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1910172023 14:39 PDF js vewer Dissonancia revista de teoria critica ISSN: 2594-5025 Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas Universidade Estadual de Campinas ‘wwwafch.unicamp br/o)s/index php/teoria Titulo © artista e © artesio no jomalismo musical de Mario de Andrade e Femando Lopes-Graga Autor Guilhermina Lopes Fonte Dissondncia: Revista de Teoria Critica, volume 6 Campinas, 2022 Link https:/wwwifeh umicamp br/ojslindexcphp) teoriacttica/aticle view’ 4605 Formato de citagao sugerido: LOPES, Guilhermina “O artista € 0 autesto no jomalismo musical de ‘Mario de Andrade ¢ Fernando Lopes-Graca”. Dissondncia: Revista de Teoria Critea, volume 6, Campinas, 2022, p, 231-268. hitpsoj.tch.unicamp briindex phpiteriacriicalarcteviow!4605/45 140 1910172023 14:39 PDF js vewer O ARTISTA E O ARTESAO NO JORNALISMO MUSICAL DE MARIO DE ANDRADE E FERNANDO LOPES-GRACA Guilhermina Lopes’ RESUMO. “Dosters em Misica pela Unicamp. Atualmente, reals ui estigio de pés-doutornd pela USP, com apoio da Fapesp, Contato: lopes.guilhermina usp. hitpsoj.tch.unicamp briindex phpiteriacriicalarcteviow!4605/45 2140 1910172023 14:39 PDF js vewer O artista © 0 artesio no jornaliemo musical de Mirio de Andrade e Fe Graga permitindo entendé-ls como atividede concrete, cotidiane, prétics, coletlva © contextual, distanclendo-se criticamente de abordagens que valorizam as nogées de obra, individuo, autonomia, atemporeli- dade e valor objetivo, Percebemos também na produce critica dos face a programas estético: ideolégicos, De maneire geral, podemos observar em Lopes-Graga uma compartimentaggo de linhas de trabalho, destacandio, nas can- goes de protesto, urns certs grendiloquéncis mobilizedara, =, na miisica de concerto, 2 fragmento e @ anticlimax, favorecendo, na escuta, a distancia critica, Mério de Andrade, por sua vez, deixa suas autores a defesa da liberdade de cat tens6es internas mais expostas em seu dIscUrso propos vo e auto- titico, tornando frequentemente partido de ume arte engalads & interesseda’ PALAVRAS-CHAVE Mirio de Andrade, Fernando Lopes-Craga, critica musical, formagao artistica, autonomia da arte THE ARTIST AND THE ARTISAN IN MARIO DE ANDRADE AND FERNANDO LOPES- GRACA’S MUSICAL JOURNALISM ABSTRACT in the first decades of the 20th Century, the figure of the many-sided intellectual thet discussed the relation between concert music and local traditions was central in many countries. Fernando Lopes-Grega (9906-1994) and Mério de Andrade (1893-1945) are examples of this ively, in Portugal and Brazil, Based on selected articles by both 's published in Brazilian and Portuguese press in the 232 | Dissonaincia,v. 6, Campinas, 2022 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 140 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lopes 1930's and 194055, | present. in this paper, an analysis of their position regerding bring together the notions of art and craft, pointing out the impor- tance of @ solid technical besis, criticizing virtuosity per se and the persistence of the romantic ideal of genius. We can say they under- 1 artists formation and sociel engagement. Both authors stand art as 2 concrete, practical, dally, collective and contextu activity, critically distancing their views from approaches that velue the notions of werk, individual, autonomy, timelessness and abjective value. We can also notice in their critical texts the defense of artistic freedom, in opposition of a strict adherence to aesthetical-ideological programs. It is possible to perceive, in Lopes-Graga, a tendency to compartmentalize work pathways, reinforcing, in his protest songs, a grandiloquent mobilizing ethos and, in his concert music, @ fragmen- tary and anticlimactic writing, privileging critical distance in listening. Mario de Andrade, in turn, makes explicit his intern conflicts in his self-critical and propositive writing, frequently advocating an 198 KEYWORDS Mario de Andrade, Femando Lopes-Craga, Music Criticism, Artistic Formation, Autonomy of Art. and ‘interested’ art © conhecimento da trajetéria e da producao intelectual do portugués Fernando Lopes-Graca leva frequentemente 0 leitor brasileiro a estabelecer um paralelo com a figura de Mario de Andrade. Ambos sto, & partida, identificados com a pesquisa e estudo da miisica de tradicao oral de seus paises, defesa de seu ‘uso como base para uma miisica nacional de concerto, visio critica sobre indiistria e politica cultural e conjuncao de naciona- Dissonéncia, v6, Campinas, 2022 | 233 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 480 1910172023 14:39 PDF js vewer O artista © 0 attesio soscal de Mii Lopes lismo e modernismo em sua producao artistica. O compositor César Guerra-Peixe, em carta ao musicélogo Mozart de Araiijo, descrevia Lopes-Graga como “o Mario das bandas de la” (Assis 2013: 174). Embora os dois nao se tenham conhecido pessoal- mente nem se correspondido diretamente, Lopes-Graga faz diversas referéncias a0 trabalho de Mario em seus textos. De maneira mais direta, a dedicatéria das Dezassete Cangdes Tradici- onats Brasileiras (1960), para coro misto a cappella, “A memoria de Mario de Andrade” revela o reconhecimento do legado do intelectual brasileiro. Seus escritos sdo testemunho de um periodo de grandes mudancas em varios Ambitos e importantes fontes para o enten- dimento dos debates estéticos da época. Sendo ambos autores de uma vastissima producao que compreende diversos géneros, como ensaios, critica jornalistica e obras didaticas, optei por me concentrar em textos selecionados entre os de jornalismo musi- cal, considerando a sua maior circulagao, 0 “calor da hora” ¢ 0 seu cariter propositivo, Neste artigo, busco discutir a abordagem de ambos sobre a missao do artista enquanto conhecedor de seu oficio e consciente de seu papel social. Artistas, artesaos, virtuoses e virtuosos Em uma crénica publicada na Revista do Brasil em 1938, Mario de Andrade faz un bem-humorado apelo a uma relacao mais espontanea com a mnisica, que se manifestaria no cotidiano. 234 | Dissonincia, v6, Campinas, 2022 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 6140 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lopes Repare-se a difarenca entre dizer de alguém que é um amisica e de outro alguém, que é wm musical. [.] amisice é E 0 ser que sabe miisica,é o elemento inco- miodativo da misica. [..] 0 mmisico nao deixar jamais de me causar wn tal ou qual temor. As vezes wma séria inquietacio. J4 0 mundo dos “musicais” é muito mais pacifico, [..] © individuo muito musical é exatamente a cortesia da misica. E 0 ser de todas as curiosidades, de todas as esperancas e de todas as compreensies (..] E se entio nos diltarmos pelo sentido da prestigiosa palavra, ¢ pensarmos que se diz de um riso de exianca, que é “musical”, e, indo mais longe, que de certas rulatas ou rainhas do nosso pesto, dizemos que tém 0 andar “musical’: sejamos todos musicais! (Andrade 2013(1938]: 40-41) Segundo Francini Oliveira, “a figura do artesio - ou do musical [..] - emerge [..] como um contrapeso necessirio a valorizagao do virtuose, que seria o grande responsavel pelo desencaminhamento da arte de sua verdadeira finalidade” (Oli- veira in Andrade 2013:26). Oliveira (idem: 29) destaca a presenca do tema da técnica, aliado a problematica filosofica do impulso criador, desde os cur- sos no Conservatério Dramitico e Musical de Sao Paulo, antes mesmo de sua participacdo na Semana de Arte Moderna. Pode- mos observar a importincia desse ponto, como destaca Telé Ancona Lopez (1972), em textos do inicio de sua carreira litera- ria, como o “Prefaicio Interessantissimo” de Pauliceta Desvairada (1922) e em A Escrava que ndo é Isaura (1925): ‘Arte, que, somada a Litismo, da Poesia, nao consiste em prejudicar a doida carreira do estado lirico para avisi-lo das pedras cercas de arame do caminho. Deixe que tropece, caia se firs. Arte é mondar mais tarde o Dissondncia, v6, Campinas, 2022 | 235 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 6140 1910172023 14:39 O attista PDF js vewer soscal de Mii poenia de repeticoes fastientas, de sentimentalida- des romanticas, de pormenores iniiteis ow inex- pressivos. (Andrade 2019 [1922]: 8, gifo nosso). Paulo Dermée resolve também a concepsao modernista de poesia a uma conta de somar. Assim: Lirismo + Arte Poesia, Quem conhece os estucdos de Dermée sabe que no fundo ele tem razio, Mas errou a formula. 