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ENID BLYTON
Série Os Cinco - 3
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Índice
FÉRIAS GRANDES
- ZÉ, meu amor, sossega e senta-te aí a fazer qualquer coisa, - disse a mãe
da Zé, pacientemente. - Tens andado num reboliço para dentro e para fora do
quarto com o Tim e não me deixas descansar.
Agora, havia três semanas que tinham começado as férias grandes. Ana,
David e Júlio estavam em viagem com os pais; a Maria José ficara em casa, pois
o pai e a mãe queriam-na junto deles.
- É tão bom que eles cheguem - disse a Zé, nome por que todos a
conheciam, e ao seu cão Tim. - Tão bom, Tim. Não achas?
Tim lembrava-se muito bem, pois também tomara parte nas excitantes
aventuras. Descera com os outros aos subterrâneos do castelo; ajudara-os a
descobrir lá um tesouro e divertira-se ainda mais do que as quatro crianças de
quem tanto gostava.
Era tão bom recordar todas as coisas que tinham feito no Verão passado! O
pior era que essas recordações a faziam sentir-se ainda mais só. E o dia custava
tanto a passar!...
- Gostava tanto que a mãe nos deixasse ir passar uma semana à ilha, -
pensou Zé. - Isso é que seria divertido! Viver na minha própria ilha!
A ilha era da Zé. Ou antes, era de sua mãe, mas esta, dois ou três anos
antes, dissera que a Maria José podia ficar com ela e agora a pequena pensava
que era verdadeiramente sua. Julgava seus todos os coelhos que lá viviam assim
como todos os pássaros e tantos outros bichos.
- A verdade era que todos tinham crescido ' muito. Contavam mais um ano
depois das primeiras aventuras na Ilha Kirrin. A própria Ana, a mais nova de todas,
parecia já uma senhorinha.
- Uf! Uf!
- Uf! Uf!
- Espero que a doença de tua mãe não seja de cuidado, - disse Júlio, que
estimava muito a tia Clara, tão generosa e boa, e que gostava tanto de os ter lá
em casa.
Nenhuma das três crianças simpatizava muito com o pai da Zé, por ser
muito irascível e, embora não se importasse que os sobrinhos fossem passar o
Verão lá em casa, a verdade é que gostava pouco de crianças. Por isso, não se
sentiam muito à vontade junto do tio e divertiam-se mais quando ele
estava ausente.
- O pai está bom, - disse Zé, alegremente. - O que anda é preocupado por
causa da mãe. Parece dar-lhe pouca importância quando ela está bem e satisfeita,
mas logo se aflige se ela não se sente bem. É melhor não o aborrecermos muito,
pois já sabem como ele é quando anda ralado.
Os primos sabiam-no bem. Era melhor evitar o tio Alberto sempre que não
andasse bem disposto. Mas, hoje, nem sequer o pensamento de um tio rabugento
os podia calar. Estavam em férias. Iam a caminho do Casal Kirrin! Viam-se perto
do mar, o velho Tim vinha ao lado deles e anteviam milhares de divertimentos de
toda a espécie à sua espera!
- Claro que iremos - disse Zé, com os olhos azuis a brilharem muito. -
Sabem o que eu pensei? Que seria maravilhoso ir lá passar uma semana inteira...
sozinhos! Agora já somos mais velhos e tenho a certeza de que a mãe
nos deixará ir.
- Passar uma semana na tua ilha! - exclamou Ana. - Não posso acreditar!
Seria magnífico!
- Não vale a pena. Pode ficar na minha parte, - disse a Zé, como se já
tivesse pensado no assunto. Parou o pónei à beira da estrada, e as quatro
crianças e o cão olharam para a baía que se estendia lá em baixo, tão azul...
- Ali está a Ilha Kirrin, - disse a Zé. - A nossa querida ilha! Estou ansiosa por
visitá-la. Ainda lá não fui este ano por ter o barco a arranjar.
- Uf! - latiu logo Tim; bastava-lhe ouvir a palavra “coelhos” para se excitar
todo.
- Não gosto nada da cara dela. Espero que a Joana volte; era sempre muito
boa para o Tim e gostava imenso de nós.
A FAMÍLIA STICK
Foi uma beleza acordar na manhã seguinte no Casal Kirrin e ver o sol
entrar a jorros pela janela e ouvir o longínquo ruído das ondas a baterem na
extensa e agradável praia. Que sensação magnífica saltar da cama e poder ir logo
admirar o mar tão azul e a bela Ilha Kirrin à entrada da baía!
- Quem é aquele?
Edgar parecia estar a cantar e Ana parou para tentar ouvi-lo. O rapaz, que
parecia ter treze a catorze anos, cantarolava uma cantiga ridícula, em que se
repetia muito o nome da Zé. A Zé corou.
- Está sempre a cantar aquilo para entrar comigo. Tem a mania que é
esperto. Não posso ouvi-lo!
- Cale-se! Não tem graça nenhuma! Estúpido! Edgar não lhe deu ouvidos e
continuou a cantar, com um sorriso alvar. Júlio deu um passo para ele e o rapaz
meteu-se logo em casa.
- Não o poderei aguentar muito tempo, - disse Júlio, com uma voz decidida.
- E nem sei como é que o aguentas, Zé! Não sei como ainda não lhe deste uma
bofetada, um pontapé, ou não lhe arrancaste as orelhas ou qualquer coisa do
género! Foste sempre tão impulsiva...
- Bravo, Zé! - exclamou Júlio, com grande admiração pela rapariga, pois
sabia como lhe era difícil dominar-se quando se irritava.
- Parece-me que vou agora lá acima ver a mãe para lhe perguntar se quer o
pequeno almoço na cama - disse a Zé. - Fiquem aí com o Tim e segurem-no bem,
sim? Se o Edgar tornar a aparecer é capaz de se lhe atirar ao pescoço.
Júlio agarrou o cão pela coleira. Tim começara a rosnar ao ver o rapaz e
levantou o focinho como se procurasse encontrar-lhe o cheiro. Subitamente, à
porta da cozinha, apareceu um cão, de aspecto sarnoso.
- Uf!!! - rosnou Tim, saltando para o outro cão. Como Tim era grande e
possante, arrastou consigo o Júlio que se viu obrigado a largar a coleira. Tim
atirou-se logo e o outro cão, latindo assustado, tentou meter-se de novo na
cozinha.
- Tim! Vem cá! Não ouviste? - gritou o Júlio. Mas o Tim não lhe deu
ouvidos. Estava atarefadíssimo em tentar morder as orelhas do outro, ou pelo
menos parecia que era isso que tentava. O outro cão não cessava de ganir, a
pedir socorro, e a Sra. Stick apareceu logo à porta com uma panela na mão.
- Chamem esse cão! - gritou ela, atirando com a panela a Tim, que, por se
desviar a tempo, a fez acertar no outro cão que começou a ganir ainda mais.
- Pare lá com isso! - gritou Júlio ao ver a mulher abaixar-se para apanhar a
panela. Ainda magoa os cães. Vem cá, Tim, Tim!
Foi então que Edgar apareceu, com uma expressão idiota no rosto.
Apanhou uma pedra e ficou à espera de oportunidade para atirá-la ao Tim sem
tocar no outro cão. Ana começou também a gritar.
- Não atire com essa pedra... Ouviu! Que rapaz tão mau! Ouviu? Se atirar...
- Mas que vem a ser isto? Nunca ouvi tamanha barulheira em toda a minha
vida!
- Sai daí, Zé! Não sabes que é perigoso separar dois cães engalfinhados?
Sai daí e vai-me buscar a mangueira!
Foi, porém, o Júlio quem correu para a torneira, a que estava ligada a
mangueira, abrindo-a e apontando o jacto de água para os dois cães. Ao sentirem-
se encharcados ambos pularam, cada um para seu lado, surpreendidos e
assustados: Júlio estava muito próximo de Edgar e não conseguiu evitar que a
mangueira se virasse de forma a encharcar também o rapaz, que, soltando um
grito, se foi logo refugiar dentro de casa.
- Já te tinha dito para não armares sarilhos com aquele cão sarnoso, -
disse-lhe a Zé, severamente. - Agora já viste o que aconteceu! O pai vai ficar mal
disposto o resto do dia e a Sra. Stick ficou tão furiosa que certamente não faz
bolos para o chá. E tudo por tua culpa!
Tim soltou um queixume e meteu a cabeça entre as patas. Era tão triste
ver-se assim preso!... Mas ao menos mordera uma das horrendas orelhas daquele
maldito rafeiro! Foram todos tomar o pequeno almoço.
- Desculpa-me ter deixado fugir o Tim - disse o Júlio à Zé. - Mas quase que
me arrancou o braço. Não pude aguentar de forma alguma! Está fortíssimo, não
está?
O pequeno almoço foi bastante aborrecido, pois a tia Clara não estava
presente e o tio Alberto, quando mal disposto, não era uma companhia muito
agradável. Estava furioso com a Zé; e os outros também sofreram com isso. Ana
quase que se arrependeu de terem vindo para o Casal Kirrin! Mas sentiu-se logo
melhor ao pensar no dia que tinha à sua frente. Levariam alimentos e almoçariam
na praia ou até, talvez, na Ilha Kirrin. O tio Alberto não iria com eles para lhes
estragar o dia.
A Sra.Stick entrou na casa de jantar para mudar os pratos e via-se que
estava muito mal disposta, pois quase atirou com eles para cima da mesa.
- Não me parece que ela os faça muito apetitosos, - disse o tio Alberto,
sorrindo. Os outros também sorriram, por delicadeza. - Mas podem-lhe pedir com
bons modos.
No fim de contas foi a tia Clara que falou com a Sra. Stick e lhe pediu que
arranjasse os sanduíches, o que ela fez, pois não tinha outro remédio, mas de má
cara e a resmungar.
- Quando para cá vim trabalhar não contava com mais três crianças... É o
dobro do trabalho - queixou-se ela, mal disposta.
- Não te metas com ele. Iria logo queixar-se à mãe e ela ia-se embora; e
depois a minha mãe é que ficava com todo o trabalho. Temos de o suportar, mas
isto não quer dizer que não lhe preguemos uma partida um destes dias. Que rapaz
tão mau! Detesto-o!
- Vamos ver se o barco já está pronto, - sugeriu Júlio. - Como ainda é cedo,
podíamos ir à nossa velha ilha.
CAPÍTULO III
UM TREMENDO SUSTO
- Então amanhã vamos à ilha, está dito! - exclamou Júlio. - Hoje fazemos
um piquenique na praia e depois vamos dar uma volta, combinado?
- Tim, se queres dar ao rabo não o arrastes pela areia, - recomendou Júlio,
já aborrecido, ao sacudir a areia dos cabelos pela quarta vez. Tim, ao ouvir a voz
do seu amiguinho, tornou a abanar a cauda e Júlio recebeu nova chapada de
areia pela cabeça. Riram-se todos.
- Sim, sim! - exclamou Ana, muito excitada. - Pobre barco! Já deve ter ido
de vez para o fundo.
- Pedi, pois claro, retorquiu a prima. Disse-me que talvez fosse possível,
mas que tinha de pensar primeiro.
