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METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO
Guia para Auto-Aprendizagem
2.ª Edição

Hermano Carmo
Manuela Malheiro Ferreira ISBN: 978-972-674-512-9
Hermano Carmo
Manuela Malheiro Ferreira

METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO
Guia para Auto-Aprendizagem

(2.ª edição)

Universidade Aberta
2008
© Universidade Aberta
Copyright © UNIVERSIDADE ABERTA – 2008
Palácio Ceia • Rua da Escola Politécnica, 147
1269-001 Lisboa – Portugal
www.univ-ab.pt
e-mail: cvendas@univ-ab.pt

TEXTOS DE BASE (cursos formais) N.º 147


ISBN: 978-972-674-512-9

© Universidade Aberta
HERMANO DUARTE DE ALMEIDA E CARMO

Diplomado em Administração Ultramarina, (1970), licenciado em Ciências Sociais e Políticas, (1974) e Mestre
em Ciência Política, (1985), pelo ISCSP/UTL. Doutor em Ciências da Educação, (1995) e agregado em Política e
Acção Social, (2002), pela Universidade Aberta.
Professor Catedrático da Universidade Aberta. Tem colaborado nos Mestrados em Relações Interculturais,
Comunicação Educacional Multimedia, Comunicação em Saúde, Administração e Gestão Educacional e Estudos
Ambientais (Participação e Cidadania). Professor Catedrático Convidado do ISCSP/UTL, onde tem colaborado nas
Licenciaturas em Política (Serviço) Social, e nos Mestrados em Ciência Política, Sociologia e Política Social.
Desde 1970 desempenhou funções técnicas, docentes e de direcção no Centro de Acção Social Universitário,
Centro de Educação Especial de Lisboa, Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, e nas Universidades Nova,
Técnica, Internacional e Aberta. Colaborou em diversas iniciativas académicas nas Universidades de Girona, Granada,
Internacional de Andalucia (UNIA - Baeza) e Sevilha (Espanha), Florença (Itália), Pernambuco, UNESP - Assis, UF
de Santa Catarina e UVA do Ceará (Brasil), Agostinho Neto (Angola) e com o ISCE de Cabo Verde.
Tem diversos trabalhos publicados nos domínios das Ciências Sociais, Ciências da Educação e Ciência Política,
dos quais se salientam: Os dirigentes da administração pública portuguesa (ISCSP, 1985); Análise e intervenção
organizacional (FUNDETEC, 1986); Exclusão social. Rotas de intervenção (Coordenação, 1996); Ensino superior a
distância. Contexto mundial, Modelos ibéricos, (UAb 1997); Metodologia da investigação: guia para auto-
-aprendizagem (com Manuela Malheiro Ferreira, 1998); Desenvolvimento comunitário (1999, 2007); Intervenção
social com grupos (2000); Problemas sociais contemporâneos (coordenação, 2001); Multiculturalidade e educação a
distância (UAb, 2005); Rumos da intervenção social com grupos no início do século XXI (ISCSP, no prelo); No rasto
do PETI, (PETI, no prelo).

MANUELA MALHEIRO FERREIRA

Licenciada em Geografia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; doutorada em Didáctica da


Geografia pela Universidade Denis Diderot (Paris VII) e em Desenvolvimento Curricular pelo Instituto de Educação da
Universidade de Londres; é actualmente professora auxiliar da Universidade Aberta.
Lecciona a cadeira de Metodologia da Investigação nos Mestrados em Relações Interculturais e em Administração
e Gestão Educacional da Universidade Aberta e de Ciências da Educação da Universidade Católica Portuguesa.
Investigadora do Centro de Estudos das Migrações e Relações Interculturais da Universidade Aberta. Colabora com
centros de investigação nacionais e em redes transnacionais.
É membro da Comissão da Educação Geográfica da União Geográfica Internacional.
Desempenhou funções docentes no Departamento de Geografia da Universidade Nova de Lisboa e desenvolveu
actividade de investigação no Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional.
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Nota à 2ª edição

Ao longo dos seus já dez anos de vida, o presente manual tem sido usado por uma grande diversidade de
pessoas, ultrapassando em muito o público alvo inicialmente previsto. Com efeito, quando no final dos
anos noventa escrevemos o livro, procurámos responder às necessidades de aprendizagem dos estudantes
do Mestrado em Relações Interculturais da Universidade Aberta, esperando que a sua utilidade fosse
reconhecida por outros estudantes de 2º ciclo de cursos de Ciências Sociais, desta e doutras instituições
de ensino superior.

A verdade é que fomos surpreendidos com uma procura bastante mais ampla, tanto no que se refere ao
ciclo de aprendizagem (alargando-se a procura ao primeiro e ao terceiro ciclos), como no que concerne
à proveniência dos utilizadores que, segundo as informações que tiveram a amabilidade de nos dar,
abrangeram também domínios como os das Ciências da Educação, da Psicologia Social, da Enfermagem,
vários cursos ligados à intervenção social (Política Social, Serviço Social, Educação Social, Animação
Sociocultural), etc.

Se, naturalmente, este reconhecimento nos tem causado grande satisfação, também constitui um desafio,
no sentido de não o deixarmos desactualizar. Não podendo fazê-lo neste momento integralmente, como
o óptimo é inimigo do bom, decidimos, nesta 2ª edição, proceder a uma actualização parcial, cingindo-se
às primeiras seis unidades (introdução e visão panorâmica) e à bibliografia.

Em termos de forma, procurou-se usar os dois tipos de citação usuais (identificação completa e autor/
data), reservando o primeiro para as obras que não constam na bibliografia final, por não serem
indispensáveis ao estudo desta matéria.

As actualizações de conteúdo foram as consideradas estritamente necessárias, de modo a respeitar a


identidade original do livro, mantendo-o vocacionado para o estudo pós-graduado. As principais alterações
foram as seguintes:

- actualizou-se a bibliografia e as notas com algumas fontes valiosas entretanto publicadas e com
uma ou outra clássica e fizeram-se pequenas actualizações do texto, no sentido de o tornar mais
claro;

- na unidade 2, introduziu-se uma nova secção, sobre ferramentas metacognitivas para a


investigação;

- na unidade 3, deu-se maior relevância à chamada literatura cinzenta, no contexto da pesquisa


documental;

- na unidade 4, introduziu-se a imagem da janela de Johari, já anteriormente descrita no texto;

- na unidade 5, inseriu-se um exemplo de escala, a fim de clarificar a exposição.

Esperamos que, com esta primeira reforma, o manual continue a ser útil tanto aos estudantes em regime
presencial como aos de ensino a distância. A todos, os autores querem expressar o seu agradecimento
pelas sugestões e incentivos que têm tido ao longo destes dez anos.

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Metodologia da Investigação. Guia para auto-aprendizagem

17 Agradecimentos

1. Introdução
21 Sumário
22 Objectivos da unidade

23 1. Contexto e justificação

24 2. Pré-requisitos e objectivos do seminário e do guia


24 3. Regimes de trabalho
25 4. Apresentação genérica do programa e da bibliografia
27 5. Sistema de avaliação
27 6. Recomendações para auto aprendizagem
28 Início da aprendizagem
28 Planeamento e organização da aprendizagem
29 Manter um ritmo de estudo
29 Tirar partido dos recursos disponíveis
29 Regras de comunicação

I. VISÃO PANORÂMICA

2. O projecto de investigação em Ciências Sociais


35 Sumário
36 Objectivos da unidade
37 1. Duas questões prévias
37 1.1. A questão da informação disponível
37 Uma atitude de recordista
38 Actividade 2.1
39 Recolha preliminar de informação
40 Actividade 2.2
40 Já se escreveu tudo sobre determinado assunto?
41 O nevoeiro informacional
43 Actividade 2.3
43 1.2. A questão da gestão do tempo
44 Actividade 2.4
45 Actividade 2.5

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46 2. Elementos para o planeamento de uma investigação
46 2.1. Investigar o quê? (Delimitar o objecto de estudo)
48 Actividade 2.6
49 2.2. Definir o objectivo da pesquisa
50 Actividade 2.7
50 2.3. Programar a pesquisa
52 Actividade 2.8
52 2.4. Identificar e articular os recursos necessários

53 3. Ferramentas metacognitivas para investigação


54 3.1. Os mapas conceptuais
54 O que é um mapa conceptual?
54 Passos para a elaboração de um mapa conceptual
55 Clarificar conceitos
56 Desempacotar um conhecimento complexo
58 Conceber um campo semântico
60 3.2. Outros diagramas estruturadores cognitivos
63 3.3. O Vê heurístico, epistemológico ou de Gowin
66 Síntese
66 Teste formativo
68 Leituras complementares

3. Pesquisa documental
71 Sumário
72 Objectivos da unidade

73 1. Papel da pesquisa documental no contexto do processo de investigação

73 2. Documentos escritos
73 2.1. Onde procurar?
74 Bibliotecas e arquivos
75 Actividade 3.1
75 Primeira triagem
78 Actividade 3.2
78 2.2. Exploração do texto
79 A economia da leitura

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79 Estratégias de exploração de texto
80 2.3. Registo de dados
81 Fichas bibliográficas
85 Fichas de leitura
86 Sistemas de classificação
87 2.4. Documentos oficiais
87 Publicações oficiais
88 Documentos não publicados
88 Actividade 3.3
88 2.5. Estatísticas
89 Virtualidades
89 Limitações
90 Princípios orientadores
90 Actividade 3.4
91 2.6. Documentos pessoais
92 Limitações
92 Princípios orientadores
93 Actividade 3.5
94 2.7. Documentos escritos difundidos
94 O jornal como fonte de dados
95 Análise de impacto

96 3. Documentos não escritos


96 3.1. Objectos
97 3.2. Registos de som e de imagem

97 Síntese
98 Teste formativo
99 Leituras complementares

4. Técnicas de observação
103 Sumário
105 Objectivos da unidade

107 1. O que é observar?


107 1.1. O testemunho dos deficientes

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108 1.2. Os ensinamentos de Baden Powell
110 1.3. As lições de Conan Doyle
110 1.4. A experiência dos socorristas
111 Actividade 4.1

112 2. Que aspectos observar?