1° Lirismo, estado ativo proveniente da comogao, produz toxla e qualquer ante [..] 2%: Demme foi leviano. Diz arte por critica e por leis estéticas provindas da observagio ou mesmo aprioristicas. 3° E esquecen o meio utilizado para a expressio. Lirismo + Arte (no sentido de critica esteticiamo, trabalho) soma belasrartes.... Corrigida a receita, eis 0 marrom-glacé: Lirismo puro + Critica + Palavra = Poesia. [..] Dai ter escrito Denmée: "O poeta é uma alma ardente, conduzida por uma cabesa fria.” (Andrade 2010 [1925]: posigao 101-117). E interessante observar 0 uso, nessas citagées, da palavra “arte” como sinénimo de artesanato, tratamento técnico do material, enquanto em textos posteriores ela (¢ suas derivadas) evocarao inspiragao e genialidade, em oposicao a artesanato & lapidagao. O argumento defendido, contudo, permanece. © apelo de Mario ao engajamento manifesta-se mais forte ¢ explicitamente em seus tltimos textos sobre miisica, publica~ dos na Folha da Manha entre 1943 e 1945. Chega a cobranga de extremo sacrificio, como em “O maior miisico”, que abre sua coltna Mundo Musical, onde exalta a figura de Nyi Ebr, autor de cantos de resisténcia 4 ocupagao japonesa na China, morto ainda jovem no pais inimigo, onde procurava estudo e aperfeicoa- mento (Coli 1998). ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 7140 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lope Mario insistia que o fazer artistico ¢, acima de tudo, artesa- nato, e que a valorizacao da solidez da formagao técnica do mnisico teria se perdido com o advento da noc¢ao romantica de genio. Esse argumento seria mais diretamente desenvolyido em ‘O artista ¢ o artes”, redigido em 1938 para a aula inaugural dos seus cursos de Filosofia e Historia da Arte do Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal e posteriormente publicado na coletanea O baile das quatro artes. © autor reco- nhece que ha na arte algo que nao pode ser ensinado e que cons- titui a “concretizagao de wma verdade interior do artista” (Andrade 2012 [1943]: posicao 59), ao que chama a “técnica indi- vidual”, © que denomina “artesanato”, 0 dominio material do fazer artistico, pode e deve ser, a sett ver, iimprescindivelmente ensinado. A virtuosidade, que seria o conhecimento e o dominio pritico da técnica, nao € vista como estritamente necessaria € pode até mesmo ser prejudicial, caso o individuo se restrinja a exibigdes malabaristicas de suas habilidades ou a um ferrenho tradicionalismo estético. [..] a inflagao do individualismo, a inflagao da estética experimental, a inflagdo do psicologismo, desnortearam o verdadeiro objeto da arte [J nfo é mais a obra de cute, mas o artista, E nao poder haver maior engano. [.] Faz-se imprescindivel que adguiramos [..] um per- feito comportamento artistico diante da vida, uma ati mde estética —disciplinada, —_apaixonadamente ansubversivel[..] para que alcancemos realmente a axte $6 entio o individuo retomara a0 humane, Porque na arte verdadeira o humano ¢ a fatalidade, (Andrade 2012 [1943] posigho 346-351) Dissondncia, v. 6, Campinas, 2022 | 237 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 e140 1910172023 14:39 PDF js vewer cio no jomalismo musical de Min siradee Lopes Mario defende essa “ética do artesanato” nao apenas no ambito profissional, como podemos ver no artigo “A carta de Alba’, publicado no Mundo Musical. © autor se dirige & sua amiga Alba Figueiredo Lobo que, recém-casada, abandonava 0 estudo de piano para acudir a exigéncias cotidianas da casa e recusava-se a tocar diante dos amigos. Atribuindo esse constran- gimento ao excesso de peso dado & genialidade e virtuosidade, ‘Mario faz um apelo ao retorno de uma relagtio menos idealizada mais cotidiana com o fazer musical. Eu disse: a consequéncia mais temivel do gesto orgu- Ihoso de Mozart, nao querendo servir a ninguém mais, foi que a arte, a miisica tambem perdeu a sua coti- dianidade de servir. E com efeito, logo em seguida, como salientei no “Baile das Quatro Artes’, 0 Roman- tismo iria erigir a virtuosidade por si mesma, a vir~ tuosidade gratuita das improvisagoes na quarta coxa sobre tan tema de épera,* como finalidade, no da arte mais, mas do artista, desrespeitando a funcio da arte, smandando a obra-de-arte as urtigas. E as consequéncias foram terrivelmente fimestas para a mais cotidiana, a mais servigal das artes, justamente esta nossa miisica, que por enquanto ainda posso chamar de “nossa”, mas aos poucos iri deixando de ser sua. (Andrade 1943 in Coli 1998: 61, grifos nossos). A passagem do artista-artesao do Antigo Regime ao vir- tuose/“génio” romantico é a questao central do artigo “O pontapé de Mozart”, publicado uma semana antes no Mundo Musical. A 1 Referéncia wma pritica do violinist italiano Nicol Paganini (1782-1840). Sendo Tim Blanning (2011: 69), De seus animeros artificis,o mais famoso foi aparecer com teés ou quatro [ic] cordas do viokino soltas ~ € depois execotar brihantemente uma eta com a nica cordaremanescente' 238 | Dissonancia,v. 6, Campinas, 2022 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 9140 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lopes partir de uma cémica narracao da expulsio de Mozart dos servi- cos do Arcebispo Colloredo, Mario atribui o verdadeiro pontapé* a0 compositor, gesto que, por um lado, teria aberto espaco para a autonomia na profissio e, por outro, iniciado um periodo mar- cado pela valorizacao do individualismo e da genialidade, fre- quentemente em detrimento da solidez da formagao técnica e artistica E hoje os artistas sio todos uns habilissimos técnicos da genialidade, mas a técnica da arte se desvalorizou substituida pela palavra formidolosa: Mensagem. Antes do pontapé de Mozart as vacas-de-leite dinias realizavam da ‘mesma forma as sas sublimes mensagens, [J E as mensagens ai ficavam sublimes, porque nao havia tempo para matutar mensagens, o tempo sé dava para obedecer tecnicamente ao material. E a obra-de-arte ai ficava, musculose, sadia, defraudando religides, dando pontapés em reis, mndando © tempo e os homens, porque as mensagens escapavam sempre dos dedos ficeis do ‘operitio. [J Eu nao pego a Mozart que volte a Salabuago e va se escravizar a0 Coloredo outra vez, isso é impossivel, Mas ja € tempo do artista preferir 0 Mozart cotidiano que serviu, a0 Mozart que fez da vida um domingo, bancando estétua prematura no cume do Jaragud, (Andrade 1943 in Coli 1998: 59) © mesmo apelo da “Carta de Alba” a um fazer musical mais “pé-no-chao” aparece na "Oragao de Paraninfo’, discurso realizado em 1935 e dirigido aos formandos do Conservatorio Dramatic ¢ Musical de Sao Paulo. Outro aspecto presente é a valorizagio do potencial de influéncia e tansformagio miitua entre miisica e espaco no ambito das pequenas cidades, bairros e Go ambiente doméstico. 2 Segundo relatou Morart em carta 20 pai, quando, apés diversas tentativas de solicitar [permissio para trabalhos exteros, evau ao palicio de Colloredo uma petigio, 0 Conde de Arco, seu chefe de pessoal, o teria expulsado com um “chute no trasero”.(apud Blanning 2011: 45) Dissonincia, v. 6, Campinas, 2022| 239 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 1040 1910172023 14:39 PDF js vewer O artista €o artesio no jomaliemo musical de Min Nao me orgulha de ter saido das salas conservatorianas tum Francisco Mignone, por exemplo. Porque na forma fo de um grande artista entra um sem miimero [sic] de contingéncias © condicdes, todas de decisério valor. O que me orgulha sois vés, senhores diplomandos, ¢ 0 enxame, O que me orgulha é a professorinha andnima do Bexiga ou da Méoca, a mulher de Taquaritinga ou Sorocaba, que ensina seu Beethoven ou, dormindo os filhos, ainda solta aos ouvides da va algum notumno de Chopin, (Andrade 1975 [195]: 239). E importante levar em consideracao que a Oracao de Para- ninfo foi redigida no ano em que Mério havia assumido a dire- ga do Departamento de Cultura da cidade de Sao Paulo, experiéncia que Ihe proporcionow uma vi critica do fendmeno musical. 