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A CRISE
ESPIRITUAL
DO HOMEM
UNIVERSALISMO
Sumário
Capítulo 9 — Deus É!
Capítulo 12 — A Busca
Muita gente esperava e supunha que o fim da guerra e o princípio da paz também
seriam o princípio de um período de aflições cada vez menores e normalidade
cada vez maior. Muita gente esperava e supunha que as nações iniciassem vida
nova no terreno da amizade e da compreensão. Mas a história do mundo do
após-guerra, que deveria ter sido a história desse movimento triunfal do mau
para o bom, tornou-se, ao invés disso, a história do deplorado movimento do
mau para o pior. A paz que se seguiu à guerra, como se vê, não é paz.
Expostos como estamos às agitações da nossa era, é mais difícil do que nunca,
para nós, manter a serenidade de espírito. As notícias desalentadoras nos são
transmitidas com demasiada frequência e os medos perturbadores se tornaram
tão insidiosos que não nos permitem conservar a placidez senão à custa de
ingentes esforços. Sem paz interior, sem segurança externa, o homem moderno,
que durante tanto tempo se condoeu dos seus antepassados da Antiguidade e
da Idade Média, converteu-se hoje num objeto de piedade. Existem
características alarmantes no crescimento do seu desequilíbrio emocional e da
sua instabilidade mental. Há em sua mente e há em sua vida excitações
neuróticas e tumultos patológicos, paixões veementes e perigosas indecisões.
— É este o fim inglório a que nos conduz a nossa tão gabada civilização
moderna?
Efeito curioso, assim da guerra como da crise, sobre as pessoas em toda parte
é a divisão delas em três grupos distintos e diferentes — tão diferentes que o
quadro se torna paradoxal. Pois, conquanto tenham passado pela mesma
experiência de miséria nos tempos de guerra e de caos nos tempos de paz,
sacaram dessa experiência conclusões divergentes! A mesma angústia
universal ou a mesma atribulação pessoal, que desmantelaram a fé religiosa de
muitas pessoas, fortaleceram a de outras; deixando, ao mesmo tempo, um
terceiro grupo indiferente e apático em relação à religião, preocupado tão-só com
uma visão exclusivamente política ou econômica da vida, escorada num ódio
feroz de classe ou nacional. A mesma catástrofe que estragou a fé quebradiça
de alguns, fortificou e revitalizou a fé declinante de outros, ou a levou, pela
primeira vez, à mente de um terceiro grupo; entretanto, muitos há que, perdido
o interesse tanto pela aceitação quanto pela negação, voltaram-se, de todo, para
assuntos mais mundanos. Dentre os que reagiram aceitando a religião, muitos o
fizeram por necessitarem urgentemente de alguma espécie de refúgio, e não por
haverem investigado se, de fato, se trata de um refúgio certo ou duradouro.
Precisamente pelas mesmas razões, outros se entregaram à bebida, à
sensualidade ou à violência política.
Entretanto, existem outros que esperavam que, depois de todo esse sofrimento,
depois de todo esse horror, uma nova humildade tomasse conta do mundo, a
humildade capaz de reconhecer e reverenciar um poder mais alto que o do
homem. Quando tantas pessoas em tantos lugares viram supostas seguranças
transmudadas em ficções; quando tanta coisa deu de si debaixo deles,
obrigando-os a alongar a vista para além das tribulações presentes e para além
das atuais aflições, acreditava-se que isso houvesse ensinado aos capazes de
haurir algum ensinamento a necessidade de acreditar em Deus. Houve
precedentes históricos para a idéia de que as destrutivas agonias da guerra e as
caóticas misérias da paz levassem muita gente a um cansado pessimismo, que
procuraria no extraterreno o que não podia encontrar aqui.
Disseram os cínicos que o homem continua a ser o mesmo bárbaro, que é pura
fantasia esperar pelo seu progresso espiritual num futuro próximo. Mas dizer que
é loucura esperar uma rápida e geral revivescência espiritual não é dizer que a
guerra não deixou algum depósito espiritual na mente de uma seção da
humanidade. A caixa postal de todas as pessoas que escrevem com eficiência
sobre assuntos espirituais ministra provas de que muita gente está começando
a interessar-se por esses assuntos pela primeira vez e por motivos decorrentes
da crise mundial. O seu despertar do letargo espiritual já foi iniciado, embora o
preço pago por ele tenha sido terrível. Mostra-nos a História que é sobretudo
nessas épocas de sofrimento generalizado, de sublevação social e de valores
feitos em pedaços, de crise religiosa e desafio moral, que se buscam mais
amplas e mais altas concepções de vida e nascem novos movimentos
espirituais.
Se a guerra trouxe profunda miséria ao gênero humano, também trouxe com ela
uma profunda oportunidade para que os homens se humilhassem pelos
sofrimentos, aprendessem com as reflexões e se envergonhassem dos seus
erros. Do seu vasto sofrimento — desse banho de sangue humano — todos
tiveram a oportunidade de erguer-se, depurados, purificados e mais sábios.
Hesitante e confusamente, alguns lhe aprenderam corretamente as lições sob a
terrível pressão dos acontecimentos, purificando-se de crenças tolas e conceitos
materialistas. O seu choque drástico e as suas miseráveis consequências
acarretaram a perda de alguns apoios externos e isto, por seu turno, acarretou
a perda de alguns apoios internos. Arrebatados por ondas de pessimismo,
lançaram-se à procura de consolação religiosa, ou mensagens proféticas
confortadoras, ou experiência mística. (É possível que o significado da palavra
“místico” se tenha tornado demasiado vago e demasiado lato para ser realmente
útil. A palavra “espiritual” não será muito melhor. Entretanto, não existe um
equivalente adequado na língua inglesa para a idéia que se pretende transmitir.
O sânscrito já é mais bem servido. Não obstante, essas palavras precisam ser
usadas por amor da brevidade, mas só o serão aqui quando a sua evitação for
demasiado trabalhosa.)
Quantos foram compelidos, pelo que percebem da situação das coisas neste
planeta, a encetar uma busca conscienciosa do significado da vida? Quanto
impulso ganharam realmente esses movimentos? Serão visíveis neste período
de após-guerra as marcas de uma santidade maior, de uma conduta mais pura
e de menor profanidade? É verdade que hoje um número maior de pessoas do
que antes da guerra procura a verdade espiritual. Mas o seu número é ainda tão
pequeno e o seu aumento tão lento, que o movimento está muito longe de
exercer uma influência decisiva. Só um número relativamente reduzido de
pessoas foi despertado pela crise mundial para buscar a existência interior. Os
que se interessam pelo idealismo pessoal, aspiram ao aperfeiçoamento de si
mesmos e estendem a mão para alcançar o divino, ainda são pouquíssimos. A
regeneração, que poderia ter sido o resultado de uma guerra desse caráter
inusitado, precisa apresentar maiores indícios de estar-se iniciando, para que
não se dissipe a expectativa de um despertar espiritual geral. A grande
escuridade que envolvia o gênero humano antes da guerra ainda envolve uma
parte demasiado grande da humanidade do após-guerra. É a causa de uma
massa inevitável de sofrimentos e misérias, de pecado evitável e desespero, que
existe no mundo e não pode encontrar melhor solvente do que esse despertar.
2
Não Haverá um Mundo Melhor
sem Homens Melhores!
Seria fácil para uma geração que assistiu a um conflito sem paralelo e a um mal
sem precedentes perder a fé no poder divino ou na divina sabedoria. É o que
está acontecendo a muita gente nesta época; de tal maneira se preocupa com
as circunstâncias externas da sua vida que lhe descura do propósito mais
elevado. As suas análises dos acontecimentos históricos e da evolução humana
ou não são suficientemente profundas ou são totalmente enganosas. Que outro
resultado se pode esperar de homens que carecem do conhecimento das leis
espirituais, que governam a causação desses acontecimentos e controlam a
evolução?
A verdadeira luta hoje em dia é confusa e disfarçada; não é apenas a luta exterior
e manifesta, que todos os jornais registram. É a que se trava entre a grande
mentira de um conceito materialista da vida e a grande verdade de um conceito
espiritual. Chamamos mentira ao primeiro porque ele afirma que estamos aqui
na terra tão-somente para satisfazer aos apetites do corpo e aos desejos do ego.
Em todo o correr da longa história do homem, os videntes mais sábios e os
profetas mais iluminados expuseram o seu descobrimento cabalmente
comprovado — e não apenas a sua opinião — de que as forças da Natureza,
Deus, nos trouxeram aqui para disciplinar tais apetites e elevar esses desejos,
como requisito preliminar do propósito mais alto da vida — a descoberta do Eu
Supremo e da união consciente com ele.
Iludidos pela aparência das coisas, milhões acreditaram que a sua existência é
física e nada mais. Hoje estão comendo o fruto azedo dessa falsa crença. A
compreensão correta de si mesmos lhes teria mostrado que eles não são apenas
criaturas compostas de corpo, sentimentos e pensamentos, senão também de
intuições espirituais. Daí que o fundamento mais forte possível, sobre o qual se
pode edificar qualquer estrutura social, é a Ética essencial de todo ensinamento
espiritual. Essa Ética brota, afinal, de um conhecimento misticamente revelado
das leis morais e espirituais, que governam o universo. A nova compreensão das
velhas leis, que penetra muito mais fundo que qualquer doutrina político-
econômica, acarretaria necessariamente nova e melhor integração da
sociedade, a qual, então, refletiria o pensamento ético.
O observador imparcial pode parecer pessimista, mas sabe que se baldarão as
conferências mundiais enquanto os estadistas a elas comparecerem com o fito
exclusivo de proteger os seus interesses atuais, propor soluções improvisadas e
evitar concessões penosas. Malograr-se-ão enquanto os governantes e os
povos preferirem perspectivas superficiais a perspectivas mais profundas.
Revelar-se-ão, como foi predito há vários anos num livro anterior, meras ilusões
enquanto não os animarem um ideal ético mais elevado e um conhecimento
metafísico superior. Quando uma civilização materialista se torna exteriormente
impressionante, mas continua internamente empobrecida, quando as relações
políticas se convertem numa fachada primorosa para ocultar os salões
espiritualmente vazios que existem por detrás dela, é fatal que surjam problemas
ameaçadores de todos os lados. O verdadeiro problema contemporâneo, que
existe atrás de todos os outros, é o da regeneração mental e moral.
Uma economia industrial que não reconhece, na prática, o homem como ser
espiritual nem o universo como obediente às leis divinas, engendra perigos
psíquicos para o seu povo. Ainda que os seus planificadores ofereçam um lugar
mais satisfatório em que possa viver a massa geral das pessoas, não ministrarão
os ideais para os quais essas pessoas terão de viver se quiserem cumprir o mais
alto propósito da sua encarnação, ideais que acabarão determinando o destino
daquele lugar. “O homem põe e Deus dispõe” é um dito que talvez pareça cediço,
mas ainda funciona. Os realistas e racionalistas, que desprezariam a aplicação
de dignos ideais como simples divisas e lemas impraticáveis de um sonhador,
iludem-se a si mesmos.
Uma consequência diferente desse culto parece trivial mas, na realidade, não é
o que parece. Criou-se um desprezo pelas terras em que o ritmo de mudança é
mais lento, em que se arrasta a passagem de um modo de vida antiquado para
uma existência mecanizada. Atrás desse desprezo está a incapacidade de
compreender por que as pessoas nessas terras querem ser deixadas em paz e
preferem desenvolver-se a seu talante, sem nada perder do contentamento
íntimo que possuem. As duas nações deste planeta que fizeram da velocidade
um alto ideal de vida tornaram-se, por isso mesmo, incapazes de simpatizar com
os anseios de povos atrasados, que preferem preservar o ritmo vagaroso de vida
e perseverar nele. Estes últimos se contentam em desempenhar apenas um
pequeno papel na corrida pelo poder e pela riqueza. Consideram o ambiente das
nações ocidentais falto de atrativos, a condição mental como uma espécie de
loucura, e o tropel e o tumulto como indignos do preço que custam. E o que é
mais curioso ainda, vêem na máquina uma espécie de brinquedo.
Não obstante, a despeito dos seus pontos de vista, é verdade que os métodos
industriais modernos, graças à sua tremenda capacidade produtiva, alcançada
por técnicas de massa baseada em máquinas, vieram para ficar. Mas vieram
para ficar em sua forma atual? Dão ao trabalhador o seu pão com manteiga, mas
também o despojam de satisfações íntimas e de valor funcional individual.
Transmudam-no, até certo ponto, numa parte da máquina e privam-no da sua
virilidade. Na medida em que a máquina lhe tira a individualidade e força-o a
executar os mesmos e poucos movimentos mecânicos todos os dias, durante
toda a sua vida de trabalho, propende a tolhê-lo. As linhas de montagem nas
fábricas imensas, que vertem massas de gêneros, não fazem quaisquer
solicitações às habilidades criativas dos trabalhadores, mas apenas os mantêm
empenhados, em trabalhos de repetição. Os arranjos físicos e a atmosfera
mental dessas fábricas são, não raro, nocivos ao sistema nervoso humano.
Precisamos da indústria mecanizada, mas não precisamos dela a um preço tão
alto. Os industriais e economistas que tratam o homem, inclusive a si mesmos,
como simples cifra estatística, ou como simples “operário” suscetível de ser
arregimentado em massa, à semelhança de um instrumento de produção, de um
torno, e não como ser humano sensível, capaz de sentir e pensar, lhe atrofiam
os talentos e lhe cerceiam o pendor criativo. Lidam com robôs humanos e não
curam de valores mais elevados. Em seu culto da visão mecanizada da vida,
perdem o equilíbrio, exatamente como perdem o seu outros adoradores da
máquina, que os verberam politicamente em nome do coletivismo forçado.
Ambos estão hipnotizados pela forma moderna do materialismo. Ambos
acreditam que a máquina aliviará o labor e aumentará a prosperidade por tal
maneira que toda a gente, dali por diante, será feliz. A tecnologia inventiva pode
fazer, e está fazendo, coisas maravilhosas nesta época, mas nunca fará ninguém
realmente feliz. Salvou o homem do trabalho servil, mas poderá, porventura,
salvá-lo da angústia mental? Quantos milhões de operários de indústrias
transcenderam mentalmente as máquinas por que eles zelam? E quantos
famosos diretores do mundo dos negócios se tornaram em algo mais do que
meros autômatos do mundo dos negócios?
O panorama das nossas grandes cidades apresenta um espetáculo. Pois foi para
essas habitações superpovoadas, de crescimento vertiginoso, do mundo
ocidental, que se sentiram atraídos os pioneiros de hoje. Grandes construtores,
engenheiros, peritos, astutos financistas, cientistas habilidosos, comerciantes
empreendedores, os milhões que se esfalfam em obediência às suas ordens,
juntamente com artistas, escritores e outros homens de sonhos, estão todos lá.
Nas cidades, forças de todo gênero lutam pela primazia; ambições de todas as
categorias lutam por prêmios em trajos tentadores. O campo dos negócios torna-
se, às vezes, um como campo de batalha, em que pelejam gigantes da
inteligência e da astúcia. À semelhança de um moinho imenso, cada cidade
extrai dos seus habitantes tudo o que eles possuem de habilidade, energia e
coragem.
Essas grandes cidades são o nosso carma, que exprime o que somos. Na
medida em que nos aprimoramos, aprimoramo-las. Nos ambientes em que
encarnamos, encontramos as lições que precisamos aprender, ou granjeamos
os frutos do que fizemos no passado, ou esbarramos em condições que nos
incitam a mudá-las e melhorá-las e, ao fazê-lo, a desenvolver-nos.
Quando um homem sensível percorre uma rua, depois de terem sido os seus
sentimentos purificados pelos bosquetes solitários da Natureza, sente-se
distante daquelas casas, que tantas vezes não são lares, senão barricadas da
tribulação. Por outro lado, é raro encontrar-se um lavrador cuja mente ultrapasse
a lida fleumática dos campos. A idealização romântica da existência rústica se
dissipa tão logo nos lembramos dos camponeses analfabetos, semimortos de
fome, da Índia e da China. É tão néscia neste século XX quanto a idealização
romântica da vida do citadino.
Isso tudo não quer dizer, entretanto, que não se devam fazer tentativas práticas
para criar ambientes cada vez melhores. O aperfeiçoamento dos ambientes
externos é sempre benéfico; pode, por si mesmo, criar uma atmosfera em que
os ideais mais elevados sejam melhor recebidos; mas não substitui, nem
substituirá jamais, o aperfeiçoamento da entidade humana que precisa habitar
esse ambiente. Entretanto, oferecer, como tantas vezes oferecem os idealistas
místicos, porém antifilosóficos, a panacéia para os distúrbios sociais da
humanidade, exclusivamente consistente na mudança individual de coração,
sem fazer outra coisa senão ficar esperando que a mudança remota aconteça e
rejeitar todas as propostas práticas, é confessar a própria falência intelectual. Só
a falta de equilíbrio e a manifesta estreiteza de perspectiva levam esses
idealistas a afirmar que a única reforma necessária é a mudança da natureza
humana. O erro deles não está em afirmarem que a mudança de coração
produzirá a mudança de ambiente. Isto é verdade. Está em rejeitarem o segundo
enquanto aguardam o primeiro. Pois existem coisas más no ambiente humano,
que impedem a ocorrência dessa mudança ou, não podendo impedi-la, não lhe
permitem subsistir.
Esse panorama histórico, trágica realidade para os milhões que nele sofrem,
simples dança de sombras para os místicos que meditam longe dele, só é
corretamente avaliado pelo filósofo.
Hoje em dia, o caminho para o domínio espiritual percorre, até certo ponto, o
domínio social. Os males ambientais precisam ser algum tanto melhorados para
que as pessoas — tanto as ricas quanto as pobres — possam ter consciência
dos seus males internos e, em seguida, concentrem a sua atenção num bem
superior. O homem obrigado a uma preocupação forçada e contínua com o
problema de ganhar a vida ou de sustentar a família, seria realmente néscio se
não desse a esse problema a grande importância que ele tem. Até os mais
afortunados não fazem nada de mal, senão tudo de bem, ao prover-se de
confortos materiais e conveniências modernas, como uma boa casa, roupas
decentes e comida adequada. O mal começa quando os homens elevam essas
coisas à categoria de ídolos e passam a adorá-las como finalidades da vida,
esquecidos das finalidades mais elevadas; e quando têm o coração repleto de
apegos a elas, porém vazios de ideais além delas e, sobretudo, quando as
adquirem à custa de valores espirituais ou da violação da integridade moral.
Foge ao escopo destas páginas a discussão dos argumentos dos que sustentam
o motivo do lucro pessoal e os dos que o rejeitam de todo. Ambos são
compelidos por um egoísmo que acarreta, e acarretará sempre, o atrito, mas que
tem sido inevitável no curso do desenvolvimento humano. Ninguém trabalhará
sem motivo, quer se trate da edificação de um estado coletivista, quer se trate
da construção de uma fortuna particular. Só o sábio ou o santo, que servem
desprendidamente, porque servem por ordem de um poder mais alto, escapam
a essa necessidade, mas esses homens pertencem a uma raça à parte. É certo,
contudo, que muito conflito industrial poderia ser resolvido se ambas as partes o
encarassem com a atitude mental de cooperação, que supõe alguma negação
do ego pessoal.
Se bem não seja possível, com o defeituoso material humano de que dispomos,
chegar a um milênio neste mundo, a uma utopia terrestre; se bem o
perfeccionismo político-econômico não passe de um sonho dos doutrinários
emocionalistas, é possível construir um mundo mais cooperativo e mais belo do
que o que existe. Isto exigiria todo o senso incomum, todo o claro pensamento
concreto, toda a boa vontade moral, toda a sábia, artística e espiritual liderança,
todo o empreendimento imaginativo que os nossos melhores homens podem
reunir. A impossibilidade de trazer à terra um impossível sonho utópico — não
será razão para deixarmos de tentar trazer um fragmento dele.
É inevitável que nos encaminhemos para uma forma mais alta de civilização. A
guerra ensejou ao indivíduo e ao Estado uma oportunidade — frequentemente
mal recebida — de indicar a sua posição na luta pela vida e demonstrar quais
são as metas que realmente colimam. Todos, incluindo os que saíram
profundamente abalados e malferidos, estão sendo compelidos pelo vasto caos
a desenvolver-se em novas direções e a reajustar-se a novas correntes
evolutivas ou, através do egoísmo, da cegueira, da covardia e da inércia, a
desastres que terminarão em destruição.
Muita gente acusou Hitler, com justeza, de pôr em perigo a civilização, mas
nunca se deu conta de que a chamada civilização se estava transformando,
através do desequilíbrio, num grande perigo para o gênero humano. Os
expositores da ciência popular quedavam extáticos ao retratar o paraíso a que a
ciência aplicada nos estava conduzindo a todos. Não se lhes dava de que fosse
um paraíso para a cabeça, que deixava de fora o coração, ou de que fosse, na
melhor das hipóteses, um paraíso para o corpo e deixava não tocadas as partes
espiritualmente intuitivas e normalmente sensíveis do homem! Não perceberam
que o caráter ético do homem, os seus motivos atuantes, as suas atitudes para
com os semelhantes e, acima de tudo, a sua compreensão dos fins supremos
da vida ainda são a verdadeira força que move a maçonaria proporcionada pela
Ciência. A História moderna mostrou o que eles esqueceram, a saber, que
sempre que o homem aprimorava a face externa da vida, mas não conservava
o seu equilíbrio mental, pagava caro, muito caro, cada um desses
aprimoramentos. Afastava-se cada vez mais do centro original do seu próprio ser
a cada passo que dava. Pois cada novo recurso figurado pelo seu cérebro
inventivo era pago com a perda do poder espiritual. Esses homens, que se dizem
realistas práticos, que viam outrora o mundo do após-guerra milagrosamente
transformado num paraíso por máquinas, invenções, novos materiais e
reajustamentos econômicos, mas não enxergavam necessidade alguma de uma
mudança interior paralela da humanidade, viram-se, ao cabo de contas,
sonhadores iludidos pelos próprios acontecimentos.
Não faz muito tempo que essa mesma gente supunha, de maneira perfeitamente
desculpável, que o progresso da Ciência e o avanço da indústria resolveriam
todos os problemas da vida. Não obstante, quanto mais incenso queimavam nos
altares do progresso, tanto mais zombava deles o destino, desferindo golpes
gigantescos na civilização que deveria ter experimentado esse progresso.
Quanto mais a sua percepção do caráter cíclico da História era embotada por
momentos prósperos e descobrimentos científicos, tanto mais semelhavam
homens a caminhar para a beira de um precipício. Quanto mais identificavam o
seu bem mais alto com o simples desenvolvimento físico e intelectual, tanto mais
se erguiam as forças primitivas e bárbaras para esmigalhar esse
desenvolvimento. Não conseguiram ver que a razão, alçada ao seu mais puro
extremo metafísico, se impessoaliza e enobrece o homem, mas que, ao descer
às suas mais espessas profundezas materialísticas, converte-se em mera
astúcia egoísta e faz do seu melhor o seu pior.
A crença ingênua de que a Ciência poderia melhorar de tal maneira o estado do
homem que lhe daria finalmente a felicidade utópica, está-se esvaindo
rapidamente. É manifesto agora que ela não influi na sua natureza moral, não
lhe governa a natureza animal e não lhe perturba o pendor pelos caminhos
falsos. É evidente que a casa dele talvez esteja repleta de máquinas, mas que o
seu coração continua vazio de satisfação. A noção do progresso interminável foi
aquela com que a Ciência, a princípio, lisonjeou os seus devotos, mas agora
amedronta as suas vítimas. Foi um belo espetáculo para o século XIX assistir à
passagem do vapor à eletricidade, mas um espetáculo medonho para o século
XX presenciar o progresso das granadas de mão, convertidas em mísseis
teleguiados. A presunçosa satisfação de que tudo corria às mil maravilhas está
desaparecendo, substituída pela compreensão infeliz de que o progresso pode
ser também uma coisa demasiado unilateral. Ao ver tanta porfia e tanta
desordem no mundo, tanta bestialidade e tanto irracionalismo, muitos
perguntarão a si mesmos que espécie de progresso é essa. Estes tempos
precisam ser vistos em sua perspectiva histórica e psicológica apropriada para
que possam ser vistos corretamente. Ver-se-á, então, que o progresso técnico
conseguido não compensou o regresso espiritual que o acompanhou. A flagrante
disparidade entre eles chama a atenção.
A era que estamos vivendo não pode ser descrita como totalmente despojada
de valores intelectuais, mas assim se podem descrever as tendências que
sobrenadaram entre as duas guerras mundiais. Essa fase abrigou uma
civilização que entoou poemas em louvor do seu próprio e romântico avanço
industrial, mecânico e inventivo. Esse avanço era adequado e necessário. Mas
quando foi comprado com a violação de leis morais, a entronização do intelecto
acima da intuição, com a cobiça, o egoísmo, a violência e a perda da fé num
poder superior e da reverência que lhe é devida, essas loas traíram uma
superficialidade grotesca, pois o movimento se converteu em marcha para o
precipício. Quem poderá visualizar o fim desse processo degenerativo que se
verifica entre nós? Cada decênio dos últimos cem anos tem visto mais orgulho,
porém menos reverência, mais informação, porém menos sabedoria, e mais
franqueza, porém menos bondade do que o decênio precedente. A perda dessas
qualidades deve ser chorada. Pagamos muito caro a substituição do culto de
Deus pelo culto da Coisa.
Soou a hora de despertarmos para o que fizemos a nós mesmos, para o que nos
fizeram uma Ciência unilateral e um gélido intelectualismo, e procurarmos um
equilíbrio que repouse sobre eles, sim, mas também sobre a fé e a intuição. E
visto que temos tanta coisa para pôr num dos pratos da balança, e tão pouca
coisa para pôr no outro, agora se exige de nós uma concentração de esforços
elevados, uma premência de consciência na questão do desenvolvimento
espiritual. O homem moderno necessita de uma contrapartida espiritual para o
avanço externo fenomenal das duas últimas centenas de anos, porque nem
todas as majestosas e impressionantes consecuções da Ciência aplicada podem
esconder o vazio interior da sua vida. Precisa de aviões e de automóveis, sim,
mas precisa ainda mais de satisfações superiores e de uma mudança de
orientação mental. Precisa fazer novas avaliações, descobrir idéias incomuns,
criar novos pensamentos, expressar atitudes generosas, fazer experiências
dispendiosas e, acima de tudo, precisa de um novo dinamismo espiritual. A sua
civilização deveria equilibrar as justas pretensões do céu e da terra. Não se trata
de uma necessidade teórica sem importância, senão, nessas tensões da crise
mundial, de uma necessidade urgente e prática. Nunca, até hoje, foi tão
importante para o homem haurir nas fontes divinas o alimento para a sua mente
e para o seu coração. De outro modo, a torre de Babel que a Ciência, a
Civilização, a Economia e a Política vêm construindo juntas, correrá o risco de
desabar e esmagar os seus adoradores.
O animal desenvolve o uso dos seus cinco sentidos. Em seu corpo animal, o
homem tem o mesmo uso. Mas ele se alça acima disso por diversas diferenças
importantes: a sua faculdade da fala, a sua postura física erecta e o fato
dramático de ser, na esfera das operações mentais, capaz de conseguir o que
animal algum conseguirá. Quem quer que examine, pela primeira vez, um
cadáver na sala de dissecção, constatará que o cérebro do animal humano,
estruturalmente, é mais complicado do que todos os outros. Mas isso não é tudo.
Se o nosso examinador analisar também a qualidade do cérebro, observará que
a sua superioridade é pronunciada. Por quê? Porque a grande diferença entre o
homem e o animal é a diferença de mente. Nenhum animal é capaz de
compreender o que um homem compreende, nem tem, como o homem, a
capacidade de sentir fome intelectual.