112 2.1. Os indicadores como filtros de informação
113 Questões conceptuais
114 Indicadores demográficos e económicos
114 Indicadores sociais
117 Critérios para a construção de indicadores sociais
117 2.2. Guiões de observação e sistemas de registo
119 Actividade 4.2

120 3. Tipos de observação


120 3.1. Observação não-participante
120 3.2. Observação participante despercebida pelos observados
121 3.3. Observação participante propriamente dita
122 Actividade 4.3

122 4. Aspectos relevantes da observação participante


123 4.1. A questão do observatório
123 Negociação e escolha do papel
124 O horizonte de cada papel
124 4.2. A questão da intensidade do mergulho
124 A Janela de Johari
126 Mergulho restrito
126 Mergulho profundo
128 Actividade 4.4

128 5. Problemas deontológicos


129 Actividade 4.5

129 Síntese
130 Teste formativo
130 Leituras complementares

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5. Inquéritos por entrevista e por questionário
135 Sumário
137 Objectivos da unidade
139 1. O que é um inquérito?
139 1.1. O inquérito em Ciências Sociais
139 1.2. Tipos de inquéritos em Ciências Sociais
141 Actividade 5.1

141 2. Inquéritos por entrevista


141 2.1. A interacção directa, questão-chave na técnica de entrevista
143 Influência do entrevistador no entrevistado
143 Diferenças de cultura entre um e o outro
144 Sobreposição de canais de comunicação
144 2.2. Quando recorrer à entrevista?
145 2.3. Tipos de entrevistas
148 2.4. Aspectos práticos a ter em conta
149 Antes da entrevista
151 Durante a entrevista
152 Depois da entrevista
153 Actividade 5.2

153 3. Inquéritos por questionário


153 3.1. A interacção indirecta, questão-chave do inquérito por questionário
154 Formulação das perguntas
154 Diversidade de canais de comunicação
155 Prevenção das não respostas
156 A questão da fiabilidade
156 3.2. Aspectos de natureza prática
156 3.2.1. Fase preliminar (antes)
156 Construção das perguntas
160 Apresentação do questionário
162 Actividade 5.3
162 3.2.2. O decorrer (durante)
163 3.2.3. Fase subsequente (depois)

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163 4. Em síntese: virtualidades e limitações da entrevista e do questionário

164 Teste formativo


165 Leituras complementares

6. O relatório da pesquisa efectuada


169 Sumário
170 Objectivos da unidade

171 1. Introdução

171 2. Reflexões prévias ao acto de relatar


172 2.1. O que é que se quer transmitir?
172 2.2. A quem se destina o relatório?
174 2.3. Quando e onde se desenrolou a pesquisa?
174 Condicionamentos espaço-institucionais
175 Condicionamentos temporais
176 2.4. Como se desenvolveu a investigação?
176 Actividade 6.1

176 3. Elaboração do relatório


177 3.1. Conteúdo do relatório
177 Problematização da questão
177 Itinerários e processos de pesquisa
178 Resultados alcançados
178 Consequências dos resultados
178 3.2. Forma e construção do relatório
179 Dois princípios básicos indispensáveis: clareza e rigor
179 Esquema de apresentação: o travejamento clássico
181 O corpo do texto
184 Actividade 6.2

184 Síntese
184 Teste formativo
185 Leituras complementares

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II. APROFUNDAMENTO TEMÁTICO

7. Métodos quantitativos e métodos qualitativos

191 Sumário
192 Objectivos da unidade

193 1. Introdução

194 2. Paradigmas quantitativo e qualitativo

196 3. Características dos métodos quantitativos


197 Actividade 7.1

197 4. Os métodos qualitativos


197 4.1. Características dos métodos qualitativos
199 Actividade 7.2
199 4.2. Tradições teóricas em investigação qualitativa
201 Actividade 7.3

201 5. Possibilidade de utilizar uma combinação de métodos quantitativos


e qualitativos
202 Actividade 7.4

203 Síntese
203 Teste Formativo
204 Leituras Complementares

8. Técnicas de amostragem
207 Sumário
208 Objectivos da unidade

209 1. Introdução

210 2. Amostragens probabilísticas


210 2.1. Amostragem aleatória simples
211 2.2. Amostragem estratificada
213 2.3. Amostragem de cachos (clusters)
213 2.4. Amostragem por etapas múltiplas

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213 2.5. Amostragem sistemática
214 2.6. Determinação da dimensão da amostra
215 Actividade 8.1

215 3. Amostragens não probabilísticas


215 3.1. Amostragem de conveniência
216 3.2. Amostragem de casos muito semelhantes ou muito diferentes
216 3.3. Amostragem de casos extremos
216 3.4. Amostragem de casos típicos
216 3.5. Amostragem em bola de neve
217 3.6. Amostragem por quotas
218 3.7. Utilidade das amostragens não probabilísticas
219 Actividade 8.2

219 Síntese
220 Teste Formativo
221 Leituras Complementares

9. A prática de investigação

225 Sumário
226 Objectivos da unidade

227 1. Classificação da investigação


227 1.1. Classificação quanto ao propósito
229 1.2. Classificação quanto ao método

229 2. Investigação histórica

231 3. Investigação descritiva


232 3.1. Inquéritos
232 3.2. Estudos relativos ao desenvolvimento
233 3.3. Estudos complementares
233 3.4. Estudos sociométricos

234 4. Estudo de Caso

237 5. Estudo Etnográfico

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238 6. Investigação correlacional

243 7. Investigação experimental

260 8. Investigação causal-comparativa


261 Actividade 9.1

262 Síntese
262 Teste Formativo
263 Leituras Complementares

10. A Análise de Conteúdo


267 Sumário
268 Objectivos da unidade

269 1. Definição de Análise de Conteúdo

270 2. Tipos de Análise de Conteúdo


271 Actividade 10.1

271 3. A prática da Análise de Conteúdo


272 3.1. Definição dos objectivos e do quadro de referência teórico
272 3.2. Constituição de um corpus
273 Actividade 10.2
273 3.3. Definição das categorias
275 3.4. Definição das unidades de análise
276 Actividade 10.3
276 3.5 Quantificação
276 3.6. Interpretação dos resultados

277 4. Fidelidade e validade

277 Síntese
278 Teste Formativo
278 Leituras Complementares

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11. Considerações finais

281 Sumário
282 Objectivos da unidade

283 1. Princípios Éticos

284 2. O projecto e o relatório de Investigação


284 2.1. O Projecto de Investigação
285 2.2. O Relatório de Investigação
286 2.2.1. Organização do Relatório de Investigação
287 2.2.2. Revisão Crítica de um Relatório de Investigação
288 Actividade 11.1

289 Leituras Complementares

291 12. Bibliografia

ANEXOS

307 O contributo do ensino do Inglês para a aquisição de uma


o
competência intercultural por parte do 3 Ciclo. (Sílvia da
Conceição Jóia Almeida)

327 Imigrantes caboverdeanos em Espanha. Que integração?


(Benvindo do Rosário)

345 Percursos de inserção: refugiados em Portugal, só ou acom-


panhados? Um estudo sobre as dificuldades de inserção de
refugiados em Portugal. (Lúcio Sousa)

363 Professores das minorias étnicas: as representações dos


professores do 1o ciclo dos concelhos de Almada e Seixal. (Abel
Simões Virgílio)

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Agradecimentos

Nenhuma obra nasce de geração expontânea. Em regra, resulta da acumulação de trabalho de


muita gente, de que o autor é face visível.
Para a efectivação deste Guia, os autores não foram excepção, sendo várias as pessoas que indirecta
ou directamente contribuiram muitas vezes sem o saber. Em particular queremos agradecer aos que nos
apoiaram mais de perto com o seu estímulo e com o seu trabalho:
À Professora Doutora Maria Beatriz Rocha Trindade que nos incentivou a elaborá-lo, com
características que possibilitassem o estudo em situação de Ensino Aberto e a Distância para estudantes
de Mestrados em Relações Interculturais, quer leccionados na Universidade Aberta quer nas diversas
Instituições de Ensino Superior da rede ERASMUS de que esta Universidade faz parte. Para além do
estímulo que sempre nos deu, devemos-lhe a laboriosa revisão final.
Também queremos expressar a nossa gratidão pelo trabalho de revisão do texto ao Professor Aurélio
Ferreira, às Mestres Margarida Carmo, Paula Coelho, Lina Morgado e Isabel Barros Dias e a Pedro e
Sara Carmo.
Finalmente, às Dr.as Carolina Cunha e Madalena Carvalho devemos o apoio bibliográfico e a
localização de algumas obras de Metodologia na rede dos Centros de Apoio da Universidade Aberta.

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1. Introdução

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Sumário:

Objectivos da unidade

1. Contexto e justificação
2. Pré-requisitos e objectivos do seminário e do guia
3. Regimes de trabalho
4. Apresentação genérica do programa e da bibliografia
5. Sistema de avaliação
6. Recomendações para auto-aprendizagem
Início da aprendizagem
Planeamento e organização da aprendizagem
Manter um ritmo de estudo
Tirar partido dos recursos disponíveis
Regras de comunicação

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Objectivos da unidade

No final desta unidade o estudante deverá estar apto a:

• distinguir três fases de aprendizagem da metodologia da investigação


no ensino superior;

• identificar os pré-requisitos do seminário (e do guia);

• identificar o objectivo geral do seminário (e do guia);

• identificar os objectivos específicos do seminário (e do guia);

• reconhecer os dois diferentes regimes de trabalho em que esta unidade


lectiva pode ser aprendida;

• enunciar os principais pontos do programa;

• explicitar o sistema de avaliação adoptado;

• reconhecer diversos procedimentos destinados a melhorar a qualidade


da aprendizagem.

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1. Contexto e justificação

A aprendizagem da metodologia da investigação no ensino superior requer do


estudante uma caminhada por etapas, à semelhança duma escada que se sobe.

O primeiro degrau corresponde à apropriação de instrumentos teóricos e


metodológicos básicos que lhe permitam uma autonomia cada vez maior no
seu processo de aprendizagem relativamente ao currículo do curso e ao
magistério dos professores que o leccionam. Nesta primeira etapa, o estudante
deve começar por aprender os procedimentos básicos que a comunidade
académica em geral utiliza para recolher, tratar, interpretar e difundir
informação científica considerada relevante.