0 mais pratica e Em “O salao da Escola Nacional de Musica regurgitava de ouvintes” (Revista do Brasil — 1938), Mario, admirado com a atua- cao da orquestra infantojuvenil da instituigao, destaca 0 espirito congregacional de executantes e ouvintes em torno da miisica, em oposi¢ao aos espeticulos centrados no exibicionismo técnico. ‘A melhor, a mais profimda e verdadeira mnisica, a que nio desmente as suas origens nem mente aos seus ide- ais, nfo seri nunca a que se fz no paleo, mas a que se faz nas escolas, nos clubes, nos lares, nos bairros, nos temples. A crianca que se acostuma 4 execucao coletiva [..] recebe desde o inicio a miisica como elemento de vida, Endo de subsisténcia, como se faz entre nds, (Andrade 2013 [1938]: 123) O virtuosismo per se também era uma preocupacdo pre- sente em diversos textos de Lopes-Graga, avesso ao que definia como “virtuosidade extrospectiva” (1941: 1-75), isto é, a preocu- 240 | Dissonineia, v6 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 1140 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lopes pacdo exclusiva com o aspecto exterior das obras, com a satisfa- ¢a0 do piiblico, a “inércia do pensamento e 0 amor da rotina” (idem: 67). No artigo “Virtuosidade Extrospectiva” “Virtuosi- dade Introspectiva’, distingue essa abordagem problemética da ‘técnica do seu oposto: Digamos que ha uma virtuosidade adjectiva e uma vir tmosidade substantiva: aquela é a [..] vituosidade con: siderada nio como meio, mas como fim; a outra é a virtuosidade, simplesmente, que consiste também, sem dlvvida, na pericia téenica, mas ja nio existente por € para ela mesina, sen‘io que posta ao servigo da obra e consubstancial a ela. A segunda é modesta e apaga-se ante a obra: a primeira é exibicionista e sobrepée-selhe. [.-J quasi podemos dizer que, hoje, 0 virtuoso mio satis faz mais do que um certo gésto pelo singular e pelo excepcional por parte da multidao, sempre em atraso sobre a marcha viva do pensamento artistco. (idem: 64, erifo nosso), Lopes-Graga aponta um bom exemplo dessa “virtuosidade introspectiva” no artigo “Viana da Mota: artista goetheano’, publicado em O Diabo em 1935, onde destaca © equilibrio nas interpretagdes do pianista: 0 seu respeito pelo pensamento dos Mestres leva-o a consultar edigdes, cotejando-as, criticando-as, depu- rando-as, até chegar ao aparamento do texto mais con sentineo nio s6 a0 estilo mas também as intengoes do autor. Depois, 0 seu grande conhecimento e dominio absoluto do teclado permite-lhe tirar © maximo rendi- mento de tudo 0 que executa [J revelando da obra as mais subtis, mas, por vezes, preciosas mimicias, tra- zendlo luz pormenores insuspeitados [..] Numa Sonata executada por Viana da Mota, tudo esta no sew Ingar [.J: 05 planos bem estabelecidos, as linhas nitidas, os Dissonsdncia,v. 6, Campinas, 2022 | 241 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 12140 1910172023 14:39 O artista €o artesio no jomaliemo musical de Min Graga em Viana da Mota, PDF js vewer temas bem recortados, as gradagies perfeitamente con- dduzidas, os pormenores cuidados, sem se sobreporem a0 essencial, os movimentos bem conjugados [..]. Sobre tudo isto, uma larga cultura lteraria e filoséfica © wm completo conhecimento nao s6 de todo o repertorio pia- nistico, como de téda a produgio musical passada e de ‘boa parte da presente, assim como de téda a correspon- dente problemitica ~ dons estes que. se nao fazem, € cetto, o antista, o completam todavia enormemente, em extensio e profuundidade. (Lopes-Graca 1941: 80°81). A amplitude da formacao intelectual, elogiada por Lopes- uma preocupagio de Mario enquanto educador. Na ja referida “Oragao de Paraninfo” de 1935, critica 0 isolamento do miisico e, mais que a falta de uma cultura geral, o proprio desinteresse por wma ampla formagao musical: Talvez estejais ainda lembrados da armaditha com que quase todos os anos inicio os meus cursos de Histria da Miisica... A pergunta que fao sobre o que os meus alu- nos vieram estudar no Conservatério, todos responsiem, tum que veio estudar piano, ontro canto, outro violin. Ha 1d anos faco tal pergunta, Nao tive até hoje um s6 aluno que me respondesse ter vindo estudar mnisica! (Andrade 1975 [1935] 237). ‘Mais adiante, destaca a importancia da vivéncia universi- taria para a formacao intelectual dos misicos. 242 ‘© nosso mrisico precisa imediatamente contagiar-se do espiito universitirio, porque a inobservincia do nosso miisico quanto & cultura geral, & simples- mente inenarravel. [..] Cada qual traz a sua prescu- pagio voltada apenas para parte da misica em que se especializon. [..] Os violinistas vio aos recitais de seus préprios alunos out dos violinistas eélebres, os ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 13140 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lopes pinnistas s6 se interessam por tecladas. (idem: 242, erifos nosso A critica de Mario ao virtuosismo e a defesa da arte como atividade coletiva nao se baseiam apenas na observacao do meio musical. Outras vivéncias, especialmente as decorrentes de suas viagens ao Norte e Nordeste do Brasil, tao marcadas em sua meméria, perpassam e alimentam a reflexdo sobre esse tema, como podemos observar na erdnica “A cuia de Santarém”, publi- cada em 1939 no suplemento literario da revista Direirizes: De primeiro, os indios estavam precisando de recipien- tes, repararam no fruto de casca dura, criaram a pri- meira cuia, Mas era éspera por dentro e facilmente atacada do bicho. [..] até que um dia descobriram 0 ver~ ania de cumata.[.. um dia a cuia aparece com uns rabis~ cos de core uns sulcos que a peda cortante fizera, destruindo em sua passagem o verniz, Agora até que 0 objeto servia menos porque os bichos atacavam a cia pelos sulcos sem vez. Mas nunca que © homem lar- gasse mais daqueles enfeites que faziam a enia, além de ‘til, bonita. [.] Foi perigoso o dia em que um fazedor de cuias apareceu todo lampeizo, porque fizera a cuia mais bonita de todas. Enfeitadissima, tinha pendusicalhos ¢ Joujous, € além dos suleos, era perfurada em recortes sinmosos por onde se via 0 verde do mato e se escutava as Sguas gementes. Mas todos se afastaram do artifice com grandes risadas porque a eutia nao servia mais [..] arte € coisa social; e se um individuo [..] enfeita mal suas cuias sob pretexto de pressa ow utiltarismo, a sua imperfeigdo se reflete na coletividade, atua aos poucos sobre ela, a maltrata, a descamina, a conspurca e san- gra, (Andtade 1939: 1-2). Dissondncia, v. 6, Campinas, 2022 | 243 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 +4140 1910172023 14:39 PDF js vewer O artista © 0 artesio no jornalien A partir da fico, numa escrita polifonica que permite a ‘Mario deixar expostas contradi¢oes e inquietagoes, essa discus- so sobre arte e técnica seria ainda retratada em O Banquete, publicado no Mundo Musical entre 4 de maio de 1944 e 22 de fevereiro de 1945. No ficticio pais de Mentira, retinem-se na mansto da miliondria novaiorquina Sarah Light a “cantora vir- tuose celebérrima” Siomara Ponga, 0 politico Felix de Cima, “de origem italiana € naturalmente fachista”, 0 compositor Janjio e 0 jovem estudante Pastor Fido. Merece atencio 0 destaque dado ao papel formador da critica musical em relagao tanto ao piiblico quanto aos artistas. [Pastor Fido a Janjao] vocés se refugiaram na técnica [..] Si vocés exigem uma critica técnica em vez de uma critica boa, é por ignorineia on esquecimento do que seja a misica integral, a Arte enfim, Critica nio é apon- tar as quintas, como bem cagoava Schumamn [..] e si os valores, as qualidades, os defeitos técnicos duma obra podem ser estudados pelo entico, é devido exclusiva mente & complexidade da critica, que além de orientar © piiblico e Ihe ausiliar a compreensio da obra-de-atte, também € uma espécie de pedagogia dos artistas os tor- nando mais conscientes dos seus valores construtivos ¢ suas deficincias. (Andrade 1977: 103) +3 Eraintengio do autor publicar posteriormente a série em um nico volume, mas ela fat intervompida por ssa morte em 25 de fevercizo de 1945. Em 1977, foi publicada uma odi- ‘Gh citiea por Jorge Coli e Lute Dantas, incluind 0 plano dos capituls incomplete. 