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Keith Jenkins A HIsTORIA REPENSADA Mano Vista Mancarert Raco editoracontexto ea Dalat Cagis ent "einuntston df _ vier ta ea, “peat itn mapa a Para Maureen, Philip Patrick Agradecimentos Alguns dos argumentos apresentados neste liv jé spare ‘cerain em outros lugares Gobretdo no peridclico especiaiza- do Teaching History) de forme igeizimente diversa. Mas, impressos 61 no, foram todos expressos de modo semi- piblico nos dltimds ans, quando dei aula para varios gus pos de estudantes, €4 eles gostaria de agradecer por terem parlcipado de alguns debates de amplo aspecto. Agradeso também aos amigas que discutirem comigo a maioria dos temas aborclados no livro: Keith Grieves, John McKenzie, Guy Nelson ¢ Richard Pulley. J a2 alguns anos, teaho me bene- ficiado da colaboragio de Peter Brickley, € © que aparece aqui guarda mais do que mera semelhanga com suas idéias © ‘com suas critieas constutivas. Keith Jenkins Sumario Aist6ria repensacla com ousadi. Introdugto. © que ea liste Alguinas perguntas algumasrespostas CConsiruind a Hiséria no munclo pés-moderno, Notas. Indice remissivo 7 BB 3 93 109 up A Historia repensada com ousadia Algum tempo atti, tive a sorte de ser apresentada pelo, histriador Estevio Resende, professor da Universidade de Brasilia, ao lio de Keith Jenkins, intiuladlo Retbinking Histor, Discutindo a auséncia de textos tericos acessivels, diretos © cehicidativos no Basil chegamos & conchisto de que este era lum livzo fundamental para os esudanies, professores e pes- ‘qvisadores de Historia, Afinl, rinta anos depois da revolugo| pprovocada nos estudos histéricos pela obra de Foucault, fea hora de ese explicit, discutr€ avaliar as profundas rmu- tagbes pelis quai passou nossa disciplina Hi até pouco tempo, que 0s hstoriadores estavam convic~ tos que estudavam 0s fatos, que © passado, no singular © ‘determinado por “leis necessiras", estava ld auras bem orgs rizado & espera de ser por ele revelido em sua suposta "es sencia” e em sua “Yotalidade’, Haviamos aprendido que 0 "real", or"concreta” ~ representado A nossa revelia como co! ssi~ devia ser interpretado com objetiidade e neutralidade, isto, sem a intervenglo aubjetiva do narrador ‘Essa relago do historiador com o seu objeto de trabalho certamente mudou, por mais que alguns ainda se agarrem ‘8 mites herdados do século am. A grande maioria dos his- Toriadores, e nao apenas no Brasil, entende que a produglo do conhecimento historico € bem mais dificll e complexa, cenvolvendo inimeras discussoes € problematizagbes, a co” ° recat, no que die respeto 80 sew principal insirumento de trabalho sto €, a8 Fontes, ow antes, os diseusos. Mesmo cor a descoberta de outs recursos documentais, como as ima- ‘ens taziis pelo cinema ou pela pints, @n partic cos textos esertes no passido, ou memorizados no presente, que pro- curamos descobrir 6 que se passou, reunindo os fragmentos tispersos que restaram, dando-lhes uma certa forma ¢ bus- cand seus possiveissemtios. Construimos, pois, una tama «ina narativa do passado & part ds fontes existentes, dos recursos teérico:metodologicos escolhidos e de um olhar, entre vitios outros possiveis, marcado por nossa atvalcs| de, vale dizer, por nossa insexc cultural e social enfim, por rossi propria subjeividade. Hoje, quando novas forgas sociais, éinieas, sexuais © sgeracionais ganham espago e respetaiccle no mundo bl o, fi no Se pode afimar simplesmente que Historkt € 0 registro do que aeonteceu no psssKlo, pos se vito acontec: mentos foram emacs € registrados, rmitos perderam seus sos, foram esquecides, ou deliberadamente apagados Commo disewnso do vencedor, identitaia ¢ Fechado sobre si mesmo, a Histéra jf foi bastante desmistiicala Para essa iregio apontava 0 6sofo Michel Foucault a0 propor-se ‘stud “A Vida dos homens infames", sto 6, as historias des- conhecidas das pessozs sem fama, ser glort e, por isso mes mo, ausentes de visbilidade histérica. Numa posigo astan- te pronims, os historiadores socinis defenderam a “historia vista de baixo", também descle os anos 1970, buscando res patar os sujeitos excluides e sttas historias perdihs, 6 