Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Memorial
Memorial
D. João V
D João V é rei de Portugal de 1706 a 1750. De carácter vaidoso, magnificente
e megalómano pretende deixar uma obra que ateste a grandeza da sua riqueza
e do seu poder – Convento de Mafra -, ainda que para tal se tenha que
sacrificar o povo (sacrificou todos os homens válidos e a riqueza do país). Este
é construído sob o pretexto de que cumpre uma promessa feita (se no espaço
de um ano a sua mulher lhe desse um filho varão este construiria o convento).
É um “marido leviano”, cuja relação com a rainha se rege, essencialmente, pelo
cumprimento de “deveres reais e conjugais”. Dado aos prazeres da carne e a
destemperos vários (teve muitos bastardos e a sua amante favorita era a
Madre Pauta do Convento de Odivelas).
A caracterização do rei é feita predominantemente através da descrição das
suas ações e dos seus pensamentos – de modo indireto.
Durante algum tempo apoiou o projeto do Padre Bartolomeu Gusmão (a
“passarola”).
Domenico Scarlatti
É um músico italiano, que veio para Portugal como professor do irmão de D.
João V, o infante D. António, passando depois a ser professor da infanta D.
Maria Bárbara. É um homem de completa figura, rosto comprido, boca larga e
firme, olhos afastados (XVI). Scarlatti é cúmplice silencioso do projeto da
passarola ("Saiu o músico a visitar o convento e viu Blimunda, disfarçou um, o
outro disfarçou, que em Mafra não haveria morador que não estranhasse, e (...)
fizesse logo seus juízos muito duvidosos").
Na história, a sua música tem poderes curativos que libertaram Blimunda da
sua estranha doença, permitindo-lhe cumprir a sua tarefa de recolher as
“vontades” ("Durante uma semana (...) o músico foi tocar duas, três horas, até
que Blimunda teve forças para levantar-se, sentava-se ao pé do Cravo, pálida
ainda, rodeada de música como se mergulhasse num profundo mar, (...)
Depois, a saúde voltou depressa”).
É, ainda, Scarlatti que dá a notícia a Baltasar e Blimunda da morte do padre
Bartolomeu. A música do cravo de Scarlatti simboliza o ultrapassar, por parte
do homem, de uma materialidade excessiva, e o atingir da plenitude da vida.
Blimunda de Jesus
Blimunda de Jesus (19 anos) é "batizada" de Sete-Luas pelo padre Bartolomeu
de Gusmão.
Conhece Baltasar quando assiste ao auto-de-fé de sua mãe, acusada de
feitiçaria. Rapidamente os dois se apaixonam, e este amor puro e verdadeiro
foge às normas da época.
Blimunda tem um dom: vê o interior das pessoas, herdou da mãe um "outro
saber" e integra-se no projeto da passarola, porque, para o engenho voar, era
preciso "prender" vontades, coisa que só Blimunda, com o seu poder mágico,
era capaz de fazer. Blimunda é, simultaneamente, uma personagem que releva
o domínio do maravilhoso, pelo dom que tem de ver "o interior" das pessoas
(poder que nunca exerce sobre Baltasar - "Nunca te olharei por dentro"-,
porque segundo ela, amar alguém é aceitá-lo sem reservas).
É Blimunda e Baltasar que guardam a passarola enquanto o padre Bartolomeu
foge para Espanha. Após uma aventura voadora, a “passarola” ficou danificada
e estes remendaram-na, compuseram-na e limparam-na.
Após o desaparecimento de Baltasar, Blimunda procurou-o durante 9 anos,
infeliz de saudade, até que na sua sétima passagem por Lisboa, encontrou-o
entre os crucificados da Inquisição, a arder numa das fogueiras, e, graças aos
seus poderes, impediu que a sua vontade (alma) subisse às estrelas,
guardando-a como se fosse sua.
Simbolicamente, o nome da personagem acaba por funcionar como uma
espécie de reverso do de Baltasar. Para além da presença do sete, Sol e Lua
completam-se: são a luz e a sombra que compõem o dia - Baltasar e Blimunda
são, pelo amor que os une, um só. A relação entre os dois é também
perturbadora, porque não existe casamento oficial.
Como outras personagens femininas de Saramago, também Blimunda tem uma
grande firmeza interior, uma forma de oferecer-se em silêncio e de aceitar a
vida e os seus desígnios sem orgulho nem submissão, com a naturalidade de
quem sabe onde está e para quê.
Baltasar Mateus
Baltasar Mateus, de alcunha Sete-Sóis, deixa o exército depois de ter ficado
maneta em combate contra os espanhóis. Antes de partir para a guerra era um
camponês analfabeto. Conhece Blimunda em Lisboa, com 26 anos, e com ela
partilha a vida e os sonhos. De ex-soldado passa a açougueiro num matadouro
em Lisboa e, posteriormente, integra a legião de operários das obras do
convento. A sua tarefa máxima vai ser a construção da passarola, idealizada
pelo padre Bartolomeu de Gusmão, passando a ser o garante da continuidade
do projeto, quando o padre Bartolomeu desaparece em Espanha.