244 | Dissondncia, v 6, Camp ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 15140 1910172023 14:39 PDF js vewer Consciéncia social e liberdade artistica Em “A Miisica e 0 Homem’, publicado em 1935 na revista Manifesto, Lopes-Graca defende que a arte sé tera sentido se arti- culada ¢ desenvolvida a partir das vivencias do individuo, que deve estar atento e engajado em seu entorno, tanto no aspecto estético quanto politico e social. A sorte da arte é a sorte do compo social As vicissitudes deste repercutem-se na vida daguela. © prépri artista é, afinal, uma roda da engrenagem do corpo social, ainda que mio aspire senio categoria de rouxinol ou de € que a dura realidade con- temporfinea mata impiedosamente os ronsindis ¢ lunsti- cos E hi, portanto, que tomar partido: ou ser rouxinol smorto ou hosnem vivo. [.] Nao se trata de vineular a misica a coisa alguma, a nio ser aquilo a que ela pode e deve, naturalmente, estar vineulada ~ ‘Vida. Mas, se a arte é, pois, como se afirma, uma Iunitico. A verdade, todavi expressio totalista da Vida, nio se trata também, do contritio, isto é, de negar a possibilidade de um dos aspectos da vida ~ 0 social, [..] poder servir de centro on de ponto de partida obra de arte, visto como toda obra de arte sé vem, afinal, a alcancar esse totalismo vital através de uma irradiagio do particular para 0 uni- versal. A liberdade de eriagio no é uma ilusio, nem é um ilusionismo, quando, como nos melho- res exemplos, a arte sabe conciliar a sua necessi- dade de ser livre com a sua obrigagio de ser humana, universalmente humana. (Lopes-Graca 1978 [1935]: 200-206, grfos nossos). 40 artigo tnha como epigrae a seguinte citacio, do compositor asso Modest Mus sorgsky’ (1559-1881): "Os misicos tém probabilidades de subir pouso a pouco da ‘categoria de rousindis © de lundticos a de membros da sociedade humana” (Lopes- (Graga 1978 [1935]: 197), ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 Guilhermina Lope 16140 1910172023 14:39 PDF js vewer soscal de Mii Lopes O artista © 0 attesio dirade e Fem Esse artigo teve como ponto de partida uma critica ao posicionamento de Darius Milhaud em um inquérito promovido pelo jornal francés Candide a alguns intelectuais acerca da possi- bilidade de um governo de Frente Popular no pais. O compositor, grosso modo, defendia que os mtisicos se restringissem as suas atividades: A mnisica deve sirse da forma do regime. Um quasteto de cordas nunca seri fascista ou comunista, Uma sonata em mi bemol ser sempre uma sonata. Gragas a Deus, 05 miisicos nfo tém outro ideal além da mmisica, nem ss além das escalas © das acordes. outras preocupas: (Milhaud, apud Lopes-Graga 1978 [1935]: 198). Chocado com este “estatuto de menoridade civica atribu- ido a0 mitsico” (Vieira de Carvalho 2017:26), 0 compositor portu- gués contra-argumenta, —mencionando—exemplos_— de envolvimento social de miisicos célebres do presente e do pas- sado. Ao final do texto, hd uma seco intitulada “Cinco anos depois (comentario sem comentarios)”, onde Lopes-Graca noti- fica a passagem de Milhaud por Lisboa e suas intencdes de fuga para os Estados Unidos, devido a perseguigao aos judeus ¢ eclo- so da Segunda Guerra Mundial. Com muita tristeza, 0 autor nos Jembra que mesmo os que se alheiam acabam por ser afetados aponta um paralelo entre a firga literal ¢ 0 pretenso posiciona- mento apolitico do compositor francés, colocando seu destino ao ado do de colegas que também assim se posicionavam e igual- mente recoreram ao exilio, como Amold Schoenberg Igor Stravinsky. 246 | Dissonincia,v. 6, Campinas, 2002 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 sT180 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lope Nesse periodo, o proprio Lopes-Graca estava envolvido no movimento para a constituicao de uma Frente Popular em Portu- gal, em oposicao ao Estado Novo, regime politico de extrema direita, marcado pela repressio politica ¢ controle das praticas culturais, atividade que levaria a sua segunda prisao politica em 19362 (Vieira de Carvalho 2017: 28). Anos mais tarde, no contexto da chamada “polémica interna do neorrealismo”, Lopes-Graca, mantendo 0 mesmo posicionamento, destaca, desta vez, a importancia do aspecto estético e da liberdade do artista. © neorrealismo foi uma cor- rente artistica vigente em diversos paises nas primeiras décadas do século XX, marcada pelo tratamento eritico de questdes soci- ais, culturais, politicas ¢ econémicas, com forte influéncia mar- xista, Uma das principais referéneias para 0 movimento foi a doutrina soviética do realismo socialista, que emergiti nos anos 1920 como reagao ao principio da arte pela arte e sua manifesta- cao na producao cultural do periodo. Em 1954 foi publicado na revista portuguesa Vértice em nome de Antonio Vale (que mais tarde descobriu-se ser pseu- dénimo de Alvaro Cunhal, lider do Partido Comunista Portu- gués, escritor ¢ artista plistico) 0 artigo “Cinco notas sobre forma e conteiido”. Tal texto teve papel decisivo em um debate ‘que jé se desenrolava na revista entre intelectuais ¢ artistas liga- dos a0 PCP, como Antonio José Saraiva, Joto José Cochofel. 5 A primeira prisdo ocorreu em 1981, na cadeia do Aljube, em Lisboa (3 meses, segui- dos de 3 de exilio na vila de Alpirsa), devo a0 seu pertencimento & Organizagio ‘Comunista de Tomar e& atibuigao & sua pessoa, da autoria de inscrigBes nas paredes de Tomar “que significavam pouco amor & Ditadura” (Viciza de Cazvallo 2017: p. 27 Freitas Branco, spud Sousa 2006: 117 Dissondineia, v6, Campinas, 2022 |247 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 1040 1910172023 14:39 PDF js vewer O artista €o artesio no jomaliemo musical de Min Mario Dionisio, Carlos de Oliveira e Lopes-Graca. A principal questao em jogo, segundo Manuel Deniz Silva (2013: 176) era a autonomia da produgio artistica em relagao ao social. O texto de “Vale” foi uma resposta direta a “O sonho e as maos”, em que Mario Dionisio defendia que “a actividade criadora nao ser auténoma, mas é diferenciada”. Nas suas “Cinco notas”, Cunhal procurou demonstrar justamente a inexisténcia dessa diferenga. Citando passagens do ensaio “Introdugao 4 miisica modema” (1942), de Lopes-Graga, classificou a mtisica desse autor ¢ a pin- tura de Picasso como exemplos de concepgao formalista da arte. Lopes-Graga escreveu a redacdo da revista uma carta (1974 [1954]:281-283) em que denunciava a descontextualizagao das fra~ ses de seu livro e a consequente deturpacao de suas ideias, indi- cando ao leitor uma série de textos de sua autoria a esse respeito. Podemos encontrar na seguinte citagao da Autobiografia de Mario Dionisio, escrita em 1987, uma hicida anélise daquele momento, dos dilemas de sua geragao e da posigio partilhada com Lopes-Graga, Cochofel e Carlos de Oliveira: Tudo se complicava muito porque [..] sentiamos. como tum espinho na came, © dever de Intar pela flicidade dos ontros, [..] Mas lutar seria obedecer de olhos fecha- dos a uma orientacdo que (e assim me parecia mais € mais) nao levaria a lado algum, a transformagio dos homens certamente no? E o papel do intelectual (como ode qualquer outro militante) poteria limitar-se a subir descer escadas com o tinico objetivo de subir e descer escadas? Nao seria sua estrita obrigagao (nao s6 dele amas sobretudo dele) esclarecer, esclarecer, esclarecer os que s6 0 no so, A partida, por defeituosa, criminosa organizacao da sociedade? Uns, como eu, pensavam (0 248 | Dissonincia, v 6, Campinas, 2022 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 