as Feminisas reivindicaram incisivamente muito mais do que a pesenga das mulheres na grande nasrativahistrica. Ao de pés-estrmuralistas como Jueques Derticl, radical criiea, contestanda a propria eonstevgao discursiva na qual ‘0s acontecimentos ganhavam sentido, recusardo-se 2 entrar ros espagas previamente delimitados para as mulheres nas rmetanarrativas histéricas ¢ a representar os personagens es 10 tereotipadas ai configuiados. Oussdamente, seivindicaram histrias phiais, contadas tabémt no feminino. ‘Como mostra Jenkins, em A bistora repensada, wna das principals rupturas que marcaram a produgio de conhec ‘mento histrico Tol sinalizada por Foucault, a0 desestabilizar imitas de nossas certezas © mostrar algumas das armacithas das qunis estivamos senda vitinas, em seu clissico Livro A. ‘arqueologia do saber. Questionavs, pot win lado, a crenga bastante ingenua de que o decrmento Fosse wma mera uans- paréncia da realidad, um reflexo invertido do “real, um Iefo de acesto direlo aos acontecimentos e 20s personagens cesgolhides, por onto, spontava para os efeitos de uma nayeae tiv historica que, na nsia de construira "sintesetotalizadora” pregida pelo marxismo, ignorava as deseontinuidades e des- arta 0 imprevisivel, pois nio sabia lidar com as cliferengas ‘Assim, a convicgdo de que contavamos of te acontecidas’, of de que encontrsvames "6" passado, sin plesmente indo aos auquivos € folheando os documents, ‘mesmo que munidos de um sofisicado ausenal “eientifico’, positvista ou marxista, fo! profundamente abalada. Crtican- ‘do a teoria hukdesiana do rellexo, predeminante nos meios| académicos desde a década de 1970, explica Jenkins, 0 ilé- sofo francés mostrou que 0 documento nio €0 reflex do acontecimento, mas que € ele mesmo um outro aconteci mento, isto é uma materalidade construida por camadas sedimentadas de interpretacoes. © documenta é, ass, pen- silo arqueologicamente como "monumento" Percebido como “pratica discursivs", produs efeitos. O-que vale dizer que 48 palavras deizam de ser pensadas como vento, leves, ansparentes, sem densidade e sem qualquer imposiéncia em si mesmas. Os historiadores sto, desta feita, obrigados a prestar atengio 20 discurso, A maneira pela qual ‘um objeto hist6rico € produzido discursivamente e2propria narrativa que constroci ou teproduzem, n Analisando essas muiagbes, Jenkins records que, desde a {cada de 1970, ouzo intelectual bastante importante na atu ludade, Hayden White, em seu Metabistériae, postesiormente «ei Troptens do discurso, if wacieidos para o portugues, alenava para 06 diferentes mocios de narrar a hist6ria, Chamando a tengo para a impontincia de se pensar a forma discusiva, {unto quanto © conteiido narrado, White ensinava que um :ncsino aconteeimento padeia sr Contade e inerpre‘ado nil apenas pari de diferentes perspeciivas cassis, cono apon- tae 0 mansismo, mas também por meio de difecentes modos sarrativos, sefa como tragédia,Seja como comédis, se como ‘drama, ene ouiras formas Iteriras extents, jocks essas quest6es, apenas sinalizadas nessa breve apre= seniaglo, nos mostram que a produgio do conlueeimentohis- \otico se Sofisticou profundamente ao Hongo dos dltimos win- {2 anos, e que and temas de entender melhor 05. percursos « percalgos de nossa liseiplina se quisermos garantir ss so- Inevivéncis enguanto tl Visando aclarar o debate em torno dessa “revohio"his- \orica,« Kditora Contexto publica A Historia rppensada, ete pequeno e densa livia, escrito por um historiaor preocupa- do em omganizar uum pouco a casa, diganios assim, por os pingos nosis, focalizar os movimentos inesperids e as brus- fas rupturas que temas vivido em nossa area ‘final, 0 que faz o historiador? Para que ¢ para quem bus- «a 0 acontecido? A partic de que instrumentos, eoras,valo- Fes e concepgoes recorta seus temas, seleciona seu material documenta ¢ prod sua eserita do passado? E, alii, de que passado se trata? Dos vicos e dos pobres? Dos brancos e dos facyro® Das mulheres e dos homens especifieamente cons- deridos? Das criangas ¢ dos adultos? Ou do de uma figura Jmagindria construids 3 imagem do branco europeu, pensi- do como universal? © livre