Se o homem não fosse, realmente, mais que um animal, como querem os nossos
materialistas, estaria perfeitamente satisfeito com a sua finitude mental e os seus
apetites físicos. O esquilo encarapitado num galho daquela árvore, que olha para
mim, está satisfeito. Mas o homem, não. Por quê? Porque qualquer coisa dentro
dele o impele a buscar o Além, insta com ele para que se eleve ao Mais. E essa
“qualquer coisa” é nada menos que a presença não descoberta da sua alma
divina. Não basta ser prático. O castor também é uma criatura prática, mas a
vida mais alta, que nenhum castor poderá conceituar, extrema dele
verdadeiramente o homem.
Para que esses pensamentos não nos deixem com um complexo muito grande
de superioridade, rebatamo-los lembrando que existem vários pontos em que o
animal se mostra a uma luz mais favorável do que o homem. Dois nos bastarão.
A placidez de uma vaca tem sido objeto de menções desdenhosas de vários
escritores e, no entanto, o morador das cidades, tensamente nervoso e
semineurótico poderia proveitosamente trocar a sua tensão por esse atributo
repousante da vaca. A incapacidade dos seres humanos de agirem de acordo
com os seus conhecimentos ou as suas crenças, seja isso devido à fraqueza da
vontade, à hipocrisia convencional ou a motivações inconscientes, é
desconhecida no mundo animal, onde a auto-expressão é espontânea e perfeita.
Quem quer que peça à razão não iluminada o que ela não tem competência nem
qualificação para dar cai, pura e simplesmente, numa auto-ilusão. Pois é o
próprio pensamento, quando trabalha mais intensamente, quem lhe diz que a
natureza da alma ou a realidade do mundo não podem ser conhecidas pelo
pensamento! O Eu Espiritual só pode revelar-lhe a sua natureza pela intuição, e
não pelo pensamento, embora o pensamento possa ser usado como trampolim
para chegar à intuição. O primeiro passo, por conseguinte, é estabelecer uma
diferença, não de espécie mas de qualidade, entre esses pensamentos, que são
discursivos, e os pensamentos intuitivos. Os primeiros são comuns e cotidianos,
os segundos, incomuns e infrequentes.
Mas conquanto a razão deva controlar o sentimento, não se lhe pode permitir
que o substitua. Isto seria um erro. Pois a mais bela flor do jardim do homem, a
intuição, outra coisa não é senão o sentimento purificado do seu egoísmo e
iluminado pelo Eu Supremo. Idéias excelentes podem perder-se no espírito
público, através da associação histórica com palavras intencionalmente mal
empregadas. Hitler projetou uma sombra, por exemplo, sobre a palavra
“intuição”.
Nós, que vivemos na crosta externa de um planeta que segue o seu caminho,
rotando, pelo espaço sem fim, pertencemos à mais trágica e à mais crítica de
todas as eras. Por isso precisamos começar a procurar-lhe o significado para
nós. Descobrindo o que é e reorientando a nossa vida de acordo com o nosso
descobrimento, poderemos transformar a era iminente na mais abençoada de
todas mas, se deixarmos de fazê-lo, poderemos facilmente transformá-la na pior.
Que o universo tem um significado e que a vida humana não é um simples errar
do nada para o nada, afirma-o decidida, a Filosofia. Embora ofereça, em sua
plenitude, uma sabedoria demasiada sutil, uma moral demasiado elevada e uma
mística demasiado estranha para que o grosso da humanidade se interesse por
ela e, muito menos, para que a compreenda e viva de acordo com ela, isso não
quer dizer que ela seja inútil para os homens ou que não tenha mensagem
alguma para eles na crise mais grave de toda a sua vida. Embora não peça a
ninguém que se transforme num filósofo de espírito maduro, embora não rogue
a ninguém que estude a Filosofia capaz de trazer a luz, pede que lhe ouçam a
mensagem sobre a atual situação da humanidade.
Esta sabedoria é realmente tão antiga que soa totalmente nova. Como é irônico
que os primeiros princípios da cultura humana se tenham transmudado nos
últimos princípios! Os seus ensinamentos receberam uma nova importância,
uma recente dignidade, que lhes foram conferidas pela tremenda necessidade
da nossa geração. O filósofo que acompanha com os seus conhecimentos
especiais e a sua visão mais aguda o drama mundial que está sendo
representado em nossos tempos, sabe que forças mais do que humanas lhe
estão determinando o curso supremo e vê que leis mais altas lhe estão
modelando o fim. Ele poderá não pretender à onisciência, mas pode pretender
conhecer alguma coisa sobre assuntos que, embora importantíssimos para a
vida humana, são amiúde descuradíssimos pelos seres humanos.
A crise com que hoje defronta o mundo é uma coisa que ele nunca precisou
enfrentar até agora em tão ampla escala. A maioria dos homens se sente
impotente diante desses eventos catastróficos, que se sucederam uns aos
outros tão ligeiros nos últimos anos. A mente humana está tão perturbada que
não consegue apreender-lhes adequadamente o significado. Temos de
perguntar a nós mesmos por que tais sucessos históricos sem precedentes, tais
invenções revolucionárias, tais iníquas maquinações e tão tremendo fermento
mental vieram agitar a humanidade precisamente neste ponto e em tão larga
escala em sua carreira secular. Por que não se manifestaram antes? É um erro
procurar paralelos históricos para as situações atuais. Logo se tornará evidente
que a crise de hoje não só é única em sua tremenda área, mas também é única
de um modo muito especial. Não estamos apenas no fim de um ciclo histórico
da vida humana, estamos também no fim de um ciclo cósmico. O primeiro já
aconteceu antes e voltará a acontecer depois, mas o segundo é uma situação
sem paralelo em tão ampla extensão durante os tempos posteriores à Atlântida.
Eis aí por que a História humana atingiu o seu período mais importante e o
destino humano o seu período mais decisivo nos anais de que se tem notícia.
Toda a população deste globo está passando coletivamente por uma transição
total entre uma espécie de vida e outra, que ainda precisa substituí-la. Quer
adotemos um ponto de vista materialista, ou um ponto de vista místico, quer lhe
chamemos o jogo das forças ambientais visíveis ou a completação dos desígnios
invisíveis da Mente Universal, o resultado é o mesmo: todos terão de concordar
em que uma velha ordem está-se dissolvendo, e uma nova ordem está
nascendo. Tudo tem o seu lugar na divina Idéia Universal. Os grandes e
sombrios sucessos da nossa geração também devem ter algum significado
naquele pensamento, mas isso não significa que eles nos sejam enviados
arbitrariamente. Nós mesmos, em grande parte, os atraímos sobre nós, sob a lei
universal da evolução e a eterna lei da compensação, que constituem a essência
daquela Idéia. O conhecimento dessas leis nos obriga a olhar por um prisma
diferente para o sofrimento engendrado e, consequentemente, com resultados
diferentes.
Mas a operação dessa lei é apenas um dos fatores da nossa complexa situação.
Pois não só o processo de ajuste mundial é responsável por tantas sublevações
contemporâneas, mas também o processo de desenvolvimento mundial é
responsável por tantas mudanças atuais. As forças impessoais do primeiro
produzem choque, as do segundo, surpresa. O progresso material fenomenal
dessa era moderna deve-se, em parte, à aceleração do ritmo que sempre
acompanha a última fase de uma tendência evolutiva e, em parte, ao caráter
centrífugo do ímpeto que, por detrás dessa tendência particular, alcançou a sua
expansão final e, consequentemente, a sua expansão maior. O fervilhante
fermento do nosso tempo continua. É um período de constante tumulto e de
mudança incessante. Por quê? Porque a pressão evolutiva de forças ocultas em
ação neste planeta está agora impaciente por desviar-nos de um passado
obsoleto para um futuro criativamente novo.
Nada poderia ser mais anormal do que a era das novas e rapidamente mutáveis
condições em que vivemos. Parece-nos difícil que o passado se nos imponha
com demasiado vigor quando ele é tão inadequado para os novos problemas.
Os nossos olhos são obrigados a concentrar-se mais no presente e no futuro, a
olhar mais para a frente do que para trás. Como em tudo o mais, aqui se faz
mister um duplo cálculo. As contas da História têm um deve e um haver.
Precisamos de coragem e iniciativa para separar-nos das coisas más e
desgastadas; precisamos de sabedoria e calma para conservar as coisas boas
e úteis.
O caminho da evolução humana não é uma linha reta, mas uma espiral
ziguezagueante, que salta de um lado para outro, para cima e para baixo. Esse
ciclo de desenvolvimento humano alternado é histórico e pode ser encontrado
em todo o passado do homem. Dessarte, certas tendências ou movimentos,
como o materialismo, surgem como fenômenos iterativos da História. A evolução
do ser humano é assinalada por um movimento espiral, que o traz
reiteradamente de volta a condições correspondentes, embora não idênticas.
Nem todas as porções da humanidade estão no mesmo lugar nesse movimento.
O caráter espiralado do ciclo explica por que algumas nações ou raças parecem
estar subindo e outras caindo, por que algumas são fracas e indefesas quando
já foram fortes e dominadoras, por que algumas são inertes e atrasadas, ao
passo que outras são ativas e determinadas.
O mundo passou por ele e está agora na última volta do arco descendente da
fase do materialismo excessivo. A reação já principiou em nosso próprio tempo,
sob a dupla pressão dos acontecimentos externos e das diretrizes internas do
Poder Superior, ou melhor, do próprio Eu Supremo do homem, exemplificando a
vontade de Deus para esta época. Essas influências espirituais atuam sobre a
humanidade em toda parte, mas atuam mais através dos corações do que
através de organizações oficiais. Existem em países cujos poderes governantes
são abertamente materialistas e irreligiosos, tanto quanto em países em que os
poderes governantes não o são. Se a evolução humana estivesse a cargo do
homem apenas, ou apenas do acaso, é possível que isso não tivesse acontecido,
mas ela é obrigada a obedecer a leis universais.
Simplesmente por isso lhe ser impossível, o homem não permanecerá uma
criatura estática. Cumpre-lhe ir para a frente — ou degenerar. Mas o seu
movimento para frente é duradouro, ao passo que o seu movimento para trás é
apenas temporário. Pois o que está sempre a empurrá-lo e a permitir-lhe a
evolução é uma força que sempre existe dentro em si. E essa força outra não é
senão a força do seu eu superior, da sua alma divina. Esta é a secreta energia
que o ergue para cima e lhe ativa o desenvolvimento. Se a sua evolução
dependesse tão-somente do capricho do seu eu pessoal, seria um processo
incerto e, não raro, irrealizável. Que o misterioso poder que pertence ao seu Eu
Supremo é a verdadeira força motriz da sua evolução constitui a melhor garantia
da sua consecução final.
A Crise do Ego
Assinalou-se num trabalho anterior que uma mudança tremendamente
acelerada é a tônica do atual período. Por mais que nos desagrade a interrupção
do pensamento e da conduta, não podemos escapar às mudanças — tanto às
boas quanto às más — que nos estão sendo impostas. Precisamos reconhecer
um desafio nessa pressão insistente e invisível e adaptar-nos ao bem que há
nele assim como rejeitar o mal que também há nele.
Por que haveria essa lei da mudança de dominar o mundo das formas físicas
bem como o mundo dos negócios humanos? Por que não se pode criar e manter
para sempre uma forma social permanente, uma existência individual estável?
Para podermos responder, seja-nos permitido penetrar a estrutura secreta de
cada átomo. Que é o que vemos? Uma vibração incessante. Penetremos, a
seguir, em cada mente humana. Ali veremos o perpétuo nascimento de uma
progênie de idéias. Esta é a sua verdadeira natureza. Mas esses fatos
permanecerão apenas como meias verdades se não forem associados ao fato
principal de que, por detrás do átomo, está o eterno Silêncio de Deus; por detrás
da mente está o testemunhante Silêncio do Eu Supremo.
Por mais amiúde que se tenha repetido a História no passado, ela hoje não se
repetiu. Pois a situação agora é única. É uma crise mundial, e não apenas uma
crise continental ou nacional. Interessa a toda a humanidade e não apenas a
uma porção dela. Foi a primeira vez em que surgiu uma situação assim. Esse
evento externo está de acordo com o extraordinário evento interno, que assinala
um momento decisivo na evolução espiritual do ego humano. O conflito exterior,
que afeta materialmente a humanidade, condiz com o conflito interior, que lhe
perturba o eu subconsciente. É mais necessário do que nunca, entre os tumultos
e perigos de hoje, compreender alguma coisa da Idéia divina inerente ao
universo, e cooperar inteligentemente e de bom grado com ela. Estes estudos
têm, portanto, uma importância não compreendida pela maioria das pessoas.
Todo homem que lançar um olhar retrospectivo à própria vida descobrirá que
esta caminhou para a frente em certos períodos notáveis, cada um dos quais era
expressão de determinada tendência física ou mental. Toda nação que fizer o
mesmo fará idêntica descoberta acerca da sua história coletiva. E por ser a vida
interior que, afinal, se manifesta na exterior, por ser a Idéia implícita que modela
o caráter e a forma de cada época, será altamente proveitoso mostrar com
clareza à nossa consciência a Idéia especial que está nascendo, quando toda
uma época se desintegra tão obviamente diante dos nossos olhos. Precisamos
analisar e julgar a história contemporânea pela sua conexão secreta com uma
crise evolutiva especial, que o intelecto obscurece e só a intuição revela.
Não é preciso proceder a um exame muito rigoroso dos fatos para descobrir que
a evolução humana se opera em três fases sucessivas: a física, a intelectual e a
espiritual. Se a entidade humana quiser desenvolver as suas capacidades, terá
de fazê-lo através de uma individualidade centrada em si mesma, que combina
as duas primeiras. Esta é uma fase natural e necessária da sua história. A Idéia
divina da evolução humana tem um lugar para a centralidade própria da
personalidade pois, mercê desse desenvolvimento da egocentricidade, dessa
intensificação da consciência separativa, a entidade humana se diferencia de
todas as outras. É necessário ao progresso do homem que este inclua a atitude
extrovertida e a egocêntrica. Durante algum tempo ela tem uma finalidade útil
em seu desenvolvimento. As várias capacidades do corpo físico e as
potencialidades da psique mental-emocional são postas em relevo por ela.
Da vida desconhecida do passado não lembrado do homem lhe vem o legado
de poder conhecer e fazer muito mais do que pode conhecer ou fazer qualquer
animal. Os instintos egoístas e possessivos, os apegos materialistas e
extrovertidos da natureza humana não se encontram ali em virtude de uma
degeneração de sua parte, mas em razão do seu próprio desenvolvimento. São
resultados naturais da expressão das suas capacidades e faculdades latentes,
da expansão da sua consciência, a partir de fases mais primitivas, através de
uma procura de vida individualizada. São uma parte da evolução rítmica, que é
um atributo da divina Idéia Universal.
De que outro modo poderia a Natureza formar o ego do homem, se a sua vida e
a sua consciência animadoras não tivessem tido uma experiência
suficientemente ampla, se não lhes tivesse sido facultado jornadear através dos
corpos da víbora, do tigre, da vaca e do cavalo por exemplo, ganhando os
atributos e a consciência que tais corpos poderiam manifestar? Eles foram não
apenas úteis senão totalmente necessários à feitura do ego, do “eu sou”.
Quando nos referimos aqui ao ego humano, é mister compreender que fazemos
referência ao seu estádio evolutivo tal e qual se encontra no maior número de
seres humanos que habitam este planeta. Isto é, a referência não visa à pequena
minoria, ora encarnada, que já ultrapassou esse estádio, mas à maioria, que se
acha, em sua maior parte, no ponto médio da evolução.
Quem quer que tenha olhos para ver reconhecerá que a guerra deveria ter sido
um período de tremendo despertar, a fim de compensar a sua terrível
devastação. Era inevitável que esse despertar assumisse, até agora, um cunho
político e econômico. Mas a este se seguirá um despertar religioso e intelectual.
A humanidade não deveria ter tentado voltar ao velho modo de vida materialista
anterior à guerra. Teve nas mãos a oportunidade de optar entre um caminho
novo e pior e um caminho novo e melhor. Poucos deixaram de ser presos no
remoinho dos acontecimentos contemporâneos e, portanto, de sofrer-lhes a
influência, benéfica ou maléfica. Os que passaram por terríveis transes,
sofrendo-os na própria carne ou vendo os outros sofrê-los, tiveram uma
experiência tão drástica que lhes deixou no caráter uma impressão indelével. As
experiências do último decênio deveriam tê-los conduzido a um ponto de vista
mais elevado ou mais baixo, porém diferente daquele que era o seu antes de
iniciar-se o período. A crise mundial deveria ter levado os pensamentos desses
homens a uma posição que até à geração anterior se teria afigurado tão
idealisticamente avançada ou tão degenerativamente repugnante que lhe teria
parecido inconcebível e inimaginável neste século.
Durante um tempo demasiado longo, a maioria das pessoas cuidou que a busca
de um propósito mais alto na vida não fosse tão importante quanto a busca de
vários propósitos inferiores; talvez nem tivesse importância. Era preciso que
essas pessoas chegassem, através de um choque, à consciência de que nada
mais substitui o propósito superior. As guerras e as crises mundiais lhes
proporcionaram o choque. O repentino aparecimento da bomba atômica no
cenário mundial é um símbolo da rudeza com que nos foi lançado o desafio. Este
propõe à humanidade a opção entre a sobrevivência e a destruição. Para
sobreviver, contudo, faz-se mister que ela modifique as suas velhas idéias. O
descobrimento final era indispensável para assustar e alarmar a humanidade
como nunca se fez, para despertá-la e obrigá-la a encarar o fato de que as velhas
maneiras de lidar com certos problemas são hoje inúteis. É um lembrete da
futilidade do preguiçoso aferro a idéias marcadas com o materialismo que há-de
passar. Através da bomba atômica, o intelecto humano está ingressando no
mundo psicoelétrico que existe atrás do átomo, mas o está fazendo
prematuramente, antes de estar preparado para isso ou de ser digno de fazê-lo.
O Poder Mundial não é apenas criativo, é destrutivo também, como o revelam
as tremendas mudanças registradas em corpos celestes e no nosso planeta
Terra, mudanças que ocorreram no passado e tornarão a ocorrer no futuro.
Mexer com ele sem estar moralmente preparado e espiritualmente capacitado
para fazê-lo bem, é insensatez. O intelecto que instiga o homem torna-se tão
perigoso para ele, quando não possui nenhum conhecimento das leis espirituais
que governam a vida, quanto se lhe torna proveitoso acompanhado desse
mesmo conhecimento. O progresso físico e intelectual já foi suficientemente
longe e deveria ser detido por enquanto, até que o progresso espiritual e moral
restaurasse o perdido equilíbrio. A crise está-se avizinhando de nós. Num
determinado ponto, os resultados não somente nos embargarão o cego avanço
para o poder científico e técnico não controlado por uma atitude ética em relação
ao mencionado poder, mas também nos mostrarão que não somos tão fortes
que possamos viver sem recursos espirituais.
A nossa definição da guerra é demasiado limitada, demasiado física. Pois a
guerra visível é apenas um efeito, uma expressão do que já existe no nível
mental, sendo a verdadeira causa a guerra invisível de pensamentos e
sentimentos. Enquanto um grupo de homens se enche de ódio ou carranqueia,
furioso, para outro grupo, enquanto esses homens lançam recriminações e
denúncias histéricas, criam as condições mentais que, sustentadas por um
período suficiente de tempo, desenvolvidas com suficiente intensidade, e
retribuídas pelos adversários, poderão, um dia, refletir-se em luta aberta ou até
em guerra física. Isto poderia acontecer mercê de uma lei inevitável, ainda que
a própria guerra fosse temida e indesejável. Tais forças expressam animalidade
e têm lutado pelo poder diante dos nossos mesmos olhos e buscado controlar a
própria vida da humanidade. No entanto, esse conflito interior é apenas uma
expressão universal do que vai por dentro do homem individual. E é por isso que
não pode ser resolvido exclusivamente no plano da redistribuição política, nem
apenas no plano da guerra militar. Toda e qualquer pessoa que se recuse a
tentar resolvê-lo dentro de si mesma, o que só poderá fazer disciplinando a sua
natureza inferior e voltando-se, com fé e amor, para o seu ser superior, estará
tendo o seu quinhão de responsabilidade, ainda que diminuto, pela situação
desalentadora do mundo. Duas estradas se abrem diante de cada indivíduo na
crise de hoje, como em todas as grandes crises de sua vida. Uma o conduzirá,
cada vez mais, para junto do seu Eu Supremo, outra o apartará cada vez mais
dele. As exigências que lhe faz esta época são tremendas em confronto com as
de épocas anteriores. Não lhe é dado adaptar a época a si próprio, mas cumpre-
lhe adaptar-se à época. Um período de transição como esse não se presta à
obstinação intelectual nem emocional.
Hoje em dia, mais do que nunca, a vida é um desafio, pelos acontecimentos por
que somos responsáveis, pelo destino que nos foi imposto, e pelo padrão da
Idéia Universal, para que nos advirtamos da nossa ignorância espiritual e
abramos mão da nossa auto-admiração. O homem que não encontrou a sua
origem espiritual e o seu destino mais alto pode ser desculpado, mas o homem
que não tentou encontrá-lo é censurável.
A Necessidade que Tem o Homem de um Poder Superior
Vemos hoje, em toda parte, que o ser humano se compreendeu mal e mal
interpretou a vontade da Mente Universal nesta era. E porque há um preço que
deve ser pago por todos os erros, vemos, em toda parte, a tribulação humana e
o sofrimento humano. A maneira de escapar a essas aflições está sendo
desesperadamente buscada, mas raro é encontrada... pois está sendo buscada
na direção errada. Só existe uma forma apropriada de escapar, e esta consiste
em corrigir a má interpretação e eliminar a má compreensão. Para isto se faz
mister uma dramática mudança de atitude moral, uma ampla renúncia da visão
materialista e uma rápida inversão da indiferença espiritual. Uma mudança na
maneira de pensar é a primeira condição para assegurar a mudança da situação
do mundo. Ao mudar-se a si mesmo, o homem dá o primeiro passo no sentido
de mudar o seu meio e, ao mudar o seu meio, dá o segundo passo no sentido
de mudar-se a si mesmo. Pois o primeiro passo para a mudança própria há-de
ser mental, e não físico. Ser-lhe-á, portanto, mais proveitoso nestes tempos
difíceis sujeitar o orgulho e ser perfeitamente franco consigo mesmo, ainda que
para isso tenha de envergar o hábito mental da penitência e cobrir-se de cinzas
emocionais. É preciso que a sua atitude mental faça meia volta. Urge que ele
atente para aquele inspirado convite, “Arrependei-vos — e sereis salvos”. Essa
tem sido a mensagem divina para todas as épocas parecidas, mas é
especialmente aplicável à época presente. O homem tem vivido uma vida
materialista, que é apenas meia vida.
O único remédio para o caos mais recente em que o mundo inteiro se precipitou
é também o mais velho de todos. Aqueles que esperam a proclamação de
receitas milagrosas esperam em vão. A verdade que está à nossa beira é tão
velha quanto o próprio gênero humano, com uma diferença: o rosto que ela exibe
é novo, e os trajos que ela ostenta são talhados à feição deste século. Há alguns
milhares de anos, a escritura sagrada da Índia, o Bhagavad Gita, já proclamava
que existe paz e prosperidade na Terra para os que aprenderem e seguirem as
leis da vida interior.
Dizer que os poderes superiores criaram uma crise do destino humano com a
finalidade de obrigar os seres humanos a enfrentar o desafio interior é proferir
uma verdade. Dizer que a História e a conduta humanas a criaram é proclamar
outra verdade. É necessário juntar essas duas metades para se obter a verdade
inteira sobre os escuros acontecimentos que saltearam a humanidade. Toda e
qualquer tentativa que fizer o homem para salvar-se, mas que seja apenas
externa e não interna também, estará fadada ao fracasso. Isto precisa ser
relembrado por todos os povos, porque todos os povos foram surpreendidos pela
situação desafiante do mundo, muito embora a sua responsabilidade particular
seja menor em certos casos, e maior em outros. Não são apenas os europeus e
os americanos que estão sendo reptados agora pelas suas criações, senão
também os hindus e os chineses, herdeiros das mais velhas civilizações do
planeta. Não somos dos que exaltam o Oriente como o único refúgio da
espiritualidade e zombam do Ocidente como o poluído refúgio do materialismo.
Cada hemisfério tem os seus próprios erros para emendar, cada qual se
desgarrou do caminho ordenado por Deus e, consequentemente, ambos estão
sendo envolvidos na crise. Todos os povos, todas as raças, chegaram a um
ponto em que a estrada palmilhada já o não pode ser, em que tanto o avançar
quanto o retroceder são impossíveis. Que farão eles, então? A resposta óbvia, a
única correta, é saírem da estrada falsa e enveredarem por uma estrada nova.
Por fim, a humanidade será induzida a recorrer aos seus verdadeiros mestres
espirituais, depois que todos os outros guias a tiverem levado para a ruína
material e a destruição mútua. Nenhum outro refúgio além desse terá a
humanidade malferida. A idéia de que os ensinamentos deles não têm utilidade
para homens do mundo, versados nos fatos da vida, e cientes das transigências
que supõem os assuntos mercantis e políticos, é uma ilusão, que data da origem
dos padecimentos desnecessários e evitáveis do homem. O maior dos erros,
com efeito, é considerar esses guias como visionários destituídos de senso
prático. A visão que eles têm do que está acontecendo à sua volta nunca é
circunscrita por mesquinhas considerações pessoais. Tendo-se despojado de
visões acanhadas e mofinos preconceitos, tendo aprendido a pensar nos
assuntos humanos em termos largos e através de extensas perspectivas, que
se prolongam pelo tempo fora, tendo transcendido as limitações de um enfoque
puramente intelectual e adotado um enfoque intuitivo, encontram-se em boa
posição para compreender o curso da história passada e discernir o sentido
oculto dos sucessos presentes. Podem satisfazer à necessidade, profundamente
arraigada, da mente humana de descobrir uma significação mais digna para a
vida de hoje. Por conseguinte, a filosofia deles não é irrelevante para as
atividades objetivas e os interesses práticos dos homens. Conhecem as
verdadeiras causas das angústias da humanidade e os seus verdadeiros
remédios.
A guerra foi um aviso para começar de novo e um lembrete de que o Dia do Juízo
está próximo. Sem embargo, de todo o seu mal indiscutível surgiu algum bem.
Nas horas de trágica necessidade, tantas vezes trazidas pelo conflito universal,
grande número dos que tinham levado uma existência vazia, frívola ou
materialista, se sentiu levado, por instintos até então suprimidos, a procurar
ajuda externa ou amparo transumano. Hoje a humanidade está chegando a um
fim de linha, em que os seus problemas, como ela mesma o reconhece,
assumiram proporções quase insolúveis. Os seus líderes mais avisados
principiam a confessar que ela necessita de ajuda de fontes alheias a ela mesma,
que o poder humano desajudado da sabedoria e da força espirituais não é
suficiente para lidar com esses imensos problemas explosivos. E ela está vendo
como, em seu próprio tempo, uma civilização que se desenvolve rapidamente,
não iluminada por um conteúdo espiritual, terá de acabar em tragédia. As
penosas contradições, que sempre foram inerentes ao materialismo, surdiram,
flagrantes, à superfície durante o clímax sanguinolento da crise mundial. Elas
obrigaram muita gente a olhar para além dos próprios recursos, à cata de força
e direção. Para onde mais poderiam olhar, senão para a Religião, o Misticismo,
ou a Filosofia? Os acontecimentos lhes abriram um caminho no coração, por
onde pôde entrar um impulso espiritual, menos obstruído pelos obstáculos que
outrora bloqueavam a passagem. Um mundo em crise descobriu que, sem uma
orientação superior, só existe perplexidade. Estes são tempos críticos e
momentosos. Somente os valores espirituais se destacam como as únicas
coisas valiosas e duradouras. Não existe outra esperança para a humanidade
atual além desse esforço sincero e arrependido por elevar-se. Precisamos
encontrar um modo mais espiritual de olhar para a vida ou, em caso contrário,
pagar a penalidade por não podermos fazê-lo. Ninguém pode deter-se. Faz muito
tempo que o mundo vem lutando contra a verdade mas, afinal de contas, não lhe
restará outra alternativa para safar-se das suas dificuldades senão aceitá-la.