19140 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lope Cochofel, o Carlos de Oliveira, © Lopes Graga, ndo sé estes) que a militancia do artista deveria ser sobre~ tudo (sobretudo, no s6) no eampo cultural. E que ela de modo nenhum deveria impedir o artista de dedicar-se a0 conhecimento profundo da Kingua- gem especifica da arte e sens problemas. Qne nio havia arte revolueioniria sem comecar por ser arte. (Dionisio 1987: 54, grifo nosso). Mario Vieira de Carvalho, lembrando-nos que Lopes- Graca, em “A misica e 0 homem.” (1978 [1935]: 204-205), observa que “nao se trata, nem de ‘enfeudar a miisica a politica’, nem de ‘divorciar a Arte da vida”, esclarece que 0 compositor, embora defendesse o regresso da mtisica moderna & nogao de “miisica pura”, “absoluta”, em oposicao A nocao romantica de mtisica como fonte subjetivista de sonho ou evasio, distanciava-se do seu sentido mais radical. ‘Miisica pura” nao devia ser entendida no sentido que Stravinsky [..] Ihe dera “dogmaticamente” nas Chroni- ques de ma vie, isto é, como uma “denegacio absoluta da ppossibilidade que a mmisica tem de sugerir ifeias ou de despertar sentimentos", mas sim como “uma afirmagio do primado da imagem sonora, com a imanéncia das suas leis préprias, na informacio da obra musical” (Vieira de Carvalho 2017:30) Vieira de Carvalho destaca a convergéncia da visio de Lopes-Graca sobre a autonomia da obra de arte com a defesa da mediagao estética do supraestético por Adorno, embora o com- positor nunca tenha citado e possivelmente nao fosse familiari- zado com a obra do filésofo alemao. Em arte, o que é mais de que arte s6 pode ser veiculado anavés da arte, através do cumprimento das suas ¢: Dissontncia,v. 6, Campinas, 2022 |249) ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 20140 1910172023 14:39 O artista © 0 artesio no jornalien PDF js vewer géncias imanentes, e nao na medida em que ela amaina a vela e se subsume em propésitos que Ihe sio exterio- res. O seu supraestético é mediado esteticamente. [.] Toda a nmisica que, desde a cra da Revolugao Francesa participou, no conteiido e na forma [Gehalt und Gestal~ tung], na idea de liberdade, pressupés a emancipagio de fnalidades [Zwecke] heterénomas. (Adomo 1956 apud Vieira de Carvalho 2017: 43-44). Também distingue sua visao da do realismo socialista: Falando de Alvaro Cunhal, Manuel Deniz Silva observa que se, por um lado, recusava ser considerado artista e declarou- se “intruso” nas “Cinco Notas”, mesmo escrevendo sob pseu- dénimo, sua paixao, seu senso estético e sua busca de aprimora- Enquanto para o realismo socialista a “autonomia” da aute era em si mesmo “ideologia” ~ “formalismo” como sintoma de alienagio -, Lopes-Graca vé a “arte auté- noma” como uma “actividade de conhecimento” que concorre com outras actividades de conhecimento ena qual as crengas do autor e a relacéo com o sew mundo vivido 56 podem ser captadas pela mediagio estética (Wieira de Carvalho, 2017: 44) mento tecnico revelavam-se em sua obra. 250): As figuras que tragou [..] procuram certamente repre sentar uma determinada realidade social, apontando um hotizonte fixado pelo sonho. Mas dizem mais, ¢ por vezes muito mais, sobre Cunhal (as suas angistias, as suas hesitacées, os seus gostos) e sobre a complexidade das proprias Intas para que remetem, Dizem sobretudo coisas efectivamente ‘diferentes’, na Iuta da mio que desenha com 0 carvio ¢ 0 papel, espagos de outros pos- siveis que, Cumhal o quisesse ou nio, s6 existiam 56 existem no desenho enquanto desenho. E nessa dife- renga, nesse intervalo, praticou uma intervencio estética ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 2140 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lope que nunea quis assumir nem pensar, ecupade que estava em encontrar a linha mais directa entre 0 sonho e 0 taco, (Deniz Silva 2013: 184-185). Questdes similares pautaram, quinze anos antes, um debate entre escritores brasileiros em que Mario teve um impor- tante papel.’ No artigo “A palavra em falso”, publicado no Diario de Noticias do Rio de Janetro em 6 de agosto de 1939, Mario criti- cava o emprego, em textos literarios, de palavras que, em nome de um apelo & realidade critica, arrancariam 0 leitor de um “sublime estado de fusdo estética, daquela “empatia” onde se esta”, da “perfeita comunhao com a ideia” (Andrade 1993 [1939] 91 € 93), Identifica nas artes plisticas e na mitsica a presenca de uma incontestavel questao exclusivamente formal, objetiva de beleza. A ética ali defendida, que retomari em textos futuros como © preficio biografia de Shostakovich, é a do constante esforco de aprimoramento técnico do artista engajado: “a lei moral do artista digno, é o fazer melhor, o esforgo continuo de se realizar cada vez melhor em sua personalidade” (idem: 94). O texto gerou uma resposta em um artigo andnimo publi- cado na revista literaria Dom Casmurro, atribuida a Jorge Amado, entao diretor de redacao, em que 0 autor comentava a desihisao de jovens escritores com o mestre, por eles percebido, nas palavras de Marcos Antonio de Moraes (2007: 164) como “totem caido, pélida sombra do mito do revoluciondrio”. Numa sugesto de formalismo, Amado itonizava ainda 0 incémodo “dos termos que soaram falso aos seus ouvidos de esteta e pro- fessor de miisica. Ouvido gran-fino e educadissimo” (1939b: 8). ‘6 Mais detaes sobre essa polémica podem ser obtidos em Salla (2006) e Moraes (2007 6, Campinas, 2022 | 251 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 2240 1910172023 14:39 PDF js vewer O artista © 0 attesio soscal de Mii Mirio responde a critica em “A raposa e o tostao", publi- cado em 27 de agosto no Diario de Noticias. Afirma sua admira- sao literaria por Jorge Amado, porém chama “tostao” aos autores em que faltaria apuro técnico em nome de uma vaga critica social e busca de sucesso editorial facil. Nao podendo agradar aos decepcionados jovens, Mario insiste na busca pela “lealdade interior” encerrando o artigo com a seguinte frase: “s6 na solidaio encontraremos a caminho de nés mesmos", que dara o mote 4 resposta de Jorge Amado, “A solidao é triste”, publicado em 2 de setembro na Dom Casmurro, em que aponta no escritor uma “volta desesperada a torre de marfim”. (AMADO 1939a: 2) Joel Silveira, no mesmo niimero e pagina da Dom Cas- murro, critica a recepgio negativa de seu livro de contos Onda raivosa, comentado em A palavra em falso, destacando a distin- a0 de classe social entre ambos: © st. Mario de Andrade com éeulos, cultura, espitito e tudo, inclusive fichario e biblioteca representa a gor- dissima soma de cincoenta contos de zéis em cédulas novinhas do Banco do Brasil. Eu, com toda a palidez, com todos os intestinos azinados por una alimentacao deficiente com toda a ignorincia, ousadia e burrice, vvalho simplesmente um tostao, um microscépico tostao sem utilidad". (Silveira 1939: 2). Especialmente digno de nota é 0 artigo “Os sapateiros da literatura’, de Graciliano Ramos, em que o escritor alagoano reconhece e entra em ressonancia com o esforco dialético de ‘Mario, destacando a relagdo arte-artesanato, A semelhanca do ja referido ensaio “O artista e 0 artesao”, 252 | Dissondncia, v. 6, Campinas, 2022 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 2240 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lopes Dificilmente potlemos coser idias ¢ sentimentos, apre senti-los a0 piiblico, se nos falta a hablidade indispen- sivel & tarefa, da mesma forma que no podemos juntar pedacos de couro e razoavelmente compor um par de sapatos, se os nossos dedos bisonhos nao conseguem manejar a faca, a sovela, 0 cordel ¢ as illés". (Ramos 2016 [1939]: 193). Individualidade do artista e critica A demagogia anusical Esses debates ajudam-nos a entender o aparente paradoxo {que vemos ao observar nos dois autores aqui estudados a defesa intransigente da liberdade artistica. Nao se trata de restringir 0 artista ao seu métier, alheando-se das questdes sociaii is que 0 cer- cam, mas tampouco de impor & criagao propésitos partidarios. Encontramos frequentemente em Lopes-Graca momentos bem distintos de prioridade de comunicacao nos planos artistico (imiisica apresentacional) e politico (cangdes de intervengao), embora fortemente articulados. Utilizando as categorias misica “coloquial” (ow fimcional) (Uimgangsmusik) ¢ “apresentacional” (Darbietungsmusik) propostas pelo musicélogo alemao Heinrich Besseler [1959],’ Mario Vieira de Carvalho (2017, 2012a, 2012c), aponta uma distingao de abordagem de Lopes-Graga em relagao 7 Tas categoias eram usadas por Bessleroriginalmente para desrever as estaturas ‘de comunicagdo da msica vocal polifinica europea ente os séculos XVI e XVID. Tais termos lemibram a distingio reaizada por Thomas Tusino (2008) entre misica partii- pativa ¢ misica apresentacional. Embora os conccites se elacionem, ¢ importante sbservar que 0 foro, na definigio do etnomusicéloge american, é a maior ou menor distancia entre misicose piblco eo sex engajamento na prtice musical enguanto na do musicdlogo alemio a centalidade da musica enquanto objeto de escuta ov a sua subordinagio a outa fungio(religios, de trabalho, de entetenimento et). 