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Emid blyton OS CINCO E O CIRCO

ENID BLYTON

Série Os Cinco – 5

Editorial Notícias

Digitalização e Arranjo

Bernadete Vidal
Agostinho Costa

Este livro foi digitalizado para


ser lido por Deficientes Visuais

À frente vinha o elefante, caminhando vagarosamente, seguido por todo =o


cortejo dos animais e carros do circo.
Então os Cinco, entusiasmados, resolvem acompanhar o circo em
=duas«roulottes» emprestadas, indo acampar, todos ufanos, junto =dele,
nas margens do Lago Merran.
Logo se tornam amigos do jovem Dino e do chimpanzé Pongo, dispondo-se
=então a passar umas férias agradáveis.
Mas no circo nem tudo são rosas: a par de gente simpática, como o =Dino e
a Lucília, há figuras inquietantes, como, por exemplo, Lou, =o acrobata,
e o Tigre Dan, o palhaço, par;, os quais a presença =dos Cinco é
indesejável
E daí resultam inúmeros problemas, que os Cinco resolverão ao =longo
deste livro, que todos os leitores muito apreciarão.

Editorial Notícias

Título original FIVE GO OFF IN A CARAVAN

© Hodder and Stoughton, Ltd. – 1952

Reservados todos os direitos para Portugal

pela EDITORIAL NOTÍCIAS EPN


Empresa Pública dos Jornais «Notícias» e «Capital»

R. Rodrigues Faria, 103 – LISBOA

ENID BLYTON

OS CINCO E O CIRCO

Tradução de MARIA DA GRAÇA MOCTEZUMA

Ilustrações de EILEEN SOPER


EDITORIAL NOTÍCIAS - LISBOA

Paginação – cabeçalho

Índice

CAPÍTULO I - COMEÇARAM AS FÉRIAS ..... 7


CAPÍTULO II - A GRANDE IDEIA DA ZÉ ...... 14
CÁPÍTULO III - CHEGARAM AS «ROULOTTES» ...... 21
CAPÍTULO IV - E LÁ VÃO ELES ..... 30
CAPÍTULO V - O CAMINHO DO LAGO MERRAN .... 40
CAPÍTULO VI - O ACAMPAMENTO DO CIRCO E DINO ..... 49
CAPÍTULO VII - UMA VISITA DURANTE A NOITE .....59
CAPÍTULO VIII - NA ENCOSTA DO MONTE ...... 68
CAPÍTULO IX - UM ENCONTRO DESAGRADÁVEL ...... 77
CAPÍTULO X - UMA CURIOSA MUDANÇA DE ATITUDE ...... 86
CAPÍTULO XI - O ACAMPAMENTO DO CIRCO ...... 95
CAPÍTULO XII - UM DIA ENCANTADOR COM UM FINAL TERRÍVEL ... 104
CAPÍTULO XIII - O JÚLIO PENSA NUM PLANO ........ 114
CAPÍTULO XIV - UM ÓPTIMO ESCONDERIJO ...... 123
CAPÍTULO XV - VÁRIOS ACONTECIMENTOS ...... 131
CAPÍTULO XVI - UMA DESCOBERTA SENSACIONAL ...... 141
CAPÍTULO XVII - MAIS UMA VISITA DO LOU E DO DAN ..... 150
CAPÍTULO XVIII - DENTRO DO MONTE ...... 159
CAPÍTULO XIX - PRESOS NO SUBTERRÂNEO ....... 169
CAPÍTULO XX - MAIS EMOÇÕES ...... 179
CAPÍTULO XXI - O DAVID TEM UMA GRANDE IDEIA ...... 190
CAPÍTULO XXII - O FINAL DA AVENTURA ...... 199
CAPÍTULO XXIII - ADEUS! ADEUS! FAMOSOS CINCO! ......... 206

CAPÍTULO I - COMEÇARAM AS FÉRIAS

- Gosto imenso do princípio das férias —disse o Júlio. =—Parece-me sempre


que elas vão durar «séculos»!
— Os dias vão passando tão agradável e vagarosamente =— respondeu Ana, a
sua irmãzinha. — Mas depois =começam a passar a galope.
Os outros riram. Eles sabiam muito bem o que a Ana queria dizer. —= Uff!
— exclamou uma voz grossa, como se se tratasse de outra =pessoa a
acordar.
— O Tim acha que tu tens razão, Ana — disse a Zé, =fazendo festas ao
canzarrão que estava deitado ao pé deles. David =também lhe fez uma festa
e o cão lambeu as mãos de ambos.
Os quatro passaram os dias ao sol na primeira semana de férias.
=Geralmente iam para casa da prima Maria José, em Kirrin; mas desta =vez,
para variar, estavam todos em casa de Júlio, David e Ana. O =Júlio era o
mais velho, um rapaz alto e forte, com uma cara =saudável e simpática;
David e Maria José vinham a seguir. A =Maria José parecia mais um rapaz,
com o cabelo encaracolado, do que =uma menina e ela, como sabem, insistia
para ser tratada por Zé.
Até as professoras no colégio lhe chamavam Zé. Ana era a mais =nova, mas,
com grande alegria sua, estava agora a ficar muito alta.
— O paizinho disse esta manhã que se nós não quisermos =ficar aqui
durante as férias todas, podemos escolher o que queremos =fazer — disse a
Ana. — Eu proponho ficarmos aqui.
— Nós podíamos talvez ir a qualquer sítio apenas por =duas semanas —
lembrou o David.
— Só para variar.
— Vamos a Kirrin passar uns dias com os pais da Zé? — =perguntou o Júlio,
pensando que talvez a Zé gostasse desta =ideia.
— Isso não — respondeu a Zé imediatamente.
— Estive em casa no meio do último período de aulas, e a =mãe disse-me
que o pai ia começar uma das suas experiências =sobre não sei quê e vocês
sabem o que isso significa. Se lá =vamos, temos de andar em bicos de pés,
falar em surdina, e =mantermo-nos à distância do pai durante todo o
tempo.
— Essa é a parte pior de ter um pai cientista
— observou David, deitando-se de costas e fechando os olhos. =— Bem sei
que a tua mãe não pode cooperar connosco e ao =mesmo tempo com o teu pai.
Sobretudo no meio duma das suas =experiências, seria o fim do mundo!
— Eu gosto do tio Alberto, mas tenho medo dele quando está de =mau-humor
— confessou Ana.
— Ele grita tanto!
— Então está decidido que não vamos a Kirrin
— disse Júlio, bocejando. — Pelo menos nestas =férias. Mas tu, Zé, sempre
que queiras e em qualquer altura podes =ir ver a tua mãe. Que vamos então
fazer? Ficar aqui todo o =tempo?
Estavam agora deitados ao sol, com os olhos fechados. Que tarde tão
=quente! Tim, deitado ao pé da Zé, tinha a língua de fora, =arquejante.
— Não faças isso, Tim — disse Ana. — Parece =que estiveste a correr
durante quilómetros seguidos sem parar, e =ainda me fazes sentir mais
calor.
Tim pôs uma pata amigável sobre o estômago de Ana, e esta deu =um
gritinho. — Ó Tim, a tua pata pesa muito. Tira-a daqui!
— Sabem, eu penso que se nos permitissem irmos sozinhos a =qualquer
parte, seria bastante divertido — disse a Zé, =mordiscando um pedacito de
erva e olhando para o céu azul. — =Uma das vezes que mais nos divertimos
foi, por exemplo, quando estivemos =sozinhos na Ilha Kirrin. Não
poderíamos ir a qualquer lugar, só =nós quatro e o Tim?
— Mas onde? — perguntou David. — E como? Porque =não temos idade para
levar um automóvel, ainda que eu aposte que =saberia guiá-lo. Também não
era muito animado irmos de =bicicleta porque a Ana não sabe andar
depressa como nós.
— E há sempre uma bicicleta que acaba por ter um pneu =furado.
— Eu gostaria imenso de ir para fora, a cavalo — declarou =a Zé. — Mas o
pior é que não temos nem um cavalo.
— Temos sim! Temos o velho Dobi lá em baixo no campo — =disse David. —
Ele costumava puxar a «charrette», mas agora =que nós já não a usamos
está no serviço dos campos.
— Mas um cavalo não pode com quatro, pateta — disse a =Zé. — O Dobi não
nos serve.
Houve um silêncio e todos pensaram nas férias, cheios de =preguiça. Tim
atirou-se sobre uma mosca e fechou a boca com =barulho.
— Quem me dera apanhar moscas como ele

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— disse David, enxotando uma mosca azulada.


— Vem apanhar esta, Tim, meu velho.
— E que achariam vocês se déssemos um passeio a pé? =— perguntou Júlio
depois de uma pausa. Todos protestaram em =coro.
— O quê! Com este tempo!
— Nem nos deixavam!
— Que horror, caminhar léguas com este calor.
— Está bem, está bem — respondeu Júlio. —=-Pensem vocês numa ideia
melhor.
— Eu gostava de ir a qualquer sítio onde pudéssemos tomar =banho—
participou Ana.—Num lago, por exemplo, já que =não podemos ir até ao mar.
— Boa ideia!—aprovou David.—Meu Deus, estou cheio =de sono. Vamos
resolver este assunto depressa ou daqui a pouco estou a =ressonar.
Mas não era fácil de resolver. Ninguém queria ir para um hotel =ou para
quartos alugados. As pessoas crescidas quereriam ir também, =para tomar
conta deles. E também ninguém desejava ir a pé ou de =bicicleta, naquele
Agosto tão quente.
— Parece-me que temos de ficar em casa durante as férias todas =—
concluiu Júlio. — Bem, eu vou passar pelo sono.
Daí a dois minutos todos estavam a dormir, excepto Tim. Quando a sua
=«família» dormia, Tim conservava-se de guarda. O enorme cão =deu uma
lambedela à sua dona, a Zé, e ficou firme, a seu lado, de =orelhas
arrebitadas e os olhos a brilharem. Ele respirava com força, =mas já
ninguém o ouvia. Todos dormiam calmamente ao sol, =tornando-se cada vez
mais queimados.
O jardim descia por uma encosta. De onde eles estavam, Tim podia ver uma
=grande extensão, tanto para baixo como para cima, da estrada que
=passava pela casa. Era uma estrada larga, mas com pouco movimento, pois
=não havia nenhuma cidade próxima. Tim ouviu um cão ladrar a =distância e
as suas orelhas arrebitaram-se nessa direcção. =Ouvira vozes na estrada,
e as orelhas viraram-se de novo. Ele não =perdia nada.
Pouco depois qualquer coisa começou a descer pela estrada, qualquer
=coisa que fez Tim estremecer de excitação e cheirar repetidas =vezes os
estranhos odores que chegavam até ao jardim. Um grande =cortejo apareceu
serpenteando, com um contínuo barulho de rodas em =movimento; era um
desfile vagaroso, que começava por uma coisa =esquisita.
Tim não fazia a menor ideia do que seria aquela coisa. Na verdade
=tratava-se dum grande elefante e Tim não gostava daquele cheiro, =tão
estranho e tão forte. Também sentiu o cheiro de macacos, =nas suas
gaiolas de viagem e ouviu o ladrar de cães amestrados.
Tim respondia-lhes com ar de desafio — «Béu, béu, =béu, béu!». Os latidos
do cão acordaram as quatro =crianças.
— Cala-te, Tim — disse a Zé, zangada. — Que feio =ladrares assim,
enquanto nós estamos a dormir.
—Béu, béu!—• insistia Tim, tocando com as =patas na sua dona para a fazer
levantar e prestar atenção. A Zé =sentou-se. Imediatamente viu o cortejo
e gritou:
— Olhem, vocês três! Estão a passar os carros dum =circo.
Todos se sentaram, já despertados. Ficaram a olhar para as =carroças
fechadas,

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avançando vagarosamente, a ouvir um animal uivando e os cães a =ladrar.


— Olhem para o elefante, puxando o carro
— notou a Ana. — Ele deve ter imensa força.
— Vamos lá abaixo ao portão, para ver melhor
— propôs David.
Todos se levantaram e correram pelo jardim, contornaram a casa e
=chegaram ao portão. O cortejo ia mesmo a passar. Era um alegre
=espectáculo. Os carros estavam pintados de cores brilhantes e pelo =lado
de fora pareciam limpos e novos. Nas janelas viam-se pequenas =cortinas
floridas. Na parte da frente de cada carro sentava-se o seu =dono ou a
sua dona, guiando-o. Só o carro da frente era puxado por um =elefante.
— Formidável, não acham tão bonito? — perguntou a =Zé. — Eu gostava de
pertencer a um circo que fosse sempre =andando de terra em terra, durante
todo o ano. Era essa a vida de que eu =mais gostava.
— Mas tu não prestavas para nada, se estivesses num circo =— disse David
rudemente. — Nem mesmo sabes dar saltos =mortais.
— O que são saltos mortais? — perguntou Ana.
— É o que aquele rapaz está ali a fazer — disse =David. — Olha!
Ele apontou para um rapaz que estava a dar saltos muito rápidos =girando
como uma roda. Parecia tão fácil mas não era, e David =sabia-o bem.
— Oh, ele está a dar saltos mortais? — perguntou Ana, =encantada. —
Também gostava de fazer aquilo.
O rapazito chegou-se ao pé deles e sorriu.

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Trazia consigo dois cães «terrier». Tim começou a ladrar e a =Zé segurou-
lhe na coleira.
— Não se cheguem muito perto — pediu ela.
— O Tim ainda não sabe quem vocês são.
— Não lhe vamos fazer mal — respondeu o rapaz, e sorriu =outra vez. Tinha
uma cara feia e sardenta e o cabelo todo despenteado. =— Eu não deixarei
os meus cães comerem o vosso Tim.
— Como se eles pudessem! — começou a Zé, cheia de =génio, mas depois riu-
se. Os «terriers» continuavam junto do =rapaz. Ele assobiou e os dois
cãezitos levantaram-se nas patas =traseiras e caminharam assim, com
passinhos muito engraçados.
— São cães amestrados? — perguntou Ana.
— São teus?
— Estes dois são — respondeu o rapaz. — Este =é o Ladra-Ladra e este o
Rosna-Rosna. São meus, desde =cachorrinhos. São espertos que nem alhos.
— Béu, béu!—fez o Tim, parecendo desgostoso por ver =cães a andarem duma
maneira tão estranha. Nunca lhe tinha ocorrido =que um cão pudesse andar
nas patas traseiras.
— Onde vão dar o vosso próximo espectáculo? — =perguntou a Zé, com
vivacidade. — Nós gostávamos de ir =assistir.
— Agora vamos descansar — disse o rapaz — nuns =montes, onde fica um lago
azul. Temos licença para acampar aí com =os nossos animais; é um campo
despovoado e assim não incomodamos =ninguém. É só chegar com os nossos
carros e acampar.
— Parece-me estupendo! — disse David. — Qual é o =teu carro?
— É este aqui, que está a chegar — disse o =rapaz,

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apontando para um carro de cores vivas, com os lados em azul e amarelo e


=as rodas vermelhas. — Vivo ali dentro com o meu tio Dan. Ele é =o chefe
dos palhaços do circo. Ali está ele, sentado na frente, a =guiar o
cavalo.
Os pequenos olharam para o palhaço-chefe, e pensaram que nunca tinham
=visto ninguém menos parecido com um palhaço. Estava vestido com =umas
calças de flanela cinzenta, muito sujas, e uma camisa de flanela
=vermelha também suja, que se abria à frente, deixando ver um =pescoço
igualmente pouco limpo.
Ele parecia incapaz de dizer uma só coisa engraçada ou de fazer =fosse o
que fosse que pudesse divertir alguém. Na verdade devia ser =bastante
mal-humorado, pensaram as crianças. Tinha uma expressão =tão antipática,
enquanto mascava um velho cachimbo, que Ana =sentiu-se assustada. Nem
olhou para os pequenos, mas chamou o rapaz com =uma voz agreste.
— Dino! Vem já para aqui! Entra no carro e vai fazer-me o =chá.
O pequeno Dino fez uma careta e correu para o carro. Era evidente que o
=tio Dan se fazia obedecer prontamente. Dino pouco depois deitou a
=cabeça fora da janela do carro, do lado das crianças.
— Tenho pena de não poder convidá-los para o chá —= disse ele. — E ao cão
também. O Ladra-Ladra e o =Rosna-Rosna não desgostariam de os conhecer!
O carro passou, levando com ele o palhaço mal-humorado e o sorridente
=Dino. As crianças ficaram a ver os outros a desfilar.

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Havia uma gaiola de macacos, um chimpanzé dormindo a um canto de uma


=gaiola escura, uma fila de lindos cavalos de pêlo sedoso e brilhante,
=um grande vagão transportando bancos, ferramentas e loiças; vinham
=também carros para a gente do circo viver e uma porção de =figuras
curiosas sentadas nos degraus dos seus carros ou caminhando em =grupos,
para desentorpecerem as pernas.
Por fim o cortejo desapareceu e os pequenos voltaram devagar para o
=canto do jardim batido pelo sol. Sentaram-se, e então a Zé =anunciou-
lhes uma coisa que os fez levantar-se dum salto:
— Eu já sei o que vamos fazer durante estas férias! Vamos =alugar uma
«roulotte» e passear nela. Sozinhos! Vamos! Oh, =vamos!!!

CAPÍTULO II - A GRANDE IDEIA DA ZÉ

Os outros fitaram a cara excitada da Zé. Ela estava vermelhíssima. =David


atirou-se ao chão.
— Que ideia maravilhosa! Porque não pensámos nisso há =mais tempo?
— Ah, sim? Uma «roulotte» só para nós! Parece bom de =mais para ser
verdade!—exclamou Ana, e também ficou muito =corada, e com os olhos a
brilhar.
— E devemos acrescentar que foi uma coisa que nunca fizemos =até agora —
disse Júlio, pensando se realmente seria =possível. — Oiçam, não era
formidável se =pudéssemos ir até aos montes, onde fica o tal lago de que
o rapaz =nos falou? Nós poderíamos lá tomar banho e talvez =chegássemos a
conhecer as pessoas do circo. Sempre tive vontade de =conhecer gente do
circo.
— Ó Júlio! Isso ainda é melhor ideia!—disse a =Zé esfregando as mãos,
radiante. — Eu gostei daquele rapaz =Dino. E vocês?
— Eu também! — afirmou cada um dos outros.
— Mas eu não gostei do tio dele — continuou David. =— Achei-o antipático.
Aposto que ele faz com que o Dino ande =de esquerda em linha.
— Júlio, achas que consentirão que vamos de =«roulotte» sozinhos? —
perguntou Ana com ansiedade. —= Parece-me a ideia mais maravilhosa que
temos tido até hoje!

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— Bem, podemos pedir e logo veremos — respondeu Júlio. =— Eu já tenho


idade para tomar conta de vocês.
— Píff! — zombou a Zé. — Não preciso de =ninguém para olhar por mim,
muito obrigada. E de qualquer maneira, se =precisarmos, o Tim pode
encarregar-se disso. Aposto que as pessoas =crescidas vão ficar
satisfeitas por se verem livres de nós durante =uma semana ou duas. Elas
acham sempre que as férias do Verão =são demasiado compridas.
— Nós podemos levar o Dobi connosco para puxar a =«roulotte» — lembrou
Ana. — O Dobi vai adorar! Penso =sempre que ele se deve sentir muito só
vivendo nos campos, sem =companhia.
— Claro que o Dobi pode vir — disse Júlio. — =É uma boa ideia. Onde
poderemos arranjar a «roulotte»? É =fácil alugar uma?
— Não sei — respondeu David. — Eu conhecia um =rapaz, no colégio, tu
deves lembrar-te dele, Júlio; aquele rapaz =muito alto chamado Pedro;
costumava ir acampar, todas as férias, com =a família. E sei que eles
alugavam «roulottes». Posso saber, =por ele, onde as arranjavam.
— O paizinho deve saber — disse a Ana. — Ou a =mãezinha. As pessoas
crescidas sabem sempre essas coisas. Eu gostaria =de uma «roulotte» linda
e grande, azul e encarnada, com uma =chaminèzinha, e janelas dos lados,
com uma porta atrás e degraus =para subir e, e...
Os outros interromperam com as suas próprias ideias e em breve todos
=falavam muito excitados, tão alto que não ouviram alguém descer =ao
jardim e parar junto deles, rindo de todo aquele entusiasmo.

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— Rrrrm! — avisou o Tim, com delicadeza. Ele era o =único que naquele
momento podia prestar atenção a qualquer =outra coisa.
— Olá, mãe! — exclamou Júlio. — Chegou =mesmo no momento oportuno, porque
queremos contar-lhe uma ideia que =tivemos.
A mãe sentou-se, sorrindo. — Vocês parecem muito =entusiasmados — disse
ela. — O que se passa?
— Bem, é como diz, mãezinha — respondeu Ana, antes =de qualquer dos
outros. — Nós gostaríamos muito de ir =passear numa «roulotte» por uns
dias, sozinhos. Ó mãezinha, =seria tão divertido!
— Sozinhos? — perguntou a mãe, duvidosa. — =Não sei que responda.
— O Júlio pode tomar conta de nós — acrescentou =Ana.
— E o Tim também — declarou a Zé imediatamente, e o =Tim bateu no chão
com a cauda. Sem dúvida que ele podia tomar =conta deles. Não o tinha
feito durante anos, participando em todas as =suas aventuras? E
continuava a bater com a cauda.
— Eu tenho de falar sobre o caso com o paizinho — disse a =mãe. — Mas não
fiquem desapontados; eu não posso decidir =uma coisa dessas, só por mim,
assim de repente. Pode ser que tudo se =arranje, pois o paizinho tem de
ir ao Norte por uns dias e ele gostaria =que eu o acompanhasse. Assim é
possível que ache o vosso passeio =uma boa ideia. Falarei com ele hoje à
noite.
— Nós podíamos levar o Dobi para puxar a «roulotte», =mãezinha — disse
Ana com os olhos brilhantes. — Não =lhe parece? Ele devia gostar imenso!
Agora tem uma vida tão =aborrecida...

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— Veremos, veremos — respondeu a mãe, levantando-se. =— São quase horas


do lanche. O teu cabelo está =despenteadíssimo, Ana. Que estiveste a
fazer? A dar cambalhotas?
Todos correram para dentro de casa, sentindo-se muito alegres. A mãe =não
tinha dito que não. Tinha mesmo pensado que até fazia =jeito. Que
formidável, irem passear de «roulotte», sozinhos, =preparando as
refeições e lavando a loiça, tendo o Dobi por =companhia, assim como o
Tim, claro. Era simplesmente maravilhoso!
O pai dos pequenos nessa noite veio muito tarde, o que foi um
=aborrecimento, pois sentiam-se muitíssimo impacientes por saber se
=podiam ou não partir. Todos, menos Júlio, estavam na cama quando o =pai
chegou a casa e o Júlio foi-se deitar sem levar nenhuma novidade. =Ele
meteu a cabeça no quarto das raparigas. — O pai, cansado, =só agora está
a jantar e a mãe não vai incomodá-lo até =ele se sentir melhor. Só amanhã
teremos uma resposta. Que =pena!
As pequenas protestaram. Como poderiam elas adormecer, com o pensamento
=na «roulotte», sem saberem ao certo se lhes permitiriam =partir!
—Que maçada!—disse a Zé.—Vou demorar um tempo =infinito a adormecer. Sai
de cima dos meus pés, Tim! Palavra que =és demasiado quente para estares
junto de mim neste tempo.
Na manhã seguinte boas notícias aguardavam os pequenos. =Sentaram-se à
mesa do pequeno almoço, todos muito pontuais, pela =primeira vez, e Júlio
olhou para a mãe cheio de ansiedade. Ela =sorriu.
— Já falámos sobre o vosso assunto — disse ela.

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— O paizinho diz que não vê nenhum motivo para vocês =não irem passear de
«roulotte». Diz que até lhes vai fazer =bem. Mas vocês têm de arranjar
duas «roulottes» em vez de =uma. Não está certo vocês quatro, e ainda o
Tim, viverem só =numa «roulotte».
— Ó mãezinha, o Dobi não pode puxar duas =«roulottes» ao mesmo tempo!—
exclamou Ana.
— Nós podemos pedir emprestado outro cavalo — lembrou =Júlio. —Não
podemos, mãe? Mil obrigados, paizinho, por =nos deixar ir. É muito
simpático da sua parte!
— Simpatiquíssimo! — exclamou David.
— Maravilhoso! —disse a Zé, coçando a cabeça de =Tim, muito entusiasmada.
— Quando poderemos partir? =Amanhã?
— Com certeza que não!—respondeu Júlio. — =Temos de arranjar as
«roulottes», pedir emprestado um cavalo, =fazer as malas e muitas outras
coisas.
— Vocês poderiam ir na próxima semana, quando eu levar a =vossa mãe ao
Norte — disse o pai. — Isso é que nos =convém. Assim daríamos também umas
férias à cozinheira. =Vocês terão de nos mandar um postal todos os dias,
a dizer como =estão e onde estão.
— Sinto-me entusiasmadíssima!—participou a Ana. —= Nem tenho apetite para
comer o pequeno almoço.
— Olha que se é esse o efeito que a ideia das =«roulottes» tem sobre ti,
parece-me que é melhor não ires =— aconselhou a mãe.
Ana apressou-se a comer os seus flocos de aveia e depressa lhe voltou o
=apetite. Era bom de mais para ser verdade ter duas «roulottes» e =dois
cavalos e possivelmente dormir em beliches, e cozinhar as =refeições lá
fora, ao ar livre.

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— Tu serás o encarregado de tudo, estás a ouvir, =Júlio?—disse o pai do


pequeno.—Agora já tens idade =para seres realmente o responsável. Os
outros devem compreender isto =e obedecerem-te.
— Sim, pai — afirmou Júlio, sentindo-se orgulhoso. =— Eu cuidarei de tudo
muito bem.
— E o Tim também tomará conta de nós — disse a =Zé. — Ele tem tanta
responsabilidade como o Júlio.
— Brrm! — respondeu o Tim, ouvindo o seu nome, e batendo =com a cauda no
chão.
— Tu és um amor, Tim — disse a Ana. — Eu farei =sempre o que tu disseres,
tal como o que o Júlio disser.
— Palerma!—exclamou David, fazendo uma festa na cabeça =do Tim. — Aposto
que não nos deixariam ir sem ti, Tim. Tu =és um belo guarda para cada um
de nós.
— Certamente não os deixaríamos ir sem o Tim — =confirmou a mãe. — Nós
sabemos que vocês com ele =estão em segurança.
Era tudo tão divertido! As crianças levantaram-se logo que o =pequeno
almoço terminou, para falarem só entre elas.
— Eu acho que devemos ir com as «roulottes» para os tais =montes de que o
rapaz nos falou, onde fica o lago, e acampar aí =— disse o Júlio. — Assim
teremos companhia; uns =companheiros curiosos e alegres. Nós não
viveremos demasiado perto =do acampamento do circo, porque eles podem
achar-nos intrometidos e =não gostar.

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Mas viveremos suficientemente perto para ver o elefante ir ao seu


=passeio diário e os cães a serem amestrados.
— E vamos tornar-nos amigos do Dino, não vamos?—=perguntou Ana vivamente.
—Eu gostei dele. Mas não iremos para o =pé do tio. Acho estranho que um
homem com tão mau-humor possa ser =o chefe dos palhaços dum circo.
— Estou a pensar onde é que a mãe arranjará as =«roulottes»!—disse Júlio.
—Não será =divertido quando as virmos pela primeira vez?
— Vamos contar tudo ao Dobi!—lembrou Ana. — Com =certeza que também vai
ficar entusiasmado.
— Bebé! Ele não perceberá uma palavra do que lhe =disseres! — troçou a
Zé. Mas mesmo assim foi com a Ana e =depressa o cavalo estava a ouvir
tudo a respeito do maravilhoso plano. =Desde que o incluíssem, ele também
se sentia feliz!

CÁPÍTULO III - CHEGARAM AS «ROULOTTES»

Finalmente veio o grande dia em que as duas «roulottes» deviam =chegar.


Os pequenos esperaram horas ao pé do portão. A mãe =tinha conseguido que
um velho amigo as emprestasse. As crianças =haviam prometido, com a maior
convicção, cuidar bem dos carros e =não estragarem nada. Agora lá
continuavam no portão da estrada, =esperando ansiosamente a chegada das
«roulottes».
— Elas hoje devem vir conduzidas por automóveis — disse =o Júlio. — Mas
também estão preparadas para os cavalos =as puxarem. Eu gostava de saber
como serão. E que cor terão?
— Devem ser como os carros dos ciganos, com rodas muito altas, =não
acham? — disse a Ana. Júlio abanou a cabeça.
— Não, a mãe disse que são modernas, com suspensão e =tudo isso. Mas não
são muito grandes porque um cavalo não podia =conduzir um carro muito
pesado.

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- Olhem! Não é aquilo, lá longe na estrada? - Perguntou a =Zé.


Todos olharam com atenção para bem longe. Nenhum deles tinha =tão boa
vista como a Zé e tudo o que conseguiam ver era uma =mancha, uma coisa a
mover-se na estrada, muito ao longe.
— São as nossas «roulottes». Cada uma é puxada por um =automóvel pequeno.
Mas os olhos da Zé viam duas «roulottes» uma atrás da =outra.
— A Zé tem razão — afirmou Júlio. — São =as nossas «roulottes». Cada uma
é puxada por um automóvel =pequeno.
— Uma é vermelha e a outra verde — disse a Ana. —= Para mim gostava mais
da vermelha. Depressa, «roulottes», =depressa!
Por fim elas estavam já bastante perto para se verem bem. Os pequenos
=correram ao seu encontro. Eram realmente muito bonitas. Todas modernas e
=com uma boa suspensão, como o Júlio dissera, bem construídas e
=confortáveis.
— Quase tocam no chão!—disse a Ana. — E reparem =nas rodas! Eu gostaria
da vermelha. Eu peço a vermelha!
Cada carro tinha uma pequena chaminé, janelas compridas e baixas dos
=dois lados e umas pequeninas na parte da frente. Havia uma porta bem
=larga na parte de trás e dois degraus para subir e descer. Umas =lindas
cortinas esvoaçavam nas janelas abertas.
— Cortinas vermelhas na «roulotte» verde e cortinas verdes =na vermelha —
notou Ana. — Oh, eu quero ir lá =dentro!
Mas não foi possível, porque as portas estavam fechadas à =chave. Teve de
se contentar em correr com os outros, atrás das =«roulottes», gritando
muito alto:
— Mãezinha, mãezinha, aqui estão elas! As =«roulottes» chegaram!
A mãe desceu as escadas, correndo, para ver também. Depressa se =abriram
as portas e as crianças entraram. Exclamações de =alegria vinham de ambos
os carros.
— Beliches deste lado, é ali que dormimos! Que bom!
— Olha para este pequeno lava-loiças. Já reparaste que as =torneiras
deitam água?
— Há um fogão verdadeiro para se cozinhar. Mas eu proponho =que se
cozinhe lá fora, num lume feito no chão. Olha para as =panelas tão
brilhantes! E todas as chávenas aqui penduradas.
— É como uma cozinha a valer. Não é linda e grande? =Mãe, não acha todo o
espaço bem aproveitado? Não gostaria de =vir connosco?
— Ó meninos! Já viram donde vem a água? Daquele =depósito lá no alto do
tecto. Deve juntar a água da chuva. E =olhem esta engenhoca para aquecer
água. Não é tudo =formidável?
Os pequenos levaram horas examinando as «roulottes» e descobrindo =todos
os seus segredos. Elas estavam na verdade muito bem apetrechadas, =muito
limpas e eram espaçosas. A Zé sentia que não podia =esperar; só queria ir
buscar o Dobi e partir imediatamente.
— Temos de esperar, pateta!—disse o Júlio. — Bem =sabes que o outro
cavalo só virá amanhã.
O outro cavalo era negro e possante e chamava-se Trot. Pertencia ao
=leiteiro, que muitas vezes o emprestava. Era um cavalinho muito manso;
=os pequenos conheciam-no bem e gostavam dele. Todos tinham aprendido no
=colégio a montar a cavalo e sabiam como lidar com eles; por isso =não
tinham dificuldade em conduzir o Dobi e o Trot. A mãe =também estava
encantada com as «roulottes» e olhava para elas =cheia de interesse. — Se
eu não fosse com o paizinho, estava =muito tentada a ir com vocês —
participou ela. — Não =fiques AFLITA,

25

querida Ana; olha que eu não vou, na verdade não vou!


— Tivemos muita sorte em arranjar estas «roulottes» tão =boas — disse o
Júlio. — É melhor fazermos hoje as =nossas malas, não acha, mãe? E
partiremos amanhã, visto já =termos as «roulottes».
— Não é preciso levarem malas — disse a mãe.
— Basta arrumarem as vossas coisas nos armários e gavetas; =só irão
precisar de algumas roupas, uns livros e alguns jogos para =o caso de
chover.
— Além das roupas para dormir, não precisaremos de mais =nada, pois não?
— perguntou a Zé, que gostaria de usar, se =a deixassem, de manhã à noite
e todos os dias, uns calções e =uma camisola.
— Vocês devem levar bastantes camisolas, mais um par de =calções para
cada um, no caso de se molharem; as vossas =gabardinas, os fatos de
banho, toalhas, outro par de sapatos, pijamas e =algumas camisas ou
blusas frescas — explicou a mãe. Todos =protestaram.
—-Que quantidade de coisas! — exclamou David. — =Não há espaço para tudo
isso.
— Há, sim — afirmou a mãe. — Ficariam =arrependidos se levassem roupas a
menos, se se molhassem e não =tivessem roupas para mudar. Podiam apanhar
umas constipações =horríveis e deixariam de apreciar um passeio tão
agradável.
— Vamos buscar as coisas!—resolveu David.
— Uma vez que a mãe começa a pensar que podemos =constipar-nos nunca se
sabe que mais quererá ela que nós levemos; =não é assim, mãezinha?
— És muito atrevido!—disse a mãe, sorrindo.
— Vão buscar as vossas coisas. Eu ajudo-os a arrumá-las nos =armários e
gavetas.

26

Não é fantástico como tudo se adapta tão bem dentro das =paredes das
«roulottes»? Há espaço para tudo e no entanto =nem se nota que estão aqui
estes armários.
— Hei-de conservar tudo muito limpo — afirmou a Ana. =— Bem sabe como eu
gosto de brincar às donas-de-casa, não =sabe, mãe? Desta vez será a
valer. Vou ter duas «roulottes» =para limpar, e serei eu sozinha.
— Sozinha? — notou a mãe. — Com certeza que os =rapazes hão-de ajudar-te;
e a Zé também!
— Pfff. Os rapazes! Nem sabem lavar uma chávena como deve ser! =E a Zé
nunca se preocupou com coisas desse género. Se eu não =fizer as camas e
não lavar o chão, ninguém o fará por mim. =Isso sei eu!
— Bem, é uma coisa boa que ao menos um de vocês seja =razoável —
respondeu a mãe. — Mas vais ver que todos =te ajudarão, Ana. Agora vão
buscar as vossas roupas. Para =começar, tragam as gabardinas.
Foi muito divertido levarem as coisas para as «roulottes» e =arrumarem
tudo lá dentro. Havia umas prateleiras onde o Júlio =arrumou os baralhos
de cartas, o loto, um dicionário, o dominó, e =também uns quatro ou cinco
livros para cada um. Juntou ali alguns =mapas do distrito, pois ele
queria planear o caminho a percorrer e =escolher as melhores estradas a
seguir.
O pai deu-lhe um livrinho muito útil onde estavam os nomes dos
=proprietários que davam licença para as «roulottes» ficarem =nos seus
terrenos, durante a noite.
— Quando for possível, devem escolher um campo

27

onde haja um regato — aconselhou o pai — porque o Dobi e o =Trot hão-de


querer água.
— Não se esqueçam de ferver toda a água que beberem =— disse a mãe dos
pequenos. — Isto é muito =importante. Comprem nas quintas a maior
quantidade de leite que puderem. =E lembrem-se de que há bastantes
garrafas de laranjada, no =porta-bagagens da segunda «roulotte».
— É tudo muito emocionante! — exclamou Ana, espreitando =para o porta-
bagagens onde o Júlio tinha colocado as laranjadas. =— Nem posso
acreditar que vamos realmente partir amanhã.
Mas era verdade. O Dobi e o Trot no dia seguinte seriam atrelados às
=«roulottes». Que divertido para eles também, pensava Ana.
O Tim não percebia bem todo aquele entusiasmo, mas também o
=compartilhava, já se sabe, com a cauda a abanar. Ele examinou as
=«roulottes» duma ponta à outra, encontrou um tapete com um =cheiro que
lhe agradou, e deitou-se ali. «Este, é o meu canto», =parecia dizer. «Se
vocês vão partir nestas casas com rodas, =tão esquisitas, este é o meu
cantinho».
— Nós ficamos na «roulotte» vermelha, Zé — =decidiu a Ana. — Os rapazes
ficam na verde. Eles não se =importam com as cores, mas eu gosto muito da
vermelha. Olha, não vai =ser estupendo dormirmos nestes beliches? Parecem
muito =confortáveis.
Por fim chegou o dia seguinte e o leiteiro trouxe o cavalinho preto, o
=Trot. Júlio foi buscar o Dobi. Os cavalos cheiraram-se um ao outro e =o
Dobi fez «Hrrrmnf!» numa voz de cavalo muito simpática.