Baltasar acaba por se constituir como a personagem principal do romance,
sendo quase "divinizado" pela construção da passarola: "maneta é Deus, e fez
o universo. (...) Se Deus é maneta e fez o universo, este homem sem mão
pode atar a vela e o arame que hão-de voar. " - diz o padre Bartolomeu a
propósito do seu companheiro de sonhos. Após a morte do padre, Baltasar
ocupa-se da passarola e, um dia, num descuido, desaparece com ela nos céus.
Só é reencontrado, nove anos depois, em Lisboa, a ser queimado no último
auto-de-fé realizado em Portugal.
O simbolismo desta personagem é evidente, a começar pelo seu nome: sete é
um número mágico, aponta para uma totalidade (sete dias da criação do
mundo, sete dias da semana, sete cores do arco-íris, sete pecados mortais,
sete virtudes); o Sol é o símbolo da vida, da força, do poder do conhecimento,
daí que a morte de Baltasar no fogo da Inquisição signifique, também, o
regresso às trevas, a negação do progresso. Baltasar transcende, então, a
imagem do povo oprimido e espezinhado, sendo o seu percurso marcado por
uma aura de magia, presente na relação amorosa com Blimunda, na afinidade
de "saberes" com o padre Bartolomeu e no trabalho de construção da
passarola.
Baltasar é um homem simples, elementar, fiel, terno e maneta, que confina a
capacidade de surpresa com a resignação típica das pessoas humildes de
coração e de condição. Aceita a vida que lhe foi dado viver e a mulher que o
destino lhe ofereceu, sem assombro nem protestos; acata as suas
circunstâncias e não tem medo nem do trabalho nem da morte. Não é um herói
nem um anti-herói, é simplesmente um homem.
Narrador
O narrador garante uma contínua cumplicidade com a personagem e permite a
implicação deste na narrativa:
«…que importância hão-de ter os sonhos que por trás das suas pálpebras se
estão sonhando, a nós o que nos interessa é o trémulo pensamento que ainda
se agita em D. Maria Ana…»
O narrador reflete sobre o processo de escrita, desmistificando assim o seu
papel:
«São comparações inventadas por quem escreve para quem andou na guerra,
não as inventou Baltasar…»
O controlo da narrativa por parte do narrador é ainda verificável nos
comentários valorativos ou depreciativos, nos juízos de valor e no tom
moralístico que perpassa em:
. Provérbios ou profecias:
«…a pobre não emprestes, a rico não devas, a frade não prometas…»
. Advertências ao leitor:
«…isto se devendo ler com muita atenção para que não escape ao
entendimento.»
O tom irónico ou sarcástico permite parodiar o passado histórico e o humor põe
em evidência a discordância do narrador perante os factos evocados,
concedendo ao leitor o espaço de julgamento inteligente, porque confia na sua
perspicácia:
«…está o Rossio cheio de povo, duas vezes em festa por ser domingo e haver
auto-de-fé…»
O discurso do narrador é também anti-épico, quando rebaixa heróis que a
História glorifica e nos apresenta como heróis gente anónima em que se
incluem personagens com defeitos físicos, como Baltasar, ou homens
andrajosos, como os operários da construção do Convento de Mafra:
«…termos consentido que viesse à história quanto há de belfos e tartamudos,
de coxos e prognatas, de zambros e epilépticos, de orelhudos e parvos…»
No memorial do convento, o narrador adota muitas posições em relação à
história, o que não podemos afirmar que só existe um tipo de narrador. Em
seguida estão alguns exemplos textuais e o respetivo comentário relativamente
ao narrador:
Exemplo1
«São pensamentos confusos que isto diriam se pudessem ser postos por
ordem, aparados de excrescências, nem vale a pena perguntar, Em que estás
a pensar, Sete-Sóis, porque ele responderia, julgando dizer a verdade, Em
nada, e contudo já pensou tudo isto,»
Observando este excerto, verifica-se que o narrador é sem dúvida um narrador
não participante – heterodiegético – e omnisciente, que conhece os
pensamentos da personagem e que sabe inclusive a resposta que esta lhe
daria se a interrogasse num diálogo imaginado.
Exemplo2
«Já lá vai pelo mar fora o Padre Bartolomeu Lourenço, e nós que iremos fazer
agora, sem a próxima esperança do céu, pois vamos às touradas que é bem
bom divertimento»
O pronome pessoal primeira pessoa e as formas verbais «iremos» e «vamos»
induzem um narrador misturado com a multidão, ou seja, um narrador que
também é personagem – narrador homodiegético – e que perdendo por
instantes a sua faculdade omnisciente, a mais comum em toda a narração, –
vai observando objetivamente o ambiente que o cerca, transformando-se num
narrador observador.
Caracterização do espaço
Físico
Evocação de dois espaços principais determinantes no desenrolar da
ação: Mafra e Lisboa.
Mafra: passa da vila velha e do antigo castelo nas proximidades da Igreja de
Santo André para a vila nova em cujas imediações se vai construir o convento.
A vila nova cria-se justamente por causa da construção do convento.
Lisboa: descrevem-se vários espaços dos quais se destacam o Terreiro do
Paço, o Rossio e S. Sebastião da Pedreira:
Social
O espaço social é construído através do relato de determinados momentos e
do percurso de personagens que simbolizam um determinado grupo social.