2022| 253 Dissondnci, v 6, Campinas ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 2480 1910172023 14:39 PDF js vewer soscal de Mii do Lopes O artista © 0 artesio no jornai as suas cangdes de intervengdo ¢ A sua mitsica de concerto. A primeira vertente esta associada principalmente ao repertério que ficou conhecido como Cangies Heroicas, composto a partir de 1945, no contexto da fundagao do Movimento de Unidade Democratica. Trata-se de cangoes de critica politica, com textos de poetas neorrealistas, escritas originalmente para coro misto com piano ou a cappella, porém idealizadas para serem adapta- das as mais diferentes formagdes e cantadas em manifestagdes, comicios, confraternizages, no ambiente doméstico ou mesmo — como se deu ~ nas prisdes politicas.* Em sua miisica de concerto, por outro lado, buscava uma abordagem a partir da perspectiva de uma arte auténoma, desti- nada & escuta em primeiro lugar, mesmo quando a composicao partia de uma questdo politica, como, por exemplo, nas Cinco Estrelas Funerdrias, para orquestra, compostas em 1948, em meméria de amigos antifascistas mortos. Na vertente “apresen- tacional”, segundo Vieira de Carvalho, Lopes-Graga convida 0 ouvinte a ter um papel mais ative na coprodugio do sentido musical. Enquanto muitas Heroicas trazem uma certa grandilo~ quéncia mobilizadora, sua mtisica de concerto ¢ marcada pelo fragmento ¢ pelo anticlimax, favorecendo, na escuta, a distancia ctitica. Nesse sentido, Vieira de Carvalho 0 aproxima de compo- sitores como Hans Eisler e Luigi Nono. 80 coro de MUD, fandade pelo compositor sew principal “Isborstrio" de composi ‘0, seria integrado & Academia de Amadores de Mma, escola onde lecionava, ¢ ‘assim permanece até os dias atu Lopes-Graga 0 dvigiv até 1958, tendo composto cea de uma centena de Canes Herecas Foi sucedi por sev aluno eassistente José Robert e desde 2019 0 grupo ¢diigido por Alexandre Branco Weffort. 254 | Dissonancia, v6, Campinas, 2022 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 2540 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lope musicélogo assim justifica esta compartimentacdo na atitude do compositor: “A relacao entre estrutura musical € estrutura de comunicagao era tao relevante para Lopes-Graca que ele partia sempre desta para aquela. Bis a razio porque 0 set repertério se repartia segundo os contextos a que se destinava” (Vieira de Carvalho 1999; 192). Relaciona essa postura a distin- cao entre “acao vivida” e “ac 10 imaginada”, proposta pelo pré: prio compositor na critica “As visitas da orquestra Filarménica de Berlim”, publicada na revista Seara Nova: Déer-thes todas os dias a 5a Sinfonta, a Incomplete, os _Mestres Cantores, a Morte e Transfiguracde e, 20 fim de certo tempo, as massas nao desejario mais nada, porque aquelas obras, que possuem wma inegivel forca atrac- tiva e um enorme poder absorvente, serio suficientes ‘para lhes satisfazer as necessidades de evasao do quoti- diano, ao mesmo tempo que Ihes adormecem os instin- tos de Iuta, pela substituicio da acco vivida pela accio Jmaginada (Lopes-Graca 1990 [1941]: 150-151). Reafirmando que a “arte auténoma” buscada por Lopes- Graga em sua mtisica de concerto divergia da “politica de despo- litizagao” presente no posicionamento de compositores como ‘Milhaud e Stravinsky, Vieira de Carvalho (2017: 61-62) destaca outras facetas de sua atiacao politica, como a critica musical € editoria no periédico Gazeta Musical e de todas as Artes € a pro- gramacao musical junto & sociedade de concertos Sonata — érgaos de difusdo da misica a um ptiblico socialmente mais amplo ~ e 0 proprio Coro da Academia de Amadores de Miisica, como instrumento de formacao dos cantores e do piiblico. Dissondncia, v 6, Campinas, 21 22 | 255 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 2640 1910172023 14:39 PDF js vewer O artista © 0 artesio no jomaliemo musical de Mixio do Lopes Segundo Vieira de Carvalho (2017: 38), Lopes-Graga via mais uma semethanca do que uma diferenca entre o regime de Stalin na Unio Soviética e o Estado Novo de Salazar, no tocante 8 subordinacao da arte & propaganda politica e uso de clichés e receitas banais, na tentativa de tornar a mtisica acessivel as mas~ sas, Mario de Andrade, por sua vez, apresenta uma visdo critica, porém mais positiva em relacio proposta soviética de desen- volvimento da miisica a partir de fontes populares, como pode- mos notar em seu preficio A traducao brasileira da biografia de Dimitri Shostakovich (1945), de Victor Seroff, texto onde conver- gem, segundo Jorge Coli (1998), varias das iiltimas ¢ essenciais preocupagdes de seu pensamento musical Podemos encontrar, em sua afirmagio de que “o trabalho do compositor soviético consistiria em aprender incessante- mente com 0 povo, apanhar tudo quanto este cria, e ser digno do periodo histérico que esta vivendo” (Andrade in Seroff 1945: 14) uma similaridade de raciocinio e uma sintese entre as proposi- goes do Ensaio sobre miisica brasileira — estudo aprofundado das fontes populares ¢ trabalho composicional a partir delas - e “O artista ¢ artes”, consciéncia do artista de seu papel social ¢ envolvimento com as questdes de seu tempo. Se Lopes-Graca destaca as vanguardas musicais do inicio do século XX como uma resisténcia & tendéncia romantica de evasio (1942: 96 e seg.), Mario, por sua vez, destaca o recurso de Schostakovich as formas tradicionais “burguesas” como oposigao a0 modernismo esteticista, ou seja, 4 ideia de arte pela arte. Des- taca, na trajetoria do compositor, a luta entre os elementos “bur- ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 27140 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lopes gueses” herdados de sua educacao musical (por exemplo, logicas modulatérias provenientes do Romantismo tardio, com passa- gens por regides tonais afastadas, alheias a estrutura harménica das_melodias foleléricas) e a intengao de criar uma misica politica e popular. Suas “escorregadelas na banalidade", no entender do autor de Macunaima, nao viriam da miisica do povo. Si aceitou com fianqueza a liderana melédica € suas consequéncias estrategicas de espirito, de estilo e de téc- nica, nem sempre éle soube se conservar dentro da pureza melédica e da necessiria facilidade do accessivel ‘Nao sé se impurificon por demais nos cromatismos, nao sabendo como, on nao podendo ultrapassar a deliques- céncia burgues-capitalista do ultratonalismo, como, por outro lado, eonfundiu por vezes o vulgar e 0 simples, com 0 simplorio ¢ banal, (Anérade in Seroff 1945: 23). Nao ha divida que a obra do grande compositor com- nista € de uma complexidade enorme. E bastante con- fiasa mesmno, e nao devemos Ihe querer mal por alguma contradigao. [...] Mas esta demonstra o esforyo de ree- ducagio do compositor ¢ prova a educagia de um povo. E que mais exigir dela, se além disso ela nos vulnera a sensibilidade e nos engrandece, nos oferecendo algumas das mais espléndidas comogdes da beleza, do drama e do triunfo do homem? (idem: 32-53) Podemos certamente destacar, tanto em Mario quanto em Lopes-Graga uma postura antidemagégica, de recusa a simplifi- cagio come via de acesso ao piblico. © autor afirmou sempre [.