Keath Jenkins nos chega em boa hora, e é,acre- dio, un excelente convite para uma seria conversa entre 0s be histoniadores preocupados em plurlizara Historia, deniocrat zando-a e libertandoa das formas hieraiquizadoras e excl Ininantes e/ou subordinados estao sempre endo retraballhadas ‘no mundo real A medida que eles procuram mobilizar pes a5 para apoiarem seus interesses. A hisiria se Forfa em tl Confit, ¢ esté claro que estas necessidades conftantes incidem sobre os debates (ou sea, a luta pela posse) do que é a historia, “Assim, nest aur, jé fica claro que responder & pergunta| *0 que é & histérk’” de modo que ela sea realista esté em _substituéta por esta outra: "Para quem € a historia” Ao fazer: rs i880, vemos que a histéra est fadaca a ser problemt ‘a, pois Se trata de um termo e um discurso em litigi, com diferentes significados para diferentes grupos. Uns querem vuma hist6riaasséptica, da qual o conflio ea angssta estejam dusentes, outros, que a historia leve A passividade; uns que~ rem que ela expresse um vigoroso indvidualismo; outros, ‘que proporcione estratégias evlicas para. a revolugao; outros dinds, que fornega base para a conta-revolugio... E por at vai. £ Hell ver que, para um revolucionirio, a historia s6 pode ser diferente daquela almejida por um conservador, ‘Também ¢ fiel ver que a lista de usos da histria € infin, tam pela légica quanto pela pritica. Alina, que aspecto te fia una bisxéria com que todos pudesser concorde de uma ver por tras? Permita que eu thst esses comentitios com tum tipido exemple. 'No romance 1984, Orwell escreveu que quem contrcla © presente contol © passado e quem controlao passado con- tuola © futuro, Isso parece ser também provivel fora da fic 80. Assim, as pessoas no presente necesstam de anteceden~ {es para localizarem-se no agora e lepitimarem seu modo de vida atual e futuro. (A bem dizer, dada a listingto Ftc, 16s “Tutos" do pasado, ov tudo mais, nd0 legienam absol ‘mente nada. Mas 0 ponto é que as pessoas agem como se legitimassem.) Portanto, elas sentem a necessidade de enrat zarem o hoje e 0 aman em seu ontem. Recentemente, esse foatem tem sido procurado (¢ achado, jf que o passado se predispoe sustentar incontiveis nareativas) por mulheres, ‘gros, grupos regionais, minorias diversas etal, Esses passa- dos sio usados para explcar existénctas presentes e projetos| Fturos, Remontand um pouco mais ao tempo, veremos que classe raballadora também procurou enraizarse mediante uma tajetria elaborada em termos historicos. Remontando ainda mais, x burguesia descobriu sia genealogia e comegou ‘a elaborar uma historia para si (e para Outros). Nesse sentido, todas 2s classes e/ou grupos escrevem suas respectivas auto Diografias colewvas. A histéria € a maneira pela qual as pes> soas cram, em parte, suas identidades. Bla € muito mais que tim médulo no currculo escolar ou académico, embora pos- simos ver qe © que Ocorre nesses espagos educacionais em imponaneia crucial para todas aquelas partes diverse mente interessadas, ‘Mas seri que nao estamos cientes disso 0 tempo tede? Nio fia dio que um fendsneno “egiimador” to importante como historia tem razes em necessiades € poderes reais? Acho ‘que sim, mas com wna ressalva: quando 0 dscurso deminante se refere 30 constante processo de reescfta da histénis, ele 0 faz de maneiras que sublimam aquelas necessidades. Ai, 0 discurso dominante produz a anddina reflexto de que toda ‘gerago reescreve sua propria historia. A pergunta,entretanto, 6 como e por qué. E uma resposta possivel, 2 qual Orwell ale, & que as rlagbes de poder produzem discursos ideolo- sicas do tipo “a hiséia como conhecimento” (por exemplo) ‘que, em termos de projetos confltantes de legimitimagio, 0 recessiios para todas as pares envolvias. ‘Agora, vamos concluir a exposigao sobre o que a historla é ra tooria, Argumentei que a historia se compoe de episte rmologia, metodologia e keologia. A epistemologia mostra que runes poderemos realmente conhecer 0 passado - que a dis- crepincia entre © passado e a historia (historiografia) & ‘ontolégica ou seja, est de tal maneira presente na natureza fas coisas que neniium esforgo