28

— Vão gostar um do outro — concluiu a Ana.


— Olhem para eles a cheirarem-se; Trot, tu vais puxar a minha
=«roulotte».
Os dois cavalos deixaram-se atrelar sem dificuldade. O Dobi sacudiu a
=cabeça uma ou duas vezes como se estivesse impaciente por partir.
— Ó Dobi! Eu também me sinto assim!—exclamou a Ana. =— Não te sentes
impaciente, Júlio? E tu, David?
— Sinto, sinto!—afirmou o David, com uma =gargalhada.—Para trás, Dobi!
Agora está bem. Quem vai a =guiar, Júlio? Um bocado cada um?
— Eu guio a nossa «roulotte» — disse a Zé.
— A Ana não tem jeito nenhum, embora eu a deixe um bocadinho, =de vez em
quando. Guiar é uma coisa para homens.
— Olha, olha, mas tu não passas duma rapariga!— disse a =Ana indignada.—
Não és um homem nem mesmo um rapaz!
A Zé fez uma das suas caras de mau-génio. Ela queria sempre ser =rapaz e
chegava a pensar que o era. Não gostava nada que lhe =lembrassem que era
apenas uma rapariga. Mas nem mesmo
a Zé conseguia estar zangada por muito tempo, naquela manhã! =Depressa
começou a saltar e a rir, gritando com os outros:
— Estamos prontos! Estamos todos prontos!
— Vamos! Vamos! Júlio! Aquele palerma foi lá para dentro, =exactamente na
altura em que queremos partir.
— Foi buscar os bolos que a cozinheira fez para nós, esta =manhã. Temos
montanhas de comida na despensa. Eu já estou com =fome!
— Ali vem o Júlio! Anda depressa ou vamo-nos embora sem ti! =Adeus, mãe.
Mandamos-lhe um postal todos os dias. Prometemos não =nos esquecer.
Júlio subiu para a parte da frente da «roulotte» verde.
— Vamos, Dobi! Vamos partir! Adeus, mãe! David sentou-se ao =lado do
irmão, sorrindo
alegremente. A «roulotte» começou a descer na direcção da =estrada. A Zé
puxou pelas rédeas do Trot e o cavalinho seguiu o =carro da frente. A
Ana, sentada ao lado da Zé, acenava com =força.
— Adeus, mãezinha! Lá vamos nós para outra aventura! =Viva! Três vivas!
Viva! Viva! Viva!

CAPÍTULO IV - E LÁ VÃO ELES


As «roulottes» foram descendo devagar até chegarem à =estrada.
Júlio estava tão contente que cantava com toda a força e os =outros
faziam coro. Tim ladrava muito excitado; estava sentado ao lado =da Zé e
como a Ana estava do outro lado, a Zé ficava quase =esborrachada. Mas
coisas sem importância como esta não a =incomodavam nada, num dia tão
maravilhoso como aquele.
O Dobi caminhava devagar, gozando o sol e a brisa que fazia esvoaçar =a
sua crina. O Trot seguia-o a certa distância. Ele estava muito
=interessado no Tim e voltava a cabeça sempre que o cão ladrava ou
=descia do carro para dar uma corrida. Era tão divertido poderem =viajar
com dois cavalos e um cão!
Haviam decidido dirigir-se para os montes, onde esperavam encontrar o
=circo. O Júlio traçara o caminho no seu mapa. Estava convencido de =que
não se enganara, visto haver um lago no sopé dos montes.
— Estão a ver?—disse aos outros, apontando. — =Aqui está o lago, o lago
Merran. Eu aposto que havemos de encontrar o =acampamento do circo em
qualquer lugar aí próximo. Deve ser um =local muito bom para todos
aqueles animais; não haverá ninguém =a aborrecê-los no acampamento, hão-
de ter muita água tanto para =os animais

31

como para as pessoas, e naturalmente boas quintas para se =abastecerem.


— Também nós esta noite temos de encontrar uma quinta =simpática —
lembrou David. — E pediremos licença =para acampar. Por felicidade
trouxemos este livrinho explicando onde =havemos de ir bater.
A Ana pensava com delícia na noite que se aproximava, quando eles
=parassem para acampar, cozinhar uma refeição, reunirem-se à =volta de
uma pequena fogueira e irem deitar-se nos beliches.
Ela nem sabia o que era melhor, se andar pelos caminhos com as
=«roulottes», se parar e prepararem-se para a noite. Estava certa =que
eram as melhores férias que passavam juntos.
— Tu não concordas? — perguntou à Zé, quando =estavam as duas no banco da
frente, com o Tim, por acaso, correndo =atrás da «roulotte» e deixando-
lhes por isso um pouco mais de =espaço do que o habitual.
— Tu sabes, a maior parte das nossas férias foram cheias de =aventuras,
muito emocionantes, bem sei, mas desta vez gostaria de umas =férias
vulgares, não demasiado emocionantes.
— Oh, eu gosto de aventuras!—respondeu a Zé, puxando as =rédeas e fazendo
com que o Trot trotasse um pouco. — Não me =importava nada de ter mais
uma. Mas não a teremos desta vez, Ana. =Não teremos tal sorte!
Pararam para almoçar ao meio-dia e meia hora, sentindo-se todos eles
=cheios de fome. Dobi e Trot foram até um relvado onde crescia uma =erva
abundante e fresca que comeram com satisfação.
Os pequenos ficaram numa clareira e prepararam-se para almoçar. A Ana
=olhou para a Zé.
— Nestas férias arranjaste tantas sardas, como nunca tiveste =na tua
vida!
— Isso não me rala nada!—afirmou a Zé, que nunca se =importava com o seu
aspecto e chegava a ficar zangada com o seu cabelo =por ser tão
encaracolado que a fazia parecer-se bastante com as =raparigas. — Passa-
me as sanduíches, Ana, as de tomate; =digo-lhes que se nós vamos ter
sempre tanto apetite como agora, =teremos que comprar ovos e presunto e
manteiga e leite em cada quinta =por onde passarmos!
Puseram-se novamente a caminho. Foi a vez de David guiar o Dobi e =Júlio
foi andar um pouco para desentorpecer as pernas. A Zé =continuava a guiar
e a Ana sentia tanto sono que era perigoso continuar =no banco, ao lado
da prima.
— Se fecho os olhos e adormeço caio do banco
— disse ela. — Parece-me melhor entrar no carro e dormir =ali.
Dentro da «roulotte» estava sombrio e fresco, pois tinham corrido =as
cortinas para conservar uma boa temperatura. A Ana subiu para um dos
=beliches e deitou-se. Fechou os olhos. Enquanto a «roulotte» =avançava
devagar, a pequenita adormeceu.
Júlio foi espreitá-la e sorriu. O Tim também veio ver, mas =Júlio não o
deixou entrar, pois ia acordar Ana, com as suas =lambedelas.
— Vem passear comigo, Tim — disse ele. — Estás a =ficar gordo. Um pouco
de exercício faz-te bem
— Ele não está a ficar nada gordo! —exclamou a =Zé, indignada.

33

— Até está muito elegante. Não lhe prestes =atenção, Tim!


— Béu, béu! — respondeu o Tim, e foi andando ao lado =de Júlio.
Nesse dia as duas «roulottes» percorreram uma grande distância, =ainda
que fossem devagar. Júlio nem uma só vez se enganou no =caminho. Ele
tinha muito jeito para se guiar pelos mapas. Ana ficou =desapontada por
não ver os montes para onde se dirigiam, logo ao fim =desse dia.
— Meu Deus, eles ficam a quilómetros e quilómetros de =distância —
explicou Júlio. — Não chegaremos pelo =menos antes de quatro ou cinco
dias, minha pateta! Agora, meninos, vejam =se descobrem uma quinta. Deve
haver uma aqui próximo, onde poderemos =pedir licença para passar a
noite.
— Ali está uma com certeza — disse a Zé poucos =minutos depois. Ela
apontava para uma casa de telhado vermelho, com =celeiros cobertos de
musgo, brilhando ao sol-poente.
As galinhas cacarejavam espalhadas por ali, e um cão ou dois =observavam
do portão.
— Aqui está ela — disse Júlio, examinando o seu =mapa. — Deve haver um
riacho perto. É ali, reparem naquele =campo. Agora se nos permitirem que
pernoitemos, será muito =agradável.
Júlio foi à quinta falar com o dono e a Ana acompanhou-o para lhe =pedir
uns ovos. O dono não estava, mas a sua mulher gostou muito do =aspecto do
desempenado e bem falante Júlio, e deu-lhe logo =autorização para
passarem a noite no campo ao pé do regato.
— Eu sei que vocês não vão fazer estragos nem apanhar os =animais da
quinta — disse ela.
— Ou deixarem os portões abertos, como fazem certos campistas =mal-
educados. E aqui está o que pretende, menina, uns ovinhos =frescos.
Também podem colher umas ameixas maduras naquela árvore, =para o vosso
jantar.
Havia presunto na despensa da «roulotte» e a Ana disse que o ia =fritar
com um ovo para cada um. Estava toda ufana por ser capaz de =cozinhar.
Tivera algumas lições com a cozinheira, nos últimos =dias e estava
ansiosa por mostrar aos outros o que aprendera.
Júlio achou que fazia muito calor para cozinhar nas «roulottes» =e
acendeu um belo lume no chão. David pôs os dois cavalos em =liberdade e
eles andaram pelo regato, com água fresca até aos =joelhos, muito
satisfeitos.
O Trot começou a lamber o Dobi e depois tentou fazer o mesmo com o =Tim,
quando o can-zarrão foi beber água, ao lado dele.
— O presunto não cheira lindamente? — perguntou a Ana =à Zé, que estava
ocupada tirando os copos e os pratos da =«roulotte» vermelha.
— Vamos abrir umas laranjadas, Zé. Estou cheia de sede. Vejam =todos como
eu parto estes ovos na borda da chávena para tirar a gema =e a clara e
fritá-los.
Craque! O ovo partiu-se contra a borda da chávena, mas o seu =conteúdo,
infelizmente, caiu -fora da chávena e não dentro. A =Ana ficou
coradíssima quando todos desataram a rir.
O Tim veio lamber a mistela. Ele era muito útil para este género =de
coisas. — És um belo caixote do lixo, Tim—disse a =Ana.—Aqui tens também
um bocadinho da pele do presunto. =Apanha!

35

Ana fritou os ovos com presunto, realmente bem. Os outros estavam


=admirados, até a Zé; «limparam» os seus pratos, esfregando =com pão até
ao último bocadinho de gordura, para se tornar mais =fácil lavá-los.
— Acham que o Tim gostaria que eu lhe fritasse uns biscoitos de =cão, em
vez de os comer assim frios?—perguntou a Ana de =repente. —As coisas
fritas são tão saborosas!

36

Estou convencida que o Tim deve gostar mais de biscoitos fritos do que
=assim.
— Não gosta, não — respondeu a Zé. — =Podiam fazer-lhe mal.
— Como é que tu sabes? — perguntou a Ana.
— Não podes ter a certeza.
— Eu sei sempre do que o Tim gosta e do que não gosta — =afirmou a Zé. —
E sei que ele não gostaria dos seus =biscoitos fritos. Passa-me as
ameixas, David. Parecem estupendas.
Eles ficaram à volta do lume durante muito tempo, até que Júlio =achou já
serem horas de irem para a cama. Ninguém se importou, =pois todos queriam
experimentar os beliches de aparência tão =confortável.
— Lavo-me no regato, ou na bacia onde lavei os pratos?—=perguntou a Ana.;
—Não sei o que será melhor.
— Há mais água para gastar no regato — disse =Júlio. — Despachem-se,
porque eu quero fechar à chave a =vossa «roulotte», para assim ficarem em
segurança.
— Fechar a porta por fora! —exclamou a Zé, indignada. =—Não vais fazer
isso! Ninguém me vai fechar a mim à =chave! Pode-me apetecer ir dar um
passeio ao luar ou qualquer outra =coisa.
— Pois sim, mas um ladrão ou alguém, pode...
— começou Júlio. A Zé interrompeu-o com ímpeto.
— E o Tim? Sabes perfeitamente que ele nunca deixaria ninguém =aproximar-
se das nossas «roulottes». Não quero ser fechada à =chave, Júlio. Não
posso suportar uma coisa dessas. O Tim é =melhor do que qualquer porta
fechada à chave.
— Também acho que sim — concluiu o Júlio.

37

— Está bem Zé, não fiques tão zangada. Passeia ao =luar metade da noite,
se te apetecer, ainda que eu tenha a certeza de =que não vai haver nenhum
luar. Estou cheio de sono!
Subiram para as «roulottes» depois de se terem lavado no regato.
=Despiram-se e meteram-se nos convidativos beliches. Havia para cada um,
=um lençol, um cobertor e uma coberta, mas as pequenas tiraram os
=cobertores e as cobertas e ficaram só com o lençol, naquela noite =tão
quente.
Ao princípio a Ana meteu-se no beliche mais baixo, ficando a Zé no =de
cima, mas o Tim queria subir por ali, tentando chegar à Zé. =Queria
deitar-se aos pés dela, como sempre. A Ana começou a =rabujar. —Zé, é
melhor mudares de lugar comigo. O Tim =está a saltar e a andar por cima
de mim, tentando chegar ao teu =beliche. Assim nunca mais vou adormecer.
A Zé mudou de lugar e depois disso o Tim não fez mais barulho =ficando
satisfeito aos pés do beliche da Zé, sobre o cobertor =enrolado. A Ana
deitou-se no beliche de cima, tentando não adormecer =logo; por ser tão
maravilhoso sentir-se dentro duma «roulotte» =que estava no meio do
campo, junto a um regato.
As corujas gritavam umas para as outras e o Tim rosnava baixinho. A voz
=do regato, alegre e faladora, ouvia-se agora melhor por estar tudo =tão
sossegado. Ana sentiu os olhos a fecharem-se. Que pena, ela tinha =mesmo
que adormecer!
Mas de repente qualquer coisa a acordou em sobressalto e o Tim ladrou
=com tanta força que tanto a Zé como a Ana iam quase caindo dos
=beliches, assustadas. Qualquer coisa batera de encontro à =«roulotte»

39

e estremecera-a de ponta a ponta. Seria alguém tentando entrar?


O Tim saltou para o chão e correu para a porta, que a Zé deixara
=entreaberta, por causa do calor. Nessa altura ouviram-se as vozes de
=Júlio e David.
— Que aconteceu? Meninas, vocês estão bem? Nós já =aí vamos!
Os dois rapazes correram pela relva, em pijama. Júlio foi direito a =uma
coisa dura, quente e sólida. Deu um grito. David acendeu a sua =lanterna
e começou a rir às gargalhadas. — Tu foste direito =ao Dobi. Olha para
ele, como está admirado! Deve ter andado à =volta das nossas «roulottes»
fazendo os estrondos que nós =ouvimos. Não é nada, meninas, foi apenas o
Dobi.
Assim voltaram todos a adormecer e desta vez foi até de manhã, =pois nem
se mexeram quando o Trot foi cheirar à volta das =«roulottes» aspirando
com força o ar da noite.

CAPÍTULO V - O CAMINHO DO LAGO MERRAN

Os três ou quatro dias que se seguiram foram inteiramente =maravilhosos,


pensavam os pequenos. Céu azul, sol brilhante, regatos =para brincar ou
tomar banho e duas casas com rodas que iam girando =quilómetros e
quilómetros por caminhos e prados completamente =novos para eles; que
poderia ser melhor para quatro crianças =entregues a si próprias?
O Tim também parecia apreciar tudo e tinha-se tornado um grande amigo =do
Trot, o cavalinho preto. O Trot estava sempre à procura do Tim, =para
este correr ao seu lado e relinchava sempre que o queria chamar. Os =dois
cavalos também eram amigos e quando à noite os desatrelavam =iam juntos
para o regato e ficavam na água ao lado um do outro, =cheirando-se,
satisfeitos.
— Eu gosto mais destas férias do que de quaisquer outras que =tive até
hoje — participou a Ana, muito ocupada a cozinhar =qualquer coisa numa
panela. — São divertidas sem terem =aventuras. E apesar de o Júlio julgar
que é ele quem toma conta de =nós, eu é que tomo realmente. Vocês nunca
fazem as camas, nem =preparam as refeições, nem limpam as «roulottes». Se
não =fosse eu...
— Nada de basófias!—interrompeu a Zé, que se sentia =bastante culpada por
deixar a Ana fazer tanta coisa.
— Eu não estou a exagerar! — exclamou a Ana,

41

indignada. — Estou apenas a dizer a verdade. Tu, Zé, nem uma =só vez
fizeste a tua cama. Não é que eu me importe de =fazê-la. Eu até adoro ter
duas casas rolantes para cuidar.
— Tu és uma belíssima donazinha-de-casa
— afirmou Júlio.—Nós não poderíamos passar sem =ti.
Ana corou de orgulho. Tirou a panela do lume e distribuiu o conteúdo =por
quatro pratos.
— Vamos! —chamou ela com um tom de voz igual ao da sua =mãe. — Venham
comer enquanto está quente!
— Eu prefiro deixar arrefecer, se não te importas — =disse a Zé. — O
tempo não refrescou, apesar de ser já =noite.
Eles haviam caminhado durante quatro dias até àquele momento e a =Ana
desistira de procurar os tais montes onde eles esperavam encontrar
=acampada a companhia de circo.
De facto ela desejava muito em segredo que não chegassem a =encontrá-los,
pois estava a gostar imenso daquele passeio através =de campos tão belos.
Depois da refeição a Ana e a Zé lavaram a loiça num =regatozinho e o
Júlio desdobrou o seu mapa. Ele e David examinavam-no =com atenção.
— Nós estamos neste ponto — indicou Júlio. — =Parece-me que amanhã
devemos chegar a esses montes ao pé do lago. =Então veremos o circo.
— Óptimo — respondeu David. — Espero que o Dino =lá esteja. Tenho a
certeza que ele vai gostar de nos mostrar tudo. E =também pode ser que
nos indique um bom lugar para acamparmos.
— Esse saberemos nós encontrar — afirmou Júlio,

42

que se orgulhava agora de arranjar sempre lugares excelentes para


=acamparem. — De qualquer maneira eu não quero ficar demasiado =perto do
circo. Pode não cheirar muito bem. Gostava de ficar mais =acima, já na
encosta. Arranjaremos um lugar com bonita vista.
— Tens razão — concordou David, e Júlio dobrou o =mapa. As duas pequenas
chegaram com a loiça e a Ana arrumou-a nas =prateleiras da «roulotte»
vermelha. O Trot veio procurar o Tim que =estava deitado, arquejante,
debaixo da «roulotte» da Zé.
O Tim nem se mexeu e por isso o Trot tentou também ir para baixo da
=«roulotte». Claro que não conseguiu, por ser grande de mais. =Assim
deitou-se do lado da sombra, tão perto do Tim quanto podia.
— O Trot é realmente um cavalo muito cómico — =observou David. — Devia
ter imenso jeito para o circo, acho eu. =Viram-no, ontem, a querer
agarrar o Tim, tal como se estivessem a =brincar às escondidas?
A palavra «circo» fazia-os recordar Dino e o seu circo e por isso
=começaram a falar com entusiasmo de todos os animais que lá =havia.
— Eu gostei do aspecto do elefante — participou a Zé. =— Como se chamará
ele? Gostava tanto de pegar num macaco!
— Aposto que o chimpanzé é inteligente — continuou =David. — Estou a
pensar qual será a opinião do Tim a seu =respeito. Espero que o Tim se dê
bem com os outros animais, =especialmente com os outros cães.
— Deus queira que não tenhamos de ver muitas vezes o tio do =Dino — disse
a Ana. — Ele tem cara de quem quer esbofetear =toda a gente."

43
— Em mim não baterá ele. — afirmou Júlio. —= Mas teremos de nos conservar
afastados. Concordo que não parece um =sujeito muito agradável. Talvez lá
não esteja.
— Tim, sai de baixo da «roulotte»!—chamou a Zé. =— Aqui onde nós estamos
está sombra e muito fresco. =Anda!
Ele foi, sempre com a língua de fora. O Trot imediatamente se =levantou e
foi ter com o cão. O cavalinho deitou-se ao lado do Tim e =começou a
cheirá-lo. Tim deu-lhe uma lambedela no nariz e depois =afastou-se,
parecendo aborrecido.
— Não acham o Trot tão engraçado? — perguntou a =Ana. — Tim, o que pensas
sobre os animais do circo, gostava tanto =de saber! Eu espero amanhã ver
o circo. Achas que conseguimos chegar =até aos montes, Júlio? Apesar de
que eu não me importava nada =se não chegássemos; é tão bom continuarmos
só nós, =como até agora!
No dia seguinte todos tentavam descobrir os montes, enquanto as
=«roulottes» seguiam vagarosamente através dos campos, puxadas =pelo Trot
e pelo Dobi. E nessa tarde começaram a vê-los à =distância, como a uma
mancha azul.
— Ali estão eles!—exclamou Júlio.—Devem ser =os Montes Merran, e o Lago
Merran deve ficar no sopé. Espero que os =nossos cavalos tenham força
suficiente para subirem um bocado da =encosta. Haverá uma vista sobre o
lago, maravilhosa, se conseguirmos =subir o bastante.
Os montes aproximavam-se cada vez mais. Eram bastante altos e pareciam
=lindos à luz do crepúsculo. Júlio consultou o relógio. . =— Receio que
esta noite não tenhamos tempo para subir

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e encontrar um lugar para acamparmos — disse ele. — =Será melhor


passarmos a noite no vale e amanhã de manhã =subirmos a encosta.
— Muito bem — respondeu David. — Às suas ordens, =comandante! Segundo o
livro, deve haver uma quinta cerca de dois =quilómetros daqui. Poderemos
lá acampar.
Chegaram à quinta, por onde passava um riacho que corria suavemente. =O
Júlio foi como de costume pedir licença para acamparem e o David =foi com
ele, deixando as duas raparigas a prepararem o jantar.
Júlio obteve a licença sem dificuldade, e a filha do =proprietário, uma
linda moça gorducha, vendeu, aos rapazes, ovos, =presunto, leite e
manteiga, além de uma vasilha com leite-creme. =Também lhes ofereceu
amoras do quintal, se eles quisessem =apanhá-las, para as comerem com o
creme.
— Muitíssimo obrigado — disse o Júlio. — Pode =informar-me se está um
circo acampado perto dos montes? Em qualquer =lugar cerca do lago?
— Está sim; passou por aqui há uma semana — explicou =a rapariga. — Vão
ali acampar todos os anos, para descansarem. =Eu vejo sempre- os carros
passarem, pois é um verdadeiro =acontecimento num lugar sossegado como
este! Houve um ano em que eles =tinham leões e durante a noite eu ouvia-
os rugir lá ao longe. =Até me arrepiavam a espinha!
Os rapazes despediram-se e foram-se embora, rindo-se da espinha
=«arrepiada» da rapariga, por causa do rugir distante dos =leões.
— Tudo indica que amanhã passaremos pelo acampamento do =circo

45

— disse o Júlio. — Vai ser divertido acampar na =encosta, não achas,


David? Deve ser mais fresco lá em cima; =geralmente nos montes corre uma
brisa fresca.
— Espero que não iremos ficar com as espinhas =«arrepiadas» com o barulho
dos animais do circo, durante a noite =— troçou David.
Na manhã seguinte as «roulottes» partiram novamente e as =crianças
esperavam que seria a última etapa da viagem. Pensavam =encontrar um
lugar agradável para acampar e ficarem aí até =voltarem para casa.
O Júlio lembrara-se de cada dia mandar um postal aos pais, =contando-lhes
onde se encontravam e dizendo que todos estavam =óptimos. Ele soubera
pela rapariga da quinta a direcção certa =para aquele distrito e pensava
arranjar, no correio mais próximo, uma =maneira de receberem as cartas
que viessem para eles. Não tinham =podido receber nenhuma
correspondência, por estarem viajando sempre, =nas suas «roulottes».
Dobi e Trot avançavam calmamente pelo caminho que os levava até =aos
montes. De repente a Zé notou qualquer coisa a brilhar, muito =azul, por
entre as árvores.
— Olhem! Ali está o lago! O lago Merran! — gritou ela. =— Faz com que o
Dobi vá mais depressa, Júlio! Estou ardendo =por chegar a uma clareira e
ver o lago!
Depressa o caminho desembocou numa pastagem. Esta estendia-se até =à
margem dum enorme lago azul que brilhava ao sol de Agosto.
— Não acham maravilhoso?! — exclamou David, fazendo =parar o Dobi. —
Vamos descer e correr até à margem, =Júlio! Venham, meninas!

46

— É um encanto!—exclamava Ana, saltando do assento da =«roulotte»


encarnada. — Oh, vamos já tomar banho!
— Vamos sim — concordou Júlio, e todos correram para as =«roulottes»,
atirando com os calções e blusas, e vestindo os =fatos de banho. Em
seguida, esquecendo até as toalhas para se =limparem, correram para a
margem do lago, ansiosos por mergulhar naquela =frescura azul.
Na margem fazia muito calor, mas para dentro, onde se tornava mais
=fundo, o lago era duma frescura deliciosa. Os pequenos sabiam nadar
=muito bem e mergulhavam e gritavam cheios de prazer. O fundo do lago era
=de areia, por isso a água era tão límpida como cristal. Quando =já
estavam cansados, saíram do lago e estenderam-se num monte de =areia, a
apanhar sol. Depressa ficaram enxutos. Depois, logo que =começaram a
sentir calor outra vez, voltaram para a água fria, =gritando de
satisfação.
— Que bom será virmos aqui todos os dias tomar banho!—=disse David.—Sai
do caminho, Tim, quando eu estou a nadar de =costas. Ó Zé, o Tim está a
gostar tanto do banho como =nós.
— Pois está, e o Trot também quer vir! — gritou =Júlio. — Olhem para ele.
Trouxe a «roulotte» mesmo =até à margem do lago. Se não o impedimos,
entra dentro da =água com a «roulotte» e tudo!
Resolveram fazer um piquenique ao pé do lago e desatrelarem os =cavalos
para o caso de estes quererem tomar banho. Mas tudo o que eles =queriam,
era beber e ficarem com a água até aos joelhos, abanando =as caudas para
enxotarem as moscas que os atormentavam todo o dia.
Correram para a margem do lago.
— Onde fica o acampamento do circo? — perguntou a Zé de =repente, quando
começaram a comer as sanduíches de tomate. —= Não consigo vê-lo.
Os pequenos olharam a toda a volta da margem do lago que se estendia =até
muito longe. Por fim os olhos de lince da Zé descobriram um =pequeno rolo
de fumo subindo no ar, a cerca de um quilómetro e meio =de distância,
torneando o lago.
— O circo deve estar naquela clareira no sopé dos montes =— disse ela. —
Eu espero que a estrada passe por ali. =Nós vamos até lá e só depois
subimos a encosta, que fica por =trás, não é?
— É sim—concordou Júlio.

48

— Antes de anoitecer teremos muito tempo para falar com o Dino,


=arranjarmos um bom lugar para acampar, e encontrarmos também uma =quinta
que nos venda alguns alimentos. Não acham que o Dino vai ficar =admirado
quando nos vir?
Guardaram a loiça, atrelaram os cavalos e partiram para o acampamento =do
circo. Como iam entusiasmados!

CAPÍTULO VI - O ACAMPAMENTO DO CIRCO E DINO

Não levou muito tempo para as «roulottes» chegarem à vista =do


acampamento do circo. Como a Zé dissera, este estava numa =clareira, no
sopé dos montes,"num lugar calmo, longe de qualquer =povoado, onde os
animais do circo podiam gozar uma certa liberdade e =serem exercitados em
paz e sossego.
Os carros estavam dispostos em círculo e havia algumas barracas
=espalhadas por ali. O grande elefante estava preso com uma corda espessa
=a uma árvore de tronco forte. Por todos os lados se viam cães e =uma
fila de cavalos lustrosos estavam a ser treinados, correndo à =volta de
um campo, ali perto.
— Ali estão eles!—exclamou Ana, entusiasmada, =esticando-se toda, no
assento da frente, para ver melhor. — =Olhem, o chimpanzé está solto, não
está? Parece que me =enganei; alguém o leva, preso por uma corda; não é o
Dino que =está com ele?
— É, sim. Que engraçado caminhar assim com um verdadeiro =chimpanzé! —
disse o Júlio. —E reparem que o =chimpanzé traz vestidos uns calçõezinhos
brancos. Até aposto =que o vestem dos pés à cabeça, quando ele entra nos
=espectáculos do circo.
Os pequenos observavam tudo com o maior interesse enquanto as
=«roulottes» se aproximavam do acampamento.

50

Viam-se poucas pessoas por ali, naquela tarde tão quente. Mas o Dino =lá
estava, com o chimpanzé, duas mulheres mexiam nas panelas =colocadas
sobre pequenas fogueiras, e parecia ser tudo.
Os cães do circo começaram a ladrar às «rou-lottes» verde =e vermelha
quando estas chegaram próximo. Um ou dois homens =apareceram à entrada
das barracas e olharam para o caminho que se =dirigia ao acampamento.
Começaram a apontar para as «roulottes» =dos pequenos, parecendo
admirados.
Dino, segurando com firmeza a mão do chimpanzé, saiu do =acampamento, com
curiosidade de ver mais de perto aquelas estranhas =casas. Júlio chamou-
o.
— Olá, Dino! Nunca pensaste que nos verias por aqui, pois =não?
Dino ficou encantado por o tratarem pelo seu nome. Ao princípio =não se
lembrava nada dos pequenos. Depois recordou-se.
— Com seiscentos macacos, são aqueles miúdos que eu vi na =estrada! Que
estão vocês a fazer aqui?
O Tim ladrava sem parar e a Zé chamou o Dino. — O cão nunca =viu um
chimpanzé. Achas que se darão bem?
— Não sei — replicou o Dino, com certas dúvidas. =— O velho Pongo dá-se
bem com os cães do circo. Mas de =qualquer maneira não deixe o seu cão
correr para o Pongo, que o =pode comer vivo! Bem sabe como os chimpanzés
são fortes!
— Achas que é possível eu tornar-me amiga do Pongo? —= perguntou a Zé.

52

— Se ele me apertar a mão ou qualquer coisa assim o Tim =perceberá que eu


gosto dele e tudo correrá bem. Posso =experimentar?
— Claro que sim! — afirmou Dino. — Ele é o =chimpanzé mais manso que
existe; não és, Pongo? Agora aperta a =mão à senhora.
A Ana não se sentia nada disposta a chegar-se mais perto do =chimpanzé,
mas a Zé era muito destemida. Dirigiu-se para o enorme =animal e
estendeu-lhe a mão. O chimpanzé agarrou-a imediatamente e =levou-a à boca
fingindo que estava a mordê-la, soltando uns =guinchos amigáveis.
A Zé ria-se. — Ele é simpático, não acham? — =disse ela. Tim, este é o
nosso amigo Pongo. O simpático Pongo, o =bom Pongo!
Ela fez festas no lombo de Pongo, para mostrar ao Tim quanto gostava do
=chimpanzé e imediatamente Pongo começou também a fazer-lhe =festas,
rindo amigavelmente. Depois fez-lhe mais festas na cabeça e =puxou-lhe
por um dos caracóis.
Tim começou a abanar a cauda. Estava bastante duvidoso. Quem seria
=aquela estranha criatura de quem a sua dona parecia gostar tanto? Ela
=deu um passo na direcção do Pongo.
— Vamos, Tim, cumprimenta o Pongo — pediu a Zé. —= Assim, desta maneira.
E ela apertou outra vez a pata do chimpanzé. =Desta vez ele não queria
que ela retirasse a mão e continuava a =cumprimentá-la, com a mão para
cima e para baixo, como se =estivesse a dar à bomba para tirar água.
— Ele não me larga — queixou-se a Zé.
— Não sejas aborrecido, Pongo — ordenou o Dino num tom =severo.

53

Pongo imediatamente largou a mão da Zé e cobriu a cara com as =patas


peludas, como se estivesse envergonhado. Mas as crianças viram =que ele
estava a espreitar por entre os dedos, com uns olhos marotos que =piscava
com graça.
— Ele é um verdadeiro macacão!—exclamou a Zé, =rindo.
—Oh, aqui vem o Tim! —exclamou Dino. —Com =seiscentos macacos, eles estão
a apertar as «mãos»!
E era verdade. Tim uma vez que resolvera que o Pongo era um amigo,
=lembrou-se das suas boas maneiras e estendeu-lhe a pata direita, como
=lhe haviam ensinado. O Pongo agarrou-a e sacudiu-a fortemente. Depois
=começou a andar à volta do Tim e agarrou-lhe na cauda, sacudindo-a =num
cumprimento. Tim não sabia o que fazer.
Os pequenos riam às gargalhadas e o Tim sentou-se com força sobre =a
cauda. Depois levantou-se outra vez, porque o Ladra-Ladra e o =Rosna-
Rosna aproximavam-se correndo.
O Tim lembrava-se deles e eles lembravam-se do Tim.
— Bem, estão a tornar-se amigos — disse o Dino =satisfeito. — Agora vão
apresentar o Tim a todos os outros =cães e não haverá novidade. Ai,
atenção com o Pongo!
O chimpanzé dirigira-se com precaução para as costas de =Júlio e estava a
meter a mão na algibeira do pequeno. Dino =alcançou-o e bateu com força
na pata do chimpanzé.
— Atrevido! Menino feio! Carteirista!
As crianças riram de novo quando o chimpanzé cobriu a cara com as =mãos,
fingindo estar envergonhado.

54

— Têm de ter cuidado, quando o Pongo está próximo =— avisou o Dino. — Ele
adora tirar coisas das algibeiras =das pessoas. E agora reparo, digam-me
cá, são estes os vossos =carros? Não são «piramidais»?
— Foram-nos emprestados — disse David.
— Na verdade foi ao ver o vosso circo passar, com todos os seus =carros,
que nos lembrámos de arranjar uns e vir passear =também.
— E como nos disseste para onde vinham, pensámos em segui-los =até os
encontrar, para tu nos mostrares o acampamento — =explicou Júlio.
— Espero que não te importes.
— Sinto-me orgulhoso — afirmou Dino, ficando muito =vermelho. — Não é
vulgar as pessoas quererem travar =relações com um rapaz do circo, como
eu; refiro-me a gente =educada, da vossa classe. Eu ficarei todo vaidoso
por lhes mostrar tudo =e vocês poderão travar relações com todos os cães
e =cavalos do lugar!
— Oh, muito obrigado! — disseram todos.
— Que simpático da tua parte — afirmou David. — =Meu Deus, olhem para o
chimpanzé, está outra vez a tentar =«cumprimentar» a cauda do Tim. Ele
deve ser muito engraçado =quando trabalha no circo, não é verdade Dino?
—É de rir às gargalhadas! —disse Dino.—Deita a =casa abaixo. Haviam de
vê-lo a representar com o meu tio Dan. =Vocês sabem que ele é o palhaço-
chefe. Pongo é tão bom =palhaço como o meu tio. É de morrer a rir ver os
dois a fazerem de =malucos.
— Gostava de assistir — disse a Ana. — O teu tio =não se importa que nos
mostres os animais e tudo o resto?

55

— Porque havia de importar-se? — perguntou Dino. — =Não é preciso pedir-


lhe. Mas vocês vão ser simpáticos com =ele, não é assim? Ele é pior do
que um tigre, quando está =zangado. Chamam-lhe o Tigre Dan, por causa dos
seus ataques de =génio.
A Ana não gostou nada daquele nome. Tigre Dan! Parecia muito feroz e
=selvagem.
— Espero que ele agora não esteja por aqui — disse ela, =nervosa, olhando
em redor.
— Não. Saiu não sei para onde — respondeu Dino, =— Ele é uma criatura
muito solitária; não tem amigos no =circo, a não ser Lou, o acrobata. Ali
está o Lou.
Lou era um sujeito de pernas altas e desengonçado, com uma cara feia =e
um cabelo preto com ondas miudinhas. Sentou-se no degrau dum carro,
=fumando cachimbo e lendo o jornal. As crianças pensavam que ele e o
=Tigre Dan deviam fazer um lindo par; mau-génio, rabujentos e
=antipáticos. Resolveram logo que fariam o possível por ter tão =pouco
contacto com Lou, o acrobata, como com o Tigre Dan, o =palhaço.
- Ele é bom acrobata? — perguntou a Ana em voz baixa, ainda =que Lou
estivesse tão longe que não a poderia ouvir.
— Óptimo. De primeira classe — respondeu Dino com =ênfase. — Pode subir a
qualquer parte e trepa a uma árvore =como um macaco. E eu vi-o a subir
por um cano até ao cimo de um =edifício muito alto, tal como um gato. Ele
é uma maravilha. =Vocês haviam de vê-lo trabalhar no arame; consegue
dançar!
Os pequenos olharam para Lou com respeito. Ele sentiu aqueles olhares e
=franziu o sobrolho.