-] que mmea separou sua posicao, ¢ continua a sé-lo, frente a doutrinas (..] que advogavam o resguardo aristoctitico da arte de Beetho- ven, a sua vinculagéo a uma dada concepcio abstracta a miisiea, a sna “pureza” lberta das contingéncias do mundo ¢ da hora... Posigio, no entanto, que recusa Dissondncia v. 6, Campinas, 2022 | 257 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 2040 1910172023 14:39 O artista © 0 artesio no jornalien PDF js vewer sando Lopes tem combatido toda e qualquer forma de demagogismo antistico, neste caso toda e qualquer forma de subversio dos valores e exigéncias da arte dos sons nos seus pres- supostos tecnicos ¢ estéticos, no imutaveis, segura~ mente, mas munca alienaveis em beneficio de uma proclamada, ¢ no raro aberratéria,faclidade e comuni cabilidade “democrética” da mnisica. Também a maré baixa chegou ultimamente agui, neste particular, a extremos grandemente alamantes, desde a recusa do que & e se impde como elementar no oficio de miisico, até as afirmacées, feitas sem pestanejar, de que se “faz” iisica sem “saber” mtsica.. E entre estas duas balizas ~ por um lado, a defesa de uma verdadeira cultura musi- cal ea sua insereio no processo historico e social portu- gués, por outro lado, © combate a todas as formas de degradagao dessa cultura ~ que se tem jogado 0 servigo pedagdgico do autor na vida musical do Pais. (Lopes Graga, 1978, p. 18-19) A citagio acima, da introdugio @ 2° edigao da coletinea Reflexdes sobre a misica, resume bem a posigao do autor acerca de varios temas, como a autonomia da arte, a demagogia musical € a importancia da base técnica para 0 misico. A ciitica a ideia de incapacidade de compreensio ou rigi- dez de gosto do piiblico esti presente na argumentacao de Lopes-Graga em relagio as vanguardas musicais do inicio do século XX. O autor atribui essa postura, na verdade, a uma par- cela do piiblico de elite, que se afirmava “cultivada’” 258 A nossa experiéncia pessoal tem-nos feito ver que um auditrio de cultura musical nio sistematizada, sem pre- juizos nmusicais, portanto, aceita ingénuamente a iiisica modema, sem the opor as reacgbes que de ordina- rio se observam mum auditério considerado “cultivado”, ‘mas cuja “cultura” nfo é, afinal, mais do que uma petrifi- ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 20140 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lopes cago de nogGes, conhecimentos ¢ sentimentos adquitidos (Lopes-Graca 1942: 109 [rodapé],erifo nosso) Em 1938, residindo no Rio, Mario alertava para 0 excesso de éperas repletas de “dés-de-peito” na programacao musical da cidade, destacando a presenca maciga de puiblico nas audigdes comentadas promovidas pela Discoteca Piiblica de $0 Paulo, fundada em sua gestio no Departamento de Cultura, onde se ouvia um repertério bem mais variado. 0 conreio, suculento de invejas, me traz. semanalmente 0s programas des concertos fonogrificos que realiza, em Sao Paulo, a Discoteca Piblica do Departamento de Cul- tmra... Nao hat um dé-de-peito, Sao sempre obras impor- tantes, na sua maioria dificeis de serem executadas entre nés. [..] © concerto de 5 de setembro passado, por cxemplo, apresentow a Suite em si menor, de Jodo Sebas tio Bach, para flauta e cordas, dirigida por Mengelberg, € em seguida © Concerto em mi bemol, de Beethoven, com a Filarménica de Londres e Schnabel ao piano.1 No de 28 de sctembro [..] foram recordes de érgio com pecas de Frescobaldi, Bustehude e Bach, terminando com a Sinfonia em ré menor, de César Franck. [..] A 21 de setembro, pecas orquestrais de Fauré e D’indy, com uma parte central de cangdes de Dupare.[..] a Disco- teca ainda realiza, com muita frequéncia, conferéncias concertos, [..] eobertos de piiblico. (Andrade 2013, [1938]: 35-36). Podemos notar, por outro lado, sobretudo em Mario, uma postura empatica em relao aos sujeitos de suas criticas. Sobre a questaio do virtuosismo, por exemplo, 0 autor reconhece nos intérpretes certa falta de escolha, a partir de um desejo do ptiblico pela repetigao de um repertério ja por eles consagrado. 259 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 3040 1910172023 14:39 PDF js vewer O artista © 0 artesio no jornalien zando Lopes E preciso insistir ainda sobre essa criminosa mania estratificadora do pitblico, que, depois de consagrado um autista numa determinada personalidade criadora, nao the permite mais que mude 56 quer ouvi-lo dentro dessa mesma personalidade. © caso mais espantoso [..] € 0 da sra. Guiomar Novaes, essa indiscutivel vitima do Hino Nacional de Gottschalk. Consagrada como intér- prete dessa inconcebivel pega, os anos passam [..] de menina virou moga, depois casou, tomou-se mulher feita, mmito vin ¢ muito ouviu, houve guerras e revolu- bes, camavais, tempestades, ¢ 0 advento do fascismo. Mas para 0 piiblico brasileiro [..] sera eternamente a executora do Hino Nacional de Gottschalk. E assim os autistas viram escraves do sen piiblico, no podem se ‘modificar, (Andrade 2013 [1940}: 158-159). Mario também expde essa situacdo, num tom mais dcido, em O Banquete, quando afirma que a cantora virtuose “Siomara Ponga, por causa da sua carreira, ou melhor, por causa da sua celebridade piiblica, j4 nao tinha direito mais de gostar de coisa nenhuma nesta vida” (Andrade 1977: 160). ‘Mesmo em autores social e politicamente engajados, como ‘Mario e Lopes-Graca, faz-se presente a sensibilidade a especifici- dades da arte que tém efeito no espectador e escapam a tentati- vas de normatizagao ou enquadramento, raciocinio que podemos perceber tanto no trecho anteriormente citado do preficio a Shostakovich quanto no posicionamento de Lopes-Graga no con- texto da polémica interna do neorrealismo. Uma reflexao de Mario a esse respeito surge na erdnica “Os concertos de Back- haus” (Andrade 2013 [1938]: 67-74), motivada por uma nota de 9 Essa consideracio surge como desdobramento de uma diseussio acerca da visio do ‘ritico Andeade Muric sabre o ecletismo na arte, questio que foge a0 esoopo dest artiga 260 j Dissonincia, v. 6, Campinas, 2022 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 sso 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lopes fim do livro Art et Scholastique, do filosofo francés Jacques Mari- tain, passagem que Mario considera “Iuminosa” no contexto das “paginas severamente sisteméticas” da obra: 0 filésofo € 0 axitico podem e devem bem julgar 0 valor das escolas artisticas, assim como a verdade ow a fals- dade, a boa ou mé influéncia de seus principios. Mas para julgar © proprio poeta ou attsta essas regras so insuficientes: o que importa, antes de tudo, édliscemi se se trata de um artista, de wm poeta, de um homem que possui verdadeiramente a virtude da arte, virtude ‘ritica © operativa, nao especulativa. Um filbsofo, se seu sistema é falso, nao é nada, uma vez que nao podle dizer a verdad, a nai ser por acaso; wm artista, se seu sistema € falso, pode ser alguma coisa, e alguma coisa de grande, porque ele pode criar algo belo apesar de seu sistema ea despeito da inferioridade da forma de aute na qual se mantém. Do ponto de vista da obra feita, hd mais ver- dade astistica (¢ portnto mais de um verdadeiro “clissico”) num romantico que tem aparéncia do que em um clissico que nao a tem. Quando falamos do autista cu poeta, estejamos atentos para nio menosprezar a vir~ tude que pode nele estar e ofender assim algo de natu- ralmente sagrado. (Maritain 1920: 145, tradugio nossa erifos do autor). Deve haver uma verdade da arte, mas esta nio seri ‘mica ¢ exclusivamente o artefazer?... Mas se jamais se conseguit chegar a um acordo sobre 0 que seja artefa zer!.. Nem o prdprio belo, invocado por Maritain, e que também nio conseguimas saber o que & nem 0 proprio belo sera elemento absolutamente necessirio do artefa- zr, pois que ai estio os surrealistas ¢ expressionistas le todos os tempos a negar essa preocupacio de beleza, ¢ vemos um Rivera fazer feio de propésito, maltratar pro- positalmente o fato plastic (até este!) nos seus afrescos, com os mesmos interesses sociais com que © Aleijadi- Dissonaincia,v.6, Campinas, 2022 | 261 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 240 1910172023 14:39 O artista © 0 artesio no jornalien PDF js vewer sando Lopes tho maltratava os soldades romanos que... amorosa- ‘mente talhava... (Andrade 2013 [1933]: 73). Uma leitura do excerto do corpo do texto ao qual se refere anota de Maritain destacada por Mario revela que 0 proprio filé- sofo, embora demonstre um certo apego As nogdes de génio e de “regras eternas” e uma visto de decadéncia da mtisica de seu tempo, entende as linguagens artisticas e 0 que denomina o “pelo” como algo dindmico, destaca a importincia da disciplina como nutriz da originalidade e critica a “aceleragao febril do individualismo moderno”. 