Destaca-se:
1.Procissão da Quaresma:
a. Excessos praticados durante o Entrudo (satisfação dos prazeres carnais) e
brincadeiras carnavalescas – as pessoas comiam e bebiam demasiado, davam
“umbigadas pelas esquinas”, atiravam água à cara umas das outras, batiam
nas mais desprevenidas, tocavam gaitas, espojavam-se nas ruas
b. Penitência física e mortificação da alma após os “abusos” durante o Entrudo
(é tempo de “mortificar a alma para que o corpo finja arrepender-se”)
c. Descrição da procissão (os penitentes à cabeça, atrás dos frades, o bispo,
as imagens nos andares, as ordens e as irmandades)
d. Manifestações de fé que tocavam a histeria (as pessoas arrastam-se pelo
chão, arranham-se, puxam os cabelos, esbofeteiam-se) enquanto o bispo faz
sinais da cruz a um acólito balançam o incensório; os penitentes recorrem à
autoflagelação.
2.Autos-de-fé
a. O Rossio está novamente cheio de assistência; a população está
duplamente em festa, porque é domingo e porque vai assistir a um auto-de-fé
(passaram dois anos após o último evento deste tipo).
b. O narrador revela a sua dificuldade em perceber se o povo gosta mais de
autos-de-fé ou de touradas, evidenciando com esta afirmação a sua ironia
crítica perante um povo que revela um gosto sanguinário e procura nas
emoções fortes uma forma de preencher o vazio da sua existência.
c. A assistência feminina, à janela, exibe as suas “toilettes”, preocupa-se com
pormenores fúteis relativos à sua aparência (a segurança dos sinaizinhos no
rosto, a borbulha encoberta), e aproveita a ocasião para se entregar a jogos de
sedução com os pretendentes que se passeiam em baixo.
d. A proximidade da morte dos condenados constitui o motivo do ambiente de
festa; esta constatação suscita, mais uma vez, a crítica do narrador - na
realidade, o facto de as pessoas saberem que alguns dos sentenciados iriam,
em breve, arder nas fogueiras não as inibia de se refrescarem com água,
limonada e talhadas de melancia e de se consolarem com tremoços, pinhões,
tâmaras e queijadas;
e. Sai a procissão - à frente os dominicanos; depois, os inquisidores
f. Distinção entre os vários sentenciados, assim como o crucifixo de costas
voltadas, para as mulheres que irão arder na fogueira;
g. Menção dos nomes de alguns dos condenados (inclusivamente, o de
Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda)
h. Início da relação entre Baltasar e Blimunda
i. Punição dos condenados pelo Santo Ofício - o povo dança em frente das
fogueiras
3.Tourada (Terreiro do Paço)
a. O espetáculo começa e o narrador enfatiza a forma como os touros são
torturados, exibindo o sangue, as feridas, as "tripas“ao público que, em
exaltação, se liberta de inibições ("os homens em delírio apalpam as mulheres
delirantes, e elas esfregam-se por eles sem disfarce”;
b. Dois toiros saem do curro e investem contra bonecos de barro colocados na
praça; de um saem coelhos que acabam por ser mortos pelos capinhas, de
outro, pombas que acabam por ser apanhadas pela multidão;
c. A ironia do narrador é ainda traduzida pela constatação de que, em Lisboa,
as pessoas não estranham o cheiro a carne queimada, acrescentando ainda
numa perspetiva crítica, que a morte dos judeus é positiva, pois os seus bens
são deixados à Coroa;
4.Procissão do Corpo de Deus
1.Preparação da procissão:
a. Descrição dos "preparos da festa” feita pelo narrador, que assume o olhar do
povo (as colunas, as figuras, os medalhões, as ruas toldadas, os mastros
enfeitados com seda e ouro, as janelas ornamentadas com cortinas e sanefas
de damasco e franjas de ouro), que se sente maravilhado com a riqueza da
decoração (uma reflexão do narrador leva-o a concluir que não se verificam
muitos roubos durante a cerimónia, pois o povo teme os pretos que se
encontram armados à porta das lojas e os quadrilheiros, que procederiam à
prisão dos infratores)
b. Referência do narrador às damas que aparecem às janelas, exibindo
penteados, rivalizando com as vizinhas e gritando motes
c. À noite, passam pessoas que tocam e dançam, improvisa-se uma tourada
d. De madrugada, reúnem-se aqueles que irão formar as alas da procissão,
devidamente fardados.
2. Realização da procissão;
O evento começa logo de manhã cedo. DESCRIÇÃO DO APARATO:
a. À frente, as bandeiras dos ofícios da Casa dos Vinte e Quatro, em primeiro
lugar a dos carpinteiros em honra a S. José; atrás, a imagem de S. Jorge, os
tambores, os trombeteiros, as irmandades, o estandarte do Santíssimo
Sacramento, as comunidades (de S. Francisco, capuchinhos, carmelitas,
dominicanos, entre outros) e o rei, atrás, segurando uma vara dourada, Cristo
crucificado e cantores de hinos sacros.
Outros espaços sociais são:
Visão crítica
Tendo como pretexto a construção do convento de Mafra, Saramago, adotando
a perspetiva de um narrador distanciado do tempo da diegese, apresenta uma
visão crítica da sociedade portuguesa da primeira metade do século XVIII. É
neste sentido que Memorial do Convento transpõe a classificação de romance
histórico, uma vez que não se trata de uma mera reconstituição de um
acontecimento histórico, mas é antes um testemunho intemporal e universal do
sofrimento de um povo sujeito à tirania de uma sociedade em que só a vontade
de el-rei prevalecem o resto é nada (XXII).