epistemologico, nao importan- do quo grande, conseguir elimini-la, Os hisioradores et Doram modos de tabalhar para reduzi a influéncia do histor « dor interpretivo, dlesenvolvendo métods rigorosos que eles {entam viniversalizar das mais variads maneiras, mas sempre pretendendo que, se todos seguissemos esses métodos, wn alicerce de habilidades, concetos, rotinas € procedimentos poderia permit chegar & objetividade. No entanto, existe Imitas metodologias; os suposios “alcerces concetiais” sto ‘de consinugdo recente e parcial, © ev argumentei que a5 die- rengas que veinos esto a porqie a his6ra € basicamente um ‘dscUrso em litgio, um campo de batalla onde pessoas, clas se8 € gnipos elavoram autobiograficamente suas interpreta ges do passido para agradarem a si mesmos. Fora dessas pressbes, nto existe hist6xtadefintva, Todo eonsenso (lem: poriro) 36 € aleangado quando as voues dominintes conse- _guem silenciar outs, seja pelo exercicio explicito de poder, seja pelo ato velado ‘de inclusio e/ou anexagao. Ao fim, 2 historia & teora ea teoria & ideologia, e a ideologia € pura &| simplesmente interesse material. A eologia penetra tocos 08 Aaspectos dk histéra, af includes as priieas eocdianas para prod histras naquelas instiuigdes que, em nossa soci de, sto destinadas principalmente a tal proposio ~ en expec alas universidades. Agora, vamos olbat a histéxia como parte esse tipa de praca, DA PRATICA Acima, eu acabei de concluir que a histéria fo, € € seré produzida em muitos lugares e por muitasraz0es diferentes ‘e que um desses tipos de histéria & 4 profssional, ov $e, 9 produzida por hstoriadores que (em geral) sto assalariados € (no mais das vezes)trabalham no ensine superior, especial ‘mente nas universidades Em The death of the pas 0 historiador J. H, Plumb des- creveu tal historia profisional (2 Elon’) como © processo de tentarestabelecer a verdade do que acontecew no passa 6 do.e que poderia ser conteaposto 20s “passados" da memérla popular, do "senso comum” e dos esterestipos, para nes de sembaragarmos desses constructos mal acabados, mal diger- dos € (para Plumb) mal concebidos. Em On ling in an old ‘county. Patrick Wright argumentou que a meta de Plumb & ro apenas impassvel, pois (como jf imos) inexisiem ver dade historicas n2o-problematicas, mas também provavel- mente indesejivel, pois pode muito bem ser que na histria popular (por exemiplo) haja virudes e leiuras alternativas ‘que, de quando ein quando, talvez seja necessério opor As Iistoras “oficiais"” Aqui, ele sugere que tenhamos em mente © processo de meméra des proles de 1984, ‘Wright igualmente assioala que o tinico tipo de instinio 1a qual o desarralgamento proposto por Plumb poderia efets- arse €0 educacional (e este, por sua vez, est intimamente ‘envolvido nos processos de Socilizagio do género “memdria popular). Porque, embora a esmagadora maiora dos historia. Sores de careira se declare imparial,e embora cle cea peiea eles realmente consigan: um ~distanciamento”, & ainda assim esclarecedor ver que esses prolisionais nem de longe esto fora do confi ideoldgico € que ees até ocupam pos ‘bes bem dominantes dentro de tal conilto ~ em outras pala- vas, € esclaecedor ver que as historias “profissionais" so ‘expressdes de como as ideologias dominantes formula. his {ia em terms “aeadémicos" Parece bastante ébvio que, vis- ts sob uma perspectiva cultural e *histxica" mais anph, in vesimentos Institicionais multimiliondrios como aqueles fe 105 em nossas universidades (por exemplo) sto essencals para reproduzir a presente fonmagio social e, portant, estio na ‘anguarca das forgas da ttelacuttral (padres academics) ¢ {do conitole ideologico. Seri certo descuido do campo domi ante se a5 coisas n20 fossem assim Dado que aé agora tentei situar a histéria entre os intessticios de interesses © presstes reais, também precio levar em conta as pressdes "academicas", no s6 porque 6, sobretdo, 0 seu tipo de Histri2 que define 0 campo do que ‘3 Historia realmente é°, mas ainda porque € esse o tipo de bistéria estudado no ensino médio € nos cursos de gradua- to, Nestes cursos, com efeto, vocé€, na pritica,iniciado na historia aeadémica, voce