262 | Di O génio, o criador da arte, & aquele que encontra um novo anclogo do belo, uma nova maneira pela qual a la- reza da forma pode brilhar sobre a matéria. A obra que ele faz [..] est, portanto, em um novo género e requer novas regras, ot seja, uma nova adaptagio das regras otiginais e etemas e mesmo o uso de viae certae et deter- iminatae nao usados até entao e que, a principio, descon- certam, Neste momento, a atividade contemplativa em contato com o transcendental, que constitui a propria vida das artes da Beleza ¢ de suas regras, é obviamente predominante, Mas € quase inevitavel que o talento, a habilidade, a técnica pura, a atividade unicamente ope- rativa que é do dominio do género arte ganhe gradual- mente a vantagem, até que [os artistas] 56 se empenhardo em explorar 0 que ja foi descoberto: as regras antes vivas e espirituais entio se materializardo, ¢ essa forma de arte eventuslmente se esgotard; a renov. fo sera necessiria,[..] esta renovasao ira talvez rebai sar nivel geral da arte, mas permanece a condicio para o florescimento de obras mais altas. De Bach a Bee- thoven e de Beethoven a Wagner podemos acreditar que [-] a forma ow o género de arte declinou em qualidade, em espiritualidade, em pureza, Mas quem ousaria dizer ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 sai40 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lope aque um dessestrés homens € mais baixo que o outro? £ bem verdade que ndo ha progresso necessinio em ate aque a tradi e a dsciplina sio as condigdes para a pré- pia existncia da arte entre os homens, eas verdadeiras ntrizes da originalidade; eque a aceleragao febrildesse individvalismo modem, com sia mania de revahagso no mediocre, impde a sucessio das formas de arte, das escolas abortadas, das modas infantis, é 0 sintoma da pior decadéncin intelectual social; no entanto, perma- nece na arte wna necessidade essencial de novidade sezonal como a natuteza (Maritain 1920: 64-66, tadcio nossa, grifos do autor. Consideragoes finais E perceptivel em ambos os autores a conviecio da necessi- dade de uma resposta, por parte dos artistas — enquanto tal ¢ enquanto cidadaos ~ aos dilemas estéticos, politicos e sociais de seu tempo. Diferencia-os, no entanto, a sua atitude enquanto analistas da propria producao e trajetoria. Para 0 mtisico portugués foi preciso que a iitsica do século XX se despisse de transcendentalidade, porém longe de se tornar algo “gelado ¢ cerebralista". O artista é por ele entendido como um “obreiro das belas coisas” (1942: 92-94). A seu ver, a instabilidade atribuida & musica desse periodo face aos anterio- res é consequéncia dos embates de seu tempo. A uma conscién- cia social em crise sé poderia corresponder uma arte em crise (idem: 102). Embora possamos observar, na pritica, a imbricagao entre engajamento politico e distancia critica, seja nas suas can- goes de protesto ou nas composigdes de concerto que se preten- ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 340 1910172023 14:39 PDF js vewer O artista © 0 attesio dem mais “auténomas”,” a distingio apontada por Mario Vieira de Carvalho (2017) faz sentido enquanto atitude do artista; uma necessidade de compartimentar linhas de trabalho para se orga~ nizar e, de alguma forma, sentir satisfeitos seus diferentes anseios pessoais. Mario de Andrade, por outro lado, deixa suas tensdes internas mais expostas em seu discurso propositivo e autorrefle- xivo, Entre arte auténoma e engajada, desinteressada e interes- sada, toma sempre partido dessa tiltima vertente, com frequéncia a partir de uma ferrenha autocritica, como podemos perceber no seguinte excerto de sua conferéncia “O movimento modernista” (1942), balanco dos 20 anos da Semana de Arte Moderna: Abandonei, tracio conciente, a fiegio, em favor de um homem-de-estudo que fimdamentalmente nao sou. Mas € que eu decidira impregnar tudo quanto fazia de um valor ulilitirie, um valor pratico de vida, que fosse alguma coisa mais terrestre que ficcdo, prazer estético, a beleza divina. Mas eis que chego a éste paradoxo inespirivel: Tendo deformado toda a minha obra por um anti-individualismo dirigido e voluntarioso, toda minha obra nao é mais que um hiperindividualismo implacavel! (Andrade 1974 [1942]: 254, grifos nosso) Telé Ancona Lopez (1972) destaca, no discurso critico de Mrio, certa confusio entre individualidade e individualismo, sobretudo em sua escrita da juventude, mas da qual podemos sentir resquicios em manifestacdes posteriores como essa. £ 10 Para uma dscussio esse aspect, cf. 0 2* capitulo da tese de doutorado de Guilher- sina Lopes (2018), especialmente o item 22 A articulagdo entre diferentes paradigmas de prtica mesial, 264 | Dissonincia,v. 6, Campinas, 2002 ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 asi40 1910172023 14:39 PDF js vewer Guilhermina Lope mnuito forte no autor a associacdo entre engajamento e sacrificio, em grande medida fruto de sua tentativa de conciliacao entre a formacao catélica ¢ suas leituras marxistas, conforme observam Lopez (op. cit.) e Pedro Fragelli (2013). Este estudioso destaca ‘uma alternancia nao linear entre politico/estético, arte interes- sada/desinteressada na produgio critica e ensaistica do autor, num “desnorteante vaivém teérico do pensamento estético” (idem: 95), dando-se uma abordagem dialética do problema ape- nas em “O artista e 0 artesio”. A experiéncia de acompanhar os distintos momentos do discurso marioandradino é, de fato, verti- ginosa, porém irresistivel em sua humanidade, -Recebid em 15/12/2021 Publicado em 31/12°2022 Referencias AMADO, J. [atribuido a]. “A solidao € triste". Dom Casmurro, ano Ill, n° 116, p. 2, 1939a. Disponivel em . Acesso em 10 dez. 2021. —.“O tempo que vai pasando”. Dom Casmmurro, ano TIL, n° 113, p. 7, 12 de agosto de 1939b. Disponivel em . Acesso em 09 dez. 2021. ntps:ifojs.ifeh.unicamp briindex phpltecriacrticalaricllviow!4605/45 3640 1910172023 14:39 PDF js vewer cio no jomalismo musical de Min ANDRADE, M. A cutia de Santarém, In: Suplemento Literdrio de Diretrizes, Rio de Janeiro, Ano 2, n° 20, nov. 1939. (Série Matérias extraidas de periddicos, Arquivo Mario de Andrade, IEB/USP). Transcrigao de Flavia Camargo Toni. —. A escrava que nao é Isaura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. Ediigio do Kindle. Nao paginado. —. “A palavra em falso”, In: ANDRADE, M. de. SACHS, S. (pes- quisa, estabelecimento de texto, introducao ¢ notas) Vida Literéria. Sao Paulo: Edusp/Hucitec, 1993 —. Aspectos da muisica brasileira. lia: INL, 1975, ed., § Paulo: Martins; Brasi- —. Aspectos da literatura brasileira, 5* ed. $ Paulo: Martins, 1974. —. O Banquete, Sao Paulo: Livraria Duas Cidades, 1977. =. O baile das quatro artes, Rio de janeiro: Nova Fronteira, 2012. Edigao do Kindle. —. Pauliceia desvairada, Jandira, SP: Editora Prineipis, 2019. Edi- cao do Kindle. —. Sejamos todos musicais: as crénicas de Mério de Andrade na Revista do Brasil, 3a fase. Apresentacao Flavia Camargo Toni. 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