Logo desde o início do romance é visível o tom irónico e, até mesmo,
sarcástico do narrador relativamente à hipotética esterilidade da rainha e à
infidelidades do rei. Esta atitude irónica do narrador mantém-se ao longo da
obra, denunciando o comportamento leviano do rei, a sua vaidade desmedida e
as promessas megalómanas de que resulta o sofrimento extremo de homens
que não fizeram filho nenhum à rainha e eles é que pagam o voto, que se lixam
(XIX).
O clero, que exerce o seu poder sobre o povo ignorante através da instauração
de um regime repressivo entre os seus seguidores e que constantemente
quebra o voto de castidade, também não escapa ao olhar crítico e sarcástico
do narrador. A actuação da Inquisição que, à luz da fé cristã, manipula os mais
fracos é de igual modo criticada ao longo do romance, nomeadamente, através
da apresentação de diversos autos-de-fé e uma crítica às pessoas que dançam
em volta das fogueiras onde se queimaram os condenados.
Assim, é sobretudo as personagens de estatuto social privilegiado que são o
alvo de maiores críticas por parte do narrador que denuncia as injustiças
sociais, a omnipotência dos poderosos e a exploração do povo – evidenciada
nas miseráveis condições de trabalho dos operários do convento de Mafra; ao
mesmo tempo que denota empatia face aos mais desfavorecidos, cujo esforço
elogia e enaltece.
A crítica estende-se, ainda: à Justiça portuguesa que castiga os pobres e
despenaliza os ricos, ao facto de se desprezar os artífices e os produtos
nacionais em defesa dos estrangeiros, bem como ao adultério e à corrupção
generalizados.
Em suma, Memorial do Convento constitui acima de tudo uma reflexão crítica –
ao problematizar temas perfeitamente adaptáveis à época contemporânea do
autor – conducente a uma releitura do passado e à correção da visão que se
tem da História
A simbologia
Começando pelo nome das personagens principais, há que referir que em
ambas (Baltasar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas) é-nos transmitida uma ideia
de união, de complementaridade e de perfeição, traduzidas pela simbologia do
número sete. De acordo com a numerologia simbólica, podemos constatar,
também, que ambos os nomes representam perfeição, totalidade e até magia,
sugeridas pela extensão trissílaba (e aqui reside a simbologia do número três,
revelador de uma ordem intelectual e espiritual traduzida na união do céu e da
terra).
Vários mutilados surgem na construção do convento («isto é uma terra de
defeituosos, um marreco, um maneta, um zarolho»), onde se inclui obviamente
Baltasar. Tal situação poderá levar à interpretação simbólica da luta desmedida
na construção de algo, como realização de um sonho. Baltasar, após ter
perdido a mão esquerda num episódio bélico, empreende outras lutas: na
construção da passarola e na colaboração na edificação do convento de Mafra.
Simbolicamente, a perda de parte do seu lado esquerdo significou a amputação
da sua dimensão mais nefasta, mais masculina, mais passada; ganhou, assim,
uma dimensão mais espiritual, marcada pela perseverança, força, luta e
sentido de futuro que sairá reforçada na associação com Blimunda.
A riqueza interior de Blimunda apresenta-se, simbolicamente, pela força do seu
olhar, possuidor de um poder mágico.
Metaforicamente, surgem as duas mil “vontades” necessárias para realizar o
sonho do padre Bartolomeu. Trata-se de vontades humanas que, ao longo dos
tempos, originaram o progresso do mundo com a invenção de “aparelhos
voadores” e de todos os objectos concebidos pelo homem. Não será por acaso
que essas vontades são metaforizadas pelas nuvens. Estas ocupam um lugar
ascendente em relação à terra, um espaço intermédio relativamente ao céu.
Também lhes está associada uma ideia de verticalidade. Por estes aspetos, as
vontades (nuvens) estão carregadas de um carácter eufórico (positivo);
contudo, de difícil acesso. Só uma personagem como Blimunda conseguiria
interpenetrar neste mundo não material.
Ainda no que concerne à simbologia dos números, o sete não aparece sé
associado aos nomes de Baltasar e Blimunda, como também à data e à hora
da sagração do convento, aos sete anos vividos em Portugal pelo músico
Scarlatti, sete vezes que Blimunda passa por Lisboa à procura de Baltasar, às
sete igrejas visitadas na Páscoa, aos sete bispos que batizaram Maria Xavier
Francisca comparados a sete sóis de ouro e prata nos degraus do altar-mor
(“Sete bispos a batizaram que eram como sete sóis de ouro e prata nos
degraus do altar-mor”).
O número nove surge também a simbolizar insistência e determinação quando
Blimunda procura o homem amado durante nove anos. Este número encerra
também simbolicamente a ideia de procura. O nove «simboliza o coroamento
dos esforços, o concluir de uma criação e o recomeço», tal como aconteceu a
Blimunda que, após os nove longos anos de busca, reencontra finalmente
Baltasar; não um encontro físico, mas místico e completo («Naquele extremo
arde um homem a quem falta a mão esquerda. (…) E uma nuvem fechada está
no centro do seu corpo. Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade
de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu par as estrelas, se à terra pertencia e a
Blimunda»).