- Não sou nada - refilou a pequena, indignada. - Sou tão forte como tu e
não tenho nenhuma culpa de ter menos anos do que vocês.
- Na nossa ilha, - emendou David. - Não pode ser! Talvez o fumo venha de
algum navio que esteja do outro lado. Não o podemos ver mas se calhar está
escondido pela ilha. Deve ser isso. Sabes muito bem que só nós é que podemos
lá chegar. Ninguém mais conhece a passagem.
Ficaram a observar a Ilha Kirrin durante mais algum tempo mas não
voltaram a ver nada.
- Se ao menos o meu barco estivesse pronto - disse a Zé, inquieta. - Ia lá
esta tarde... e parece-me que vou, mesmo com a pintura ainda por secar!
- Claro que é de todos nós mas ainda não me habituei à idéia. Vamos,
estou cheia de fome!
- Que é que você está aqui a fazer? - perguntou Júlio. - E quem é que lhe
deu autorização para ler os meus livros?
- Espere até que o meu pai o veja aqui, - disse a Zé. - E então se se
atrevesse a entrar no escritório é que ele lhe diria das boas!
Júlio olhou para Edgar ansiosamente. Não podia compreender como é que
o rapaz se tornara subitamente tão insolente.
- Onde está o teu pai, Zé? - perguntou ele. - Acho que seria melhor que
fosse ele a encarregar-se do Edgar. Este rapaz perdeu o juízo!
Mas a cama da mãe estava vazia. Não fora feita, mas estava vazia. A Zé
entrou em todos os quartos a gritar desesperadamente:
Não houve resposta. A Zé, muito pálida, juntou-se aos outros. Edgar
piscou-lhe o olho atrevidamente.
- Então não lhe tinha dito? Eu bem disse que podia chamar à vontade que
eles não apareciam.
- Não se atreva a tocar nela. É uma rapariga, se quer alguma coisa, vamos
já a isso!
- Eu não sou uma rapariga, sou um rapaz!... - gritou a Zé, tentando afastar
Júlio. - Deixem-me dar uma sova nesse fanfarrão! Larguem-me!
Júlio, porém, não a deixou passar. Edgar começou a andar para a porta
mas encontrou David pelo caminho e teve de parar, ficando a olhar para os outros,
receoso.
- Um momento! - disse David. - Onde é que estão a tia e o tio?
- Agarrem esse cão! - gritou Edgar, trémulo. - Parece que se quer atirar a
mim.
- Não há muito que dizer, - começou Edgar, sem tirar os olhos do Tim. - A
mãe da menina Zé adoeceu de repente com uma dor muito forte na barriga; o pai
chamou o médico e foram todos para o hospital. Nada mais.
Edgar, entretanto, fugira da sala, fechando a porta atrás de si para que Tim
não o pudesse seguir. As crianças olharam-se, estarrecidas e apoquentadas.
Pobre Zé! Pobre tia Clara!
- Devem ter deixado algum recado; não se iam embora sem nos avisar! -
disse o Júlio, olhando à sua volta. Descobriram então uma carta entalada no
rebordo do espelho; era dirigida à Zé. Júlio deu-lhe. Fora o pai que a escrevera.
CAPÍTULO IV
A Zé leu a carta em voz alta. Era muito curta e fora, evidentemente, escrita
à pressa.
“Querida Zé,
Teu PAI”
- Querida tia! - exclamou a Ana, sabendo quanto a Zé gostava da mãe e
vendo que, coisa rara, as lágrimas lhe escorriam pela cara abaixo. A Zé nunca
chorava; mas, chegar a casa, não encontrar a mãe e saber que fora para o
hospital... era demais. E o pai também! Não encontrar ninguém em casa senão a
embirrenta Stick e o Edgar...
- Não posso suportar a idéia de a mãe se ter ido embora sem eu a ver. -
soluçava a Zé, tapando a cara com as mãos e deitando-se no sofá. - Pode ser...
pode ser que nunca mais volte!
- Pobre Tim! Não pode compreender, - disse Ana, fazendo-lhe uma festa na
cabeça. - Está muito apoquentado por te ver triste, Zé.
Foi isso que moveu a Zé a sentar-se. Esfregou os olhos e permitiu que Tim
lambesse as lágrimas que lhe corriam pela cara. O cão pareceu surpreendido pelo
sabor a sal; tentou saltar para o colo da Zé.
- Vou dizer à Sra. Stick para trazer o chá, - e, dizendo isto, saiu da sala,
com uma expressão decidida. Os outros pensaram que o rapaz era muito valente
para ousar defrontar-se com a cozinheira.
Júlio foi até à cozinha e deparou com Edgar, sentado num banco a esfregar
a face em que a Zé lhe tinha dado a bofetada.
- Se essa rapariga torna a tocar no meu filho, dou-lhe uma sova, - começou
a velha Stick.
A Sra.Stick olhou para Júlio e este olhou-a também, decidido. Era uma
mulher de muito má catadura, mas, o rapaz, de forma alguma queria ceder.
Estava mesmo a apetecer-lhe despedi-la, mas dominou-se e continuou a olhá-la
sem pestanejar. A Sra. Stick foi a primeira a desviar o olhar.
- Vou-lhes arranjar o chá, mas, se não se portarem bem não lhes faço mais
nenhumas refeições.
Nem pensara no que dissera. Fora mais instintivo do que propositado mas
causou um efeito surpreendente. Ao ouvir falar na polícia a mulher ficou
visivelmente alarmada e submissa.
Júlio foi-se juntar aos outros. O que ele agora queria saber era a razão de a
velha Stick ter apanhado um susto ao ouvir falar da polícia. Talvez receasse que
chamassem logo o tio Alberto e este não era para graças. Punha-a na rua sem
hesitar um minuto.
Mas o chá foi tudo, menos alegre. Estavam todos muito tristes, apesar dos
esforços de Júlio para lhes dar alento. A Zé continuava a chorar e parecia não ter
vergonha de o fazer diante dos outros. Ana também estava muito ralada. David
tentou contar algumas anedotas, mas ninguém ria e o rapaz desistiu. Júlio estava
pensativo e sentia-se consciente das suas responsabilidades, por ser o mais velho
do grupo. Tim sentara-se ao lado da Zé e não cessara de lhe lamber os joelhos
afectuosamente.
- Gostava de ter um cão que gostasse de mim assim. - pensou a Ana.
Ninguém comeu com grande apetite mas o chá, de qualquer modo, soube-
lhes muito bem e, quando acabaram de comer, sentiram-se todos um pouco
melhor. Resolveram ficar em casa, pois tinham medo que alguém telefonasse a
dar notícias da mãe da Zé quando tivessem saído.
- Vem cá para fora, patife! - desafiou Júlio. - Quero ensinar-te outra cantiga.
Vem daí! - Edgar não se moveu. - Então já nem posso cantar?
- Claro que podes, - respondeu Júlio, - mas não essa cantiga. Eu ensino-te
outra. Vem cá para fora!
- Pois quero. Uma sova é o que merece um atrevido que só sabe fazer
troça de uma rapariga, que se sente tão infeliz. Vens ou não vens? Ou tenho de ir
buscar-te?
- Sim, é uma insolência, - disse Júlio com uma expressão irónica, - mas é
do contacto com o seu Edgar. O Sarnoso produz-me o mesmo efeito.
- Receio que tenha estragado ainda mais as coisas, - disse ele, sentando-
se na relva. - Quase arranquei o nariz ao Edgar e a velha Stick apanhou-me em
flagrante. Parece-me agora que estamos em guerra aberta! A partir de hoje vai ser
tudo muito difícil e teremos mais ralações. Duvido mesmo que ela nos faça as
refeições.
- Olhem, ali está ele! - gritou subitamente David, ao ver o cão dos Sticks.
Tentou sem resultado agarrar na coleira do Tim, que se levantara rosnando,
ameaçador. Bruscamente Tim saltou e atirou-se ao outro cão, filando-o pelo
pescoço e sacudindo-o como se fosse um rato.
A Stick pegou numa vassoura e começou a bater nos cães sem querer
saber em qual acertava. Júlio correu de novo para a mangueira. Edgar refugiou-se
em casa, lembrando-se do que lhe acontecera da outra vez.
- Ainda um dia envenenarei esse vosso cão! - berrou a Stick, furiosa. - Está
sempre a meter-se com o meu. Há-de pagá-las!
- Não. A tua mãe não poderá receber visitas durante, pelo menos, duas
semanas. Eu vou para aí logo que possa. Mas agora não posso abandonar a mãe.
Ela precisa muito de mim. Adeus, e tenham juízo, todos vós! Adeus!
CAPÍTULO V
NO MEIO DA NOITE
A Sra.Stick estava tão mal disposta que nessa noite nem fez o jantar para
as crianças. Júlio foi-lhe pedir que trouxesse alguma coisa de comer, mas
encontrou a porta da cozinha fechada. Quando voltou para junto dos outros ia
desanimado e faminto.
- Tem a porta fechada - disse. - Que mulher horrível! Estou mesmo a ver
que ficamos sem jantar.
- Temos de esperar até que ela se vá deitar, - disse a Zé. - Iremos então à
despensa ver o que lá há.
Júlio estava cheio de fome. O pensamento das boas coisas que haveria na
despensa fizera com que, por precaução, apagasse a luz e começasse a avançar
lentamente. Abriu a porta. Passou as mãos pelas prateleiras. Óptimo! Parecia que
tocara num empadão. Pegou nele e cheirou-o. Cheirava a carne. Um empadão de
carne! Esplêndido! Recomeçou a tactear e, pouco depois, descobriu um prato
cheio de tortas de morango. Já não era nada mau; um empadão de carne e tortas
de morango eram bastante para o jantar de quatro crianças famintas.
Júlio já receava essa resposta. Que horrível ter em casa um Sr. Stick além
de uma Sra. Stick e um Menino Stick! Era insuportável! O horrendo Stick não se
desviou e olhou para os pratos com o empadão e as tortas.
Júlio não estava com vontade nenhuma de discutir com o Senhor Stick.
Júlio teve então uma idéia genial. Assobiou com toda a gana e ouviu-se
logo um barulho no primeiro andar. Tratava-se do Tim a saltar da cama da Zé para
o chão! Em seguida, ouviram o cão a descer as escadas apressadamente. O Tim
vinha a caminho! Parou à porta da cozinha. Cheirou o Senhor Stick e começou
a rosnar ameaçadoramente. O homem deu um passo atrás e fechou a porta
rapidamente. Fez uma careta sardónica.
- E agora?
- Era bem feito, - disse a Ana, - embora tivesse sido uma pena por não o
podermos comer. A velha Stick é uma pessoa horrível mas sabe cozinhar. O
empadão é delicioso.
- Três Sticks já são Sticks a mais. - disse David, pensativo. - É uma pena
não os podermos pôr na rua e ficarmos sozinhos. Não poderias convencer o tio a
despedi-los, Zé? Tenho a certeza de que nos governávamos muito bem sem eles.
- Posso tentar, - respondeu a Zé. - Mas já sabes como ele é. Tão difícil de
convencer! Amanhã de manhã falo-lhe nisso, prometo. Estou cheia de sono.