Após este primeiro degrau propedêutico em que vai aprender a estudar melhor
e a expressar adequadamente os resultados desse estudo, está em condições
de começar a aprofundar as estratégias e tácticas de captura do saber
praticadas na área disciplinar em que pretendeu especializar-se. Esta segunda
fase culmina com a aquisição do grau académico de licenciado1 que, de acordo 1
Ou o seu equivalente Di-
ploma de Estudos Superiores
com Adriano Moreira, é o grau que confere licença para estudar sozinho. Especializados (DESE).

Num curso de pós-graduação, conducente à obtenção do grau de Mestre, o


processo de autonomização tem de ser ainda maior de modo a permitir que
o estudante, ao fim dos dois anos regulamentares, produza uma dissertação em
que demonstre, não só, conhecimentos aprofundados numa dada área do Saber,
mas também um domínio claro dos procedimentos metodológicos. Foi neste
terceiro contexto que nasceu o Seminário sobre Metodologia da
Investigação, no elenco curricular do Mestrado em Relações Interculturais da
Universidade Aberta a pedido dos seus próprios estudantes.

Tendo começado como unidade didáctica extra-curricular nos dois primeiros


anos de funcionamento, foi integrado no programa do curso de pós-graduação
a partir de 1994/95. Como qualquer unidade curricular dos vários mestrados
da Universidade Aberta, este seminário foi ministrado em regime presencial 2
O conceito de andragogia
até 2006/2007, tendo sido leccionado em Lisboa, Porto e Macau. Desde 1996/ (etimologicamente
educação do homem por
97, parte do primeiro bloco foi leccionada para o Porto através de contraposição ao de peda-
videoconferência, com uma taxa de sucesso semelhante à que ocorreu no grupo gogia que significa educa-
ção da criança) chama a
que teve apoio presencial. Com a aplicação do novo modelo pedagógico da atenção para a especifici-
Universidade Aberta e, no contexto da adequação do curso à estratégia de dade da metodologia da
educação de adultos. Este
Bolonha, esta unidade curricular passou a ser também oferecida online. termo foi vulgarizado
sobretudo a partir da obra
No sentido de tornar os estudantes cada vez mais autónomos neste domínio e de Knowles, Malcolm S.
(1980), The modern
de possibilitar, a muitos que tinham dificuldade de se deslocar às aulas, um practice of adult education.
instrumento de trabalho que permitisse a sua auto-aprendizagem, a Directora From pedagogy to andra-
gogy, New York, Cambridge,
do Mestrado propôs aos autores que concebessem um Guia com uma estratégia The Adult Education
andragógica2 para ensino a distância. É esse o principal desígnio deste manual. Company.

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2. Pré-requisitos e objectivos do seminário e do guia

Por se tratar de um seminário inserido num curso de mestrado é exigível, como


pré-requisito, uma preparação prévia no domínio da metodologia geral de
investigação, já adquirida nos curricula da formação inicial. Neste contexto, é
conveniente o estudante ler uma obra geral de metodologia da investigação
3
Há diversas obras com estas em Ciências Sociais a fim de reavivar o que aprendeu3.
características na Bibliografia
recomendada. Eis um
exemplo duma particular- O seminário e, por consequência, o guia, estão organizados em três blocos
mente acessível quer no estilo através dos quais se procurará, num processo de aprofundamento temático em
quer na dimensão: Quivy,
Raymond e Campenhoudt, espiral, atingir o seu objectivo geral que pode ser assim enunciado: no final
Luc Van, (1992), Manual de dos três blocos, o mestrando deve ser capaz de elaborar o ante-projecto
investigação em Ciências
Sociais, Lisboa, Gradiva. da sua dissertação de mestrado.

Para atingir o objectivo geral, o estudante deverá atingir três objectivos


específicos:

• no final do primeiro bloco, o mestrando adquire noções gerais sobre


planeamento de um projecto de investigação, recolha de dados e
apresentação dos resultados. (Óptica dominante: panorâmica);

• no final do segundo bloco, o mestrando interioriza conhecimentos


e técnicas específicas orientadas para a pesquisa que irá desenvolver.
(Óptica dominante: aprofundamento temático, nomeadamente nos
campos do tratamento e análise de dados);

• no final do terceiro bloco, o mestrando concebe um ante-projecto


4
Não é obrigatório que o ante- de dissertação. (Óptica dominante: aplicação num caso concreto)4.
projecto apresentado no
seminário seja o ante-projecto
da dissertação. Sendo
desejável que o seja, de modo
a potenciar o conhecimento
acumulado e a não dispersar 3. Regimes de trabalho
energias do mestrando,
admite-se que este possa mais
tarde, de comum acordo com O regime de trabalho deste seminário será anunciado no início de cada ano
o seu orientador, conceber um
projecto de dissertação lectivo. Pode ser em regime presencial ou em regime de ensino a distância,
diferente. Para a equipa misto ou online. No primeiro caso, poderá ainda decorrer em regime de
docente do seminário o ante-
projecto funciona como um presença física ou virtual (por videoconferência). No segundo, os dois primeiros
exercício de simulação. blocos serão feitos a distância com apoio tutorial telefónico, por fax, por
videoconferência, por correio electrónico ou ainda recorrendo à plataforma de
e.learning; o último bloco consistirá num módulo presencial intensivo, que
poderá ser substituído pela apresentação e discussão dos trabalhos em video
(ou audio) conferência, ou pela introdução de um dispositivo comunicacional
adequado, síncrono ou assíncrono, na plataforma.

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No cenário de regime presencial o tempo de leccionação total é de 30 horas,
10 horas por bloco, cada um dos quais com quatro sessões de duas horas e
meia cada. A formatação das sessões obedece , em princípio, ao seguinte
padrão:

• 17h00 - Início da sessão. 1º módulo5 5


Cada módulo poderá ter a
seguinte formatação: Síntese
da sessão anterior (10
• 18h20 - Intervalo minutos); apresentação de
matéria (50 a 60 minutos);
• 18h40 - 2º módulo debate (10 a 20 minutos)

• 19h30 - Fim da sessão

Na hipótese de ser feito em regime de ensino a distância (EaD), e tendo


uma dimensão análoga à de duas unidades curriculares semestrais, pode
estimar-se que ocupará um tempo de aprendizagem total da ordem das 6
Naturalmente que se trata de
uma mera estimativa, que
312 horas6, assim distribuídas: Aprendizagem do 1º e 2º blocos (incluindo a variará de acordo com as
elaboração dos trabalhos para avaliação) e preparação do ante-projecto: características e com a
formação inicial de cada
300 horas; seminário intensivo presencial (ou um seu equivalente): 12 horas. mestrando.

4. Apresentação genérica do programa e da bibliografia

O programa do seminário é o que consta no índice deste guia. Para os estudantes


que vão estudar em regime presencial, junta-se o quadro 1.1. com a estruturação
das sessões de trabalho, deixando-se propositadamente em branco a data da
sua realização que será preenchida por cada um no início do ano. Os estudantes
em regime de online, deverão colher as informações desta natureza na
plataforma, estudando e discutindo o contrato de aprendizagem que for
proposto pela equipa docente.

Após cada capítulo, indicam-se algumas leituras complementares que,


no entender dos autores, poderão solidificar os conhecimentos dos
mestrandos nos respectivos domínios. No final do guia, aqueles que
pretenderem aprofundar os seus conhecimentos metodológicos encontrarão
uma bibliografia de referência que para além dos títulos já referidos em
Leituras complementares, integra alguns outros de acesso fácil no mercado.

25
© Universidade Aberta
Quadro 1.1. - Estruturação das sessões de trabalho

SESSÃO DATA MÓDULO CONTEÚDOS

1ª 1 Apresentação. Programa. Bibliografia. Regras de


funcionamento e avaliação

2 O projecto de investigação em Ciências Sociais (I):


pré-requisitos.

2ª 3 O projecto de investigação em Ciências Sociais (II):


elementos para o planeamento da pesquisa

4 Pesquisa documental

3ª 5 Técnicas de observação

6 Inquéritos por entrevista e por questionário

4ª 7e8 O relatório da pesquisa efectuada

5ª 9 e 10 Métodos qualitativos e métodos quantitativos

6ª 11 e 12 Técnicas de amostragem

7ª 13 e 14 Tipos de investigação

8ª 15 Análise de conteúdo

16 Princípios éticos

O que deve incluir um projecto de investigação


O que deve incluir um relatório
Parâmetros de avaliação de um trabalho de pesquisa

9ª e 10a 17 a 20 Apresentação de exemplos de pesquisas conducentes


7
Prevêm-se até quatro à elaboração de dissertações de mestrado7.
apresentações no conjunto
dos quatro módulos, ou seja 1 11ª e 12a 21 a 24 Apresentação dos ante-projectos de dissertação
por módulo.

26
© Universidade Aberta
5. Sistema de avaliação

Tanto para os estudantes do regime presencial como para os que desenvolverem


a sua aprendizagem em regime de ensino a distância, a avaliação final do
seminário será baseada nos seguintes elementos:

• Para o bloco I: recensão de uma obra geral de metodologia das Ciências


Sociais (máximo de 5 páginas dactilografadas a espaço e meio).

• Para o bloco II: recensão de dois artigos em que se relatem trabalhos


de investigação e onde seja indicada a metodologia utilizada (máximo
de 10 páginas dactilografadas a espaço e meio, 5 para cada artigo).

• Para o bloco III: ante-projecto de dissertação (apresentação oral -


máximo de 10 minutos - e trabalho escrito, este com uma dimensão
máxima de 10 páginas dactilografadas a espaço e meio)

• Participação nas aulas ou na plataforma de e.learning.

A classificação final em cada módulo poderá ser expressa sob diversas formas,
de acordo com a regulamentação vigente e no quadro normativo de Bolonha.

6. Recomendações para auto aprendizagem

Para o estudante que vai trabalhar em regime de ensino a distância clássico,


vale a pena salientar alguns procedimentos que podem melhorar a qualidade
da sua aprendizagem. A sua experiência como estudante de ensino presencial
pode vir a ser-lhe extremamente útil, se souber tirar partido dela. Sugerimos-lhe,
no entanto, algumas alterações do seu método de trabalho, a fim de poder tirar
partido de algumas vantagens que o ensino a distância tem e minimizar as suas
limitações.