A divindade dentro de nós, o Eu Supremo, está sempre lá, até mesmo quando
descremos dela, e a sua presença é a razão por que, mais cedo ou mais tarde,
terá de haver uma reação na vida humana no sentido dos valores espirituais.
Somente ao compreender vividamente a nossa insuficiência humana e a nossa
humana impropriedade, tendemos a voltar-nos para eles em busca de ajuda,
amparo e força. Quando sentimos profundamente a imperfeição dos nossos
conhecimentos, a incerteza e as limitações da nossa felicidade, a fraqueza e a
perversidade do nosso caráter, podemos sentir-nos suficientemente humilhados
para voltar o rosto contrito e implorativo em busca do nosso eu superior, a rogar-
lhe lenitivo. É assim que somos realmente capazes de progredir. A necessidade
de progredir de um gênero inferior de vida para um gênero superior nunca foi tão
urgente quanto hoje. Precisamos aprender a lição do filho pródigo, guardá-la
bem no fundo da nossa mente e vir rezar, como pecadores penitentes, diante do
poder superior.
Existem, pelo menos, seis coisas cujo rápido atingimento e cuja ininterrupta
continuação todos desejamos inconscientemente, mas que nenhum de nós
encontra jamais em sua plenitude. Desejamos: a felicidade sem mescla de pesar,
a vida não quebrada pela morte, a saúde não entristecida pela doença, a
liberdade não estorvada por restrições, o conhecimento não atribulado por
perguntas e a harmonia com todas as outras pessoas.
O trágico enigma que a vida nos depara e que precisa ser resolvido, para que
possamos, um dia, conhecer a paz, é que a natureza instintiva do homem o
instiga a procurar a felicidade, mas a sua vida interior mostra sofrimento e
pecado, a sua mente pensante mostra conflito e dúvida, o meio que o cerca finge,
às vezes, dar-lhe felicidade, mas não a dá nunca. Dá-lhe, em lugar dela, prazeres
ocasionais, mas logo lhe traz mágoas e dor, que lhes vão na alheta ou surgem
como o seu fundo de quadro. Como poderá alguém ser hoje feliz, perguntar-se-
á, se é assim a maior parte da sua existência? Qual é, pois, a sua mais alta
felicidade, e onde poderá encontrá-la?
Tudo o que nos acontece pode ser considerado de duas maneiras diferentes.
Não existe nenhum acontecimento doloroso na vida de um homem, nenhum
contacto tão penoso com outra pessoa, que não possam ser considerados de
dois pontos de vista e que, então, não tenham alterados o seu caráter e a sua
importância de acordo com o prisma por que foram encarados. Cada resultado
pode ser correto mas, por si mesmo, não pode ser completo. De um lado, há o
enfoque prático, pessoal, óbvio e imediato. De outro, o enfoque metafísico,
impessoal, profundo e supremo.
Quantas vezes uma dificuldade aparente dissimulou uma boa fortuna próxima?
Quantas vezes a frustração e a decepção externas provocaram a consolação e
o desenvolvimento internos? Quantas vezes uma prova crucial de caráter se
ocultou sob o disfarce de uma boa ou má fortuna e uma excelente oportunidade
se escondeu num assunto aparentemente trivial ou pouco promissor?
Acontecimentos trágicos e terríveis, que se afiguram totalmente maus na ocasião
em que ocorrem, parecem, mais tarde, benefícios disfarçados. Quando o
sofrimento, como o bisturi do cirurgião, é aplicado a uma parte podre do caráter,
a operação poderá ser tão duradouramente benéfica quanto poderá ser
temporariamente penosa. A experiência da perda exterior propicia ao homem o
ganho interior. É um acontecimento desagradável, mas é também um estímulo
instigador de reflexões. Se o sofrimento que se segue à má ação desacorçoa
dramaticamente qualquer tendência a essa má ação e pitorescamente lhe coíbe
a repetição, precisamos deixar de olhar para o prazer como o único bem e para
a dor como o único mal. A força cósmica, que ilude as mentes não desenvolvidas
e fá-las enxergar, nas informações que os sentidos lhes fornecem sobre as
coisas, a verdadeira natureza dessas coisas, reflete-se na força mais bruta que
ilude a mente desenvolvida, fazendo-a tomar por boas as más situações e por
más as boas situações. Somos espiritualmente míopes. Nem sempre sabemos
o que é bom para nós, nem sempre vemos a mão amiga nas decepções que nos
desviam de um erro néscio e pernicioso ou de uma atitude inconveniente.
Nenhum dicionário nos ensinou, até agora, o verdadeiro significado da dor, do
prazer, da felicidade e da tristeza. Não existe situação tão má que o filósofo nela
não encontre algum bem, nem situação tão boa que ele não lhe descubra algum
mal. Acontece apenas que o que ele talvez queira dizer com esses termos se
baseie numa concepção de longo alcance, demasiado longo, de fato, para ser
apreciado pela massa das pessoas convencionais.
É muito frequente que não vejamos os benefícios dos nossos sofrimentos senão
depois de muito tempo. Às vezes, num estado de espírito purificado,
conseguimos preencher as lacunas de um padrão tecido entre um ato passado
e uma circunstância presente. Às vezes, porém, não o conseguimos. Nesse
caso, é possível que possamos fazê-lo muitos anos depois, quando uma porção
maior do padrão de toda a nossa vida já se desenrolou. Ai de nós! a educação
que recebemos através de nossos erros e de nossos malogros nos parecem, às
vezes, chegar tão tarde que já não pode ser aproveitada nesta existência,
quando só ao chegarmos à meia-idade ou à velhice somos capazes de
compreender as suas lições. A realidade, contudo, é que as levaremos conosco
para o nascimento seguinte. Serão aqueles que repetem velhos erros e voltam
a cometer velhos pecados insusceptíveis de cura pelas dolorosas lições da vida?
Na verdade, não é isso o que acontece. É uma infelicidade que eles geralmente
não saibam, na ocasião, que estão incorrendo nesses erros de julgamento,
desvelando essas falhas de caráter, ou cometendo esses pecados. Com efeito,
só depois de alguns anos, muitas vezes, é que fazem o espantoso
descobrimento. É igualmente uma infelicidade que outros aprendam as suas
lições a um preço muito alto e aprendam amiúde as lições erradas nas fases
mais precoces e limitadas da sua experiência.
O grau em que aprendem com o sofrimento pode ser muito reduzido. Donde se
colhe que o tempo, uma grande porção de tempo, é imprescindível. Isto é, eles
precisam voltar reiteradas vezes à terra. Esse resultado educativo não pode ser
conseguido com uma experiência apenas. Trata-se, necessariamente, de um
resultado cumulativo, logrado através de experiências inumeráveis, que se
estendem por muitas vidas. O que os homens ganham em crescimento espiritual
em circunstâncias comuns e numa vida só é, frequentemente, tão infinitesimal
que propendemos a crer que aquela encarnação foi desperdiçada, se olharmos
apenas para ela. Se olharmos, porém, para a longa fieira de encarnações,
veremos com clareza que aquela, na realidade, deve ter contribuído para o
ganho apreciável que se lhe observa. Talvez não vejamos o que a natureza
provocou neles pelos processos da experiência por que os fez passar quando
esta é tão diminuta mas, não obstante, ainda está lá.
Todo ego passa por inúmeros nascimentos, nos quais aprende, gradualmente,
mas inevitavelmente, a arte de viver. Essas experiências destinam-se a libertar
a virtude latente, a desvelar a sabedoria latente, a desenvolver o poder latente,
e a ampliar a consciência, tanto intuitiva quanto intelectual. Mas não fazem tudo
isso de uma vez só. Daí que o ego se sinta confuso e perplexo diante da sua
aparente falta de propósito, da sua suposta crueldade. Entretanto, acabarão por
fazê-lo, sem dúvida. O tempo possui um valor misterioso e transmuda os pesares
mais profundos em amena sabedoria. Por detrás de efêmeras experiências se
ocultam lições eternas. No instante da iluminação, quando se percebe, afinal, a
necessidade do sofrimento, da frustração ou da adversidade, a mente sujeita a
sua amargura e mitiga a sua dor. Percebe, então, que a Idéia divina aqui está
para ampará-la, e não para assustá-la.
Mas ele só chega a esse resultado porque modifica a sua atitude, adotando a de
um sôfrego aprendiz e trocando a egoísta interpretação da vida por uma
interpretação impessoal. Para outros, o sofrimento poderá trazer uma
consciência entorpecida mas, para um homem assim, trará um ciclo de novo
crescimento. Sempre que uma grande angústia lhe envolver a vida pela primeira
ou pela quarta vez, seja ela provocada pela não anunciada reviravolta da fortuna
ou pela ansiedade não prevista de acontecimentos surpreendentes, seja
produzida pela malfeitoria de um ser humano ou pela trágica notícia de uma carta
escrita, seja uma dolorosa moléstia ou um fracasso tremendo, ele,
instintivamente, fará a si mesmo perguntas como estas: “Por que foi que isso me
aconteceu?” ou “Por que entrou em minha vida essa pessoa?” e, a seguir,
refletirá imparcialmente, com frieza e com vagar, até poder descobrir-lhe a
significação física ou interior. Pois a vida não teria acrescentado essa angústia
à sua experiência se ela não lhe fosse devida, o que quer dizer, se ele não a
tivesse merecido ou não tivesse precisão dela. Uma análise filosófica desse jaez
lhe mostrará amiúde que algumas causas existentes dentro dele são
responsáveis por muitos acontecimentos externos. Despertado pelo sofrimento
para a necessidade de eliminar defeitos ou cultivar qualidades imprescindíveis
e, portanto, de aprimorar-se, o homem transmuda o sofrimento em benefício.
Compreende, então, que todo defeito de caráter ou falha de julgamento acabam
redundando num deficit de felicidade. O problema de fazer escolhas certas ou
tomar decisões sábias não é fácil.
Não existe homem algum que não consiga melhorar, até certo ponto, o seu
caráter e as suas condições e, frequentemente, a própria saúde. Existem sempre
forças criativas latentes dentro dele, capazes de elevá-lo, esperando ser
aproveitadas e empregadas no seu progresso e a seu serviço. O jovem Disraeli,
já aos quinze anos de idade, gostava de utilizar a sua imaginação criativa e
figurar-se Primeiro Ministro da Inglaterra, posição que ele, ao depois, atingiu.
Quando um homem — e até um povo inteiro — se vê presa de terrível aflição, a
debater-se em conjunturas desesperadas, tendo feito tudo o que se poderia fazer
sem atinar com o modo de contornar a situação, talvez valha a pena pensar num
método de buscar alívio, universalmente usado entre os antigos, mortos há muito
tempo, e ainda empregado, até certo ponto, pelos orientais. Volte-se ele para o
ascetismo por algum tempo, “cubra-se de sacos e de cinzas”, para usarmos a
pitoresca expressão bíblica, e por esse enfraquecimento do orgulho espiritual do
ego e pela humilhação da sua auto-suficiência, conseguirá pela oração, invocar
a ajuda de forças superiores. Uma expressão assim do seu próprio desamparo
se tornará mais eficiente acompanhada de orações penitentes, de jejum e de
controle da paixão, ou através de uma dieta restrita e outras disciplinas. Este
procedimento filosófico é heróico e poucos, talvez, serão capazes de segui-lo,
mas os resultados são quase sempre bons e, às vezes, até milagrosos.
Com todos os seus erros e todos os seus pecados, a humanidade pode tirar
proveito dos seus sofrimentos, do seu sangue e das suas lágrimas, e estender a
mão para aprender a grande verdade, segundo a qual um processo divino de
compensação e justiça governa realmente o mundo. A incapacidade de
compreender essa lei cósmica e o descaso por obedecer a ela são responsáveis
por um número maior dos seus infortúnios do que qualquer outra causa isolada.
O fato terrível é haver tanta gente que não acerta de perceber a existência de
um elo entre os seus pecados e as suas atribulações, desperdiçando-se
aparentemente a sua dolorosa experiência. Esse malogro ocorre porque tais
pessoas se deixam iludir pelo ego cego e levar por emoções inferiores. É uma
verdade, conquanto frequentemente obscurecida por uma nuvem de
sentimentos acrimoniosos, que a decepção das expectações pessoais e a
frustração dos desejos terrenos são, amiúde, uma das maneiras pela qual a vida
procura educar o ego e disciplinar-lhe o caráter. A incapacidade de percebê-lo,
na realidade, não esperdiça a experiência, pois a mente subconsciente a
absorveu e guardou. Ao mesmo tempo, de uma forma ou de outra, ela será
digerida e adquirirá significação, ainda que escassa.
Em sua luta por alcançar o que acredita desejável, o homem pratica o mal ou
comete erros. Mais tarde, os resultados se refletem de volta sobre ele, traduzidos
em pesares e dificuldades. Não é estranho nem acidental que as mesmas
penosas combinações de circunstâncias pareçam repetir-se na vida de tantas
pessoas diferentes. O homem, de ordinário, não se sujeita à voz da razão nem
obedece às inspirações da intuição. Para poder adquirir elevação, precisa
primeiro adquirir experiência. A sua longa evolução se opera proporcionando-
lhe, de fora uma área cada vez maior de experiência e, de dentro, um
aperfeiçoamento cada vez maior da consciência. O conflito das emoções
humanas ajuda-o a aproximar-se da intuição divina; a luta das humanas idéias o
ajuda a aproximar-se da divina inteligência. No fim, ele acaba compreendendo
que não existe outra maneira de superar o sofrimento senão pela vitória sobre o
mal, pela remoção da ignorância ou pelo desenvolvimento da capacidade. O bem
é o único poder real, e o mal é um fenômeno inconstante como a nuvem. Ao
curvar-se diante do mal ou ao contentar-se com a ignorância, o homem atrai
sobre si o sofrimento e o resultado final do sofrimento é obrigá-lo a voltar o rosto
para o bem, para o verdadeiro e para o real. Ele não pode viajar para sempre
com uma felicidade provisória e uma salvação substituta. As experiências da
vida têm significado, propósito e instrução para ele. A encarnação terrena lhos
proporciona e, assim, dá-lhe os meios de autodesenvolvimento. Se esse
propósito for alcançado, o sofrimento que acompanha intermitentemente as
experiências só poderá ser denominado mal por quem tiver das coisas uma visão
estreita e limitada. Ele obtém conhecimento à custa desse chamado mal, e logra
experiência à custa desse sofrimento. Vivendo as existências, que se repetem,
na Terra, ele vai acumulando experiências e passa do erro à verdade. Todas,
igualmente boas e más, ao cabo de contas, são um meio para desenvolver o
caráter, alimentar a inteligência e desvelar a intuição, cujos frutos lhe permitem
acumular as tendências, conhecimentos, instintos e atitudes que fazem dele o
que é. Mais do que isso, a sua consciência, finalmente, se abre num plano mais
elevado.
A natureza dirige as suas operações com essa finalidade. A vida não é tão
monotonamente fútil quanto parece. O sofrimento de cada entidade se
transforma num meio por cujo intermédio esta evolui e assume uma forma mais
elevada da própria vida. Se puder encarar cada experiência como uma
oportunidade para adquirir sabedoria e, dessarte, aproximar-se da iluminação
final, nada que lhe acontecer será desproveitoso e tudo poderá conduzi-la a um
engrandecimento mental ou moral. E, o que não é menos valioso, ela se
aproximará também da verdadeira felicidade, cuja busca, consciente ou
inconscientemente, é a mais magnética de todas as suas motivações. Mas se
formos céticos e não acreditarmos que uma lei moral nos governa a existência
ou que um propósito espiritual foi estabelecido para a nossa realização, iludir-
nos-emos completamente acerca das nossas experiências. Jubilaremos com
sucessos que, mais tarde, nos trarão sofrimentos ou lamentaremos sucessos
que hoje nos propiciam uma coibição do mal e, portanto, de atos perigosos.
É um fato, admitido em toda parte, que a tensão nervosa a que as pessoas têm
sido submetidas pela crise atual gera o medo, a desesperança e até o
desespero. É também um fato que, para certos seres humanos, é natural
buscarem uma forma de escapar mergulhando ainda mais profundamente numa
vida sensual e frívola e, para outros, encontrá-la em devoções religiosas ou
místicas. O primeiro grupo escolhe o caminho mais fácil para o ego, mas a fuga
que encontram é ilusória e superficial, ao passo que o segundo grupo prefere o
caminho mais difícil para o ego, porém, afinal, mais proveitoso. Aqueles que não
enveredam por nenhum desses caminhos, nem pelo terceiro, que seria o
mergulhar em esperanças político-econômicas, também ilusório e superficial,
embora de maneira diferente, caem numa obtusa e entorpecida apatia.
Tentar, por qualquer maneira, fugir aos sucessos devastadores, que parecem
avançar furtivamente, cada vez mais próximos, sem incluir a maneira de buscar
sinceramente realizar o propósito espiritual de sua vida na terra, é viver numa
felicidade ilusória. A indiferença do homem à silenciosa súplica da Verdade, e o
seu deslocamento do centro espiritual do seu ser, não pode durar para sempre.
Foram necessárias as perigosas tensões de uma guerra sem precedentes para
oferecer ao mundo a segunda oportunidade de uma grande iniciação, que
poderia e deveria ter sido um processo purificador para os que se tinham
aferrado em demasia às coisas terrenas e não se haviam dado ao trabalho de
indagar das razões por que estavam aqui. Visto que a dor e o sofrimento nunca
são bem recebidos e raras vezes são bem compreendidos, a voz da aflição se
ergueu num longo lamento e ecoou por todo o planeta. A todos estava sendo
oferecido um novo ensejo de auto-regeneração, mas poucos o perceberam em
sua consciência superficial! Não somente pode o sofrimento intenso ajudar a
despertar uma nação letárgica, ou um indivíduo inerte, a fim de cumprirem os
seus deveres negligenciados mas também, se for excessivamente prolongado,
poderá tender a despertar o poder latente da vontade.
Fora absurdo declarar que toda aflição serve aos propósitos do destino. Depois
de termos feito o desconto das calamidades oriundas dos nossos erros e
pecados; e também daquelas com que o Eu Supremo força o nosso
desenvolvimento individual ou coletivo; e depois de termos feito o desconto das
que são as consequências naturais da interdependência do gênero humano, que
nos afetam através da fragilidade e das imperfeições alheias, força será
reconhecer, não obstante, que ainda resta uma proporção de calamidades que
não são, absolutamente, produzidas por nós. De onde vêm elas, então? Posto
que o sofrimento dos seres humanos seja amiúde um indício de que eles se
desviaram do caminho reto, parte dele coincide sempre com a própria existência
humana. A aflição a que os seres humanos se acham expostos talvez não seja,
necessariamente, consequência do carma pessoal. Pode ser consequência do
fato de serem humanos. Quem quer que compreenda essa asserção já terá
compreendido uma quarta parte dos ensinamentos de Buda. Quando ele
apontou para o precaríssimo equilíbrio sobre o qual repousa toda a felicidade
humana, apontou para um fato salutar. A verdade dos seus ensinamentos acerca
do caráter essencialmente doloroso da vida é geralmente disfarçada pelos seus
prazeres e distrações. Mas só se torna aparente às pessoas em geral quando é
manifestamente exibida às suas consciências por horrores ou tragédias, como
os da guerra. A nossa geração tem tido o trágico caráter da existência posto em
áspero relevo. Ela entreviu, vagamente, por sua própria e penosa experiência, o
que a Filosofia sempre conheceu claramente pela sua tranquila reflexão. Entre
muitas outras coisas, a guerra e a crise constituíram ousadas e inesquecíveis
demonstrações do fato de que o sofrimento está inseparavelmente aliado à vida
neste mundo. Está, com efeito, para sempre conosco, se bem que numa escala
que não se impõe nem impressiona. É tão familiar que propendemos a
permanecer não tocados pela sua existência normal. Apenas os sumamente
reflexivos, que amam a verdade ou buscam a paz, reparam na sua presença
indefectível, e procuram também alguma solução mais profunda do seu
significado ou uma fuga duradoura do seu fardo. Onde está a alegria que não é,
mais cedo ou mais tarde, entremeada de tristeza? Uma felicidade que não se
apresente mesclada, em algum ponto ou em algum momento, com a tribulação,
jamais se encontrará em parte alguma da terra.
Aquele que reconhece que o poder existente por detrás da vida é benéfico e que
até os males da experiência são aproveitados para o máximo bem evolutivo,
converte-se facilmente num sonhador otimista. Por outro lado, aquele que
reconhece que esta terra não é a nossa verdadeira morada, que toda a
experiência humana é marcada pela transitoriedade, pela imperfeição e pela
mudança, facilmente se transforma num observador pessimista. Um terceiro tipo
geralmente começa com a presunção de que a vida terrena é uma fonte de
prazeres, mas acaba frequentemente na velhice persuadido de que ela é uma
fonte de tristezas.
O filósofo, contudo, não permite que a sua crença na bondade suprema da vida
o empurre para um otimismo extremo, nem consente que a sua crença na
insatisfatoriedade final da vida o empurre para um extremo pessimismo.
Intelectualmente, une e equilibra os dois pontos de vista; espiritualmente, atinge
a percepção da base sublime e sem pesares da vida. Isto o eleva acima não só
da superficialidade do otimismo, mas também da melancolia do pessimismo, e
mantém-no em permanente paz interior. Será possível lograr uma felicidade que
não seja limitada pelo acaso e que nunca diminua, seja qual for a mudança das
circunstâncias? A Filosofia responde que, se seguirmos até o fim o seu
quádruplo caminho, lograremos, sem sombra de dúvida, essa felicidade.
A morte é a única coisa absolutamente certa na vida. Faz mais de mil anos que
Shankara, o sábio hindu, observou ser realmente néscio o que desperdiça o
precioso ensejo de lograr a salvação que lhe oferece o seu nascimento como ser
humano, e não o aproveita. Entretanto, durante a nossa passagem da infância
para a adolescência e desta para a maturidade e a velhice, absortos como
estamos nos cuidados pessoais e nos prazeres físicos da existência, raramente
julgamos necessário empreender uma busca dessa salvação superior, que
provém do conhecimento da verdade impessoal acerca da nossa existência aqui
e da nossa rendição a essa verdade. Isto acontece porque a vida terrena nos
amarra de pés e mãos e a ignorância espiritual nos fecha os olhos. Mas, no fim
nos será tão impossível deixar de lançar-nos a essa procura quanto deixar de
comer. Pois é uma necessidade inexorável do nosso ser interior. Quer o
queiramos, quer não, estamos caminhando, de qualquer maneira, para a vida
governada espiritualmente, mas, se o não fizermos de bom grado, fá-lo-emos às
arrecuas — com todas as desvantagens de um movimento dessa natureza!
Quão poucos são os que podem mostrar-se mais fortes do que as alegrias da
vida! Entretanto, são eles também os capazes de sobrepor-se às tristezas da
vida. São tantos os que procuram apaixonadamente as sombras da existência e
deixam escapar-lhe a substância mística, tão poucos os que se põem a refletir
sobre a sua jornada humana! Essa reflexão mostrará que só buscamos a
felicidade porque não a possuímos e, todavia, entendemos dever possuí-la. Esta
afirmativa é tão exata no que concerne ao mais brutalizado e animalizado dos
homens quanto no que diz respeito ao mais requintado e adiantado. Sente-se
que a necessidade é soberana. Por quê? Responde a Filosofia: “Porque a
essência real da personalidade é a alma divina. Porque essa alma existe
continuamente num estado de perene felicidade. Porque ainda que
encontrássemos tudo o que desejamos física e intelectualmente, continuaríamos
descontentes, continuaríamos procurando a felicidade, pela simples razão de
não termos ainda encontrado a alma propriamente dita. Porque inconsciente e
indiretamente sabemos disso e, portanto, continuamos a esperar e continuamos
aferrados à vida, a despeito de todos os sofrimentos e lutas que ela nos traz.
Porque sempre que observamos quão inumeráveis são as criaturas, humanas
ou animais, que se apegam desesperadamente à vida, até nas mais horríveis
condições, observamos também a prova de um reconhecimento subconsciente
de que a encarnação terrestre possui um valor, um propósito e um significado
que transcendem os seus valores, propósitos e significados imediatos”.
Quão pouco, nessa fase imatura da busca entre as coisas externas, sabem os
homens que os tesouros de bem-aventurança, satisfação e posse estão
realmente neles mesmos! A sensação de serem incompletos, inacabados e
imperfeitos os excrucia; grande parte do seu desassossego nasce disso. Mas,
se bem possam experimentar vários meios de atenuá-lo, se bem possam
procurar satisfação em diferentes caminhos, não podem vencê-lo senão
encetando a busca final. Embora imaginem estar procurando a felicidade através
do corpo físico, estão-na buscando, efetivamente, através da mente espiritual.
Isto é assim e precisa ser assim em virtude da constituição da própria natureza
deles. E é por isso que, satisfeito um desejo, surge outro para substituí-lo.
Dessarte, todo bêbedo sedento de novas bebidas tem, com efeito, num nível
físico e inferior de desenvolvimento, sêde da bem-aventurança do Eu Supremo.
Todos os homens estão empenhados nessa busca do segundo eu, mas a
maioria está empenhada inconscientemente. Vai empós dessa satisfação
estável de diferentes maneiras transitórias. Quão poucos compreendem que a
sua necessidade do eu divino é uma necessidade permanente! A maioria deseja
desfrutar a vida a seu modo, que amiúde depende inteiramente de coisas
externas ou de outras pessoas, não ao modo filosófico, o qual, posto inclua essas
coisas ou pessoas, independe, todavia, interiormente delas. Só se dissipam os
desejos perturbadores e só se alcança o repouso emocional quando se atinge a
meta.
A serena felicidade da alma nunca poderá ser rompida pela angústia e pela
aflição da sua sombra, a pessoa. Nenhum pesar e nenhuma paixão, nenhum
medo e nenhuma dor poderão penetrá-la. Essa parte do seu ser que permanece
no céu é o Eu Supremo. A parte que desce para sofrer e lutar na terra é a
personalidade. Ambos estão indissoluvelmente ligados, embora a ignorância só
veja a pessoa. A separação, na consciência, do Eu Supremo é a causa
fundamental, ainda que oculta, da busca perene da felicidade a que se lança o
homem, agora numa coisa ou através de uma pessoa, logo em outra coisa ou
através de outra pessoa. Mas jamais encontra uma felicidade não estorvada por
um infortúnio, que a acompanha ou lhe sucede. E como poderia encontrá-la, se
ela não existe em nada e em ninguém fora dele? O seu anseio nunca será
satisfeito enquanto não for dirigido para o Eu Supremo transcendental e não for
satisfeito por ele. Através de todos os seus sucessivos aparecimentos em corpos
diferentes, o homem busca a totalidade, a benigna felicidade e a bendita
realização da união com a sua natureza superior. Quando descobre, e finalmente
o aceita, que as coisas terrenas são transitórias e contraditórias, que o
prazenteiro está ligado ao penoso, e por isso faz da sua uma busca consciente,
diz-se que ele se lançou à Busca.
Os que hoje sofrem são os que buscarão amanhã. Quando não quiser abrir-se
de boa mente, o coração talvez tenha de ser golpeado para permitir o ingresso
de Deus. Quando a vida de um homem desnorteia, o ego talvez tenha de ser
mortificado. Pois somente ao bruxulear da sua própria regra pessoal flamejará
uma regra mais divina. O método de atração humana da Mente Universal e,
portanto, de desenvolvimento humano, a misteriosa terapia da sua graça
sagrada, supõe o emprego do sofrimento como uma de suas características. Se
a mão do homem é responsável por tão grande parte de sua aflição ou da aflição
alheia, a mão de Deus deverá ser, finalmente, responsável por toda ela. Pois a
sabedoria divina instituiu as leis que, por seu turno, dispõem que o homem terá
de passar pelo reino das tribulações antes que a paz lhe descanse sobre o rosto.