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— Bem — pensou Júlio — pode ser o melhor dos =acrobatas do Mundo mas é um
tipo bem antipático. Não há =grande diferença entre ele e o Tigre Dan!
Lou levantou-se, esticando o seu corpo comprido, como um gato. Movia-se
=com facilidade. Dirigiu-se a Dino, ainda com o mesmo ar carrancudo.
— Quem são estes miúdos? — perguntou
— Que estão eles a bisbilhotar aqui?

57

— Nós não estamos a bisbilhotar — respondeu Júlio =com delicadeza. — Nós


viemos ver o Dino. Ainda não o =tínhamos visto desde que chegámos.
Lou olhou para Júlio como se este fosse um objecto mal cheiroso. =— São
vossas aquelas «roulottes»? — perguntou =ele, indicando com a cabeça.
— São, sim — disse Júlio.
— Que finos que vocês são! Têm pessoas crescidas com =vocês? — perguntou
Lou.
— Não. Eu sou o encarregado — disse Júlio.
— E temos um cão que corre atrás das pessoas de quem não =gosta.
Era evidente que o Tim não gostara de Lou. Parou perto dele, =rosnando.
Lou deu-lhe um pontapé.
A Zé agarrou a tempo a coleira do cão. — Para baixo, Tim, =para baixo!—
gritou ela. Depois voltou-se para Lou, com os olhos =cheios de cólera.
— Não se atreva a dar pontapés ao meu cão
— gritou. — Olhe que ele deita-o por terra se lhe fizer =alguma coisa.
Saia da sua vista ou ele correrá para si.
Lou deu um pontapé no chão, com desdém e voltou as =costas.—Vão-se embora
daqui, miúdos — disse ele. =—- Não precisamos de miúdos bisbilhoteiros. E
não tenho =medo nenhum do cão.. Eu sei como lidar com os piores cães.
— Que quer dizer com isso? — gritou a Zé, ainda =furiosa. Mas Lou não se
incomodou a responder. Subiu os degraus do =seu carro e fechou a porta
com estrondo. O Tim ladrava zangado, puxando =pela coleira que a Zé ainda
segurava com força.
— Agora estragaram tudo!—disse o Dino, desanimado.

58

— Se o Lou vos apanha em qualquer sítio, fá-los desandar. E =tenham


cuidado com o vosso cão, ou poderá desaparecer.
A Zé estava zangada e aflita. — Desaparecer! Que queres tu =dizer? Se
julgas que o Tim se deixa roubar, estás enganado.
— Está bem, está bem. Só estou a avisar. Não se =zangue assim comigo! Com
seiscentos macacos, olhem para o chimpanzé, =fugiu para dentro duma das
«roulottes».
Esqueceram aquela súbita discussão e correram todos para a =«roulotte»
verde.
O Pongo estava lá dentro servindo-se à vontade dos bolos duma =lata. Logo
que viu as crianças começou a chorar, cobrindo a cara =com as patas; mas
continuava a mastigar os bolos com força.
— Pongo! Menino feio! Vem cá!—ralhou Dino. — Vou =bater-te!
— Oh, não. Não faças isso!—pediu a Ana. — =Ele é um traquinas, mas eu
gosto imenso dele. Nós temos muitos =bolos e não fazem falta. Tira*
também alguns, Dino.
— Muito obrigado — disse Dino, servindo-se. Sorriu para =todos. — É muito
agradável ter amigos como vocês —= concluiu ele. — Não concordas, Pongo?

CAPÍTULO VII - UMA VISITA DURANTE A NOITE

Ninguém ficara com grande vontade de ir visitar o acampamento naquela


=altura, visto Lou ter sido tão desagradável. Em vez disso foram =mostrar
as suas «roulottes» ao deslumbrado Dino. Ele nunca vira =tais maravilhas.
— Com seiscentos macacos, são uns palácios! — =exclamava ele. — Vocês
dizem que se abrem as torneiras e sai =água? Posso abrir uma? Nunca na
minha vida abri uma torneira!
Abriu e fechou as torneiras uma dúzia de vezes, soltando =exclamações
quando via a água sair. Depois apalpou os beliches =para ver como eram
macios. Admirou os cobertores e a loiça luzidia. =Era na verdade um
convidado muito engraçado e os pequenos cada vez =simpatizavam mais com
ele. Também gostavam do Ladra-Ladra e do =Rosna-Rosna, pois eram ambos
muito bem comportados, obedientes e =alegres.
Claro que o Pongo também abriu e fechou as torneiras e tirou todos os
=cobertores dos beliches para ver o que ficava por baixo. Tirou a
=cafeteira de cima do fogão, colocou o bico nos seus lábios grossos =e
começou a beber a água com muito barulho.
— Estás a esquecer as tuas boas maneiras, Pongo — disse =o Dino
horrorizado, tirando-lhe a cafeteira. A Ana ria às =gargalhadas. Ela
estava encantada com o chimpanzé e ele também =parecia ter especial
simpatia pela pequenita;

60

seguia-a, dava-lhe palmadinhas na cabeça e soltava uns gritinhos


=afectuosos, muito engraçados.
— Gostavas de tomar chá connosco? — perguntou o =Júlio, consultando o
relógio. — São quase horas.
— Em geral não lancho — respondeu o Dino. — Mas =gostava de ficar, se
vocês não se importarem. Eu não tenho a =vossa educação, estou um bocado
sujo e não sou da vossa classe. =Mas vocês realmente são muito amáveis.
— Nós gostamos imenso que tu fiques — afirmou a Ana, =encantada. —Vou
cortar o pão para fazer sanduíches. Gostas =de sanduíches de carnes
frias, Dino?
— Imenso! —disse o Dino. —E o Pongo também. =Não o deixe aproximar que
acaba com todas.
Foi um lanche muito agradável e divertido.
Sentaram-se todos à sombra duma «roulotte». O Ladra-Ladra e o =Rosna-
Rosna, sentaram-se com o Tim, e o Pongo ficou ao lado da Ana =tirando-lhe
bocadinhos de sanduíche, muito delicadamente. O Dino =gostou muito
daquele lanche, comendo mais sanduíches do que =ninguém e falando durante
todo o tempo, com a boca cheia.
Ele fazia os quatro pequenos rirem às gargalhadas. Imitou o tio Dan,
=fazendo alguns dos seus números de palhaço. Deu cambalhotas à =volta da
«roulotte» enquanto esperava que a Ana preparasse mais =sanduíches. Pôs-
se muito sério de cabeça para baixo fazendo =o pino, e comeu uma
sanduíche nessa posição, com grande espanto =do Tim. O cão andava à volta
dele e soprava-lhe para a cara como =que a dizer:

61

— Estranho! Sem pernas! Qualquer coisa parece estar errada!


Por fim já ninguém podia comer mais, e Dino levantou-se para =partir,
começando a pensar se se teria demorado tempo demasiado.
— Diverti-me tanto que me esqueci das horas — disse ele, =confuso. — Se
calhar demorei-me de mais e vocês são tão =delicados que não me mandaram
embora. Foi um lanche em cheio! =Muitíssimo obrigado, menina, por todas
as suas deliciosas =sanduíches. Sei que as minhas maneiras não são como
as vossas, =mas obrigado por tudo.
— Tu tens uns modos muito delicados! — disse a Ana com =convicção. —
Foste um convidado admirável. Vem outra =vez, sim?
— Obrigado. Prometo voltar — respondeu o Dino, esquecendo =o seu súbito
acanhamento e olhando em seu redor. — Onde =está o Pongo? Olhem para o
chimpanzé! Apanhou um dos vossos =lenços e está a assoar o nariz!
A Ana ria imenso. — Ele pode guardá-lo
— disse ela. — É já velho!
— Ficam aqui acampados durante muito tempo?
— perguntou o Dino.
— Exactamente aqui, não—explicou o Júlio.
— Pensamos subir um pouco a encosta do monte. Deve lá estar =mais fresco.
Mas podemos acampar aqui, só por esta noite. Nós =pensávamos subir ainda
hoje, mas também podemos ficar e partir =amanhã. Talvez pudéssemos dar
uma volta pelo vosso acampamento =amanhã antes de partirmos.
— Se o Lou lá estiver, não podem — disse o Dino. =— Uma vez que ele diz a
alguém para se pôr a andar é =para lhe obedecer.

62

Mas se ele não estiver, podemos ir. Eu virei cá dizer-lhes.


— Está bem — respondeu o Júlio. — Não =tenho medo do Lou mas não quero
arranjar-te complicações, Dino. =Se o Lou cá estiver amanhã, nós iremos
logo para os montes e tu =podes sempre fazer um sinal avisando quando ele
sair do acampamento e =nós em qualquer altura viremos cá abaixo. E
lembra-te de nos ir =ver lá acima, sempre que quiseres.
— Leva o Pongo — pediu a Ana.
— Podem contar comigo! —afirmou Dino. — Bem, até =à vista!
Foi-se embora, seguido pelo Ladra-Ladra e Rosna-Rosna, segurando com
=firmeza na pata do Pongo. O chimpanzé não queria ir nem por nada. =Fazia
força para trás, sempre a recuar como uma criança =mal-educada.
— Eu gosto muito do Dino e do Pongo — disse a Ana. —= Estou a pensar no
que diria a mãezinha se soubesse que travámos =conhecimento com um
chimpanzé. Naturalmente desmaiava.
Júlio, de repente, começou a ficar preocupado. Não sabia se =tinha feito
bem em seguir o circo e deixar a Ana e os outros travar =relações com uma
gente tão estranha e uns animais ainda mais =estranhos. Mas o Dino era
tão simpático! Tinha a certeza que a sua =mãe gostaria do Dino. E eles
podiam facilmente conservar-se afastados =do Tigre Dan e de Lou, o
acrobata.
— Tens alimentos que cheguem para o jantar de hoje e o pequeno =almoço de
amanhã? — perguntou Júlio a Ana. — =Parece-me que não há nenhuma quinta
aqui perto. Mas o Dino =disse-me que há uma na encosta do monte, onde a
gente do circo vai =buscar as suas provisões; só aquilo que não trazem da
cidade =mais próxima, pois parece que todos os dias vai alguém às
=compras.
— Eu vou ver o que temos na despensa, Júlio — disse a =Ana, levantando-
se. Ela sabia perfeitamente o que havia na despensa, mas =sentia-se uma
pessoa crescida e importante, indo ver. Era agradável =sentir-se assim,
quando tantas vezes se considerava tão pequena e =acriançada, por os
outros serem maiores e saberem muito mais do que =ela.
Ana chamou-os então, dizendo: — Tenho ovos, tomates e carnes =frias,
muito pão, um bolo que comprámos hoje e bastante =manteiga.
— Está bem — disse o Júlio. — Não teremos =de nos incomodar a ir à quinta
esta noite.
Ao escurecer, pela primeira vez depois que estavam em viagem, havia
=nuvens no céu. Nem uma estrela brilhava e não se via a Lua. Fez-se
=escuro como breu e o Júlio, olhando pela janela da sua =«roulotte»,
antes de subir para o beliche, não conseguia ver =nem um reflexo na água
do lago.
Deitou-se no beliche e puxou os cobertores. Na outra «roulotte» a =Zé e a
Ana adormeciam. O Tim estava, como de costume, aos pés da =Zé. Ela ainda
o afastara uma ou duas vezes, mas agora que adormecera, =ninguém o
perturbava, deitado sobre os pés da pequena, com as =patas junto à
cabeça.
Subitamente as suas orelhas arrebitaram-se. Levantou o focinho,
=desconfiado. Depois começou a rosnar de mansinho. Ouvira alguma =coisa.
Ali estava ele, imóvel, escutando. Conseguia distinguir o =barulho de
passadas, em duas direcções diferentes.

64

Depois vozes, vozes baixas, cautelosas e abafadas.


Tim rosnou outra vez, mais alto. A Zé acordou e puxou-o pela coleira. =—
Que aconteceu? — murmurou ela. O Tim começou a =escutar e ela também.
Ambos ouviram vozes.
A Zé saiu sem barulho do seu beliche e foi até à porta =entreaberta da
«roulotte». Não conseguia ver nada lá fora, =por estar tão escuro. — Não
faças barulho, Tim — =murmurou ela.
O Tim compreendeu. Não rosnou mais, mas a Zé podia sentir-lhe o =pêlo
eriçado, à volta do pescoço.
As vozes pareciam não vir de muito longe. Dois homens deviam estar a
=conversar, pensou a Zé. Riscaram um fósforo e, à luz deste, a =Zé viu
dois homens a acenderem os seus cigarros. Imediatamente os =reconheceu;
era o tio de Dino e e Lou, o acrobata.
Que estavam eles a fazer ali? Era um lugar de encontro ou teriam vindo
=roubar alguma coisa das «roulottes»? A Zé gostava de poder =contar ao
Júlio e ao David, mas não se atrevia a sair da =«roulotte», pois os
homens podiam vê-la.
Ao princípio não conseguia perceber nada do que os homens diziam.
=Estavam a discutir sobre qualquer coisa, muito interessados. Depois, um
=deles levantou a voz.
— Está bem, está combinado.
Ouviu-se de novo o som de passadas, desta vez na direcção da =«roulotte»
da Zé. Os homens esbarraram com um dos lados e =soltaram exclamações de
surpresa e dor, começando a ver se =descobriam com que haviam esbarrado.

65

— São as tais «roulottes» formidáveis — ouviu =a Zé dizer ao Lou.—Ainda


por aqui! Eu disse a esses miúdos =para se porem a andar!
— Quais miúdos? — perguntou o Tigre Dan surpreendido. =Era evidente que
ele tinha chegado já noite escura e não sabia o =que se passava.
— Uns miúdos conhecidos do Dino — explicou Lou com uma =voz zangada. Ele
bateu com força na parede da «roulotte» e a =Ana acordou sobressaltada. A
Zé, ainda dentro da «roulotte», =sobressaltou-se também. O Tim ladrou
furiosamente.
Júlio e David acordaram. Júlio acendeu a lanterna e foi até =à porta. A
luz deu em cheio nos dois homens que se encontravam ao =pé da «roulotte»
vermelha.
— Que estão a fazer aqui a esta hora da noite? — =perguntou o Júlio. — A
fazerem uma barulheira destas! =Vão-se embora!
Isto era a pior coisa que Júlio podia ter dito a Lou e a Dan, ambos =mal-
humorados, achando que todo aquele terreno lhes pertencia, a eles e =ao
circo.
— Com quem julgam que estão a falar? — gritou Dan, =furioso. — Vocês é
que se vão embora, estão a =ouvir?
— Eu não lhes disse esta tarde para se porem a andar? — =gritou Lou, fora
de si. — Ou fazem o que lhes disse, miúdos =insuportáveis, ou solto os
cães atrás de vocês, para =persegui-los durante horas.
A Ana começou a chorar. A Zé tremia, furiosa. O Tim ladrava sem =parar.
Júlio falou com calma mas com firmeza.

66

— Nós partimos esta manhã, como tencionávamos. Mas se =vocês acham que
devemos ir já, é melhor pensarem bem. Este =terreno é tanto para vocês
acamparem como para nós. Agora =vão-se embora e não nos incomodem outra
vez.
—Vou dar-te uma chicotada, a ti, frango miúdo — gritou =o Lou, e começou
a desapertar o cinto de cabedal.
A Zé deixou de segurar a coleira do Tim. — Vai ter com eles, =Tim — disse
ela. — Mas não os mordas. Prega-lhes só =um susto!
O Tim saltou para o chão, ladrando satisfeito. Correu para os dois
=homens. Sabia bem o que a Zé queria que ele fizesse e embora lhe
=apetecesse agarrar os dois intrusos com os seus dentes aguçados, =não o
fez. Mas fingiu que os ia morder e ladrou tão ferozmente que =eles
ficaram assustados e perplexos.
O Lou queria bater no Tim, ameaçando que o matava. Mas o Tim não =se
ralava com ameaças daquela espécie. Agarrou a calça da perna =direita de
Lou, puxou, e rasgou-a do joelho ao calcanhar.
— Vamos, o cão é doido!—gritou Dan. — =Agarra-nos pela garganta se não
nos vamos embora. Chamem o cão, =miúdos! Nós já nos vamos. Mas não se
esqueçam de sair =daqui logo de manhã. Nós vos pagaremos um dia.
Vendo que os homens se iam realmente embora a Zé assobiou ao =Tim.—Vem
para aqui, Tim! Mas fica de sentinela até que eles =desapareçam. Corre
para eles, se voltarem atrás.
Mas os homens depressa desapareceram; e nada os faria voltar a enfrentar
=Tim, outra vez, naquela noite!

CAPÍTULO VIII - NA ENCOSTA DO MONTE

Os quatro pequenos estavam aborrecidos e intrigados com a conduta dos


=dois homens. A Zé contou como o Tim a acordara, rosnando, e como =ouvira
os homens a conversarem em voz baixa.
— Eu não penso que eles tenham vindo roubar — disse =ela. — Acho apenas
que eles tinham um encontro marcado aqui =perto, para falarem dum
assunto, em segredo. Nem sabiam que as =«roulottes» aqui estavam e por
isso esbarraram nelas.
— Eles são uns brutos de maus fígados — disse =Júlio. — Não vou fazer
caso do que tu dizes, Zé, e esta =noite vou fechar à chave a porta da tua
«roulotte». Bem sei que =tu tens o Tim, mas não quero correr o risco de
estes homens voltarem, =haja Tim ou não haja.
A Ana estava tão assustada que a Zé consentiu que o Júlio =fechasse à
chave a porta da «roulotte» vermelha. O Tim ficou =fechado com elas. Os
rapazes voltaram para a outra «roulotte» e =Júlio também se fechou por
dentro.
— Estou cheio de vontade de sair daqui e ir para o monte — =disse o
pequeno. — Não me sinto em segurança enquanto =estivermos tão perto do
acampamento. Ficaremos melhor lá nos =montes.
— Vamos logo a seguir ao pequeno almoço — disse David, =instalando-se de
novo no seu beliche.

69

— Olha que foi uma boa coisa as raparigas terem o Tim com elas, =esta
noite. Aqueles homens queriam mesmo bater-te, Júlio.
— Pois queriam e eu não podia levar a melhor contra eles dois =— disse o
Júlio. — São ambos fortes e pesados.
Na manhã seguinte todos eles acordaram cedo. Ninguém se sentia =disposto
a continuar na cama; estavam ansiosos por se irem embora antes =que
aparecessem novamente o Lou e o Dan.
— Arranjem o pequeno almoço, Ana e Zé, enquanto o David e =eu atrelamos
os cavalos às «roulottes» — disse o =Júlio. — Assim estaremos prontos a
partir logo em seguida ao =pequeno almoço.
Terminado o pequeno almoço, sentaram-se nos bancos da frente das
=«roulottes» e iam partir quando apareceram no caminho o Lou e o =Dan,
dirigindo-se para eles.
— Ora vão-se embora, não é verdade? — disse o =Dan, com um sorriso
antipático. — Muito bem. Gosto de ver =miúdos tão obedientes. Para onde
vão?
— Para os montes — respondeu o Júlio. — Mas =não têm nada com isso.
— Porque não vão à volta do lago em vez de subirem lá =acima? — disse
Lou. — Que ideia tão parva subirem com =as «roulottes» e obrigarem os
cavalos a esforçarem-se todo o =caminho!
Júlio ia responder que não tencionavam ir mesmo até ao cimo do =monte,
mas conteve-se. Achou melhor não dar a conhecer àqueles =sujeitos que a
sua intenção era ficar na encosta; eles podiam ir =aborrecê-los
novamente.

70

O Dobi começou a andar. — Nós vamos para onde queremos =— disse Júlio a
Lou num tom conciso. — Saiam do =caminho, por favor.
Como Dobi continuava a andar na direcção dos dois homens, eles =tiveram
de dar um salto para o outro lado e lançaram olhares furiosos =aos quatro
pequenos. Depois ouviram-se os passos de alguém que corria =e apareceu o
Dino, com o Ladra-Ladra e o Rosna-Rosna à volta dele, =como de costume.
— Porque partem tão cedo? —gritou ele.
— Deixem-me ir com vocês, parte do caminho.
— Não quero que vás — disse-lhe o tio, dando ao =rapaz, surpreendido, um
inesperado soco. — Eu disse a estes =miúdos para se porem a andar e eles
aí vão. Não quero =estranhos metediços perto do acampamento. E não
julgues que eles =querem tornar-se teus amigos! Vai treinar esses cães ou
dou-te outro =murro nos ouvidos que ficas a ver as estrelas.
Dino olhou para ele, zangado e com medo.
Conhecia o tio demasiado bem para o contradizer. Voltou-se tristemente e
=foi andando para o acampamento. As «roulottes» ultrapassaram-no =pelo
caminho e Júlio chamara em voz baixa:
— Alegra-te, Dino. Nós ficamos à tua espera lá em cima. =Mas não digas
nada ao Lou ou ao teu tio. Deixa-os julgarem que nós =fomos para mais
longe. Leva o Pongo contigo.
Dino sorriu.-—Que bons são vocês!—disse ele. —= Também posso levar os
cães para os treinar, mas hoje não. Hoje =não me atrevo. E logo que eles
forem passar fora um dia inteiro, eu =trago-os cá abaixo e mostro-lhes o
acampamento. Está bem?

71

— Óptimo — disse Júlio afastando-se. Nem o Lou nem o =Dan tinham ouvido
uma palavra e nem mesmo adivinhavam que eles estavam a =conversar, pois o
Dino teve o cuidado de continuar a andar e nem uma =só vez se voltou para
os seus amigos.
A estrada subia pelo monte. Ao princípio não era muito íngreme, =e tinha
muitas curvas torneando a encosta. A meio caminho as =«roulottes»
atravessaram uma ponte de pedra por onde passava um =riacho.
— Esta corrente vai muito depressa!—disse a Zé =observando-a lá em baixo.
— Olhem, é ali que ela começa! =Ali no meio da encosta!
Ela apontava para um lugar um pouco mais alto e realmente parecia que a
=corrente começava ali.
— Mas não pode começar assim de repente — disse =Júlio.—É demasiado
grande e rápida! Vamos ver. Estou com =sede e se há ali água, deve ser
muito fresca e limpa. Própria =para beber. Vamos, vamos ver.
Mas não havia nenhum regato. A corrente não «começava» =ali, mas saía por
uma cavidade, tão grande e rápida como corria =por baixo da ponte de
pedra. Os pequenos inclinaram-se olhando pela =abertura donde saía a
água.
— Vem do interior do monte — notou a Ana surpreendida. =— Que engraçado,
correr lá dentro do monte. Deve ficar =contente por encontrar uma saída!
Não quiseram beber, pois não era a corrente fresca e límpida =que
esperavam encontrar. Mas afastando-se um pouco descobriram uma
=verdadeira nascente,

72

que saía duma pedra, fresca e límpida como cristal. Beberam ali e
=chegaram à conclusão que era a melhor bebida que tinham tomado =até
àquele dia. O David seguiu a água da nascente e viu que se =ia juntar ao
riacho.
— Tenho a impressão que vai dar ao lago
— disse ele. — Vamos, Júlio, a ver se encontramos uma =quinta. Ouvi há
bocado um galo a cantar e por isso não devemos =estar muito longe.
Passaram uma curva da estrada e viram a quinta, com uma porção de
=edifícios dispersos, sem simetria. As galinhas corriam dum lado para =o
outro, cacarejando. Os carneiros pastavam na parte superior da quinta =e
as vacas ruminavam nos campos ali perto. Um homem estava a trabalhar,
=não muito longe, e Júlio dirigiu-se a ele.
— Bom-dia! O senhor é o dono?
— Não. O patrão está ali — disse o homem =apontando um celeiro perto da
casa de habitação.
— Tenham cuidado com os cães.
As duas «roulottes» dirigiram-se para o celeiro. O lavrador ouviu
=barulho e foi até à porta com os cães. Quando viu que eram =só crianças
quem guiava as «roulottes» ficou =surpreendido.
Júlio tinha uma maneira delicada de falar,, que todas as pessoas
=crescidas apreciavam. Depressa entabulava uma grande conversa com o
=homem, obtendo os melhores resultados. O quinteiro estava disposto a
=fornecê-los com todos os produtos da quinta que eles precisassem e
=podiam levar a qualquer hora a quantidade de leite que quisessem. E ele
=estava certo de que a sua mulher lhes cozinhava o que pedissem e =também
lhes poderia fazer bolos.

73

— E posso combinar com ela quanto devo pagar? — perguntou =Júlio. —Eu
gostava de pagar tudo quanto comprasse.
— Está muito bem, meu filho — concordou o =proprietário. — Paga sempre as
tuas dívidas e nunca =terás aborrecimentos. Vão falar com a minha
velhota. Ela gosta de =crianças e vai recebê-los com satisfação. Onde vão
=acampar?
— Gostávamos de encontrar um sítio com uma bonita vista =sobre o lago —
disse Júlio. — Por enquanto ainda não =sabemos mas pode ser que um pouco
mais adiante encontre o lugar que =pretendo.
— Tem razão. Caminhem mais um quilómetro — =aconselhou o lavrador. — A
estrada vai até lá; quando =chegarem a um maciço de bétulas, verão uma
espécie de cova =mesmo na encosta do monte, com uma vista maravilhosa
sobre o lago. Podem =levar as vossas «roulottes» para ali, meu filho; e
ficarão =abrigados do vento.
— Muitíssimo obrigado — disseram os pequenos, todos em =coro, pensando
que o quinteiro era um homem muito simpático. Que =diferente de Lou e de
Dan, com as suas ameaças e furores!
— Primeiro vamos falar com a sua mulher, senhor — disse o =Júlio. —
Depois, seguiremos até ao lugar que nos indicou. =Espero vê-lo mais
vezes.
Foram falar com a mulher do quinteiro, uma pessoa de idade, gorda e face
=redonda, com uns olhos pequeninos e negros, cheios de bom-humor. Ela
=recebeu-os muito bem, deu-lhes umas arrufadas que estavam a sair do
=forno e disse-lhes para colherem ameixas vermelhas da árvore que =ficava
ao pé da casa.

74

Júlio combinou pagar um tanto por cada coisa que comprasse. Os =preços
que a mulher do quinteiro pedia pareciam muito baixos mas ela =não
deixava darem-lhe mais dinheiro pelos produtos.
— Será sempre um prazer ver à minha porta as vossas caritas =alegres —
disse ela. — Isso será parte do que eu lhes =cobro, combinado? Vejo que
são crianças muito bem educadas, pelas =vossas boas maneiras. E sei que
nunca farão aqui na quinta estragos =nem disparates.
Os pequenos partiram carregados de toda a espécie de mantimentos, =desde
ovos e presunto, até «scones» e bolos de gengibre.
A boa senhora meteu uma garrafa de xarope de medronhos na mão da Ana,
=quando a pequenita se despediu. Mas quando o Júlio voltou atrás =para
pagá-la, ela ficou toda zangada.
— Se eu quero dar um presente a alguém, tenho o direito de o =fazer! —
disse ela. — Calem-se com isso de «pagar por =isto, pagar por aquilo».
Cada dia hei-de ter uma coisa extra para =vocês e nem se atrevam a
perguntar quanto é, que eu corro atrás =dos meninos com o meu rolo da
massa tenra!
— Não é simpatiquíssima? — disse a Ana quando se =dirigiram para as
«roulottes». — Até o Tim lhe foi =apertar a mão, sem tu o teres mandado,
Zé. E é difícil ele =fazer isso a qualquer pessoa, não é?
Guardaram as coisas na despensa, voltaram para os assentos da frente,
=fizeram andar o Dobi e o Trot, partindo de novo.
Cerca de um quilómetro de distância encontraram um maciço de =bétulas. —
Devemos encontrar o tal lugar abrigado aqui ao =pé — disse Júlio.
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- Sim, reparem! Ali está ele! Um lugar mesmo agradável. Muito =próprio
para acampar, e olhem que vista magnífica!
Era realmente linda! Podiam ver o lago aos pés do monte, =estendendo-se,
liso e magnífico como um espelho encantado. Do lugar =onde estavam viam a
margem oposta emoldurando aquela grande extensão =de água.
— Não é tão azul? — disse a Ana, encantada.
— Ainda mais azul do que o céu. Não vai ser maravilhoso =vermos o lago
todos os dias que aqui estivermos?

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O Júlio levou as «roulottes» para a cova abrigada. Crescia ali =um tojo
tão fofo como um tapete verde. Campainhas pálidas como o =céu ao
entardecer cresciam aos cachos nas fendas do monte. Era um =lugar
encantador para acampar.
O ouvido apurado da Zé percebeu o som da água a correr e foi =procurá-la.
Pouco depois chamou os outros.
— Sabem uma coisa? Há aqui outra nascente, vinda de dentro do =monte.
Temos água para beber e para lavar. Somos pessoas de =sorte!
— Lá isso somos! — concordou o Júlio. — É =um lugar encantador e aqui
ninguém nos aborrecerá.
Mas ele falava antes de tempo!

CAPÍTULO IX - UM ENCONTRO DESAGRADÁVEL

Era divertido a valer instalarem-se naquele recanto acolhedor. Puseram


=as duas «roulottes» ao lado uma da outra. Desatrelaram os cavalos =e
levaram-nos para um grande campo onde ficavam os cavalos dos =lavradores,
depois de terminarem os trabalhos do dia. Tanto o Trot como =o Dobi
pareciam muito satisfeitos naquele campo verde.
Havia um regato de água sempre fresca e ambos os cavalos se demoraram =a
matar a sede.
— Bem, aqui os dois cavalos ficam bem instalados — disse o =Júlio. —
Havemos de dizer ao quinteiro que, se ele quiser, =podemos emprestar-
lhos. Deve estar quase a fazer a colheita e talvez o =Dobi e o Trot lhe
sejam úteis por alguns dias. Eles devem gostar de =estar de novo com mais
cavalos.
" Em frente da cova onde estavam as «roulottes» havia uma laje =muito
lisa, rodeada por tufos de verdura. — Este é o Miradouro =do Lago — disse
a Ana, sentando-se ali. — Oh, está =aquecida pelo sol! Que agradável!
— Proponho que passemos a fazer as nossas refeições nesta =laje — disse a
Zé, sentando-se também. — É =confortável e espaçosa; e suficientemente
lisa para segurar os =copos e os pratos, sem entornar nada. Palavra que a
vista daqui é =bonita de mais para se poder descrever. Vocês conseguem
ver o =acampamento do circo?

78

— Ali daquele lado há dois rolos de fumo


— disse o David, apontando. — Eu penso que fica ali o =acampamento. E
reparem: está um barquito a mover-se no lago; não =é tão engraçado?
— Talvez esteja lá dentro o Dino — lembrou a Ana. =— Não trouxemos um
binóculo, Júlio? Tenho a impressão =que sim.
— Tens razão — disse Júlio, lembrando-se.
— Vou buscá-lo.
Foi à «roulotte» verde, procurou nas gavetas e voltou com o =binóculo,
baloiçando-o nas extremidades da correia.
— Aqui está ele! —exclamou, ajeitando-o sobre os olhos. =— Vejo agora o
barco nitidamente. Vai lá dentro o Dino, mas =quem será que está com ele?
Ai, é o Pongo!
Todos quiseram ver o Dino e o Pongo pelo binóculo. — Sabem, o =Dino pode
fazer-nos um sinal ali do barco, quando nos quiser prevenir =que o Lou e
o tio saíram — lembrou o David.
— Assim saberemos que não há perigo e poderemos ir lá =abaixo ver o
acampamento.
— Boa ideia — aprovou a Zé. — Dá-me o =binóculo, David. O Tim também quer
ver.
— Ele não pode ver por um binóculo como este, pateta =— disse David,
passando-o à Zé. Mas o Tim, com a maior =seriedade, colou os olhos às
lentes e parecia observar por ali com =muita curiosidade.
— Béu, béu — fez ele quando por fim desviou os =olhos.
— Está a dizer que também viu o Dino e o Pongo—=afirmou a Zé; os outros
riram. A Ana quase acreditava que era =verdade.

79

O Tim era um cão tão invulgar, pensava ela, enquanto lhe fazia =festas na
cabeça.
Estava um dia quentíssimo. Demasiado quente para fazer fosse o que
=fosse; até mesmo para ir lá abaixo, tomar banho no lago. Os =pequenos
estavam satisfeitos por já se encontrarem no monte, pois ao =menos corria
uma aragem de vez em quando. Naquele dia já não =esperavam ver o Dino
outra vez, mas calculavam que ele iria lá acima =no dia seguinte. Pelo
menos, quando fossem até ao lago tomar banho, =esperavam encontrá-lo por
lá.
Depressa a laje aqueceu tanto que não podiam estar ali sentados. Os
=pequenos abrigaram-se no maciço de bétulas que dava alguma sombra.
=Levaram livros e o Tim também os acompanhou arquejando como se =tivesse
corrido vários quilómetros. Estava sempre a ir beber =água à nascente. A
Ana encheu uma grande vasilha com água =fresca e colocou-a num sítio
arejado, ali ao pé, com um púcaro. =Tiveram sede durante todo o dia e era
agradável mergulhar o púcaro =na água da nascente e depois beberem.
Naquele dia o lago estava inacreditavelmente azul e a água tão =parada
como um espelho. Já não se via o barco do Dino. Tanto ele =como o Pongo
tinham-se ido embora. Não havia um único movimento em =todo o lago.
— Vamos lá abaixo, logo à tarde, quando estiver mais =fresco, para
tomarmos banho? — perguntou o Júlio à hora do =lanche. — Hoje quase não
fizemos exercício. Fazia-nos bem =caminharmos até ao lago e nadarmos um
pouco. É melhor não =levarmos o Tim, pois pode dar-se o caso de
encontrarmos o Lou ou o Dan. =Agora,

80

com certeza que o Tim corre para eles. Devemos estar sempre alerta com
=esses dois, para podermos evitá-los. Mas o Tim atira-se a eles logo =que
os descobrir. Nós podemos estar dentro de água e não =conseguirmos
impedi-lo.
— Em todo o caso fica de guarda às nossas «roulottes» =— disse a Ana. —
Bem, vou lavar no regato estes pratos e =chávenas. Ninguém quer comer
mais nada?
— Está demasiado calor — respondeu David, deitando-se =de costas. —
Gostava de estar ao pé do lago, neste momento; ia =direitinho para dentro
de água.

Às seis e meia estava mais fresco e os quatro pequenos começaram a


=descer o monte. O Tim ficara zangado e sentido por não o levarem.
— Tens de ficar de guarda, Tim — disse a Zé com =firmeza. — Compreendes?
Não deixes ninguém aproximar-se das =nossas «roulottes». Ficas de guarda,
Tim.
— Béu, béu!—fez ele, desanimado, com a cauda =caída. De guarda! A Zé não
sabia que as «roulottes» =não iriam passear sozinhas e que ele queria um
bom mergulho no =lago?
Muito quieto, ficou para trás, na laje, até ver desaparecer o =último dos
pequenos, as orelhas arrebitadas para lhes ouvir as vozes =e a cauda
ainda pendendo, em sinal de tristeza. Depois foi deitar-se por =baixo da
«roulotte» da Zé esperando com paciência o regresso =dos seus amigos.
Os pequenos desciam o monte com as toalhas e fatos de banho, dando
=pequenas corridas e saltando como veados sobre as pedras à beira da
=estrada. Parecera um caminho bem comprido

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quando o haviam subido com as «roulottes», puxadas pelo Dobi e =pelo


Trot, mas não era nada tão longo agora que podiam dar saltos =e pequenas
corridas sempre que lhes apetecia.
Apareceu um pedregulho que os forçou a voltarem à estrada. Iam =chegar a
uma curva apertada quando, com grande surpresa e =decepção, deram de
caras com o Lou e o Tigre Dan!
— Finjam que não os vêem — disse Júlio em voz =baixa. — Conservem-se
juntos e caminhem sempre. Façam de conta =que o Tim está em qualquer
parte, atrás de nós.
— Tim! Tim!—chamou logo a Zé.
O Lou e o Dan pareciam tão surpreendidos por ver as crianças como =elas
haviam ficado ao verem os dois homens. Eles pararam a olhar para os
=pequenos, mas o Júlio apressou os outros continuando a descer.
— Esperem um minuto! — chamou Dan. — Pensei que =tivessem ido para o cimo
do monte!
— Desculpem mas não podemos parar — disse o Júlio, =voltando-se. —
Estamos com muita pressa.
O Lou olhou em volta, à procura do Tim. Não queria enraivecer-se e
=começar a gritar, no caso de aquele terrível cão poder =atirar-se a ele
outra vez. Falou alto para as crianças, e =esforçando-se por se mostrar
bem disposto.
— Onde estão as vossas «roulottes»? Vocês acamparam =aqui próximo?
Mas os pequenos continuavam a andar e os homens tiveram de ir atrás
=deles para se fazerem ouvir.
«Que bicho lhes mordeu? Nós não lhes fazemos mal. Só =queremos saber se
estão aqui acampados. Lá em baixo ficavam =melhor, bem sabem.