As recomendações que se seguem não pretendem ser exaustivas. O intuito é


fornecer-lhe pistas práticas para poder ter mais êxito no seu programa de
aprendizagem. Pedimos-lhe, por isso, que assim como lhe estamos a dar estas
sugestões, partilhe connosco a sua experiência, as suas dificuldades e os seus
êxitos, que decerto virão a ajudar outros estudantes a organizar melhor a sua
aprendizagem.

Vejamos então alguns padrões de actuação que se têm revelado correctos.

27
© Universidade Aberta
Início da aprendizagem

Antes de mais, sugerimos-lhe a leitura cuidadosa da informação sobre o mestrado


que lhe poderá servir de orientação geral no que respeita ao seu relacionamento
com os serviços da Universidade.

Logo que se matricule deverá encomendar o material complementar que


deseje. Se sentir alguma demora no envio das encomendas, sugiro-lhe que
telefone imediatamente para o secretariado do Mestrado, a fim de ser
corrigida a anomalia o mais depressa possível. Não se esqueça que quanto
mais tarde começar a trabalhar com os materiais de aprendizagem menos tempo
terá para se preparar.

Como acima foi referido, este seminário exige, para que o estudante ou
formando tenha bons resultados, a actualização de alguns conhecimentos
prévios que servirão como ponto de partida para a aprendizagem. Sugiro-lhe,
por isso, que se aconselhe junto da equipa docente sempre que sinta dificuldades
na sua progressão, a fim de ser orientado(a) a tempo em estratégias de
reciclagem. Este procedimento é extremamente importante uma vez que a
formação inicial dos estudantes num mestrado (e neste em particular) é muito
heterogénea.

Planeamento e organização da aprendizagem

Há toda a conveniência em elaborar um horário de trabalho semanal. Para o


planeamento do seu trabalho, deverá contar com tempo para a realização das
seguintes tarefas:

• estudar o manual.
• elaborar um dossier com as actividades propostas8; se o fizer
8
A numeração das actividades
apresenta-se sob a forma de
exaustivamente o seu ante-projecto de dissertação construir-se-á
dois dígitos: o primeiro indica naturalmente quase sem dar por isso;
a unidade (capítulo) corres-
pondente; o segundo cor- • responder aos testes formativos insertos no final de cada capítulo e
responde à ordem da
actividade na respectiva corrigi-los;
unidade. Em cada um dos
sumários as actividades • consultar a bibliografia recomendada;
apresentam-se tituladas em
itálico de modo a poder
sublinhar o seu carácter
• consultar os professores do seminário sempre que sinta necessidade
específico. de tirar dúvidas, no horário que lhe será facultado;
• elaborar as recensões referidas no ponto 5;
• elaborar o ante-projecto de dissertação referido no mesmo ponto.

28
© Universidade Aberta
Manter um ritmo de estudo

Uma vez iniciado o seu estudo, faça o possível por seguir o plano que traçou.
A experiência tem mostrado que a manutenção dum ritmo de trabalho regular
permite uma melhor aprendizagem. Não se esqueça que, no ensino a distância,
é o estudante (ou formando) que deve gerir o processo de aprendizagem.

Tirar partido dos recursos disponíveis

Uma das limitações que tem sido apontada ao ensino a distância é a de ser um
sistema de aprendizagem solitário. Este problema pode ser solucionado se
souber utilizar os meios de comunicação disponíveis, com a equipa docente
do seminário, nomeadamente o telefone, o fax, o correio electrónico e as
sessões presenciais (físicas ou virtuais). Evite o correio pois é muito
demorado e, como sabe nem sempre é fiável. Por favor, não deixe de telefonar
ou escrever sempre que tiver dúvidas e, sobretudo, não as deixe para as vésperas
da avaliação. O programa do seminário foi concebido prevendo um estudo
continuado, não sendo provável obter sucesso apenas com a concentração de
estudo perto da época da apresentação do ante-projecto que será alvo de
avaliação final.

Se quiser pode pedir informação sobre a existência de estudantes inscritos


neste Seminário que vivam na sua área de residência, o que lhe permitirá
constituir com eles grupos de estudo informais.

Regras de comunicação

É fundamental respeitar algumas regras de comunicação para obter respostas 9


Em princípio, o estudante
rápidas e úteis dos serviços da Universidade Aberta e da equipa docente deste de mestrado tem como
interlocutores principais
seminário em particular. • o secretário de mes-
trado, para assuntos
Assim, quando telefonar: organizacionais de
foro corrente;
• Depois de ligar para o serviço para onde deseja falar9, peça a • o director de mestrado,
entidade máxima a
identificação do seu interlocutor e forneça a sua identificação (nome, quem pode recorrer
número de estudante e local de onde está a falar). em casos especiais ou
em recurso;
• os docentes das uni-
• Seguidamente apresente a sua questão de forma objectiva. Do rigor dades lectivas (cadei-
e clareza com que expuser o seu assunto dependerá, pelo menos em ras e seminários), para
assuntos ligados à
parte, a qualidade da resposta. leccionação.

29
© Universidade Aberta
• Por outro lado, tente ser sucinto(a) na forma como apresenta a sua
questão: não se esqueça que há muitos colegas a quererem telefonar
para a Universidade.

• Se estiver a falar de longe e se a resposta for longa, peça para o seu


interlocutor lhe ligar.

Quando escrever (seja qual for o suporte):

• Identifique-se claramente logo nas primeiras linhas.

• Seguidamente exponha objectivamente o que pretende (pedir


informações fazer uma reclamação, apresentar sugestões, etc).

• A resposta à sua carta poderá ser dada pela mesma via ou pelo telefone.
Responder-lhe-emos sempre, desde que sejam respeitadas as regras
referidas nos pontos anteriores. No entanto, se a resposta demorar, por
favor telefone-nos pois pode ter havido qualquer anomalia no meio de
comunicação usado.

Os estudantes em regime de EaD online, deverão adaptar as regras que se


acabam de sugerir à sua situação específica. Para além disto, sugere-se:

• Uma vez que a plataforma de e.learning é o grande instrumento de


comunicação, sempre que haja problemas na sua utilização deverá
alertar a equipa docente por qualquer outro meio (e.mail, telefone, fax,
etc).

• No início do trabalho deverá procurar familiarizar-se com a plataforma


participando activamente no módulo de ambientação e esclarecer as
dúvidas relativamente ao contrato de aprendizagem.

• Ao longo do período lectivo, procure tirar partido do potencial da


plataforma, tanto no que respeita à apropriação de materiais
digitalizados, como às possibilidades de comunicação entre colegas e
com o docente, através dos diversos tipos de fóruns.

30
© Universidade Aberta
I. VISÃO PANORÂMICA

Hermano Carmo

© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
2. O Projecto de Investigação em Ciências Sociais

© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
Sumário:

Objectivos da unidade

1. Duas questões prévias


1.1. A questão da informação disponível
Uma atitude de recordista
Actividade 2.1
Recolha preliminar de informação
Actividade 2.2
Já se escreveu tudo sobre determinado assunto?
O nevoeiro informacional
Actividade 2.3
1.2. A questão da gestão do tempo
Actividade 2.4
Actividade 2.5
2. Elementos para o planeamento de uma investigação
2.1. Investigar o quê? (Delimitar o objecto de estudo)
Actividade 2.6
2.2. Definir o objectivo da pesquisa
Actividade 2.7
2.3. Programar a pesquisa
Actividade 2.8
2.4. Identificar e articular os recursos necessários
3. Ferramentas metacognitivas para a investigação
3.1. Os mapas conceptuais
O que é um mapa conceptual?
Passos para a elaboração de um mapa conceptual
Clarificar conceitos
Desempacotar um conhecimento complexo
Conceber um campo semântico
3.2. Outros diagramas estruturadores cognitivos
3.3. O Vê heurístico, epistemológico ou de Gowin

Síntese
Teste formativo
Leituras complementares

35
© Universidade Aberta
Objectivos da unidade
No final do processo de aprendizagem desta unidade o estudante deverá estar
apto a:

• identificar e criticar dois mitos típicos de quem começa a desenhar


um projecto de pesquisa, o do terreno virgem e o do tudo já foi
estudado;

• entender a importância prática de alguns valores humanos no processo


de produção científica, nomeadamente a humildade intelectual, a
auto-competitividade, a curiosidade e o espírito de cooperação;

• definir estratégias de captura de um saber preliminar, susceptível de


traçar as fronteiras do objecto de estudo e a explicitação de objectivos
para a investigação, nomeadamente no que respeita à análise crítica
da teoria e da produção empírica existente;

• estabelecer critérios de selecção de informação que lhe permitam


evitar situações de sobre-informação, de sub-informação e de pseudo-
-informação;

• identificar algumas importantes razões que levam a considerar o tempo


como variável estratégica no processo de investigação;

• listar, articular e calendarizar as diversas fases e tarefas que integram


uma investigação;

• identificar três tipos de erro que dificultam a delimitação do objecto


de estudo e as correspondentes estratégias de prevenção;

• caracterizar e discutir alguns critérios, para além da pertinência


científica, que permitem chegar a um objecto de estudo;

• distinguir os estudos exploratórios dos sociográficos e dos verifi-


cadores de hipóteses causais;

• desenhar brevemente um programa para a sua pesquisa e o corres-


pondente cronograma;

• identificar os recursos necessários à realização de uma dissertação;

• usar algumas ferramentas metacognitivas para a investigação.

36
© Universidade Aberta
1. Duas questões prévias

Independentemente do tipo de investigação a realizar, existem duas questões


de grande importância que exigem a atenção de quem pretende desenvolver
um projecto:

• a questão da informação disponível e

• a questão da gestão do tempo

1.1. A questão da informação disponível

Duas atitudes típicas e ingénuas que se observam em estudantes de Mestrado,


no momento em que são confrontados com a necessidade de produzir uma
dissertação final, são a de que o terreno que vão explorar é completamente
virgem ou, pelo contrário, que já se escreveu tudo sobre determinado assunto.
Ambas as posições são apriorísticas necessitando de desmontagem.

A primeira denota, habitualmente, que o estudante ainda não fez um estudo


exploratório sobre o tema em questão, encontrando-se fascinado por uma
área que acabou de descobrir ou pela qual manifesta interesse já há algum
tempo sem no entanto a ter trabalhado com intuito científico. Perante esta
atitude, dois objectivos devem ser atingidos pelo estudante, tão depressa
quanto possível:

• adquirir uma atitude adequada perante o estudo que vai desenvolver;

• proceder a uma recolha preliminar de informação que lhe permita ter


uma primeira ideia acerca dos diversos contributos existentes sobre
o assunto.