Agora, toca a dormir, para acordarmos cedo.
- Deve ser por saber que o pai telefona daqui a bocadinho, Zé. - disse o
Júlio, - e por não querer complicar mais as coisas. A que horas é que ele disse
que telefonava? Nove horas, não foi? São oito e meia, já falta pouco. Vamos a
correr até à praia e voltamos antes das nove, combinado?
- Mas não vai bem! - exclamou a Zé, indignada. - Não vai mesmo nada
bem. É horrível. Queria-lhe pedir que mandasse os Sticks embora e nos deixasse
governar a casa sozinhos.
- Bom-dia, tio. É o Júlio que está a falar. Estou muito contente por saber
que a tia não está pior.
- Pois se ela pensar que as coisas não estão a correr bem no Casal Kirrin
piora logo, - disse o tio Alberto, exasperado. - Não podes convencer a Zé a ter
juízo e não dizer disparates? Então nem ao menos podem suportar os Sticks
durante alguns dias? Digo-te já, Júlio, que não despeço os Sticks enquanto estiver
ausente. Quero que a casa esteja em ordem quando levar a tua tia. Se não
conseguem aturar os Sticks voltem vocês para vossa casa; mas não levem a Zé.
A minha filha deve ficar no Casal Kirrin! É a minha última palavra.
- Mas, tio... - começou Júlio a dizer, não sabendo como convencer o pai da
Zé. - Devo dizer-lhe que...
- Pois bem! Está provado que vocês não os podem suportar e, por isso, é
melhor irem-se embora. Eu cá me governarei sozinha.
- Não sejas parva! - berrou Júlio. - Já sabes que não te deixamos ficar
sozinha com esses monstros. Claro que não os suportamos, mas há coisas piores
na vida e é só por poucos dias. Ficaremos todos juntos e, apesar de tudo, ainda
nos havemos de divertir.
Estava cheio de pena da Zé; parecia que por baixo de toda aquela
arrogância havia grande tristeza e sabia que a rapariga andava muito preocupada
com a mãe, zangada com o pai, transtornada por os primos ficarem naquelas
condições e não voltarem a casa, onde se podiam divertir muito mais.
- Acho que nos devias dizer o que é. - disse David, deveras ressentido. -
Apesar de tudo, somos os teus melhores amigos, não somos? E já que está
decidido que vamos ficar juntos, com plano ou sem plano... Sim, mesmo que te
estraguemos o plano, como disseste, cá ficaremos contigo!
- Não quero que me estraguem o meu plano. - gritou a Zé, quase a chorar. -
Não há direito. Estão todos contra mim, tal e qual como os Sticks.
- Não, não, Zé. - exclamou a Ana, com lágrimas nos olhos. - Não nos
zanguemos. Já basta de ralações por causa desses Sticks...
- Querido Júlio, és tão valente! - exclamou a Ana, que teria preferido morrer
a defrontar-se com a Senhora Stick.
- Mas que impertinência! Então quer que eu lhe arranje um farnel, depois de
nos ter roubado o empadão e as tortas? - interrogou ela, indignada. - O mais que
lhes dou é pão seco e doce. E já vão com muita sorte! E o que é mais, nem isso
lhes daria se não fosse para me ver livre dos meninos!
- Se tem alguma coisa para me dizer, salte cá para fora, seu traste! -
desafiou Júlio.
- Com todo o prazer! - troçou Júlio. - Até me dá nojo olhar para ele.
- Já lhe disse que não quero vê-lo nem ouvi-lo. A sua presença até me
enjoa.
- Já lhe disse que o cão não tem sarna, - exclamou a Stick, exasperada. -
Saia daqui para fora!
- Qual de vocês é que quer pão seco e doce? - perguntou Júlio, ao reunir-
se aos outros. - Não lhes apetece? Bem me queria parecer. E foi por isso que
rejeitei a generosa oferta da Sra.Stick. Eu, cá por mim, proponho comprar-se
qualquer coisa para comer. Aquela loja da aldeia vende uns pastéis de carne
bem apetitosos.
A Zé andou muito calada todo o dia, naturalmente ralada por causa da mãe.
Os outros sabiam-no bem. E, se calhar, também matutava no tal plano, e os
primos mal podiam conter a sua curiosidade.
- Não, não me apetece. Bem sei que o barco está pronto, mas hoje, não me
apetece. Enquanto não souber que a mãe está melhor não quero afastar-me de
casa; se fôssemos para a ilha, e o pai telefonasse, os Sticks não tinham maneira
de me avisar, mesmo que o quisessem fazer.
- Ele é que parece um jantar de cão, - exclamou David, enojado. - Que reles
criatura! Riram-se todos. Mas, nesse momento, viram o Tim aproximar-se do prato
e a Zé lembrou-se logo da ameaça da maldita Stick. Teria tido coragem de
envenenar a comida do Tim?
- Cheirou a comida mas não lhe tocou. Aposto que a mulher lhe deitou
veneno de ratos ou de qualquer outra coisa.
A Zé empalidecera.
- Querido Tim! És tão inteligente! Percebeste logo que havia veneno, não
percebeste?
- Uf! - respondeu Tim, com ar esperto. O cão dos Sticks ouviu o latido e
apareceu à porta da cozinha.
A Zé chamou-o:
- Vem cá, Sarnoso! Sarnoso! O Tim não quer o jantar. Come-lo tu! Anda,
toma!
- O meu cão nunca come carne. - explicou Edgar, depois de uma pausa. -
Só come biscoitos para cão.
- Era capaz de o fazer se estivesse cheio de fome, Júlio, - disse a Zé, muito
pálida e sentindo-se agoniada. - Eu não ia dar aquela comida ao Sarnoso, claro
está, mas pensei que, se estivesse envenenada, um dos Sticks aparecia logo para
não deixar que o cão a comesse. E assim sucedeu. Não achas que é prova
suficiente?
- Não, minha parvinha. Só querem livrar-se do Tim por ele nos guardar tão
bem. - respondeu-lhe o irmão. - Não tenhas medo! Vais ver que daqui a dois ou
três dias já está tudo mais calmo e nos divertimos imenso. Vais ver!
CAPÍTULO VII
BOAS NOTÍCIAS
- Não achas que seria melhor irmos lá abaixo quando os Sticks se fossem
deitar, para ver se encontramos alguma coisa na despensa? - perguntou o David,
nessa noite, quando compreendeu que iam ficar outra vez sem jantar.
- Ouça cá... olhe! - começou o velho Stick, furioso, ao ver em perigo o seu
opíparo jantar.
- É fácil! Posso oferecer-lhes o jantar que nos destinava - pão e queijo, Sra.
Stick, pão e queijo!
- Oh! - gritou a cozinheira. - Esse cão quer morder-me! Essa fera! Um dia
mato-o! A ver se não o mato!
- Como tens tu tanta lata? - perguntou Ana, sem poder ocultar a sua
admiração pelo irmão. - Os Sticks devem odiar-te; não voltes à cozinha sem o Tim
para te proteger.
- Tens razão! Não sei o que faria sem o Tim. O Stick atirava-se logo a mim.
- Pai! Sim. Sou eu, a Zé. Como está a mãe? - Houve uma pausa, enquanto
o pai lhe respondia. Os outros pararam de comer a escutar em silêncio, esperando
que a Zé falasse, para saberem pelas suas próprias palavras se a tia estava ou
não melhor.
- Que bom! Estou tão contente! - ouviram a Zé dizer. - Então foi operada
ontem? E não me disse nada! Tem a certeza de que está bem agora? Pobre
mãezinha! Dá-lhe um grande beijo da minha parte. Gostava tanto de ir vê-la.
Deixa-me lá ir, pai, deixa?
- Ouviram, não ouviram? A mãe está melhor. Vai ficar boa e deve voltar
dentro de uns dez dias. O pai disse que voltava logo que ela pudesse vir. Mas que
boas notícias! Só é pena não nos podermos livrar dos Sticks.
CAPÍTULO VIII
O PLANO DA ZÉ
A Sra. Stick ouvira a conversa, ou, pelo menos, ouvira o que a Zé dissera
ao telefone. Sabia que a mãe da Zé estava melhor e que o pai só voltaria para
casa quando ela estivesse completamente bem. E isso seria dentro de uns dez
dias! Até lá os Sticks continuariam a ser reis e senhores naquela casa.
A Zé, desde que recebera as boas notícias, sentia-se muito melhor e, cheia
de apetite, atirou-se aos ovos com presunto que o Júlio lhe guardara. Bebeu três
chávenas de chá e muito satisfeita estendeu-se no sofá.
- Sei agora que a mãe está bem e sinto-me melhor. Poderei suportar os
Sticks, sozinha com o Tim, e vocês irão terminar as férias com os vossos pais.
Não se preocupem comigo!
- Cala-te, Zé! - disse Júlio. - Discutimos tudo isso e já tomei uma decisão.
Sabes muito bem que sou tão teimoso como tu. Nem vale a pena falar mais no
caso.
- Já te disse que tenho um plano... e vocês não poderão tomar parte nele.
Tenho muita pena, mas é assim mesmo! Quer queiram quer não, terão de se ir
embora, vão ver!
- Não sejas tão misteriosa, Zé! - exclamou Júlio impaciente. - Qual é o teu
plano, afinal? Podias dizer-nos, mesmo que nós não tomássemos parte nele. Não
confias em nós, ou quê?
- Claro que confio. Mas não quero que me estraguem o que planeei.
Júlio percebeu logo. A Zé estava a tentar afastá-los para levar a cabo o tal
plano misterioso.
Mas Júlio decidiu não a abandonar: Finalmente, foram todos juntos e David
não teve de enfrentar a velha Stick, sem o Júlio ou sem a Zé.
- É sempre útil ter fósforos e álcool à mão. - respondeu a Zé, sem dizer
mais.
Voltaram todos para o Casal Kirrin e, com grande espanto, viram o chá à
espera deles, já na mesa. Comeram com apetite e ninguém mais tornou a falar no
plano da Zé. Depois do chá começou a chover e os pequenos não puderam
sair de casa. Jogaram às cartas e, divertiram-se bastante, agora que já estavam
menos preocupados pela tia Clara. A meio do jogo, Júlio levantou-se e tocou a
campainha. Os outros olharam para ele, muito surpreendidos.
- Que quer isto dizer? Então julga que eu estou aqui para responder às
suas campainhadas? Que descaramento!
- Só toquei para lhe dizer que estamos à espera do jantar. Mas, se prefere,
vou à despensa, com o Tim, e trago o vosso jantar como ontem à noite. Terei
muito prazer nisso. Mas como não me está a apetecer nada incomodar-me,
preferia que fosse a Sra. Stick a trazê-lo hoje.
O jantar não era tão bom como o da véspera mas, assim mesmo, não
estava nada mau. A Sra.Stick trouxera também um prato de carne para Tim e
pousara-o no chão ao lado da mesa.
- Leve isso já! Aposto que está envenenado. Leve o prato para dentro!
Ouviu?