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— Continuem a andar — murmurou o Júlio. — Não =lhes respondam. Porque nos


dirão agora que era melhor termos acampado =lá em baixo, se ainda ontem
estavam tão ansiosos por que nos =viéssemos embora? Parecem malucos!
— Tim! Tim! — chamou outra vez a Zé, esperando que os =homens deixassem
de os seguir, ouvindo-a chamar o cão.
Deu bom resultado. Desistiram de seguir as crianças e não gritaram =mais.
Voltaram-se, furiosos, e continuaram a subir pelo caminho.
— Bem, conseguimos livrar-nos deles — disse David, =aliviado. — Não
estejas tão assustada, Ana. Gostava de =saber o motivo por que vão a
subir a encosta. Não são o =género de pessoas que passeiam a pé, por
prazer.
— Ó David, não vamos meter-nos noutra aventura, pois =não? — perguntou a
Ana de repente, parecendo muito aflita. =— Eu não gostava nada. Quero ter
umas férias vulgares, =agradáveis e calmas.
— Claro que não vamos ter outra aventura! — assegurou =David. — Só porque
encontrámos dois homens com maus =fígados que pertencem a um circo, já
pensas que nos vamos meter =numa aventura, Ana! Quem me dera a mim! Todas
as férias que =passámos juntos tivemos aventuras e tu deves concordar que
gostas de =as relembrar e falar sobre elas.
—-Pois gosto. Mas não aprecio nada quando estou no meio de uma =—
explicou a Ana. — Realmente acho que não tenho o =espírito de
aventureira.
— Também acho — concordou o Júlio, ajudando a Ana a =saltar sobre um
pedregulho. — Mas és uma criaturinha =encantadora, Ana, e por isso não te
importes. De qualquer modo tu com =certeza não gostarias se não te
deixássemos tomar parte nas =nossas- aventuras, pois não?
— Oh, não! — exclamou a Ana.—Não suportava =tal coisa. Reparem, chegámos
quase ao sopé do monte e ali está =o lago, como que gelado!
Não demoraram muito tempo a entrar todos dentro da água; de =repente
apareceu também o Dino, a acenar e a gritar. — Aqui =venho eu! O Lou e o
meu tio saíram não sei para onde. Viva!
O Ladra-Ladra e o Rosna-Rosna estavam com o Dino mas faltava o Pongo, o
=chimpanzé. Dino em breve estava dentro da água, nadando à =cão e
salpicando a Zé quando chegou perto dela.
— Encontrámos o Lou e o teu tio quando vínhamos a descer =— contou a Zé.
— Está quieto, Dino, e deixa-me =explicar-te. Estou a dizer-te que
encontrámos agora mesmo o teu tio e =o Lou, a subirem a encosta.
— A subirem ao monte? — disse o Dino, surpreendido.—= Para que seria?
Eles não vão buscar nada à quinta. São as =mulheres que fazem isso, todas
as manhãs muito cedo.
— Pois encontrámos os dois — disse o David, nadando. =— Parece que
ficaram muito admirados quando nos viram. Espero que =não vão implicar
mais connosco.
— Passei um dia horrível — disse o Dino, mostrando =nódoas negras nos
braços. — O meu tio bateu-me como um =louco por eu ter-me tornado vosso
amigo. Ele diz que nunca mais poderei =ir falar com desconhecidos.
— Mas por que motivo? — perguntou o David.

85

— Que homem tão grosseiro e egoísta! Mas tu parece não =lhe ligares muita
importância.
— Claro que não ligo!—respondeu o Dino.
— Ele está no monte, não está? Só tenho de tomar =cuidado para que ele
não me veja com vocês e isso é tudo. =Ninguém do acampamento irá fazer
queixa de mim, pois todos =detestam o Lou e o Tigre Dan.
— Nós vimos-te no barco, com o Pongo — disse o =Júlio, nadando para se
juntar aos outros na conversa. — =Pensámos que sempre que quiseres fazer-
nos sinal, podes sair no teu =barco e acenar-nos com um lenço ou qualquer
outra coisa. Nós temos =um binóculo e facilmente te vemos. Podemos vir cá
abaixo se tu nos =fizeres sinal, pois ficamos a saber que não há perigo.
— Muito bem — disse o Dino. — Vamos fazer uma =corrida. Aposto que chego
à praia antes de vocês.
Não chegou, como é natural, pois não sabia nadar a preceito. =Até a Ana
lhe podia passar à frente. Em breve estavam todos a =secar-se, esfregando
as toalhas com força.
— Tenho uma fome horrível!—disse o Júlio. — =Vem jantar connosco, lá
acima, Dino!

CAPÍTULO X - UMA CURIOSA MUDANÇA DE ATITUDE

Dino sentia-se muito tentado a ir ao monte jantar com os outros. Mas


=estava com medo de encontrar o Lou e o tio, regressando do seu =passeio.
— Nós podemos facilmente descobri-los e avisar-te se os =ouvirmos ou
virmos — disse o David.
— E tu podes esconder-te num arbusto até que eles passem. =Descansa que
nós vamos com atenção, pois também não temos =vontade nenhuma de os
encontrar.
— Então vou com vocês — resolveu o Dino.
— E levo o Ladra-Ladra e o Rosna-Rosna. Vão gostar de ver o =Tim.
Assim partiram os cinco, com os dois cães a caminho do monte. =Primeiro
começaram a subir por atalhos, mas depressa estavam tão =cansados que
resolveram ir pela estrada, pois embora fosse mais longa =era mais fácil
de seguir.
Todos procuravam os dois homens, com a maior atenção, mas não =viram nem
sinal deles.
— Depressa chegaremos às nossas «roulottes»
— disse o Júlio. Nessa altura ouviram o Tim ladrar à =distância.—Olá!
Porque estará o Tim a ladrar? Estou a =pensar se aqueles dois sujeitos
teriam estado nas nossas =«roulottes».
— Se assim é, ainda bem que deixámos o Tim de guarda =— respondeu David.
— Senão podiam levar-nos alguma =coisa.

87

Ao dizer isto o David fez-se muito corado, lembrando-se que estava a


=falar sobre o tio do Dino. Este podia ficar aborrecido e ofendido por
=ouvir alguém insinuar que o Tigre Dan cometera um pequeno roubo.
Mas o Dino não ficou mesmo nada ofendido.
— Não te preocupes com o que disseste sobre o meu tio — =disse ele
alegremente. — Não é boa peça. Isso sei eu. E =de qualquer maneira ele
não é realmente meu tio. O meu pai e a =minha mãe morreram e deixaram-me
algum dinheiro. Constou que eles =haviam pedido ao Tigre Dan para tomar
conta de mim. Assim ele levou o =dinheiro, fez-se passar por meu tio e
desde então eu tenho vivido com =ele.
— Nessa altura ele já estava neste mesmo circo? — =perguntou o Júlio.
— Estava sim. Tanto o meu pai como ele eram palhaços — =disse o Dino. —
Sempre houve palhaços na minha família. Mas =quando eu for mais velho
tenciono fugir e entrar noutro circo onde me =deixem tomar conta dos
cavalos. Eu sou doido por cavalos. Mas o dono dos =cavalos do nosso circo
não me deixa quase nunca aproximar deles. =Julgo que é por ciúmes, por eu
saber manejá-los bem.
Os pequenos olharam o Dino com admiração. Acharam no um rapaz =invulgar.
Uma pessoa que passeava com um chimpanzé domesticado, =exercitava cães de
circo, vivia com o palhaço-chefe, sabia dar os =mais difíceis saltos
mortais e cuja única ambição era =trabalhar com cavalos. Que rapaz! O
David chegava a invejá-lo.
— Nunca estiveste na escola? — perguntou ele ao Dino.
O pequeno abanou a cabeça. — Nunca! Não sei escrever. Só =sei ler um
bocadinho. A maior parte da gente do circo é assim, por =isso ninguém se
importa. Com seiscentos macacos, até aposto que =vocês são todos
inteligentíssimos! Se calhar até a pequenina =Ana sabe ler um livro.
— Há séculos que eu sei ler — disse a Ana. — =Até já sei fazer fracções.
— Ui! O que são fracções? — perguntou o Dino, =impressionado.
— Bem, quartos e meios e sete oitavos e coisas assim — =explicou a Ana. —
Mas eu gostava mais de saber dar saltos mortais =como tu, Dino, do que
saber fracções.
— Porque estará o Tim a ladrar? — disse a Zé quando =se aproximaram do
maciço de bétulas. Mas ela parou de repente, =pois vira duas figuras
estendidas na relva, por baixo das árvores. =Era o Lou e o Tigre Dan!
O Dino não tinha tempo de se esconder. Os homens viram-no logo.
=Levantaram-se e esperaram que as crianças se aproximassem. A Zé =sentiu-
se aliviada por o Tim estar a distância de os poder ouvir. Ela =sabia que
ele apareceria à primeira chamada ou assobio. Júlio =observou os homens.
Para grande surpresa, eles pareciam muito bem =dispostos. Uma ligeira
sombra passou pela expressão do Tigre Dan, =quando viu o Dino, mas
desapareceu logo.
— Boa-noite — disse o Júlio secamente, e teria seguido =sem mais palavras
se o Lou não se pusesse à sua frente.
— Já vimos que vocês estão acampados aqui próximo =— disse o Lou,

89

sorrindo e mostrando uns dentes amarelos. — Não vão lá =para o cimo do


monte?
— Eu não vejo necessidade de discutir os meus planos nem com o =senhor
nem com o seu amigo — respondeu o Júlio, parecendo =mesmo uma pessoa
crescida. — O senhor disse-nos para sairmos =lá de baixo e nós saímos. O
que fizermos agora não têm =nada a ver com isso.
— Temos, sim — afirmou o Tigre Dan que parecia conservar =um tom delicado
com grande dificuldade.

90

- Nós voltamos aqui acima esta noite para arranjarmos um lugar para =os
nossos animais. E não queremos que vocês corram nenhum =perigo.
— Não correremos — disse o Júlio, desdenhoso.
— E nestes montes há bastante espaço para os senhores com =os vossos
animais e para nós também. Não pensem assustar-nos =porque não conseguem.
E se precisarmos de ajuda temos o quinteiro e =os seus homens aqui perto,
para não falar no nosso cão.
— Deixaram o cão de guarda? — perguntou o Lou ao ouvir =o Tim ladrar
outra vez. — Devia ser abatido, esse vosso cão; =é um perigo!
— É só perigoso com os marotos e patifes
— disse a Zé, cortando a conversa. — Conservem-se longe =das nossas
«roulottes» quando o Tim estiver de guarda. Ele pode =maltratá-los se se
aproximarem.
O Lou começava a perder a paciência. — Então, vocês =vão-se embora ou
não? — perguntou ele.
— Já lhes dissemos que queremos este terreno aqui. Podem =descer e
acampar ao pé do lago outra vez, se quiserem.
— Sim, podem ir — afirmou o Tigre Dan, com o maior pasmo =dos pequenos. —
Podem ir, estão a ouvir? Podem tomar banho no =lago todos os dias, podem
pedir ao Dino para lhes mostrar o acampamento =e podem tornar-se amigos
de todos os animais, estão a ouvir?
Agora era a vez de Dino ficar admirado.
— Com seiscentos macacos! Então o senhor não me bateu com =toda a força,
por eu andar com estes miúdos? — perguntou =ele.

91

— Que jogo é este agora? Nunca tiveram animais aqui no monte, =nunca...
— Cala-te — ordenou o Tigre Dan com uma voz tão =áspera que os pequenos
se assustaram. O Lou fez um sinal ao Dan e =este esforçou-se por parecer
outra vez simpático.
— Nós não queríamos que o Dino travasse relações =com meninos finos como
vocês —começou ele de novo. —=Mas parece que vocês querem acamaradar com
ele e nós então =consentimos. Agora vão acampar ao pé do lago e o Dino
vai =mostrar-lhes o circo. Não podemos fazer mais do que isto.
— Devem ter outras razões para nos fazerem tais propostas =— disse o
Júlio, com desdém. — Sinto muito, mas os =nossos planos estão feitos e
não vou discuti-los com os =senhores.
— Vamos — disse David. — Vamos ao encontro do Tim. =Ele está a ladrar com
toda a força porque nos está a ouvir e =não tardará em aparecer aqui.
Depois será difícil =conservá-lo a distância destes dois sujeitos.
Os quatro pequenos começaram a andar. O Dino olhava receoso para o =tio.
Não sabia se havia de seguir os pequenos ou não. Lou fez novo =sinal a
Dan.
— Se quiseres também podes ir — disse o Tigre Dan =tentando sorrir
amigavelmente para o surpreendido Dino. — =Conserva os teus simpáticos
amigos! Tens muito que aprender com =eles.
O sorriso transformou-se num esgar antipático e Dino escapou-se
=prontamente do alcance das mãos do tio. Estava intrigado e com =vontade
de saber o que se escondia atrás daquela mudança do Tigre =Dan.

93

Alcançou os outros pequenos. O Tim veio ao encontro deles, ladrando e


=abanando a cauda, cheio de alegria.
— Portaste-te muito bem! — disse a Zé, fazendo-lhe =festas. — Tomaste
conta de tudo lindamente. Tu sabes que eu teria =assobiado se precisasse
de ti, não sabes, Tim? Que cão tão =fiel!
— Vou arranjar-lhes o jantar — disse a Ana aos outros. =— Estamos todos
esfomeados. Podemos conversar depois, enquanto =comermos. Zé, vem ajudar-
me. Júlio, podes ir buscar umas laranjas? =E tu, David, vais-me encher
uma vasilha com água?
Os rapazes piscaram o olho um ao outro. Sempre achavam muita graça =à
Ana, quando ela tomava o comando e dava as suas ordens, mas todos =foram
trabalhar obedientemente.
O Dino foi ajudar a Ana. Cozeram dez ovos numa panelinha. Depois a Ana
=preparou sanduíches de tomate e carnes frias e partiu às fatias o =bolo
que a mulher do quinteiro lhes havia dado; também se lembrou do =xarope
de medronhos, que era óptimo!
Pouco depois sentavam-se na laje, que ainda estava quente, observando o
=pôr-do-sol. Que lindo entardecer, com o lago muito azul e o céu
=salpicado de nuvens rosadas! Os pequenos seguravam um ovo cozido numa
=das mãos e uma fatia de pão com manteiga na outra, saboreando
=alegremente. Havia um prato com sal para temperarem os ovos.
— Não sei por que motivo, sabe-me melhor comer em piqueniques =do que
dentro de casa — disse a Zé. — Por exemplo, se =nós comêssemos ovos
cozidos e pão com manteiga dentro de casa, =não sabiam tão bem como
estes!
— Cada um come dois ovos? — perguntou a Ana. — Eu =fiz dois por pessoa. E
há ali muito bolo, mais sanduíches e =algumas ameixas das que colhemos
esta manhã.
— É a melhor refeição que eu comi em toda a minha vida =— declarou o
Dino, servindo-se do segundo ovo. — E os =melhores companheiros que tive
até hoje.
— Muito obrigada, és muito amável — disse a Ana e =todos ficaram
satisfeitos. O Dino podia não ter a educação =deles, mas dizia sempre
tudo a propósito.
— Foi bom que o teu tio não te fizesse ir com ele e com o Lou =— disse o
David. — Que coisa engraçada, mudarem de =opinião assim de repente.
Começaram a falar sobre isso. Júlio estava verdadeiramente =intrigado e
começava mesmo a pensar se não teria feito melhor =procurando outro
sítio para acampar, num lugar mais distante.
Os outros levantaram as vozes, indignados.
— JÚLIO! Nós não somos cobardes. Nós ficaremos aqui =muito bem!
— Para que partimos, por que motivo? Não estamos a =atravessar-nos no
caminho de ninguém. Digam esses homens o que =disserem.
— Eu não tiro daqui a minha «roulotte» haja o que =houver! — Claro que
estas eram palavras da Zé.
— Não se vão — pediu o Dino. — Não liguem =importância ao Lou ou ao meu
tio. Eles não lhes podem fazer nada. =Estão só a tentar aborrecer-vos.
Vocês ficam e depois eu =mostro-lhes o acampamento, combinado?
— Não é que eu queira seguir as ideias desses sujeitos

94

— explicou o Júlio. — É só porque estou a tomar =conta de nós todos e não


gosto do aspecto nem do Lou nem do Tigre =Dan, e também...
— Come outro ovo e não penses nisso — interrompeu o =David. — Nós vamos
ficar, ainda que o Lou e o Dan não o =queiram. E mais outra coisa:
Gostava de descobrir porque têm eles =tanto desejo que nos vamos embora.
Parece-me muito estranho.
O Sol desaparecia como uma fogueira vermelha e alaranjada e o lago
=cintilava com reflexos de cores vivas. Dino levantou-se, cheio de pena,
=e o Ladra-Ladra e o Rosna-Rosna, que haviam estado a brincar com o Tim,
=levantaram-se também.
— Tenho de ir — disse o Dino. — Ainda tenho que =fazer, lá em baixo. E se
vocês viessem amanhã ver os animais? =Vão gostar do Velhote, o elefante.
É um mimo E o Pongo vai ficar =satisfeito por os ver outra vez.
— O teu tio pode mudar de opinião até amanhã e voltar a =não nos querer
no acampamento — lembrou o David.
— Então eu faço-lhes sinal — respondeu o Dino.
— Saio no barco e aceno-lhes com um lenço. Assim ficam a saber =que não
há perigo. Até amanhã.

CAPÍTULO XI - O ACAMPAMENTO DO CIRCO

NA manhã seguinte, enquanto a Ana e a Zé guardavam as coisas do =pequeno


almoço e o David ia à quinta para trazer o que a mulher do =quinteiro
lhes tivesse preparado, o Júlio pegou no binóculo e =sentou-se na laje,
para ver se o Dino aparecia no lago, no seu barco. =David foi até à
quinta assobiando. A mulher do quinteiro ficou =encantada ao vê-lo e
mostrou-lhe dois grandes cestos cheios de comida =deliciosa.
— Fatias de presunto que eu própria preparei — disse =ela, levantando a
toalha branca que cobria um dos cestos. — E um =tacho com carne assada.
Conserve-a num lugar fresco. Umas alfaces e =rabanetes escolhidos por mim
esta manhã. E mais uns tomates.
— Que apetitoso!—exclamou David, olhando para tudo, =encantado. — É mesmo
o género de coisas de que nós =gostamos! Muitíssimo obrigado, senhora
Mackie. O que há no outro =cesto?
— Ovos, manteiga, leite e uma lata com pãezinhos que eu fiz =— disse a
senhora Mackie. — Acho que chega bem, para =vocês quatro, até amanhã. E
naquele papel está um osso para =o cão.
— Quanto lhe devo? — perguntou David. Pagou a conta e =agarrou nos
cestos. A senhora Mackie meteu-lhe um cartucho na =algibeira.
— São uns rebuçados feitos em casa — explicou ela. =Era o seu presente.
David sorriu-lhe.

96

— Não digo que quero pagar-lhe, pois tenho medo do seu rolo da =massa
tenra — disse ele. — Mas muito, muito obrigado.
Ele partiu, muito satisfeito. Pensava no prazer da Ana quando visse os
=cestos. Como ela ia gostar de meter as coisas na despensa, acamar a
=manteiga num prato em cima duma vasilha com água fresca e pôr os =ovos
na prateleira!
Quando ia a chegar, o Júlio chamou-o.
— O Dino está no barco. Anda ver. Está a acenar com =qualquer coisa que
não pode ser um lenço. Naturalmente é o =lençol da cama dele.
— O Dino não dorme com lençóis — disse a Ana. =— Nem sabia o que eram,
quando os viu nos nossos beliches. Talvez =seja uma toalha de mesa.
— De qualquer maneira é uma coisa grande, para nos prevenir =que é muito
boa altura de irmos ao acampamento — disse o =Júlio. — Estão todos
prontos?
— Quase — disse a Ana, tirando os alimentos dos cestos que =David
trouxera. — Tenho de arrumar estas coisas. Vocês querem =que levemos
almoço connosco? Nesse caso vou prepará-lo. Olhem para =estas delícias!
Todos foram ver. — A senhora Mackie é um amor — disse a =Ana. — Palavra
que é tudo estupendo... Olhem para este =presunto apetitoso. Cheira
divinamente!
— Aqui está o presente dela; rebuçados feitos em casa =— disse o David,
tirando-os da algibeira. — Querem um?
Meia hora depois a Ana tinha tudo pronto. Havia decidido levar o =almoço,
para eles e para o Dino.

97

Levaram também os fatos de banho e as toalhas.


— Vamos com o Tim ou não? — perguntou a Zé. — =Eu gostava de levá-lo. Mas
como aqueles dois homens parecem bastante =interessados nas nossas
«roulottes», talvez seja melhor =deixá-lo de guarda outra vez. Nós não
queremos voltar e =encontrar as «roulottes» estragadas ou roubadas metade
das =coisas.
— Também penso assim — concordou o David. — As =coisas não são nossas,
nem as «roulottes». Pertencem a outra =pessoa e nós devemos ter os
maiores cuidados com elas. Parece-me que =é melhor deixar o Tim de
guarda, não achas, Júlio?
— Tens razão — afirmou logo o Júlio. — Estas =«roulottes» são muito
valiosas para as deixarmos à mercê =de qualquer tratante, ainda que
fiquem fechadas à chave. De qualquer =modo hoje deixamos o Tim de guarda.
Pobre Tim, é uma pena, não =é?
O Tim não respondeu. Estava triste e abatido. Tinham a coragem de =sair
sem ele, outra vez? Bem sabia o que significava «de guarda»; =era ficar
ali com aquelas casas de rodas até que as crianças =resolvessem voltar.
Gostava tanto de ver o Pongo novamente! Ali ficou, =com as orelhas e
cauda caídas, parecendo o fiel retrato da =desventura. Mas não havia nada
a fazer. Os pequenos achavam que =não podiam deixar as «roulottes» ao
abandono, enquanto estavam =tão pouco seguros sobre os sentimentos do Lou
e do Tigre Dan. Assim =todos fizeram festas ao pobre Tim, amimaram-no e
depois disseram-lhe =adeus. Ele sentou-se na laje de costas voltadas para
os pequenos e nem =os viu afastarem-se.

98

— Está zangado—disse a Zé.—Pobre Tim!


Não levaram muito tempo a chegar ao acampamento onde encontraram o =Dino,
o Pongo, o Ladra-Ladra e o Rosna-Rosna, todos à espera deles. O =Dino
ria-se, abrindo a boca de orelha a orelha.
— Viram bem o meu sinal? — perguntou ele. — O meu =tio não mudou de
opinião, de facto até parece simpatizar com =vocês e disse-me para lhes
mostrar tudo e deixá-los ver o que =quiserem. Foi com a camisa dele que
eu fiz sinal. Pensei que se acenasse =com uma coisa enorme, vocês
perceberiam que corria tudo o melhor =possível.
—Onde podemos deixar as toalhas, os fatos de banho e os cestos do
=piquenique, enquanto vamos visitar o acampamento? — perguntou a =Ana. —
Um lugar fresco, se for possível.
— Ponham tudo no meu carro — disse o Dino, conduzindo-os =para um carro
pintado de azul e amarelo, com rodas vermelhas. Os =pequenos lembraram-se
de o ter visto, uma ou duas semanas antes, quando =o circo passara pela
casa deles.
Olharam lá para dentro. Não se comparava com as «roulottes». =Era muito
mais pequeno e estava desarrumado. Também parecia sujo e =tinha um cheiro
desagradável. A Ana não estava a gostar nada.
— Não é tão bom como os vossos — disse o Dino. =— Eu gostava de ter um
carro como os de vocês. Sentia-me um =príncipe. Agora o que querem ver
primeiro? O elefante? Então =vamos.
Foram até à árvore onde o elefante estava preso. Ele fitou as =crianças
com os seus olhos pequeninos e inteligentes.

99

— Bem, Velhote, queres um banho? — perguntou o =Dino.—Vamos, upa, upa,


upa!
A estas palavras o elefante enrolou a tromba à volta da cintura do =Dino
e levantou-o no ar, colocando-o com cuidado sobre a sua grande =cabeça.
A Ana nem podia respirar.
— Oh, ele magoou-te, Dino?
— Nada!—respondeu o Dino.—O Velhote não magoa =ninguém, não é verdade,
tamanhão?
Um homem baixinho aproximou-se. Tinha os olhos tão brilhantes que
=pareciam ter sido polidos, e um sorriso muito franco. —Bom-dia =—disse
ele. — Que tal acham o meu Velhote? Gostavam de o =ver jogar o críquete?
— Imenso! — responderam em coro, e o homenzinho foi buscar =um pau do
críquete e entregou-o ao Velhote. Este pegou-lhe com a =tromba e começou
a manobrá-lo. Dino escorregou com agilidade da =cabeça do elefante até ao
chão.
— Eu vou jogar com ele — disse o Dino, pegando na bola. =Atirou-a ao
Velhote e este deu-lhe uma pancada certeira com o pau. A =bola passou por
cima da cabeça dos pequenos.
Júlio foi buscá-la. Atirou-a ao elefante e novamente este acertou =na
bola. Em breve os pequenos estavam todos a jogar com o Velhote,
=muitíssimo divertidos.
Alguns pequenitos do acampamento vieram observar, mas ficavam assustados
=como coelhos quando o Júlio ou a Zé lhes falavam, desaparecendo =nos
seus carros. Estavam sujos e esfarrapados, mas a maior parte tinham
=bonitos olhos e cabelos encaracolados, embora precisassem de ser lavados
=e penteados.

100

O Dino foi buscar o Pongo que estava aos pulos dum lado para o outro,
=dentro duma gaiola, soltando guinchos por julgar que estava a ser
=esquecido. Ficou encantado ao ver outra vez os pequenos e pôs
=imediatamente o braço à volta da cintura da Ana. Depois puxou o =cabelo
à Zé e escondeu a cara atrás das patas, espreitando com =malícia.
— És muito engraçado, Pongo! —disse o Dino. — =Agora ficas quieto, òu
voltas para a tua gaiola, estás a =ouvir?
Foram ver os cães e soltaram-nos todos. Havia muitos «terriers» =e cães
sem raça, todos muito bem tratados, saltando com vivacidade =para o Dino,
fazendo uma grande brincadeira. Era evidente que gostavam =do Dino e
confiavam nele.
— Querem vê-los a jogar o futebol? — perguntou o Dino. =— Ladra-Ladra,
vai buscar a bola. Vai depressa!
O Ladra-Ladra correu para o carro do Dino. A porta estava fechada mas o
=inteligente cãozinho ergueu-se nas patas traseiras e rodou o puxador
=com o nariz. A porta abriu-se e lá entrou o Ladra-Ladra. Saiu =impelindo
a bola com o focinho. Esta rolou pelas escadas e depois pelo =chão. Os
cães saltaram todos sobre ela, com latidos de =entusiasmo.
Passaram a bola uns aos outros, enquanto o Dino mantinha as pernas
=abertas, fazendo a baliza. O Ladra-Ladra e o Rosna-Rosna é que deviam
=marcar os golos, e os outros cães deviam impedi-los. Por isso era um
=jogo divertidíssimo. Uma vez quando o Ladra-Ladra meteu um golo
=passando a bola com toda a força por entre as pernas do Dino,

102

o Pongo saltou para o campo, apanhou a bola e fugiu com ela.


— Já, já! —gritou o Dino, e os cães correram =todos atrás do impertinente
chimpanzé.
Ele trepou para o tejadilho de um dos carros e começou ali a atirar =a
bola ao ar e a apanhá-la, rindo-se do desespero dos cães.
— Ai que divertido — exclamava a Ana, limpando as =lágrimas, de rir
tanto. — Meu Deus, até já me dói o =estômago por não parar de rir.
O Dino teve de subir ao telhado do carro para apanhar a bola. O Pongo
=fugiu, saltando para o outro lado, mas deixou a bola em equilíbrio na
=chaminé. Realmente era um chimpanzé muito arreliador.
Depois foram ver os lindos cavalos. Tinham todos umas capas de cetim
=brilhante. Trotavam em redor dum campo, estando a ser treinados por um
=rapaz alto e magro que se chamava Rossy, obedecendo-lhe ao mais pequeno
=sinal.
— Posso montar o Rei Negro Rossy? — perguntou o Dino com =vivacidade. —
Deixa-me, por favor!
— Está bem — respondeu o Rossy, com o cabelo a brilhar =tanto como as
capas dos cavalos. Então o Dino maravilhou as =crianças, saltando para um
cavalo, grande e negro, ficando em pé =em cima dele e conservando-se
assim enquanto ele trotava à volta do =campo.
— Vai cair!—gritou a Ana. Mas ele aguentou-se sempre. =Depois continuou a
fazer habilidades cada qual mais difícil.
— Muito bem — aplaudiu o Rossy. — Tens jeito para =os cavalos, miúdo.
Agora vai montar o Fúria.

103

O Fúria era um cavalo pequeno e bonito, com os olhos muito vivos que
=indicavam ser pouco domável. Dino correu para ele e montou-o mesmo =sem
selim. O cavalo empinou-se, relichando e tentando atirar com o =pequeno.
Mas o cavalo não levava a melhor. Fizesse o que fizesse o =Dino
continuava montado, firme como uma rocha.
Por fim o Fúria estava cansado e começou a trotar à volta do =campo.
Depois galopou e às tantas parou repentinamente, tentando =fazer o Dino
saltar por cima da sua cabeça.
Mas o rapaz estava à espera desta partida e inclinou-se todo para =trás,
sem perda de tempo.
— Muito bem! — continuava a dizer o Rossy.
— Daqui a pouco dá-te cabo das mãos, Dino. — Dino, =Dino, tu tens um
jeito enorme! —gritava-lhe a Ana. — Quem =me dera saber fazer o que tu
fizeste. Quem me dera!
O Dino escorregou pelo pescoço do Fúria, muito satisfeito. Era =agradável
mostrar as suas habilidades aos seus amigos =«finos».
Depois olhou em redor. — Oiçam lá, onde está o =chimpanzé? Deve estar a
fazer qualquer malandrice. Vamos =procurá-lo.

CAPÍTULO XII - UM DIA ENCANTADOR COM UM FINAL TERRÍVEL

Depressa descobriram o Pongo. Estava ao pé de um dos carros parecendo


=muito satisfeito consigo próprio. Foi ter com a Ana e estendeu-lhe a
=mão, soltando uns gritinhos amigáveis. A Ana agarrou o que ele
=segurava, para ver o que era. —É um ovo cozido! Ó Dino, ele =esteve a
mexer nos cestos do nosso almoço!
Assim acontecera. Tinham desaparecido dois ovos cozidos e alguns
=tomates. O Dino bateu no chimpanzé e foi metê-lo na gaiola. Ele =ficou
muito triste e começou a fingir que chorava, escondendo a cara =nas suas
enormes patas. A Ana tinha pena.
— Ele está realmente a chorar? Ó Dino, perdoa-lhe. Não =fez por mal.
— Não está a chorar, está só a fingir — =respondeu o Dino. — E ele fez de
propósito. Eu já o =conheço.
A manhã passou-se depressa, visitando os animais do circo. Chegara a
=hora do almoço e ainda não tinha havido tempo para verem os =macacos.
— Iremos visitá-los depois — resolveu o Dino.
— Vamos agora almoçar. Achava boa ideia irmos para o pé do =lago.
Com grande alegria dos pequenos, ainda não tinham visto o Lou nem o
=Tigre Dan.
— Onde estão eles? — perguntou o Júlio. — =Passam o dia fora?

105

— Passam sim, graças a Deus — afirmou o Dino. — =Saíram para um dos seus
misteriosos passeios. Sabem, quando nós =andamos com o circo, de terra em
terra, algumas vezes o meu tio =desaparece durante a noite. Eu acordo e
ele não está no carro.
— Onde irá ele? — perguntou a Zé.
—- Não me atrevo a perguntar — respondeu o Dino. =— De qualquer modo,
hoje tanto ele como o Lou vão deixar-nos =em paz. Não devem chegar antes
de anoitecer.
Almoçaram ao pé do lago, que brilhava calmo e azul, muito =convidativo.
— E se fôssemos tomar banho?—lembrou o David, depois de =todos terem
comido até não poderem mais. O Júlio olhou para o =relógio.
— Não é bom tomar banho depois duma refeição tão =forte — disse ele. — Tu
bem sabes, David. Temos de =esperar.
—Está bem—concordou o David, deitando-se na relva. =— Vou passar pelo
sono ou vamos todos ver os macacos?
Dormitaram um pouco e depois levantaram-se para irem conhecer os
=macacos. Quando chegaram ao acampamento encontraram-no cheio de gente,
=toda muito excitada.
— Que aconteceu? — perguntou o Dino. — Olhem para =aquilo, os macacos
estão todos à solta!
Era verdade. Para qualquer parte que olhassem, os pequenos viam um
=macaquito castanho, no tecto dum carro ou no cimo duma tenda.
Uma mulher muito morena, com os olhos chamejantes, veio ter com o Dino.
=Agarrou-o pelo ombro

106

e começou a sacudi-lo. — Vê o que fez esse teu =chimpanzé! — disse ela. —


Puseste-o na gaiola e não =o fechaste como devia ser. Ele escapou-se e
soltou os macacos todos. =Maldito chimpanzé! Se o apanho dou-lhe uma
cacetada.
— Mas onde está a Lucília? — perguntou o Dino, =afastando-se da mulher
zangada. — Ela não pode =prendê-los?
— A Lucília foi à cidade — gritou a mulher.
— Vai ficar muito satisfeita quando voltar e souber o que =aconteceu.
— Deixem lá os macacos!—disse o Dino.
— Não fazem mal nenhum. Ficarão à espera da Lucília, =sem novidade.
— Quem é a Lucília? — perguntou a Ana, achando que a =vida no acampamento
do circo era muito animada.
— É a dona dos macacos — disse o Dino.
— Olhem, lá vem ela. Agora ela arranjará tudo. Uma mulher =já de idade,
baixa e bastante
magra dirigia-se apressada para o acampamento. Ela própria se parecia
=bastante com uma macaca, pensou a Ana. Tinha uns olhos vivos e
=brilhantes e umas mãos pequenas que agarravam o xaile vermelho que a
=envolvia. As mãos pareciam patas castanhas.
— Os teus macacos estão à solta! — gritavam os =miúdos do acampamento. —
LUCÍLIA, os teus macacos estão =à solta!
A Lucília percebeu e levantando a voz, descompôs todos, sem =cerimónia.
Depois ficou parada e levantou os braços. Disse algumas =palavras
devagar, numa língua que os pequenos não entenderam; =palavras mágicas,
explicou a Ana depois.

107

Um por um, os macacos correram para ela, saltando dos tejadilhos dos
=carros, dando pequenos gritos de amizade e boas-vindas. Pulavam para os
=braços e para os ombros da Lucília, agarrando-se a ela como =crianças
pequeninas. Não faltava nem um macaco, todos iam ter com =a Lucília, como
que guiados por um encantamento.
Ela dirigiu-se para as gaiolas, murmurando as suas palavras suaves
=enquanto caminhava. As outras pessoas observavam em silêncio.
— Ela é uma criatura muito estranha — disse ao Dino a =mulher morena. —
Não gosta de ninguém a não ser dos seus =macacos. E ninguém gosta dela,
tirando eles. Tens muita sorte de =não se haver voltado contra o teu
chimpanzé, por ele ter solto os =seus preciosos macacos!
— Eu vou levá-lo ao banho, com o Velhote, apressou-se a =responder o
Dino. — Quando regressarmos, a Lucília já se =terá esquecido.
Foram buscar o Velhote e descobriram onde estava escondido o Pongo, por
=baixo dum carro. Seguiram depressa para o lago, com o Velhote todo
=satisfeito por saber que ia tomar banho.
— Tenho a impressão que estão sempre a acontecer coisas =destas num
acampamento de circo — disse a Ana. —Não se =parece nada com a vida
normal.
— Não se parece? — perguntou o Dino, surpreendido. =— Mas para mim é esta
a vida normal.
No lago estava fresco e todos se divertiram muito a nadar e a mergulhar.
=O Pongo não ia muito longe, mas salpicava quem se aproximasse, com
=gritos animados. Pregou um susto ao Velhote, saltando para cima dele e
=puxando-lhe por uma das suas grandes orelhas.