deve ficur como 08 profissionas. Mas como si os profssionais e como & que eles produzem bistorias ‘Vamos comegar assim: a histéra é produzida por um grur po de operirias chanados historiclores quando eles vio t2- balhar. Bo servo deles. E, quando vlo trabalha, eles levam consigo centas coisas idenificves Em primeiro lug, levan a si mesmos: seus valores, post bes, perspectivas Weologicis, Em segundo lugar, levam seus pressupostos epistemo- logicos, Estes nem sempre sio conscientes, mas os historia doves terio "em mente” maneiras de adquisie “conhecimen- to" Aqui, entra em agio uma gam de categorias (econdmi- cas, sociais, poficas, cukurais, Aeol6gicas etc), uma gama de conceitos que integram essas categorias (lentio da eate- fgoria politica, por exemplo, pode liver muito uso de classe, der, Estado, soberani lade et.) e amplas press ppasigdes sobre a constinci, ou no, dos seres humanos (algo que, com muita feqincia, &irdnica e a historicamente de- ‘hominado “aatureza humana”), Mediante 0 uso dessus cate- gorias, conceitos e pressuposigbes, 0 histoviador vai gerar hipéseses, formular absirages € organizar e reorganizar seu smaterialde forma a incluit © exes ‘0s historiadores também empregam vocabulirios propri- 08 de seu ofcio,e estes (come se ndo bastasse sezem inevita velmente anacrbaicos) afetam no apenas © que os historia dores véem, mas @ maneira pela qual eles véem. Tas catego ria, eoncetos vocabulirios so continuamente setrabalhados, mas sem eles 0s historiadores no conseguiriam nem entender 19s relatos uns dos oatias, nem elaborar 0s seus proprio, m0 importance quanto possim discordara respeita das costs Em terceto lugar, 05 historiaclores tm rotinas e procedi- rmentos (métodos, na estrita acepea0 da palaves) para lidar ‘com o material: modos de verifcarlhe a origem, a posiclo, 4 auteniciade, a fidedignidade... Essas rotinas se aplicario a todo material wabalhado, mesmo que com jas variados de concentragio € rigor (ocorrem muitos lapsos e des-acetos). Hg ai uma gama de téenieas que vio do extavagaatemente complexa ao prosaicameate diet; ratam-se do ipo de pri ‘icas que muitas vezes s20 denominadas as “habilidades do Distoriador, t€cnicas que, de passagem, podemos ver como ‘momentos também passageios naquela combinaglo de fato res que produzem bistrias (Em outras palavias, a histria no E questio de “habilidades") Assim, munides desses tipos de pdtica, os historadores conseguem pdr-se mas dretamente a Sinveetar um pouco de historia ~ “prosuzirhiséxas” Em quarto lugar, a0 tocarem seu servigo de encontrar ma- teraisdiversos para trabalhar e “clesenvolver", os hstoriado- es vao e vem entre as obras publicadas de outos historado- res (0 tempo de trabalho acuimulado em lies, aigos et.) € ‘es materiais nio-publicados. Estes, “quase novos", podem ‘er denominados 0s vestgios do passado (as marcas que so- braram do passado: documentos, regisuos, atefatos etc). ‘io uma mistara de vestigios conlbecidos mas pouco ust dos; vestigios novas, no-utilizados € possivelmente desco- mhecidos; ¢ vestgios vehi, ou seja, materials que jé foram tusidos, mas que, em vista dos vestigios novos e/ou quase novos descobertos, sto agora passiveis de insergio em con- {estos diferentes daqueles que ocupavam antes. © histori dor pode, entto, comegar a organizar todos esses elementos de manelias novas (e virias), sempre procurando a tio slme- jada “tese original” Ele comega assim a transformae 08 vest bios do que outora foi conereto em “pensimento concrew, u seja, em relatos dos historiadores. Niss0, 0 historiador lite. ralmente ¢-produz os vestigios do passado numa nova cate- «6 sgoria. E este ato de trans formagio ~ do passado em historia Ae 0 trabalho basico do historador Em quinto lugar, os historadores, tend feito sua pesqui 1, precisam entio coloci-la por escrito, & ai qe os fatores epistemologicas, metodolégicos e ieokigicos vokam a en- tine em acho, inter-relacionando-se com as priticas cotdia ras, tal qual aconteceu durante todas as fases da pesquisa TEssis pressoes do cotidiano vacans, € cli, mas algumas ste dada a seguir 1A pressio da f \rabalhar de nove no ‘pra voe® tar uma Folgninha disso?" 