- Não. Pelo contrário, deixe-o ficar aí, disse Júlio. - Amanhã levo a carne à
farmácia para eles a analisarem, Se tiver veneno, como a Zé pensa, o analista
fará o necessário. É costume chamar a polícia nestes casos, não é?
- Já são dez horas, - informou Júlio. - Todos para a cama! A Ana já devia
ter ido há muito tempo. Não tem idade para estar de pé a estas horas.
- Ora, já viram! - exclamou Ana indignada. - Sou quase da idade da Zé, não
sou? E não tenho culpa de ser mais nova, pois não?
- Está bem, está bem! - riu-se Júlio. - Não és só tu que vais para a cama,
vamos todos. Já sabes que não nos separamos enquanto os Sticks cá estiverem.
Vamos para cima, sim?
- É capaz de ser a Zé a fazer alguma das suas que tenha que ver com o
seu plano! - pensou Júlio subitamente. Vestiu à pressa o roupão e saiu, fazendo o
possível por não acordar David. Acendeu a lanterna e dirigiu-se cautelosamente
ao quarto das raparigas.
- Onde terá ela ido! - disse Júlio, consigo. - Ia apostar que foi ver se
descobria onde está a mãe. Foi então que a lanterna lhe revelou um envelope
branco sobre a almofada da Zé. Como estava endereçado a ele, o rapaz abriu-o
sem perda de tempo e leu :
“Querido Júlio,
Não fiques zangado comigo, peço-te! Mas não tenho coragem para ficar
mais tempo com a idéia que a Stick envenene o Tim. Sabes que isso me
despedaçaria o coração. Resolvi ir viver para a ilha até que o pai e a mãe voltem
para casa.
Faz-me o favor de deixares uma carta ao pai a pedir-lhe que diga ao Jim
para passar perto da ilha, no seu barco, com um pano encarnado no mastro, logo
que eles regressem. Só então é que voltarei para casa. Vocês devem voltar para
os vossos pais, a gozarem o resto das férias. Seria estúpido ficar no Casal Kirrin
com os Sticks, agora que já lá não estou.
- Afinal esse é que era o plano! - pensou o rapaz. - Era por isso que ela
queria que nos fôssemos embora! Queria ir sozinha com o Tim. Tenho de ir buscá-
la. Não quero que esteja sozinha na ilha. Pode adoecer, escorregar numa
rocha, magoar-se, e ninguém o saberia!
Se bem o pensou, melhor o fez. Sem sequer se vestir, largou a correr para
a praia, esperando ansiosamente chegar a tempo de evitar a loucura da pequena.
Já não chovia e havia estrelas no céu, mas a noite estava bastante escura.
- Como é que a Zé espera passar aquelas rochas no escuro? - pensou
Júlio. - Endoideceu! Vai de encontro a algum rochedo e afunda-se.
- Zé, ouve-me! Não podes ir sozinha! Vais de encontro a uma rocha. Volta
para trás!
- Não. Tu é que vais voltar para trás, Júlio. Não te preocupes comigo. Larga
o barco!
- Zé, devias-me ter dito qual era o teu plano. - gritou o Júlio, que nessa
altura quase foi levado por uma vaga. - Tenho de entrar para o barco, senão as
ondas levam-me!
A muito custo, conseguiu trepar. A escuridão mal lhe permitia ver a Zé, mas
tinha a certeza de que estava furiosa. O Tim veio lamber-lhe os pés.
- Ouve-me, Zé! Tu vais voltar comigo para o Casal Kirrin e prometo-te uma
coisa. Palavra que prometo. Amanhã vamos todos contigo para a Ilha Kirrin.
Ouviste? Todos nós. É uma idéia estupenda e não vejo razão para que não o
façamos. A tua mãe quase nos autorizou a ir lá passar uma semana, não
é verdade? Livramo-nos desses horríveis Sticks e será divertidíssimo. Agora
voltamos para trás; sim, Zé? Amanhã iremos todos juntos. Combinado?
CAPÍTULO IX
- Ó Júlio! Falas a sério? Estava com tanto medo de fazer isto, depois de o
pai ter dito que eu devia ficar no Casal Kirrin... Já sabes como ele detesta que lhe
desobedeçam. Mas eu sabia que se permanecesse em casa vocês também aí
estariam, e não queria que tivessem de aguentar por mais tempo os horríveis
Sticks. Por isso, resolvi fugir. Nem pensei em lhes pedir que viessem comigo, para
não terem de ouvir um ralhete por minha causa.
- Não, não, nem pensar nisso! - exclamou logo a Zé. - Eu direi que a idéia
foi minha. Já sabes que nunca fujo às responsabilidades.
- Está bem. Depois discutimos isso. Ficaremos uma semana ou dez dias na
Ilha Kirrin e teremos muito tempo para discutir. Agora voltamos para casa,
acordamos os outros e combinamos tudo. Devo dizer que tiveste uma idéia
estupenda!
A Zé estava contentíssima.
O Júlio voltou para a água e puxou o barco para a praia. Quando ia arrumar
os remos, a luz da lanterna iluminou o interior do barco e o rapaz soltou uma
exclamação.
- Pois claro! - respondeu a Zé. - Mas esta noite não havia ninguém na
cozinha. Talvez o Stick tenha dormido lá em cima. Ou, então, já voltou para o
barco.
Não tardou que as latas fossem metidas em dois sacos. Júlio fechou a
porta do armário e voltou a guardar a chave. Regressaram todos aos quartos.
- Não sei bem. Suponho que sim, naquele velho poço. Mas, por causa das
dúvidas, é melhor levarmos umas latas cheias.
- Então é melhor levarmos mantas para nos cobrirmos e também para fazer
colchões. E almofadas. Que excitante! Sinto-me como um prisioneiro que vai
recuperar a liberdade. Os Sticks é que vão ficar de boca aberta quando não nos
virem!
- Como é que vamos levar isto tudo para o barco da Zé? - perguntou Ana,
de olhos esbugalhados ante o enorme monte de coisas que havia a levar. - Tanta
coisa!
Não havia dúvida de que eram muitas coisas. Júlio, como de costume, teve
uma idéia.
- Não sei o que faríamos sem o Júlio! Quando levei as minhas coisas tive
de ir e vir cinco vezes, e era muito menos do que isto. Se não me engano, há dois
barris na garagem. Vamos buscá-los!
Passado pouco tempo estava tudo arrumado no barco, sem que os Sticks
tivessem dado por nada.
- Pois é, foi isso que pensei, - confirmou a Zé. - Mas como é que podemos
saber quando o pai e a mãe voltarem?
A Zé quedou-se pensativa.
- Então, antes de nos irmos embora, iremos ver o Alf. Agora vamos à
procura do horário dos comboios e pô-lo no sítio mais à vista.
O Júlio pegou nos seis enormes pães e seguiram logo para o talho. A Zé
tornou a bater à porta e pediu alguns ossos para o Tim, que os quis logo surripiar.
Mas a Zé falou-lhe rispidamente e o cão deixou-a em paz, pois sabia bem que,
de qualquer modo, havia de roer os deliciosos ossos.
- Que rico cheirinho tem o pão; bem se vê que foi acabado de cozer, - disse
o David, faminto como sempre. - Não acham boa idéia comer umas fatias?
- Eu também vou nisso. Estou esfomeada - disse a Zé, por sua vez.
Decidiram então partir um dos pães em cinco nacos, e a fome era tanta que o pão
desapareceu num rufo. Tim foi o que comeu mais depressa; e não teve nenhuma
vergonha em pedir mais: mas houve pouca sorte. O Júlio, armado em comandante
disse que era preciso economizar o pão para prepararem um pequeno almoço a
valer, logo que chegassem à ilha.
- Não me parece que alguém nos tenha visto partir, - disse o Júlio. –
Excepto o Alf, claro. É a única pessoa que sabe que viemos para a ilha. A Zé tinha
razão. Tem aspecto de ser de toda a confiança.
Tinham ido falar com o Alf antes de voltarem para junto do David e, por
sorte, encontraram o rapaz sozinho, à porta de casa. Contaram-lhe o segredo e Alf
ouvira-os com atenção; prometendo não o revelar a ninguém, absolutamente a
ninguém.
- Logo que os meus pais voltarem, vai no teu barco até perto da ilha e
chama-nos - dissera a Zé. - Como a conheces tão bem como eu, não há perigo de
encalhares nas rochas.
- Está bem, - respondera o rapaz muito contente por ter merecido tal
confiança, se bem que um pouco triste por não poder ir com eles.
- Foi tudo muito bem pensado - exclamou o Júlio, examinando a ilha que já
estava bastante perto. - Daqui a nada lá estamos. Toma lá os remos, Zé! Tu é que
sabes o caminho.
- Ala! arriba! - comandou a Zé. - Sabem que às vezes a maré sobe muito.
Temos de pôr o barco a salvo em lugar seguro.
- Muita sorte tem o Tim em não ter de se haver com garfos e pratos, -
disse a Ana, invejosa. - Comi imenso! - exclamou estirando-se preguiçosamente
na areia.
- Ó Tim! Estás com sede! E eu tão cansada que nem me posso levantar.
Espera uns minutos, até me voltar coragem para te ir buscar água ao barco.
Mas Tim não podia esperar nem um minuto mais. E dirigiu-se a uns
rochedos, fora do alcance do mar. Não tardou a descobrir um poço onde ainda
estava alguma água do dia em que chovera tanto. Os quatro, ao ouvirem
chapinhar na poça, desataram a rir.
- Este Tim é muito esperto! - exclamou a Ana - Como ele foi logo descobrir
água... !
Como todos tinham passado quase toda a noite em pé, agora, depois de
tão opíparo pequeno almoço, estavam a cair de sono. O sol ia já alto quando
acordaram. Sentaram-se e espreguiçaram-se.
- Não. Nem pensámos nisso! - respondeu Júlio. Mas alegra-te, que logo à
noite ainda havemos de estar todos mais queimados. O sol está quentíssimo; nem
se vê no céu uma nuvem!
Era um regalo estar-se ali deitado de papo para o ar, a conversar, sem que
ninguém os interrompesse. Mas Júlio, que nunca podia estar quieto muito tempo,
levantou-se e voltou a espreguiçar-se.
- Pois claro! Temos de tirar as coisas do barco, arrumar a comida onde não
se estrague, se chover, - opiniou Júlio, metodicamente. - E temos de decidir onde
é que ao certo havemos de ficar, fazer as camas, etc... Há imenso que fazer
estejam certos!
- Não, Tim! Não te atrevas a correr atrás dos laparotos! São meus, todos
meus...
- Olhem! Não podemos aqui dormir. Desde o ano passado para cá o tecto
caiu.
- Com isto é que se não contava! Temos de procurar outro pouso para
dormitório.
CAPÍTULO XI
- Primeiro há que decidir onde passar a noite, - disse Júlio com firmeza. -
Não sei se deram por isso, mas já são três horas da tarde! Temos de encontrar
um sítio e arrumar lá todas as coisas antes que a noite caia.
- Mas para onde é que podemos ir? - perguntou David. - No castelo não
pode ser.