Uma atitude de recordista

Em termos de atitudes, é indispensável combater a arrogância de quem


pensa que descobriu caminhos nunca dantes trilhados e que pode iniciá-los
sem a ajuda de ninguém. Frequentemente este modo individualista de encarar
o processo de investigação conduz a situações sem saída, pois quem se
posiciona deste modo competitivo face à comunidade científica semeia
desconfianças e atitudes da mesma natureza, que se revelam altamente
ineficientes e ineficazes. Ineficientes porque, para atingir os objectivos de
investigação, o estudante será obrigado a contar apenas com os seus recursos

37
© Universidade Aberta
gastando muito mais energias que se o fizesse contando com a cooperação
de colegas e professores. Ineficazes porque, dispondo de menos meios, mais
dificilmente atingirá as metas que se havia proposto alcançar.

A experiência tem demonstrado que a única competição desejável num


processo de pesquisa é aquela que o investigador tem consigo mesmo, numa
postura de recordista de alta competição. Adquirir mais conhecimentos
ou desenvolver melhor as suas estratégias de apreensão do saber são, deste
modo, desígnios mais interessantes e positivos que simplesmente querer fazer
melhor que os outros.

Esta atitude de recordista implica, antes de mais, uma curiosidade nunca


satisfeita traduzida numa motivação sempre realimentada para aprender
com os outros - comunidade académica, informadores qualificados e
população-alvo da investigação - com as diversas fontes de informação e
com a realidade em geral.

Implica, por outro lado, uma postura de sábia humildade intelectual,


corolário da curiosidade, que permite capturar informação pertinente em
fontes menos habituais, como em certa literatura não legitimada pela
1
A bibliografia e a comunidade científica1 ou em interlocutores não académicos2.
videografia de ficção podem
ser excelentes fontes de infor-
mação e de hipóteses cientí- Permite, finalmente, a constituição progressiva de redes de cooperação no
ficas. A Cidade da Alegria de seio da comunidade científica e entre esta e outros interessados – pessoas e
Lapierre, sobre o quotidiano
de comunidades abaixo do li- instituições – pelo maior aprofundamento do saber na área em questão.
miar de pobreza absoluta, Os
Capitães da Areia de Jorge
Amado, que relata as estraté-
gias de sobrevivência das cri-
anças de rua baianas, ou O
Pixote, filme brasileiro que
retrata magistralmente uma
subcultura de pobreza, são Actividade 2.1
exemplos de boas fontes de
informação não ortodoxas.
Descreva em tópicos (não mais de meia página A4), as carac-
terísticas que melhor o(a) definem face ao conhecimento: arrogante,
2
Os antropólogos há muito tímido(a), curioso(a), humilde, competitivo(a)? Dê exemplos que
contam com informadores, ilustrem o seu auto-retrato. Seguidamente confronte a sua reflexão
muitos sem quaisquer habi-
litações académicas que, no com colegas ou professores e peça-lhes que critiquem o seu
entanto, se revelam indis- trabalho.
pensáveis como fontes de in-
formação de alta qualidade.

38
© Universidade Aberta
Recolha preliminar de informação

Uma vez possuidor de uma correcta atitude face ao conhecimento e à


comunidade dos que o procuram, o investigador deve proceder a uma recolha
preliminar de informação que lhe permita fazer uma primeira ideia acerca
dos diversos contributos já disponíveis sobre o assunto.

Em primeiro lugar, há que procurar colher elementos sobre as teorias


existentes. Temos observado, com frequência, uma atitude de reserva face à
teoria, considerando-a algo de esotérico, sem qualquer utilidade prática para
o exercício do trabalho empírico. Reconhecendo fundamento em certas
críticas, uma vez que algumas auto-designadas teorias não passam de
especulações doutrinárias, concebidas por vezes sem a prova do confronto
com o real, nunca é demais salientar a enorme economia de informação
sistematizada numa boa teoria, o que permite ao investigador gerir melhor
os seus recursos e orientar as suas estratégias de pesquisa. Uma boa teoria
funciona como bússola, não como espartilho, de qualquer processo de
investigação.

Em segundo lugar, há que indagar que pesquisa tem sido feita no domínio
em questão e com que métodos foi desenvolvida. Para isso, revela-se de
grande utilidade o recurso a bases de dados com informação indexada sobre
monografias e artigos, na sua versão integral ou em formato resumido, assim
como a realização de diversas entrevistas exploratórias a especialistas.

A análise crítica dos métodos adoptados em investigações anteriores é


particularmente útil pois permite-nos fazer uma ideia sobre a fiabilidade dos
seus resultados. Tal análise não deve ceder a seguidismos de modas
académicas. A comunidade científica é constituída por gente mortal e
imperfeita (ainda que nem sempre haja consciência disso) e como tal, também
os académicos - cientistas e professores - estão sujeitos à pressão de modas.
Para ilustrar isto bastará recordar três obsessões frequentes cuja prática
indiscriminada pode levar a erros metodológicos:

• a obsessão pelo mais recente, o que nem sempre conduz a resultados


satisfatórios uma vez que se perde informação de boas fontes clássicas
3
Sobre isto, vale a pena ler o
ignorando que nem sempre o antigo é antiquado assim como nem excelente artigo de Fúlvia
sempre o moderno é inovador; Rosemberg sobre os dados
deformados acerca da di-
mensão do fenómeno crian-
• a obsessão pelo quantitativo, que decorre da mitificação de toda a ças de rua na América Lati-
informação que integra números, considerando como não científica na: Rosemberg (1994), A
Retórica Sobre a Criança de
qualquer investigação de outra natureza; tal moda tem conduzido por Rua na Década de 80, in
vezes a autênticas aberrações analíticas uma vez que pressupõe como Medina e Greco (orgs) Saber
plural, S. Paulo, ECA/CJE/
certas, informações completamente deformadas na origem3; e CNPq, p. 135-136.

39
© Universidade Aberta
• a obsessão pelo qualitativo, tendência inversa actualmente muito
em voga de que tem resultado, por vezes, trabalhos especulativos
com alguma falta de rigor.

Actividade 2.2

Elabore uma lista de leituras e contactos a fazer para a elaboração


de um pré-estudo exploratório sobre um tema que lhe pareça
interessante como dissertação de mestrado.

Uma vez feito esse trabalho, proceda a uma primeira recolha de


dados. Seguidamente, tente escrever as suas intenções de pesquisa
com fundamento no estudo que iniciou (máximo uma página A4).
Dê a ler a colegas e submeta-se à sua crítica sem receio. Tentem
em conjunto responder a duas questões: O texto está claro? Está
rigoroso?

4
O texto que se segue foi Já se escreveu tudo sobre determinado assunto?4
apresentado originalmente
em Carmo, H. (1996) Ensino
Superior a Distância. Con- No final desta fase, o investigador que pensava estar a entrar em terreno
texto Mundial. Modelos Ibé-
ricos., Lisboa, Universidade
virgem, pode ficar com a ideia oposta, altamente desanimadora, de que tudo
Aberta, dissertação de já se escreveu sobre o assunto. Esta sensação angustiante e vertiginosa é
doutoramento em Ciências da
Educação, cap 1, ponto 0.
típica de quem desenvolve investigação na nossa época. Com efeito, o primeiro
sentimento que nos assalta quando pretendemos entender o Mundo em que
vivemos, é a perplexidade perante a transitoriedade, a novidade e a
diversidade com que a vida social se nos apresenta, configurando um quadro
desconhecido, por vezes mesmo assustador.

Margaret Mead, já em 1969, intuía o que hoje vivemos, utilizando a imagem


5
Mead, Margaret (1969), dos imigrantes no tempo5:
O Conflito de Gerações,
D. Quixote, Lisboa, pag. 133
e sgs.
hoje em dia, todos os que nasceram e foram criados antes da segunda
grande guerra são imigrantes no tempo - como os seus antepassados o
foram no espaço - que lutam para apanhar as condições estranhas da vida
numa nova era. Como todos os imigrantes e pioneiros, estes imigrantes no
tempo são portadores de culturas mais antigas. A diferença hoje é que eles
representam todas as culturas do mundo. (...) Quem quer que sejam, estes
imigrantes cresceram em céus através dos quais nunca brilhou nenhum

40
© Universidade Aberta
satélite. (...) Neste sentido, portanto, de nos termos mudado para um
presente para o qual nenhum de nós estava preparado (...), deixámos os
nossos mundos familiares para vivermos numa época em condições que
são diferentes de qualquer das outras que nós já conhecíamos.

Com o mesmo olhar perplexo, Edgar Morin, defendia há poucos anos que
estamos a entrar na Idade do Ferro Planetária6, em que o Homem tem cada
6
De acordo com Morin, com
vez mais consciência da mundialização, a qual, no entanto, é convulsiva e a expansão europeia iniciada
dilacerada pelas contradições que a integram: no séc. XV, começa a era pla-
netária, em que o fenómeno
da mundialização se expande
"somos obrigados a considerar que ainda estamos na pré-história do espírito
progressivamente gerando-se
humano e que não saímos da idade de ferro planetária. Estamos numa era uma cada vez maior
agónica, de morte e nascimento, onde, como nunca até hoje, as ameaças integração dos subsistemas
do planeta. Morin, E. et.al.
convergem sobre o planeta, a sua biosfera, os seus seres humanos, as nossas (1991), A Idade de Ferro
culturas, a nossa civilização. O mais trágico, ou cómico, é que todas estas Planetária, in Os Problemas
do Fim de Século, Editorial
novas ameaças (desastres ecológicos, aniquilamento nuclear, manipulações
Notícias, Lisboa, pag. 17 e
tecnocientíficas, etc.) provêm dos próprios desenvolvimentos da nossa sgs.
civilização"7.
7
Morin, Edgar (1991), op.
Perante este quadro, o investigador social do nosso tempo, confronta-se com cit., pag. 22. Cfr. no mesmo
sentido, as conclusões do re-
o tremendo desafio de tentar descrever uma realidade social complexa e em latório da Comissão Indepen-
vertiginosa mudança, de que ele próprio faz parte, com instrumentos toscos, dente População e Qualida-
de de Vida, coordenada por
tais como os dos nossos avós, da Idade do Ferro. Maria de Lourdes Pintasilgo,
1998, Cuidar o Futuro: um
O nevoeiro informacional programa radical para viver
melhor, Lisboa, Trinova.