Cumpre lembrar que os males e as dores da vida têm uma existência fugidia e
são relativos ao bem e às alegrias da vida. A própria existência deles é, afinal,
controlada pelas leis divinas e usada para o trabalho universal divinamente
baseado. Tais complementaridades e relatividades seguem-se, por força, assim
que esse trabalho recomeça a cada renovado período cósmico. Como poderia
vir a existir qualquer universo sem que viessem com ele, ao mesmo tempo, o
bem e o mal, a luz e a treva, a alegria e a tristeza? A dualidade é o lado inevitável
e trágico da sua manifestação. A existência de um oposto é a consequência
necessária da existência do outro. Os que bradam por um mundo sem dor não
compreendem que estão pedindo também um mundo sem alegria. O fluxo e o
refluxo entre os opostos da alegria e da angústia, da posse e da perda, dão ao
homem um sentido de valores que ele não teria em grau tão vívido de outro
modo. A experiência de um gênero proporciona um equilíbrio necessário à
experiência do seu contrário. Isto o ajuda a formar uma justa estimativa da vida
do corpo e dos valores terrenos, uma percepção mais verdadeira da sua
transitoriedade e, assim, o aproxima da consciência da vida espiritual.
Muitos objetam que grande parte do sofrimento não alcança o seu propósito
porque não leva consigo a sua lição à superfície, que o castigo não reconhecido
nem compreendido perde o efeito moral e falha em sua finalidade beneficente.
Essa crítica se aplica especialmente às consequências diferidas de atos
praticados em nascimentos anteriores, embora se esqueça de que todo aquele
que se dói de precisar pagar pelos erros cometidos em existências pregressas,
sobre as quais nada sabe, e cujo pagamento portanto, considera injusto, sempre
aceitará, sem a menor objeção, as vantagens e benefícios que lhe advêm das
boas ações praticadas nessas mesmas existências.
Os mensageiros do Ser Infinito, como Jesus e Buda, não poderiam ter trazido a
piedade e ensinado a bondade se esse mesmo Ser fosse realmente cruel. Se
eles já não sofriam em si mesmos, sofriam pelos outros. A dor era vicária. Não
obstante, é preciso notar que os seus pensamentos se dirigiam muito menos
para o corpo das pessoas do que para a sua mente e o seu coração: e que a sua
comiseração olhava muito menos para os padecimentos físicos do que para a
ignorância mental; para as causas passadas por alto do que para os meros
efeitos.
Uma verdadeira filosofia mística não aperta alegremente ao peito as dores da
vida. Reconhece que, embora seja, essencialmente, um estado interior, a
felicidade não pode ser separada de todo dos estados exteriores; que o
materialismo, que não faz caso da vontade humana e de quanto pertence à
circunstância humana, é tão desequilibrado quanto o idealismo, que faz
exatamente o contrário; e que, se a espécie de resposta que damos ao mundo
externo é importante, o que o mundo externo nos faz não é menos importante.
Uma verdadeira filosofia mística também não vê com bons olhos a atitude que
insiste em padecer tormentos porque sempre os aceita como o decreto inevitável
de Deus, nem a outra que espera, de braços cruzados, que Deus venha libertá-
la das suas dificuldades. Muitos líderes místicos orientais, e até alguns
ocidentais, ensinaram acertadamente a virtude de deixar que Deus dirija o
universo, não tentando interferir nas suas operações, e a sabedoria da opinião
de que Deus sabe, melhor do que nós, como dirigi-lo. Como direta consequência
disso, adotaram e pregaram o culto do completo indiferentismo social e pessoal,
com a total resignação a todos os acontecimentos como expressões da vontade
de Deus. Ensinaram aos seus adeptos a submissão, ou aquiescência, a todos
os eventos, sejam de que natureza for, recomendando-lhes que se abstenham
de interferir no curso dos acontecimentos por meio de algum suposto serviço
prestado à humanidade.
É evidente que ninguém pode ter a sua vida inteiramente nas próprias mãos.
Todos estamos seguros nas mãos do Eu Supremo. Mas o conselho tantas vezes
dado aos aspirantes pelos fanáticos e místicos de cederem a todos os
acontecimentos como sendo as realizações da vontade de Deus, de se
resignarem sem qualquer esboço de resistência ao que quer que aconteça e a
tudo o que vier, por ser manifestação de egoísmo ignorante fazer o contrário,
não é aceito pela Filosofia sem algumas alterações. É verdade, sem dúvida, que
existem situações em que não resta outro recurso a ninguém senão sujeitar-se
humildemente à vontade de Deus, na fiúza de que a sabedoria divina está ligada
a elas. E também é verdade que, ao cabo de contas, Deus dirige todas as
circunstâncias, todos os sucessos, no sentido de promover a intenção divina em
relação ao universo. Mas isso não justifica que toda a gente aceite cegamente
os acontecimentos que sobrevêm em suas existências como sendo a vontade
imediata de Deus. Pode ser que o não sejam. Podem ser a vontade do homem.
O erro dos que querem que nós nos submetamos universalmente a todos os
eventos aflitivos e maus porque representam a vontade divina, é esquecer que,
se nos submetermos sem inteligência, sem espírito crítico e sem compreensão,
se não estudarmos o significado ou a lição que há por detrás de cada
experiência, Deus poderá mandar-nos, reiteradamente, as mesmas tribulações.
Pois o que realmente nos envia tantas experiências não é senão a lei divina da
recompensa.
As nossas tragédias e dificuldades não nos acontecem por acaso. Uma lei divina
nos traz a maioria delas como reação aos nossos próprios pensamentos
indignos, como a correlação com os nossos desejos inadequados e os nossos
atos insensatos, ou como a consequência de nosso próprio desequilíbrio
pessoal. Essa lei não forja uma lei fatalista de ferro fundido em torno de nós. O
que ela faz é criar uma situação que, não nos esqueçamos, se originou dos
nossos pensamentos e atos anteriores, e se desenvolverá de determinada
maneira se nada fizermos, dali por diante, para que se desenvolva de outro
modo. A simples aceitação das penosas consequências de um mau carma não
basta. A resignação passiva ao decreto inflexível da vontade de Deus é
incompleta. Precisamos acrescentar entendimento à aceitação, compreensão à
resignação. Aliás, sofreremos cegamente e nos privaremos de grande parte do
proveito que se oculta por detrás da nossa dor. A inerte aceitação, por parte dos
candidatos a devotos e místicos religiosos, dessas más condições como sendo
sempre a vontade de Deus só pode ser caracterizada como um sinal patético da
sua falência intelectual. O resultado prático é que eles consideram o deixar-se
ficar sentados sem fazer nada, isto é, esperando indolentemente que as coisas
lhes caiam do céu, como a espécie mais elevada de conduta humana. Os perigos
que cercam essa atitude passiva são sérios. E não é menor o perigo de
abandonarem a sua vida ao mero acaso e a sua vontade à mera circunstância.
Uma atitude para com a vida de natureza tão negativa quanto a que propõe o
extremo ascetismo não satisfaz ao homem moderno. Sem embargo, as suas
necessidades espirituais não são menores, são até maiores que as do homem
medieval. Não será melhor que ele busque alguma coisa que esteja dentro do
seu alcance razoável, alguma coisa que o enalteça e exalte enquanto ele
continua trabalhando proveitosamente no mundo? Poderá viver com tanto
conforto e ser tão moderno quanto quiser, bastando-lhe estabelecer um
equilíbrio entre as necessidades modernas e as metas espirituais. A pobreza não
é a única porta aberta para a purificação. O melhor caminho recomenda uma
síntese seletiva do físico e do espiritual, uma prudente conciliação de tendências
até agora divergentes. Reconhece que o verdadeiro mal não está propriamente
nas posses físicas, senão no apego mental a elas. Compreende a importância
de pensamentos como este: “O homem é o que ele pensa em seu coração”.
Mas adverte o homem de que a vida possui coisas mais belas, mais vitais e mais
duráveis. Se ele persistir na monomania das posses e na obsessão das
posições, perderá essas coisas mais belas. O mal só começa quando o homem
permite que as posses e posições lhe insensibilizem a mente, quando não
impede que elas lhe obstruam o propósito espiritual interior da sua vida sobre a
Terra. Buda talvez tenha chegado a extremos ao ensinar que até as coisas
materiais agradáveis da vida, postas em confronto com os seus antecedentes e
as suas consequências, eram na verdade desagradáveis e deviam, portanto, ser
evitadas. É evidente que precisamos simplificar a vida em algum ponto e
submetê-la, se quisermos ter paz algum dia, e também é evidente que, sendo
incessante, desequilibrada ou feita sem ética, a busca de posses deixa de ser
válida.
A maioria das pessoas presume que só o bem tem o direito de mostrar-se ativo
na terra. Portanto, a presença de tanto mal lhes desconcerta a mente. Parece
que esse mal, abundante demais e contínuo demais, não se ajusta
adequadamente a um plano de inspiração divina. O crime e a violência dos
últimos tempos, o horror e o choque da história recente levaram muita gente que
antes a ignorava a meditar sobre a questão do mal. Uma geração que ouviu uma
propaganda iníqua, que presenciou iníquas atrocidades e observou movimentos
inescrupulosos tendentes à dominação do mundo, teria de ter o cérebro muito
mole para não concluir que alguma influência maligna está operando nos
assuntos humanos e que forças malignas estão manifestando, no meio dessa
geração, as suas conturbadoras atividades. A existência — não menos que o
poder — do mal patenteou-se tão abertamente, e tão selvagemente, e tão
insistentemente aos seus olhos nos últimos tempos que aqueles que,
influenciados por extravagantes teorias otimistas, outrora fechavam os olhos
para ele, viram-se forçados a abri-los e a reconhecê-lo. Um ato assim, retardado
e perplexo, é penoso.
Nenhum modo de vida consciente poderia ter sido inventado que proporcionasse
a felicidade perfeita e a bondade sem mistura e ensejasse, ao mesmo tempo, as
variadas experiências e os diversos estados necessários ao desenvolvimento
dos conhecimentos, da inteligência, do caráter e da espiritualidade do ser
humano. Se bem algumas facetas desse desenvolvimento pudessem ter sido
obtidas por uma monótona experiência unilateral, propiciando apenas o
aprazível desfrutar da vida, partes importantes da psique teriam ficado,
necessariamente, não tocadas por ela. Somente ministrando um curso de
experiências mutáveis, que palmilhassem um caminho mais amplo e mais
variado e também incluíssem os opostos do sofrimento e do mal, poderia
conseguir-se a plena e completa evolução do homem. A lembrança da treva
passada de ignorância lhe acentua a apreciação da luz atual do conhecimento.
O vívido contraste entre as duas condições torna-o muito mais consciente do
significado e do valor da condição superior. Sem a experiência de ambas para
se complementarem, ele não distinguiria o bem do mal, a bem-aventurança do
sofrimento, a realidade da aparência, a verdade da falsidade. Como se lhe
poderia, por exemplo, lograr a ampliação espiritual da consciência sem as
condições produtoras do sacrifício e da abnegação? O bem só se torna
significativo em contraste com o mal, que é, na realidade, a negação do bem. A
consciência do som como som precisa estar sempre acompanhada da
consciência do seu oposto e diferenciador, o silêncio. Não poderia existir
manifestação alguma de um universo sem esse jogo de contrários. Assim que o
Um se fez Dois, começou. Daí que o nascimento e a morte apareçam em toda
parte no universo, o prazer e a dor no homem!
Deus deu ao homem liberdade suficiente para elaborar o seu destino, e visto que
existem, ao mesmo tempo, o bem e o mal misturados em sua natureza, quando
o volume do mal assume proporções agigantadas e a sua força cresce, produz
inevitavelmente consequências como as que hoje o ameaçam. Entretanto, esta
não pode ser a única e bastante explicação da sua situação atual. Uma vez que
o seu livre arbítrio não pode operar no interior do vácuo, é preciso que haja outras
forças em ação dentro do seu meio, modificando-o, influenciando-o, e até, por
fim, dirigindo-o. Há de haver um tipo qualquer de modelo grosseiro no universo,
a que as suas próprias atividades, finalmente, se ajustarão. A menos que
topemos com algum vislumbre desse modelo, não seremos capazes de
compreender suficientemente por que tantos milhões de pessoas,
aparentemente boas e decentes, devam estar expostas ao sofrimento e às
aflições resultantes das perversas atividades de outros homens. Mais ainda,
quando a própria civilização está tão sombriamente ameaçada por tais
atividades.
Que o próprio livre arbítrio do homem foi o criador de tão grande parte dos males
e das aflições do mundo, é óbvio. Que com o seu aprimoramento moral essa
deplorável situação se aprimoraria é igualmente óbvio. Mas a própria situação
não poderia ter surgido senão pela permissão e dentro da concepção da Mente
Universal. Onde haverá uma liberdade mais do que parcial para o homem
quando, desde o começo, ele é obrigado a aceitar, sem possibilidades de
escolher, certa raça, certo país, determinada família, determinado status
econômico, um estado de saúde ou de doença e uma abundância ou uma falta
de energia, de intelecto, de vontade e de intuição? Dessa maneira, grande parte
do curso e uma parte do fim da sua vida são ditadas pela Natureza, pelo destino,
por Deus. Nenhuma entidade humana determinará o seu curso com inteira
liberdade. Nenhuma entidade humana se desviará do plano cósmico com
absoluta independência. A liberdade de todas as entidades humanas é limitada,
como é dependente o seu poder. O homem nunca possuiu, não possui agora e
nunca possuirá o livre arbítrio absoluto. Acima da sua própria vontade flutuante
está a inexorável vontade cósmica. Todo o seu desenvolvimento individual é
apenas parte do plano evolutivo para o próprio cosmo, e é controlado por esse
plano. Não cabe ao seu capricho interno nem ao acaso externo a decisão acerca
do resultado desse desenvolvimento.
Se, apenas do ponto de vista mais alto possível, o mal é uma ilusão e o bem é o
oposto do mal, haverá quem pergunte se o próprio bem, nesse caso, não será
uma ilusão também. A resposta é que existem dois “bens”. Existe um bem
relativo, que, sendo o verdadeiro contrário do mal, é ilusório. Existe um bem
absoluto, que é uma qualidade do Poder Vital Uno e Infinito; esse é o verdadeiro
bem. O mal, por si mesmo, não tem existência eternamente real. Em nossa vida
humana comum encontramos contraditada essa afirmativa. Com a nossa
mentalidade humana comum achamo-la incrível. Para torná-la aceitável faz-se
mister uma vida de solidão quase tibetana. O que temos de aprender, conquanto
seja tão difícil de aceitar, é que o pensamento divino do universo não é apenas
perfeito e bom em seu primeiro e em seu último estádios, mas o é também em
seu estádio atual. Se vemos o mundo numa confusão de tragédias e sofrimentos,
de caos e de pecado, a confusão, na realidade, está em nossa visão, em nossa
maneira peculiar de encarar as coisas. Se for difícil compreender esse
enunciado, será proveitoso chegar à compreensão pelo confronto da experiência
da realidade do mal por que passa a humanidade com a experiência de um
pesadelo por que passa o homem adormecido. As medonhas ou odiosas figuras
que lhe surgem no pesadelo estão, indiscutivelmente, presentes diante dele, os
tormentos e terrores que o acometem são, de fato, muito reais para ele.
Entretanto, ao despertar, vê-os a todos como realmente são, reconhece-os como
eram no próprio pesadelo — simples idéias. Do ponto de vista prático imediato
não há dúvida de que o mal é um fator real, difundido, poderoso, mas limitado,
na existência humana. Sem embargo, do ponto de vista filosófico final, não é o
que parece ser. Existe, por certo. Mas a existência é relativa ao corpo humano
com o seu pensar finito. Não se pode negar-lhe a presença mas, ao mesmo
tempo, existe um fator mais alto por detrás dele, como existe um fator mais alto
por detrás do corpo humano.
Até onde nos referimos ao mal humano, é inútil falar na onipotência do Poder
Supremo e, portanto, na sua capacidade de abolir de golpe esse mal. Não se
poderia ter concedido ao homem alguma liberdade de opção sem lhe conceder,
ao mesmo tempo, alguma liberdade para proceder iniquamente, se se
determinasse a fazê-lo. Toda a idéia da evolução humana teria sido inútil se ele
não devesse ser outra coisa senão um autômato escravizado, totalmente
despojado da capacidade de autodeterminação. Na medida em que ele goza de
liberdade, na medida em que o Poder Supremo renunciou à própria onipotência
no indivíduo, mas não no cosmo, limitou necessariamente a própria vontade em
aparência, mas não em realidade.
Não será mais sensato acreditar que a Mente Universal continua a ser o que
sempre foi e que a história do planeta assumiria uma aparência muito diversa se
a pudéssemos ver sem as limitações das nossas finitas percepções e dos nossos
finitos entendimentos? É humano desejar que certas coisas aconteçam e que
certos objetivos se realizem. Deus, entretanto, não é humano. O Ser Infinito não
tem desejos, não tem necessidades e não tem propósitos. Quando estes
parecem existir existem, de fato, para outros. Não atribuamos as nossas
concepções finitas ao Ser Infinito nem as nossas qualidades humanas ao Poder
Absoluto.
Fizemos Progressos?
Se lançarmos a vista para a cena histórica, talvez nos sintamos tentados a negar
que a moral humana tenha realizado algum progresso, e a afirmar que o mal
humano continua totalmente incurável. No que concerne ao caráter, melhorou
ou piorou a humanidade? Purificou-se, mental e emocionalmente, por intermédio
da guerra? Que foi o que ela aprendeu com a calamidade nacional sem
precedentes e com as aflições pessoais? Existirão indícios, em algum lugar
qualquer, de que a bondade está substituindo a maldade? Será mais difícil
manter a integridade moral no mundo do após-guerra do que o era nos dias que
antecederam a guerra? Porventura o fluxo da experiência não operou mudanças
no coração do homem, não estimulou uma duradoura boa vontade entre o
homem e o seu irmão? O mais horrível período da História acaso nada ensinou
sobre o significado espiritual da vida? À medida que a parada da vida
contemporânea desfila diante de olhos cogitativos, essas perguntas se
formulam, insistentemente. Só poderemos responder a elas ventilando diversas
outras perguntas, igualmente difíceis.
O animal obedece, sem hesitar, aos seus instintos físicos, em parte porque não
o perturbam as dúvidas e indagações da razão e, em parte, porque ainda se
acha intelectualmente não individualizado. A Natureza guia-lhe os instintos, e
estes são habitualmente corretos. Mas o homem se encontra em situação
diferente. Está desenvolvendo a faculdade da razão e também está-se
individualizando. Na medida em que isso acontece, perde a orientação da
Natureza e vê-se forçado a depender de si mesmo. Move-se no meio de
nevoentas incertezas e age de acordo com inspirações semicegas, com
consequências que, às vezes, se revelam favoráveis, mas que, frequentemente,
não o são. Por isso caminha pela vida com passos trôpegos, incapaz de ver
claramente, em determinados períodos, para onde se dirige.
Se tantos sinais exteriores revelam uma tendência, não para a paz e para a
espiritualidade, mas para novos choques por causa de posses materiais e de
poder exterior, é precisamente através desses choques e dos resultados
educativos deles decorrentes que acabaremos passando para a compreensão,
a paz e a espiritualidade. Mas o processo terá de ser lento. Os erros praticados
por um carpinteiro prontamente se revelam em seu trabalho, quer na aparência,
quer no uso. Mas os erros cometidos na conduta da vida podem ser não só
seguidos de resultados muito mais demorados, como também podem ser muito
mais difíceis de se reconhecerem. Isto porque o trabalho verdadeiro do
carpinteiro é julgado pelos sentidos, ao passo que a verdadeira compreensão do
ser humano é aferida pela inteligência. E na evolução do homem, os sentidos
chegaram a um estado de maior desenvolvimento do que a inteligência. Daí que
a experiência, por si só, não traga, como seu fruto, a sabedoria imediata. Só
depois que ela for bem e sinceramente ponderada, bem perscrutada, ou
profundamente intuída de uma forma impessoal, aparece o fruto. Isso demanda
tempo e, todavia, tanto supõe quanto provoca o crescimento.
Aqui está a resposta aos que deploram o fato de que os homens parecem nada
aprender da História, seja ela a sua história, seja a história dos outros, ou, o que
é pior ainda, de que eles aprendem com ela lições inteiramente falsas. O tempo
amadurece alguns frutos, apodrece outros, dá maior sabedoria a alguns homens,
porém maior insensatez a outros. Iludidos pelo egoísmo e cegos pela paixão, há
os que tiram da experiência o sentido exatamente oposto àquele que ela devia
fornecer e, assim, passam a agir iniquamente. Mas o Eu Supremo é
supremamente paciente. Sabe que soará a hora em que a própria experiência
nova com os seus erros e a consequente retribuição, os seus sofrimentos e
consequentes desesperos, se deparará a cada homem com a insistente
exigência de que ele a compreenda. Se a ordem divina do universo lhe ministra
o tempo e os eventos de que ele precisa para crescer, isto não significa que só
poderá contar com eles; uma estrada nessas condições seria demasiado longa,
demasiado tortuosa e demasiado incerta. Para ajudá-lo a encurtar a estrada e
torná-la mais segura e aprazível, ele é levado a acrescentar-lhe o uso correto do
raciocínio, o humilde seguimento de mestres espirituais, e o atendimento
adequado da intuição.
Seja qual for a catástrofe que lese a vida física do homem contemporâneo, o
avanço da sua vida espiritual é pré-ordenado e inevitável. Se nos basta observar
o curso sangrento e cúpido da História para compreender que o mal, no homem,
é tão inato quanto o bem, não obstante é verdade que enquanto um cresce em
sentido ascensional, o outro se estiola e acabará caindo ao chão. Durante a
guerra, aqueles que tinham o espírito filosófico foram capazes de conservar-se
esperançosos, sabedores de que a corda do carma estava-se acabando e de
que o mal encarnado, por fim, se acabaria destruindo. A mente poderá resistir
com maior firmeza durante as convulsões contemporâneas, e até impedir que
elas lhe causem dano buscando, e apropriando-se dele pela contemplação da
Idéia divina por detrás das coisas. Isto lhe dará a fé em que a lei moral terá de
prevalecer sempre porque a evolução foi ordenada por Deus. No meio da treva
e do tumulto vastíssimos da guerra, ainda havia a segurança de que as forças
que trabalham apenas para o mal, acabam trabalhando para a sua própria
destruição e que o triunfo do mal é sempre passageiro. Em sua ignorância
metafísica, os líderes do mal não compreenderam as forças da evolução e do
destino, que também estavam trabalhando, não perceberam que eles seriam os
herdeiros sofredores dos seus próprios feitos. As calamidades que acarretaram
para outras pessoas tornaram-se maldições que caíram sobre as suas cabeças.
Não se advertiram de que toda forma de malfeitoria contém em si mesma o
germe da sua reação de retribuição.
Diz o ateísta que, embora exista, Deus é impotente para deter o surgimento do
mal ou tão desapiedado que lhe permite a continuação. Diz o filósofo que Deus
existe, possui poder e até demonstra misericórdia, mas essas coisas são
canalizadas através de um universo ordenadamente regulado. Diz ele também
que a permissão com que operam as forças das trevas tem um cordão de
comprimento limitado ligado a elas e que, ao término do seu ciclo, são destruídas
pela retribuição ou se destroem a si próprias.
Um homem pode não chegar a compreender por que as coisas devem ser como
são; talvez lhe seja preciso deixar o enigma não solucionado; mas isso não
interfere, necessariamente, na sua atitude prática. Desenvolvem-se os seus
músculos morais todas as vezes em que ele resiste ao mal e o vence. A Filosofia
não estimula o malfeitor a persistir em seu curso mal orientado. Pelo contrário,
adverte-o de que o sofrimento o espera e de que não conhecerá a paz enquanto
não se arrepender. O reconhecimento da vontade divina por detrás das coisas
não conduz, nem se deve permitir que conduza, quem quer que seja a uma
atitude irresponsável para com a vida nem a uma conduta letárgica. Quando
pensamentos destrutivos oprimem os sentimentos de um homem e lhe obcecam
a mente a ponto de torná-lo nocivo aos seus semelhantes, corre à sociedade a
obrigação de tomar medidas preventivas contra ele. A concepção pessimista que
sufoca a iniciativa, aquiesce na imoralidade e induz homens atormentados a se
contentarem com o seu fado, pode servir para confirmar-lhes os atormentadores
em suas malfeitorias. Dessa maneira, fomentará o crime e aumentará o mal do
mundo.
A atitude da resignação fatalista diante dos maus eventos por se acreditar que
sejam a expressão da vontade de Deus é, às vezes, uma atitude heróica e,
outras, covarde, às vezes uma atitude sábia e, outras, insensata. Um julgamento
adequado exigiria um conhecimento não só dos fatores invisíveis, mas também
dos fatores visíveis envolvidos em cada caso particular. A atribuição à vontade
de Deus não transfere, de maneira alguma, a responsabilidade que pertence
propriamente ao esforço humano. O erro aqui está em fazer do homem o agente
e atirar a responsabilidade dos atos aos ombros de Deus. Isso nasce de uma
confusão de pensamento. Só depois que estudamos o mal pelos prismas
combinados da Religião, da Metafísica e do Misticismo; só depois que a Filosofia
ilumina essa confusão com a sua análise penetrante, podemos realmente ter
idéias claras a respeito do assunto. Ao cabo de tudo, ela aconselha o aspirante
a aceitar o mal metafisicamente, mas resistir-lhe praticamente. É preciso que se
faça o primeiro pela origem divina do cosmo, e o segundo, pelo estado imperfeito
da humanidade. Do ponto de vista prático não há outra alternativa senão ver o
mal como mal, ou como ignorância, e tratá-lo como tal. A atitude que ignorasse
o mal nos homens e lhes coonestasse as iniquidades simulando uma grande
caridade angélica, é antifilosófica. Posto que não menos caridosa, a Filosofia
não compra as suas virtudes perdendo o equilíbrio e fechando um olho. Prefere
manter-se sobre as duas pernas e conservar os olhos abertos. Reconhece tanto
o bem quanto o mal nos homens como partes do mesmo quadro. E porque
compreende, não condena.
Na esfera da conduta, o mal não é uma ilusão metafísica, é um fato prático.
Encontramo-lo aqui, em nosso meio, todos os dias e temos de enfrentá-lo da
melhor maneira possível. Não podemos congraçar-nos e muito menos colaborar
com ele. Precisamos desempenhar a nossa parte no interminável conflito secular
travado entre ele e os homens. É preciso lembrarmos sempre que a
reconciliação metafísica com a presença do mal não equivale à resignação
prática diante dele. Vemos que se trata de um acompanhamento inevitável das
primeiras fases da personalidade no universo, mas devemos ver também que é
apenas um acompanhamento temporário. Ele pode estar lá, mas nem por isso
havemos mister ajudá-lo nem prestar-lhe vassalagem. Se lhe compreendermos
a limitação, ele não abalará a nossa fé nem a nossa coragem.
São, portanto, copiosas as razões por que os aspirantes a filósofos, assim como
os leigos, devem trabalhar por vencer o mal e por elevar o caráter da
humanidade. É verdade que a prática da não-resistência pode surpreender de
tal maneira o malfeitor que o dissuada da sua perversa atitude. Isso seria
esplêndido. Mas só aconteceria em certos casos. Na maioria deles tenderia a
produzir idêntico efeito sobre a sua atitude interior, a consciência, mas isso seria
muito pouco e totalmente subconsciente.
Não precisamos ignorar o mal em nossos semelhantes, pois temos de lidar com
eles num mundo prático, nem podemos ignorar a alma que trabalha em silêncio
dentro deles. O mal passará, finalmente; o bem ficará permanentemente. Se
tivermos precisão de estabelecer relações com eles, cumpre-nos perceber o que
há de errado neles, mas temos de fazê-lo impessoalmente, sem animosidade. A
fraqueza humana que retribui o mal com o mal, que busca a retaliação e a
vingança contra o malfeitor é inaceitável. Precisamos fazer o que a
responsabilidade social exige que façamos em tais casos. Mas não devemos
sujar-nos praticando atos indignos.