Relações amorosas
A Utopia do Amor
Baltasar e Blimunda
Do sonho à concretização
Ação
Construção do convento de Mafra (Personagem principal: povo)
Construção da Passarola (Personagens principais: Baltasar, Blimunda e
padre Bartolomeu Lourenço)
História de Baltasar e Blimunda (Personagens principais: Blimunda e
Baltasar)
Tempo
17 Nov.
(1624) 1711 1730 1739
1717
21 Out
– desapareciment Blimunda
Quiseram a Data da
Início o Baltasar encontra
construção do inauguração
da Baltasar a
convento do convento 22 Out
ação ser
de Mafra – Inauguração do
queimado
convento
Baltasar - 26 Baltasar - 54
anos anos
Blimunda - 19 Blimunda -
anos 47 anos
Temáticas
Amor (D. João V e D. Maria Ana/Baltasar e Blimunda)
O sonho
O religioso (Inquisição, Autos-de-Fé, Procissões) vs. o profano (Entrudo,
touradas)
Crítica social, política e religiosos
Os verdadeiros construtores do convento
Sem amor
Mulher vista apenas como função de procriar
D. João V, infiel, adúltero
Relação superficial
D. Maria Ana desfrutava da relação, era submissa e sonhava com o
cunhado D. Francisco, irmão do Rei.
↓
Importância da vontade do ser humano na concretização dos sonhos e a
questão do valor da amizade (os esboços do padre + o trabalho físico de
Baltasar + dimensão espiritual de Blimunda na recolha das vontades) –
esforços conjugados na concretização do sonho de todos.
Implicações simbólicas – engrandecimento do ser humano que atinge outra
dimensão para além da terrestre.
Simbologia
Três
De acordo com a numerologia simbólica, podemos constatar, que ambos os
nomes (Baltasar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas)
representam perfeição, totalidade e até magia, sugeridas pela extensão
trissílaba (e aqui reside a simbologia do número três, revelador de uma ordem
intelectual e espiritual traduzida na união do céu e da terra).
Quatro
O número quatro está associado à transgressão religiosa já que a junção de
um quarto elemento, Domenico Scarlatti, faz com que se deixe o número divino
(três) para se passar ao símbolo da totalidade e à imagem da Terra.
Quatro são as fases da Lua, cujo ciclo influencia a vida de Blimunda Sete-Luas,
que quando é Lua Nova pode estar em jejum sem que veja o interior das
coisas.
Número Sete
Data e hora da sagração do convento; sete anos vividos em Portugal pelo
músico Scarlatti; sete vezes que Blimunda passa por Lisboa à procura de
Baltasar; sete igrejas visitadas na Páscoa; sete bispos que batizaram Maria
Francisca; sete sóis de ouro e de prata colocados no altar-mor.
A sua presença, no nome de Blimunda e Baltasar, tem um significado dual,
uma vez que se liga à mudança de um ciclo e renovação positiva.
Nove
Representa a gestação, a renovação e o nascimento.
O número nove surge a simbolizar insistência e determinação quando
Blimunda procura Baltasar durante 9 anos. Este número encerra também
simbolicamente a ideia de procura pois, o que realmente acontece a Blimunda
após os 9 anos de busca é que reencontra finalmente Baltasar, não como um
encontro físico, mas místico e completo .
Sol
Associado a Baltasar e ao povo, sugere a ideia de vida, de renovação de
energias (o povo trabalha até à exaustão no convento, Baltasar constrói uma
máquina, mesmo depois de amputado).
Como o Sol, que todos os dias tem de vencer os guardiães da noite (mitologia
antiga), também Baltasar vence as forças obscuras da ignorância e da
intolerância ao voar.
Lua
Símbolo do ritmo biológico da Terra, traduz a força vital que é representada
pelas vontades recolhidas por Blimunda para fazer voar a passarola.
Tradicionalmente a Lua simboliza, por não ter luz própria, o princípio passivo
do sol. No entanto, a obra revoluciona o conceito da Lua ao dar a Blimunda
capacidades sobrenaturais que dependem das fases da lua, tornando-a tão
relevante como o sol. Sol e Lua: simboliza a união como um todo, porque são o
verso e o reverso da mesma realidade, o dia.
Passarola
Traduz a harmonia entre o sonho e a sua realização. Graças ao sonho, foi
possível juntar a ciência, o trabalho artesanal, a magia e a arte, para fazer a
passarola voar.
Simboliza o elo de ligação entre o céu e a terra. É tanto o símbolo da
concretização do sonho, representando assim também a libertação do espírito
e a passagem a outro estado de consciência, uma vez que que esta é
igualmente um símbolo da ligação do céu e da terra, pois ousa sair do domínio
dos homens e entrar no domínio de Deus. Por outro lado, é um símbolo dual,
pois é por sua causa que nasce a Trindade terrestre, mas também é o motivo
de separação desta.
Visão crítica
Desde o início que o Memorial do Convento se apresenta como uma crítica
cheia de ironia e sarcasmo à opulência do rei e de alguns nobres por oposição
à extrema pobreza do povo. «Esta cidade, mais que todas, é uma boca que
mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro»;» A tropa andava
descalça e rota, roubava os lavradores».