Para complicar um pouco mais o seu trabalho de cartógrafo da sociedade


contemporânea, confronta-se com frequência, com aquilo a que Morin 8
Morin, Edgar (1981), As
chamou “nevoeiro informacional”8, que se traduz num conjunto de três Grandes Questões do Nosso
Tempo, Editorial Notícias,
tipos de filtros que o impedem de visibilizar convenientemente a sociedade Lisboa, pag.19 e sgs. Outros
que pretende estudar: autores têm chamado a aten-
ção para esta questão da falta
de transparência da socieda-
- Ao primeiro, chama Morin sobre-informação, que se traduz no de contemporânea. Pierre
excesso de informações em que é imerso no seu quotidiano Rosanvallon, por exemplo,
defende que o desenvolvi-
profissional. Ilustremos este fenómeno apenas com um exemplo: o mento da visibilidade social
crescimento exponencial do número de livros e de revistas científicas, é uma das quatro estratégias
indispensáveis à ultrapassa-
de jornais, de abstracts e de abstracts de abstracts, que alguns autores gem da crise do Estado Pro-
consideram haver-se multiplicado por dez em cada cinquenta anos, vidência. Rosanvallon, P.
(1984), A Crise do Estado
faz com que “seja cada vez menos possível ao cientista ter um Providência, Inquérito, Lis-
conhecimento completo da literatura publicada, já não no domínio boa.

global da ciência,(...) mas, muito mais dramaticamente, sequer no


9
Câmara, J. Bettencourt da
do seu ramo especializado de investigação”9. (1986), A III Revolução In-
dustrial e o Caso Português,
- A par da sobre-informação, o cientista social confronta-se muitas in Vários (1986), Portugal
Face à III Revolução Indus-
vezes com o problema aparentemente contraditório, da trial - Seminário dos 80,
sub-informação, semelhante ao dos cartógrafos do século XIX que, ISCSP, Lisboa, pag. 63 e sgs.

41
© Universidade Aberta
para não fantasiarem os seus mapas, tinham que representar espaços
imensos a branco. Com efeito, dada a rapidez com que a sociedade
contemporânea muda, bem como pela sua complexidade crescente,
o cientista social, confronta-se muitas vezes com uma substancial
falta de informação sobre o seu objecto de estudo. Exemplo de
sub-informação, foi a reacção de perplexidade geral e até de
indignação de alguns decisores políticos quando, em 1985, foram
divulgados os primeiros resultados do estudo sobre a pobreza em
Portugal, que concluía que 35% das famílias portuguesas se
10
Costa, A. Bruto da; Silva, encontravam abaixo da linha de pobreza absoluta10. Para além da
Manuela; et al (1985), A Po-
breza em Portugal, Caritas, resposta política de quem sentiu a crueza dos resultados daquele
Lisboa. Estudos publicados estudo como um julgamento à sua política social, o que tal reacção
mais recentemente, já não ti-
veram a mesma reacção uma pareceu demonstrar foi a ignorância dos vários actores sociais sobre
vez que a subinformação so- o fenómeno.
bre o fenómeno se havia re-
duzido. Vide por exemplo,
Costa, A.B., Silva M., et al - O terceiro filtro com que o investigador se defronta, é o da
(1989), Pobreza Urbana em pseudo-informação, ou seja, o conjunto de informação, deliberada
Portugal, Caritas, Lisboa; e,
Silva, M. (1991), A Pobreza ou involuntariamente deformada, ou mesmo falseada, sobre a
Infantil em Portugal, Comi- realidade social. São exemplos de pseudo-informação, as emitidas
té Português para a UNICEF,
Lisboa. pelos sistemas de publicidade económica, propaganda política, e os
mecanismos de boato. Mas também o são, muitas vezes, as infor-
mações produzidas pelos mass media e as que legitimam certas
representações colectivas.

O quadro que se acaba de descrever, serve para explicar que, talvez o maior
dos problemas metodológicos com que um investigador se debate ao longo
de qualquer processo de pesquisa, seja o da selecção e gestão da informação
disponível obrigando-o a um triplo esforço para reduzir os efeitos de
nevoeiro informacional:

- em primeiro lugar, procurar não se afogar em informação inútil


tendo em vista o objectivo do trabalho;

- em segundo lugar, tentar explorar os espaços de sub-informação,


através do cruzamento de técnicas diversas;

- finalmente, tentar reduzir os perigos da pseudo-informação através


da análise contrastiva das fontes.

42
© Universidade Aberta
Actividade 2.3

Submeta o trabalho que iniciou na actividade 2.2, a uma nova crítica


interrogando-se: o tema escolhido será pertinente? Que tipo de
informação recolhi até agora? Que elementos de nevoeiro infor-
macional encontrei na pesquisa preliminar? Redundâncias (sobre-
-informação)? Zonas brancas (sub-informação)? Contradições
(possíveis elementos de pseudo-informação)?

1.2. A questão da gestão do tempo

Sendo o tempo um dos recursos mais escassos que o investigador tem ao seu
dispor pois contrariamente ao desejado no popular fado, o tempo não tem
hipóteses de voltar para trás, é curioso notar a pouca relevância que lhe é 11
O exemplo típico é o dos
conferida quando se está numa fase preliminar de pesquisa. No entanto ou prazos apertados com que os
por razões de natureza legal - caso dos prazos impostos para a conclusão de investigadores se têm vindo a
debater nos projectos com fi-
mestrados - ou de índole contratual11, a verdade é que o tempo se tem vindo nanciamento externo como os
a posicionar como uma variável estratégica em qualquer processo de Programas Sócrates, Leonar-
do e outros programas da
pesquisa. E isto por várias razões de que se salientam três: União Europeia.

• porque o nevoeiro informacional acima referido determina gastos


consideráveis de tempo; 12
O ciclo de vida do saber é o
período que decorre entre o
• porque a comunidade académica tem vindo a estabelecer inúmeras seu nascimento e a sua morte
por desactualização. Tome-
pontes com o mundo não académico, nomeadamente com as mos o exemplo do frigorífi-
empresas, tendo de adaptar-se aos seus critérios mais rigorosos de co: o ciclo de vida do saber
que lhe deu origem começou
prazos e custos; quando alguém descobriu que
se podia transformar elec-
• porque o encurtamento do ciclo de vida do saber12 não se tricidade em frio; numa se-
gunda fase, alguém percebeu
compadece com ciclos de pesquisa demasiado longos que condu- que tal descoberta podia ser
ziriam inevitavelmente à divulgação de resultados desactualizados usada para a conservação de
alimentos; num terceiro mo-
à nascença. mento, outra pessoa terá con-
cebido um modo de
comercializar a ideia sob a
Qualquer destas tendências apela claramente para a noção de tempo útil de forma de um armário estan-
pesquisa que se assume como condicionador importante da determinação que a que chamamos frigorí-
fico; finalmente dir-se-á que
do objecto de estudo e da metodologia a adoptar. Vejamos um simples o ciclo de vida terminou
exemplo: o limite de um ano para a apresentação de uma dissertação de quando se inventar um outro
sistema mais prático e barato
mestrado após a conclusão do programa académico obrigará provavelmente de conservar alimentos em
o mestrando que tinha um particular gosto em estudar a comunidade indiana nossas casas.

43
© Universidade Aberta
em Portugal a restringir o seu estudo à região de Lisboa e o seu foco de
análise a grupos praticantes de religião hinduísta.

Actividade 2.4

A este propósito leia o texto que se segue, e procure responder às


questões que se lhe anexam.

“Um efeito imediato do surgimento da sociedade de informação,


foi a aceleração do metabolismo social, em resultado da
compressão do tempo. Com efeito, se compararmos a diferença
temporal dos processos de comunicação tradicionais como o
correio, com o tempo decorrido entre a emissão e a recepção de
um fax ou de uma mensagem em suporte telemático, facilmente
nos aperceberemos deste fenómeno”. Carmo, Hermano (1996,
67-69)

• Em que medida sente que a sociedade de informação já entrou


na sua vida (no seu dia-a-dia profissional, no seu espaço
doméstico, etc)?

• Tem ideia de quanta informação teve de assimilar no último


mês?

Constituindo uma evidente dificuldade para quem enceta um processo de


investigação a variável Tempo, se respeitada, pode ser transformada em
oportunidade pela auto-disciplina a que obriga, podendo assumir-se como
um elemento de controlo de qualidade da investigação e como um acelerador
de resultados. Ao condicionar o investigador a alcançar um máximo de
resultados num mínimo de tempo, chama a atenção para o seu papel social e
para o seu sentido cívico que apela a que não desperdice recursos que não
são seus mas dos financiadores da pesquisa (contribuintes, mecenas, etc).

Uma boa maneira de começar a lidar com a questão do tempo é listar as


principais fases e tarefas de investigação, calcular quanto demorará cada
uma delas, como se articulam entre si (isto é, se a tarefa A antecede
necessariamente a tarefa B, sucede a ela ou podem ser desempenhadas
independentemente uma da outra) e encadeá-las de forma regressiva a
partir de um dado momento no futuro que constitui a data limite de

44
© Universidade Aberta
conclusão da pesquisa. As técnicas de programação, como o PERT e o
CPM13 há muito usadas pela gestão podem ser usadas com grande proveito 13
Cfr. por exemplo Belchior
nesta fase. (1970)

Actividade 2.5

Releia as actividades anteriores e registe as respostas às seguintes


perguntas (por esta ordem):

1. até que data tenho de apresentar a minha dissertação de


mestrado em formatação final ?

2. para atingir o objectivo anterior, até que data deverei submeter


a minha versão completamente redigida ao orientador?
(contar com tempo para ele ler, discutirem e fazer as emendas
finais)

3. para atingir o objectivo anterior, até que data deverei concluir


a análise dos dados? (contar com tempo para redigir totalmente
o texto do relatório de pesquisa)

4. para atingir o objectivo anterior, até que data deverei concluir


o tratamento dos dados?