20s pressoes do local de trabalho, no qual se lazen sen lirndo s6 as diversas influéncias de dretores cle faculda dle, chetes de departamento, colegas e polticas insite: ‘lonais de pesquisa, nas também (Cenhamos a corgem de dizé-o) a obrigacao de lecionae. 53. pressoes chs ecltonis no que se refere a vitios fatores: Euionsaa. As restigdes de amanho sto considerivels € tm sous efeitos. Pense quanto 0 conhecimento his t6rico poderis ser diferente se txlos os livros fossem, uum tergo mais curtos ou quatro vezes mas fongos do ‘que 0 “normal! Formato. 4 dimnensto da pigina, a impressio e o projeto tgrifco, a presenga ov do de iustgoes, exesicios, bibliog, indice et, fo de © texto estar ov no ‘em folhassoltase sero nao complementado por vileo ‘ur som gravadd ~ edo sso também tem eles. Mercado. © «ie 0 historiador considerar seu mercado vai influenciar o que ele diz © a maneira pela qual le diz, Pense no quanto 4 Revohigio Francesa ria de ser “ditrente™ para criangas do primirio ou do secundivio, ndo-europeus, “especialistas em cevolu: {0" ou leigos curiasos, para ctarmos s6 alguns pxi- blicos diferentes entre s iia fou dos amigos: “Al, voc no vai mde semana, val "Ser que c8 Prazos. © wempo total de que 0 autor dispbe para fazer. pesquisa escrevé-la, mais a alocaclo desse temp. (oma vez por semana, um seinestre de licen es fi: de sennana),afeta, por exemplo, a disponibildade da Fontes, a concenttagio do historiador etc, Frequente ‘mente, 0 tipo de condigio que a editors impde com referéncia 8 conclusio do trabalho € também crucial, Estilo luerdrio, O estilo (polemico, discursive, exube- ‘ante, pedante, mais as combinagdes de tudo isso) € (0 uso gramatical, sintético e semAntico do historia dor influenciam 0 relato © podem ser modificados ‘para ajusar se As normas da editora, x0 formato de Juma série ete ewuras ericas, As editoras eaviam os originals para ‘uma leitura critica, e quem a faz pode talvez pedir roudangas deisticas na organizagao do material este texto, por exemplo, era de inicio duas veves mais longs). Fambem ha casos em que os chamados “Ie ores eriicos" tn imweresses pessouis em jogo, exserita Teta de algo que aconiece em todos 03 6 ‘ios, t€ 0 livro ir para a impressio, As vezes,algumas partes requerem ts redagSes; outss vezes, sho reze déias brlhantes que no comego pareciam dizer tudo Ficam enfadonhas apagadas quando jf se tentou ‘escreve las una dizia de vezes. Alem dso, coisas que ‘seria includ acabam nao o sendo, e, com freqoe cia, as que o sto parecem ter sido deixadas 3 propria sorte, Que tipo de eiéio ve faz presente enti, quan- do oexeror “trabalba" materia tos © anotades (mu tas vezes imperfetamenta) tao tempo ante? E por-ai vai. Pois bem: esses sto aspectos dbvios (pense ‘quantos fatozes externas, ou seja,fatores alles 20 "passa cdo", agem sobre voce e lafluenciam 0 que voce escreve nos trabalhos de faculdade, por exemplo), mas aqui o que se deve enfatizar € que nenhuma de tais presides, als, ne 6 ‘nhum dos processos comentados neste capitulo, age sobre © {que esté sendo relatado (por exemplo, o planejamento para ‘uso de recursos huumanos na Primeisa Guerra Munda). Mais uma vez, 25 discrepancias eotse passado e presente se ala ‘gem imensamente Em sexto lugar, 0 que se escreveu até agora foi a produ so de hisiéras. Mas os textos também precisam ser lidos Consumidos, Assim como se pode consumir bolo das mais diferentes maneias (devagar, depressa etc) € numa série de situagGes (no wabalho, a0 volante, em dieta, num casamento etc. ¢ cscunstincias (voce jd come o bastante? a digestao & diffel?), nenhuma das quais se repete de maneica idéntica, assim também 0 consumo dem texto se «ki em contextos que igualmente nto vao se reper. De maneira muito literal, iio existem duas leiturasidénticas. (Por vezes, fazemos 2no- tagdes 4 margem de um texto e, volando a elas tempos de- pois, nao conseguimos lembrar do que se tratava. No entan- fo, sio exatamente as mesinas palavees na mesma pagina Asim, como € que significados conserva significado?) Por tanto, nenhuma leitua, ainda que efetuada pela mesma pes 0a, 6 passivel de produzir os mesimos efeitos repetidamente Isso