O adultério e a corrupção dos costumes são fatores de sátira ao longo da obra.
Critica a mulher porque «entre duas igrejas, foi encontrar-se com um homem.»;
critica «uns tantos maridos cucos» e não perdoa os frades que «içam as
mulheres para dentro das celas e com elas se gozam»; não lhe escapam os
nobres e o próprio Rei, até porque este considera que as freiras o recebem
«nas suas camas», nomeadamente a madre Paula de Odivelas.
Em Memorial do Convento, José saramago apresenta uma caricatura da
sociedade portuguesa da época de D. João V, revelando-se antimonárquico e
com um humanismo fechado à transcendência, bastante angustiado e
pessimista. Nas questões religiosas, não só usa a ironia, como também se
revela frontal nas apreciações à Inquisição e aos santos que a ela se ligaram
como S.Domingos e Santo Inácio, considerados «ibéricos e sombrios, logo
demoníacos, se não é isto ofender o demónio». Esta acusação resulta de toda
a imagem histórica dos tempos inquisitoriais e das práticas então havidas. Há
uma constante denúncia da Inquisição e dos seus métodos e uma crítica às
pessoas que dançam em volta das fogueiras onde se queimaram os
condenados.
A sátira estende-se a Mafra e à situação dos trabalhadores; à atitude do Rei
em obrigar todo o homem válido a trabalhar no convento; aos príncipes, como
D.Francisco, que se entretém a «espingardear» os marinheiros ou quer seduzir
a rainha, sua cunhada, e tomar o trono.
A religião é o ópio do povo,
o entretenimento dos poderosos
Nada instruído ou informado, o povo português facilmente se deixa manipular
pela Igreja, pelos seus mandamentos anacrónicos e muito afastados dos
princípios defendidos por Jesus Cristo. O próprio rei e demais elementos da
corte se incluem nesta categoria, pois pactuam com todos os desejos e
interesses da Igreja que ninguém ousa sequer contestar ou interrogar, sob
risco de ser acusado de blasfémia ou heresia.
A religião era, na época, um verdadeiro ópio popular, a forma sagaz, inteligente
e integrante de que a igreja dispunha para manter a ordem e os seus grandes
lucros. O povo, miserável e analfabeto, vivia continuamente na esperança de
um qualquer milagre. É, na ignorância, um povo feliz que «desce à rua para ver
desfilar a nobreza toda» para ver chegar o cardeal D. Nuno da Cunha,
esquecendo que são estes os responsáveis pela sua desgraça.
Personagem coletiva e anónima, consubstancia-se nos vários populares que
refletem a miséria encardida, as péssimas condições de subsistência, a
ignorância e a exploração de que são vítimas. E, no entanto, «este povo
habituou-se a viver com pouco.» e não é capaz de evidenciar uma atitude
crítica, nem de assumir uma postura reivindicativa ou de revolta, de tal forma
vive embriagado com os dogmas da Igreja, assustado com atitudes ou
pensamentos que possam significar o julgamento ou o castigo em autos-de-fé,
encarados também como diversão, tal como as touradas.
Com esta consciência, a Igreja sabe tirar partido da sua posição de
superioridade e da influência que exerce, funcionando simultaneamente como
entretenimento e tribunal, alertando os mortais para os perigos que correm
caso não respeitem os mandamentos da santa Igreja. Mas não faculta o
exemplo, todos sabem que muitos membros do clero desrespeitam os votos
que fizeram, que os seus mais altos dignatários são a personificação da
vaidade, da luxúria, da gula, pecados com que se engana o povo, com o intuito
de o manter ignorante e mais facilmente manipulável.
Linhas de crítica
à religião, ao clero, às ordens religiosas, ao povo, às terríveis
discrepâncias sociais, à prepotência real, ...
A Igreja é forte e insistentemente criticada, desde o início da intriga. A
construção do convento, tema nuclear da obra, fica a dever-se a uma
promessa real, visando assegurar a descendência do monarca que, juntamente
com a rainha, obcecados pela ideia da necessidade de um herdeiro, sempre
rezam antes da prática sexual para que não morram no acto carnal (página 16).
É mesmo lançada, pelo narrador, a dúvida sobre a eficácia da promessa real:
«não se vá dizer que... virtuoso Frei António» (página 26).
A sátira religiosa, ora em tom parodístico, ora em tom irónico, ocupa, no
tempo litúrgico da Quaresma, um primeiro exemplo de aproximação
paralelística, por antítese, entre nobres e plebeus, neste caso entre a rainha,
oriunda de Viena, e as mulheres de Lisboa: «É a Quaresma sonho de uns e
vigília de outros» (página 33).
Paradoxalmente, a penitência quaresmal, que inclui as práticas da
autoflagelação, da abstinência e da devoção religiosa, acaba por degenerar em
novos pecados da carne, como se de uma autêntica obsessão se tratasse: «
Assim maltratadas as carnes ... está felizmente louco desde que nasceu.»
(páginas 30 e 31).