A lei da recompensa (carma) não é uma lei vingativa. Não expressa, como
acreditam alguns, o preceito hebraico “olho por olho, dente por dente”. Se o
fizesse, não haveria esperança para a humanidade de poder expiar o seu escuro
carma ou escapar da teia emaranhada que ela teceu à roda de si mesma no
passado. A realidade é que, assim que chega à plena compreensão e à profunda
convicção de que a malfeitoria precisa ser abandonada e assim que o seu
caráter, a sua consciência, a sua inteligência e o seu equilíbrio estiverem
suficientemente desenvolvidos, ela se liberta das consequências do mau
passado. Em outras palavras, ao modificar-se a si mesma, ao modificar a sua
mentalidade e os seus sentimentos, cria uma nova e poderosa causa, ao passo
que a própria luz produz o efeito dessa causa, que é pôr fim ao carma sombrio
que ela herdou do passado ignorante. Nesse sentido, há o perdão dos pecados,
que tem um sentido diferente da forma meramente sentimental da racionalização
de desejos que, em círculos religiosos, emprega mal a idéia de perdão.
O passado não pode ser totalmente expungido, ainda que se lhe possa modificar
o legado. Em se tratando de um aspirante, o perdão se aplica apenas a um
pecado específico ou a um grupo específico de pecados. Em se tratando do
adepto, aplica-se à totalidade deles. Pois o primeiro ainda carrega a sua
recompensa não cumprida, ganha por ele mesmo, enrolada à volta do pescoço,
porque ainda está carregando o seu ego. O segundo, porém, está liberado do
seu fardo, porque se libertou do seu cerne oculto, o ego.
Não são estas, contudo, as únicas bases para uma atitude assim. Existe outra,
não menos sólida. O pensamento de cada homem contribui com o seu bocadinho
para a provisão do mundo, fá-lo melhor ou pior. Ele é responsável pelos seus
próprios pensamentos e, se estiver no caminho espiritual, deverá procurar
mantê-los construtivos, positivos e harmoniosos, e não destrutivos, negativos e
discordantes. A treva não tem existência positiva por si mesma. É simplesmente
a ausência de luz. Da mesma forma, a ignorância é apenas a ausência de
conhecimento e o mal é simplesmente a ausência do bem. E assim como a única
maneira de afugentar a treva é trazer a luz, quer acendendo uma lâmpada, quer
abrindo uma janela, assim também a única maneira de eliminar o mal do
pensamento do mundo e eliminar a ignorância, que o fomenta, é trazer maior
quantidade de bons pensamentos ao mundo e espalhar por ele maior quantidade
de conhecimentos espirituais.
À proporção que desvela as suas características mais divinas, o homem se
descarta das suas características mais grosseiras. Mediante os próprios
trabalhos no sentido de aprimorar-se, prepara o caminho para a entrada da graça
redentora de Deus. Quando descobre o seu verdadeiro eu, cujos primeiros
atributos são o amor e a sabedoria, descarta-se do mal e do erro. No momento
em que lança de si os véus da ignorância, enxerga através dos maus valores e
volta-se para os bons. Para se conhecer plenamente, terá de conhecer-se como
um raio do sol divino, disseminando luz e expressando bondade. Para
compreender plenamente o mal, terá de amar a verdade pura em lugar das
agradáveis ilusões. E, então, o mesmo mal que era, outrora, um escuro e trágico
enigma para as suas percepções inferiores, desvanece-se como tal diante das
suas percepções superiores, e transmuda-se.
Nada, nem ninguém, se encontrou jamais, nem poderia ter-se encontrado, fora
do campo infinito de consciência do Ser Infinito. Além disso, nenhum acontecido
poderia ter-se produzido senão dentro do seu campo infinito de lei.
Se alguém vir o universo governado apenas pelo cego acaso, isto se deverá à
miopia dos seus olhos. Foi Remy de Gourmont, distinto crítico literário francês,
quem escreveu: “A verdade é uma ilusão, e a ilusão é verdade. A humanidade
nunca viveu senão em erro e, além disso, não há verdade, visto que o mundo se
acha em perpétua mudança. Se você conseguir construir uma imagem
verdadeira do mundo, essa imagem deixará de ser verdadeira para os seus
netos”. Se de Gourmont houvesse dirigido as suas palavras aos metafísicos que
não reconhecem outro guia mais alto além do que o intelecto pode apurar, teriam
sido assaz corretas. Mas a sua mente superanalítica não se deu conta,
inevitavelmente, do único fato que desafia a análise, o fato de existir uma
realidade oculta que manifesta a sua existência — embora não manifeste a sua
natureza — através da aparência do mundo, e uma lei eterna que governa essas
mudanças intermináveis.
A Filosofia nos ensina que a vida de todo o universo, tanto quanto a vida de todo
homem, é governada pela ordem e não por acidente, pela lei e não pelo acaso,
pela inteligência e não pela insensibilidade. Existe uma direção inteligente por
detrás de cada fenômeno da vida e da Natureza neste cosmo. Não existe
acontecimento, nem criatura, nem nada em todo o universo que não tenha
alguma significação. Isto é assim e tem de ser assim porque todo o universo é o
pensamento da Mente infinita. Em toda parte e sempre a inteligência universal
está presente, trabalhando sem cessar. As leis da Natureza são realmente as
suas leis. E isto é verdadeiro até onde a visão limitada do homem enxerga
defeito, em virtude da presença do mal e da morte. O caos e a confusão, o
acidente e o acaso, a dor e a aflição na existência humana são apenas
aparências passageiras, não são realidade duradoura. Até onde não podemos
conhecer nem ver, como é quase sempre o caso, podemos crer com confiança
que um poder superior está ativando o processo do mundo, para o que se
revelará, finalmente, como os melhores interesses de todas as criaturas e coisas
dentro dele. Ao estudante de Filosofia que persevera, todas as peças desse
modelo de mosaico, que individualmente parecem tão sem sentido e tão
desligadas umas das outras, vão caindo gradativamente em seus lugares e
mostram o maravilhoso significado do todo. Existe sabedoria e bondade no
coração das coisas, e podemos caminhar com fé ainda que a visão nos seja
negada.
Experiências amargas e brutais não serão disfarçadas, pois ele talvez não tente
fechar os olhos às forças más e à moral caótica, à tragédia e à degeneração do
mundo que o cerca. Com efeito, ele os verá, até com maior clareza e maior
atenção do que os outros homens, porque os verá em suas próprias raízes na
natureza humana. Não fará de conta, como os idealistas mais suaves, que eles
não existem. Não obstante, a consciência dessas ásperas realidades não
vingará intimidá-lo nem desiludi-lo. Ele sabe que elas, um dia, despertarão mais
homens para a busca do único poder que as poderá vencer, e entrementes,
enquanto eles não despertam, ele próprio deverá manter bem alta a sua vela
gotejante de luz interior. Esta é a sua responsabilidade e ele não lhe fugirá. Isto
é o que ele pode fazer pela humanidade e o que certamente fará.
O lado feio da vida não precisa ser ignorado, como o ignoram alguns místicos e
iogues no Oriente e certos cultos no Ocidente. Essa evasão da sua existência
só pode ser uma covardia moral, um narcótico emocional ou uma embriaguez
intelectual. A Filosofia enfrenta esse lado, com todos os seus males e todos os
seus horrores, e não o nega. Mas também não o aceita.
Que os que desejam servir a humanidade pelos meios ao seu alcance, que os
que podem fazê-lo, procurem distribuir as águas espirituais da vida e o pão
material do homem. Mas, dito isto, que ninguém incorra no erro grosseiro de
acreditar que as leis do universo estão erradas, que os poderes do mal são todo-
poderosos e que a menos que eles intervenham pessoalmente no curso dos
acontecimentos, o resultado será deplorabilíssimo. Não é assim. O universo
prosseguirá, façam eles o que fizerem. A sua administração ainda está em mãos
capazes e benéficas. Deus ainda é a Autoridade Suprema e não precisa pedir a
ajuda de ninguém.
O homem mau escreve na água, o ser mau é um rastro na areia. Pois o destino
de um é ser transformado, e o destino do outro é ser esquecido. Em algum lugar,
no exercício da livre escolha humana, um ciclo de pensamento, sentimento e ato
pecaminosos passou a existir. Mas assim como ele teve princípio, assim terá fim.
E visto que ele recomeça de novo em cada indivíduo, no indivíduo termina, não
na espécie. O reino pecador do inferno está dentro de nós. O reino sem pecado
do céu deverá, portanto, ser encontrado por cada um para si mesmo, e deverá
ser encontrado dentro de si mesmo. Que os pecadores poderão, um dia, tornar-
se santos, que a vida má poderá, um dia, transformar-se em boa, não é tão-
somente uma possibilidade que devemos admitir, senão também uma verdade
que é força reconhecer.
Já nos próximos dois ou três milênios a civilização se desfará de tantas das suas
más características, incluindo as guerras, e adquirirá tantas outras, mais belas,
que será abençoada por uma nova e jubilosa época em confronto com o seu
estado atual. Assim como o dinossauro e outros monstros reptílicos morreram
quando as condições do planeta já não tinham nada para expressar dessa
maneira, assim o tigre e o abutre morrerão, ao mesmo tempo, fora do homem
como Natureza, e dentro dele como paixão e cobiça. Assim como a toda noite
se segue a aurora, assim o escuro período do materialismo, que hoje culmina
com as suas piores características, será seguido, primeiro por uma breve
transição, em seguida por um período auroral, quando cintilarão os raios
brilhantes de uma era melhor para o homem.
9
Deus É!
O que pode ser escrito nestas páginas tem a sua importância, mas o que, por
força, terá de permanecer não escrito possui uma importância ainda maior. Visto
que tantas afirmativas anteriores dependem da simples afirmação da existência
de Deus, e cairiam por terra com a irrealidade dessa existência, torna-se
necessário dizer algumas palavras em nome do Silencioso.
A força vital no homem não poderia ter expressado inteligência humana se não
tivesse, por detrás de si, a inteligência universal, nem poderia expressar a
espiritualidade humana se não existisse um espírito universal que a inspirasse.
Notável biologista britânico, Sir J. Arthur Thompson, afirma: “Depois de um longo
circuito, registra-se um retorno à velha verdade: no princípio era a Mente”. À
medida que se avolumam os conhecimentos do filósofo, intensifica-se-lhe o culto
religioso. Ele se convence cada vez mais da eterna presença da sabedoria
infinita no universo, cada vez mais perdido na contemplação da maravilha que é
a infinita vida universal. Não foram teorias metafísicas, nem sonhos visionários,
nem místicas intuições, nem piedosos sentimentos, senão as suas observações
pessoais, práticas, de primeira mão, que obrigaram o Professor Geley, o
brilhante fisiologista francês, a exclamar: “Porventura toda esta conglomeração
de fatos, trazidos à nossa atenção por diferentes cientistas, não nos ministra a
prova da extraordinária, da assombrosa, da incompreensível, eu diria até, da
milagrosa inteligência da Vida?”
Podemos estar certos de uma coisa — sem embargo de tudo o que possam dizer
em contrário essas testemunhas indignas de confiança, quais sejam, os nossos
sentidos e aquela pupila errática, o nosso intelecto — a saber, que existe uma
ordem cósmica, uma Idéia oculta por detrás do processo do mundo. Mas também
somos partes dessa ordem, desse processo. Daí que a Idéia exista dentro de
nós também como a alma divina.
O que nos contam os sentidos acerca do mundo é sempre invertido pelo que a
alma nos conta. Os sentidos nos dizem que a experiência deles é real, mas a
alma nos diz que é ilusão. Os sentidos nos dizem que somos apenas corpos;
diz-nos a alma que existe algo divino em cada um de nós. Os sentidos nos dizem
que as coisas acontecem por acaso; a alma nos diz que as coisas acontecem
pela sabedoria de Deus.
E, todavia, em toda parte, os homens procuram arrastar Deus para a sua própria
pequenez! Amarraram à palavra as suas dúbias e falsas imaginações, ou
usaram-na em sentidos diferentes. O significado que aqui se lhe atribui é o de
um Poder supremo e imperecível que está no mundo (e portanto em nós) e, ao
mesmo tempo, transcende o mundo.
Que é esse Poder? É uma Coisa ou uma Pessoa? Não é nem uma nem outra, e
os que pensarem de maneira diversa estarão procurando iludir-se. A Filosofia
sustenta que essa realidade suprema é Mente. Deus é Mente e está em toda
parte. Só mesmo a Mente impessoal poderia estar presente em toda parte num
cosmo ilimitado como este, sustentando todos os tipos de vida pessoal, como
sustenta. As criaturas de Deus só poderiam ser personalizadas; mas Deus, não.
Se o fosse, os planetas não girariam de acordo com a lei universal, mas de
acordo com o capricho de cada um.
Onde quer e quando quer que estas páginas tenham criticado o dogma de um
Deus Pessoal, elas o fizeram tendo em mente o homem glorificado e
magnificado, a criatura arbitrária, ciumenta, vingativa e injusta, que deve ser
lisonjeada com louvores ou afastada com temores. O poder que sustenta o
cosmo, a mente que está por detrás dele, é infinita, suprema e eterna. Como
poderá ser pessoal, se uma pessoa é capaz de pensar em objetos fora de si
mesma, ao passo que esse poder jamais poderia fazê-lo? O homem glorificado
da religião esotérica é um Deus finito, ao passo que o ser absoluto da filosofia
esotérica é um ser infinito.
Sem embargo, os que acreditam apaixonadamente num Deus Pessoal têm uma
base incriticável para a sua crença criticável: aqueles que sentem
fervorosamente a Sua presença não se enganam em sua experiência. Essa base
é o Eu Supremo, a origem desse sentimento é o Eu Supremo também. Pensar
no Poder Vital Uno e Infinito como o Tudo, é pensar em Deus; pensar nele como
em si mesmo, é pensar no ego; pensar nele como naquilo em que se fundem os
três estados da vigília, do sonho e do sono profundo, é pensar no Eu Supremo
transcendental.
Assim como o homem sente um ego dentro de si, assim também esse ego
pessoal, em momentos exaltados, pode sentir uma Entidade viva atrás e dentro
de si. Somente nesse sentido essa Entidade é o seu Deus pessoal. Foi para essa
Entidade que Jesus dirigiu a sentença inicial do Sermão da Montanha: “Pai
nosso, que estais no céu”. A palavra Pai indica e expressa aqui uma espécie de
relação pessoal. Trata-se, portanto, de um paradoxo, Deus é pessoal e
impessoal ao mesmo tempo, surgindo como o primeiro nas mentes dos que
precisam dele como tal, mas sendo o último em essência.
Enquanto o homem procurar um Deus feito à sua imagem, jamais encontrará
realmente a Deus. A mente humana cria os seus próprios deuses, que são, afinal
de contas, meras concepções suas, embora por detrás de todos eles ainda exista
a realidade sobre a qual se baseiam. A inteligência que cresce e a ética que
evolve produzem uma idéia sempre mais elevada de Deus.
Sir Arthur Keith queixou-se, de uma feita, de que, ao ler as palavras “Deus é um
Espírito infinito e eterno” nenhuma imagem visual lhe surgia na mente, e de que,
ao ouvir as palavras “o Espírito Santo”, tentava, em vão, apreender a imagem
mental formada pelo sacerdote que as pronunciava. Mas como poderia uma
concepção abstrata assumir uma forma pictórica? Como poderia a imaginação
sonhar mistérios em que os sentidos não podem registrar absolutamente nada?
Somente a faculdade metafísica será capaz de aproximar-se deles, se bem
também não possa penetrá-los profundamente. E a queixa de Sir Arthur Keith
revelava a sua infausta deficiência no tocante a essa faculdade, limitado e peado
que era pelo seu especialismo científico, brilhante e unilateral.
“Eu sou o que sou” foi a resposta de Deus a Moisés no Sinai quando o Seu nome
foi perguntado. Esta frase é desconcertante até compreendermos que ela quer
dizer que Deus está além da expressão, além da descrição e da definição. Na
realidade, significa: “Eu sou o Inominável!” “EU SOU”! A resposta declaratória
que Moisés recebeu é a única afirmação positiva a respeito de Deus que já se
pôde fazer! Deus é! Todos os outros enunciados terão de ser expressos
necessariamente em termos negativos, todos os outros só poderão dizer-nos o
que Deus não é.
O Tempo e a Salvação
A Mente, a Divindade, está além de todo pensamento e fora de toda imaginação.
Não podemos ter dela uma concepção correta além da que podemos formar por
analogia com a nossa própria experiência humana, o conceito do tempo sem fim
e do espaço sem limites e de uma Mente que coexiste com eles. Costumamos
pensar no tempo colocando-o em três compartimentos separados — o passado,
o presente o futuro. A idéia comum faz dele um contínuo, figurando-o em forma
de uma linha reta, que vem do passado, passa pelo presente e continua no
futuro. A idéia correta do tempo é uma relatividade, e a sua figura correta é o
círculo. Num círculo não existe passado absoluto, nem presente absoluto, nem
futuro absoluto: eles serão inteiramente relativos ao ponto em que começamos.
Além disso, o círculo não tem começo absoluto nem fim absoluto; ele é tão
relativo quanto é relativo o tempo.
Tudo, desde a célula microscópica, passando pelo homem, até o sol gigantesco,
segue um padrão preconcebido desse desenvolvimento tortuoso, erguendo-se,
a modo de espiral, a níveis cada vez mais altos. E isto se aplica não só ao seu
corpo exterior, mas também à sua vida interior e à sua consciência.
A série de ciclos cósmicos não tem fim. A Mente infinita não decidiu tornar-se
criativa de repente. Sempre o foi e sempre o será. Toda a infinidade deste cosmo
é uma espécie de espelho, que reflete a infinidade de que ele provém. Toda a
Natureza é apenas uma parábola da realidade primeva, que a transcende.
A Mente cósmica encerra o pensamento do mundo. Nós humanos, somos uma
parte desse pensamento e, em grau limitado, partilhamos dele. O universo é uma
idéia na mente de Deus. Mas é também uma idéia que está sendo
experimentada numa infinita variedade de modos por uma infinita extensão de
tempo. Por conseguinte, todas as entidades vivas são diferentes umas das
outras — seja uma planta no chão, seja um ser humano sobre o chão. Considere-
se que cada rosto é afeiçoado individualmente, que não existem, em todo o
mundo, dois rostos iguais. Não existem, na totalidade da Natureza, duas coisas
iguais, nem dois seres iguais, como também não existem duas impressões
digitais iguais em toda a galeria de impressões digitais humanas. Não é
surpreendente que, enquanto a experiência de todo homem que compreende o
seu Eu Supremo é identicamente a mesma, e a identidade que ele descobre em
nada difere da que todos os outros descobrem, não existem dois homens sequer
que tenham sido formados pela Natureza segundo o mesmo modelo? No corpo
e na mente, na fisiologia e nas faculdades, na palma da mão e na sola do pé, na
emoção e no pensamento, a diversidade impera sobre mais de 3 bilhões de
entidades humanas que existem sobre a terra! Não existe forma na Natureza
que seja uma cópia exata de uma segunda forma, não existe acontecimento que
seja uma cópia exata de um acontecimento anterior. Isso mostra como é
infinitamente variada a tentativa da Idéia Infinita de expressar-se e a sua infinita
existência através do homem e do mundo.
A Mente sempre foi e sempre será. O corpo está hoje aqui e amanhã
desaparece, e aqueles que nesciamente insistem em identificar-se apenas com
ele terão de mudar dia a dia e acabar perecendo com ele. Mas aqueles que se
identificam sabiamente com a Mente também, compartem da sua existência
infinitamente contínua. Que quis dizer Jesus ao afirmar: “Antes que Abrãao
fosse, eu era?” Quis dizer que, ao identificar-se com o eu do Cristo, o seu Eu
Superior, o seu Eu eterno, ele se identificava com alguma coisa que sempre fora
e sempre seria, com um ser eterno e imortal. Quis dizer que os que só
conseguiam personalizá-lo, que só alcançavam pensar nele como o Jesus
humano, imerso no tempo e morrendo com o corpo, não poderiam compreendê-
lo e não o conheciam como ele realmente era em seu eu superior.
“Eu sou o que é, o que foi, o que será”. Estas palavras, que refletem a
grandiosidade da Eternidade a meditar sobre si mesma, eram reverenciadas
pelos egípcios, que as esculpiram sobre o santuário do templo de Sais. Foram
reverenciadas por Beethoven, que as escreveu num cartão, emoldurou e
conservava sempre à mesa onde compôs a sua música imortal.
Há uma proveitosa lição prática que se pode tirar desses fatos. O homem deveria
forcejar por obter uma visão mais plena da vida, abraçando o ponto de vista
deste observador além do seu atual ponto de vista. Uma alteração dessa
natureza lhe permitiria não só ser um ator no palco da vida, como o é
presentemente, mas também um espectador. Desempenharia, assim, um duplo
papel, sendo, paradoxal e simultaneamente, o observador do seu mundo e o
observador do observador do seu mundo! O primeiro observador reagiria ao
ambiente, mas o segundo se limitaria a ver-lhe as reações. O primeiro é o ego,
o segundo é a alma. O primeiro, ativo, evolve através do padrão que lhe foi
estabelecido pelo segundo e, assim, sem querer, aponta para a existência real
do segundo. Por isso mesmo é um exercício salutar e necessário para o
aspirante à meta do filósofo, a consecução do místico ou a coroa do devoto
religioso praticar constantemente, tomando os eventos perturbadores,
emocionantes, importantes ou alegres de sua vida, à proporção que ocorrem, e
considerá-los por um prisma muito diferente do prisma pelo qual os encara
habitualmente o homem que a nada aspira. E deveria fazê-lo não só
impessoalmente, mas também como se eles já pertencessem ao passado, como
se fossem apenas lembranças. Deveria mirar a serenidade ou a segurança com
que, de ordinário, só é capaz de olhar para os anos que há muito se foram.
Recorde ele e aplique a doutrina mentalista de que o tempo não tem sentido
quando afastado da sucessão dos seus pensamentos, de que é apenas uma
idéia imposta à sua consciência e de que ele pode lançar antenas para a origem
dessa idéia, para o que por si mesmo está fora do tempo. Para que ele possa
libertar-se da dominação do tempo terá, necessariamente, de libertar-se da
dominação do presente também. O que dele se requer é que se eleve
calmamente, interiormente desapaixonado, e sublimemente suspenso acima da
sua evanescência.
O homem que não se cansa, mas leva até o fim essa busca do Sem-Ego pelo
ego, descobre que, enquanto o corpo age, atarefado, no tempo, a mente se
imobiliza no eterno. Essa nova consciência permanece com ele pelo resto dos
seus dias. Diz-lhe a experiência que este é o significado da solene declaração
do Novo Testamento, segundo a qual “já não haverá tempo”. Dessarte, estando
já de posse do futuro, não necessita planejá-lo. Tendo galgado, pelo degrau do
passado, a plataforma da iluminação, não quer descer novamente. Vendo o
presente como um sonho, não deixa que se dissipe a vigília. Aqui encontra ele o
reparador eterno-agora, a libertadora eterna-liberdade. Aqui os cuidados
gerados pelo tempo se calam e as vidas aprisionadas aos lugares se libertam.
Aqui há felicidade sem causa externa, amor sem pessoas, verdade sem
pensamento. Aqui está a terra natal de que provieram todos os homens e a que
eles, secretamente, ainda pertencem.
Deus e o Homem
Ninguém pode medir o poder infinito e ninguém pode pesá-lo. Ninguém pode
tocá-lo com as mãos nem contemplá-lo com os olhos. Entretanto, alguma coisa
que emana dele misteriosamente assume forma em nossa experiência. Eis aí a
verdadeira razão por que homens em todos os séculos e em todas as terras
deram-se ao trabalho, e impuseram a si mesmos o sacrifício, de empenhar-se
na busca desse poder. A doutrina filosófica da Essência de Deus repousa sobre
os sólidos fundamentos das declarações dos que, tanto no Oriente quanto no
Ocidente, tanto nos tempos antigos quanto nos tempos modernos, tiveram êxito
nessa busca e se aproximaram de Deus. A sua verdade foi conhecida dos
sábios, dos maduros e dos inspirados de todos os períodos, em todas as partes
do mundo, e verificada por eles. O que eles fizeram e conheceram aponta o
caminho para todos os outros fazerem e conhecerem. Pode ser difícil, pode exigir
muitas existências de esforços, mas não é prerrogativa especial e exclusiva
deles. Eles se destacam como símbolos para toda a raça humana, dizendo-nos
o que realmente somos e para onde vamos. Se as pessoas atentassem para os
seus escritos, lhes aproveitassem os conselhos e aplicassem o que aprendem
às suas próprias vidas, o resultado seria que, em lugar de destruir a fé, as
dificuldades a aprofundariam.
Como milhões de árvores que estão todas enraizadas na mesma terra, milhões
de mentes humanas estão enraizadas no mesmo ser universal. Tudo e toda
criatura que existe no universo deve o próprio ser ao Ser não diferenciado, a
Mente. Se declararmos, portanto, que existe algo divino imanente em todos os
homens, não estaremos declarando um absurdo. Não basta a quem quer que
seja olhar para o próprio corpo e dizer que viu um homem. É mister que olhe
também para as misteriosas profundezas da sua mente. Assim como o
Ordenado não pode provir do Caótico, assim o Consciente não pode provir do
Inconsciente. Se a primeira verdade significa que o universo é governado
divinamente, porque a sua ordem indica uma divina inteligência eterna, a
segunda verdade significa que o homem tem raízes divinas, porque a sua
consciência indica a divina onisciência. A derradeira verdade da vida humana,
assim como da existência universal, é que ela é tão-somente o eco de um
murmúrio emitido pelo poder único e invisível — Deus. Tudo o que alguém pode
saber acerca de Deus é o que pode encontrar em si mesmo, em sua essência.
Deus está tão entrelaçado com o homem que não é possível separá-los. Não se
aplica apenas a místicos arrebatados, mas também aos homens comuns, a frase
verdadeira do poeta Tennyson: “Mais próximo está Ele que o respirar, mais
próximo que as mãos e os pés”. Todas as vezes que ouvem ou vêem alguma
coisa, que a tocam, provam ou cheiram; todas as vezes que a recordam ou
raciocinam sobre ela, é a mente quem realmente o faz. E isto, quando
analiticamente rastreado ao seu caráter supremo, é a base universal indivisa de
toda experiência e de todo pensamento, de toda vida e de toda existência —
Deus. As suas sensações e os seus pensamentos podem estar associados a
crenças materialistas sobre a natureza da mente, mas isto não lhes altera o
caráter fundamental não materialista. Se duvidam da existência divina, só estão
em condições de fazê-lo porque empregam o que é, na realidade, um poder
divino! O pensamento interno do eu e a experiência externa do mundo não se
ergueriam se não tivessem por base esse princípio fundamental da Mente. O
próprio poder de pensar, por cujo intermédio negam a Deus, é, por si mesmo,
uma manifestação de Deus dentro dos próprios eus. A negativa só é
paradoxalmente possível porque Deus existe. O que eles efetivamente negam é
uma criatura da sua imaginação. De que maneira forças destituídas de
inteligência podem produzir seres inteligentes; de que maneira energias cegas
são capazes de produzir energias que têm um propósito: eis aí duas perguntas
a que os materialistas não respondem satisfatoriamente.
É razoável que um ser que raciocina, como o homem, exija uma razão para a
sua existência. Mas os que foram levados pelo ateísmo à negação da sua
natureza espiritual, iludiram-se. Tomam erroneamente o primeiro exercício do
seu poder pela mente pela sua suprema capacidade madura. Sem tal
capacidade, esses homens não poderão ser recriminados se vierem dizer-nos
que o espírito é uma ilusória miragem. Entretanto, não devemos crê-los. Se isso
fosse verdade, estas páginas nunca teriam sido escritas, porque não haveria
sobre o que escrever. Nem centenas de místicos escritos se ergueriam do
passado para silenciar-lhes o erro nos lábios. E outras centenas ainda surgirão
do futuro velado.
