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29/03/2023

Objeção mais forte aos convencionistas: para estabelecer uma convenção, é necessário que
haja uma linguagem para a comunicação.

Como seria possível fazer uma convenção sobre a linguagem sem ter antes uma linguagem
para a comunicação?

A linguagem não pode ser um fruto da convenção, porque tem de ser anterior a ela. É um
pressuposto para a convenção.

Nesse contexto entra Crátilo. No entanto, os argumentos sustentados por Crátilo também são
fracos. Vimos por exemplo ontem o caso das onomatopeias que existem em número reduzido
para indicar as coisas do mundo; além disso, palavras que possuem mais de um significado no
idioma; a questão da linguagem ideal da qual derivam as linguagens mais variadas, e onde se
verificam, no entanto, mais dessemelhanças do que semelhanças entre as linguagens; a
questão da variação diacrônica numa mesma língua

Surge então Aristóteles para conciliar.

Aristóteles: linguagem não nos permite um conhecimento direto das coisas, porém nos
permite um conhecimento indireto das coisas.

Esse conhecimento indireto vem por meio do “triângulo semântico”.

Aristóteles vai admitir que a linguagem é convencional, mas essa convencionalidade não vai
me impedir de conhecer a natureza das coisas, pois a linguagem vai me permitir conhecer as
afecções da alma, e são estas afecções, sim, que conhecem as coisas.

Alma

Significado/conceito (objeto mental)/sentido/referência ou pensamento

Simboliza Se refere a

Linguagem/nome - - - - - - - - - - - - Coisa/objeto

Representa (relação convencional)

A linguagem é o espelho da alma/do intelecto, e este é o espelho da razão, que possui relação
direta com a linguagem e com a coisa.
A relação direta que ocorrerá é entre a alma e a coisa e entre a alma e a linguagem.

A linguagem reproduz o sentimento da alma em relação à coisa, e não diretamente a coisa. A


linguagem me permite conhecer a alma e não a coisa, mas a alma conhece a coisa, então
indiretamente eu posso conhecer a coisa porque eu conheci a alma que conhece a coisa por
meio da linguagem.

Citações do De Interpretatione, de Aristóteles.

1) As coisas na voz são os símbolos das afecções na alma, as coisas escritas são os
símbolos das coisas na voz (1,16 a 3-4).
•Ex.: os falantes de língua portuguesa, para explicar o sentimento provocado pelo
contato com o animalzinho (sentimento que é universal), entraram em acordo para
expressar esse sentimento dando o nome de “gato”.
•Quando eu falo “bola”, essa palavra não exprime o objeto bola, mas o significado que
aquele objeto teve para mim, o sentimento que ele provocou na minha alma.
•Aristóteles já parte do posicionamento de que o nome não expressa a natureza da
coisa, mas um sentimento, uma afecção da alma, e para expressar essa afecção da
alma tudo isso é feito em termos de convenção.
2) Nenhum nome é tal por natureza, mas apenas quando ele se torna símbolo. (1, 16 a
28).
•A linguagem não diz o que é. O que diz é a razão.
3) As afirmações e as negações na voz são os símbolos daquela na alma.

Análise do triângulo semântico

Alma

Significado/conceito (objeto mental)/sentido/referência ou pensamento

Simboliza Se refere a

Linguagem/nome - - - - - - - - - - - - Coisa/objeto

Representa (relação convencional)

A alma se refere sempre a um objeto. É a relação primeira e é sempre uma relação natural. A
relação natural não é a relação palavra-coisa, mas sim entre o homem e a coisa. É a relação
alma-coisa.

De que modo o homem se refere à realidade para conhecer? Por meio da abstração. Por meio
da abstração, a alma abstrai os acidentes para chegar à essência da coisa.
Ao existir esse processo de separação dos acidentes da substância e abstraindo a essência da
realidade da coisa, o homem chega ao conceito (objeto mental), a um sentido, uma referência.
Chega a uma afecção da alma.

Então, a natureza da coisa não se representa por meio da linguagem. A representação da


natureza da coisa é uma representação mental, e não linguística.

Essa representação mental será conhecida de que maneira? Aí sim, através de um significante,
de uma imagem acústica, um nome, um símbolo: gato, bola, macaco etc.

As coisas na voz são símbolos das afecções da alma. É por isso que há um processo de
simbolização, mas o que se simboliza através da palavra, o que a palavra expressa não é a
realidade, mas o conteúdo mental. Quando digo gato não expresso o animal, mas aquilo que
eu conceitualizei/signifiquei, por meio de um processo de abstração da coisa “gato”.

Aí sim haverá o terceiro processo, que não é direto, mas sim indireto (por isso a terceira linha é
pontilhada), pois é mediado pelas afecções da alma. Ou seja, o nome que dou é um nome para
uma realidade universal. Todos nós diante do animal gato teremos o mesmo sentimento. No
entanto, cada povo de cada língua chega a acordos diferentes para exprimir o sentimento que
tem diante do animal, e isso nos permite a possibilidade de conhecer o sentimento, de
conhecer a língua dos outros. Isso explica a possibilidade de tradução. Se não houvesse essa
possibilidade de, através do nome, conhecer um sentimento que é universal, não seria possível
traduzir.

Se um nome expressasse a natureza eu teria várias possibilidades de universais, e cairia em


contradição, porque o universal é um só. No entanto, a alma humana é uma só, e funciona da
mesma forma para todos os humanos, onde a afecção causada por um objeto é sempre a
mesma em todos.

É importante salientar que Aristóteles não tem uma preocupação de demonstrar a ligação da
linguagem com o ser, mas da linguagem com a alma e desta com o objeto. As palavras não são
significantes por elas mesmas.

Entre a alma e o ser há uma relação de correspondência, mas da linguagem com o ser, não.

Se as palavras fossem naturais, haveria somente uma língua para todos os homens, devido a
uma relação universal.

Pergunta para G1: Como Aristóteles, considerando a relação linguagem-coisa, resolve o


problema do conhecimento?

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