108

O elefante meteu a tromba dentro do lago, sorveu uma enorme quantidade


=de água e despejou-a toda sobre o desprevenido chimpanzé.
Os pequenos riam às gargalhadas e ainda se riram mais quando o Pongo =com
o susto se desequilibrou e caiu de cima do Velhote. Planche! Deu um
=grande mergulho, ficando molhado dos pés à cabeça, uma coisa =que ele
detestava.
— Muito bem feito, meu patife! — gritou o Dino. — =Eh, Velhote, pára com
isso! Não me molhes a mim também!
O elefante, satisfeito com a sua «gracinha», não queria parar. =Os
pequenos tiveram de sair do seu alcance, pois ele tinha muito boa
=pontaria.
— Nunca na minha vida me diverti tanto! — disse a Ana =enquanto se
secava. — Vou sonhar toda a noite com os macacos e =elefantes, cavalos,
cães e chimpanzés.
O Dino deu cerca de vintes saltos mortais à volta do lago para =conservar
a boa disposição e o Pongo começou logo a =imitá-lo. Mostrava ter ainda
mais ginástica do que o Dino. A Ana =tentou, mas desistiu logo.
Voltaram para o acampamento. — Desculpem não poder =oferecer-lhes chá —
disse o Dino. — Mas nós, quero =dizer, a gente do circo, nunca lanchamos.
E além de tudo não tenho =fome depois daquele almoço formidável. Vocês
têm?
Ninguém tinha. Dividiram entre eles os caramelos feitos em casa pela
=senhora Mackie e deram um ao Pongo. Ele apertou os dentes de cima contra
=os debaixo e ficou tão aflito quando percebeu que não podia abrir =a
boca que os pequenos fartaram-se de rir. Sentou-se, inclinou a =cabeça
para um lado e para o outro,

110 - 111

e começou a guinchar tristemente. Mas depressa o caramelo se derreteu =e


ele viu que no fim de contas podia abrir a boca. Chupou o resto do
=caramelo com muito barulho, mas não quis mais.
Andaram pelo acampamento, vendo os diferentes carros. Ninguém lhes
=ligava importância. Eram apenas os amigos «finos» do Dino. =Alguns
miúdos mais pequenos começavam a espreitar e a deitarem a =língua de
fora, mas. quando o Dino se zangava, eles desapareciam.
— Não têm maneiras — disse o Dino. — Mas =são bons pequenos.
Chegaram ao sítio onde estavam uns grandes vagões, cheios de toda =a
espécie de material do circo. — Quando estamos a descansar =no campo,
como agora, não nos incomodamos a tirar estas coisas para =fora —
explicou o Dino. — Aqui não precisamos delas. Um =dos meus trabalhos é
arrumar tudo isto, quando vamos dar um =espectáculo. Temos que tirar para
fora todos estes bancos; isto aqui =é o pano da barraca do circo. Dá
muito que fazer, fiquem =sabendo!
— Que está dentro deste carro? — perguntou a Ana, =chegando-se a um vagão
pequeno, com uma cobertura muito justa de pano =encerado.
— Não sei — disse o Dino. — Esse carro pertence =ao meu tio. Nunca me
deixa abri-lo, não sei o que ele guarda lá =dentro. Tenho pensado se
serão coisas que pertenceram aos meus pais. =Vocês sabem que eles
morreram. Um dia resolvi vir espreitar; mas o =tio Dan apanhou-me e ia-me
matando!
— Mas o que pertencia aos teus pais, agora deve ser teu — =disse a Zé.
— O mais engraçado é que este carro às vezes está =cheio até cima,
continuou o Dino. — E outras vezes não =está. Pode ser que o Lou também
ali guarde coisas dele.
— Neste momento ninguém pode lá meter mais nada—=disse o Júlio. —Está
cheio quase a rebentar.
Deixaram de se interessar pelo pequeno vagão e andaram por ali a ver =o
«material», como dizia o Dino. Entre outras coisas havia =cadeiras e
mesas douradas, e bancos pintados de cores vivas para os =cães quando
entravam nos espectáculos.
— Oiçam, meninos, não são horas de nos irmos embora? =—lembrou o Júlio. —
O meu relógio parou. Que horas =são?
— Meu Deus, é muito tarde!—exclamou o David, =consultando o relógio. —
São sete horas. Não admira que =me sinta com tanta fome. São horas de
regressarmos. Vens connosco, =Dino? Podes jantar lá em cima, se quiseres.
Com certeza sabes voltar, =mesmo que seja escuro.
— Vou levar comigo o Pongo, o Ladra-Ladra e o Rosna-Rosna —= disse o
Dino, encantado com o convite. — Se me perder na volta, =eles saberão
guiar-me.
Assim todos começaram a subir o monte, cansados depois daquele dia =tão
animado. A Ana ia planeando o que daria de jantar àquele =grupinho.
Presunto, certamente, tomates e um refresco de xarope de =medronhos
diluído em água da nascente quase gelada.
Ouviram o Tim a ladrar logo que chegaram perto das «roulottes». =Ladrava
sem parar, muito alto, parecendo querer transmitir-lhes qualquer
=notícia.

112

— Deve estar zangado — disse o David. — Pobre Tim! =Com certeza pensa que
resolvemos não fazer mais caso dele.
Chegaram às «roulottes» e o Tim correu para a Zé como se =não a visse
havia um ano. Tocava-lhe com as patas e lambia-a, depois =recomeçava a
fazer-lhe festas com as patas.
O Ladra-Ladra e o Rosna-Rosna também estavam satisfeitos por tornar a
=vê-lo e então o Pongo estava encantado. «Cumprimentou» a =cauda do Tim
por várias vezes e ficou desapontado por o Tim não =lhe ligar
importância.
— Atenção. O que está o Ladra-Ladra a morder?— =disse o David de repente.
—Carne crua! Como veio aqui parar? Acham =que o quinteiro tenha aqui
estado e tenha deixado alguma para o Tim? =Então -porque não a comeu o
Tim?
Todos olharam para o Ladra-Ladra que estava a comer um bocado de carne,
=no chão. O Rosna-Rosna também se foi juntar ao outro. Mas nem o =Tim nem
o Pongo se aproximaram. O Tim tinha a cauda caída e o Pongo =escondia a
cara atrás das mãos.
— Que esquisito — disseram os pequenos intrigados com o =estranho
procedimento dos dois animais. Depois, repentinamente, =perceberam, pois
o pobre Ladra-Ladra soltou um uivo terrível tremendo =dos pés à cabeça e
rebolando-se no chão.
— Com seiscentos macacos! Está envenenado!
— gritou o Dino, afastando o Rosna-Rosna do resto da carne. =Agarrou no
Ladra-Ladra e com a maior comoção os pequenos viram que =o Dino estava a
chorar.

113

— Vai morrer — disse o rapaz, com uma voz impressionante. =—Pobre Ladra-
Ladra!
O infeliz Dino começou a descer o monte, levando o Ladra-Ladra ao =colo,
seguido pelo Rosna-Rosna e pelo Pongo. Ninguém tinha coragem =para o
acompanhar.
Carne envenenada, que coisa terrível!

CAPÍTULO XIII - O JÚLIO PENSA NUM PLANO

AZé estava a tremer. Parecia que as suas pernas não conseguiam =aguentá-
la e ela sentou-se, sem forças, na laje. Pôs os =braços à volta do Tim.
— Ó Tim, aquela carne era para ti! Graças a Deus, graças =a Deus tiveste
esperteza suficiente para não lhe tocares. Ó Tim, =tu podias ter ficado
envenenado!
O Tim lambia a sua dona mansamente. Os outros estavam à volta da =Zé,
aflitos, sem saberem o que pensar. Pobre Ladra-Ladra! Morreria? E =se em
vez dele fosse o Tim? Tinham-no deixado só e podia muito bem =ter comido
a carne e morrido.
— Eu nunca, nunca mais te deixo aqui em cima, sozinho — =disse a Zé.
— Quem pensam vocês que lhe atirou a carne envenenada? —= perguntou a Ana
num tom abafado.
— Quem pensam que foi? — gritou a Zé numa voz dura e =zangada.—O Lou e o
Tigre Dan!
— Eles querem pôr-nos fora daqui, isso está à vista =— disse o Júlio,
intrigado. — Mas porquê?
— Ou querem tirar o Tim do seu caminho — disse o David. =— Mas também
porquê?
— Que poderá haver neste lugar para que os homens queiram =livrar-se de
nós? — perguntava o Júlio. — Eles =são uns autênticos patifes.

115

Coitado do Dino. Deve passar uma vida horrível, com eles. E agora
=envenenaram-lhe o cãozito.
Nessa noite ninguém tinha grande apetite. A Ana retirou o pão, a
=manteiga e o frasco da compota. A Zé não conseguiu comer =absolutamente
nada. Que fim horrível para um dia tão bem =passado!
Deitaram-se cedo e ninguém se importou quando o Júlio disse que ia
=fechar à chave as duas «roulottes». — Não é que eu =pense que o Lou e o
Dan voltem aqui durante esta noite — explicou =ele. — Mas nunca se sabe.
Se eles voltaram ou não, os pequenos nunca chegaram a saber, pois =embora
o Tim começasse a ladrar muito alto a meio da noite e =arranhasse com
fúria a porta fechada da «roulotte» da Zé, =quando o Júlio abriu a sua
porta, com a lanterna acesa, não =conseguiu ouvir nem ver nada de
especial.
O Tim calou-se e não voltou a ladrar. Deitou-se muito quieto, =dormindo
com uma orelha arrebitada. O Júlio deitou-se e começou a =pensar.
Provavelmente o Lou e o Dan tinham vindo, pé ante pé, pela =noite escura,
esperando que o Tim tivesse comido a carne e morresse =envenenado. Mas
quando o ouviram ladrar, perceberam que ele estava bem e =então deviam
ter-se retirado. Que pensariam eles fazer a seguir?
— Há qualquer coisa por trás de tudo isto — pensava =e tornava a pensar o
Júlio. — Mas que poderá ser? Porque =quererão eles afastar-nos deste
lugar?
Não fazia a menor ideia. Por fim adormeceu, pensando num vago =plano.

116

Na manhã seguinte contá-lo-ia aos outros. Talvez, se eles =convencessem o


Lou e o Dan que iam todos passar o dia fora com o Tim e =se na realidade
ele, Júlio, ficasse ali escondido, talvez descobrisse =alguma coisa, no
caso de o Lou e o Dan irem até ali...
O Júlio adormeceu quando estava a arquitectar este plano. Tal como os
=outros, também sonhou com elefantes a molhá-lo todo, com o Pongo a
=soltar os macacos, e com os cães a jogarem futebol, muito
=entusiasmados. Mas no meio do sonho apareciam pedaços de carne
=envenenada! Que horror!
A Ana acordou sobressaltada, pois sonhara que alguém pusera veneno =nos
ovos cozidos que eles iam comer. Começou a tremer, sentada no =beliche e
chamou a Zé, devagarinho.
— Zé! Eu tive um sonho horrível!
A Zé acordou e o Tim mexeu-se, começando a esticar-se todo. A =Zé acendeu
a sua lanterna.
— Eu também tenho estado a sonhar com coisas tremendas —= disse ela. —
Sonhei que aqueles dois homens andavam a perseguir =o Tim. Vou deixar a
lanterna acesa, por um bocadinho, para conversarmos. =Acho que depois de
todas as emoções que tivemos durante o dia e do =horrível final, estamos
num estado de espírito próprio para =pesadelos. O que vale é não passarem
de sonhos.
— Uuuffff! — fez o Tim, sacudindo-se.
— Não faças isso! —disse-lhe a Zé.— A =«roulotte» treme toda, quando tu
fazes isso.
O Tim ficou quieto. Deu um suspiro e deitou-se, sossegado! Pôs a =cabeça
entre as patas e olhou estremunhado para a Zé, como quem =diz: — Apaga
essa lanterna. Eu quero dormir.

117

Na manhã seguinte não fazia tanto calor e o céu estava cheio de =nuvens.
Ninguém se sentia muito animado, pois continuavam a pensar no =Dino e no
pobre Ladra-Ladra. Comeram o pequeno almoço quase em =silêncio e depois a
Ana e a Zé começaram a juntar os pratos, =para os levarem até ao regato e
lavá-los.
— Hoje vou eu à quinta — disse o Júlio.
— Tu sentas-te na laje, com o binóculo, David, para veres se o =Dino sai
no barco e nos faz sinal. Tenho a impressão que hoje ele =não nos vai
querer no acampamento. Se suspeitou que foram o Lou e o =Dan que puseram
o veneno na carne deve ter tido uma séria =discussão com eles.
O Júlio partiu para a quinta, com os dois cestos vazios. A senhora
=Mackie já o esperava e ele comprou uma grande quantidade de comida
=apetitosa. Desta vez, o presente da senhora foi um bolo redondo, acabado
=de fazer.
— A gente do circo vem aqui muitas vezes comprar comida? — =perguntou o
Júlio, enquanto pagava à senhora Mackie.
— Vêm algumas vezes — respondeu ela. — Não me =importo que venham as
mulheres ou as crianças, embora muito sujas e =levando de vez em quando
uma das minhas galinhas; mas os homens é que =eu não suporto. Havia dois,
no ano passado, sempre a andarem aqui =pelo monte e o meu marido teve de
correr com eles. *
O Júlio apurou o ouvido.—Dois homens? Como eram eles?
— Muito feios — contou a senhora Mackie.
— Um deles tinha os dentes mais amarelos que eu tenho visto. =Muito mal-
humorados, tanto um como o outro.

118 - 119

Passavam por aqui durante a noite e nós tínhamos medo que nos =roubassem
as galinhas. Juraram que não queriam as galinhas, mas que =outra coisa
podiam procurar aqui, durante a noite?
— Não faço ideia — respondeu o Júlio. Ele estava =convencido que os dois
homens eram o Lou e o Tigre Dan. Porque andariam =eles pelos montes,
durante a noite?
Despediu-se e foi-se embora, com os cestos. Quando chegou perto das
=«roulottes» o David chamou-o, muito excitado.
— Júlio! Anda ver pelo binóculo. O Dino está no barco, =com o Pongo, mas
não consigo perceber o que estão a acenar.
O Júlio pegou no binóculo e observou. Lá muito em baixo, na =superfície
do lago, flutuava o barquito do Dino. Ali estava ele e =também o Pongo.
Ambos acenavam com qualquer coisa vermelho-vivo.
— Não consigo perceber com que estão a acenar, mas isso =não interessa —
disse o Júlio. — O que importa é =estarem a acenar com uma coisa vermelha
e não branca. Vermelho quer =dizer perigo. Ele está a avisar-nos.
— É verdade, não pensei nisso. Que estúpido que eu sou! =— disse o David.
— Vermelho quer dizer perigo. Que terá =acontecido?
— Bem, é evidente que hoje não devemos ir ao acampamento =— disse o
Júlio. — E também é evidente que, =qualquer perigo de que se trate, é
muito sério, porque tanto o =Dino como o Pongo estão a acenar com panos
vermelhos; duas vezes =perigo!
— Vermelho quer dizer perigo. Ele está a avisar-nos.
— Ó Júlio, tu és muito perspicaz — disse a Zé, =que estava a seguir a
conversa. — Foste o único de nós =todos que descobriu tudo isso. Perigo a
dobrar. Que poderá ser?
— Talvez queira dizer que há perigo lá em baixo no =acampamento e também
aqui em cima — disse o Júlio, =pensativo. — Espero que o pobre do Dino
esteja bem. O Tigre Dan =é tão bruto com ele! Até aposto que já apanhou
uma ou duas =sovas, desde a noite passada.

120

— É uma vergonha!—disse o David.


— Não digam à Ana que nós pensamos haver um duplo perigo =— pediu o
Júlio, vendo a Ana voltar do regato. — =Ficaria assustada. Ela esperava
que nestas férias nós não =tivéssemos nenhuma aventura e agora vemo-nos
metidos no meio de uma. =Sabem, eu acho que realmente nós devemos
abandonar este monte e irmos =para qualquer outro lugar.
Mas ele só dizia isto meio convencido, pois estava a arder por =decifrar
o mistério que havia por trás do estranho comportamento =de Lou e de Dan.
Os outros atacaram-no logo.
— Nós não podemos irmo-nos embora! Não sejas cobarde, =Júlio!
— Nós não queremos ir. E o Tim também não!
— Calem-se — pediu o Júlio. — Aqui vem a =Ana!—Não disseram mais nada. O
Júlio observou o Dino por =mais algum tempo. Depois o rapaz e o chimpanzé
dirigiram-se à =praia e desapareceram.
Quando estavam sentados todos juntos, na laje, o Júlio explicou o =plano
que arquitectara na noite anterior. — Eu gostava de saber o =que há neste
lugar que tanto atrai o Lou e o Dan — disse ele. =— Deve haver qualquer
coisa, não longe daqui, que faz com que =os homens se queiram ver livres
de nós. Agora suponham que nós =quatro e o Tim descemos o monte, passamos
pelo acampamento e gritamos ao =Dino que todos, todos nós vamos à cidade
e só voltamos à =noite. Depois vocês três vão realmente, mas eu torno a
subir ao =monte; talvez o Lou e o Dan venham cá acima e, se eu estiver
=escondido, poderei ver o que eles fizerem.

121

— Queres dizer que fingimos ir os quatro à cidade, mas =realmente só


vamos três, e tu voltas para trás e escondes-te =— disse o David. — Estou
a perceber. É uma boa =ideia.
— E tu escondes-te num lugar donde possas ver os homens =aproximarem-se —
continuou a Zé. — Mas por amor de =Deus, não deixes os homens
descobrirem-te, Júlio. Não terás =o Tim contigo, lembra-te disso! Esses
homens, se quiserem, podem =fazer-te em picado para pastéis.
— Bem sei — respondeu o Júlio, rindo. — Mas =fiquem certos que me hei-de
esconder muito bem.
— Acho que nós podíamos procurar aqui em volta para ver se =descobrimos a
caverna, ou lá o que é que interessa aos homens =— lembrou o David. — Se
eles conseguiram encontrá-la, =também nós podemos conseguir.
— Não sabemos se é uma caverna — disse o Júlio. =— Não temos nenhuma
ideia do que atrai os homens a este lugar. =A senhora Mackie disse que o
ano passado eles também andaram sempre =por aqui e o marido dela teve que
os mandar embora. Pensavam que os =homens queriam roubar as galinhas mas
eu não o creio. Há qualquer =coisa neste monte que faz com que os homens
se queiram ver livres de =nós.
— Vamos procurar aqui à volta — disse a Zé, muito =entusiasmada. — Estou
a sentir-me outra vez com o espírito da =aventura.
— Valha-me Deus!—exclamou a Ana. Mas ela não conseguia =deixar de se
sentir também um pouco entusiasmada. Levantaram-se todos =e o Tim seguiu-
os, abanando a cauda.
Estava satisfeito por os seus amigos não terem
saído naquela manhã, deixando-o sozinho, de guarda.

122

— Vamos todos por caminhos diferentes — disse o Júlio. =— Para cima, para
baixo e para os lados. Eu vou para cima.
Separaram-se, partindo nas várias direcções, a Zé e o Tim =juntos, claro
está! Procuraram possíveis cavernas ou mesmo =qualquer espécie de
esconderijo. O Tim metia a cabeça em cada toca =de coelho que encontrava
e por isso também andava muito ocupado.
Cerca de meia hora depois os outros ouviram o Júlio a chamar. =Correram
até às «roulottes» convencidos que ele descobrira =qualquer coisa
importante.
Mas não descobrira. Apenas estava cansado de procurar e decidira
=desistir. Abanou a cabeça quando os outros correram para ele, =ansiosos
por saberem o que ele havia descoberto.
— Nada — disse ele. — Já estou farto de =procurar. Estou convencido que
não há por aqui nenhuma caverna. E =algum de vocês encontrou alguma
coisa?
— Nada! — disseram em coro, desanimados. — Que =vamos fazer agora?
— Pôr o nosso plano em acção — disse o Júlio =prontamente. — Deixemos os
homens mostrarem-nos o que procuram. =Descemos o monte e gritamos ao Dino
que passamos todo o dia fora. E =depois, tenhamos esperanças que o Lou e
o Dan nos oiçam.

CAPÍTULO XIV - UM ÓPTIMO ESCONDERIJO

Desceram o monte, com o Tim. O Júlio deu algumas instruções ao =David. —


Comam uma refeição na cidade — disse ele. =— Conservem-se fora, todo o
dia, para darem aos homens a =possibilidade de subirem ao monte. Vão ao
correio saber se chegou =alguma carta para nós, e comprem umas latas de
conservas de frutas, =para variarmos.
— Muito bem, Comandante!—disse o David. — E tu =fazes o favor de ter
cuidado, meu velho. Esses homens são perigosos, =pois são uns patifes.
— Toma conta das raparigas — disse o Júlio. — =Não deixes a Zé fazer
nenhuma loucura.
O David riu-se. — Quem consegue impedir a Zé de fazer o que =ela quer? Eu
cá não!
Tinham acabado de descer o monte. O acampamento do circo ficava perto.
=Os pequenos podiam ouvir os cães a ladrar e o barulho que fazia o
=Velhote.
Começaram a ver se descobriam o Dino. Mas não conseguiam vê-lo. =Que
desastre! Não serviria para nada passarem o dia na cidade e porem =em
prática um plano tão bom se não pudessem dizer ao Dino que =iam para
fora.
Não se atreviam a entrar no acampamento. O Júlio pensava nos dois =panos
vermelhos com que o Dino e o Pongo tinham acenado. Duplo perigo! =Não,
decididamente não seria prudente

124

irem ao acampamento naquela manhã. Ficou parado, sem saber o que


=resolver. Depois, abriu a boca e gritou:
— DINO, DINO!
Nem resposta, nem Dino. Mas o dono do elefante ouviu-o e aproximou-se. =—
Querem ver o Dino? Eu vou buscá-lo.
— Obrigado — disse o Júlio.
— O homenzinho partiu, assobiando. Depressa apareceu o Dino, =saindo por
detrás dum carro, bastante assustado. Não se aproximou =de Júlio, parando
a uma certa distância, pálido e =preocupado.
— Dino! Nós vamos passar o dia à cidade — gritou o =Júlio, o mais alto
possível. — Nós vamos...
O Tigre Dan apareceu de repente diante do Dino e agarrou-lhe no braço
=com maus modos. O Dino levantou uma mão para proteger a cara, como se
=esperasse uma bofetada. O Júlio gritou outra vez:
—Nós vamos à cidade, Dino! Só voltaremos à noite. =Estás a ouvir-me? NÓS
VAMOS À CIDADE!
Em todo o acampamento devem ter ouvido o Júlio. Mas ele estava
=absolutamente certo que se alguém não ouvira, não fora o Tigre =Dan.
O Dino tentou livrar-se do tio e abriu a boca para responder qualquer
=coisa. Mas Dan pôs a mão em frente da boca do Dino e arrastou-o =para
longe, sacudindo-o como um gato sacode um rato.
— COMO ESTÁ O LADRA-LADRA?—gritou o Júlio. Mas o =Dino desaparecera

125

arrastado por Dan para dentro do carro. Contudo, o homenzinho do


=elefante ouvira.
— O Ladra-Ladra está mal — respondeu ele. — =Ainda não morreu, mas deve
faltar pouco. Nunca na minha vida vi um =cão tão doente. O Dino anda
muito preocupado.
Os pequenos afastaram-se, com o Tim. A Zé tivera de o segurar pela
=coleira durante todo o tempo, pois logo que vira o Dan começara a
=ladrar sem descanso, tentando libertar-se da Zé.
— Ainda bem que o Ladra-Ladra não morreu — disse a Ana. =— Tenho
esperanças que venha a melhorar.
— Não há grandes probabilidades — disse o Júlio. =— Aquela carne devia
estar cheia de veneno. Coitado do Dino!
Que horrível estar nas mãos de uma pessoa como o Tigre Dan!
— Não consigo imaginá-lo a fazer de palhaço; refiro-me =ao Tigre Dan —
declarou a Ana. — Os palhaços são =sempre tão alegres, divertidos e
engraçados...
— Mas estão só a representar — explicou o David. =— Um palhaço não
precisa de ser fora dos espectáculos o =mesmo que é no circo. Se tu vires
fotografias de palhaços, quando =estão cá fora, têm umas expressões
tristes.
— Mas o Tigre Dan não tem uma cara triste. Tem uma cara feia, =má,
nojenta, selvagem e cruel — afirmou a Ana, fazendo ela =própria uma
expressão dura.
Os outros riram. David voltou-se para ver se alguém os via seguirem =até
à paragem dos autocarros que iam para a cidade.

126

— O Lou, o acrobata, está a observar-nos. Óptimo! Ele =consegue ver a


paragem, do sítio onde está, Júlio?
O Júlio voltou-se.
— Consegue, sim. Ficará a ver-nos subir para o autocarro. Por =isso é
melhor eu também subir e sair na paragem seguinte, para =chegar até ao
monte por um caminho que ele não consiga ver.
— Está bem — concordou o David, divertindo-se com a =ideia de irem pregar
uma partida ao Lou. — Vamos. Lá vem o =autocarro. Temos de correr se
queremos apanhá-lo.
Subiram para o autocarro. O Lou continuava a observá-los, parecendo
=agora uma pequena silhueta, lá ao longe. O David tinha vontade de lhe
=dizer adeus, por troça, mas conteve-se.
O autocarro partiu. Tiraram três bilhetes para a cidade e um para a
=paragem mais próxima. O Tim também teve um bilhete, que levou na
=coleira, com vaidade. Ele gostava muito de andar de autocarro.
O Júlio saiu na paragem seguinte. — Bem, até logo à =noite — disse ele. —
Mandem o Tim à frente, quando =voltarem. É para o caso dos homens estarem
por ali. Eu posso não =ter maneira de os avisar.
— Combinado — disse o David. — Até logo e boa =sorte!
O Júlio disse adeus e voltou para trás, pela estrada por onde =tinham
seguido. Viu um atalho que continuava na direcção do monte =e resolveu
tomá-lo. Foi dar a um sítio não muito distante da =quinta da senhora
Mackie e assim depressa percebeu onde estava. Foi =até às «roulottes»,
127

preparou, num instante, umas sanduíches e cortou um bocado de bolo, =para


levar para o seu esconderijo. Podia ser que tivesse de esperar =muito
tempo.
— Agora, onde me vou esconder? — pensou ele. — =Gostava de um lugar donde
pudesse ver a estrada, para estar prevenido =quando os homens vierem a
subir. E também gostava de os poder =observar depois. Qual será o melhor
lugar?
Uma árvore? Não havia nenhuma bastante perto e bastante frondosa. =Atrás
de um arbusto? Não, porque os homens podiam facilmente =torneá-lo e dar
com ele. E se fosse no meio duma das bétulas? =Talvez fosse uma boa
ideia.
Mas o Júlio depressa desistiu, pois a bétula tinha demasiados =espinhos
para ele conseguir chegar até ao meio. Ficou com as pernas e =os braços
todos arranhados.
— Tenho que me resolver — disse ele para consigo. — =Ou os homens chegam
aqui antes de eu estar escondido;
E então ele teve de repente uma ideia verdadeiramente genial! Ficou
=encantado. Sem dúvida! O lugar mesmo apropriado!
— Vou subir para o tejadilho de uma das «roulottes»! =— pensou o Júlio. —
Ninguém me poderá ver ali. =Nem mesmo adivinhar que eu lá estou! É
realmente uma boa ideia. =Ficarei a observar a estrada e tudo o que os
homens aqui fizerem.
Não foi muito fácil trepar para o tejadilho, que estava bastante =alto.
Foi preciso ir buscar uma corda, fazer uma argola numa ponta e =laçar a
chaminé, para depois subir.

128

Fez pontaria à chaminé e a corda ficou pendendo sobre um lado da


=«roulotte», pronta para ele subir. Atirou o embrulho da comida =lá para
cima e depois subiu ele. Puxou a corda e enrolou-a, =colocando-a junto de
si.
Deitou-se ao comprido. Estava certo de que ninguém o podia ver. Claro
=que se os homens subissem a uma parte mais alta do monte e olhassem para
=as «roulottes», seria facilmente descoberto; mas tinha de correr =esse
risco.
Ficou ali muito quieto, vendo o lago, e com todos os sentidos postos em
=alguém que pudesse subir pela estrada. Estava satisfeito por não =estar
um dia de sol forte, pois teria ficado assado, ali no tecto. =Pensava que
devia ter arranjado uma garrafa com água, para o caso de =ter sede.
Viu os rolos de fumo a sair do local onde estava o acampamento do circo,
=lá em baixo, ao longe. Viu dois barcos no lago; pessoas a pescar,
=pensou ele. Viu três coelhos a brincar ali perto.
O Sol apareceu por trás das nuvens durante uns dez minutos e o =Júlio
começou a sentir um calor incomodativo. O Sol voltou a =esconder-se e o
pequeno sentiu-se melhor.
De repente ouviu alguém a assobiar; mas era apenas um trabalhador da
=quinta, descendo o monte.
Depois começou a estar maçado. Os coelhos haviam desaparecido e =não se
via por ali nem mesmo uma borboleta. Não apareceu nenhum =pássaro,
excepto um pequeno picapau, a fazer sempre o mesmo =barulho.
Subitamente o picapau pareceu assustado e voou para longe. Devia ter
=ouvido qualquer barulho.
O Júlio também ouvira qualquer coisa
129

e não tirava os olhos da estrada. O coração começou a =bater-lhe. Ele via


dois homens. Seriam eles o Lou e o Dan?
Não se atreveu a levantar a cabeça quando se aproximaram, pois =podiam
descobri-lo. Mas conheceu-lhes as vozes, quando eles já =estavam bastante
perto!
Sim, eram o Lou e o Tigre Dan, fora de dúvidas. Não podia haver =confusão
com aquelas suas vozes desagradáveis e rudes. Os homens =caminharam até
perto das «roulottes» e o Júlio ouviu-os =conversar.
— Não está ninguém aqui. Os miúdos finalmente =saíram por todo o dia; e
levaram aquele detestável cão.
— Eu vi-os subir para o autocarro, com o cão e tudo, como =já te disse —
respondeu o Lou. — Hoje não estará =ninguém aqui. E nós poderemos
arranjar o que queremos.
— Então vamos buscá-lo — disse Dan.
O Júlio ficou à espera de ver onde iam. Mas eles não saíram =dali.
Parecia que estavam ao lado das «roulottes». O Júlio =não se atrevia a
espreitá-los pela beira do tecto para ver o que =se passava. Estava
satisfeito por ter fechado as janelas das =«roulottes» e ter fechado a
porta à chave.
Em seguida começaram uns ruídos esquisitos e os homens respiraram =com
força. A «roulotte» onde estava o Júlio começou a =abanar um pouco.
— Que estarão eles a fazer? — pensava o Júlio, =pasmado. Com uma
fortíssima curiosidade, deslizou até à beira =do tejadilho e espreitou
com precaução, embora primeiro tivesse =resolvido não fazer isso de
maneira nenhuma. Olhou para o chão, em =baixo.

130

Talvez os homens estivessem do outro lado. Deslizou com muito cuidado e


=foi espreitar do lado oposto da «roulotte», que continuava a =tremer um
pouco, como se os homens estivessem a dar-lhe pancadas.
Do outro lado também não estava ninguém! Que coisa mais =extraordinária!—
Já sei! Devem estar por baixo da =«roulotte»! — pensou o Júlio, voltando
para o centro do =tecto. — Por baixo! Mas com que fim?
Donde ele estava era completamente impossível ver o que se passava =por
baixo da «roulotte», por isso teve de ficar muito quieto =tentando
adivinhar os propósitos dos homens. Eles praguejavam e =pareciam estar a
raspar e cavar, mas nada aconteceu.
— Dá-me um cigarro — disse o Lou com uma voz =desagradável. — Já estou
farto. Temos de afastar o carro. =Que miúdos aborrecidos! Porque teriam
eles escolhido este lugar?
O Júlio sentiu riscarem um fósforo e cheirou-lhe a fumo de =cigarro.
Então apanhou um grande susto. A «roulotte» estava a =mover-se! Iriam os
homens puxá-la até à laje e depois =deixá-la rolar pela encosta?!

CAPÍTULO XV - VÁRIOS ACONTECIMENTOS

O Júlio começou a sentir-se muito assustado. Não sabia se seria =melhor


escorregar do tejadilho até ao chão, e desatar a correr. =Seria um
desastre se a «roulotte» começasse a deslizar pela =encosta! Mas resolveu
não se mexer. Agarrou-se à chaminé com as =duas mãos, enquanto os homens
empurravam a «roulotte» com =força.
Quando faltava menos de um metro para a «roulotte» chegar à =laje, os
homens pararam. O Júlio tinha a testa cheia de gotas de suor =e as mãos a
tremer. Era uma vergonha estar tão assustado, mas =não conseguia evitá-
lo.
— Chega! Não a deites pelo monte abaixo! — disse o Lou, =alarmado, e o
Júlio começou a sentir-se melhor. Afinal eles não =pensavam destruir a
«roulotte». Tinham-na empurrado apenas para =tirarem qualquer coisa que
estava por baixo. Mas que poderia ser? O =Júlio puxava pela memória a ver
se se lembrava como era o chão =na altura em que o Trot e o Dobi haviam
conduzido as «roulottes» =até ali. Só se recordava de ver um tojo vulgar.
Os homens estavam agora a raspar outra vez, perto das traseiras da
=«roulotte». O Júlio estava morto de curiosidade, mas não se =atrevia a
mexer-se. Poderia descobrir o segredo quando os homens se =fossem embora.
Entretanto teria que esperar com paciência ou =estragaria tudo.

132

Houve uma conversa entre-dentes e Júlio não conseguiu apanhar nem =uma
frase. Depois, subitamente, tudo ficou silencioso. Nem uma pancada
=contra a «roulotte». Nada!
Júlio continuava quieto. Podia ser que os homens ainda ali =estivessem.
Ele não ia dar sinal da sua presença. Esteve deitado =durante bastante
tempo, esperando e pensando. Mas não ouviu nada.
Depois viu um passarinho voar para o ramo de uma árvore; bateu as =asas e
começou a procurar migalhas. Era o passarinho que costumava =aparecer
quando os pequenos comiam as suas refeições, mas só se =aproximava depois
de eles se afastarem.
Em seguida foi um coelho que saiu dum buraco e começou a correr por =ali.
— Bem — pensou o Júlio. — É evidente que os =homens não estão agora aqui,
pois de contrário os passaritos e =os coelhos não se aproximavam. Ali
está outro coelho. Aqueles =homens devem ter ido a qualquer parte, sabe
Deus onde. Acho que posso =agora espreitar sem correr nenhum perigo.
Escorregou até à borda e espreitou pela parte de trás da =«roulotte».
Observou o chão. Não havia absolutamente nada =que lhe indicasse o que os
homens tinham estado a fazer, ou para onde =tinham ido! Crescia ali o
tojo, como no resto do terreno. E nada =mostrava o motivo por que os
homens tinham feito barulho.
— Isto é realmente muito esquisito — pensava o =Júlio, já com medo de ter
estado a sonhar. — Os homens =desapareceram, e parece que se evaporaram.
Devo arriscar-me a descer =para ver se descubro alguma coisa?

134

Acho que não devo. Os homens podem voltar a todo o momento e é =certo que
ficarão furiosos se me encontrarem aqui; então é que =me atiram com a
«roulotte» pela encosta abaixo! E o declive é =enorme!
Continuou ali deitado, pensando. Começou a sentir muita fome e sede.
=Ainda bem que tivera a prudência de levar comida para o tejadilho. Ao
=menos podia comer qualquer coisa enquanto esperava pelos homens, caso
=eles voltassem.
Começou pelas sanduíches. Estavam muito saborosas. Comeu-as todas =e
continuou com o bolo. Também este estava muito bom. Levara ameixas, =o
que lhe deu grande satisfação, pois estava com sede. Atirou com =os
caroços das ameixas para o chão antes de pensar no que estava a =fazer.
— Que asneira! Porque fiz eu isto? Se os homens reparam neles, =podem
lembrar-se que não estavam lá anteriormente, ainda que a =maior parte Se
tenham metido no tojo.
O sol apareceu por uns instantes e Júlio sentiu-se cheio de calor. =Ele
só desejava que os homens voltassem e descessem o monte. Estava =cansado,
pois havia muito tempo que continuava estendido sobre o telhado =tão
duro. E além disso tinha muito sono. Começou a abrir a boca =em silêncio
e fechou os olhos.
Quanto tempo dormiu, não fazia a menor ideia; acordou de repente
=sentindo a «roulotte» deslocar-se outra vez. Agarrou-se à =chaminé
ouvindo os homens a falar em voz baixa.
Eles estavam a puxar a «roulotte» para o lugar donde a tinham =tirado.