5. para atingir o objectivo anterior, até que data deverei concluir


a recolha dos dados?

6. para atingir o objectivo anterior, até que data deverei concluir


o planeamento da pesquisa?

Provavelmente no momento em que terminou a sua actividade


nº 2.5 o leitor ficou algo desanimado, uma vez que pode ter chegado
à conclusão que não dispõe de tempo para empreender a pesquisa
que ambicionava (ex: a resposta à pergunta 6 situa-se no Passado).
Para resolver este problema, aliás muito frequente, recomendo-lhe
os seguintes procedimentos:

• não ignorar a questão; se o fizer apenas irá adiá-la;

• rever cuidadosamente a actividade 2.5 sem encurtar artifi-


cialmente o tempo estimado para cada uma das tarefas, mas
procurando observar se pode, no mesmo período de tempo,
desempenhar tarefas diferentes; por exemplo, será que a
redacção do relatório final tem de ser feita no fim? não poderá

45
© Universidade Aberta
acompanhar todo o processo de investigação através de um
registo em-formato-quase-final?

• se se mantiver a situação, ou seja se através desta previsão


regressiva de tempo necessário, chegar à conclusão que, para
atingir os objectivos que se propõe necessitaria de ter começado
a investigação anteriormente ao momento presente, recomendo-
-lhe o acto corajoso de aparar o objecto de estudo.

2. Elementos para o planeamento de uma investigação

Uma vez feita uma reflexão séria sobre a disponibilidade desses dois recursos
indispensáveis à pesquisa, a informação e o tempo, estamos em condições
de continuar a planear o trabalho que a integrará. Recorde-se que planear é
definir rumos e que sem se conhecer o rumo da pesquisa não se pode dizer
que ela venha a alcançar qualquer bom porto.

2.1. Investigar o quê? (Delimitar o objecto de estudo)

A primeira questão a definir é o que se quer investigar. Tomemos o exemplo


anteriormente referido: a primeira delimitação do objecto de estudo que havia
conduzido o mestrando a eliminar comunidades indianas residentes fora da
região de Lisboa e de religião católica e muçulmana (ismaelita) ainda não é
suficiente, uma vez que apenas identifica quem constitui o objecto de
observação, não nos diz ainda o que, onde e quando vai investigar.

Em Ciências Sociais a determinação do campo que se vai investigar não


deve ser feita ao acaso ainda que este desempenhe um papel importante.
Sugestivamente Raymond Quivy compara o processo de pesquisa nas
Ciências Sociais ao da prospecção petrolífera (Quivy, 1992: 13). Ninguém
de bom senso defende que se façam perfurações indiscriminadamente no
terreno: qualquer perfuração deve ser precedida de um estudo geológico
prévio. Do mesmo modo, mergulhar cegamente num processo de recolha de
dados sem delimitar minimamente o objecto de estudo resulta numa perda
de tempo e energias que reduzem naturalmente as condições objectivas para
uma pesquisa bem sucedida.

46
© Universidade Aberta
Na fase inicial da investigação, ainda de acordo com este autor, é
extremamente importante evitar três tipos de erros:

• a gula livresca ou estatística, que nos pode fazer afogar em sobre-


-informação;

• o desprezo pela disciplina que nos recomenda a prévia concepção


de hipóteses e/ou de questões-bússola que funcionem como
orientadoras da pesquisa, fazendo-a demorar mais e aumentando a
imprevisibilidade dos resultados;

• o gongorismo arrogante de quem considera que quanto mais


hermético for o discurso mais científico será, revelando, sob a capa
de pretensa erudição, uma deficiência de capacidade comunicativa
decorrente de frequente imaturidade cognitiva e afectiva.

Deste modo, é recomendável:

• a precoce constituição de um corpo de perguntas ou de um


conjunto de hipóteses que delimitem com progressiva clareza o
objecto de estudo, funcionando como referências para a posterior
definição dos rumos de investigação;

• a definição de uma estratégia de recolha de informação orientada


por tais perguntas e hipóteses ainda que deixando algum espaço ao
14
inesperado14; De acordo com Peter
Drucker, uma das figuras
mais importantes da Teoria e
• a preocupação, desde o primeiro minuto, com a definição rigorosa da Metodologia da Gestão, a
gestão do facto, do fracasso e
mas também clara das intenções da investigação traduzidas num do êxito inesperados, consti-
discurso simples. tui uma das principais fontes
de inovação.

A experiência aponta alguns critérios úteis para a definição do objecto de


estudo para além, naturalmente, da sua pertinência científica.

Um primeiro critério, que podemos identificar como critério da fami-


liaridade do objecto de estudo, mostra-nos que é vantajoso que o trabalho
a empreender se enraíze na experiência anterior do investigador.

Se este critério se desenha de forma natural em mestrados unidisciplinares


ou cuja estrutura curricular é uma extensão lógica ou uma especialização da
formação inicial, não emerge de forma tão evidente em programas de
pós-graduação interdisciplinares ou transversais. Neste caso é frequente
observar-se nalguns mestrandos, a tendência para quererem dar saltos
demasiado longos dos campos disciplinares onde mergulhava a sua formação
inicial para áreas recém descobertas na pós-graduação.

47
© Universidade Aberta
Frequentemente, a consequência de tal procedimento é a produção de estudos
sincréticos sem suporte teórico e metodológico suficiente. Querer fazer um
trabalho predominantemente sociológico, antropológico ou politológico,
abandonando uma formação original no domínio da linguística ou da
literatura, ou pelo contrário, pretender fazer um estudo no domínio da
linguística ou da literatura tendo uma formação inicial completamente
diferente, é desperdiçar capital cognitivo adquirido e arriscar-se a não ter
bons resultados nem num campo nem noutro.

A estratégia mais prudente, tendo em conta a interdisciplinaridade exigida


mas também a exiguidade do tempo disponível, parece decorrer do lança-
mento de pontes para áreas disciplinares menos familiares ao investigador a
partir daquela em que se sente melhor posicionado.

Um segundo critério, o da afectividade, recomenda que a selecção do campo


e do tema específico da investigação deva resultar de uma forte motivação
pessoal. Ninguém investiga bem um assunto de que não gosta. Contrariamente
ao que muitos não-investigadores poderão pensar, a investigação científica
tem muito de transpiração e bastante menos de inspiração.

Um terceiro critério, que podemos chamar o dos recursos, resulta, mais


prosaicamente da antevisão de facilidades na captura de meios necessários
à investigação imaginada. Perspectivas de acesso a boas fontes (documentais
ou vivas), a financiamentos mais abundantes ou a maiores possibilidades de
publicação, podem condicionar fortemente a pesquisa tanto na delimitação
do seu objecto como na definição das suas metas.

Actividade 2.6

Leia um livro que relate como nasceu e se desenvolveu um processo


de pesquisa. Tente sublinhar os critérios que determinaram a escolha
do objecto de estudo. Será vantajoso que desenvolva esta actividade
com outros colegas lendo diferentes obras e partilhando impressões.
A título de exemplo aponto-lhe os seguintes livros:
16
Apesar de se tratar de um
livro de ficção, esta obra ilus-
• Goodfield, June (s/d) Um mundo imaginado, Lisboa, Gradiva,
tra de forma bem documen- 1ª ed. de 1981
tada como se desenrolam cer-
tas investigações antropológi- • Benedict, Ruth (1972) O crisântemo e a espada, S. Paulo,
cas no terreno, desmistifi- Editora Perspectiva, (1º capítulo apenas)
cando de forma notável a fi-
gura do cientista e proble- • Silva, Agostinho da (1989) Vida de Pasteur, Lisboa, Ulmeiro
matizando brilhantemente a
questão da relação entre in- • Wallace, Irving (s/d), As três sereias16, Lisboa, Portugália
vestigador e objecto de estu-
do.
Editora

48
© Universidade Aberta
2.2. Definir o objectivo da pesquisa

Uma vez delimitado o objecto de estudo, há que definir claramente que


meta ou metas quer o investigador alcançar. Pretende-se fazer um
levantamento de dada situação num campo ainda pouco estudado a fim
de vir a levantar hipóteses de investigação futura? Tem-se em vista retratar
uma realidade social determinada com intuitos essencialmente descritivos
a fim de entender a estrutura e a dinâmica dessa realidade? O objectivo é
verificar uma dada hipótese? De acordo com as opções feitas quanto aos
objectivos, Selttiz, Jahoda, Deutch e Cook (1967) classificam os estudos
em três tipos:

• estudos exploratórios cujo objectivo é, como o nome indica, pro-


ceder ao reconhecimento de uma dada realidade pouco ou deficien-
temente estudada e levantar hipóteses de entendimento dessa
realidade;

• estudos sociográficos ou descritivos, em que a intenção é descrever


rigorosa e claramente um dado objecto de estudo na sua estrutura e
no seu funcionamento16; 16
Situam-se neste tipo os es-
tudos de natureza mono-
gráfica.
• estudos verificadores de hipóteses causais, que partem de hipóteses
para a sua verificação.

É importante denunciar o preconceito frequente de quem menos fami-


liarizado com a Metodologia das Ciências Sociais tende a considerar
apenas como científicos os estudos verificadores de hipóteses causais,
desprezando os outros dois tipos. Este preconceito, provavelmente
decorrente de uma atitude seguidista face ao modo de abordar a realidade
habitual em ciências com forte componente experimental, ignora que sem
trabalhos pioneiros de índole exploratória e sem estudos prévios de
natureza sociográfica, os estudos verificadores de hipóteses não passariam
de meras especulações doutrinárias.

Um exemplo disto é o que se passou na História da Antropologia: para que a


teoria antropológica amadurecesse foi preciso que muitos estudos de natureza
etnográfica fossem realizados por missionários, viajantes administradores
coloniais e também, naturalmente, antropólogos. Em resumo, são os estudos
de natureza exploratória e sociográfica que criam terreno propício à reali-
zação de trabalhos de verificação de hipóteses pela massa crítica de
informação que coligem. Os três tipos de trabalho têm pois igual estatuto de
cientificidade.

49
© Universidade Aberta
Actividade 2.7

Observe os três objectivos seguintes:

a) Verificar a seguinte afirmação: o comportamento intolerante dos


skinheads resulta mais da socialização familiar, do que de grupos
de pares ou da TV

b) Identificar hipóteses de explicação para o sucesso escolar das


crianças de minoria chinesa em Portugal

c) Descrever as estratégias de integração social dos jovens activistas


timorenses após chegarem a Portugal via embaixadas de países
amigos.