Esta vigília pecaminosa das mulheres de Lisboa encontra o
correspondente deslize erótico do sonho progressivamente incestuoso da
rainha, em contraste com: «a maníaca devoção com que foi educada na
Áustria, e a cumplicidade que deu ao artifício franciscano, assim mostrando ou
dando a entender que a criança que em seu ventre se está formando é tão filha
do rei de Portugal como do próprio Deus, a troco de um convento» (página 31).
Além disso, verifica-se que a rainha é caracterizada por um fanatismo quase
demencial.
Ponto alto da sátira político-religiosa, o auto-de-fé ou solene
julgamento/execução do tribunal da Inquisição, constitui ocasião e motivo
singulares para uma ácida crítica comum, à rainha e ao povo.
À rainha, porque, apesar do luto pela morte de seu irmão José, o Imperador da
Áustria, e apesar do seu estado, ela não deixaria de frequentar tão solene
cerimónia, não fosse a debilitação causada pelas sangrias a que foi submetida.
(página 49).
Ao povo, porque sedento de crueldade, oscila na sua preferência entre o auto-
de-fé e as touradas (página 50).
O povo, néscio e atrasado, caracterizado por uma grande e indesmentível
acefalia religiosa, participa com o mesmo entusiasmo nos autos-de-fé e em
novenas e romarias para que a rainha dê ao reino um herdeiro.
E, perante a imbecilidade generalizada, a Igreja vê crescer o seu poder, a
imensa influência que exerce na vida da nação e dos seus destinos. Assim,
manieta o povo e o próprio poder real, pois todos se empenham em celebrar o
fausto dos representantes clericais: «feliz povo que se regala... até ao paço»
(página 87). A ironia é manifesta! Sobretudo, se atendermos ao protocolo que
está associado a todos os actos públicos – em tudo oposto ao exemplo e aos
ensinamentos de Jesus Cristo – e que merece do narrador o seguinte
comentário «louvado seja deus que tem de aturar estas invenções». A mesma
posição irónica, mesmo sarcástica, continua: «esta religião... mas ao corpo»
(página 95).
A Igreja promove e fomenta, igualmente, as discrepâncias sociais:
«desinteressa-se Deus ... mais os irmãos» (página 109).
O Santo Ofício é continuamente alvo de crítica: «Dos julgamentos do Santo
Ofício não se fala aqui.. bocas.» (página 195).
Estamos, pois, em presença de uma crítica mordaz a este modo bem particular
de praticar a religião. O poder da Igreja é tanto que consegue ludibriar o povo,
embriagá-lo com o fervor religioso e criando-lhe a noção de um Deus
omnipresente, nada benevolente ou pacificador, mas castigador. Este poder é
exercido com grande demagogia, com consciência de que a religião, de acordo
com determinadas regras e preceitos, pode constituir o ópio do povo.
Demagógica será, portanto, a procissão de graças por o Espírito Santo ter
sobrevoado a Vila de Mafra e a crença de que todos os trabalhadores do
convento contribuem para a glória de Deus.
No romance, a mundividência religiosa, obscurantista e fanática
da Inquisição é apontada como causa e responsável pela morte bárbara, pela
destruição do homem, sobretudo daqueles que, pela superioridade do seu
espírito e da sua visão do próprio mundo, contrastavam com a mediocridade, a
ignorância e o negrume dos horizontes religiosos da época.
Se excluirmos o padre Bartolomeu de Gusmão, personagem de excepção,
quer a nível de carácter, quer de formação, todos os outros membros do
clero são apresentados de forma bastante depreciativa.
Mas é sobretudo graças ao pecado da carne e desrespeito pelo celibato que
os clérigos merecem um olhar mais mordaz por parte do narrador, uma vez que
são muitos os exemplos em que os membros do clero, atraídos pelos prazeres
mundanos, esquecem ou ignoram os votos que fizeram, ao consagrarem-se.
Exemplos:
Intertextualidade
Com Os Lusíadas
Em vários momentos da obra, aparecem inseridos no discurso do narrador
expressões ou versos mais ou menos alterados de Os Lusíadas, como, por
exemplo: «que, entre portugueses traidores houve muitas vezes»; «tão
claramente vista à luz do dia»; «adamastores, que fogos de santelmo, acaso
se levantam do mar, que ao longe se vê, trombas de água que vão sugar os
ares e o tornam a dar salgado»; «vós me direis qual é mais excelente, se ser
do mundo rei, se desta gente»; ou em que se combinam versos de episódios
distintos «Ó doce e amado esposo, e outra protestando, Ó filho a quem eu
tinha só para refrigério e doce amparo desta cansada já velhice minha, tanto
que os montes de mais perto respondiam, quase movidos de alta piedade ». Há
também a recriação de situações vividas no poema, como «e então uma
grande voz se levanta, é um labrego de tanta idade que já o não quisera, e
grita subido a um valado (...) Ó glória de mandar, ó vã cobiça, ó rei infame ó
pátria sem justiça».
1. Na ação da obra distinguem-se três histórias. Identifique-as.
Em memorial do convento podemos destacar três núcleos narrativos: a construção do
convento de Mafra, a construção da passarola e a história de Baltasar e Blimunda.
6. Caracterize Blimunda.
Madura, responsável, corajosa, persistente, fiel ao companheiro, espiritual, misteriosa,
genuína, verdadeira, vê por dentro das pessoas.