- Boa idéia! Boa idéia! Podemos lá ir ver se está habitável. Não me apetece
lá muito dormir num barco naufragado, todo podre e húmido, mas se ainda está no
mesmo sítio, no meio das rochas, talvez o sol o tenha secado e é possível até que
lá possamos dormir, pelo menos alguns dias.
- Que desplante! - exclamou a Zé, indignada. - Vou fazer uma tabuleta que
diga “Proibido desembarcar nesta ilha. Os transgressores sofrerão as
consequências”. Não quero intrusos na nossa ilha.
- Não, Tim! - disse a Zé, firmemente, ao cão que olhava com uma
expressão tristíssima para os coelhos que pulavam no pátio do castelo. - Não
julgues que vou mudar de opinião! Não te deixo apanhar nem um coelho na nossa
ilha.
- O pobrezinho deve pensar que estás a ser cruel com ele. - disse Ana. -
Apesar de tudo, disseste que ele podia ter um quinhão da tua parte da ilha. E, por
isso, deve pensar que também tem direito a uma parte dos coelhos.
- Olhem! Não há dúvida de que alguém esteve cá. Até acenderam uma
fogueira, - disse o rapaz, apontando para o chão.
- Não sejas parvo! Eu vou com vocês. - gritou a Ana, indignadamente. - Tão
perigoso o caminho é para mim como para vocês.
- Não há dúvida de que sofreu bastante neste último Inverno. - disse a Zé,
confirmando a opinião que já tinha formado de longe. - Tem o costado cheio de
buracos e já lhe falta metade do mastro grande. Como é que havemos de subir
lá para cima?
- Temos aqui uma corda, - informou o Júlio, começando a desenrolar uma
corda que trazia em volta da cintura. - Vou fazer um laço para ver se consigo
prender a corda àquele pau lá em cima.
Com quanta força tinha, Júlio atirou então o laço mas não alcançou o
barrote. Tentou mais duas vezes, até que desistiu. Então a Zé, impaciente, tirou-
lhe a corda da mão, lançou-a, e logo a sua primeira tentativa foi coroada de êxito.
A corda ficou presa ao poste, permitindo assim que os quatro subissem ao velho
barco. A Zé tinha um jeitão para coisas deste género. Por vezes, ainda era mais
hábil que qualquer rapaz. A Zé subiu pela corda como um macaco e não tardou a
pisar a coberta do navio. O Júlio ajudou a Ana a subir e os dois rapazes agilmente
a seguiram.
- Olhem! Aquilo não estava ali, quando cá viemos o ano passado. Tenho a
certeza! - Os outros olharam e viram uma pequena arca de prata. - Extraordinário!
Extraordinário!
As correias caíram para o lado, mas a arca fora bem fechada à chave.
Tinha duas fechaduras e nenhum dos pequenos tinha chaves para abri-las.
Desceram todos pela corda e passado pouco tempo estavam de novo nas
rochas, pisando terra firme e respirando melhor, já livres do horrível cheiro que
enchia o barco. Quando iam a trepar pelas rochas o David parou e chamou a
atenção dos outros.
- Olhem para ali, para aquele penhasco! Parece mesmo a entrada de uma
gruta. Se fosse, seria um sítio estupendo para guardar as coisas e, mesmo, para
lá dormir, não acham?
Era, na verdade, uma maravilha. O solo estava coberto de uma areia fina e
muito seca e a gruta era espaçosa e perfeitamente habitável. O mar nunca devia
lá chegar, salvo em dias de grande tempestade.
- Tal e qual o que nós queríamos! - exclamou a Ana. - Podemos trazer tudo
para aqui e até podemos ficar de noite. E olha, Júlio, até temos uma clarabóia.
A irmãzita apontou para cima e todos os outros viram que o tecto da gruta
tinha uma abertura por onde se via o céu muito azul e límpido. Era evidente que,
em qualquer ponto, na parte superior do penhasco, havia um buraco que dava
para a gruta, formando aquilo a que Ana chamava uma “clarabóia”.
- Seria muito mais fácil atirar as nossas coisas por aquele buraco, - disse o
Júlio, começando logo a fazer planos.
- Isto é muito perigoso. Qualquer de nós poderia ter caído por aí abaixo, se
não soubéssemos da sua existência, - disse Júlio, espreitando de cima para
dentro da gruta.
- Não é lá muito alta! - disse Ana. - Se calhar até podíamos saltar para a
gruta sem nos magoarmos.
- Não vale a pena experimentar. Partias logo uma perna, se não fossem as
duas... Temos é de amarrar aqui uma corda, depois será fácil descer e subir à
vontade.
A Zé desceu pela corda com relativa facilidade; mas a gruta era mais alta
do que pensavam, e teria sido de facto um disparate se algum deles tivesse
tentado saltar lá de cima.
- Como é que o Tim desce? - perguntou o Júlio. Mas o Tim, que soltara um
queixume angustiado ao ver a dona começar a descer pela corda, resolveu a
dificuldade por si próprio.
- Oh! Meu Deus, o que é isto? Tim! Magoaste-te?! - exclamou a Zé, que ia a
descer pela corda. A areia era muito macia como se fosse uma almofada de
veludo e Tim não sofrera nada com o embate. Sacudiu-se e ladrou alegremente
aos pulos. Estava de novo com a Zé e era isso que ele queria. Não gostava nada
de ver a sua dona desaparecer por buracos misteriosos! Não, Tim não podia
admitir que isso sucedesse.
A Ana e o David ataram os mantimentos em diversas trouxas e o Júlio,
depois de a Zé lhe ter dado sinal, começou a baixar os pacotes cuidadosamente,
não fosse algum frasco de mel ou garrafa de laranjada partir-se de encontro a uma
das paredes da gruta.
- Foi um jantarão.
- E, para acabar, vai uma laranjada! - exclamou o David, feliz. - Assim é que
devíamos comer sempre.
- Quem é que quer urze? - perguntou David. - Eu, cá por mim, não preciso!
Esta deliciosa areia basta-me... com uma almofada e uma ou duas mantas. Até
vou dormir melhor aqui do que em casa!
- Boa-noi... te, a to... dos! B... o... a-noi...te! - a rapariga abriu a boca mais
uma vez e fechou os olhos.
CAPÍTULO XIII
UM DIA NA ILHA
- Sinto-me todo sujo, - declarou Júlio, por sua vez. - Vamos tomar banho
antes do pequeno almoço. Valeu? E, depois, quero fiambre, pão, marmelada e
bolachas!
- Daqui vê-se muito bem o navio naufragado! - estava a tremer de frio e não
tinha nada onde se secar. - Não trouxemos nenhumas toalhas! - lamentou-se
então, tiritando e esfregando-se com força.
- Podemos servir-nos das mantas. Espera aí que vou buscar a mais fina. É
verdade, lembras-te daquela arca que vimos ontem no barco? Estranho, não
achas? - perguntou o David.
- Boa idéia! - concordou o Júlio. - Agora vamos para a gruta para nos
aquecermos e comer. Era capaz de comer agora uma galinha inteira e talvez
também um pato, para não falar num peru...
Sentiam-se todos muito felizes. O dia estava lindo e o céu e o mar estavam
azuis e límpidos. Sentaram-se a comer e a beber à entrada da gruta, olhando o
mar que suavemente batia nas rochas em redor do velho navio naufragado. A
Ana, que nunca podia estar calada, quebrou o silêncio.
- Vamos arrumar tudo muito bem dentro da gruta, sim? - propôs ela, por ser
a mais arrumada de todos e nunca perder uma oportunidade de brincar às
“casas”, quando o podia fazer.
- A gruta é agora a nossa casa, o nosso lar. Temos de fazer quatro camas a
valer e arrumar as latas e tudo o resto naquele parapeito da rocha. Até parece que
foi feito para nós.
O David e a Zé foram apanhar urze. Júlio trepou pelas rochas e foi sentar-
se junto do penhasco de onde podia ver-se o mar sem se ser visto. Além de um
grande paquete que ia passar, muito longe, nada se via no mar. O rapaz deitou-se
ao sol, deliciando-se com o calorzinho que lhe entrava por todos os poros. Esta
história da vigia era muito agradável! A Zé e o David não tardaram a voltar com
braçadas da macia e cheirosa urze que lhes ia servir de colchões.
- Está bem, - concordou a Zé. - Nós vamos buscar mais. Que divertido isto
é, não acham?
- O Júlio está lá em cima. Disse que nos chamava logo que visse qualquer
coisa de anormal. Quem dera que sim!
- Seria colossal! - assentiu o David, sempre pronto para aventuras, por mais
perigosas que fossem.
A Ana teve uma manhã deliciosa. Arrumou tudo muito bem na ”prateleira” e,
em seguida, foi lavar os pratos e os talheres servidos ao jantar e pequeno almoço.
- Capite! A gruta está estupenda, Ana! Tudo tão bem arrumado e limpo que
faz gosto! Só a Ana era capaz disto.
- Está bonito, não está, - disse o Júlio? - Estou encantado... Palavra! Agora
é a vez do David ir lá para cima. Onde estão as bolachas? Estou já outra vez
cheio de fome. Podíamos ir todos lá para cima e sentarmo-nos um bocado
a comer.
- Oh, não! Prometo que não torno a adormecer. Prometo. Desta vez foi só
porque o sol estava muito quente, - desculpou-se Ana a soluçar.
- Não chores, não vale a pena!... Pronto, pronto! Vá lá, damos-te outra
oportunidade. Mas, se tornas a adormecer, já sabes!... é prova de que não podes
fazer o mesmo do que nós.
- Meninos, são horas de irem para a cama! - avisou o Júlio quando o sol
desapareceu no horizonte. - Devem ser umas nove horas. Vamos! Está-me
mesmo a apetecer dormir numa daquelas fofas camas que a Ana nos arranjou tão
bem!
CAPÍTULO XIV
- Não, não sou assim tão parva, - retorquiu a Ana, abespinhada. - Sei muito
bem que por aqui não há bichos desses. Mas pensei que seria agradável
adormecer a olhar para a lenha a crepitar nas chamas da fogueira.
- Se calhar a Ana tem medo que os coelhos lhe venham morder os dedos
dos pés... - disse o brincalhão do David.
- Não me parece ajuizado acender uma fogueira. Podia ser vista do mar e
em vez de afugentar as feras ou os coelhos afugentava os contrabandistas, -
explicou o Júlio.
- Esplêndido, Zé! Já somos duas a querer! - A Ana estava deliciada por ter
uma aliada.
- Vou acender a fogueira, - avisou o Júlio.
- R-r-r-r-r-r-r.
Contrabandistas de dia era uma coisa, mas de noite era outra história. A Zé
não tinha vontade nenhuma de se encontrar com contrabandistas àquela hora da
noite.
- Que pena não haver luar! - pensou. - Assim não posso ver nada.
Nesse momento Júlio viu uma luz a brilhar para lá das rochas, mesmo no
sítio onde devia estar o navio naufragado. Sim, devia ser alguém no navio.
- Vês o navio? Olha! Ali! Uma luz, - indicou-lhe Júlio. - Não se pode ver o
navio, mas aquilo é com certeza uma lanterna.
O Tim voltou a deitar-se aos pés da Zé. Era evidente que o que o excitara
fora-se de vez. Devia ter sido a presença de estranhos no velho navio naufragado.