O motivo por que o homem foi subitamente dotado de uma alma em determinada
fase da evolução é uma pergunta para os fanáticos religiosos. Ela foi criada pelas
suas afirmativas, de modo que a eles compete responder. Para o mentalismo, o
homem nunca deixou de ter alma. Onde quer que haja vida há mente. E a vida
se estende, a partir dos minerais, através de todos os reinos da Natureza. O
nascimento e a morte, o vir e o ir de toda criatura individual dentro da Natureza,
são governados por um poder superior, a que ela está inseparavelmente ligada.
Gerações de seres seguiram-se umas às outras como as ondas de um oceano.
Para onde? Todo esse impressionante movimento de vida cósmica, toda essa
tremenda interação de criaturas sem conta em estrelas incontáveis tem apenas
uma só e suprema direção, ainda que inconsciente: o redescobrimento do eu
vivo existente em Deus.
Tal é a situação do homem nos dias que correm. Muito embora a realidade que
existe por detrás dessas ilusões esteja à sua volta e em seu interior, a sua
relação com ela é idêntica à de um cego com o brilho fascinante de uma fieira
de pérolas que jazem em suas mãos. O ego pessoal e físico entra a acreditar
que representa tudo o que há nele, caindo assim na maior das ilusões, quando,
durante todo o tempo, a vida e a consciência do Eu Supremo são a causa da sua
própria existência e expressão. É esse terrível alheamento espiritual que se
encontra no fundo de quase todos os pecados e sofrimentos humanos. Afinal de
contas, como pode haver paz para alguém se a sua natureza inferior ainda o
escraviza, ainda lhe perturba as relações com outros, ou lhe rompe as relações
com o seu eu mais divino?
Depois que tivermos visto a última cidade e percorrido o último país; depois que
tivermos palmilhado as ruas de todos os sítios históricos e quase dado a volta
ao planeta, teremos ainda de voltar, por força, à pergunta: “Qual é o significado
da nossa vida neste mundo?” É mister que cesse por um momento o movimento
circunferencial, é mister que se detenham os pés irrequietos. Pois terão sido, em
sua maior parte, malbaratados os anos que não foram gastos na viagem em
direitura às verdadeiras respostas a essas perguntas; que têm sido votados
totalmente, e não apenas parcialmente, a este globo de terra, e não às sérias
reflexões acerca dos motivos por que nascemos sobre ele.
Não estamos aqui apenas por amor do corpo, mas muito mais por amor da alma.
Temos de alimentar, vestir e abrigar o corpo unicamente porque ele pode ser o
instrumento da obtenção da consciência mais divina. Com efeito, a nossa
existência física se gasta em menos de um décimo do período da nossa
existência superfísica. Precisamos trabalhar para granjear o dinheiro necessário
ao alimento, ao vestuário e ao abrigo do corpo, só para que, no fim, ele possa
levar-nos pela estrada que conduz a Deus. A carne, de fato, se movimenta por
amor da alma. A vida cotidiana nos proporciona condições por cujo intermédio o
ego forceja por altear-se acima de si próprio. Quando nos lembramos de que a
importância vital desse eu superior sói ser subestimada e insuficientemente
compreendida pela Política, pela Economia e pela Sociologia, temos de
compreender quão incompleto há de ser o entendimento delas e, por
conseguinte, quão imperfeitamente poderão elas desempenhar as suas tarefas.
Os homens que não têm interesse por objetivos mais alevantados, que não têm
fé em propósitos espirituais, que não têm reverência pelo ideal que enaltece,
cairão, por força, na ofensa moral e na rebeldia intelectual, que é o materialismo.
Os materialistas poderão dizer o que quiserem, mas não se pode construir com
êxito uma civilização proveitosa sem um ideal espiritual. A libertação das
misérias da necessidade econômica pode ser boa mas, sem a libertação das
misérias da cegueira materialista, resvalará para o fosso do perigo. A
organização da vida humana que passa por alto a meta suprema do nascimento
humano, que é compreender a divindade em cada coração, apenas se arrisca.
Eis por que uma das obrigações da entidade humana é descobrir o seu lugar e
o seu significado na Idéia planetária. Pois o seu plano básico não pode ser
alterado por ela. Até as chamadas conquistas da Natureza, levadas a efeito pelo
homem, são, na realidade, parte dessa Idéia, posto que ele o não saiba. O seu
alardeado livre arbítrio é muito limitado. Não obstante, a crença de que o
universo existe para a própria evolução do indivíduo só é parcialmente errônea.
Se existe para os propósitos da Natureza, que o indivíduo é obrigado a
coadjuvar, é a sua própria cooperação final e voluntária com esses propósitos
que lhe põe em relevo as melhores potencialidades e as conduz a uma magnífica
eflorescência.
A situação da raça humana hoje em dia parece tão escura que os pessimistas
perguntam, “Onde está Deus?” e “Deus se interessa realmente pela
humanidade?” Qualquer um pode tentar responder a essas perguntas escorado
numa visão superficial do mundo. Mas somente uns poucos estão capacitados
para responder a elas por haverem explorado os mais íntimos recessos do seu
próprio ser psicológico e descoberto o seu parentesco com Deus. São os poucos
que possuem a perfeita segurança, por haverem testemunhado a própria
experiência, de que esse íntimo eu é divino, está ligado a Deus. Através desse
eu são capazes de entender uma partezinha das intenções de Deus para com a
raça humana. Consequentemente, possuem também a perfeita segurança de
que essas intenções são benévolas, apesar de todas as aparências em contrário.
Para os que perderam a fé em virtude do curso trágico dos acontecimentos
mundiais, a resposta deles encerra esperança.
O poder divino não está ausente do mundo nem de nenhuma situação que possa
desenvolver-se no mundo. A lei divina controla todas as situações. É verdade
que existem homens maus entre nós e forças más que trabalham por detrás
deles, mas eles nunca poderão governar realmente o mundo, nunca poderão
determinar completamente o curso que a vida da humanidade tomará. A vontade
de Deus sempre se fez e sempre se fará. Nenhuma vontade menor poderá
triunfar. E foi a vontade de Deus quem estabeleceu, para a humanidade, o curso
que conduz da treva à luz, da ignorância ao conhecimento, da maldade à
bondade, da impotência ao poder, e, acima de tudo, da animalidade selvática à
humanidade racional e, dali, à espiritualidade intuitiva.
10
A Voz do Profeta
Seria verdade, afinal de contas, que, não dirigido por Deus e não fortalecido por
forças divinas, o homem só poderia meter os pés pelas mãos? Dar-se-ia o caso
que as religiões tradicionais de todos os povos, durante todos os tempos, não
tinham estado a iludir-se a si mesmas nem aos outros, mas continham,
efetivamente, alguma verdade? Assim, os intelectualmente mais humildes
principiaram a voltar-se, contritos, para caminhos ignorados. Assim, do seu
sentido do malogro colossal da sabedoria humana desajudada despertou um
novo ímpeto espiritual. E, assim, eles expiaram os seus pecados, educaram as
suas mentes, e santificaram os seus corações num sentido muito mais
verdadeiro do que o sentido ortodoxo e convencional. Viram, por fim, que, se se
mantiverem afastadas da vista as misteriosas realidades ocultas da existência,
não poderiam esperar pelo melhor, e teriam de esperar o pior, da própria
existência. Isto vinha demonstrar o dito filosófico segundo o qual “o materialismo
pode capturar o pensamento e o sentimento do homem, mas não pode retê-los”.
Tal é a história espiritual de um limitado número de pessoas apenas. Se tivesse
sido a história de todas as pessoas, como seria hoje diferente o futuro delas!
Se não existisse uma alma divina dentro dele, os seus ideais seriam fúteis e
inúteis. É isto que dá uma secreta realidade aos seus esforços no sentido de
aprimorar-se e aos seus anelos de aperfeiçoamento social. Há um mistério não
revelado no coração do pior indivíduo. Pois cada qual encerra um raio da Mente
universal, que impregna todos os homens, muito embora também lhes fuja! É a
presença da divindade dentro dele, por mais encoberta e por mais
profundamente escondida que possa estar, que dá uma espécie de ideal em
seus melhores momentos e o torna insatisfeito com o que é agora. É essa
presença que o leva a atribuir diferentes valores a coisas diferentes e a estados
de espírito diferentes, à medida que ele, inconscientemente, se aproxima da
consciência dela. Acima de tudo, ordena-lhe que siga a religião.
Qualquer religião pública oferece o primeiro passo para levar pessoas a uma
vida de suprema significação. Os seus benefícios atingem todas as classes. Os
simples e ignorantes têm tanto direito de ser servidos quanto os evoluídos e
cultos. Ela foi estabelecida, com efeito, em primeiro lugar, para o benefício da
multidão. A sua obra ensina aos homens não só que Deus existe, mas também
qual é a sua relação com Deus; não só explica as consequências psicológicas
dessa relação, mas também inculca a moral de que eles precisam. A religião é
a fonte mais difundida, mais popular, e a mais elementar de procedimento
virtuoso. Por conseguinte, é o meio mais valioso de elevar a sociedade. Se ela
não fizer mais nada além de oferecer um baluarte prestimoso contra os
remanescentes da extrema bestialidade do homem, já será necessária e estará
justificada. Este é o seu dever iniludível, pois uma fé em Deus que não produza
pelo menos isto, só poderá ser uma fé hipócrita e, consequentemente, pior do
que inútil.
Os que dizem que a Religião fracassou, a pretexto de que ela não conseguiu
evitar a guerra, julgam com demasiada rapidez. Pois qual teria sido o
comportamento do homem durante os anos de paz se as restrições morais da
religião — por mais fracas que fossem — tivessem sido totalmente inoperantes?
Admitamos que exista manifestamente algum fracasso, mas a justiça nos obriga
a aduzir que foi um fracasso apenas parcial. Se o mundo assistiu, nos trágicos
sucessos do nosso tempo, ao triunfo temporário de forças desconhecidas do mal
sobre o planeta, e se examinarmos as causas desse malogro parcial,
chegaremos à conclusão de que a primeira é que a religião não tem sido fiel a si
mesma. As suas funções reais têm sido contrariadas com demasiada frequência
pelos seus ofícios tradicionais. É um fato que a religião sincera ensina os seus
devotos a esquecer preconceitos e a vencer animosidades e, por certo, não a
lembrar-se dos primeiros nem a alimentar as segundas. Maomé, por exemplo,
pregou democraticamente a fraternidade de todos os homens. A maioria dos
seus seguidores, indignamente, só aceitou a fraternidade dos maometanos.
Assim, os seus ensinamentos degeneraram com o tempo. A história de todas as
outras religiões — cristianismo, judaísmo, hinduísmo ou budismo — está
profunda e escuramente manchada de pensamentos irreligiosos e práticas
infiéis.
Um grande erro cometido por esses representantes ortodoxos oficiais é que eles
são, frequentemente, os primeiros a se oporem a qualquer manifestação do
espírito vivo de Deus entre os homens e os últimos a aceitá-la. Se as pessoas
forem obrigadas a procurar alhures o apoio religioso, se tantas dentre elas
sentem a necessidade de algo novo, é porque não conseguem encontrar ajuda
em nenhuma outra parte.
A tentativa de impor uma unidade artificial a religiões organizadas rivais seria tão
insensata quanto é provável que seja mal sucedida. Não sejamos sonhadores
fúteis e não peçamos à humanidade uma unidade que a sua própria variedade
nunca poderia dar-nos. Não esperemos que ela concorde com uma única religião
universal que removeria a necessidade de todas as outras religiões, nem lhe
peçamos que viva numa fraternidade universal, que só seria alcançável depois
que se houvesse atingido uma sobre-humana perfeição moral. A crença de que,
para pôr em prática uma nova utopia dessa natureza basta apenas executar um
ato qualquer muito simples ou esboçar na véspera um gesto qualquer, ou juntar-
se a algum movimento espiritual, é um erro intelectual que obstrui o caminho dos
que desejariam melhorar a sorte da humanidade. Esse idealismo excessivo não
é a sua força, como eles supõem, mas a sua fraqueza. O desejo de fraternidade
entre as crenças é muito mais sábio e muito mais digno de louvores do que o
desejo da sua unificação.
Para que a religião, quer encerrada nos velhos credos familiares, quer contida
nos novos cultos estranhos, se torne moralmente poderosa, terá de absorver
algum conhecimento asiático. O século XIX, que assistiu à expansão do
capitalismo e dos transportes, ao desenvolvimento da maquinaria e do comércio,
assistiu também à introdução do pensamento asiático na Europa e na América,
e do pensamento europeu na Ásia. A situação geral do homem é tão trágica que
já é tempo de algumas das idéias orientais mais vitais deixarem de ser
consideradas como plantas estranhas, anormais ou exóticas. A necessidade que
ele tem dos seus frutos na reorientação de si mesmo, na reconstrução da
sociedade e na reinterpretação das suas escrituras, é urgente e profunda. Pois
apenas uma mudança em seus pensamentos e valores poderá trazer-lhe o
aperfeiçoamento que será valiosíssimo. Com o Oriente, aprenderá ele a dar
ênfase a duas idéias que mostram que os ideais de autodisciplina e auto-
aprimoramento são, de fato, práticos, sensatos e necessários. Primeiro, que a
lei da recompensa (carma) lhe trará, finalmente, de volta o que quer que ele dê
de si; segundo, que a alma divina não só está sempre presente nele e em todos
os seus semelhantes, mas também pode ser conhecida. Se, ao aceitar a
segunda verdade, ele pensar que Deus não está tão distante e tão remoto, mas
está aqui, agora, dentro dele e dentro dos outros, ele terá muito maiores
probabilidades de aperfeiçoar-se e de enobrecer os seus tratos terrenos. E
depois de persuadidos da primeira verdade, as pessoas agressivas tenderão a
abandonar as falsas concepções que os levam a acreditar que poderiam
realmente tirar proveito da guerra que movessem a outros. Porque tanta peçonha
tem sido vertida na mente humana durante tantos anos, necessita-se
urgentemente de um soro neutralizante. Estas idéias sustentam a dignidade da
vida humana, proclamam as divinas potencialidades que ela contém, e inculcam
a realidade da ordem moral.
A revelação divina é tão acessível hoje quanto o foi ontem, tão ao alcance do
Ocidente quanto do Oriente. Nenhuma raça especial, nenhuma nação
determinada, a detém com exclusividade. É universalmente potencial e, se
encetar convenientemente a tarefa, o habitante do hemisfério ocidental poderá
convertê-la numa realidade, embora talvez um pouco menos prontamente do
que o habitante de um mosteiro hindu. Não permita ele que o estorvem aqueles
que insistem numa tradição meramente local, numa expressão especificamente
racial, num ponto de vista historicamente limitado, ou num partidarismo
rabidamente sectário. O que está presente em toda parte não pode ser
monopólio de uma raça, de um povo e, muito menos, de uma seita. Os ocidentais
poderão encontrar a raiz de sua alma em Deus — embora, porventura, com
maior dificuldade que os orientais — se o quiserem. O Eu Supremo revela a sua
presença a todos igualmente. O fato de homens como Sócrates, Lao Tzu e
Emerson, que viveram em terras tão vastamente separadas como a Grécia, a
China e a América, terem obtido essa mesma abençoada revelação significa que
a verdade é tão acessível num lugar quanto em outro, que ninguém precisa, na
verdade, viajar até o Oriente para encontrá-la, e que, se se puser a procurá-la
na direção certa — isto é, dentro em si mesmo — poderá ficar em casa e, assim
mesmo, encontrá-la.
Não obstante, seria um grave erro acreditar que a Filosofia considera uma
religião tão boa quanto outra. Não é assim. Ela admite as diferenças na verdade
intrínseca de várias religiões, mas diz que temos de ascender além das formas
exteriores de todas as religiões para encontrar a verdade pura. Além disso,
totalmente e pragmaticamente, sustenta que existe, de ordinário, uma religião
que se adapta melhor a um determinado homem em sua fase especial de
desenvolvimento, muito embora essa mesma religião não se adapte tão bem a
outro homem. Seja qual for o método, a idéia ou a instituição que ajuda
eficazmente certo tipo de indivíduo a adotar uma vida espiritual, ela não deve ser
dispensada como desvaliosa por um tipo diferente de indivíduo só porque não o
atrai e não pode ajudá-lo de maneira alguma. Ele deverá ser tolerante, ainda que
se afaste, indiferente, lembrando-se de que esse método, essa idéia ou essa
instituição ainda poderá ser útil a uma terceira pessoa.
Como são poucos os que se detêm a pensar que a religião por eles adotada e
que eles acreditam verdadeira poderia ter assumido outra forma se eles tivessem
nascido em outro país! Como são poucos os que pensam que as mesmas
consolações e a mesma ajuda, a mesma orientação e o mesmo apoio que lhes
ministra a sua própria religião, também ministram a outros povos outras religiões!
Quantos milhões de pessoas têm apenas uma ligação censitária com a religião
que professam! Que utilidade haverá em apontar para o grande número de fiéis
desta ou daquela igreja; não seria muito melhor indagar em que consiste a fé
desses pretensos crentes? Será uma fé vital, que influi poderosamente em seus
pensamentos, em seus sentimentos e em suas ações, ou é tão-somente uma fé
vazia, puramente nominal e o mais das vezes morta? A vaidosa herança de
opiniões ancestrais, por mais limitada, deficiente ou mesmo falsa que seja, é
talvez mais notável na esfera da religião do que em qualquer outra. Homem
nenhum pode tornar-se um verdadeiro cristão — nem um verdadeiro hindu ou
um verdadeiro budista — pelo acaso do nascimento ou pela formalidade do
batismo. Só pode tornar-se religioso através da reflexão, sentindo a realidade da
fé e obedecendo às suas injunções morais. O resto não passa de uma vasta
sugestão social, que, se bem possa enganar a humanidade, jamais enganou o
Eu Supremo, que a tudo assiste. Não são tanto as suas opiniões quanto as suas
ações, não é tanto a sua crença quanto o seu caráter que evidenciam a aceitação
da religião por qualquer homem. A sociedade deixa-se enganar facilmente nesse
assunto, mas o mesmo não acontece com as leis e forças superiores. A razão
deveria dizer-nos que, sejam quais forem os poderes que existem, estes não nos
julgarão pelas nossas profissões formais de fé religiosa mas, antes, pelos nossos
pensamentos e pela nossa conduta.
A Luz do Místico
Escrevemos anteriormente que o malogro parcial da religião ocorreu porque ela
não foi fiel a si mesma. Mas essa infidelidade, por seu turno, verificou-se porque
ela deixou de compreender-se correta e luminosamente. Esse ponto precisa ser
esclarecido.
Quase toda a maldade do mundo nasce da trágica ignorância dos homens e não
da maldade repulsiva dos homens. Essa ignorância decorre, por sua vez, do
costume que eles têm de identificar o eu apenas com o corpo, ignorando-lhe
completamente o lado maior e mais divino. A separação que existe na
consciência entre o ego e o Eu Supremo é fatal. É a causa de todos os pecados,
de toda a ignorância, de todas as dores e de todos os males do homem. Para
neutralizar essa ignorância e, gradativamente, eliminá-la, Deus, na verdade, tem
mandado mestres religiosos, místicos e filosóficos a fim de iluminar os três
estratos diferentes da raça humana. Entregues a si mesmos, sem a direção de
instrutores espirituais e divinos despertadores, os homens se deixariam ficar no
torpor da ignorância e morreriam na baixeza do animalismo. De per si, a
inteligência não consegue formar-lhes o caráter e aguçar-lhes a inteligência. É
mister que a sua experiência lhes seja explicada — algo da sua significação
interior precisa ser-lhes revelado. O sofrimento deles tem de ser mitigado por
palavras compadecidas e a fé, que eles sentem vagamente, sustentada por
instruções ministradas.
O profeta ou o vidente pode esperar que o seu conselho seja rejeitado por todos,
com exceção de uns poucos, mas ele pode ser ainda orientado no sentido de
expressá-lo formalmente. Se o for, tal expressão terá mais do que um valor
pessoal. Erguer-se-á em relação simbólica com o povo desatento. Será uma
espada de dois gumes, que teria podido salvar, mas que será usada para julgar.
O seu trabalho pode ser anunciado discretamente a princípio — pode até não
ser notado por algum tempo, como a obra de Jesus escapou à observação de
todos os historiadores contemporâneos, com exceção de Josephus. Ele próprio
reuniu umas poucas centenas de seguidores, e Buda apenas uns poucos
milhares, embora os ensinamentos de ambos alimentassem milhões nos séculos
subsequentes. Confúcio foi grandemente ignorado, conquanto os seus
ensinamentos se tornassem parte do sistema educacional chinês durante dois
mil anos. Nos primeiros dez anos da sua missão profética, Zoroastro não
encontrou outro discípulo além do seu próprio primo.
Os verdadeiros discípulos, mais do que os seguidores nominais dos grandes
líderes messiânicos do mundo foram sempre uma insignificante minoria. Isto
ocorria, em parte, porque os escassos meios de transporte e os primitivos meios
de comunicação não permitiam, antigamente, que uma mensagem divina se
difundisse com rapidez. Hoje em dia, ela poderá espalhar-se muito mais
depressa e para o mundo inteiro. Sem embargo disso, ainda é preciso
compreender, lastimosamente, a impossibilidade de que os sonhos de uma
milagrosa conversão, da noite para o dia, de toda a humanidade, com que os
não iniciados e os sentimentais gostam de brincar venham a realizar-se. O que
Jesus não pôde fazer, o que Buda não conseguiu, ninguém mais, sem dúvida,
poderia executar. Esses grandes luzeiros envoltos em carne humana puseram
em movimento a terrível inércia espiritual da humanidade, é verdade, mas o
movimento foi diminuto. Os poucos sensíveis responderam vigorosamente,
como sempre, mas os muitos que tinham o espírito voltado para a matéria,
escassamente foram tocados.
Hoje, os princípios originais das grandes religiões foram tão alterados, a sua
eficácia moral foi tão acentuadamente diminuída, a sua influência antimaterialista
foi tão lamentavelmente enfraquecida, que a necessidade de uma vasta
renovação interior em todo o mundo e entre todas as classes é incontestável.
Quando o credo professado por um homem já não é uma chamejante convicção,
mas uma fria conveniência, a necessidade de uma nova dinâmica é indiscutível.
É comum, todavia, o erro de ter por axiomático que esse tipo de interesse
compete às pessoas especialmente piedosas, excêntricas ou solenes, como se
a lamentavelmente mínima atenção que se dá comumente aos assuntos
espirituais fosse um sinal de sadia normalidade e excelente equilíbrio. Afinal de
contas, não incumbe apenas ao discípulo da Busca a procura e o encontro da
felicidade do Eu Supremo, mas a toda a gente. Só que, em se tratando de toda
a gente, a incumbência parece imposta de muito longe e é apenas vagamente
ouvida, de modo que se julga erroneamente o seu local de origem.
Uma vez que a compreensão cresce à proporção que o ponto de vista se eleva,
um mestre religioso explica a experiência de maneira elementar e o professor
místico a explica de maneira mais avançada. Debaixo da superfície convencional
da religião e coberto pelos seus imponentes rituais, existe, escondido, um
conteúdo místico. Quando princípios elementares religiosos são apresentados
como verdades místicas supremas, os resultados são lamentáveis. Eles passam
gradativamente da incompreensão e da superstição para a absurdeza e a
intolerância. E esta surge porque os não iniciados confundem incriticamente os
níveis de referência intelectual, porque eles não estabelecem uma nítida divisão
entre o que pertence à esfera da observação exterior e o que pertence à esfera
da vida interior.
Muitos aderem a esses cultos levados pela esperança, e neles permanecem pela
força do hábito. Outros estão apenas satisfazendo à sua paixão pela sensação
e imaginam estar satisfazendo à sua paixão pela verdade. Quando o milagre
prevalece sobre o místico, há o risco de se perder o verdadeiro valor deste
último. Quando o mistério predomina sobre o misticismo, abundam as
dificuldades e multiplicam-se os perigos. Quando o bem místico assim degenera,
não conduz à esplêndida iluminação a que poderia ter conduzido, mas leva uma
vida acrobática, a um coração murcho, a uma indefensibilidade moral e a uma
verdadeira atrofia intelectual.
Não admira, portanto, que tantas pessoas inteligentes, cultas ou práticas sorriam
escarninhas ou riam, zombeteiras, quando alguém faz referência a idéias
místicas e, sobretudo, idéias orientais, pois estas se acham invariavelmente
associadas, em suas mentes, com grupos fantásticos e esquisitos ou grosseiras
explorações de charlatães. Ninguém que tenha frequentado um círculo mais
extenso do que o círculo estreito desses pequenos cultos sectários poderá negá-
lo com justeza, assim como ninguém que tenha viajado pelo grande mundo fora
poderá deixar de observá-lo dentro da sua própria experiência. Nem poderá
negar que exista uma rábida orla semilunática em torno da adesão a esses
cultos, que é suficientemente grande para levá-los ao ridículo. O verdadeiro
misticismo sofreu, com efeito, em consequência do status por via de regra
suspeito, que lhe é indiscriminadamente atribuído. O desprezo ou a indiferença
em que os estudos místicos ocultos e iogues são tidos por tanta gente; a
zombaria a que estão sujeitos os mestres, as organizações e os profetas; as
charlatanarias e as explorações que. são praticadas por muitos dentre eles para
edificação dos crédulos; a incapacidade de influenciar, guiar ou dirigir a vida
pública no sentido de melhorá-la; todos estes são fatos que encerram uma lição
manifesta para os compreensivos. Indicam que há algo errado com muitos dos
líderes e com muitos dos seus seguidores, ao mesmo tempo. Revelam que é
insensato aceitar incriticamente quaisquer conceitos fantásticos ou quaisquer
afirmações exageradas promulgadas em nome do ocultismo, do misticismo ou
da ioga, e que tudo, afinal de contas, será posto à prova não só para que se lhe
determine a verdade intelectual, mas também para que se lhe constatem os
resultados morais e práticos.
Não foram poucos os autores místicos, não só dos tempos antigos ou medievais,
mas também dos nossos, que cultivaram a arte de dar largas à própria fantasia.
Em alguns casos, sem dúvida alguma, a intenção, simplesmente e bem
intencionadamente, era impressionar os leitores e despertar-lhes o interesse ou,
em outros casos, expressar simbolicamente o que teria sido difícil para mentes
imaturas compreender literalmente. Os seus escritos, contudo, exercem um
efeito lamentável, em certos lugares, sobre os que ainda têm o espírito medievo
ou que ainda não alcançaram a maturidade intelectual. Pois se lhes aplicarmos
os vários testes de credibilidade, tais como a análise crítica, a plausibilidade
racional, a experiência passada ou o conhecimento científico, seremos
obrigados a reconhecer que, embora se encontrem grandes verdades nesses
escritos, neles se encontram também grandes tolices, mormente quando se
supõe que eles descrevem literalmente sucessos históricos. Os que, todavia, o
desejarem, poderão continuar lendo e estudando essa literatura, pois ela ainda
encerra um precioso conteúdo, mas é preciso que o façam com cautela.
Tudo isto é deplorável, mas não torna menos valioso nem menos verídico o que
há de verdadeiro nas idéias místicas. Deveria fazer que os estudiosos, vigilantes,
se acautelassem. E deveria, ainda mais, assinalar-lhes a necessidade de
encontrarem o caminho para um terreno mais seguro. Este é proporcionado pela
Filosofia, e só nela poderá ser encontrado. Aqui aprendem eles a cultivar
deliberadamente as qualidades de um justo equilíbrio mental e de um apropriado
equilíbrio emocional. Isto redunda em célere repugnância pela exageração
imoderada e a rejeição instintiva de entusiásticas afirmações incompetentes.