quer dizer qe 0s autores nao tém como impingir suas Intengdes/interpretagbes a0 ltor. inversamente, 0 leitores rio tém como discernir por completo tudo que os autores pretendiam, Ademais, o mesmo texto pode inserese prime ro num discurso amplo e depois em outro, no exister lim tes logicos, e cada leitura é& um escrito diferente. Esse & 0 rnxindo do texto desconsirucionsta, um mando no qual cual ‘quer texto, em autios contextos, pode signlicar muitas co ss, Esta af “um mando dle diferenga CConuclo, essas Gikimas observagdes parecem suscitar wm problema. (Mas seri que na leitura surgiy mesmo algum problema para voce? E sera que esse seu problema & ciferen- {edo mew) Para mim, ele est nist: embora 0 que se disse cima pareca implicar que tudo € um Muxo interpretativo, 0 realidad 6 que “lemos" dle manera bastante previsivel. Nes se sentido, portant, 0 que vem a defini as leas? Born, mo @ um consenso detilhado sabre tudo e todos, pois 08 deiles sempre lutuam lites por ai (pode-se sempre fazer {que coiss especies tenham maior ot! menor signfesdo). ‘Mas realmente ocorrem consensos de carder gral. Issoacon- tece por causa do poder Aqui, vollamas 2 eolog, pots pole’ muito bem argumentar que o que impede os lvos de sorem usados de mania wotalmentesnbivla€ 0 fro le Aue centos textos extho mais préximos de outros; 80 menos fu mais castiisvels dono de certs ganeros ou rétlos, ‘30 menos ou mais simpaticos As necesidades que a8 pesso- as tem ¢ que se expressam em textos. E assim, apres Onell, 2s pessoas encontam afinidades ¢vefertndias (bibliogaias, Teiurasrecomendads, a classficagto decimal Dewey) que, ean thiona andi, ste tamlsém arbitra, mas que atendem a necessidales mais permanentes de grupos e classes vive- thos num sistema sock, « nto a eso. Tatas de un campo complicado mas esencial pra a compreensto, e aqui pode- ‘amos mencionar textos de teéricos como Scholes, Eagleton, Fishe Bennet deriamos também efletir sobre como €88 stag20 ten tanto desconcentante (0 texto volivel qUe na teria nao pre: cdsa acomodarse, mas que na pritica0 fa) atende a va afligio inerpreutiva que se manifesta com freqiéncia em fstudentes. A afiga € esta: se entendemos que ahistéia € 0 aque fazem os histoviadores; que eles a fazem com base em rages comprovagdes; que a histria € inevitavelmente Interpetatva; ie hi pelo menos mein dizi de lados en cada digeussto € que, por iso, a hstbria& relat... Seen teodemos tudo iss, entao podemos muito bem pensar Bom, se 2 histria parece ser 36 interpresagto e ningun sabe nada realmente, endo para que estudik? Se tudo € relaivo, para que fazer histéra” Trata-se de um estado de Spiro que poderamos chamar"desventura do relativism Em certo sentido, esst maneira de ver as cosas ¢ postiva, uma libersgio, pols joga velhas certezas no lixo e possibi Jia desmascarar quem se beneficia dela, também em cer- te sentido, tudo ¢ relativo (ou sea, historicsta. Mas, libera- (0 04 no, trata-se aincla de algo que faz as pessoas sent Tem-se num beco sem Sida, NAO hd necessidade disso, en- tretanto, Desconstruirmos as histrias de ouuas pessoas & pre-requisio para construirmos a nossa propria, de maneira que dé a entender que sabemos 0 que estamos fazendo ~ ov seja, de maneira que nos faga lembrar que a histéra € sem- pre’ historia destinada a alguém, Porque, embora a légica tiga que todos os relatos s30 problemas ¢ relatives, a ‘questio € que alguns sto dominantes e outros ficam 4 m ‘gem, Ein termos légicos, todos s20 a mesma cvisa; mas, na fealidade, eles sao cferentes;estio em hierarquias valorativas Ginda que, em Gina andlis, infundadas) Por qué? Pérque 0 conhecimento est relacionado 20 poder «porque, para alenclerem a inieresses dentro das formagbes soCias, 03 que tém mals poder distibyem e legiimar tat0 ‘quanto podem 0 “conhecimento”. A forma de escapar a0 relativsmo na teorin & analisae assim © poder na pritica. Por Cconseguinte, uma perspectiva relatvst no precisa levar 2 desesperanca. Ela €0 comeco de um reconhecimento geral de ‘como as cols parecem funcionar. Tratase de uma emancipa ‘slo: de modo rellexivo, voc® também pode produaithistra, DA DEFINIGAO DE HISTORIA Acabo de argumentar