Logo de manhãzinha iriam ao navio ver se a arca desaparecera ou se aparecera
mais qualquer coisa. Até lá o que havia a fazer era dormir. E assim fizeram
ambos.
- Não foi preciso. No fundo nada se passou de anormal. Apenas vimos a luz
de uma lanterna e nada mais.
- Acham que podíamos puxá-lo para lá daquela grande rocha? Não ficava
lá muito bem escondido, mas só quem viesse daquele lado é que o poderia ver.
- Desde que de lá saímos não se deve ter passado nada. Ia apostar que os
contrabandistas só vêm de noite, - disse o David, dando uma última olhadela ao
sÍtio onde o barco ficara escondido.
E foi justamente nesse instante que o Tim começou a rosnar outra vez!
CAPÍTULO XV
O Júlio espreitou por entre os ramos e viu três vultos no pátio do castelo.
Tentou ver-lhes as caras; mas estavam muito longe e, além disso,
desapareceram-lhe logo da vista.
- Tenho tanto medo que o Tim se ponha a ladrar... Então é que ficávamos
lindos! O pobrezinho já não pode aguentar mais. Daqui a pouco põe-se para aí a
fazer uma barulheira que ninguém o poderá fazer calar.
Mas não havia resposta! O Tim fugira. A única esperança era que os
contrabandistas o não vissem. Era a primeira vez que o cão desobedecera à dona.
Devia ter uma razão muito forte para tal! A fuga de Tim era fácil de compreender.
Sentira no ar o cheiro de outro cão e saíra da gruta a correr, disposto a saltar-
lhe às orelhas e à cauda.
O que o rapaz viu, não muito longe, foi um cão a cheirar qualquer coisa e a
rastejar, de pêlo todo eriçado; viu também Tim que se ia aproximando do outro
cão sem ele dar por isso. Mas, quando Tim o ia apanhar de surpresa, o outro
súbitamente voltou-se e deu de focinho com o Tim, que, sem hesitar, se atirou a
ele, ladrando e obrigando-o a recuar, aterrado!
O Júlio, mal pôs os pés na gruta, ouviu um estridente assobio. Era a Zé, ao
perceber o Tim andar à bulha com outro cão, a assobiar do seu modo especial a
que ele obedecia sempre. O Tim deixou-o e largou a correr para a gruta,
no momento em que os três Sticks chegavam, esbaforidos, ao local da bulha.
Edgar, ao ver o Sarnoso todo coberto de sangue, foi atrás do Tim; mas este
galgou velozmente as rochas e atirou-se pelo buraco da gruta, indo cair quase em
cima da dona.
- Onde é que se sumiu esse cão? - gritou a Sra.Stick. - Que aspecto tinha?
- Parecia-se imenso como aquele maldito cão dos meninos, - disse Edgar.
Os quatro pequenos, no fundo da gruta, estavam a ouvir nitidamente tudo e
com medo de serem descobertos não ousavam dizer palavra.
- Não pode ser ele! - berrou a Sra.Stick. - Os meninos foram para a cidade,
para casa dos tios da Menina Zé. Tenho a certeza! Deve ser cão vadio que para aí
anda perdido.
- E para onde se teria ele escapulido? - perguntou o Sr. Stick, muito irritado.
- Se o cão era dos rapazes, então esses malcriados devem ter fugido para
a ilha, - disse a Sra.Stick sentenciosa. - E isso estragava-nos todos os planos. Não
descanso enquanto o não souber!
- Por aqui não vejo nada! - gritou ele à mãe, que andava também em vão a
procurar por trás de cada pedra das ruínas.
- Não podia ter sido o cão deles! - disse, por fim, o Sr. Stick. - Devia ser cão
vadio que ficou abandonado na ilha.
- Não, Zé! - disse Júlio. - Sê razoável! Não queres que eles se vão e
telefonem logo aos teus pais, pois não? O tio Alberto era capaz de perder a
cabeça e de vir buscar-nos. E, além disso, pensei noutra coisa...
- Bem!... não acham que é possível que os Sticks estejam feitos com os
outros contrabandistas? É muito provável que sejam eles que vêm cá buscar as
coisas ou escondê-las para virem buscá-las mais tarde. O Stick é marinheiro, não
é? Deve pois saber tudo o que se refere a contrabando. Ia apostar que trabalha
para os contrabandistas.
CAPÍTULO XVI
- Sim, sim! Estou a recordar-me muito bem, - exclamou a Ana. - E até o Tim
se assustou quando ladrou e supôs que havia mil cães escondidos lá em baixo.
Assustou-se mesmo muito!
- Ouve bem, Tim! Tu ficas aqui muito quieto e calado, - sussurrou a Zé. -
Ladra só se aparecer alguém, compreendes? Nós vamos descer por este buraco.
Os outros riram-se. Sabiam muito bem que quem estava com medo era ela.
O Júlio pegou-lhe na mão.
- Então, está bem! Fica com o Tim!
- Mas ouve, ouve! - insistiu o Sr. Stick. - Não ouves? Se não são vacas e
ovelhas, que são então? Que se passa? Eu bem dizia que não devíamos ter vindo
cá para baixo!
O Sr. Stick foi até à entrada do quarto onde se tinham acoitado e começou
a gritar.
- Não sei o que hei-de pensar! Se isto acontecer todas as noites não
ficaremos aqui muito mais tempo.
O Júlio, o David e a Zé, sem poderem conter o riso, estavam em tal estado,
que já não conseguiam imitar animais. A Zé passou a fazer de porco e roncou de
tal forma que o David soltou uma sonora gargalhada. Ronco e gargalhada foram-
se juntar aos outros ecos, aterrando ainda mais os pobres Sticks, que se sentiam
cada vez mais estarrecidos.
- Vamos, vamos embora! - disse, por fim, Júlio. - Não aguento mais. Vamos
embora!
Minutos depois sentaram-se com Ana e Tim nos degraus de pedra que
davam acesso às catacumbas e riram-se a bandeiras despregadas ao contarem o
que se passara.
- Não acham estranho que os Sticks tenham vindo todos para a ilha? -
perguntou David pensativamente. - Abandonaram o Casal Kirrin, mas não para
virem à nossa procura. Devem estar feitos com os contrabandistas, não há dúvida.
E, se calhar, foi por isso mesmo que a Stick se empregou em tua casa, Zé! Assim,
estavam perto da ilha quando os contrabandistas precisassem da sua ajuda.
O Júlio tinha razão. Os Sticks não saíam do quarto, de onde nada os faria
sair até que a manhã rompesse.
CAPÍTULO XVII
- Comi imenso, - declarou Ana, lambendo os beiços. - Mas desde que aqui
estamos na ilha temos comido sempre bem, não é verdade? Acham que os Sticks
também trouxeram coisas boas para comer?
- Ia apostar que sim, - disse David. - Devem ter trazido tudo o que havia lá
na despensa.
- Pois vamos agora mesmo - propôs a Zé. E começou a subir pela corda,
sem esperar pela resposta dos outros, que a seguiram logo, à excepção de Ana
que ficou a arrumar a “casa”.
- Devem andar à procura das vacas, dos carneiros e dos cavalos que
ouviram ontem à noite! - sussurrou David, muito baixinho.
Rodando nos calcanhares, muito pálido, tornou a olhar para todos os lados,
sem ver a Zé nem o primo que estavam bem escondidos atrás duns arbustos
perto dele. Outra vez as vacas! Onde estariam! Pela expressão do Edgar, David
percebeu que o gaiato tremia como varas verdes e não perdeu tempo em
soltar outro mugido. Logo o jovem Stick se precipitou para as catacumbas, sem
cuidar mesmo de levar os almofadões.
- Isso mesmo! Fica tu aqui a tomar conta, que eu vou lá num pulo espreitar,
- disse a Zé. - Se o Edgar tornar a aparecer, larga-se-lhe outro mugido de vaca
para ele nos deixar em paz.
- Ah! Isso é que não vão, - protestou a Zé. - Vamos já lá buscar tudo o que
trouxeram de nossa casa! O David fica aqui a guardar a entrada das catacumbas,
não vá o Edgar de repente aparecer. E eu e tu, Júlio, vamos buscar as coisas
e transportá-las para a gruta.
Edgar não voltou a aparecer e, David, sem nada que fazer, contentou-se
em cruzar os braços e divertiu-se a observar as viagens que Júlio e a Zé iam
fazendo do castelo para o penhasco e do penhasco para o castelo. A Zé suspirou
fundo, aliviada, e chamou por David, que logo se juntou aos outros dois.
- Ana! Temos aqui uma tonelada de coisas para mandar para baixo.
Prepara-te para as apanhares!
- Meu Deus! Agora é que a nossa gruta fica uma casa a valer, quando
arrumar tudo isto!...
- Vamos segui-los, para ver a cara que fazem quando descobrirem que lhes
desapareceu tudo quanto tinham roubado.
- Onde é que ele se teria metido? - perguntou a Sra. Stick com impaciência.
- Tempo já teve de sobra para fazer tudo! Edgar! Edgar!... Edgar!...
O pai Stick foi espreitar no quarto do castelo, mas voltou logo para junto da
mulher.
- Mas eu disse-lhe que viesse cá para cima, para o sol, quando acabasse, -
exclamou a Sra. Stick, exasperada. - Não faz nada bem à saúde passar o dia todo
naquelas húmidas catacumbas. EDGAR! Ó EDGAR...!
Desta vez, Edgar ouviu a mãe e não tardou a aparecer, mas ainda muito
enfiado, num grande susto.
- Vem cá! - chamou a mãe. - Agora, que já levaste tudo para baixo, é
melhor aqui ficares ao sol.
- São as vacas, outra vez, pai. Centenas delas, pai! - Todas a mugir e a
atirar-me com coisas. São bichos muito perigosos e estou cheio de medo!
CAPÍTULO XVIII
UM PRISIONEIRO INESPERADO
- O quê?! - exclamou surpreendido o pai. - Mas, afinal, que quer isto dizer?
Alguém levou os almofadões e tudo o mais. Quem? E onde é que estarão as
coisas?
- O pobrezinho! - disse a mãe Stick, condoída, por ter mais amor ao cão do
que a qualquer pessoa. - Deve estar cheio de frio e de medo.
O cão soltou outro ganido, ainda mais triste, e a Senhora Stick dirigiu-se
para a entrada dos subterrâneos para ir buscá-lo. O marido foi atrás dela, mas
Edgar não perdeu tempo a imitá-los.
- Vamos para a gruta! Tu, Zé, fica aqui uns momentos, a ver o que
acontece.
- Estaremos aqui a salvo, a não ser que alguém caia pelo buraco! - disse
Júlio, Depois de ouvir à Zé a resolução dos Sticks. - Temos de ficar muito quietos;
e tu, Tim, não te lembres agora de fazer barulho.
Os Sticks vinham, de facto, a subir pelo penhasco, bem por detrás de todos
os arbustos e Chegaram onde os pequenos frequentemente se escondiam e
pararam.