135

Depressa ela se encontrava exactamente na posição anterior. Depois =o


Júlio ouviu riscar um fósforo e sentiu novamente o cheiro a =fumo.
Os homens foram sentar-se na laje e desembrulharam a comida que haviam
=trazido com eles. O Júlio não se atreveu a espreitá-los, embora
=estivesse convencido de que eles estavam de costas voltadas para a
=«roulotte». Os homens comeram e falaram em voz baixa e depois, =para
maior decepção de Júlio, deitaram-se! O pequeno sabia que =eles estavam a
dormir, pois ouvia-os ressonar.
— Vou ficar neste tecto desconfortável, durante todo o dia? =— perguntava
ele de si para si. — Estou tão dorido, por =estar aqui deitado! Apetece-
me sentar-me.
— R-r-r-r-r-r!—ressonavam o Lou e o Dan. O Júlio achou =que não fazia mal
sentar-se por um bocadinho, agora que os homens =estavam com certeza a
dormir. Assim, sentou-se cuidadosamente, =espreguiçando-se com prazer.
Olhou para os dois homens, que estavam deitados de costas, com as bocas
=entreabertas. Ao lado deles estavam dois sacos de cabedal, forte e
=espesso. Júlio gostaria de saber o que continham. Certamente não =os
traziam quando vinham a subir a encosta.
O pequeno começou a observar tudo, tentando desvendar o mistério =de onde
tinham estado os homens e que faziam ali. De repente teve um =terrível
sobressalto. Ficou como que paralisado não podendo =acreditar no que via.
Uma cara selvagem e feia estava a espreitar por entre os ramos de uma
=árvore. Quase não tinha nariz e tinha uma boca enorme. Quem =seria?

136

Seria alguém que espiava o Lou e o Dan? Mas que cara horrível! =Não
parecia humana.
Apareceu uma mão, que coçou a cara e o Júlio viu que era =felpuda. Cheio
de surpresa percebeu a quem pertencia aquela cara; era ao =Pongo, o
chimpanzé! Não admirava que tivesse achado a cara feia e =inumana. Estava
bem para um chimpanzé, até era simpática, mas =não para um homem.
O Pongo olhou para o Júlio, muito sério. E o Júlio fitou-o, com =as
ideias em turbilhão. Que estava o Pongo a fazer ali? Estaria o =Dino com
ele? Se assim fosse, o Dino corria perigo, pois de um momento =para o
outro os homens podiam acordar. Júlio não sabia o que =fazer. Se chamasse
o Dino para o avisar, acordava os homens.
O Pongo estava contente por ver o Júlio e não parecia achar o =tejadilho
duma «roulotte», um lugar estranho para se estar. No fim =de contas ele
também ia muitas vezes para os tejadilhos dos carros do =circo. Pongo
cumprimentou o pequeno e piscou-lhe o olho, e depois =estendeu a cabeça.
Nessa altura apareceu por trás dele a cara do Dino, uma cara com =todos
os sinais de quem esteve a chorar, inchada e com nódoas negras. =Ele viu
o Júlio em cima da «roulotte» e abriu a boca, cheio de =surpresa. Parecia
que ia falar, e o Júlio fez-lhe sinal com a =cabeça, vivamente, para que
se calasse, apontando para baixo, =tentando avisar o Dino que estava ali
alguém.
Mas o Dino não compreendeu. Sorriu e com a maior aflição de =Júlio
começou a subir pela encosta, na direcção da laje! Os =homens estavam a
dormir ali,

137

e o Júlio viu apavorado que o Dino provavelmente ia subir até =lá.


— Atenção! — exclamou ele, numa voz baixa mas muito =aflita. — Atenção,
palerma!
Mas era tarde. O Dino elevou-se nos braços para saltar sobre a pedra =e
ficou estendido, horrorizado, mesmo ao pé da cabeça do Tigre =Dan! Deu um
grito e tentou escapar-se, mas Dan, acordando de repente, =apanhou-o com
uma das mãos.
O Lou também acordou. Os homens fitaram o pobre Dino e este =começou a
tremer e a pedir perdão.
— Eu não sabia que estavam aqui, posso jurar! Larguem-me, =larguem-me! Só
vim cá acima para procurar o canivete que perdi =ontem!
O Dan sacudiu-o com brutalidade. — Há quanto tempo estás =aqui? Tens
estado a espiar?
— Não, não! Eu cheguei agora mesmo! Estive no acampamento =toda a manhã.
Podem perguntar ao Larry e ao Rossy. Estive a =ajudá-los!
— Estiveste a espiar-nos, isso é que estiveste! — disse =Lou, numa voz
fria e dura, que meteu muito medo ao Júlio. — Tu =esta semana estás farto
de apanhar, mas parece que ainda não foi o =bastante. Ao menos aqui não
há ninguém para ouvir os teus =gritos, estás a perceber? Por isso vamos
mostrar-te o que é uma =verdadeira sova! Se depois conseguires caminhar
até ao acampamento, =ficarei admirado.
O Dino estava aterrado. Ele pediu perdão, prometeu fazer tudo quanto =os
homens lhe ordenassem e tentou libertar a sua pobre carita inchada =das
mãos fortes do Dan.
O Júlio não podia suportar aquilo.

138

Ele não queria dar-lhes a entender que fora ele quem estivera a =espiar e
também não queria brigar com os homens, pois sabia =perfeitamente que não
levaria a melhor. Mas ninguém podia ficar =indiferente, vendo dois homens
tratarem um rapazinho daquela maneira. =Resolveu saltar do tejadilho
sobre os dois homens e salvar o pobre Dino, =se conseguisse.
Dino soltou um grito angustioso, quando o Lou lhe deu uma vergastada com
=o cinto de couro, mas antes do Júlio saltar para o socorrer, =alguém
interveio! Alguém que mostrando os dentes, dava guinchos =selvagens e
ferozes, alguém que tinha os braços muito mais fortes =do que o Lou ou o
Dan. Alguém que gostava do pobre Dino e não ia =deixar baterem-lhe mais!
Era o Pongo. O chimpanzé observara a cena com os seus olhinhos
=inteligentes. Ainda estivera escondido na árvore pois tinha medo do =Lou
e do Dan. Mas ao ouvir os gritos do Dino, saltou da árvore e =correu para
os homens.
Mordeu com força um braço do Lou. Depois mordeu uma perna do Dan. =Os
homens gritavam alto, ainda mais alto do que o pobre Dino havia =gritado.
O Lou acertou com o cinto de couro num ombro do Pongo. O =chimpanzé deu
um grito e saltou para o Lou, com os braços abertos, =apertando o homem
contra ele, tentando morder-lhe a garganta.
O Tigre Dan fugiu pelo monte abaixo, a toda a velocidade, aterrado com o
=chimpanzé. O Lou gritou ao Dino:
— Chama-o! Ele vai matar-me!
— Pongo!—gritou o Dino. — Pára com isso! Pongo! =Anda cá.
140

O Pongo olhou o Dino cheio de surpresa.


— O quê?! —parecia dizer. —Não queres =deixar-me castigar este homem que
estava a bater-te? Bem, bem, se tu o =dizes, é porque lá sabes.
E o chimpanzé, dando ao Lou um último apertão, deixou-o ir. O =Lou seguiu
o Dan, também a toda a velocidade, como se fosse =perseguido por uma
centena de chimpanzés.
O Dino sentou-se, a tremer. O Pongo, não percebendo bem se o seu =querido
amigo estava zangado ou não, foi ter com ele, e pôs uma =pata sobre o
joelho do pequeno. O Dino abraçou o simpático animal, =e ele ficou todo
satisfeito.
O Júlio então saltou do tejadilho da «roulotte» e foi ter =com o Dino.
Sentou-se ao lado dele e deu-lhe um abraço.
— Ia ajudar-te mesmo na altura em que apareceu o Pongo — =disse o Júlio.
— Palavra? — respondeu o Dino, muito reconhecido. — =Tu és um verdadeiro
amigo. Tão bom como o Pongo!
E o Júlio sentiu-se orgulhoso por ser comparado ao chimpanzé, na
=bravura!...

CAPÍTULO XVI - UMA DESCOBERTA SENSACIONAL

- Atenção, alguém se aproxima! — disse o Dino. As vozes =vinham da


estrada. Pouco depois um cão começou a ladrar. — =Não há novidade. É o
Tim e os outros — respondeu o =Júlio com uma alegria indescritível.
Levantou-se e gritou:
— Está tudo bem! Venham!
A Zé, o Tim, o David e a Ana, apareceram na estrada, correndo. =— Olá!—
gritou o David.
— Nós calculávamos que podíamos avançar porque vimos =o Lou e o Dan a
correr ao longe no sopé do monte. Olhem, está ali =o Pongo!
O Pongo apertou a mão do David e depois ia «cumprimentar» o =Tim,
pegando-lhe na cauda. Mas o Tim já o esperava e voltando-se, =estendeu-
lhe a pata. Era muito engraçado ver os dois animais a =cumprimentarem-se
com toda a seriedade.
— Olá, Dino! — exclamou David. — Meu Deus! Que =estiveste a fazer? Parece
que estiveste na guerra!
— E estive — respondeu o Dino, com um sorriso apagado. =Continuava muito
perturbado e não se levantara. O Pongo correu para a =Ana tentando
abraçá-la.
— Olá, Pongo, apertas-me com muita força!
— disse a Ana. — Júlio, aconteceu alguma coisa? Os =homens apareceram?
Tens algumas novidades?
— Muitas—respondeu o Júlio.—Mas o que eu quero =primeiro de tudo é uma
boa bebida.

142

Não bebi nada, durante todo o dia. Vou tomar uma laranjada.
— Estamos todos com sede. Vou buscar cinco garrafas; não, =seis, pois eu
julgo que o Pongo também vai querer uma.
O Pongo gostava imenso de laranjada. Sentou-se na laje com os pequenos e
=segurou o copo que a Ana lhe ofereceu, tal como uma criança. O Tim
=estava um pouco invejoso, mas como não gostava de laranjada não =podia
fazer companhia.
O Júlio começou a contar aos outros tudo o que lhe acontecera e =como se
escondera no tejadilho da «roulotte». Descreveu como os =homens tinham
chegado e tinham ido para baixo da «roulotte» e =depois a haviam puxado.
Todos ouviram de olhos arregalados. Mas que =história!
Depois o Dino contou a sua parte.
— Eu apareci e ia estragando tudo — disse ele, quando o =Júlio chegou à
altura em que os homens estavam a dormir e a =ressonar. Mas, vocês
compreendem, eu tinha de os prevenir. O Lou e o =Dan juraram que haviam
de envenenar o Tim de qualquer maneira, nem que =para isso fosse preciso
dar-lhe um narcótico, metê-lo num saco e =levá-lo para o acampamento. Ou
então darem-lhe uma pancada na =cabeça.
— Que experimentem! — disse a Zé, fora de si, pondo um =braço à volta do
Tim. O Pongo imediatamente foi também =abraçar o Tim.
— E eles disseram que queriam estragar as vossas =«roulottes», talvez
pegar-lhes fogo — continuou o Dino.
As quatro crianças fitaram o Dino, aterradas. — Mas não =podem fazer uma
coisa dessas!

143

— exclamou o Júlio por fim. — Se o fizessem tinham que =prestar contas à


polícia.
— Eu estou só a contar o que eles disseram — continuou =o Dino. — Vocês
não conhecem, como eu, o Lou e o Tigre Dan. =Nada os impede de seguirem
os seus planos ou de afastarem alguém que =se intrometa. Eles tentaram
envenenar o Tim, não tentaram? E o pobre =Ladra-Ladra foi quem sofreu.
— O Ladra-Ladra já está bom? — perguntou a Ana.
— Não — disse o Dino. — Está a morrer, acho =eu. Entreguei-o à Lucília,
para o tratar. Ela tem muito jeito para =os animais doentes. Deixei o
Rosna-Rosna com os outros cães. Com eles =fica em segurança.
Olhou em redor, para os pequenos, com os lábios a tremer, respirando =a
custo, como se estivesse constipado.
— Eu não me atrevo a voltar — disse ele em voz baixa. =— Eu não me
atrevo. Eles matam-me com pancada.
— Tu não precisas de voltar, isso é um caso arrumado =— disse o Júlio com
vivacidade. — Tu ficas aqui =connosco. Nós gostamos muito de te receber.
Foste muito simpático =por nos teres vindo avisar; só foi uma pena teres
sido apanhado. Tu =és o nosso amigo e ficamos todos juntos.
O Dino não era capaz de dizer uma palavra mas os seus olhos =brilhavam.
Passou a mão suja pela cara e sorriu. Abanava a cabeça, =não conseguindo
falar, e os pequenos pensaram como ele era =simpático. Pobre Dino!
Acabaram as laranjadas e o Júlio levantou-se.

144

— E agora — disse ele — vamos ver se conseguimos =descobrir por onde se


sumiram os homens, concordam?
— Óptimo! —exclamou a Zé, que estivera sentada, sem =se mexer, tempo
demasiado para ela.
— Temos de nos meter por baixo da «roulotte», Júlio?
— Acho que sim — disse o Júlio. — Tu, Dino, =sentas-te ali, quieto, e
ficas de guarda, para o caso de o Lou e o Dan =voltarem.
Não lhe passava pela cabeça que eles voltassem, mas percebia que o =Dino
precisava de descansar durante um bocado. O Dino, no entanto, tinha
=ideias diferentes. Também queria participar naquela aventura.
— O Tim é um bom guarda e o Pongo também
— respondeu ele. — Podem pressentir alguém que venha a =uma enorme
distância. Eu vou com vocês.
E lá foi ele com os outros apalpar o chão por baixo da =«roulotte»
ansioso por descobrir qualquer coisa.
Mas era impossível examinar bem o tojo com as «roulottes» mesmo =por cima
da cabeça. Não havia espaço. Tal como acontecera ao =Dan e ao Lou,
depressa compreenderam que tinham de afastar o carro.
Foi preciso empurrarem os cinco, e o Pongo também deu uma ajuda, para
=deslocarem a «roulotte» alguns metros. Depois voltaram a apalpar o
=espesso tapete de tojo.
Este saía facilmente, pela raiz, pois os homens já o haviam puxado =uma
vez naquele dia e depois tinham tornado a plantá-lo. Os pequenos
=arrancaram uma boa porção, ficando um espaço com cerca de metro =e meio
de lado.

145

Começaram então as exclamações:


— Reparem! Há tábuas por baixo do tojo!
— Todas postas a seguir. Para que serão?
— Tirem-nas para fora!
Os rapazes tiraram as tábuas, uma por uma e juntaram-nas dum lado. =Então
viram que as tábuas tapavam a entrada dum buraco fundo.
— Vou buscar a minha lanterna — disse o Júlio. Foi =buscá-la e acendeu-a.
A luz mostrou-lhes uma cavidade escura que ia pelo monte dentro, com
=placas de ferro cravadas de maneira a poder-se descer por elas. Todos
=olhavam, entusiasmados.
— Pensar que pusemos a nossa «roulotte» exactamente sobre a =entrada do
esconderijo dos homens! —exclamou o David. —=Não admira que eles ficassem
zangados! E não admira que eles =mudassem de opinião e nos dissessem que
podíamos acampar ao pé =do lago, em vez de acamparmos aqui!
— Então foi por aqui que os homens se sumiram!— disse o =Júlio.—Onde irá
ter? Eles estiveram lá dentro durante =muito tempo. Foram suficientemente
espertos para colocar outra vez as =tábuas e deitar um bocado de tojo
sobre elas para as esconder, =enquanto estiveram lá em baixo.
O Pongo de repente resolveu descer pelo buraco. E lá foi ele, =procurando
as saliências de ferro com as patas cabeludas, rindo-se =para os
pequenos. Desapareceu lá no fundo. A luz da lanterna do =Júlio já não
conseguia alcançá-lo.—Pongo! Não =te percas aí em baixo!—chamava o Dino
aflito. Mas o Pongo =desaparecera.

147

— Que palerma! — continuou o Dino. — Nunca mais =encontra o caminho para


voltar, se começa a andar lá por baixo. =Tenho de ir procurá-lo. Posso
levar a tua lanterna, Júlio?
— Eu também vou — respondeu o Júlio. — Zé, =não te importas de me
emprestares a tua lanterna?
—Está quebrada — disse a Zé. — Deixei-a cair =a noite passada. E não há
mais nenhuma.
— Que grande aborrecimento!—exclamou o Júlio. — =Gostava de descer com
vocês até lá abaixo, mas não podemos =ir todos só com uma lanterna. Assim
vou só eu com o Dino buscar o =Pongo, dar uma olhadela e voltar para
cima. Talvez veja qualquer coisa =que valha a pena.
O Dino desceu à frente e o Júlio seguiu-o; os outros ajoelharam-se =à
volta do buraco, vendo-os descer, com uma certa inveja. =Desapareceram.
— Pongo!—gritava o Dino.—Pongo! Vem cá, meu =palerma!
O Pongo não fora muito longe. Não gostando da escuridão que =estava ali
em baixo, foi ter com o Dino, mal viu a luz da lanterna. Os =pequenos
encontraram-se numa passagem estreita, no fundo do buraco, que =se
alargava à medida que se dirigia para dentro do monte.
— Deve haver uma gruta em qualquer parte — disse o =Júlio observando à
sua volta à luz da lanterna. — Nós =sabemos que muitas nascentes de água
saem de dentro deste monte. =Tenho a impressão de que através dos tempos
a água foi levando =as matérias menos duras e cavou grutas e túneis no
interior de =todo o monte. Deve ser numa dessas grutas que o Lou e o Dan
guardam =coisas que não querem que ninguém saiba da sua existência.

148

A passagem terminava numa pequena gruta que parecia não ter outra =saída.
Não havia ali nada. O Júlio examinou as paredes.
Viu mais saliências de ferro que subiam pela parede e seguiam até =um
buraco no tecto, que devia ter sido aberto, anos antes, pela água
=corrente. — É por ali que nós vamos — disse ele. =— Anda!
— Não me digas que... — principiou a dizer o Júlio, =aflito, sacudindo a
lanterna com força para tornar a luz mais =intensa. Mas a pilha estava
quase gasta e a luz não melhorou. Ao =contrário, tornava-se cada vez mais
ténue até que se reduziu =apenas a um ponto luminoso.
— Vamos, temos que voltar para trás imediatamente — =disse o Júlio
sentindo-se um pouco assustado. — Não quero =andar por aqui às escuras.
Não me diverte nada.
O Dino agarrou a pata cabeluda do Pongo e agarrou-se também à =camisola
do Júlio. Não se queria perder de nenhum deles. A luz da =lanterna
apagou-se por completo. Agora tinham de procurar o caminho de =regresso
na mais completa escuridão.
O Júlio apalpava à sua volta para encontrar o começo da =passagem que ia
dar ao buraco. Encontrou-a e começou a subir, =tacteando os lados. Não
era nada agradável e Júlio dava =graças a Deus, por ele e o Dino terem
caminhado pouco para dentro do =monte. Seria um autêntico pesadelo, se se
tivessem afastado muito e =depois não pudessem ver o caminho da volta.
Uma luz brilhava ao longe e calcularam ser a luz do dia, passando pela
=entrada do buraco.

149

Começaram a seguir naquela direcção, mais animados. Olharam =para cima e


viram as caras dos outros três pequenos, espreitando, mas =ainda sem os
poderem ver.
— Estamos de volta!—exclamou o Júlio, começando a =subir. — A minha
lanterna apagou-se e não nos arriscámos a =ir muito longe. Mas
conseguimos encontrar o Pongo.
Os outros ajudaram-nos a sair do buraco. O Júlio contou-lhes que vira
=uma abertura no tecto da pequena gruta.
— Por ali é que devem ter ido os homens — disse ele. =— E amanhã, depois
de termos comprado lanternas para todos, =fósforos e velas, é por ali que
seguiremos! Iremos à cidade =comprar o que precisarmos, e voltaremos para
uma Verdadeira =Exploração!
— Afinal sempre temos uma aventura — disse a Ana, com uma =voz apagada.
— Acho que sim — respondeu o Júlio. — Mas tu =podes ficar na quinta
durante o dia com a senhora Mackie, querida Ana. =Não venhas connosco.
— Se vocês vão ter uma aventura, eu também vou! — =declarou a Ana. — Não
posso sonhar que não vou!
— Está bem — concordou o Júlio. — Iremos =todos juntos. E as coisas estão
a tornar-se realmente animadas!
CAPÍTULO XVII - MAIS UMA VISITA DO LOU E DO DAN

Nessa noite ninguém importunou as crianças e o Tim não ladrou =uma só


vez. O Dino dormiu numa pilha de cobertores, na =«roulotte» dos rapazes e
o Pongo encostou-se a ele. O chimpanzé =parecia encantado por ficar com
as cinco crianças. O Tim é que =tinha uns certos ciúmes por estar outro
animal com os pequenos e =não ligava nenhuma ao Pongo.
Na manhã seguinte, depois do pequeno almoço, os pequenos discutiam =quem
devia ir à cidade.
— O Dino com o Pongo não podem ir, porque não os deixam =entrar no
autocarro — disse o Júlio.
— É melhor ficarem aqui.
— Sozinhos? — perguntou o Dino, aflito. — Suponham =que o Lou e o Dan vêm
cá acima? Mesmo com o Pongo ficaria muito =assustado.
— Eu também fico aqui — disse o David.
— Não precisamos de ir todos para comprar as lanternas. Não =te esqueças
de deitar no correio a carta para os pais, Júlio.
Eles haviam escrito uma grande carta aos pais, contando-lhes os
=extraordinários acontecimentos. O Júlio guardou-a na algibeira. =— Fica
descansado que não me esquecerei de a mandar — =disse ele.
— Acho que devemos partir já. Vamos, meninas. Toma =atenção, David, para
o caso de os dois malandros voltarem =aqui.
A Zé, o Tim, a Ana e o Júlio, desceram a encosta.

151

O Tim ia correndo à frente, com a cauda a dar a dar. O Pongo subiu =para
o telhado da «roulotte» vermelha, ficando a vê-los. O Dino =e o David
sentaram-se ao sol, sobre a laje,.com as cabeças apoiadas =em tufos de
verdura macia.
—Está-se bem aqui — declarou o Dino. — Muito =melhor do que lá em baixo.
Gostaria de saber o que pensam que =aconteceu a mim e ao Pongo. Aposto
que o senhor Górgio, o dono do =circo, está zangado por o chimpanzé ter
desaparecido. Naturalmente =manda alguém vir buscar-nos cá acima.
O Dino tinha razão. Tinham mandado duas pessoas para os levar: o Lou =e o
Tigre Dan. Estes vinham a subir por entre o tojo e os fetos, sempre
=alerta por causa do Tim e do Pongo.
O chimpanzé pressentiu-os muito antes de eles aparecerem e avisou o
=Dino. Este ficou muito pálido. Tinha um medo terrível dos dois =patifes.
— Vai para dentro duma das «roulottes» — disse o =David em voz baixa. —
Depressa. Eu ocupo-me desses sujeitos, se =acaso forem eles. E se for
necessário, o Pongo há-de =ajudar-me.
O Dino meteu-se dentro da «roulotte» verde e fechou a porta. O =David
ficou sentado onde estava. O Pongo acomodou-se no telhado da =«roulotte»,
observando.
De súbito apareceram o Lou e o Dan. Eles viram o David, mas não =viram o
Pongo. Olharam em volta procurando os outros.
— Que desejam? — perguntou o David.
— O Dino e o Pongo — respondeu o Lou, com mau modo.—=Eles estão aqui?
— Eles vão ficar a viver connosco — declarou o =David.

152

— Ai isso é que não vão! —exclamou o Tigre Dan. =— Eu sou o encarregado


do Dino, compreendeu? Sou seu tio.
— Que tio tão original!—notou o David. — A =propósito, como está o cão
que vocês envenenaram?
O Tigre Dan ficou vermelho. Tinha o aspecto de quem queria atirar o
=David pelo monte abaixo.
— Tenha cuidado com a língua!—disse ele, a gritar.

153

O Dino, escondido na «roulotte», tremia, ao ouvir a voz zangada do =tio.


O Pongo continuava muito quieto, com os olhos fixos nos dois =homens.
— Bem, o melhor é despedirem-se e irem-se embora — =disse o David, cheio
de calma, ao Dan. — Já lhes disse que o =Dino e o Pongo, por enquanto,
ficam connosco.
— Onde está o Dino? — perguntou o Tigre Dan, prestes a =explodir a sua
cólera. — Esperem até que eu ponha as =mãos nele. Esperem...
Começou a dirigir-se para as «roulottes», mas o Pongo estava =alerta.
Saltou do tejadilho sobre o homem, atirando-o ao chão. =Soltava uns
gritos tão aterradores que o Dan ficou apavorado.
— Chama-o! — suplicou ele. — Vem socorrer-me, =Lou!
— O Pongo não é a mim que obedece — disse o David, =continuando sentado,
impassível. — Seria melhor retirarem-se, =antes que ele comece a fazê-lo
em postas.
Dan cambaleou até à laje, parecendo que queria esmurrar o David. =Mas o
rapaz não se mexia e contudo o Tigre Dan não se atreveu a =tocar-lhe. O
Pongo largou-o e ficou a observá-lo, com os seus grandes =braços peludos
pendendo, pronto para correr sobre os homens se =qualquer deles tentasse
aproximar-se.
O Tigre Dan apanhou uma pedra e logo, rápido como um relâmpago, o =Pongo
atirou-se a ele outra vez e fez o homem rolar pela encosta. Lou =fugiu,
espavorido. Dan levantou-se e também fugiu, gritando =furiosamente. O
Pongo perseguia-os, muito divertido. Por sua vez, =também ele apanhou
umas pedras

154

e atirou-as com tão boa pontaria que depressa o David começou a =ouvir
gritos de dor.
O Pongo voltou, parecendo muito satisfeito consigo mesmo. Foi até =à
«roulotte» verde, enquanto o David gritava ao Dino:
— Está tudo bem, Dino. Eles foram-se embora. O Pongo e eu =ganhámos a
batalha!
O Dino apareceu. O Pongo abraçou-o e começou a fingir que lhe =falava ao
ouvido. O Dino estava bastante envergonhado.
— Sou muito cobarde, não sou? — disse ele. — =Deixar-te aqui sozinho!
— Diverti-me muito — respondeu o David com =convicção. — E estou certo
que o Pongo também =gostou.
— Tu não sabes como o Lou e o Dan são perigosos — =disse o Dino, olhando
a encosta para se certificar que os homens tinham =realmente fugido. —
São capazes de fazer mal sem motivo. Eles =queriam queimar as vosssas
«roulottes», deitá-las pelo monte =abaixo, envenenar o vosso cão e
fazerem-lhes todo o mal que pudessem. =Tu não os conheces como eu!
— Sabes, nós temos vivido várias aventuras cheias de =emoções, onde
aparecem homens tão maus como o Lou e o Dan =— disse o David. — Nós
acabamos sempre por nos meter no =meio duma ou outra aventura. Nas férias
passadas fomos para um lugar =chamado o Monte dos Contrabandistas e tu
nem calculas as aventuras que =ali tivemos! Nem acreditarias!
— Conta-nos, a mim e ao Pongo! — pediu o Dino, sentando-se =ao lado do
David. — Temos muito tempo até os outros =voltarem.

155

Então o David começou a contar todas as outras fantásticas =aventuras do


Cinco, e o tempo depressa se passou. Ambos ficaram =surpreendidos quando
ouviram o Tim ladrar ao longe e perceberam que os =outros estavam de
volta.
A Zé apareceu correndo, com o Tim. — Vocês estão bem? =Aconteceu alguma
coisa enquanto estivemos fora? Sabem, nós vimos o =Lou e o Dan a subirem
para o autocarro, quando nós íamos a descer. =Levavam malas, como se
pensassem ir para longe e ficar por lá.
O Dino ficou logo radiante. — Palavra? Que bom! Eles vieram cá =acima e o
Pongo atirou-os pelo monte abaixo. Devem ter ido depois ao =acampamento,
fizeram as malas e foram apanhar o autocarro. Viva!
— Arranjámos umas lanternas muito boas
— disse o Júlio, mostrando a sua ao David. — Muito =potentes. Aqui está
uma para ti, David, e outra para ti, Dino.
— Oh, muito obrigado — disse o Dino. Em seguida ficou =muito corado. — Eu
não tenho dinheiro suficiente, para lhes =pagar uma lanterna tão boa —
disse ele, embaraçado.
— É um presente para ti — explicou a Ana imediatamente. =— Um presente
para um amigo nosso, Dino!
— Então, mil obrigados! —disse o Dino, cheio de =gratidão. — Nunca tive
um presente, até hoje. Vocês =são muito amáveis, lá isso é verdade.
O Pongo estendeu a pata para a Ana, soltando uns guinchos, como se
=quisesse dizer: — E se me dessem uma também?

156

— Oh, não trouxemos uma para o Pongo!


— exclamou a Ana. — Que pena!
— Ainda bem que não trouxeram — disse o Dino. — =Passaria o tempo a
acendê-la e a apagá-la e num instante se =acabava a pilha.
— Vou dar-lhe a minha lanterna velha — lembrou a Zé. =— Está partida, mas
ele não se importará com isso!
O Pongo ficou encantado. Carregava no botão que fazia acender a luz e
=quando a apagava olhava para o chão, como se a luz tivesse fugido da
=lanterna, lá para fora. Os pequenos riam-se. Mas o Pongo gostava que
=fizessem troça dele. Começou a dançar à volta das =crianças para lhes
mostrar como estava satisfeito.
— Oiçam uma coisa, não será uma boa altura para =descermos, agora que
sabemos que o Lou e o Dan estão longe? — =perguntou o Júlio de repente. —
Se levaram malas com eles, com =certeza isso significa que passam a noite
fora e que não voltarão =pelo menos até amanhã. Estaremos à vontade, se
formos agora =lá abaixo.
— Concordo!—exclamou a Zé, com vivacidade.— =Estou ansiosa por fazer
descobertas!
— Primeiro vamos arranjar qualquer coisa para comer — =disse o David. —
Já passa muito da hora do almoço. Deve ser =uma e meia.
— A Zé e eu vamos preparar-lhes uma boa refeição —= disse a Ana. —
Passámos pela quinta, quando viemos para cima, =e trouxemos uma
quantidade de óptima comida. Anda, Zé.
A Zé levantou-se com pouca vontade. O Tim seguiu-a.

157
Depressa as duas pequenas estavam muito ocupadas a preparar um =magnífico
almoço e todos se sentaram na laje, para o saborear.
— A senhora Mackie deu-nos hoje de presente esta enorme =«tablette» de
chocolate — disse a Ana, mostrando-a ao David =e ao Dino. — Não foi
simpática? Não, Pongo, não é =para ti; come as tuas sanduíches com termos
e não as =esmigalhes.
— Proponho que levemos connosco alguma comida, lá para =baixo—disse o
Júlio.—Pode ser que nos demoremos muito =tempo e não poderemos voltar à
hora do lanche.
— Ui, um piquenique dentro do monte! —exclamou a Ana. =— Vai ser
sensacional. Vou meter alguma comida dentro dum saco. =Não estou para
fazer sanduíches. Levamos um pão inteiro, =manteiga, fiambre e um bolo, e
cortamos o que quisermos. E se =levássemos qualquer coisa para beber?
— Se tivermos sede, podemos esperar até voltarmos — =disse o Júlio.
A Zé e o Dino levantaram a mesa e foram lavar os pratos. A Ana =embrulhou
os alimentos em papel vegetal e arrumou tudo com cuidado =dentro do saco,
para o Júlio levar. Também meteu no saco a =«tablette» de chocolate.
Seria agradável comerem nos momentos =difíceis.
Finalmente estava tudo pronto. O Tim abanava a cauda. Ele sabia que iam
=a qualquer parte.
Todos cinco empurraram a «roulotte» por alguns metros, para a =abertura
ficar à vista. Na noite anterior tinham puxado a =«roulotte» para o lugar
do costume, não fossem o Lou e o Dan =querer entrar pelo buraco. Ninguém
podia lá ir, estando a =«roulotte» por cima.

158

Os pequenos tiraram as tábuas, afastando-as para um lado. Logo que o


=Pongo viu a abertura, recuou assustado.
— Está a lembrar-se da escuridão — disse a Zé. =— Vamos, Pongo. Não vai
haver novidade. Todos temos =lanternas!
Mas nada convencia o Pongo a descer por aquele buraco. Chorou como uma
=criança, quando o Dino tentou obrigá-lo.
— Não é possível — disse o Júlio. — =Tens de ficar aqui com ele.
— E perder todo o divertimento! — gritou o Dino indignado. =—Isso é que
não! Podemos prender o Pongo a uma roda do =carro, para ele não sair
daqui. O Lou e o Dan estão longe e não =há ninguém mais que vá atacar um
chimpanzé do tamanho do =Pongo. Vamos prendê-lo.
Assim o Pongo foi preso com segurança a uma das rodas duma das
=«roulottes». — Ficas aí como um menino bonito, até =nós voltarmos —
disse o Dino, colocando perto uma vasilha com =água,, para o caso de ele
ter sede. — Nós voltamos =depressa!
O Pongo ficou triste ao vê-los partir, mas nada o faria entrar outra =vez
naquele buraco! Assim viu os pequenos a desaparecerem, um por um. O =Tim
também saltou lá para dentro e depois todos se foram. =Principiava outra
aventura? Que aconteceria agora?

CAPÍTULO XVIII - DENTRO DO MONTE

Cada pequeno vestira mais uma camisola, por ordem do Júlio, pois ele
=calculava que devia estar frio dentro do monte. Emprestaram ao Dino uma
=camisola velha do David. Logo que começaram a andar pela passagem
=escura, que conduzia à primeira gruta, ficaram satisfeitos por =trazerem
mais abafos, pois o ar era muito frio. Chegaram à pequena =gruta e o
Júlio mostrou-lhes,, à luz da lanterna, onde estavam as =placas de ferro
que subiam pela parede até uma abertura no tecto.
— É extraordinário! — exclamava a Zé, emocionada. =— Eu gosto deste
género de coisas. Onde irá dar aquela =abertura do tecto? Eu vou à
frente.
— Não vais — disse o Júlio, com firmeza. — Eu =vou primeiro. Não sei o
que poderá estar lá em cima!
Começou a subir, segurando a lanterna com a boca, pois precisava das
=duas mãos para trepar. As placas de ferro eram fortes e estavam bem
=cravadas na parede, por isso a subida tornava-se bastante fácil.
Chegou à abertura do tecto e meteu a cabeça por ali. Deu um grito =de
admiração.
— Meu Deus. Há aqui uma gruta ENORME! É maior do que seis =salas de baile
juntas, e as paredes brilham; acho que é =fosforescência.
Entrou pela abertura, ficando no chão da gruta imensa. As paredes
=cintilavam,

160

com uma luz especial e o Júlio apagou a lanterna. Via-se bem só =com a
luz fosforescente que havia na gruta.
Chegaram os outros, um por um, ficando todos maravilhados. — É =como a
gruta de Aladino! — disse a Ana. — Não é uma =luz tão esquisita a que vem
das paredes e também do tecto, =Júlio?
O David e a Zé tiveram uma certa dificuldade em levar o Tim para a
=gruta, mas por fim conseguiram. O Tim não gostou da luz que cintilava
=por toda a parte, mas conformou-se, quando a Zé lhe fez festas.
Os cinco pequenos examinaram todos os recantos e fendas da gruta
=cintilante.

161

— Que gruta enorme! — disse o David.