Isto, porém, não quer dizer que todos viajamos em demanda da Filosofia pela
mesma estrada descrita. Esta foi a estrada tradicional até a época moderna, mas
a arremetida ascensional do intelecto e a acelerada individualização do ego
produziram alguma mudança. Embora muita gente ainda se valha do enfoque
antigo e medieval através da religião e do misticismo, uma crescente minoria
transpõe os umbrais filosóficos, vinda de direções muitíssimo diferentes: da
Ciência, do ateísmo, da Psiquiatria, dos regimes de saúde, dos sistemas de
tratamento neuropático e pela fé, etc. Até certo ponto e de certo modo, um
enfoque dessa natureza purificou-os fisicamente, ou curou-os emocionalmente,
ou preparou-os mentalmente, o que, por seu turno, os tornou mais receptivos à
voz da Filosofia e mais preparados para ela. É possível à nossa era produzir uma
combinação equilibrada de Ciência, religião, metafísica, misticismo e as artes
curativas, como nenhuma outra era anterior teria podido fazê-lo. Tendo por base
a Filosofia da verdade, seria alguma coisa de que a humanidade poderia,
finalmente, depender, pois essa base tem sido posta à prova desde a mais
remota Antiguidade e tem emergido, triunfante, da investigação dos séculos em
fora. A sabedoria dos sábios é a sabedoria dos séculos. Nunca poderá perecer.
Por quê? Porque todo pensamento humano, todo sentimento humano, toda
experiência humana, quando conduzidos ao seu término mais afastado, pelos
movimentos evolutivos espiralados, tem voltado e precisa voltar a ela.
Seja a nossa adoração dessa Mente total, inteligente, pura e direta. Total, porque
todo pensamento daqui por diante é santo. Inteligente, porque há uma clara
compreensão de que a vida divina não se alienou nem afastou, mas habita a
própria raiz da vida do adorador. Pura, porque em troca não se exigem quaisquer
benefícios pessoais, senão os de natureza espiritual. E direta, porque os
símbolos cerimoniais e as colgaduras intelectuais, as vagas insinuações e os
intermediários humanos da religião pública são deslocados por uma sagrada
visão particular.
No âmago do seu coração sem paz, a humanidade vive assustada pelo espectro
da bomba atômica. Até um ponto indeterminado, porém, ela segue o caminho
convencional e esconde de si mesma a extensão do seu medo. A consequência
dessa atitude enganosa é a produção de tensão nervosa, da psiconeurose e até
de enfermidades físicas. O número dos que padecem de sérias neuroses não se
conta por centenas, mas por milhões, não se limita a uma só classe, mas
difunde-se a todas as classes. O estado continuado de alarma público e medo
particular durante os bombardeios da guerra e as disputas da paz afetou também
a sanidade de mentes mais fracas.
As pessoas não sabem, mas deveriam ser instruídas nesse sentido, que tudo o
que acontece em todo o mundo é um quadro, em tons exagerados, do que está
acontecendo no interior delas mesmas, em grau variável. Alguns mais, outros
muito menos, entregaram suas vidas interiores ao domínio da animalidade e do
materialismo conjugados e, todavia, não o sabem. Dessarte, a mesma regra,
porém de modo mais espetaculoso e mais cruel, está tentando
desapiedadamente tomar conta de suas vidas exteriores. Trouxeram consigo os
remanescentes de vigorosas propensões do estádio animal da sua existência, e
aduziram a isto um intelecto astuto, mal dirigido e egoísta, derivado do estado
humano presente. Os animais matam porque têm fome, mas os homens são
piores, na medida em que a posse da qualidade da estúcia os leva a matar ou
torturar por outros motivos também. Violentas energias e paixões explosivas
fazem muito barulho em seus corações. Desejos que arrastam para baixo
prendem-nos entre presas aguçadas. Instintos agressivos perambulam como
tigres e suspeitas tenebrosas rojam como víboras no interior das suas mentes
conscientes ou subconscientes. Cobiças egoístas têm um firme habitat em suas
atitudes. Ódios, acrimônias e lascívias agitam-se por dentro e são fomentados
por fora.
Onde quer que as pessoas tenham de viver juntas num lar, ou trabalhar juntas
num campo, numa fábrica, num escritório ou numa firma, a presença de uma
única personalidade agressiva e indisciplinada entre elas bastará a criar
dificuldades ou a provocar brigas. Por aí podemos perceber os benefícios que a
insistência de todos os guias espirituais no autotreinamento e no auto-
aperfeiçoamento pode acarretar ao viver social. Isto ensina os homens a alçar-
se à sua natureza superior e a manter sujeita a sua natureza inferior. Na medida
em que eles forem capazes de fazer uma coisa dessas, a sociedade se
beneficiará com eles. Mas na medida em que as advertências dos profetas são
menosprezadas e a sabedoria dos filósofos é posta de lado, manifestam-se a
discórdia, as lutas e as guerras.
É um fato evidente que a vida espiritual está fora da visão e além do poder de
muita gente hoje em dia. Se perquirirmos as causas disso, chegaremos à
conclusão de que essa gente se escravizou por tanta maneira à sua natureza
inferior, tornou-se tão suscetível às sugestões e aos ambientes externos
materialistas, que só as coisas que ela pode tocar, sentir e ver com os seus
corpos têm para ela alguma realidade ou algum significado. Só essas coisas
atraem essa gente, e não as coisas mais belas da mente e da intuição, nem os
ideais mais sublimes da intuição.
Os nossos tempos são uma intimação a todo indivíduo para que se salve, uma
ordem promulgada para que ele busque o seu refúgio interior e não arrisque tudo
o que tem, desorientadamente, contando apenas com a proteção política e
militar. Cada qual precisa operar uma mudança externa e interna em seu modo
de vida e não contar apenas com os outros para que velem por ele e o conduzam
a bom recado através dessa crise. Cada homem terá de suportar sozinho a parte
mais profunda da sua ansiedade. Ninguém poderá suportá-la por ele, nem
sequer ajudá-lo a suportá-la, por mais que ele se iluda imaginando que isto está
sendo feito. A vida, o grande mestre, coloca-o nesse isolamento para mostrar-
lhe o rosto da sua psique. Sábio é o homem que aproveita a revelação e conhece
a própria fraqueza e a própria força, a própria ignorância e o próprio
conhecimento, a própria frustração e a própria suficiência.
Todo homem se acha, até certo ponto, sob a tutela das massas. A todo momento
influem nele sugestões recebidas da multidão. Ele é mais ou menos um escravo
— escravo das formalidades sociais, escravo das instituições estabelecidas,
escravo de códigos convencionais e escravo da opinião pública. Se bem essa
escravidão fosse muito pior em outros tempos, mesmo em nossa época pouca
gente pensa, sente e age plena e livremente de acordo apenas com a sua
vontade individual. É mais provável que o homem pense, sinta e aja, em grande
parte, de acordo com o que lhe tiver sido sugerido por outras pessoas. Daí que
ele dificilmente viva a sua própria vida independente ou obedeça ao seu próprio
eu interior mas, como toda a gente, vive a vida da multidão. Ainda que alguma
parte da sua atitude para com a vida seja inata, a maior parte não o é. É-lhe
imposta pela instrução e pelos ensinamentos que recebeu, pelos ambientes
cujas influências ele aceita e pelos padrões convencionais a que ele se
conforma. Quando uma concepção do mundo é tão amplamente afeiçoada pela
sugestão externa, a necessidade de pensar por si mesmo torna-se, ao mesmo
tempo, uma virtude primária e um fator necessário da saúde mental.
É necessário, contudo, não incidir em erro aqui. O que se quer dizer é que,
enquanto o egoísmo do ego deve agora ser atenuado, a capacidade do ego de
julgamento individual, ao mesmo tempo, tem de ser aumentada.
É verdade que algumas pessoas se dão conta do vazio espiritual que existe
dentro delas, embora as suas salas estejam cheias de trastes, os seus armários
de roupas e as suas dispensas de comidas. Entretanto, estão de tal maneira
desindividualizadas que continuam a multiplicar as suas necessidades materiais
por sugestão de vozes expressivas. A idéia de fazer uma pausa no meio dessa
atividade febril e ilusória que não traz felicidade real, e de começar a ouvir a
palavra dos inúmeros e inspirados mestres espirituais, que mostraram o único
caminho para essa felicidade, é uma simples idéia num vácuo. Não se aplica à
cotidiana rotina da vida. Outros sofreram mais e possuem menos e estão, por
consequência, um pouco mais cônscios da necessidade interior. Sem embargo
disso, a mundanidade governa a maioria dos continentes hoje em dia a tal ponto
que eles pouco se interessam por qualquer esforço que não ofereça um lucro
rápido e que não se lhes afigure pessoalmente vantajoso. O esforço inculcado
por um ideal cujo lucro está muito distante e cuja vantagem é unicamente o bem-
estar interior, oferece poucos atrativos.
O significado dessa meta, que nada tem que ver com o ascetismo heróico, deve
ser cuidadosamente especificado. O desejo é a força propulsora da vida. A sua
manifestação e o seu desenvolvimento dentro da entidade humana são parte do
plano evolutivo para essa entidade. É necessário, nos estádios iniciais e
intermediários, ressaltar várias capacidades latentes. É necessário, nos estádios
avançados, em que ele assume as formas da ambição pessoal e da aspiração
cultural, ressaltar outras capacidades ainda de uma espécie mais sutil. O seu
lugar na vida não é um mal, e muito menos um acidente. Durante as fases do
desenvolvimento do ego pessoal do homem, os seus desejos pelas coisas que
o encerram são certos e naturais. Ele precisa utilizá-los, apegar-se a eles,
satisfazer necessidades e ambições. Mas quando, durante as últimas fases do
seu aparecimento planetário, ele percebe que não foi enviado à terra apenas
para lograr o aprimoramento físico e o conforto corporal, senão também para
alcançar uma meta mais alta e cumprir um destino mais elevado — a realização
espiritual — o propósito mais elevado e, consequentemente, o mais importante
desse aparecimento precisa complementar e modificar o propósito inferior e
preliminar. Antes, essas coisas, esses apegos e esses desejos eram úteis e
necessários a ele. Depois, só o são na medida em que as necessidades
intermináveis se distinguem das necessidades essenciais. É inevitável que
chegue o momento em que, com a experiência mais amadurecida e a reflexão
mais madura de um lado e o sofrimento mais amargo e a decepção mais
profunda do outro, o seu desejo natural seja obrigado a desvalorizar os seus
objetivos e, consequentemente, a refrear as suas próprias atividades. Isto não
significa que se deva renunciar a eles exteriormente, senão que o homem deve
disciplinar-se e disciplinar o seu apego a eles.
Uma vida de gostos simples em si mesma e por si mesma tende a favorecer a
tranquilidade interior. Somente começando a simplificar é que o homem pode
voltar a uma existência mais natural e, por conseguinte, a uma existência mais
natural e mais sadia. Além do grau de necessidade real, as coisas podem tornar-
se em obstáculos, e ele talvez tenha de começar a afastar-se delas. Ele precisa
examinar a sua vida e interrogar os seus desejos, a fim de verificar até onde
algum deles interfere na realização das aspirações espirituais ou lhe toma o
tempo de que ele necessita para os seus exercícios de relaxação e de
meditação. Isto terá de ser seguido, inevitavelmente, por um reajustamento
ascético, uma aprendizagem para passar sem ele e não se incomodar. A vida é
demasiado curta para que valha a pena ser gasta em conforto corporal mas em
estagnação espiritual, se o exame revelar ser essa a situação. A certa altura da
sua vida, o homem tem necessidade de desapegar-se dos seus apegos, precisa
dizer às coisas e até às pessoas que reivindicam entrada em seu coração: “Até
aqui e não mais”. Ele pode exercitar-se no sentido de tornar-se interiormente
dissociado de relações sem se tornar exteriormente muito frio em relação a elas.
Sentir-se interiormente livre e alheado e não ser possuído por coisas nem por
pessoas é um estado que pouquíssimos ocidentais compreendem, e muito
menos experimentam.
Não é necessariamente das coisas que ele deve separar o seu coração, mas sim
dos dominantes desejos dessas coisas. Uma mudança de atitude dessa
natureza pode ou não levar a um desvencilhar-se de posses. As suas principais
circunstâncias interiores e as suas circunstâncias exteriores determinarão se isto
é ou não é necessário. Pode surgir dentro dele a necessidade de simplificar a
sua vida lidando com um menor número de coisas, ou pode não ser possível,
em face da sua posição no mundo, fazer até isso. Não tem importância. O que
importa sobretudo é o que o mantém aprisionado no ego; os pensamentos e os
sentimentos expressos em desejos, que estão sempre pedindo mais e mais, e
nunca estão satisfeitos com o que têm, ou nunca estão resignados ao que já
têm. A propriedade pode ficar como uma corrente a tilintar à volta dos seus
tornozelos ou converter-se numa força para o auto-aperfeiçoamento e para
maior utilidade. O que importa não é o que ele possui, senão o que pensa e o
que sente em relação ao que possui. Por conseguinte, não é tanto através do
gesto exterior de renúncia às coisas que ele faz um autêntico progresso
espiritual, quanto através de uma mudança da atitude interior em relação a essas
coisas.
Aqueles que falam em sacrifício e alheamento mas que nunca tiveram posses
ou posições a que pudessem renunciar, falam com demasiada facilidade. Eis por
que opiniões como as seguintes são ampla e firmemente sustentadas: “Creio ser
uma impossibilidade a obtenção da tranquilidade filosófica sem riquezas; e meto
a ridículo as opiniões dos filósofos que se gabam de paz interior no meio da
penúria: e ouço-lhes as afirmativas com incredulidade”. Essas palavras foram
escritas, há mais de um século, na Itália, pelo Marquês Francesco Guasco.
Como poderia alguém ter eliminado as dúvidas do cético fidalgo? Nenhum
argumento é tão sólido e convincente quanto a experiência pessoal. Nada mais
poderá levar um homem a acreditar que os sábios e místicos que sentiam e
proclamavam essa paz mental, a despeito das suas humildes condições
externas, não estavam dizendo mentiras nem sofrendo de alucinações. Eles
haviam encontrado a verdadeira felicidade interior e os incrédulos não estariam
dizendo tanta bobagem se, em lugar de opor objeções à sua exequibilidade, as
opusessem à sua dificuldade.
Ensina a Filosofia que o fato supremo da existência de qualquer homem não são
as suas circunstâncias nem é a sua fortuna. É ele mesmo. Os ambientes vão e
vêm como a maré; os ventos do destino e da fortuna levantam-se e abatem-se
irresistivelmente; mas através de todas as mudanças, o pensamento do “Eu”
tudo domina. E a primeira tarefa da vida humana é construir o caráter, ampliar o
conhecimento, expandir a consciência e, acima de tudo, reconhecer-se,
reconhecer o seu “Eu”, como enraizado num estado superior do ser. A sua
segunda tarefa é adquirir experiência. Ela sente prazeres e dores, adquire
dinheiro e cria uma família, na realidade, como meio para a primeira.
Não se deveria pedir ao trabalhador ocidental que imite o faquir oriental e procure
o estado de absoluta ausência de desejos. Ele quer viver bem e, por isso, precisa
ter alguns desejos. O desejo, como já se disse, tem o seu lugar adequado e a
sua utilidade na vida. Não obstante, ele deveria reconhecer a natureza transitória
das coisas, dos prazeres e das posses terrenas e, consequentemente, procurar
também Aquilo que proporciona satisfação duradoura. Ele não deveria limitar os
seus desejos apenas a essas coisas, a esses prazeres e a essas posses, mas
deveria acrescentar-lhe também o desejo do atingimento espiritual, do auto-
aprimoramento e da paz interior. Cansado das contradições inerentes às metas
sensuais, ele deveria começar a cultivar também as metas supersensuais.
Deveria ingressar na busca da autocompreensão espiritual, uma busca cuja
meta é um estado único e incomparável. Somente isto ministra a paz que
transcende todos os desejos e que provém do altear-se a criatura acima deles.
São João refere-se a ela em seu capítulo IV, 14: “aquele, porém, que beber da
água que eu lhe der, nunca mais terá sede”. Isto, no entanto, não poderá ser
conseguido a não ser que ele viva não só para as reais necessidades e os
prazeres disciplinados do corpo, mas também para os valores intangíveis que
não podem ser medidos pelos padrões terrenos. Ele pode apreciar corretamente
e saborear a posse de um rádio e de um automóvel, se o quiser, mas não deverá
tornar-se tão obcecado por essas pertenças meramente físicas da vida que não
saiba compreender-lhes o valor e o lugar quando cotejados com as coisas
espirituais.
Naquele mundo superior do ser em que habita o Eu Supremo, nenhum mal pode
penetrar, nenhuma paixão pode promover agitações. Descemos da sua bondade
absoluta para a treva e o tumulto, para o pecado e a violência desta terra como
quem desce do paraíso para o purgatório. O tremendo contraste entre a sua
sublimidade moral e tamanha degradação nos condenaria à perpétua tristeza um
elo entre os dois. Mas o elo realmente existe. Todo ser humano é capaz de
encontrá-lo e seguir a Busca secular e, dessa maneira, alcandorar-se à
consciência do seu eu superior.
Existem aqueles que nunca ouviram falar formalmente nessa misteriosa Busca
mas que, não obstante, perceberão alguma coisa ou até muita coisa da nossa
intenção, ainda que eles não sejam rapidamente capazes de aceitar-lhe a
verdade ou ceder diretamente às suas admoestações. Sem embargo disso, em
outro sentido mais amplo, isso será suficiente. O desafio terá sido lançado. Um
dia, mais cedo ou mais tarde, seja na carne, seja fora dela, haverá, sem dúvida,
recordação.
É evidente que a ação expressa o pensamento. Mas já não é tão evidente que o
fazer seja também a conclusão do ser, que o que fazemos seja uma
consequência do que somos. Aqueles que acreditam que a Filosofia se perde
em sonhos ou se imerge em abstrações, equivocam-se. Ela não só formula a
pergunta “Que é a verdade?” mas também “Como devo viver?” e que outra
pergunta poderia ser mais prática do que essa? Tanto o europeu quanto o
americano são, essencialmente, homens práticos e quando descobrem que
certo ensinamento não é apenas teórico, mas também se aplica à sua rotina de
todos os dias, que não só dá aos seus adeptos uma compreensão do propósito
interior da vida, mas também uma paz incomum, muito poder sobre si mesmo e
algum sobre o meio ambiente, é mais provável que ele o contemple com olhos
favoráveis. Aqui está, portanto, a sua oportunidade histórica, pois ele não
somente é muito superior a todos os outros, mas também pode, particularmente,
animá-lo, fortificá-lo, e guiá-lo durante esses anos de crise em cujo vórtice
remoinhante toda a humanidade se acha agora inexoravelmente presa.
Aquele que estende as mãos para a rútila paz da Alma, não as estende em vão.
Mas talvez não lhe sinta o calor ao primeiro movimento, nem ao décimo, a menos
que ele esteja disposto a trabalhar pelo que deseja. A quem quer que aceite esse
conhecimento não será necessário dizer que, mais cedo ou mais tarde, a pouco
e pouco ou através de um súbito jorro, ele terá de manifestar-se num
reajustamento prático e correspondente da vida. Dos abençoados momentos de
intuição, oração ou contemplação deverá surdir a ativa inspiração para viver, e
dos estudiosos momentos de reflexão metafísica deverão surgir os princípios
corretos de vida. Em todas as situações, ele deverá tentar aferrar-se a esses
princípios e aplicar as verdades fundamentais, pois, assim fazendo, não terá
razões para arrepender-se, mais tarde, do que fez.
Que significa esse progresso espiritual? Significará, porventura, ter mais e mais
visões, raptos ou estranhos sucessos? Não! Significa que, a cada ano que
passa, o homem sentirá maior domínio de si mesmo, maior aperfeiçoamento do
seu caráter, estará mais atento e mais obediente às suas intuições, mais
devotado ao seu eu superior. Depois que tiver estabelecido o seu ideal, o
aspirante será incumbido de julgar-se, de tempos a tempos. Sabe ele muito bem
que não poderá viver, imediata e plenamente, em harmonia com ele, e, pelo que
é do seu conhecimento, talvez nunca, em toda a sua vida, venha a viver
plenamente em harmonia com o seu ideal. Sem impedimento disso, porém,
precisa apresentar a si mesmo, periodicamente, o pensamento do que é
necessário ser feito pois, dessa maneira, lhe será possível manter à distância a
vaidade e a presunção.
O esforço, ou até a oposição da experiência mundana, as suas dificuldades e
aflições, tanto quanto as suas alegrias e consecuções, ministram um teste
rigoroso tocante à extensão e à seriedade com que ele considera a Filosofia da
verdade como um guia prático da vida. Até o primeiro vento forte de uma
circunstância inesperada o ajudará na sua aferição.
A Busca, na maior parte das vezes, serpenteia através de uma longa e lisa
planície mas, outras vezes, percorre altíssimas e difíceis montanhas. Não são
raros os transvios nem improváveis os passos em falso. O viandante talvez tenha
de passar por estados de tentação e de luta, de prova e de derrota, de combate
e de triunfo. Talvez tenha de negociar a sua passagem à roda dos matacães
colocados em certas etapas do seu caminho, ou sobre eles. Deverá estar
preparado para suportar reiteradas decepções de antecipação exagerada e
experimentar frustrações inevitáveis de esperanças prematuras.
Se se perguntar “Quanto tempo será necessário para seguir essa Busca até que
a meta seja atingida?” a única resposta possível será que enquanto o Eu
Supremo for apenas uma idéia, não conhecida e não experimentada em todos
os momentos do dia, durante a vigília ou durante o sono, a Busca terá de ser
seguida. A medição desse período numa escala de anos terá de variar
necessariamente de acordo com os indivíduos. Todos partem de pontos
diferentes de partida, de níveis diferentes da sua condição atual. Não é possível
estabelecer período algum. Vêem-se os homens avançando por algum tempo,
detendo-se por algum tempo, desviando-se do seu caminho por algum tempo, e
renunciando de todo em todo à Busca por algum tempo. Ou caminham devagar
em alguns períodos e celeremente em outros. Tanta coisa se exige deles que é
perfeitamente compreensível que tão poucos atinjam a meta.
Inteireza e Equilíbrio
Não visa apenas a meta da Busca a fazer do homem uma pessoa sábia,
disciplinada e, no sentido mais verdadeiro, prática, senão também, ao mesmo
tempo, uma pessoa inteira e equilibrada. Isto, com efeito, é importantíssimo. A
direção para a qual a vida nos empurra é o alcançamento da inteireza — o corpo,
a mente, os sentimentos e a intuição deverão converter-se num canal
harmonioso, através do qual o Eu Supremo pode expressar-se sem obstruções.
Entre os que seguem os ensinamentos místicos, existe um número substancial
de criaturas que se revelam, pela ausência de equilíbrio em seu caráter e na
maneira pela qual conduzem os seus negócios, verdadeiros casos
psiconeuróticos. Como tais, e durante algum tempo, necessitam dos serviços da
terapia mental e emocional, que poderá, de fato, prepará-las para os serviços da
Filosofia e torná-las mais capazes de aproveitar-se deles. É realmente aflitivo
encontrar esses casos citados em críticas adversas e em comentários rudes a
cultos místicos, e quando o fato é que elas ingressaram no misticismo já
padecendo de neuroses, ou tiveram agravado o seu mal pelos métodos tolos ou
pelo ridículo desequilíbrio desses cultos. O verdadeiro misticismo, como o que
faz parte da Filosofia, procura manter o seu equilíbrio e conservar o seu bom
senso, a sua racionalidade e a sua praticidade, durante todo o seu curso. É muito
menos atraente para os neuróticos desordenados e muito mais para as pessoas
sensatas ou cultas, a maioria das quais se teme de ingressar num reino
aparentemente duvidoso de idéias e experiências.
A Filosofia não altera o seu caráter integral, mas permanece tal e qual é quer
esteja ocupada com pensamentos ou empenhada em silenciá-los, quer esteja
orando genuflexa ou trabalhando nos campos. A prática das suas exortações, a
inteireza e o equilíbrio são três elementos essenciais que ela procura cultivar,
mas não são os únicos. A eles é mister acrescentar alguns outros, que não são
menos, senão até mais importantes: a reeducação dos sentimentos, a oração, a
relaxação e a meditação. Aqueles que buscam por essa diligência restaurar a
própria integridade, remover as próprias imperfeições e atingir a própria
consciência espiritual, estão-se colocando na melhor posição possível para
ajudar outros a fazerem o mesmo por si próprios.
A resposta do eu superior ao chamado humano é dada sob as restrições da
sabedoria. Não serve de instrumento ao nosso sentimentalismo nem está
disposta a reforçar-nos o egoísmo. A paz que tanto vale não pode ser havida
sem produzir o seu custo equivalente. Haverá, necessariamente, uma luta
desinteressada para que a sujeição aos sentidos se transfira à alma, e para
tornar os hábitos pessoais mais condizentes com as leis superiores.
Se a imagem divina está sempre dentro de nós, a luz que ela projeta e o calor
que emite são, inúmeras vezes, grande ou totalmente obstruídos por muros
interpostos, não podendo, assim, chegar à nossa consciência superficial. Que
muros são esses? São as tendências materialistas, os apegos excessivos, a
excessiva extroversão, a natureza desequilibrada, os sentimentos violentos, os
maus pensamentos, os corpos peados e empeçonhados, as paixões
desatinadas e, sobretudo, o ego indisciplinado. Por conseguinte, para tornar-se
consciente dessa luz, o aspirante precisa refinar as emoções, governar os
instintos, e, dessa maneira, fortificar o caráter. Ele deve encetar a prática de
exercícios de introspecção mística, iniciar o estudo da metafisica da verdade e,
através dessa auto-educação, adquirir o conhecimento dos significados mais
profundos do eu e da vida, das leis divinas e universais da evolução e do destino
humanos. Cumpre-lhe cultivar os sentimentos religiosos e as intuições místicas
pelo esforço regular, através da prece e da meditação. O propósito de toda essa
árdua purificação é arrancar as peias dos pés da vontade e da mente e, assim,
ensejar-lhes a oportunidade de mover-se livremente pelo reino do Eu Supremo.
Se ele for paciente e estiver disposto a esperar, a resposta a todas as perguntas
que refervem no coração do buscador será encontrada um dia, contanto que ele
se empenhe nessa autopurificação enquanto espera.
Regenerando o Corpo
A Esfinge se deitou no deserto para avisar todos os candidatos à iluminação que
lhe passavam por entre as patas dianteiras, ou debaixo delas, de que lhes era
mister sujeitarem a sua natureza inferior. Eles não poderiam deixar a área
externa do templo oculto e obter acesso às suas “Câmaras de Poder” enquanto
isso não tivesse sido suficientemente feito. Mas a natureza inferior e a mente
inferior só abrem não do seu domínio depois de muita luta. Isto requer um
treinamento da vontade, uma negação dos apetites e uma disciplina do corpo
que, embora não seja agradável no começo, assim acaba sendo.
Nenhum homem que tem a mira posta numa meta superior a si mesmo tem
probabilidades de evitar malogros da vontade. Pode deixá-los passar durante
algum tempo, mas não pode cruzar os braços por muito tempo, pois, nesse caso,
o hábito da inércia ou do derrotismo talvez se instale imperceptivelmente dentro
dele e lhe frustre novos esforços. A certa altura, é preciso que ele deixe de ser
indulgente para com as suas frustrações e principie a tomar a decisão de seguir
um curso de disciplina. A enfatuada aceitação da sua própria fuga diante da auto-
disciplina física e emocional, é uma das razões por que ele deixa fazer
progressos notáveis. Se ele e todos os outros buscadores que se queixam de
fazer pouco ou nenhum progresso se desvencilhassem da sua indolência e
empreendessem alguma disciplina real do corpo e um adestramento das
emoções, compreenderiam que o primeiro passo prático é fazer alguma coisa no
sentido da reforma de si mesmos; teriam, então, menos que lamentar. De mais
a mais, muitas vezes lhes é imprescindível iniciar vigorosas mudanças físicas se
quiserem tornar mais ativa e mais acurada a sua receptividade instintiva. Uma
disciplina dessa natureza terá de incluir a purificação do corpo e a alteração dos
seus hábitos segundo as chamadas diretrizes ascéticas, durante algum tempo,
já como preliminar, já como acompanhamento de qualquer trabalho mental que
venha a ser tentado. Sem isso, este último se perde no simples sonho ou, às
vezes, até na ilusão.