- Esteve aqui alguém! - disse o velho Stick. - O chão está todo pisado. Vou
seguir estas pegadas, e tu Edgar, vai por ali!
Edgar vinha tão aterrado que se deixou ficar no chão, de olhos fechados, a
choramingar numa lamúria. Os pequenos olharam-se entre si, tão pasmados
também que nem sabiam que dizer ou fazer. O Tim recomeçou a rosnar
furiosamente, tão furiosamente que Edgar abriu os olhos. Viu o cão e abriu a boca
para gritar. O Júlio tapou-lhe a boca e ameaçou-o:
- Ouve bem, Tim: Se este rapaz gritar, atira-te a ele. Podes mordê-lo á
vontade, percebeste? Agora deita-te ao pé dele e não te distraias.
- Como é que vieram aqui parar? Pensávamos que tivessem ido para a
cidade.
- Estamos aqui porque nos apetece. A ilha é nossa e temos todo o direito
de cá estar. Vocês é que não têm, e muito gostava de saber ao certo o que vieram
cá fazer.
- Então não sabes nada? - insistiu David. - Trouxeram-te para a Ilha Kirrin
sem te darem explicações?
- Não sei nada. Os pais nunca me dizem nada. Eu faço o que eles mandam
e não posso refilar. Mas garanto-lhes que nunca lhes ouvi falar em
contrabandistas.
Era fácil de ver que, na verdade, Edgar não sabia as razões da vinda dos
pais à ilha.
- Ficarás, sim, enquanto for preciso. Ficarás até nós te deixarmos ir embora
e isso só será quando desvendarmos todo este mistério do contrabando. E ficas
avisado de que qualquer tentativa de fuga será castigada pelo Tim.
- O pai e a mãe vão ficar furiosos, - disse o rapaz, ao ver que não tinha
outro remédio senão obedecer aos cinco.
- Onde é que estará esse maldito rapaz? Edgar! Edgar! - berrava o Sr.
Stick, aos quatro ventos.
Júlio, depois de resolver o caso de Edgar, deu toda a sua atenção à arca.
- Vou abrir isto, seja lá como for: Tenho a certeza de que é mercadoria de
contrabando. E quero ver o que é.
Tiraram tudo para fora da arca. Esse tudo consistia em duas camisolas
azuis, uma saia também azul, algumas camisolinhas interiores, um casaco e
calcinhas de criança. E, no fundo da arca, ficaram a descoberto várias bonecas e
um ursinho!
- Por esta é que eu não esperava! - exclamou Júlio. - De quem serão estas
roupas? Para que é que os Sticks as teriam trazido para a ilha, e os
contrabandistas para o navio encalhado! Que estranho!
Edgar parecia tão espantado como os outros. Esperava também que a arca
contivesse algum tesouro. A Zé e a Ana pegaram nas bonecas. Eram muito
bonitas e Ana, ao contrário da Zé, que as desprezava, adorava bonecas.
CAPÍTULO XIX
UM GRITO NA NOITE
- NÃO compreendo nada disto! - disse por fim o David. - Não há dúvida de
que se passam coisas extraordinárias nesta nossa ilha ou os Sticks não estariam
cá. E também não há dúvida de que o Júlio viu um barco fazer sinais luminosos.
Julgava ter a certeza de que, ao abrirmos esta arca, desvendaríamos o enigma.
Mas, afinal, estas roupas de criança ainda tornam tudo mais misterioso.
- Sabes alguma coisa do navio que esta noite fez sinais para a ilha?-
perguntou Júlio ao Edgar. O rapaz abanou a cabeça.
- Não. Ouvi dizer à mãe que esperavam o Roamer esta noite. Mas não sei o
que ela queria dizer.
- Pois então o que temos de fazer é esperar esse tal Roamer, esta noite,
seja ele lá o que for, - afirmou Júlio. - Obrigado pela informação.
Edgar não tinha ordem de sair da gruta, e Tim não o largava um segundo.
Dormiu toda a tarde, explicando que as vacas e os cavalos o tinham assustado
muito e não pregara olho toda a noite anterior. Os outros discutiam em voz baixa
os seus planos de campanha. Resolveram ficar de vigia, aos pares, durante toda a
noite. Como não sabiam o que se ia passar, decidiram combinar novos planos
quando o Roamer chegasse. Até lá, bastar-lhes-ia vigiar bem o mar do alto do
penedo que se erguia por cima da caverna.
- Os Sticks! - murmurou Júlio, todo alvoraçado. - Vão outra vez para o navio
encalhado.
Logo que o escaler chegou a terra, Júlio e a prima viram os Sticks tomarem
o caminho do castelo, e, ao notarem que o velho Stick levava aos ombros um
volumoso fardo, talvez uma trouxa ou uma mala, saíram do esconderijo, seguindo-
os cuidadosamente. Os Sticks entraram no pátio do castelo e dirigiram-se
à entrada das catacumbas.
- Quem teria então sido? - perguntou Júlio, com espanto. - A Ana não foi.
Se tivesse gritado a dormir teria acordado os outros. Tudo muito, muito estranho;
cada vez mais estranho!
- Mas quem foi, quem foi? Não te pareceu horrível, Júlio? Quem quer que
gritou estava aterrado deveras. Estou a gostar pouco disto!
- O que não percebo é o que os levou a pensar que fui eu que soltei o grito,
- disse a Ana. - Seria por julgarem que foi uma rapariga?
- É isso mesmo! - exclamou a Zé. - Aposto que roubaram uma menina rica,
e trouxeram-na para aqui naquele barco e entregaram-na aos Sticks. Que infames
criaturas!
- De que estão vocês a falar? E quem é que vão buscar amanhã? - Júlio fê-
lo calar.
- Amanhã trazemo-la para aqui. O pior vai ser encontrá-la nas catacumbas,
sem que os Sticks dêem por nós.
- Havemos de descobrir uma maneira. Agora vamos dormir que são horas,
Boa-noite!
Pouco depois todos dormiam a sono solto. Todos menos o Tim que decidira
ficar de olho aberto toda a noite. Não havia precisão de qualquer dos quatro ficar
de guarda, enquanto tivessem o Tim. Aquele fiel canzarrão era o melhor guarda
que podia haver. E os quatro primos já o sabiam muito bem.
CAPÍTULO XX
NO dia seguinte Júlio acordou muito cedo e subiu pela corda ao cimo do
penhasco. Queria ver se os Sticks já estavam a pé e, de facto, viu logo o casal
perto da entrada das catacumbas. A Senhora Stick parecia pálida e muito
preocupada.
- Quem será o patife que nos levou o Edgar e que se intrometeu nos
nossos planos? Muito gostava de saber. Ia tudo tão bem...
- Está bem, está bem! - disse o marido, enfadado. - Esse rapaz só nos dá
desgostos e trabalhos. Sempre a armar sarilhos.
Júlio viu-os embarcar e o barco não tardou a afastar-se da ilha, com o velho
Stick a manobrá-lo com perícia, por entre as penedias que se erguiam da água.
Júlio voltou a correr para a gruta, chamando alegremente os outros.
A Zé, o David e a Ana juntaram-se logo a Júlio que não perdeu um minuto.
- Ouçam! Os Sticks foram para terra à procura do filho. O que eu proponho é
irmos às catacumbas salvar a menina, que lá deve estar, e trazê-la para aqui, a
tomar o seu pequeno almoço connosco. Levamo-la depois para terra. Vamos à
polícia para descobrir quem são os pais dela. E, em seguida, telefonamos para
lhes dizer que a filha está sã e salva.
- Tens de ficar tu aqui, Ana, e vai arranjando um pequeno almoço digno dos
teus talentos de dona de casa! - disse Júlio, que sabia quanto ela detestava
descer aos subterrâneos.
- Fiquem descansados! vai ser melhor que qualquer das refeições que já
tivemos.
- Toca a andar! - comandou Júlio, que queria fazer tudo quanto necessário,
antes do regresso dos Sticks. E lá foram todos em fila indiana. Atravessaram
primeiro o penhasco, dirigiram-se depois ao castelo e chegaram, por fim, ao pátio
onde era a entrada dos subterrâneos.
- Eu não vou para baixo com vocês... declarou logo Edgar, alarmado.
- Ah, não, não vais! - afirmou Júlio, com cara de poucos amigos.
Riram-se todos, menos Edgar, que estava pálido como cera. Este género
de aventura não lhe quadrava nada.
- Não, Tim! - gritou Júlio. - Não te metas agora com ele. Ficas aqui. Porque
te garanto que, se lhe metesses o dente, sabia-te mal!
O Tim ficou de orelha murcha por não poder dar a sua sova no outro cão.
Se não podia correr atrás dos coelhos, que o deixassem ao menos ir atrás do
Sarnoso!
Era quase certo que a menina se encontrava ali, por ser a única cela que
tinha uma porta maciça de madeira e se podia fechar pelo lado de fora. Os
pequenos pararam em frente dessa porta, que de facto estava trancada com um
enormíssimo barrote. Não se ouvia o menor ruído lá dentro; mas Tim começou a
raspar na porta e a olhar para os pequenos como a indicar-lhes qualquer coisa. O
cão sabia muito bem que havia alguém dentro da cela.
- Olá! - gritou Júlio, dando fortes punhadas na porta. - Está aí alguém?
Somos gente amiga e viemos socorrê-la!
- Quem é que está aí? É verdade que me vêm socorrer? Estou tão sozinha
e tão assustada! Tirem-me daqui, sim? Tirem-me daqui!
- Pronto! Agora já não tem nada a temer. Está salva e vamos levá-la para
junto da sua mãe.
- Quero ir para a minha mãezinha, quero ir, quero ir, - dizia a pequenita,
recomeçando a chorar e agarrando-se a David num desespero. - Onde é que eu
estou? Para que me trouxeram para aqui? Não gosto nada disto...
- Foi uma aventura que passou, - explicou-lhe Júlio, muito suave. - Agora
tudo acabou, ou, pelo menos, já quase acabou. Falta ainda um bocadinho
agradável. Vamos todos tomar o nosso pequeno almoço, quer? Temos um bolo
estupendo.
- Claro que não podia gostar deles, - disse a Zé. - E olhe! Este é o Tim, o
nosso cão. Pelos vistos, também gosta já de si.
Os outros disseram-lhe os seus nomes e Jenny olhou para Edgar, que não
dissera palavra.
- Esse é o Edgar, - informou Júlio. - Não é amigo nosso. É o filho daqueles
dois piratas que a trouxeram para aqui, Jenny! Agora vamos aqui deixá-lo. Os pais
é que vão ter uma agradável surpresa, não acha?!
Edgar soltou um grito. Tentou fugir para o corredor. Mas o Tim, saltando e
rosnando ameaçadoramente, tapou-lhe logo o caminho.
- Também eu! - disse Jenny, dando logo a mão a Júlio. - Na cela não tinha
fome nenhuma, mas agora já tenho. Obrigada por me haverem salvo. Não me hei-
de esquecer!
- Não se fala mais nisso! - disse Júlio, sorrindo. - Foi um prazer soltá-la e
maior prazer ainda deixar lá o Edgar em seu lugar.