Macroespaços:
1. Lisboa
2. Mafra
O CASAL REAL
CAPÍTULO III
Hipocrisia religiosa
Falta de índole e moral
Hipocrisia no casamento
Faz a ligação entre a classe alta e a classe baixa porque se dá com a corte e com
o rei (assiste inclusive à aula de música da infanta Maria Bárbara), mas também é
grande amigo de Baltasar e Blimunda.
bonita
esbelta
alta
cabelos cor de mel
olhos enigmáticos
Simbolismo do cesto de cerejas: Blimunda chega com cerejas nas orelhas para encantar
Baltasar e oferece-lhe um cesto cheio. O cesto simboliza o amor: ela oferece-lhe o seu
amor, o seu coração e a vontade de se por bela para o amado reflecte a veracidade dos
seus sentimentos.
A PESTE
Depois da chegada de uma nau vinda do Brasil à Ericeira, Lisboa é assolada por um surto
de cólera e febre amarela. Com as imundas condições de vida da cidade, rapidamente se
tornam epidemias catastróficas. Então, o padre Bartolomeu lembra-se que seria uma boa
oportunidade de recolher as 2000 vontades necessárias para a passarola voar.
Blimunda parte para Lisboa com Baltasar e cumpre a missão. Entretanto adoece.
A DOENÇA DE BLIMUNDA
Blimunda adoece no seguimento das provações que passou em Lisboa. Para conseguir
recolher as vontades dos moribundos, a força de viver, precisou de palmilhar imensas
ruas, em jejum, no meio da doença e da sujidade. Ficou debilitada. No entanto, nem o
padre que se sente culpado pela doença dela, nem Baltasar a deixam sozinha por um
momento e, todas as tardes, Scarlatti toca para ela.
Capítulo XVI – O medo, a fuga, o sonho
O padre Bartolomeu sabe que anda a ser vigiado pela Inquisição. Por isso, confessa a
Blimunda que tem medo do St. Ofício. Este medo torna-se, com o passar do tempo, um
obsessão. O padre muda comportamentos, torna-se inquieto, alterado, nervoso.
“O Santo Ofício anda à minha procura. Querem prender-me.”
A passarola surge como o melhor meio para fugir. É a realização do sonho que permite ao
padre fugir à sociedade castradora da época.
Assim, a passarola voa com Blimunda, Baltasar e o padre. Mas, repentinamente, o vento
pára e eles são obrigados a fazer uma aterragem atribulada na Serra do Montejunto.
Desesperado, o padre tenta atear fogo à máquina, mas é impedido pelo casal amigo.
Então, decide fugir.
“Sumiu-se. Foi-se embora e não o tornaremos a ver.”
Um tempo mais tarde, Scarlatti procura Blimunda e Baltasar e informa-os que o padre
morreu louco em Espanha.
Capítulo XIX – A EPOPEIA DA PEDRA
Este capítulo é dedicado à glorificação de todos os que trabalharam no convento durante
tantos anos. Serve também para criticar o rei e os pensamentos da época.
POVO = CONSTRUTORES = HERÓIS
Simbologia dos nomes: o narrador encontra um nome próprio para cada letra do alfabeto
de forma a glorificar todos os homens que trabalharam para que o convento fosse
edificado. É a melhor maneira de mostrar aos leitores que quem merece imortalização são
todos os homens do povo e não o rei que só mandou construir, explorar e maltratar para
satisfazer a sua grande auto-estima.
A PEDRA DE PÊRO PINHEIRO
A pedra enorme que serviu para a construção da varanda tinha que ser uma pedra una
porque o rei era uno e, por isso, deveria simbolizar o seu poder.
Para a transportar de Pêro Pinheiro a Mafra (15km) foram necessários 8 dias, 400 bois,
600 homens e um carro com dimensões especialíssimas.
Os homens deram “um gemido de espanto” ao verem aquela “brutidão de mármore”: o
espanto relaciona-se com o tamanho absurdo da pedra e o gemido com a antecipação do
trabalho e sofrimento que vão ser necessários para a transportar.
Francisco Marques: trabalhador que morre no caminho esmagado pelo carro que resvalou
numa descida. Simboliza todos aqueles que morreram no caminho só por causa duma
pedra.
A história de Manuel Milho: Manuel conta um bocadinho duma história todos os dias à
noite e, no fim da viagem, termina-a. A história fala duma rainha que não sabia se gostava
de ser rainha porque não sabia o que era ser mulher. Então, falou com um eremita que a
aconselhou a largar tudo e a ir procurar as respostas. E assim foi. O rei, humilhado por ter
sido deixado, mandou homens a fio procurar a rainha e o eremita, mas nenhum foi
encontrado e nunca se soube se o eremita chegou a ser homem e a rainha chegou a ser
mulher. Porquê? Porque essas respostas só o próprio a pode alcançar.
Quando chegam a Mafra:
M - mortos
A - assados
F - fundidos
R - roubados
A – arrastados
Comparação homem-tijolo: a vida humana vale zero. Os homens eram arrastados das
suas terras, empilhados num carro de madeira e levados para Mafra. Lá, eram
descarregados e escolhidos: os que não estivessem em condição de trabalho era
mandados embora sem nada e sem meio de regressar a casa.
Capítulo XXII: troca de princesas