Ver-se-á que existe um lugar para o ascetismo na existência filosófica, mas é um
lugar sereno e sadio. Ao invés de ser usado para ferir ou destruir o corpo, usa-
se para o desenvolver e aperfeiçoar. Em vez de pôr-lhe a saúde em perigo,
promove o mais elevado estado de boa saúde. Esse trabalho de melhoramento
físico e de purificação emocional e passional é exigido, com muitíssima
frequência, à guisa de preparação.
O estudioso que está procurando esse conhecimento superior não só não será
capaz de assimilá-lo além da sua capacidade pessoal, mas também não o será
de valer-se dele mais do que lhe permitem as suas deficiências. Por exemplo, o
seu desequilíbrio ou a sua insensibilidade, os seus maus hábitos corporais ou as
suas indisciplinadas condições emocionais penetrarão no que ele aprender e o
deformarão. Por via de regra se estabelece certo grau de autocorreção mental e
emocional e de purificação física, à guisa de pré-requisito, antes que esse
conhecimento possa ser-lhe plenamente transmitido. Esse trabalho sobre si
mesmo exige certa dose de severidade para consigo mesmo. Por conseguinte,
as práticas disciplinares são, muito justamente, uma parte das primeiras fases
do método místico. A própria Filosofia as incorpora e não faz objeção a elas. Só
faz objeções à exagerada importância que lhes é atribuída, e a sua adoção em
extremos ascéticos.
É a mais árdua das lutas para o aspirante vencer as suas paixões, governar os
seus desejos e controlar os seus pensamentos. Disse Buda que o homem que
se vencia a si mesmo era maior do que o conquistador de cidades. O esforço
que isto supõe, com efeito, é tão grande que deve, necessariamente, estender-
se por muitas e muitas reencarnações. Existem algumas maneiras práticas,
pelas quais o aspirante pode tornar a luta mais curta e o triunfo mais fácil. A
primeira purificação a que ele se obriga é a do corpo. A prática dessa antiga
técnica desvela os verdadeiros instintos do corpo e, até certo ponto, dos próprios
sentimentos, instintos que foram profundamente sepultados debaixo do
materialismo convencional da sociedade, da civilização e da tradição. Presta-se
a um triplo propósito: penitência, purificação e cura. A redução, ou até a própria
eliminação, da gula à mesa, do comer carne, do tomar bebidas alcoólicas e do
fumar são indícios desse progresso.
No século IV, quando São João Crisóstomo escrevia, dizia ele que “nós (os
líderes cristãos) praticamos a abstinência da carne dos animais a fim de subjugar
os nossos corpos... a desnatural ingestão de carne é de origem demoníaca... a
ingestão de carne é causa de poluição”. Não nos esqueçamos de que o autor
dessa defesa do vegetarismo, na opinião de Santo Agostinho, era o mais
autêntico e o mais eloquente advogado literário cristão do seu tempo.
Ele pode manter relações sexuais, mas não as manterá tão-somente por ordem
do corpo, nem apenas movido pelos sentidos inflamados, nem ainda por simples
sugestão de outra pessoa, vítima da mesma ordem e dos mesmos sentidos. Não
permitirá que a preciosa destilação da sua essência vital seja continuamente
gasta na debilitante satisfação dos próprios apetites, nem que a preciosa
liberdade do seu coração e da sua mente se submeta à escravidão sexual. Não
se deixará cegar pelo êxtase físico produzido pelo ato sexual, lembrado da
reflexão metafísica de que se trata apenas de uma contrafacção breve,
lastimável e incerta do êxtase produzido pela elevação espiritual. Breve —
porque em poucos minutos se dissipa. Lastimável — porque o seu custo,
frequentemente, é muito superior ao seu valor. Incerta — porque as pessoas em
que ela se origina poderão vir a cansar, a desamar e até a Odiar umas às outras.
É mais imediato e talvez mais escravizante do que os êxtases produzidos pela
criação ou pela apreciação artística e intelectual, mas estes custam menos e
duram mais. Não obstante, a energia sexual é uma forma baixa, limitada, da
energia criativa da Mente Universal. O prazer que ela proporciona é um eco
abafado, cujo som original pertence a uma região divina. Eis por que ele é tão
procurado.
É necessário limpar o corpo das suas impurezas e curá-lo das suas disfunções
até certo ponto, ao lado da limpeza emocional e mental, de modo que a
personalidade possa abrir-se para as forças do Eu Supremo sem outra obstrução
além da que está sempre presente e é a mais formidável de todas — o ego. Urge
que alguma purificação preceda e possibilite a regeneração. A incapacidade de
compreendê-lo pode ser uma das razões por que os que praticam a meditação
mas não curam do equilíbrio nem da purificação deixam amiúde de fazer os
esperados progressos no sentido de captar vislumbres do Eu Supremo.
Desse purificar do corpo de carne, como parte do esforço total para abrir caminho
à entrada do elemento intuitivo, será mais fácil a passagem para a purificação
da natureza dos sentimentos. Encontrar a tranquilidade interior e a saúde exterior
do corpo é cavar os mais seguros alicerces de qualquer outra felicidade que a
vida possa proporcionar.
Reeducando as Emoções
No passado, a vida emocional do buscador era, na maior parte, uma resposta
instintiva aos sentidos, um processo cego em que ele era frequentemente
arrebatado em seu próprio prejuízo. Não havia nesse processo nenhuma
verdadeira liberdade de vontade, senão uma liberdade imaginária. Agora, porém,
alguma luz incide sobre toda a cena. Doravante, as emoções serão libertadas da
escravidão que as mantém sob o jugo dos sentidos, serão orientadas no sentido
de servir aos melhores interesses do buscador, pela sua própria vontade
superior, serão enobrecidas, refinadas e espiritualizadas.
Quem alimenta um agravo, por exemplo, que cultiva o sentimento de ter sido
lesado e sente ressentimento contra a pessoa que julga responsável por isso,
interrompe o seu próprio progresso espiritual. Não pode lidar com a penosa
situação sem ceder à sua provocação, expressar as suas emoções inferiores ou
evidenciar os seus indignos atributos. Ele atribui esse resultado à falta de
desenvolvimento espiritual em outros, quando deveria recriminar-se a si mesmo.
Essa evasão de responsabilidade é um velho truque do ego. Mas ninguém é
mais responsável pelos seus triunfos e reveses do que o próprio ego.
Toda provocação pelas faltas, pecados ou erros de outras pessoas lhe enseja a
oportunidade de praticar a expulsão de reações negativas a ela. Quanto mais
irritante for, tanto mais deverá ele sorrir por causa da maior oportunidade que
assim lhe é concedida. Poderá também considerá-lo como um teste. Uma
situação provocativa deveria ser considerada como ocasião proveitosa para
começar um trabalho interior, sem permitir que a reação negativa comum se
manifeste primeiro. Assim, a impaciência e a irritabilidade por ter de ficar
esperando num encontro marcado podem ser afastadas pela imediata
declaração de que a pessoa possui paciência infinita e pela lembrança do Eterno
Agora, com a sua infinita aceitação da Vida. Sem embargo disso, a prudência a
aconselha a evitar os lugares, as pessoas e as situações capazes de despertar
a sua natureza inferior. Essas coisas são melhor enfrentadas pelos fortes do que
pelos fracos, pelos maduros e purificados do que pelos jovens, imaturos e
imoderados. Se a pessoa souber, por exemplo, que a propensão para a cólera
é uma das suas falhas, procederá com prudência evitando as situações que
podem provocar-lha, enquanto não tiver adquirido algum domínio do eu.
A parte dele que se modifica com as marés emocionais, que receia, deseja, se
acabrunha e rejubila alternadamente, não pode ser eternamente preservada,
nem em vida nem depois da morte, pois a Natureza continuará a sujeitá-la à lei
da evolução, continuará a submetê-lo a experiências que, conferindo-lhe a
consciência das próprias e insatisfatórias limitações, não lhe permitirá encontrar
a paz enquanto não deixar de repousar, desvanecido, sobre elas.
Não será, porventura, desumano, não será até um tanto ou quanto louco,
objetarão alguns, pedir a um homem que adote uma atitude em relação à sua
própria vida pessoal parecida com a do químico que observa os elementos num
laboratório? Poderá, acaso, tornar-se alguém tão totalmente alheado, tão
completamente frio, tão inteiramente impassível e tão incomovidamente analítico
em relação às experiências e aos sucessos que mais lhe interessam? Ora, essas
perguntas revelam uma concepção errônea da disciplina filosófica. Para ajudar
a esclarecer o assunto, seja-nos permitido formular a nós mesmos outra
pergunta. Por que será tão mais fácil examinar o passado do que examinar o
presente para ver o ponto em que erramos, para discernir a verdadeira
oportunidade da ocasião enganosa, e para extremar os amigos verdadeiros dos
falsos amigos? O mentalismo responde que é porque o ego pessoal interfere
com maior facilidade quando estamos realmente envolvidos em alguma situação
do que quando podemos observá-la à distância. E isto, por sua vez, acontece
porque a emoção predomina em nós no instante de qualquer acontecimento,
porque nós, excitados, julgamos tratar-se de uma realidade material. Entretanto,
depois que ele se recolheu a uma lembrança, que é um pensamento,
inconscientemente principiamos, com frieza e sem nenhuma excitação, a aceitá-
la como tendo sido um pensamento desde o início. Vendo-o como tal, podemos
adotar uma atitude mais calma e mais alheada em relação a ele. A calma com
que somos capazes de encarar o passado é deliberadamente cultivada pelo
filósofo ao encarar o presente. A própria essência da sua atitude é um tranquilo
sentimento impessoal. O sentimento é um motivo tão forte da vida humana que
nunca pode ser morto mas, quando é egoísta, precisa ser dominado. E isso é
tudo o que a Filosofia pede de um homem.
O sentimento humano não é chamado a eliminar-se, mas é chamado a elevar-
se. A emoção humana não deve ser destruída, mas deve ser compreendida e
guiada. Ninguém pode dar-se ao luxo de ignorar o sentimento, mas deve, sem
dúvida, harmonizar-se com ele. Pois ele proporciona o calor que dá energia à
vida. Proporciona a força propulsora, mas é preciso também que se veja para
onde é dirigido. A sua força não substitui a segurança da direção certa. Para
lograr essa visão protetora, o homem necessita, ao mesmo tempo, da direção
da razão e do estímulo da intuição. Necessita, igualmente, da luz da inteligência,
e dela necessita mais que de calor. Ela lhe diz a direção em que deve caminhar.
Se ele tomar a direção errada, a sua situação se tornará mais perigosa. Será
preferível que o calor se origine da sua luz; nesse caso, ele caminhará direito e
caminhará bem. Por conseguinte, cumpre que a fé emocional seja enfreada pela
reflexão racional. À maioria, basta seguir cegamente os seus sentimentos, mas
o estudante, lembrado de que a Filosofia não pode dar lugar a mistificação
alguma, precisa interrogar os seus sentimentos. Se verificar que eles o estão
conduzindo numa direção certa, ele os seguirá com o mesmo entusiasmo dos
outros. Mas terá a satisfação adicional de ver para onde vai. Não se trata de
expulsar todos os sentimentos do seu coração. Trata-se, antes, de expulsar tudo
o que é indigno do sentimento e repelente para ele, tudo o que é baixo, negativo,
vil, destrutivo, egoísta, agitado e neuroticamente autocomiserativo ou
sentimental.
Se o corpo fica doente porque a sua higiene apropriada não está sendo
respeitada, porque as leis que lhe governam o funcionamento sadio estão sendo
transgredidas, a doença, nesse caso, pode revelar-se útil na medida em que
desperta o doente para a necessidade de viver corretamente e de reformar os
seus hábitos físicos. Isto deveria induzir o médico — o qual, a propósito, segundo
a recomendação de Hipócrates, o fundador da medicina européia, deve ser
filósofo também — a refletir sobre o grande número de enfermidades que são,
na realidade, uma busca de refúgio contra o próprio desequilíbrio, desleixo ou
auto-envenenamento do eu. E o médico deveria refletir ainda mais sobre a
grande percentagem de moléstias que poderiam ser prevenidas se se pudesse
fazer que as pessoas interessadas compreendessem os sinais de perigo que a
intuição lhes ministra, advertindo-lhes que se recolham, durante algum tempo, a
um simples repouso ou retiro espiritual, fugindo às excessivas tensões do
trabalho, da paixão, da preocupação e da emoção negativa, ou de hábitos
defeituosos no comer e no beber.
Como é diferente a atitude do homem relaxado que a tudo atende e vive cada
momento de sua vida tranquila e concentradamente! Ele possui uma serena
sensação de lazer, uma sensação incrível para aqueles cuja atitude é a de quem
quer que todas as horas sejam ocupadas. Ele vive de acordo com o seu próprio
ritmo, sem se importar com o ritmo de uma sociedade frenética e desequilibrada.
Toda a sua vida se escoa num andamento diferente, sem pressa, pacífico e
aprazível. Nela existem até horas sem finalidade, que seriam uma sandice para
o moderno ocidental. Entretanto, ele não é um tunante nem um vadio. A direção
geral da sua vida tem um propósito bem definido, as suas atitudes e as suas
ações têm uma significação que se oculta debaixo da superfície.
Quase todos os homens têm precisão desse período de retiro porque quase
todos necessitam, às vezes, de uma folga nas dificuldades e lutas da vida, de
modo que possam reunir as suas forças antes de prosseguir no esforço por arcar
com elas. Precisam procurar lugares a que possam recolher-se em secreto,
fugindo ao barulho da cidade, em intervalos de pacífico afastamento do
burburinho citadino. Isto deve ser feito não como fuga à vida do mundo, mas
como preparação para ela. Eles deverão afastar-se quando a sua inspiração
interior lhes ordenar que o façam, quando a necessidade íntima desse retiro se
tornar premente e as circunstâncias exteriores o permitirem.
Todos os aspirantes deveriam utilizar tais intervalos para aprender mais acerca
do que realmente são e acerca do que realmente é a vida. Regressarão depois
às obrigações do mundo, mergulharão na atividade mundana e ali porão à prova
os seus conhecimentos, praticarão a sua discriminação e expressarão os seus
ideais. Necessitam retirar-se de vez em quando, seja por meia hora, seja por um
mês, a fim de retemperar as suas forças e concentrar os seus sentimentos na
Busca. Nesses retiros, hão mister de solidão para criar a sua própria atmosfera
mental, de liberdade para obedecer às instigações interiores da sua natureza
espiritual, e de aspiração para relaxar-se, e para purificar e enobrecer os seus
sentimentos.
O retiro periódico das incertezas dos negócios do mundo para as certezas dos
negócios do espírito, das distrações da vida na cidade para a paz das solidões
da Natureza, é uma norma excelente. É verdade que todos sentem a
necessidade de escapar quando o excesso de trabalho ou o excesso de
preocupações os oprimem exageradamente, ou quando o excesso de contactos
e o excesso de afobação nas cidades os levam a olhar com enternecimento para
o campo e para a solidão. Nessas ocasiões, uma trégua na agitação é benéfica,
ou melhor, é necessária. Mas, recomenda a Filosofia, sê razoado com o teu
retiro. Faze-o ocasional no tocante à frequência e limitado no que concerne à
duração. Afasta-te de tempos a tempos, mas afasta-te apenas por um período
limitado. Se bem a Filosofia aprove os recolhimentos ocasionais à ociosidade do
quietista como meio temporário para um fim mais amplo, não aprova a
ociosidade do quietista como fim em si mesmo. Ela nunca diz: encontra uma
escapada permanente e sê um permanente escapista. Uma vida bem equilibrada
exige uma forma equilibrada de retiro. É tão eficaz procurar uma coisa dessas e
permanecer um leigo quanto passar a vida inteira em instituições escapistas e
transformar-se em monge.
A Aventura da Meditação
Nesta era enérgica, quem quer que atribua um alto valor ou um valor mais alto à
prática da relaxação e da meditação, arrisca-se a ser julgado néscio ou fanático.
Uma das principais ilusões dos homens modernos, hauridas nos sorvedouros
urbanos, é que, se eles fizessem essas pausas diárias em sua vida estariam
perdendo alguma coisa em razão do tempo roubado aos seus negócios. Pelo
contrário, se a pausa for real e sincera, eles estarão ganhando alguma coisa na
própria esfera em que ocorreria a suposta perda. A simples introdução de curtos
intervalos da mais completa relaxação no regime diário de atividade pessoal é
suficiente para produzir resultados acentuadamente benéficos. Sob as pressões
da civilização moderna, eles são uma necessidade biológica. Qualquer homem
trabalhará mais e melhor; sentir-se-á menos cansado e conservará maior
vitalidade se reaprovisionar as suas forças por meio dessa redisposição das suas
horas. Assim, na realidade, ele nada perderá perdendo esses poucos minutos
tirados do seu trabalho ou dos seus prazeres. São-lhe indispensáveis esses
oásis no deserto da jornada da vida. O pensamento e o sentimento acolherão
com alegria essas breves e belas libertações do fardo da existência comum. A
triste ironia, porém, é que tanta gente está tão preocupada com as suas
preocupações que não é capaz de poupar tempo para o que poderia ajudá-la a
suportar melhor as suas preocupações. É em seu próprio prejuízo que não lhe
acode o desejo de relaxar-se ou de meditar. E se ela pudesse compreender as
fases mais profundas da vida espiritual, compreenderia que a idéia comum de
que a nenhuma atividade do corpo significa nada feito ou nada ganho, é
desmentida pelos satisfatórios resultados da meditação. A noção, menos
comum, de que a inatividade do intelecto significa a mesma inutilidade, é
desmentida pelos resultados inesquecíveis da contemplação. A propósito, essas
duas não são idênticas, e sim uma fase mais baixa e outra mais alta da mesma
prática.
Podemos ver agora a profunda sabedoria que se ocultava por detrás da injunção
dos antigos legisladores religiosos de guardar um dia sabático de repouso por
semana. Esses homens sábios da Antiguidade viviam gizando métodos para
lembrar ao homem o seu verdadeiro propósito na terra. Este propendia a
enredar-se completamente nos desejos terrenos e nos assuntos físicos, e a
esquecer o que devera ser o seu desejo supremo — o descobrimento da sua
alma divina e a comunhão com ela. Era por isso que eles o instruíam, inculcando-
lhe a necessidade de substituir as coisas do mundo pelos assuntos espirituais e
pelos negócios transcendentais, e instituindo um dia especial da semana para
essa finalidade. De sete em sete dias, era-lhe recordado o objetivo superior de
toda esta obra, para cujo fim supremo ela era apenas um meio temporário.
Cumpria-lhe ser sério e até grave, e descartar-se da frivolidade nesse dia, porque
a morte era uma sombra sempre presente. Um dia de repouso lhe deixava
alqueivada a superfície vazia da consciência, para que fosse mais fecunda ao
depois; proporcionava aos níveis mais profundos da mente azo de apresentar o
seu conhecimento intuitivo e voltava o pensamento para o sagrado propósito
supremo de toda vida humana.
Os degraus mais interiores do próprio ser da mente são os graus mais próximos
do Eu Supremo. É em razão desse fato que o valor da meditação mística é único.
Pois arrasta a consciência do meditador cada vez mais para dentro, cada vez
mais para o estado divino que é o seu cerne. Enquanto a mente esquadrinhar
regiões alheias a ele, o supremo segredo do mundo lhe escapará. Pois o primeiro
passo dado pela Mente cósmica primordial foi para fora, para a manifestação do
mundo, e isso aponta para a direção interior em que o nosso derradeiro passo
deve ser dado: isto é, o interior da própria mente.
Vemos as coisas à nossa roda, mas não vemos a luz que possibilita o ato de ver.
Experimentamos o movimento dos pensamentos, mas não o que torna possível
esse movimento. Pois assim como precisamos pressupor a existência da luz a
fim de ver uma coisa, assim precisamos pressupor a existência da mente a fim
de conhecer um pensamento. Enquanto a consciência individual estiver
inteiramente absorta na contemplação dessa apresentação pictórica que ela
denomina o “mundo”, não terá consciência do próprio ser, continuará a ser um
mistério não desvelado para si mesma. Não sabemos que os mesmos
pensamentos que constituem o mundo da nossa experiência transitória, ao
mesmo tempo nos afastam do mundo da eterna realidade. Eis por que é
soberana a necessidade do místico afastamento delas. A finalidade da
meditação, quando culmina na contemplação, é a aquietação de toda atividade
mental, de modo que a própria Mente, manancial e condição dessa atividade,
possa ser conhecida em seu estado original. A prática, por fim, leva o artista a
encontrar o belo, e o místico a encontrar o divino dentro de si mesmo. Este é o
propósito mais alto. Dessarte, isso os conduz do materialismo ao mentalismo,
que ensina a verdade a respeito da “matéria” e desvela a realidade por detrás de
suas múltiplas aparências.
Chegará, com efeito, a hora em que o homem extrovertido terá de encontrar uma
nova compreensão de si mesmo e, simultaneamente, trazer paz interior aos seus
nervos combalidos. Faz séculos que ele vem interrogando o universo inteiro, é,
portanto, inevitável que ele comece também a interrogar-se a si.
É difícil dizer, precisa e acuradamente, como principia alguém a saber que esse
poder sublime, o Eu Supremo, existe dentro de si próprio: a revelação é uma
revelação composta. Consiste numa certeza metafísica, num sentimento intuitivo
e numa experiência mística — tudo apontando para um algo indescritível, que
por si só, dentre todas as coisas, existe por seu próprio direito independente; que
tem como sua própria natureza, um ser sem causa, eterno e perfeito.
A alma, essa misteriosa entidade que é totalmente inexistente para muita gente,
e cuja busca é uma quimera para a maioria das pessoas, acabar-se-á revelando
a única que ficará quando todas as outras desaparecerem. Se o pensamento de
um homem for sempre dirigido para os objetos da sua experiência e nunca
desviado para a consciência que possibilita a experiência, será inevitável que
esses objetos assumam uma significação e uma realidade em si mesmos e por
si mesmos apenas. O que quer dizer que o homem se tornará materialista.
Entretanto, o Eu Supremo é o de que proveio a sua própria consciência. Não
deverá ele, porventura, proporcionar a si mesmo o diário ensejo espiritual de
entrar em contacto com o Eu Supremo, com o seu eu mais íntimo?
com ele. As inspirações devem ser longas, profundas, lentas e uniformes, e não
espasmódicas nem forçadas. A diminuição do ritmo da respiração resultará
numa diminuição da tensão. Uns poucos minutos dessa prática preliminar
difundirão vitalidade, em ondulações, por todo o corpo. O estudante pensará na
Força Vital Una que impregna todo o universo, existe em toda parte, enche todo
o espaço, se contém em todas as criaturas, saturando-as, inclusive ele mesmo
e a humanidade inteira. Em seguida, imaginará que essa força está sendo
atraída do espaço para a sua cabeça, fluindo uniforme e ritmicamente pelo lado
direito da cabeça, depois pelo mesmo lado do tronco, até percorrer toda a perna
direita; em seguida, sobe pela perna esquerda, passa pelo lado esquerdo do
tronco e volta à cabeça. Esse fluxo circular deve ser repetido algumas vezes,
deixando-se que a corrente descanse na cabeça durante algum tempo ao cabo
de cada circuito. Nenhuma parte do corpo deverá eximir-se do fluxo benéfico.
Tudo isto se faz com os olhos fechados.
Momentos de Iluminação
Uma diferença entre a adoração mística e a adoração religiosa é que, na
primeira, há um esforço no sentido da união, através da meditação, com o poder
superior, ao passo que, na última, há um esforço no sentido de comungar com
ele, através da oração. Na segunda, a separação entre o adorado e o adorador
se reconhece e mantém, ao passo que, na primeira, faz-se uma tentativa para
eliminar a separação. Toda espécie de adoração é necessária à vida espiritual e
nela tem o seu lugar. A convicção de que existe um “Outro”, um poder diferente
do seu e superior a ele possui o devoto religioso. A convicção de que esse
“Outro” é idêntico ao seu eu mais íntimo possui o meditador místico. A meditação
proporciona, afinal, um sentido de grande força, porque o meditador se aproxima
da união com o seu eu superior, parte de cuja força principia, então, a penetrá-
lo. A oração, por outro lado, graças ao sentido da distância entre o devoto e
Deus, mantém-no humilde e fraco. Com efeito, a prece não logrará o seu
propósito se for pronunciada por alguém que se sinta cônscio da própria força e
da própria sabedoria, cheio de entono e de confiança em si. Para que ela tenha
alguma eficácia, terá de ser pronunciada com um sentimento de contrição, de
fraqueza, de dependência e de humildade. A devoção religiosa é uma atitude
correta para todos os seres humanos. Como raios do sol espiritual, cumpre-lhes
adorar a sua fonte; imperfeitos, impende-lhes amar o ser perfeito.
Ligado a esses lampejos está tudo o que os mais inspirados cultores de todas
as artes tentam encontrar e exprimir. É o puro espírito da beleza. Fala-lhes à
intuição e, através deles, à intuição de toda humanidade, cujo mais alto
desenvolvimento é assim favorecido.
A esse eu divino assim vislumbrado passará ele, dali por diante, a endereçar
todas as suas orações, através da sua recordação buscará valimento, confiado
nele porá por obra todas as suas tentativas, à sua luz caminhará pelas estradas
da vida, e pedirá graças à sua compaixão.
Muitas vezes se pergunta por que esse eu interior se esconde tão ardilosamente,
por que é ele tão completamente esquivo, tão distante da vista e da busca
humanas? Por que se nos antolham tantas dificuldades para encontrá-lo? A
resposta é que os maiores tesouros são os que se guardam com maior cuidado.
Mas é também porque o Eu Supremo não pode envergar trajos de pensamentos
egoístas e formas animalescas sem falsificar o seu verdadeiro caráter. Nós é
que precisamos desfazer-nos dessas limitações para podermos aproximar-nos
dele.
Deus não tem a intenção de esconder-se para sempre dos filhos cuja própria
existência é o resultado da atividade divina. A pouco e pouco, e à proporção que
eles aprenderem a utilizar os seus dotes naturais enquanto crescem, se
aproximarão inevitavelmente do Eu Supremo, o deputado que Deus lhes enviou.
Nada lhes é negado, exceto o que não pertence à fase determinada por que eles
estão passando. Eles terão de manifestar todas as suas faculdades de
sentimento, de pensamento e de vontade, mais tarde de intuição, disciplina e
equilíbrio sob a regra da intuição. Isto feito, a revelação se fará seguramente, e
o Eu Supremo, espontaneamente, outorgará a sua luz, a princípio através de
vislumbres, mas, por fim, plena e finalmente.
O que tudo isto tem que ver com o estado crítico dos assuntos do mundo atual
há-de estar assaz evidente. A conexão depende, ao mesmo tempo, da verdade
da natureza do homem e do propósito da sua encarnação. A reunião de homens
e mulheres que denominamos sociedade não está menos sujeita à necessidade
de afeiçoar a sua vida de acordo com essa verdade e esse propósito do que
qualquer indivíduo isolado. Sócrates chorou diante da corrupção e da ignorância
de Atenas como Jesus chorou diante da corrupção e da ignorância de Jerusalém.
Os homens passam toda a sua vida mergulhados no erro quando poderiam
passá-la à luz da verdade. Fazem o mal quando poderiam fazer o bem. O
resultado é o sofrimento quando poderia ser a paz. Quando todas as principais
decisões de sua vida são tomadas num estado de ignorância espiritual, que
outros resultados, senão desastrados, se poderiam esperar? É um momento
amargo — e a consciência do seu erro se abate dolorosamente sobre eles —
quando descobrem que os objetivos pretendidos os conduziram a um beco sem
saída e que as ambições alimentadas só lhes deixaram cinzas nas mãos.