CAPÍTULO XXI
- Tenho tratado delas muito bem, - disse Ana, muito divertida ao ouvir os
nomes das bonecas. - Estavam muito sozinhas e tristes, mas dormiram comigo e
já se sentem agora muito melhor.
- Muito obrigada. Nem sei como agradecer, - dizia Jenny, não podendo
esconder o seu contentamento. - Vocês são todos uns amores. Oh, que
maravilhoso pequeno almoço!
E era. Ana abrira uma lata de salmão, duas de pêssegos, uma lata de leite,
cortara uma infinidade de fatias de pão e fizera um apetitoso cacau. Jenny sentou-
se e começou logo a comer vorazmente. Estava faminta e, enquanto comia,
começava a perder a palidez e ganhava cores e um ar feliz. Fartaram-se todos de
tagarelar. Jenny falou-lhes de si e contou-lhes o que lhe sucedera.
- Foi o que te salvou! - disse a Zé, que pouco antes propusera que todos se
tratassem por “tu”. - Foi uma sorte que te tivéssemos ouvido. Pensávamos que a
nossa ilha fosse uma cáfila de contrabando e nem por momentos pensámos que
se tratasse de um rapto. Até que encontrámos uma arca com as tuas bonecas e
roupas, e...
- Não sei como é que o homem as trouxe! - disse Jenny, pensativa. - A não
ser que uma das criadas o tenha ajudado. Havia uma de quem eu não gostava
nada. Chamava-se Sara Stick.
- Ah! - exclamou Júlio. - Foi com certeza essa! Aqueles dois que te
meteram na cela também se chamam Stick. Essa Sara deve ser da família.
Deviam estar todos combinados com qualquer bandido que tinha um navio para te
trazer para aqui.
- Agora temos de ir buscar o nosso barco e ir a terra, - disse Júlio, que não
queria perder mais tempo. - Os jornais estão, com certeza, cheios de notícias
acerca do rapto, e os polícias reconhecem-na imediatamente.
- Não me está a apetecer muito sair desta gruta de sonho, - disse Jenny,
que se sentia agora muito feliz. - Apetecia-me ficar aqui a viver com vocês. Voltam
para cá, não voltam?
- Bem, se calhar por mais alguns dias. A casa da Zé está vazia, porque a tia
está no hospital e o tio ficou a fazer-lhe companhia, sabes? É, pois, provável que
cá fiquemos até ambos voltarem para casa.
- Ia ter com vocês daqui a bocado, - avisou Alf. - O seu pai já voltou,
menino Zé! Mas a sua mãe ainda não veio. Ouvi dizer que já está melhor e que
dentro de uma semana estará de volta.
- O pai tinha dito que só viria quando a mãe estivesse completamente boa! -
disse Zé, surpreendida.
- Por essa é que nós não esperávamos! - exclamou a Zé. - Nós também lá
vamos! Vamos dar de cara com ele. Queira Deus que não esteja muito furioso
connosco. Quando o pai se zanga, ninguém o pode aturar.
- Vamos! - comandou Júlio. - Por um lado é bom que o tio já lá esteja, Zé,
pois podemos explicar tudo à polícia e a ele, ao mesmo tempo.
- Não entre aí. É o Sr. Inspector que está lá dentro. Veio cá resolver um
caso muito intricado e não pode ser interrompido.
Mas a Zé não lhe deu ouvidos. Abriu a porta e entrou, deparando com o pai
que se levantou logo.
- Zé! Onde estiveste tu, até agora? Como te atreves a sair de casa? Foi
assaltada por gatunos e desapareceram imensas coisas! Estava aqui mesmo a
participar ao Senhor Inspector que nos levaram todas as pratas.
- Não se preocupe, pai! - respondeu a Zé. - Não pense mais nisso. Nós já
recuperámos tudo. Foram os Sticks. E a mãe, como está?
- Melhor, muito melhor! Graças a Deus, agora já posso voltar para junto
dela e dizer-lhe que estás bem. Estávamos tão preocupados! Mas estou
zangadíssimo contigo. Onde é que estiveste?
Júlio entrou, então, no aposento, seguido por David, Ana, Jenny e o Tim. O
Inspector examinou-os cuidadosamente e, logo que viu a pequena Jenny, ficou
intrigadíssimo e cheio de curiosidade.
- Mas que significa tudo isto? - perguntou mais espantado o pai da Zé. -
Esta pequena anda a ser procurada por todo o país? Já não leio jornais há vários
dias e não sei o que se passa. Mas...
- Então não sabia que a pequena Jenny Armstrong foi raptada? - perguntou
o Inspector, puxando-a para junto de si.
- E saberá, por acaso, quem é o dono do barco que levou esta menina
Jenny para a ilha? - perguntou o Inspector.
- Não. O que ouvimos dizer foi que um tal Roamer era esperado na ilha
nessa noite.
- A Jenny pode vir connosco para o Casal Kirrin! - disse o pai da Zé, ainda
não refeito de espanto, por tudo quanto se passara. - A Joana voltou para ficar uns
dias e tomar conta dos meninos! A Jenny pode lá ficar connosco até a virem
buscar.
- Ouça, pai! - disse Zé firmemente, - vamos para casa, mas só por hoje,
pois tencionamos ir passar outra semana à ilha Kirrin até a mãe voltar. Ela tinha-
me dito que podíamos, e temo-nos divertido tanto que ir agora para casa é uma
sensaboria. A Joana pode ficar a arrumar a casa para quando a mãe vier, que nós
na ilha governamo-nos muito bem sozinhos.
- Muito bem! - disse o pai da Zé. - Podem voltar para a ilha, mas regressam
a casa logo que a mãe chegar!
- Pois claro! - respondeu a Zé. - Estou com tantas saudades da mãe! Mas,
sem ela, não me apetece nada ficar em casa. A ilha é bem mais divertida.
O pai da Zé levantou-se.
- Vamos então! São horas de almoçar. Iremos ver se a Joana nos preparou
alguma boa petisqueira, acrescentou já de bom-humor.
CAPÍTULO XXII
- Então, Sr. Stick! Quer saber onde está o seu Edgar? - perguntou-lhe Júlio,
misteriosamente.
Stick arregalou os olhos, olhando para o Júlio sem saber que dizer.
- Não interessa, - redarguiu Júlio. - Interessa agora, é que o Edgar está nas
catacumbas!
O velho Stick olhou para Júlio e afastou-se rapidamente. Júlio correu para
casa e telefonou à polícia. Tinha a certeza de que o velho diria à mulher o que ele
lhe dissera e esta insistiria em voltar à ilha para ver se o filho estava de facto
nas catacumbas. Portanto, bastava agora que Júlio avisasse a polícia e que esta
vigiasse bem a baía para ver se algum barco se dirigia à ilha.
Os pequenos acabaram de almoçar e o tio Alberto anunciou que tinha de
voltar para o hospital, a dar as notícias à mãe da Zé.
- Apenas lhe direi que vocês estão a passar umas férias na ilha. Quando
ela voltar para casa então lhe contaremos todas as vossas aventuras. Valeu?
- Peçam o que quiserem! - disse o sr. Armstrong. - Prometo que farei tudo o
que me for possível. E tudo o que fizer por vocês é pouco. Não sabem como lhes
estou grato por terem salvo a minha Jenny.
O Júlio olhou para os outros. Sabia que nenhum deles queria qualquer
recompensa. Jenny piscou-lhe o olho e fez-lhe um sinal insistente.
- Sim, - disse finalmente o Júlio. - Há uma coisa que lhe queria pedir.
- Tudo o que quiser! - exclamou o pai de Jenny, contente por poder fazer
qualquer coisa pelos novos amiguinhos de sua filha.
- Deixe que a Jenny venha passar uma semana connosco à ilha, - pediu
Júlio. E Jenny deu logo um pulo, de contente que estava com essa idéia.
- Bem, bem!... começou o sr. Armstrong. - Bom!... Ela acaba de nos ser
raptada, sabe? E não a queríamos perder de vista durante uns dias, e...
- Então, está bem, Jenny! Mas só com uma condição! - consentiu, por fim, o
sr. Armstrong. - E a condição é que eu e a tua mãe vamos passar amanhã o dia
convosco, para verificarmos se essa famosa ilha é de tanta confiança.
- A Jenny pode então cá ficar já esta noite, não pode? - perguntou a Zé.
Os pais de Jenny disseram que sim e foram dali à polícia para ver se já
sabiam alguma notícia dos raptores. Os pequenos correram para a cozinha a pedir
à Joana que lhes fizesse muitos bolos para o chá. Por volta das cinco horas
bateram à porta. Era um enorme agente da polícia, que queria falar a Júlio.
- Eu não sou a Menina Maria José, mas sim a Zé! - emendou ela friamente.
A Ana também foi, desta vez, apertando muito a mão de um dos polícias.
Chegaram à cela onde se encontrava Edgar e verificaram que a porta ainda
estava trancada; portanto, os Sticks ainda lá não tinham chegado.
- Não! Se o meu Edgar ali está fechado, isto não fica por aqui! Trancarem o
pobre inocente num subterrâneo! Não percebo nada. Se o rapaz lá está, onde é
que está então a rapariga? Ora, diz-me lá! Onde é que está a rapariga? Sabes o
que me parece? Que o patrão nos armou qualquer partida, para não ter de nos
pagar a nossa parte. Não nos prometeu ele cem libras, se guardássemos bem a
rapariga na ilha, durante uma semana? Pois quer-me parecer que ele mandou
alguém à ilha para nos assustar, levando-a consigo e pondo o nosso Edgar
em seu lugar.
- Pode ser que tenhas razão, - concordou o velho Stick. - Mas como é que o
pequeno Júlio sabia onde estava o Edgar? Tudo isto está a tornar-se complicado
de mais para mim.
Foi nesse momento que a família Stik apanhou o maior susto da sua vida.
Um enorme polícia apareceu-lhes pela frente, com uma lanterna na mão e um livro
de apontamentos na outra.
- Tem toda a razão, Sra. Stick! - disse o polícia num tom de voz muito
profundo. - Trancar uma criança nesta cela é uma barbaridade, e foi isso que
vocês fizeram, não foi? Foi nessa cela que fecharam a pequena Jenny Armstrong!
E ela não passa de uma criança. Esse vosso rapaz sabia que não lhe havia
de acontecer nada de mal, pois, mais tarde ou mais cedo, vocês viriam libertá-lo.
Mas a pobre menina, essa, apanhou um valentíssimo susto, e com razão.
A velha Stick não encontrava palavras para responder. Não fazia mais do
que abrir e fechar a boca como os peixes fora de água. Stick encostou-se á
parede, como um rato acossado por um gato.
- Nós ficamos cá, - disse Júlio aos polícias. - Passamos aqui a noite e os
senhores guardas podem ir no barco dos Sticks, que conhecem bem o caminho.
Foram todos até às rochas onde ficara o escaler dos Sticks e Júlio ajudou a
empurrá-lo para a água.
FIM
Data da Digitalização
EDITORIAL NOTÍCIAS
Digitalização e Arranjo
Fátima Vieira
Agostinho Costa
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Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de
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oportunidade de conhecerem novas obras.Se quiser outros títulos nos procure
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