nova, obrigada por terem votado nas enquetes que escolheram
detalhes dessa história, obrigada por nos apoiarem mais uma vez e por
embarcarem na história de Jade e Benjamim.
Posso te pedir um favor? Nos conte o que achou. Faça uma avaliação,
um post na sua rede social preferida ou nos chame no direct. Entre no nosso
grupo no WhatsApp e compartilhe sua opinião, você não faz ideia de como
isso nos ajuda. A opinião de vocês é bem-vinda e nos motiva a seguir em
frente.
Para esse livro sair contamos, mais uma vez, com a leitura final de
Júlia Rol e deixamos registrado aqui nosso agradecimento. Contaremos com
o apoio de Laryssa Murari e Geisa Brito para levar essa história para mais
pessoas e desde já agradecemos o carinho e a paciência conosco.
Às nossas leitoras queridas (que não nomearemos para não esquecer
ninguém) que interagem conosco diariamente e se fazem presente no nosso
WhatsApp, todo nosso amor e um beijo especial.
Com amor, Ane Pimentel.
Compartilhar histórias é o nosso vício.
Qual delas você já leu? Clica nos títulos para conferir:
O CEO da minha vida tinha que ser você
Mudança de Rota
No Divã
Domine meu coração
Um Amor de Virada
Belo Mentiroso
Prazer em conhecê-los
Acordo Pré-nupcial
É para o meu próprio bem
É mais que possível
Segundo Tempo
Quando a vida real não basta
Pai do ano
Chegou a minha vez
Estamos sempre com ideias novas e adoramos dividir com vocês. Nos
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