— Acham que é aqui que os homens guardam qualquer coisa?
O Júlio acendeu outra vez a lanterna e começou a examinar tudo =à sua
volta, iluminando os cantos mais escuros.
— Não vejo nada aqui escondido — disse ele.
— Mas acho que devemos procurar melhor antes de continuarmos.
Assim os cinco pequenos examinaram todos os recantos e fendas da gruta
=cintilante, mas não encontraram nada. O Júlio de repente soltou =uma
exclamação e apanhou qualquer coisa.
— Uma ponta de cigarro!—disse ele.—Isto significa =que o Lou e Dan
estiveram aqui. Vamos ver se há outra saída nesta =gruta.
Na outra extremidade, a meia altura da parede cintilante, havia um
=buraco espaçoso, como um túnel. O Júlio subiu para ali e chamou =os
outros.
— Este é o caminho que eles seguiram. Está um fósforo =meio ardido, mesmo
aqui à entrada deste túnel.
Era um túnel curioso. Nalguns sítios não era mais alto do que =os ombros
dos pequenos e parecia dirigir-se para o interior do monte. O =Júlio
pensava que em tempos devia ter corrido água ali. Mas agora =estava
completamente seco. O chão do túnel era muito liso, como se =uma corrente
o tivesse escavado por muitos e muitos anos.
— Espero que não se meta na cabeça da corrente desatar a =correr outra
vez! —gracejou a Zé.
— Ficávamos bem molhados!
O túnel continuava e a Ana começou a pensar que ele não devia =ter fim.
Mas a certa altura a parede de um dos lados alargou-se,
163

na parte de cima, fazendo um grande banco de pedra. O Júlio ia à =frente


e iluminou com a lanterna aquela cavidade.
— Vejam! — gritou ele. — É aqui que os homens =guardam as coisas! Há um
grande monte de objectos!
Os outros rodearam-no, o mais chegados que podiam, cada qual com a sua
=lanterna acesa. Na espaçosa prateleira cavada na rocha estavam caixas =e
embrulhos, sacos e caixotes. Os pequenos fitavam tudo aquilo, =pasmados.
— Que contêm? — perguntou o Dino cheio de curiosidade. =— Vamos ver!
Pousou a lanterna e desatou um saco. Meteu a mão lá dentro e =trouxe para
fora um prato de ouro brilhante.
— Céus! — exclamou o Dino. — Então era isto =que a polícia procurava o
ano passado quando fizeram uma busca no =acampamento! E estava tudo aqui
escondido! Olhem para estas coisas! Com =seiscentos macacos, devem ter
roubado o próprio Rei!
O saco estava cheio de lindas peças de ouro; chávenas, pratos e =pequenos
serviços. As crianças colocaram tudo sobre a pedra. Como =brilhavam à luz
das lanternas!
— Eles são ladrões de grande estilo — disse o =Júlio. — Sobre isso não há
dúvidas. Vamos ver o que =contém esta caixa.
A caixa não estava fechada à chave e a tampa abriu-se com =facilidade. Lá
dentro via-se uma peça de porcelana, um vaso tão =frágil que parecia
poder quebrar-se só com um sopro.
— Eu não percebo nada de porcelanas — declarou o =Júlio.

164

— Mas acho que esta peça deve ser uma preciosidade. Um =coleccionador de
porcelanas daria por isso uma fortuna. Que grandes =patifes são o Lou e o
Dan!
— Olhem para aqui! —exclamou a Zé, tirando várias =caixas de couro para
fora de uma mala.
— São jóias!
Abriu as caixas. Os pequenos ficaram maravilhados. Havia diamantes com
=reflexos chamejantes, rubis luzindo, esmeraldas a brilhar, colares,
=pulseiras, anéis e broches. As mais belas coisas luziam à luz das =cinco
lanternas.
Havia uma caixa com uma tiara que parecia feita só de grandes =diamantes.
Ana tirou-a da caixa, com cuidado, e pô-la na =cabeça.
— Sou uma princesa! Esta é a minha coroa
— disse ela.
— Estás linda! — exclamou o Dino, cheio de =admiração. — Estás tão bonita
como a Delfina, a que =faz habilidades nos cavalos, quando aparece em
cena, montada no seu =cavalo, com jóias a brilhar por toda a parte.
A Ana pôs colares e pulseiras, sentando-se no banco de pedra como uma
=princesinha, resplandecente de jóias magníficas. Depois tirou-as e
=guardou-as com cuidado nas caixinhas forradas de cetim.
— Mas que colheita têm feito aqueles dois malandros! — =disse o Júlio,
tirando algumas pratas doutro saco. — Devem ser =ladrões de primeira
ordem.
— Eu sei como eles trabalham — disse o David.
— O Lou é um óptimo acrobata, não é? Naturalmente =trepa pelas paredes e
pelos telhados e entra pelas janelas.

165
O Tigre Dan deve ficar em baixo, à espera, e apanha tudo quanto o =outro
lhe atira.
— Deves ter razão — concordou o Dino, agarrando uma =linda chávena de
prata. — O Lou pode subir a qualquer parte, =pela hera ou pelos canos e
até se ele subisse pela parede nua duma =casa, eu não me admiraria! E
saltar! Consegue saltar como um gato! O =Tigre Dan e ele devem vir
praticando os seus roubos, desde há muito, =creio eu. Agora já percebo
onde ia o Tigre Dan durante a noite, =quando andávamos de terra em terra
e eu acordava e não o via =deitado no carro.
— Tenho a impressão de que guarda os objectos roubados naquele =vagão que
tu nos mostraste
— lembrou o Júlio. — Até nos contaste como ele ficou =zangado contigo,
uma vez que tu ias lá mexer. Naturalmente guardam =tudo ali e cada ano,
ele e o Lou, vêm meter tudo neste esconderijo, =até que a polícia desista
de procurar as coisas roubadas; depois =levam aos poucos o que podem
vender em qualquer parte, sem perigo.
— Uma ideia bem inteligente — disse o David.
— Que boas oportunidades eles têm, andando de lugar para =lugar, ouvindo
falar de pratas ou jóias famosas, escapando-se de =noite, e o Lou a subir
pelas paredes e a entrar nos quartos, como um =gato. Só gostava de saber
como encontraram este sítio, que é o =melhor dos*esconderijos!
— Tens razão. Ninguém deve nem sonhar que ele existe! =— disse a Zé.
— E então nós viemos pôr a nossa «roulotte» mesmo =em cima da entrada,
logo na altura em que eles queriam trazer umas =coisas cá para dentro

166

e tirar outras — disse o Júlio. — Como devem ter ficado =aborrecidos!


— Que vamos fazer agora? — perguntou o David.
— Sem dúvida dizer à polícia — respondeu o =Júlio prontamente. — Não
concordam? Palavra que gostava de =ver a cara do primeiro polícia que
deparar com todos estes =objectos.
Puseram tudo como haviam encontrado, com cuidado. O Júlio iluminou a
=continuação do túnel.
— Vamos seguir até mais longe, ou não? — perguntou =ele. — Reparem que
continua.
— É melhor voltarmos para trás — aconselhou o Dino. =— Agora que
encontrámos as coisas roubadas é melhor =pôrmo-nos já em acção...
— Vamos só ver onde chega o túnel — pediu a Zé. =— Não levará um minuto.
— Está bem — disse o Júlio, que também queria =continuar pelo túnel. E
foi andando à frente, com a lanterna =acesa.
O túnel desembocava noutra gruta não tão grande como a =anterior. Numa
das extremidades, qualquer coisa brilhava como prata e =parecia mover-se.
Também vinha dali um ruído especial.
— O que é aquilo? — perguntou a Ana assustada. Pararam =a ouvir.
— Água! — exclamou o Júlio, de repente.
— É com certeza! Não ouvem o barulho da água a correr? =É uma corrente
subterrânea passando através do monte, à =procura duma abertura por onde
possa sair.
— Como aquela corrente que nós vimos antes de chegar ao nosso
=acampamento — lembrou a Zé.
— Corria para fora do monte, lembram-se? Pode ser que seja esta =mesmo.

167

— Julgo que é — disse o David. Aproximaram-se para a =observar. Corria


por um rego cavado junto da parede da gruta.
— Talvez em tempos tenha corrido através desta gruta e tenha =cavado o
túnel por onde acabámos de passar — disse o =Júlio. — Reparem, há uma
grande quantidade de regos no =chão da gruta; a corrente deve ter passado
por aqui, em tempos. =Depois, por qualquer motivo, tomou outro caminho.
— Voltemos para trás — pediu o Dino. — Estou em =cuidado, por causa do
Pongo. E estou cheio de frio. Voltemos para o sol, =para comermos
qualquer coisa. Afinal não me apetece nada um =piquenique aqui em baixo.
— Está bem — concordou o Júlio, e voltaram para o =túnel. Passaram pela
prateleira de pedra onde estava o tesouro e =chegaram por fim à enorme
gruta cintilante. Atravessaram-na, chegando =à abertura que dava para a
gruta pequena. Desceram pela parede, o =Júlio e a Zé levando o Tim entre
os dois, o que era difícil por =o Tim ser um cão muito grande.
Depois seguiram pela passagem que ia até à abertura. Todos se =sentiam
satisfeitos com a ideia de voltar para o ar livre.
— Ainda não vejo nenhuma luz do dia a brilhar na abertura =— disse o
Júlio, intrigado. — Mas devemos estar =perto.
Subiu e bateu contra uma parede lisa, ficando surpreendido. Onde estava
=a abertura? Ter-se-iam enganado no caminho? Então levantou a lanterna =e
viu a entrada do buraco. Mas não havia luz passando por ali!

168

— Meu Deus! — exclamou o Júlio aterrado.


— Que pensam vocês que aconteceu?
— Que foi? — perguntaram, cheios de pânico.
— O buraco está fechado! — explicou o Júlio.
— Não podemos sair! Alguém esteve lá em cima e colocou =outra vez as
tábuas. E até aposto que também puxaram a =«roulotte». Não podemos sair!
Todos olhavam para a entrada tapada, muito aflitos. Estavam
=aprisionados.
— Que vamos fazer? — perguntou a Zé. — Júlio, =que vamos nós fazer?!

CAPÍTULO XIX - PRESOS NO SUBTERRÂNEO

O Júlio não respondeu. Estava furioso consigo, por não ter =previsto que
aquilo podia acontecer. Ainda que tivessem visto o Lou e o =Dan a entrar
para o autocarro, com as malas, podia ser muito bem que =eles não
tencionassem passar a noite fora. As malas podiam conter =coisas para
vender; objectos roubados de qualquer espécie.
— Eles regressaram depressa e subiram ao monte, naturalmente para
=tentarem outra vez levar o Dino e o Pongo — disse o Júlio, =muito
agitado. — Que idiota que eu fui por deixar as coisas =acontecerem desta
maneira. Bem, vamos tentar afastar aquelas tábuas; =com um pouco de
sorte, talvez se consiga.
Fizeram os possíveis e conseguiram afastá-las um bocado. Mas tal =como o
Júlio temia, tinham puxado a «roulotte» para cima do =buraco e, mesmo
afastando algumas tábuas, era impossível =saírem.
— Talvez o Pongo nos possa ajudar — lembrou o Júlio de =repente. Começou
a gritar com força. — Pongo! Pongo! Vem =ajudar-nos!
Ficaram quietos, esperando ouvir o Pongo a guinchar ali perto ou
=arranhando as tábuas pela parte de cima. Mas não havia nenhum =sinal do
Pongo.
Todos chamaram, mas sem resultado. O Pongo não aparecia. Que lhe =teria
acontecido? O pobre Dino estava muito aflito.

171
— Gostava de saber o que lhe sucedeu — não parava de =dizer. — Pressinto
que aconteceu qualquer coisa horrível ao =pobre Pongo. Onde poderá estar?
O Pongo não estava muito longe. Estava deitado, com a cabeça a =sangrar.
Completamente inconsciente, não podia ouvir os apelos =insistentes dos
pequenos. Coitado do Pongo!
O que o Júlio temia tinha realmente acontecido. O Lou e o Dan haviam
=subido ao monte, levando dinheiro para resolver o Dino e o Pongo a
=voltarem com eles. Quando chegaram perto das «roulottes», pararam,
=chamando com força:
— Dino! Dino! Viemos fazer as pazes e não para te bater! Temos =dinheiro
para ti. Sê um rapazinho sensato e volta ao acampamento. O =senhor Górgio
anda à tua procura.
Como não ouvissem nenhuma resposta, os homens aproximaram-se. =Então
viram o Pongo e pararam. Mas o chimpanzé não podia =atacá-los porque
estava preso à «roulotte». Ficou ali, =guinchando, zangado.
— Onde teriam ido os miúdos? — perguntou Lou. Nessa =altura viu que a
«roulotte» estava um pouco afastada e =imediatamente adivinhou.
— Encontraram o caminho para o subterrâneo! Repara, afastaram =uma das
«roulottes» de cima do buraco. Que vamos nós fazer =agora?
— Primeiro isto — respondeu o Tigre Dan com uma voz =terrível, apanhando
uma pedra enorme. Atirou-a com toda a força =sobre o pobre Pongo, que
tentou desviar-se; mas a corda não o deixou =e a pedra apanhou-o mesmo em
cheio, na cabeça.

172

Soltou um grande grito e caiu logo, ficando imóvel.


— Mataste-o — disse o Lou.
— Tanto melhor! — respondeu o Tigre Dan. — Agora =vamos ver se a entrada
para o buraco está aberta. Aqueles miúdos =precisavam que lhes
torcêssemos o pescoço.
Aproximaram-se do buraco e perceberam imediatamente que tinha sido
=aberto e que os miúdos deviam estar lá em baixo.
— Foram lá abaixo — disse o Tigre Dan, tremendo de =raiva. — Vamos descer
também, enten-demo-nos com eles, =trazemos a mercadoria e pomo-nos a
andar. De qualquer maneira =tencionávamos irmo-nos embora amanhã. Podemos
igualmente tirar =agora a mercadoria.
— Estás doido! À luz do dia, com alguns dos homens da =quinta por aqui
perto, podendo ver-nos? És muito inteligente, não =és?
— Tens alguma ideia melhor? — perguntou o Tigre Dan.
— Porque não seguimos o nosso plano? — disse o Lou. =— Vamos lá abaixo
quando escurecer e juntamos a mercadoria. =Podemos trazer o nosso vagão
até aqui, como tencionávamos. =Não precisamos de nos incomodar obrigando
os miúdos a partirem =agora. Estão no subterrâneo, e nós podemos tê-los
como =nossos prisioneiros até estarmos prontos para não voltarmos =mais.
— Compreendo — disse o Dan, com um sorriso mau, mostrando =os dentes
feios. — Vamos tapar o buraco e pôr a =«roulotte» por cima. Voltamos logo
à noite, com o vagão. =Descemos, juntamos tudo e fechamos novamente o
buraco,

173

deixando os miúdos lá dentro. Depois mando um postal ao Górgio, =quando


estivermos a salvo, dizendo-lhe para vir cá acima libertar os =pequenos.
— Para que te vais incomodar a fazer isso?
— perguntou o Lou, cheio de crueldade. — Deixa-os morrer =à fome nos
subterrâneos; trata aqueles insuportáveis =intrometidos como eles
merecem.
— Não podemos fazer isso — disse o Dan.
— A polícia depois procurava-nos mais do que nunca. Temos que =levar
alguma comida lá abaixo para eles se manterem até serem =postos em
liberdade. Não serve para nada matá-los à fome. Seria =um escândalo
terrível se fizéssemos uma coisa dessas.
Os dois homens colocaram com cuidado as tábuas sobre a entrada do =buraco
e tornaram a tapar tudo com o tojo. Depois puxaram a =«roulotte» para
cima da abertura. Olharam para o Pongo. O =chimpanzé continuava deitado
de lado, e os homens podiam ver a ferida =enorme que ele tinha na cabeça.
— Não está morto — disse o Lou, dando-lhe um =pontapé. — Vai ficar bom. É
melhor deixá-lo. Pode voltar =a si e querer atacar-nos se o levarmos para
o acampamento. Não pode =fazer-nos nenhum mal, esta noite, assim atado
como está.
Foram-se embora pela estrada. Não tinham passado dez minutos quando =os
pequenos chegaram ao buraco e o encontraram fechado! Bastava que =não
tivessem seguido pelo túnel até ao fim, para chegarem a =tempo de saírem
e largarem o Tim contra os dois homens.
Agora já era tarde. O buraco estava bem fechado. Ninguém podia =sair.

174

Ninguém podia encontrar o pobre Pongo e tratar-lhe da ferida. Estavam


=realmente aprisionados.
Não se sentiam nada satisfeitos. A Ana começou a chorar, embora =não
quisesse que os outros vissem. O Dino percebeu como ela estava =aflita e
tentou animá-la.
— Não chores, Anita — dizia ele. — Nada nos =acontecerá.
— Não adianta ficarmos aqui — disse o Júlio por =fim. — Vamos para
qualquer sítio mais confortável, para nos =sentarmos, conversarmos e
comermos. Estou com fome.
Desceram todos até à passagem, subiram pela parede, entraram pela
=abertura do tecto e voltaram à gruta enorme. Encontraram um canto com
=areia e sentaram-se ali. O Júlio entregou o cesto à Ana, e esta =abriu-o
para tirar a comida.
— É melhor deixarmos só uma lanterna acesa — disse o =Júlio. — Não
sabemos durante quanto tempo estaremos aqui. E =não podemos ficar às
escuras.
Todos apagaram imediatamente as lanternas. A ideia de se perderem na
=escuridão, não era nada agradável! A Ana foi distribuindo =fatias de pão
com manteiga e os pequenos juntavam-lhes fatias do =delicioso fiambre da
senhora Mackie.
Sentiram-se muito melhor quando acabaram de comer.
— Soube-me tudo muito bem — afirmou o David. — =Não, Ana, é melhor não
comermos o chocolate. Podemos =guardá-lo para mais tarde. Estou cheio de
sede!
— Também eu — disse o Dino. — Tenho a língua =de fora, como o Tim. Vamos
beber água.

175

Há uma corrente na outra gruta, a seguir ao túnel, não há? =Podemos ir


ali beber. Não nos deve fazer mal.
— Espero que não — respondeu o Júlio. — =Disseram-nos para não bebermos
água que não estivesse fervida, =mas nunca se pensou que nos aconteceria
uma coisa destas! Vamos até =à gruta mais pequena.
Começaram a andar pelo túnel, longo e sinuoso, passando pela =prateleira
dos objectos roubados. Seguiram, chegando à gruta onde a =água corria
rapidamente. Mergulharam as mãos e beberam com =sofreguidão. A água sabia
muito bem, e estava muito límpida e =fresca.
O Tim também bebeu. Esta aventura intrigava-o, mas, como estava com a
=Zé, sentia-se feliz. Se a sua dona agora resolvesse passar a viver =nos
subterrâneos, como uma toupeira, estava tudo muito certo, desde =que ele,
Tim, ficasse com ela.
— Gostava de saber se esta corrente vai dar àquele buraco da =encosta,
saindo por ali — disse o Júlio subitamente. — =Se assim fosse podíamos
segui-la e talvez conseguíssemos sair =lá para fora.
— Ficamos todos molhados — disse a Zé. — Mas =isso não tem importância.
Vamos ver se conseguimos seguir pela =água.
Assim fizeram, seguindo por um túnel no género do que estava =seco, por
onde tinham vindo. O Júlio levava a lanterna acesa.
— Julgo que conseguimos passar — disse o Júlio. —= A corrente é muito
rápida, mas pouco profunda. Eu vou um bocado =sozinho, para ver onde vai
dar, e volto já para lhes dizer.
— Não — disse logo a Zé. — Se tu vais, vamos =todos.

176

Podias ficar separado de nós, e isso seria horrível.


— Está bem — condescendeu o Júlio. — Apenas =pensei que não valia a pena
molharmo-nos todos. Era só por isso. =Mas então vamos!
Um por um, meteram-se na corrente que corria muito rápida. Mas ali =só
lhes dava pelos joelhos. Continuavam, com as lanternas acesas, =tentando
adivinhar onde os levaria o túnel.
O Tim caminhava e nadava. Não estava a gostar daquele negócio da =água.
Parecia-lhe estúpido. Ele ia à frente do Júlio e a =certa altura saltou
para uma pedra que se prolongava ao lado da =água.
— Boa ideia, Tim — disse o Júlio, trepando para ali =também. Tinha que se
curvar um bocado, enquanto caminhava, pois se =não o fizesse a cabeça
tocava no tecto do túnel; mas pelo menos =tinha as pernas fora da água
tão fria. Todos fizeram o mesmo e, =enquanto a pedra continuou ao lado da
corrente, caminharam por ali.
Mas de vez em quando desaparecia e eles tinham de seguir por dentro da
=água, que começava a tornar-se mais funda. — Céus! =Dá-me quase pela
cintura! — exclamou a Ana. — Espero =que não se torne mais profunda.
Estou a segurar a roupa o mais alto =que posso, mas depressa ficará
ensopada.
Felizmente a corrente não se tornou mais profunda, mas corria com =mais
rapidez.
— Estamos a descer — disse o Júlio, por fim. — =Naturalmente já estamos
perto do lugar onde a corrente sai pela =encosta do monte.
E estavam!

177

A alguma distância, o Júlio viu aparecer uma luz ténue e =começou a


pensar o que poderia ser. Depressa compreendeu! Era a luz =do dia,
passando através da água que saía por um buraco da =encosta.
— Estamos quase a chegar! — gritou o Júlio. — =Vamos!
Com os corações mais leves, as crianças caminhavam pela =água. Em breve
estariam lá fora, a aquecer-se ao sol. Haviam de =encontrar o Pongo,
correr pela encosta, e apanhar o primeiro autocarro =para irem prevenir a
polícia. Mas não aconteceu nada assim. Com o =maior dos desapontamentos,
os pequenos viram que a corrente se tornava =demasiado profunda para
continuarem. O Dino parou, amedrontado. — =Eu não me atrevo a ir mais
longe — declarou ele. — =Estou quase a perder o pé.
— Também eu — disse a Ana, assustada.

178

— Talvez eu consiga nadar — disse o Júlio, começando =a dar braçadas. Mas


desistiu, desanimado, porque a corrente era =fortíssima e ele teve medo
de ser atirado contra as rochas dos lados =e partir a cabeça.
— Não vale a pena — disse ele, desanimado. — =Molhámo-nos todo este
tempo, para nada. É muitíssimo perigoso. =E contudo a luz do dia está só
a alguns metros. É para uma =pessoa ficar desesperada.
— Voltemos para trás — disse a Zé. — Tenho =medo que o Tim se afogue. E
pensar que temos de andar outra vez todo o =mesmo caminho!

CAPÍTULO XX - MAIS EMOÇÕES

Era um grupinho muito triste e desanimado o que voltava pelo túnel =até à
gruta.
Lá iam os pequenos, devagar e com custo, pois não era tão =fácil, contra
a corrente. O Júlio tiritava; estava completamente =molhado por ter
tentado nadar.
Chegaram por fim à gruta, onde a água passava suavemente. — =Vamos correr
aqui à volta, para aquecermos — lembrou o =Júlio. — Eu estou gelado;
David, empresta-me uma das tuas =camisolas secas. Tenho que tirar estas
duas, ensopadas.
Os pequenos correram à volta da gruta, organizando corridas, só =para
aquecer. Acabaram por ter calor e sentaram-se num monte de areia,
=arquejantes. Estiveram ali sentados por uns momentos, descansando.
Depois ouviram qualquer coisa. O Tim foi o primeiro a ouvir e começou =a
ladrar.
— Com seiscentos macacos, que se passa com o Tim? — =perguntou o Dino,
assustado. De todos era o Dino quem se assustava com =mais facilidade.
Naturalmente por causa das aflições que passara =naqueles últimos dias.
Todos escutaram, a Zé com a mão agarrada à coleira do Tim. Este
=continuou a ladrar. O barulho que todos ouviam parecia uma =respiração
ofegante, vinda da corrente que chegava até à =gruta!

180

— Alguém está a caminhar contra a corrente — =murmurou o David, muito


admirado. — Terá vindo pela entrada a =que nós não conseguimos chegar?
Com certeza que sim!
— Mas quem será? — perguntou o Júlio. — =Não pode ser o Lou ou o Dan. Não
viriam por aquele lado, podendo =vir pelo melhor caminho. Schiu! Seja
quem for, está a chegar à =gruta. Vou apagar a lanterna.
Ficou uma completa escuridão, quando se apagou a lanterna do =Júlio.

181

Todos se puseram a escutar. O pobre Dino estava a tremer. O Tim não


=ladrou mais, o que era para admirar. Na verdade, nem mesmo abanava a
=cauda! QUEM seria?
Ouviram uma espécie de suspiro do outro lado da gruta e depois uns
=passos ligeiros, em direcção a eles. A Ana sentia vontade de =gritar.
Quem seria?
O Júlio acendeu a lanterna de repente e todos viram uma figura =cabeluda
parar sob aquela luz viva. Era o Pongo!
— É o Pongo — gritaram, correndo para ele. O Tim =também se aproximou do
chimpanzé, farejando à sua volta, =encantado. O Pongo abraçou o Dino e a
Ana.
— Pongo! Tu fugiste! Deves ter mordido a corda! — disse o =Júlio. — Que
esperto que foste encontrando o caminho =através da corrente que sai lá
para fora. Como sabias tu que =vinhas encontrar-nos? Que esperto!
Nessa altura reparou na ferida da cabeça do pobre Pongo.
— Olhem! — disse o Júlio. — Está ferido! Acho =que aqueles brutos lhe
atiraram com uma pedra. Coitado do Pongo!
— Vamos lavar-lhe a ferida — disse a Ana. — Posso =servir-me do meu
lenço.
Mas o Pongo não deixava ninguém tocar-lhe na ferida, nem mesmo o =Dino.
Não se zangava nem guinchava; apenas punha as mãos à sua =frente e
recusava-se a baixá-las. Por isso ninguém lhe podia lavar =a ferida ou
ligá-la.
— Não faz mal — disse o Dino, por fim. — As =feridas dos animais muitas
vezes saram depressa sem lhes darmos =atenção. Ele não deixa tratá-la,
isso é certo. O Lou e o =Dan devem ter-lhe atirado

182

com uma pedra e deixaram-no inconsciente. Depois, fecharam o buraco,


=fazendo-nos prisioneiros. Que patifes!
— Escutem — disse o David. — Escutem, eu tive uma =ideia! Não sei se dará
resultado, mas sempre é uma ideia.
— Conta-nos! — pediram todos, entusiasmados.
— Que pensam, se atássemos uma carta ao pescoço do Pongo, e =o
mandássemos outra vez pela corrente da água, levar a carta ao
=acampamento? — disse o David. — Ele não vai ter com o =Lou nem com o Dan
porque tem medo deles, mas talvez vá ter com um dos =outros, não lhes
parece? Larry era o melhor. Parece ser boa =pessoa.
— Acham que o Pongo tem compreensão suficiente para fazer tudo =isso? —
perguntou o Júlio, duvidoso.
— Podemos experimentar — disse o Dino.
— Às vezes mando-o aqui e ali, só por paródia. Levar o =chicote do
elefante ao Larry, por exemplo, ou pôr o meu casaco no meu =carro.
— Então vamos experimentar — disse o David.
— Tenho aqui um bloco-notas e um lápis. Vou escrever uma nota, =embrulhá-
la noutra folha de papel e atá-la ao pescoço do Pongo =com um bocado de
corda.
Assim, escreveu uma mensagem que dizia:

A quem ler este papel — Por favor suba ao monte, até ao lugar =onde estão
duas «roulottes». Por baixo da «roulotte» =vermelha, fica a entrada para
uma passagem subterrânea. Nós =estamos aí aprisionados. Por favor salvem-
nos depressa.

Júlio, David, Zé, Ana e Dino.

O Pongo piscou-lhe o olho.


Leu-a aos outros. Depois atou-a ao pescoço do Pongo. O chimpanzé =ficou
surpreendido mas felizmente não tentou tirá-la.
— Agora dá-lhe as tuas ordens — pediu o David ao Dino. =Este falou
devagar e muito a sério com o chimpanzé.
— Onde está o Larry? Vai ter com o Larry, Pongo! Vai buscar o =Larry,
Vai! VAI!
O Pongo piscou-lhe o olho e soltou um guincho engraçado como quem =diz: —
Por favor, Dino, eu não quero ir.
O Dino repetiu tudo outra vez. — Estás a perceber, Pongo? Eu =julgo que
sim. Então, vai! VAI! VAI!
O Pongo voltou-se e foi! Desapareceu na corrente, salpicando-se =todo.

184

Os pequenos ficaram a observá-lo à luz das lanternas até não =o poderem


ver mais.
— Ele é muito esperto — disse a Ana. — Não =lhe apetecia ir, pois não?
Tenho esperanças de que encontre o =Larry e que o Larry leia a nota e
mande alguém para nos libertar.
— Espero que a mensagem não fique toda ensopada — disse =o Júlio,
bastante desanimado.
— Quem me dera não ter tanto frio. Vamos correr mais um =bocado, para
depois comermos um chocolate.
Estiveram a correr e a jogar ao «agarra» durante algum tempo, =até se
sentirem outra vez mais quentes. Depois decidiram sentar-se, =comer o
chocolate e jogar às adivinhas, para passar o tempo. O Tim =sentou-se ao
pé do Júlio e o pequeno ficou muito satisfeito.
— Ele é uma grande botija quente — disse o Júlio. =— Chega-te mais, Tim.
Assim vais-me aquecer num instante.
Depois de algum tempo, tornou-se aborrecido continuar com a luz duma =só
lanterna, pois não se atreviam a usá-las todas. E já =parecia que a
lanterna do Júlio estava a dar menos luz. Jogaram todos =os jogos de que
se lembraram e depois começaram a bocejar.
— Que horas são? Lá fora, deve estar a anoitecer. Estou =cheio de sono.
— São quase nove horas — disse o Júlio.
— Espero que o Pongo tenha ido ao acampamento e tenha encontrado =alguém.
Se assim foi, devem estar a vir buscar-nos.
— Então é melhor irmos até à passagem que dá para =o buraco — disse o
David, levantando-se.

185

— É possível que o Larry, ou outra pessoa que venha, não =veja as placas
de ferro que sobem pela parede da primeira gruta. Podem =não perceber
onde nós estamos.
Isso parecia muito possível. Seguiram todos pelo túnel que passava =pelo
esconderijo dos ladrões e chegaram à gruta maior. Havia um =canto arenoso
mesmo ao pé da abertura que dava para a gruta pequena e =as crianças
preferiram sentar-se ali do que na primeira passagem ou =na gruta mais
pequena, ambas pouco confortáveis. Chegaram-se todos =uns aos- outros,
para aquecerem. Tinham fome.
A Ana e o Dino estavam cheios de sono. A Zé também quase =adormeceu. Mas
os dois irmãos e o Tim continuavam bem acordados, =conversando em voz
baixa. Pelo menos, o Tim não falava mas abanava a =cauda cada vez que o
Júlio ou o David diziam alguma coisa. Era a sua =maneira de participar na
conversa.
Depois do que lhes pareceu muito tempo, o Tim ladrou e os dois pequenos
=endireitaram-se. Fosse o que fosse que os ouvidos apurados do Tim
=percebessem, o Júlio e o David não conseguiam ouvir nada. Mas o =Tim
continuava a ladrar.
O Júlio despertou os outros. — Julgo que chegou alguém para =nos salvar —
disse ele. — Mas é melhor não irmos =ver, não se dê o caso de serem o Lou
e o Dan. Acordem e =animem-se.
Ficaram todos bem despertos, num momento. Seria o Larry que vinha, por
=ter recebido a mensagem? Ou seriam aqueles homens horríveis, o Tigre
=Dan e o Lou, o acrobata?
Depressa souberam! De repente apareceu uma cabeça na abertura,

187

ali perto, e uma luz brilhou sobre eles. O Tim começou a ladrar
=furiosamente e esforçava-se por avançar, mas a Zé segurava-lhe =com
força na coleira, pensando que podia ser o Larry.
Mas não era! Era o Lou, o acrobata, como os pequenos perceberam logo =que
ouviram aquela voz. O Júlio acendeu a lanterna, voltando-a para o
=patife.
— Espero que se tenham divertido — disse a voz áspera =do Lou. — E tu
toma conta do cão, rapaz, ou dou-lhe um tiro. =Estão a ver? Desta vez não
estou para graças com o cão. =Olhem para este revólver!
A Zé viu, horrorizada, que o Lou apontava um revólver para o Tim. =Ela
deu um grito e pôs-se à frente do cão.—Não se =atreva a atirar sobre o
meu cão. Olhe que eu vou, eu vou... eu =vou...
Não conseguia lembrar-se de nada suficientemente mau para fazer a um
=homem que queria matar o Tim e calou-se, sufocada com lágrimas de =raiva
e medo. O Tim, não sabendo o que era um revólver, não =conseguia perceber
por que razão a Zé não o deixava correr =sobre o seu inimigo; estava numa
posição tão boa, com a =cabeça a sair daquele buraco! O Tim achava que
podia =desembaraçar-se daquela cabeça num instante.
— Agora, miúdos, levantem-se e vão para aquele túnel =— ordenou o Lou. —
Vamos! Todos à minha frente e não =se atrevam a parar. Temos que fazer
aqui um trabalho, esta noite, e =não queremos ter mais interferências de
miúdos como vocês. =Compreendem?
Os pequenos compreendiam perfeitamente.

188

Começaram a andar. Um por um, seguiam pelo túnel, a Zé à =frente, com o


Tim. Ela não ousava largar-lhe a coleira, nem por um =instante. Alguns
passos atrás deles, vinham o Lou, com o seu =revólver, e o Dan com dois
grandes sacos.
Fizeram os pequenos caminhar até à prateleira onde estavam os =objectos
roubados. Então o Lou sentou-se no meio do túnel com a =lanterna voltada
para as crianças para poder vê-las bem. =Continuava com o revólver
apontado para o Tim.
— Agora vamos começar — disse ele ao Tigre Dan. —= Tu sabes o que tens a
fazer. Despacha-te.
O Tigre Dan começou a meter as coisas num dos sacos que havia =trazido.
Depois afastou-se com ele, voltou passados uns dez minutos, e =encheu o
outro saco. Era evidente que os homens desta vez queriam levar =tudo.
— Julgavam que tinham feito uma grande descoberta, não =julgavam? — disse
o Lou, trocista, aos pequenos. — Sim =senhor, foram muito espertos! E
vejam o que acontece aos espertalhões =como vocês. Estão aqui presos e
assim ficarão por três ou =quatro dias.
— Que quer dizer com isso? — perguntou o Júlio, =alarmado. — Vão deixar-
nos aqui, para morrermos de fome?
— Não morrerão de fome; somos muito vossos amigos — =disse o Lou. — Vamos
deixar-lhes alguma comida aqui no túnel. =E pode ser que dentro de dois
ou três dias alguém venha =buscá-los.
O Júlio desejava ardentemente que o Pongo aparecesse com uma pessoa
=antes que o Lou e o Dan acabassem a sua tarefa no túnel e se fossem
=embora, deixando-os prisioneiros.

189

Ele via o Tigre Dan a trabalhar com rapidez, metendo as coisas no saco,
=levando-as para fora, voltando de novo e carregando mais coisas outra
=vez. O Lou continuava sentado, com a lanterna e o revólver nas =mãos,
divertindo-se com as caras assustadas das raparigas e do Dino. =O Júlio e
o David mostravam um à-vontade que estavam longe de =sentir. O Tigre Dan
afastou-se com outro saco cheio. Mas não tinha =desaparecido havia meio
minuto, quando um grito de dor fez eco =através do túnel.
— Lou! Socorro! Socorro! Estão a atacar-me! Socorro!
O Lou levantou-se e correu pelo túnel.
— É o Pongo! Aposto que é o Pongo! — disse o =Júlio, excitado.

CAPÍTULO XXI - O DAVID TEM UMA GRANDE IDEIA

- Fujam — disse o David muito agitado. — É capaz de ser =o Pongo,


sozinho. Naturalmente não chegou a ir ao acampamento. Se =calhar andou de
um lado para o outro e por fim entrou pela abertura ao =pé das
«roulottes», descendo atrás do Tigre Dan. Se assim =é, ele não vai levar
a melhor porque o Lou tem um revólver e =dá-lhe um tiro. Depois não virá
ninguém salvar-nos. Eu vou =sair pelo túnel, enquanto é possível e
esconder-me na gruta =maior.
— Para que servirá isso? — perguntou o Júlio.
— Ouve, palerma, eu talvez consiga escapar-me até à =passagem que vai dar
ao buraco da entrada, e saltar lá para fora, sem =os outros me verem —
disse o David levantando-se. — Depois =posso ir buscar auxílio, estão a
perceber? O melhor é vocês =esconderem-se em qualquer parte. Vê se
encontras um bom lugar, =Júlio, para o caso de os homens notarem que um
de nós fugiu. =Não percam tempo.
Sem mais palavra o pequeno seguiu pelo túnel, passando pelo banco de
=pedra onde agora já havia poucas coisas e chegou finalmente à =gruta
maior.
Ali continuava um grande barulho, pois parecia que o Pongo se tinha
=agarrado aos dois homens. As lanternas deles tinham caído e o Lou =não
se atrevia a atirar sobre o Pongo com medo de ferir o Dan. O =David quase
não viu o que se passava; só ouvia gritos e =guinchos.