que, no geral, a historia € 0 que os bisworiadores fazem. Mas entdo por que tanto rebuligo? A his teria nao € isso mesmo? De cesta maneita, 6, sim. Mas no exatamente. No sentido estrtamente profissional, é bastante ficil descrever 0 oficio dos historiadores. O problema, entre tanto, surge quando esse ofico se insere (pois precisa inserir- 52) nas relagdes de poder em qualquer formas social de ‘que ele se origine. Ou seja, 0 problema surge quando dife- rentes pessoas, grupos e classes pergantam:"O que a histria significa para mim ou para nds e de que modo se pocle use ‘ou abusar dela?” E entdo, no campo dos usos e sigificados, {que a historia fica Wo problemtica, °O que € a historia?” se forna "Para quem & a histori”, como ja expliquel O essenct al est ai, Assim, o que a histria € para mi? Bis uma defini io. A Wises € um dscuno canbinnte © probleme, tendo come frctento um sspacto do nuando, © passa, que € prose por {hn grup> de wabalhadowes cup eabeg eats no presente Cee, fn nous cata, sho na imensa maa Naonnones ast ‘hos, pt toc se fio de manera vecanheciets une pa O8 ‘ts anes edo poskoma em eis patel, ‘etodlupeos, esis pie cus proto ae ‘olncador em celagi, seme sees fn see de aot busos que so teontimente tales, mss gue na reldade ‘respon awn gra de bas de poder que enn ae Ie‘Tarminado momstno¢ que estuniem € deve aa ago ‘dum expec do pe dominican ox spicals cos Faso rata se ‘Algumas perguntas algumas respostas ‘Tendo dado uma defnisdo de hist6via, quero agora abalhé- la de modo que ela possa dar sespostas para 0 tipo de per- ‘una bisica que Frequentemente surge com seferéncia a na- tureza da histéria. J que este € um texto euro, meus comen- larios serio breves, mas, breves ov no, espero que as res- postas que Vou stigeir apontem tanto umd dicesio quanto uma maneira para que suipam outeas respostas, mais sofist- cadas, nuangadas e adequadas. Ademais, acho que um gula como este (uma espécie de “manual basico de histria") se faz necessirio, até porque, embora regularmente sejam le vantadas quest®es sobre a natureza da histria, a tendéncia & deixisls em aberto para que possamos “conclvie por nbs mesmos". Ora, eu também quero isto, mas estou dente de que, com muita freqiéncia, 0s diversos debates sobre a “na tureza da histénia" sio apreendidos de modo muito vago (ito , parece haver neles ums infinidade de escolhas, ou sj, ‘inumeras ordenagdes possveis dos elementos bisicos), de forma que permanece alguna divida confusio, Assim, para varias, eis algumas pergunias e resposias, 1. Qual € a stuagao da verdade nos discursos historio- ariflcost ss Existe historia objetva? CExistem “ates” ebjetivos etc?) (Ou histéria ndo passa de intespretacac? 3.0 que € parciaidade? £ quais as dif cerradici-h? © que € empati? Els € possivel? Como e por qué? E, se {lt no for possvel, por que parece 20 importante ten- tar aleangi-ta mesmo assim? Quais as diferencas entre fontes primérias e secunda- the? E ene “provas e “Fontes"? O que esti em jogo esse aspecto? 6. O que é que a gente faz com pateamentas como caus @ efeito, continnidade © mudanga, semelhanca e dife- tenga? E possivel fazer 0 que s¢ pede com eles? A historia € ante on ciéncia? dudes para DA VERDADE Pode at6 parecer que jf tatei do problema de podermos. fu mto conhecer a verdade do passad. Apresentel argumen- tos, de Elton ¢ outros, segundo os quais 2 meta do estudo histérico € obter um conhecimento real (verdadeiro), € opi- nel que isso, rigorosamente falando, & impossivel. Também procurei mostrar as razdes epistemolOgicas, metodologicas, fdeologicas e priticas disto. No entanto, acho que ainda ha ois campos por explorar, de modo que 0s temas anteriores possam ser desenvolvidos. O primeifo: se em thima anilise ‘io temos como saber a2 verdades do passado, ent@o por ‘que continuar procurando por elas? O segundo: como € que ‘6 termo “verdade” (ndo importando se existe ou nao ta coi- 8) opera nos discursos da historia? ‘Vannes Ia. Para que precisimos da verdade? Em dado pla- no, a resposia parece Gbvia. Sem a verdade, cesta preten- bes (objetividade, esséncia, essencial, imparciaidade) que

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