191

Deu uma grande corrida sempre junto à parede, para se livrar de todo
=aquele reboliço, e dirigiu-se o mais depressa que podia, às =escuras,
para onde ele julgava estar a abertura que descia até à =primeira
passagem. Tinha de caminhar com cuidado, com medo de cair por =ali.
Finalmente encontrou-a, desceu até à cave e então acendeu =a lanterna,
pois achou que já não havia perigo.
Pouco depois saía pelo buraco e passava a correr pelas =«roulottes». Mas
de repente parou, sobressaltado com um =pensamento. Ele podia ir buscar
ajuda e entretanto os homens fugirem! =Não havia dúvida de que eles se
estavam a preparar para se =escaparem com todos os valores.
E se ele pusesse as tábuas sobre o buraco, puxando-as com toda a =força e
depois colocasse algumas pedras pesadas, por cima? Não =conseguia puxar
as «roulottes» para cima das tábuas, pois era =demasiado peso para as
forças dum rapazito. Mas as pedras talvez =servissem; os homens pensariam
tratar-se da «roulotte».
Numa grande excitação colocou as tábuas no seu lugar. Depois =acendeu a
lanterna, procurando pedras ali à volta. Havia várias. =Não conseguia
levantá-las mas foi-as rolando até às =tábuas. Assim já ninguém poderia
abrir o buraco pelo lado de =dentro.
— Bem sei que fechei os outros com os homens — pensou o =David. — Mas eu
espero que o Júlio encontre um bom =esconderijo, só por algum tempo.
Estou cheio de calor! Agora vou =descer o monte e espero não me perder na
escuridão.

Entretanto, nos subterrâneos, os dois homens libertavam-se do =chimpanzé.


Estavam mordidos e espancados,

192

mas o Pongo não tinha a força habitual por causa do ferimento na =cabeça.
Os homens acabaram por conseguir afastá-lo e ele foi aos =saltos na
direcção do túnel, procurando as crianças.
Certamente o Lou lhe teria dado um tiro se conseguisse encontrar o
=revólver naquela altura. Mas não podia procurá-lo no escuro. =Apanhou a
lanterna e embora estivesse estragada conseguiu acendê-la =depois de a
bater duas ou três vezes contra o chão. Voltou a luz =na direcção do Dan.
— Nós devíamos procurar o chimpanzé quando notámos =que ele tinha fugido
— «rosnou» o Dan.
— Deve ter roído a corda com os dentes. Devíamos ter =pensado que ele
estava perto. Ia-me matando, saltando sobre mim no meio =da escuridão.
Foi uma sorte ter-se agarrado ao saco e não a =mim.
— Vamos buscar o resto das coisas e fugir
— disse o Lou, que ficara bastante abalado. — Depois =voltamos ao túnel,
para assustar os miúdos mais uma vez, damos um =tiro no Pongo, se
conseguirmos, e fugimos. Deitamos umas latas de comida =cá para baixo e
podemos fechar a abertura.
— Não me vou arriscar a encontrar outra vez o chimpanzé =— respondeu o
Dan. — Deixemos ficar o resto das coisas. =Vamo-nos já embora.
O Lou também não tinha grande vontade de voltar a ver o Pongo.
=Conservando a lanterna acesa, com cuidado, e o revólver na outra =mão,
seguiu o Dan para a abertura que dava para a primeira gruta. =Continuaram
pela passagem, ansiosos por chegar lá fora e descer pela =estrada com o
vagão.
Apanharam um grande susto quando viram que o buraco estava fechado! O
=Lou levantou a lanterna e fitou pasmado o lado de dentro das =tábuas.

193

Alguém as havia colocado no seu lugar! Agora estavam =prisioneiros!


O Tigre Dan parecia ter endoidecido. Com um dos seus ataques de fúria
=dava murros nas tábuas, como um louco. Mas o peso das pedras mantinha
=as tábuas no seu lugar e o homem enfurecido caiu ao lado do Lou.
— Não se pode afastar as tábuas. Alguém deve ter posto a =«roulotte» por
cima, outra vez. Estamos aqui presos!
— Mas quem nos prendeu? Quem voltou a colocar as tábuas? =— gritou o Lou,
também fora de si. — Teriam os =miúdos fugido, enquanto estivemos a lutar
com o chimpanzé?
— Vamos ver se os miúdos ainda lá estão — disse o =Tigre Dan, cem um
sorriso mau. — Hei-de descobri-los, para os =fazer passar um mau bocado.
Os dois homens voltaram ao túnel. Os pequenos já lá não =estavam. O Júlio
aproveitara o conselho do David e saíra dali, =tentando encontrar um bom
esconderijo. Ele pensou que o David podia ter =a ideia de fechar a
abertura e nesse caso os homens deviam ficar =furiosos.
Os pequenos seguiram pelo túnel até à gruta onde passava a =água
corrente. Parecia impossível encontrar ali um =esconderijo.
— Não vejo onde possamos esconder-nos — disse o =Júlio, bastante
desanimado. — Não vale a pena seguirmos =outra vez pela água. Só serviria
para ficarmos molhados e cheios =de frio; e não podemos sair por lá, se
os homens nos =perseguirem.
— Estou a ouvir qualquer coisa — disse a Zé, de =repente. — Apaga a
lanterna, Júlio! Depressa!

194

Os pequenos ficaram à espera, na mais completa escuridão. O Tim =não


ladrava. Pelo contrário, a Zé percebeu que ele estava a =abanar a cauda.
— É qualquer pessoa amiga — murmurou ela.
— Talvez seja o Pongo. Acende a lanterna.
A luz incidiu sobre a figura do chimpanzé, que se dirigia para eles,
=atravessando a gruta. O Dino soltou um grito de alegria.
— Aqui está o Pongo! — exclamou ele. — Pongo, =foste ao acampamento? Não
trouxeste nenhuma ajuda?
— Não, ele não esteve no acampamento — disse o =Júlio, reparando no
bilhete que ainda estava preso ao pescoço do =chimpanzé. — A nossa
mensagem ainda ali está. Que pouca =sorte!
— Ele é esperto, mas não suficientemente esperto para =perceber uma coisa
tão complicada — disse a Zé.
— Ó Pongo, e nós dependíamos de ti! Deixa lá, talvez =o David tenha
conseguido fugir e nos traga socorro. Júlio, onde vamos =esconder-nos?
— Na parte superior da corrente! — lembrou a Ana. — =Tentámos seguir pela
parte que desce, mas não experimentámos ir =pelo outro lado. Acham que
servirá para alguma coisa?
— Podemos ver — disse o Júlio duvidoso. Ele não =gostava de andar por
dentro da água que podia de repente tornar-se =mais profunda. — Vou com a
lanterna examinar a corrente para ver =que aspecto tem.
Foi até à corrente e iluminou o túnel por onde ela descia. - =Parece-me
que podemos seguir pela rocha que acompanha um dos lados =— disse ele. —
Mas temos de nos curvar quase até ao =chão.

195

E a água corre tão depressa que devemos acautelar-nos para não


=escorregarmos e cairmos lá dentro.
— Eu vou à frente — disse o Dino. — Tu vais no =fim, Júlio. As meninas
vão no meio, com o Pongo e o Tim.
Ele trepou para a rocha que acompanhava o túnel, pouco acima do =nível da
água. A seguir ia o Pongo, depois a Ana, depois a Zé e =o Tim e, por
último, o Júlio.
No momento em que Júlio ia a trepar para a rocha os dois ladrões
=chegaram à gruta e por acaso a luz da lanterna do Lou incidiu sobre o
=pequeno. Lou deu um grito.
— Ali está um deles! Repara, daquele lado! Os homens correram =para o
lugar onde a corrente saía do túnel

196

e o Lou iluminou-o com a lanterna. Viu a fila de crianças com o =Júlio no


fim. Conseguiu agarrar o pequeno e puxá-lo para trás. =A Ana soltou um
grito quando viu que puxavam o Júlio. O Dino apanhou =um tremendo susto.
O Tim começou a ladrar ferozmente e o Pongo fazia =um barulho horrível.
— Agora reparem — disse a voz do Lou. — Tenho aqui =um revólver e dou um
tiro no cão e outro no chimpanzé se eles =se atrevem a meter o nariz onde
não são chamados. Por isso, =segurem-nos bem, se lhes querem salvar as
vidas!
Ele passou o Júlio ao Tigre Dan que agarrou o pequeno pelo =pescoço. O
Lou começou a contar os pequenos. — Ora ali =está o Dino — disse ele.
— Vem até aqui, Dino.
— Se eu vou, o chimpanzé também quer ir
— disse o Dino. — Bem sabe isso. E ele pode agarrá-lo =antes que o senhor
o agarre primeiro.
O Lou considerou o caso. Tinha medo do grande chimpanzé. — =Então ficas
aí com ele — resolveu. — E a pequena =pode ficar contigo, a segurar o
cão. Mas o outro rapaz que venha para =aqui.
Ele julgava que a Zé era um rapaz. A Zé não se importava. =Gostava que as
pessoas pensassem que ela era um rapaz. Respondeu =logo:
— Não posso ir. Se eu for, o cão segue-me e eu não quero =que ele apanhe
um tiro.
— Tu vens imediatamente — disse o Lou, com mau modo. =— Eu vou mostrar a
vocês dois, rapazes, o que acontece aos =miúdos que gostam de espreitar e
bisbilhotar. O Dino já sabe o que =acontece, não é verdade, Dino? Ele já
teve a sua lição. E =agora vocês dois, rapazinhos, vão ter também a
vossa.

197

O Dan chamou-o. — Devia haver mais uma rapariga, Lou. Acho que o =Dino
disse que eram dois rapazes e duas raparigas. Onde está a outra
=rapariga?
— Foi andando pelo túnel, creio eu — respondeu o Lou, =tentando ver. —
Agora tu, rapaz, vem para aqui.
A Ana começou a chorar.—Não vás, Zé; não vás. =Eles vão magoar-te muito.
Diz-lhe que és uma...
— Cala-te — disse a Zé, vivamente. E acrescentou num =murmúrio: — Se eu
digo que sou uma rapariga percebem que falta =o David e ficam
zangadíssimos. Segura o Tim.
A Ana apertou a coleira do Tim na sua mão, a tremer. A Zé =começou a
andar para a gruta. Mas o Júlio não podia consentir =que batessem na Zé.
Ela gostava de passar por rapaz, mas ele não =ia deixá-la ser tratada
como tal.
O Lou agarrou a Zé logo que ela saiu do túnel e nesse momento o =Júlio
conseguiu com um pontapé fazer cair a lanterna da mão do =Lou; esta voou
até ao tecto da gruta e caiu no chão, apagando-se. =Agora a gruta estava
completamente às escuras.
— Volta para o túnel, Zé, com a Ana — gritou o =Júlio. — Tim, Tim, anda!
Pongo, vem cá!
— Eu não quero que dêem um tiro ao Tim! — gritou a =Zé, aterrorizada,
quando o cão passava por ela, correndo.
Mas no momento em que ela estava a falar ouviu-se um tiro. Era o Lou,
=atirando às cegas para o sítio onde supunha estar o Tim. A Zé =deu um
grito.
— Ó Tim, Tim! Não te feriram, pois não?

CAPÍTULO XXII - O FINAL DA AVENTURA


Não, o Tim não estava ferido. A bala passara rente à sua =cabeça e fora
bater contra a parede da gruta.
O Tim atirou-se às pernas do Lou. O homem caiu com um grito, e o
=revólver saltou-lhe da mão. O Júlio ouviu este escorregar pelo =chão da
gruta e ficou muito aliviado.
— Acende a tua lanterna, Zé, depressa! — gritou o =Júlio. — Temos de ver
o que estamos a fazer. Meu Deus, aqui =está o Pongo agora!
O Tigre Dan deu um grito de medo quando se acendeu a lanterna e viu o
=chimpanzé dirigindo-se para ele. Atirou um murro ao chimpanzé que =o
apanhou na cabeça e o fez cair. Depois começou a correr. O Lou =tentava
que o Tim lhe largasse a garganta, dando-lhe pontapés sem =parar.
O Dan ia a fugir pelo túnel mas parou perplexo. Quatro polícias,
=corpulentos, vinham em direcção contrária, guiados pelo David! =Um deles
trazia um revólver na mão. O Dan pôs as mãos no ar, =imediatamente.
— Tim! Vem cá! — ordenou a Zé, vendo que já =não era agora necessária a
ajuda do cão.
Tim lançou-lhe um olhar de censura, como quem diz: — Minha =dona, olha
que eu estou a divertir-me muito. Deixa-me comê-lo!
Nessa altura o cão avistou os quatro polícias

200

e começou a ladrar furiosamente. Mais inimigos! Ele podia comê-los =a


todos!
— Que está a passar-se aqui? - perguntou o polícia da =frente, que era um
Inspector. — Levante-se! Vamos, =levante-se!
O Lou levantou-se com grande dificuldade. O Tim tinha-o mordido por todo
=o corpo. Ficara com cabelo caído sobre os olhos e as roupas rasgadas.
=Fitou o polícia, de boca aberta, na mais completa surpresa. Como =tinham
eles chegado ali? Então viu o David.
— Com que então um de vocês, miúdos, fugiu e fechou as =tábuas sobre nós!
— disse ele, ferozmente. — Devia =ter adivinhado! Espera até que...
— Cuidado com a língua, Luís Faísca — interrompeu =o Inspector. — Só
falarás quando nós te dissermos. Temos =muito que conversar com vocês,
para nos explicarem algumas das coisas =que ouvimos a vosso respeito.
— David! Como conseguiste voltar tão depressa? — =perguntou o Júlio,
aproximando-se do irmão. — Julgava que =te ias demorar algumas horas! Com
certeza não percorreste todo o =caminho até à cidade e o do regresso.
— Pois não. Fui até à quinta, acordei os Mackies, =servi-me do telefone
deles e pedi à polícia para aqui vir com a =maior pressa, de carro —
explicou o David, radiante. - E vocês =estão todos bem? Onde está a Ana?
E o Dino?
— Ali vêm eles a sair do túnel por onde passa a parte =superior da
corrente — disse o Júlio, iluminando com a =lanterna. O David viu a cara
pálida e assustada da Ana e foi ter com =ela.

201

— Está tudo bem, Ana! — disse ele. — A aventura =acabou. Podes rir outra
vez!
A Ana teve um sorriso desmaiado. O Pongo pegou-lhe na mão, =fazendo-lhe
festas que a animaram bastante. A Zé chamou o Tim, com =medo que ele
desse uma última mordedela ao Lou. Este observou-a. =Olhou para o David e
para o Júlio. Depois para a Ana.
— Então havia só uma rapariga! — disse ele. — =Porque resolveste dizer-me
que eram dois rapazes e duas raparigas? =— perguntou ele ao Dino.
— Porque é verdade — respondeu o Dino, apontando para a =Zé. — É uma
rapariga, ainda que pareça um rapaz. E é =tão boa como um rapaz, em tudo.
A Zé sentiu-se orgulhosa. Olhou o Lou com ar de desafio. Ele tinha =sido
agarrado por um polícia forte e o Tigre Dan estava nas mãos =de outros
dois.
— Acho melhor deixarmos este lugar tão lúgubre — =disse o Inspector,
guardando o bloco-notas onde estivera a escrevinhar =à pressa. — Em
frente!
O Júlio abria o caminho, através do túnel. Indicou a prateleira =onde os
homens guardavam as coisas e o Inspector pegou nos poucos =objectos que
ainda ali estavam. Enquanto caminhavam o Tigre Dan ia =praguejando.
— Eles vão para a prisão? — segredou a Ana ao =David.
— Com certeza — disse o David. — Era onde eles =deviam estar há muito
tempo. Os seus roubos têm dado que fazer =à polícia desde há quatro anos!
Saíram do túnel e passaram à gruta das paredes =fosforescentes.

202

Depois desceram pela parede da gruta mais pequena e chegaram à =abertura


final. As estrelas brilhavam por cima do buraco escuro e os =pequenos
ficaram muito satisfeitos ao vê-las. Estavam cansados, por =terem passado
tanto tempo no interior do monte.
O Lou e o Dan uma vez fora dos subterrâneos foram algemados e levados
=para o carro preto da polícia, que ficara ali perto, na estrada.
— Agora que vão fazer os meninos? — perguntou o =Inspector, que estava
então ao volante do carro. — Não =será melhor virem connosco para a
cidade, depois desta grande =aventura?
— Não é preciso, muito obrigado — respondeu o =Júlio com delicadeza. —
Nós já estamos habituados a ter =aventuras. Sabe, já passámos por muitas.
Ficaremos bem aqui, com o =Tim e o Pongo.
— Bem, cá por mim não gostaria muito da companhia do =chimpanzé —
confessou o Inspector. — Amanhã pela =manhã virei aqui fazer uma
inspecção e perguntar-lhes algumas =coisas a que eu tenho a certeza não
se importarão de responder. =Muito obrigado pela vossa ajuda na captura
dos dois perigosos =ladrões!
— E que fazem do vagão? — perguntou o David. — =Vão deixá-lo aqui? Tem
dentro valores incalculáveis.
— Um dos meus homens vai levá-lo — disse o Inspector, =apontando para um
polícia que estava perto. — Seguirá =atrás de nós, guiando o cavalo. Bem,
até amanhã!
O carro partiu, descendo pela estrada sinuosa. O polícia que ficara =com
o vagão seguiu mais devagar, incitando o cavalo que não =parecia nada
surpreendido por ser guiado por uma pessoa tão =diferente.

203

— Tudo acabou, por fim! — exclamou o Júlio satisfeito. =— Devo dizer que
nos saímos bem. Nem posso explicar-te, David, =como fiquei contente ao
ver-te aparecer com os polícias, tão =depressa. Foi uma grande ideia
teres telefonado da quinta.
O David começou a bocejar. — Deve ser tardíssimo — =disse ele. — Deve
passar da meia-noite. Mas tenho tanta fome que =vou comer qualquer coisa
antes de me deitar no meu beliche.
— Que nos vais dar, Ana? — perguntou o Júlio.
A Ana animou-se logo. — Vou ver — disse ela. — =Qualquer coisa se há-de
arranjar.
Abriu duas latas de sardinhas e fez sanduíches; abriu duas latas de
=pêssegos em conserva, e assim arranjaram uma agradável ceia. =Comeram
sentados no chão da «roulotte» das raparigas. O Pongo =comeu tanto como
os outros e o Tim mordeu uns ossos.
Naquela noite não levaram muito tempo a adormecer. Na verdade, =estavam
todos com tanto sono, quando acabaram de comer, que nem se =despiram!
Foram para os beliches tal como estavam e adormeceram logo. O =Dino ficou
com o Pongo e o Tim foi deitar-se aos pés da Zé. =Reinava a paz nas
«roulottes» e naquela noite ninguém foi =incomodá-los!
Dormiram todos até muito tarde, na manhã seguinte. Acordaram com =uma
pancada na «roulotte» dos rapazes. O Júlio gritou =sobressaltado:
— Quem está aí?
— Somos nós — disse uma voz familiar. O senhor Mackie e =a mulher estavam
a espreitar pela porta entreaberta, parecendo bastante =preocupados.
— Queríamos saber o que aconteceu — disse o quinteiro. =— O menino saiu a
correr quando acabou de telefonar e nunca mais =o vimos.
— Realmente devia ter lá voltado para vos contar — =disse o David,
sentando-se, com o cabelo a cair para a cara; puxou-o =para trás, e
continuou.
— Mas esqueci-me. Os polícias foram aos subterrâneos e =apanharam os dois
homens. São dois ladrões muito conhecidos. A =polícia também levou as
coisas roubadas. Foi uma noite muito =emocionante. Os meus maiores
agradecimentos por terem deixado servir-me =do telefone.
— Não tem nada que agradecer — disse a senhora Mackie. =— Olhem, trouxe-
lhes alguma comida.
Ela segurava dois cestos cheios de coisas apetitosas. O David, ao =vê-
las, sentiu-se cheio de fome.
— Obrigado — disse ele, reconhecido. — Os senhores =são muito boas
pessoas!
O Dino e o Pongo saíram de repente da pilha de cobertores e a senhora
=Mackie deu um grito.
— Que diabo é aquilo? Um macaco?
— Um chimpanzé, minha senhora — disse o Dino com =delicadeza. — Não lhe
fará nenhum mal. Pongo, tira a pata =desse cesto!
O chimpanzé, que estava com esperanças que ninguém o tivesse =notado,
cobriu a cara com as patas cabeludas, olhando por entre os dedos =para a
senhora Mackie.
— Olhem para ele, agora! Parece uma criança mal-educada! =— disse a
senhora Mackie. - Não achas, Ted?
— Lá isso parece — respondeu o quinteiro.
— Que animal mais esquisito.

205

— Temos de ir andando — continuou a senhora Mackie, =cumprimentando a Zé


e a Ana que vinham da outra «roulotte», com =o Tim, para ver quem eram as
visitas. — Se precisarem de alguma =coisa apareçam na quinta. Nós
gostamos muito de os ver por =lá.
— Não são simpáticos? — disse a Ana, enquanto =eles seguiam pela estrada.
— Que belo pequeno almoço vamos =nós ter! Presunto, tomates, rabanetes,
alface e mel.
— Formidável! — disse o Júlio. — Vamos já =comer, antes de nos lavarmos.
Mas a Ana fez com que eles se lavassem e se arranjassem primeiro. =— Vão
apreciar tudo muito mais, se estiverem limpos — =disse ela. — Estão todos
tão negros como carvoeiros. Quando =estiverem prontos, sirvo-lhes um
pequeno almoço maravilhoso!
— Está bem, Mamã! — exclamou o Dino, seguindo com os =outros para se
lavar no regato. Depois juntaram-se na laje, ao sol, =fazendo as honras
às coisas deliciosas que a senhora Mackie lhes =trouxera.

CAPÍTULO XXIII - ADEUS! ADEUS! FAMOSOS CINCO!

Antes de acabarem o pequeno almoço, chegou o Inspector no carro da


=polícia. Trazia com ele um colega, para tirar apontamentos.
— Olá! — exclamou o Inspector, reparando nas coisas =apetitosas que
estavam sobre a pedra. — Vejo que se tratam =bem!
— É servido de um pouco de pão fresco com mel? — =perguntou a Ana, com a
maior amabilidade. — Aceite! Há aqui =muito!
— Obrigado — disse o Inspector sentando-se ao pé das =crianças. O outro
polícia andava à roda das «roulottes», =examinando tudo. O Inspector
começou a saborear o pão com mel e os =pequenos conversavam com ele,
contando-lhes tudo sobre aquela =extraordinária aventura.
— Deve ter sido um grande aborrecimento para os dois homens, =quando
viram que a vossa «roulotte» estava mesmo sobre a entrada =do lugar onde
eles guardavam os objectos roubados — disse o =Inspector. — Que grande
aborrecimento!
— Já examinou os objectos? — perguntou o David com =vivacidade. — São
valiosos?
— De um valor incalculável — respondeu o Inspector, =pegando noutra fatia
de pão e barrando-a com uma boa camada de mel. =— Valiosíssimos. Aqueles
patifes parece que só roubavam as =coisas que sabiam ter grande valor;
escondiam-nas aqui,

207

por um ano ou dois, até não se falar mais no roubo; depois =mandavam-nas
para amigos deles, na Bélgica e Holanda.
— O Tigre Dan em tempos trabalhou num circo, na Holanda — =lembrou o
Dino. — Contava-me isso muitas vezes. Tinha amigos em =toda a Europa,
tudo gente de circos.
— Por isso era-lhe fácil vender os objectos roubados no =estrangeiro —
disse o Inspector.

208

- Ele planeara ir hoje para a Holanda; preparou tudo com o Lou, ou seja
=o Luís Faísca, para lhe dar o seu verdadeiro nome. Iam vender a =maior
parte destas coisas. Vocês conseguiram chegar a tempo!
— Que sorte tivemos! — disse a Zé. — Quase nos =escapavam! Se o David não
tivesse fugido quando o Pongo estava a =atacá-los, a estas horas ainda
nós estávamos presos nos =subterrâneos e o Lou e o Dan já iam a caminho
da Holanda.
— Que belo trabalho vocês fizeram! — disse o Inspector, =felicitando-os.
Depois olhou para o pote de mel. — Este mel é =óptimo, não é? Tenho que
comprar um pouco na senhora =Mackie.
— Coma mais — insistiu a Ana, muito atenciosa. — =Temos ali outro pão.
— Aceito — disse o Inspector pegando noutra fatia e =barrando-a com o mel
amarelinho. Parecia que não ia ficar nenhum para =o Pongo lamber! A Ana
gostava de ver uma pessoa crescida apreciando =pão com mel tanto como as
crianças.
— Sabem, esse Lou fez alguns roubos notáveis — =continuou o Inspector. —
Uma vez atravessou do terceiro andar =duma casa para o terceiro andar
duma outra, através da rua, =ninguém sabe como!
— Isso foi fácil para o Lou — disse o Dino, perdendo de =repente o medo
do Inspector. — Deve ter atirado um cabo de um =lado para o outro da rua;
laçou qualquer coisa com a ponta, talvez a =parte de cima dum cano,
esticou o cabo e passou por ali. Ele é um =formidável equilibrista. Não
há nada que ele não possa fazer =a trabalhar no arame!
— Provavelmente foi o que ele fez — concordou o Inspector. =— Nunca
pensámos nisso.

209

Muito obrigado, mas agora já não quero mais mel. O chimpanzé =mata-me se
eu não lhe deixo um bocadinho para ele lamber.
O Pongo levou o frasco, sentou-se por baixo duma das «roulottes» e
=começou a lamber os restos do mel, com uma grande língua rosada.
=Quando o Tim se aproximou para ver o que era aquilo, o Pongo levantou o
=frasco acima da cabeça:
— Iarra-iarra-iarra-iarra! — dizia ele. O Tim, bastante =surpreendido,
voltou para o pé da sua dona. Esta estava a ouvir com =grande interesse o
que o Inspector lhes contava sobre as grutas =subterrâneas.
— São muito antigas — explicou ele. — Havia uma =entrada no sopé do
monte, mas abateu um bocado da encosta e a entrada =ficou tapada. Ninguém
se incomodou a desimpedi-la pois as grutas =não tinham nenhum valor
especial.
— Mas isso têm — afirmou a Ana. — Principalmente =a das paredes
fosforescentes.

210

— Calculo que por acaso, um dia, o Lou e o Dan encontraram outra =entrada
— continuou o Inspector. — A entrada que vocês =conhecem. Um buraco que
segue para dentro do monte. Devem ter achado um =esconderijo óptimo para
as coisas roubadas, completamente seguro, =completamente seco e muito
perto do acampamento que todos os anos aqui =têm. Que poderiam encontrar
melhor?
— E eu acho que eles continuariam roubando durante anos e =escondendo
tudo, se não acontecesse nós pormos uma das =«roulottes» mesmo sobre a
entrada do subterrâneo! — =disse o Júlio. — Que pouca sorte eles tiveram!
— E que grande sorte tivemos nós! — respondeu o =Inspector. — Nós
suspeitávamos deles dois, e uma ou duas =vezes inspeccionámos o circo,
tentando encontrar objectos roubados; =mas devem sempre tê-los avisado da
nossa ida e traziam tudo para =aqui, a tempo.
— Esteve lá em baixo no acampamento, senhor? — =perguntou o Dino. <
— Sim, já lá estivemos esta manhã — respondeu o =Inspector. —
Interrogámos todos. Ficaram muito agitados e =confusos.
O Dino entristeceu.
— Que se passa, Dino? — perguntou a Ana, reparando na =expressão do
rapazito.
— Vai ser um sarilho quando eu voltar ao acampamento — =explicou o Dino.
— Vão dizer que foi por minha culpa que os =polícias lá foram. Nós não
gostamos da polícia a meter-se =nas nossas vidas. Se eu voltar, vão cair-
me todos em cima. Eu não =quero voltar!
Ninguém respondeu. Todos começaram a pensar

211

o que aconteceria ao pobre Dino, agora que o tio Dan estava preso.
Então a Ana perguntou: — Com quem vais passar a viver no =acampamento,
Dino?
— Alguém tomará conta de mim, para me fazer trabalhar todo =o dia — disse
o Dino. — Não me importava se pudesse =ficar com os cavalos; mas o Rossy
não me vai deixar. Se eu pudesse =ficar com os cavalos, sentia-me feliz.
Eu gosto deles e eles percebem-me =bem.
— Que idade tens tu, Dino? — perguntou o Inspector, =metendo-se na
conversa. — Não devias ir para a escola?
— Nunca lá estive, senhor — disse o Dino.
— Tenho quase catorze anos e acho que já não irei.
Ele riu-se. Não parecia ter catorze anos. Pela estatura parecia ter =uns
onze. Depois ficou outra vez triste.
— Creio que não volto hoje ao acampamento
— disse ele. — Devem estar todos contra mim. E o senhor =Górgio com
certeza está furioso por ter perdido o melhor =palhaço e o melhor
acrobata!
— Podes ficar connosco o tempo que quiseres
— disse o Júlio. — Nós ainda aqui ficaremos por mais =algum tempo.
Mas o Júlio estava enganado. Logo que o Inspector se foi embora,
=apareceu a senhora Mackie, muito apressada, com um pequeno sobrescrito
=cor-de-laranja na mão.
— Esteve na quinta o rapaz dos telegramas
— disse ela. — Andavam à vossa procura. Espero que =não sejam más
notícias.

212

O Júlio rasgou o sobrescrito e leu o telegrama em voz alta.

SURPREENDIDOS COM A VOSSA CARTA SOBRE OS EXTRAORDINÁRIOS =ACONTECIMENTOS.


PARECEM-NOS PERIGOSOS. VOLTEM PARA CASA =IMEDIATAMENTE.

PAI

— Temos de nos ir embora! — disse a Ana.


— Que pena!
— Talvez seja melhor eu ir à cidade e telefonar ao paizinho =para lhe
dizer que estamos bem
— disse o Júlio.
— Pode ir telefonar da minha casa — lembrou a senhora =Mackie. O Júlio
aceitou e partiram os dois, conversando. De repente o =Júlio teve uma
ideia luminosa.
— O senhor Mackie não precisa de ninguém para o ajudar a =tratar dos
cavalos? — perguntou ele. — Não gostaria dum =rapaz que compreendesse os
animais e os tratasse bem, sendo muito =trabalhador?
— Sabe, parece-me que sim — disse a senhora Mackie. =— Ele agora tem
trabalho a mais. Ainda ontem disse que lhe falta =um rapazote, acabado de
sair da escola.
— Acha que ele admitiria o nosso amigo Dino, do acampamento do =circo? —
perguntou o Júlio.
— Ele é doido por cavalos. Faz deles o que quer. E está =habituado a
trabalhar muito. Tenho a certeza de que vos serviria =bem.
Júlio, antes de deixar a quinta, depois de ter telefonado aos =pais,

213

teve uma grande conversa com o senhor Mackie; em seguida foi-se embora a
=correr, com boas notícias.
— Dino! —gritou ele quando já estava perto das =«roulottes». — Dino!
Gostavas de ir trabalhar com o senhor =Mackie, ajudando-o a tratar dos
cavalos? Ele diz que se quiseres podes =começar amanhã e viverás na
quinta!
— Com seiscentos macacos! — disse o Dino, admirado e =incrédulo. — Na
quinta? A trabalhar com os cavalos? Eu gostava =muito, mas o senhor
Mackie certamente não me quer.
— Quer, sim. Diz que podes ir à experiência
— afirmou o Júlio. — Nós partimos amanhã e até =lá podes ficar connosco.
Não precisas de voltar para o =acampamento.
— E o Rosna-Rosna? — disse o Dino. — Tem de ficar =comigo. É o meu cão.
Julgo que o Ladra-Ladra deve ter morrido. O =quinteiro não se importa que
eu leve um cão?
— Acho que não — disse o Júlio. — =Naturalmente tens que dar uma saltada
ao acampamento para trazeres as =tuas coisas e o Rosna-Rosna. O melhor é
ires já, Dino, para =passares o resto do dia connosco.
O Dino partiu, radiante. — Nunca pensei!
— dizia ele para consigo.—Nunca pensei! O Lou e o Dan =nunca mais me
podem bater. Eu já não volto a viver no circo e vou =tomar conta dos
cavalos da quinta! Nunca pensei!
Os pequenos disseram adeus ao Pongo, pois ele tinha de voltar com o Dino
=para o acampamento. Pertencia ao senhor Górgio e não era =possível o
Dino ficar com ele. E de qualquer maneira,

215

mesmo se o pequeno pudesse conservá-lo, a senhora Mackie não =consentiria


em tê-lo na quinta.
O Pongo apertou a mão de cada um deles, e a pata do Tim, muito =sério.
Parecia saber que estava a despedir-se. Os pequenos tinham =verdadeira
pena de verem partir o cómico chimpanzé. Ele havia =participado naquela
aventura e parecia muito mais um ser humano do que =um animal.
Quando o Pongo já havia começado a descer o monte, de repente =voltou
atrás e foi ter com a Ana. Pôs os braços à volta dela =e deu-lhe um
abraço, como quem diz: — São todos muito =simpáticos mas a pequenita Ana
é a mais simpática de todos!
— Ó Pongo, tu és um amor! — exclamou a Ana; depois =deu-lhe um tomate.
Ele começou a correr, atirando-o ao ar, muito =divertido.
As crianças guardaram as coisas do pequeno almoço e limparam as
=«roulottes», preparando-se para partir no dia seguinte. À hora =do
almoço ficaram à espera do Dino. Devia estar a chegar.
Ouviram-no assobiar, enquanto subia pela estrada. Trazia um embrulho =às
costas. À volta dele viam-se dois cães. DOIS!
— Reparem! Um deles é o Ladra-Ladra! — gritou a Zé =cheia de alegria. —
Deve ter melhorado. Que bom!
O Dino chegou, rindo-se. Todos o rodearam perguntando pelo =Ladra-Ladra.
— Já está bom — contou ele, pousando o embrulho das =suas coisas. — A
Lucília tratou-o bem. Esteve quase a morrer; =depois começou a arrebitar
um bocadinho, disse ela, e acabou por =ficar bom de todo.

216

Ao princípio estava um pouco fraco das pernas, mas esta manhã =já estava
completa-mente bem.
Realmente nem parecia que acontecera algum mal ao Ladra-Ladra. Ele e o
=Rosna-Rosna farejavam à volta do Tim, com as caudas a dar a dar. O =Tim
também lhes fez muita festa.
— Tive sorte — disse o Dino. — Só falei com a =Lucília e com o Larry. O
senhor Górgio tinha saído para ir =responder a umas perguntas, na
polícia, assim como alguns dos outros. =Por isso eu só pedi ao Larry para
dizer ao senhor Górgio que me ia =embora, peguei nas minhas coisas e
«raspei-me».
— Agora podemos realmente gozar o nosso último dia! — =disse o Júlio. —
Todos estamos contentes!
É bem certo que se divertiram. Foram tomar banho ao lago. Depois =tiveram
um óptimo lanche, em casa dos Mackies, por especial convite. =Jantaram na
laje, com os três cães a brincar, ali à volta. O =Dino tinha pena de em
breve ter de dizer adeus aos seus amigos =«finos», mas sentia-se
satisfeito e orgulhoso por ter um emprego =na quinta, a tratar dos
cavalos de que ele tanto gostava.
Na manhã seguinte, o Dino, o Ladra-Ladra, o Rosna-Rosna, o senhor =Mackie
e a senhora Mackie, todos ficaram na estrada a dizer adeus aos =pequenos.
— Adeus! — gritava o Dino. — Felicidades! Um dia =hei-de voltar a vê-los!
Adeus, adeus famosos Cinco!... Até à vossa próxima =aventura!

FIM

VOLUMES PUBLICADOS

1 — Os Cinco na Ilha do Tesouro


2 — Nova Aventura dos Cinco
3 — Os Cinco Voltam à Ilha
4 — Os Cinco e os Contrabandistas
5 — Os Cinco e o Circo
6 — Os Cinco Salvaram o Tio
7 — Os Cinco e o Comboio Fantasma
8 — Os Cinco na Casa do Mocho
9 — Os Cinco e a Ciganita
10 — Os Cinco no Lago Negro
11 — Os Cinco no Castelo da Bela-Vista
12-—Os Cinco na Torre do Farol
13 — Os Cinco na Planície Misteriosa
14 — Os Cinco e os Raptores
15 — Os Cinco na Casa em Ruínas
16 — Os Cinco e os Aviadores
17 — Os Cinco nas Montanhas de Gales
18 — Os Cinco na Quinta Finniston
19 — Os Cinco nos Rochedos do Demónio
20 — Os Cinco na Ilha dos Murmúrios
21 — Os Cinco e a Torre do Sábio

Este livro foi composto e impresso


nas oficinas gráficas da EPNC
para a EDITORIAL NOTÍCIAS em 1977

Data da Digitalização

Amadora, Agosto de 2006

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