Classifique estes três objectivos de acordo com a tipologia de


Selltiz.

Em meia página tente identificar o objectivo que quer atingir na


sua dissertação. Identifique-o de acordo com a tipologia referida.
Operacionalize-o sob a forma de uma intenção (exemplos B e
C), de uma hipótese (exemplo A) ou de uma interrogação (o
exemplo B podia ser formulado do seguinte modo: que razões
explicam que, em Portugal, as crianças de minoria chinesa tenham
melhor aproveitamento escolar que as da maioria de origem
europeia?).

Seguidamente, desmultiplique esse objectivo geral em metas cada


vez mais concretas.

2.3. Programar a pesquisa

Uma vez definido o objectivo ou objectivos da investigação há que


desmultiplicá-lo(s) até à sua concretização em tarefas precisas, bem definidas,
articuladas e calendarizadas. Vejamos algumas questões a responder nesta
17
Cada questão deve ser fase17:
operacionalizada desmul-
tiplicando as perguntas de
acordo com a clássica propos- • em função da árvore de objectivos definida e operacionalizada em
ta de Lasswell: o quê, quan- variáveis e indicadores, que técnicas de recolha de dados vou utilizar:
do, onde, quanto, como e
porquê. pesquisa documental, observação, inquérito por entrevista ou por
questionário, escalas de atitudes?

50
© Universidade Aberta
FIGURA 2.1 - CRONOGRAMA DE UMA PESQUISA (CARMO, 1995)

• que modelo de análise utilisarei e com que elementos?

• como tenciono tratar e interpretar os dados: que estratégia adoptar,


sobretudo quantitativa ou qualitativa?
Maturação Teórica

Proposta Inicial

Aprovação pelo C.Científico

Estudo Exploratório

1º Trabalho de Campo (Galiza)


© Universidade Aberta

2º Trabalho de Campo (Extremadura)

3º Trabalho de Campo (Madrid)

Trabalho de Campo U.A.

Redacção

Fim da 1ª Versão

(...) N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F

1972/90 1991 1992 1993 1994

Preparação

Realização
51
• que estratégia vou usar para difundir os meus resultados? apenas o
discurso scripto? usarei gráficos? tabelas? diagramas? audiovisuais?
software educativo? de que tipo?

• como situar cada uma das tarefas no tempo?

Actividade 2.8

Elabore um resumo de programa de trabalho para a sua dissertação,


de acordo com os tópicos acima indicados

Esboce o cronograma correspondente (Cfr. a figura 2.1. que


apresenta um exemplo de cronograma possível)

2.4. Identificar e articular os recursos necessários

Seguidamente há que identificar e articular os recursos necessários ao suporte


da investigação. Contrariamente ao que se possa pensar a tarefa de identificar
recursos exige bastante imaginação. Como refere Drucker (1986) um recurso
é algo para que descobrimos uma dada utilidade. O petróleo, antes de ser
percepcionado como um recurso indispensável à economia mundial, foi
considerado um líquido peganhento e mal-cheiroso que estragava a
agricultura. Muitas plantas medicinais foram mondadas como ervas daninhas
antes de serem identificadas como recursos. Os velhos, nas sociedades
18
Um mero exemplo industriais, são olhados por certas comunidades como problemas, enquanto
ilustrativo: uma das difi-
culdades com que o autor des-
outras os consideram e utilizam como recurso para a sua coesão e
te texto se debateu quando desenvolvimento.
estava a redigir a dissertação
de doutoramento, foi a falta
de um escritório em sua casa,
Quando se planeia uma investigação, há que saber identificar os recursos
onde pudesse trabalhar sem necessários à sua concretização inventando soluções para as necessida-
interrupções. O problema foi
resolvido com a compra de
des que se antevêm18. Vejamos resumidamente alguns aspectos a não
uns auscultadores. Quando esquecer:
necessário, o autor criava o
seu escritório virtual ligando
a aparelhagem e ouvindo
• Instalações
música enquanto trabalhava,
isolado da realidade domés- – onde se vai realizar a pesquisa? em casa? na Universidade? em
tica que o rodeava sem inco-
modar os outros elementos do
laboratório? em meio natural?
agregado familiar e sem por
eles ser interrompido. – que instalações serão necessárias à realização do trabalho?

52
© Universidade Aberta
• Equipamentos

– que tipo de hardware vou necessitar para o meu estudo


(computador - com que capacidade de disco, com que memória
RAM - impressora, scanner, modem, telefone, gravador de video
ou de audio, câmara fotográfica ou de video - com que
características)?

– que tipo de software será preciso (processamento de texto, folha


de cálculo, base de dados, gráfico, estatístico, para
telecomunicações, etc)?

• Apoio financeiro

– que patrocínios será possível obter para este tipo de estudo?

– que bolsas?

• Apoio logístico

– expediente (cartas, recados, fax, arquivo)

– apoio administrativo (fotocópias, contabilidade)

• Apoio documentalístico

– bibliotecas, centros de documentação e arquivos

– documentalistas

• Orientação científica

– quem quero convidar para orientador(a)?

– que tipo de orientação pretendo? mais ou menos directiva? mais


centrada nos conteúdos ou na metodologia da investigação?

3. Ferramentas metacognitivas para investigação

No início deste capítulo, salientou-se que o investigador deve ter uma atitude
adequada ao trabalho a realizar, caracterizada por ser competitiva consigo
(de permanente busca de aperfeiçoamento, característica dos recordistas) e
cooperante com os outros. Dissemos também que tal atitude exige uma
curiosidade insaciável e uma forte motivação para a aprendizagem. Esta última
característica merece ser sublinhada: com efeito, o investigador deve

53
© Universidade Aberta
19
Na fase final da investiga- assumir-se, antes de mais, como um aprendente do Mundo e da Vida19. Se
ção, em que irá partilhar o que
aprendeu com a comunidade assim é, então é fundamental que o investigador ganhe competências de
científica, terá de assumir-se aprendizagem, isto é, aprenda a aprender cada vez melhor.
como seu ensinante, devendo
para isso, adquirir competên-
cias de comunicação, como É neste contexto que se perfilam algumas propostas de ferramentas
será referido na unidade rela- metacognitivas cujo objectivo é, justamente, ajudar o investigador a gerir
tiva ao relatório de pesquisa.
melhor a informação e transformá-la em conhecimento20.
20
De acordo com Dinis, J., De entre elas vamos seguidamente e de modo abreviado21, fazer referência
2005, Guerra da informa-
ção - perspectivas de segu- aos mapas conceptuais e a outros diagramas estruturadores cognitivos22, de
rança e competitividade, entre os quais salientaremos o Vê heurístico, epistemológico ou de Gowin.
Lisboa, Sílabo, pp 23-25, «os
conceitos de dados, informa-
ção, conhecimento e saber
são pedras basilares que ca-
racterizam o funcionamento
da sociedade de informação.
Dados são conjuntos de ele-
3.1 Os mapas conceptuais
mentos discretos, não organi-
zados, compostos por núme-
ros, palavras, sons ou imagens O que é um mapa conceptual?
independentes, e que podem
ser facilmente estruturados. Um mapa conceptual é uma ferramenta de representação do conhecimento
(...) Informação é um con-
junto de dados organizados, (Novak, 2000) que assume a forma de um diagrama bidimensional que procura
padronizados, agrupados e/ou mostrar conceitos hierarquicamente organizados e as relações entre esses
categorizados que dizem res-
peito a uma descrição, defi- conceitos num dado campo de conhecimento (Moreira e Buchweitz, 1993:15).
nição ou perspectiva.(...) Co- Este tipo de diagrama deve-se a Joseph Novak, psicólogo educacional da
nhecimento é informação as-
sociada a uma experiência, corrente construtivista (Universidade de Cornell, EUA), que defende uma
que compreende uma estraté- aprendizagem de qualidade decorrente da aquisição de conceitos claros e
gia, uma prática, um método
ou uma abordagem. (...) Sa- rigorosos, ancorados nos conhecimentos prévios do aprendente.
ber ou sabedoria exprime um
princípio, discernimento, cos-
tume ou arquétipo, correspon- Passos para a elaboração de um mapa conceptual
dendo a uma dada competên-
cia». É neste quadro semân- Para a sua elaboração são recomendados os seguintes passos Buchweitz,
tico que se afirma que o in-
vestigador tem de transformar 1984, cit. in Buchweitz e Moreira, 1993:29):
informação em conhecimen-
to (negrito nosso). 1. Localizam-se os conceitos
21
Para um estudo aprofun-
dado desta matéria veja-se na 2. Catalogam-se os conceitos segundo uma ordem hierárquica (dos mais
bibliografia, Novak e Gowin gerais para os mais específicos)
(1996), Moreira e Buchweitz
(1993) e Novak (2000).
3. Distribuem-se os conceitos em duas dimensões
22
Chamamos estruturadores 4. Traçam-se as linhas que indicam as relações entre os conceitos
cognitivos aos diagramas que
permitem uma melhor
estruturação da informação
5. Escreve-se a natureza da relação
possibilitando a sua transfor-
mação em conhecimento. 6. Procede-se à revisão e refaz-se o mapa

7. Prepara-se o mapa final.

54
© Universidade Aberta
Um aspecto importante é que um mapa conceptual deve ser sempre encarado
não como uma representação definitiva de um dado campo de conhecimentos
(o mapa conceptual), mas como uma representação possível de um
conhecimento, sempre susceptível de ser aperfeiçoada. O termo mapa,
pretende justamente salientar a natureza instrumental e orientadora do
diagrama.

Melhor do que uma longa dissertação sobre as virtualidades dos mapas


conceptuais, será apresentar alguns exemplos significativos devidamente
comentados, e propor-lhe, seguidamente, que experimente elaborar um.

Nesse sentido, vejamos alguns exemplos de mapas conceptuais, concebidos


com o intuito de clarificar conceitos complexos (exemplo: exclusão social),
desempacotar um conhecimento complexo (Por exemplo: uma conferência)
e conceber um campo semântico (exemplo: educação para a cidadania e
um dos seus módulos, a educação da personalidade).

Importa salientar que nem sempre o autor deste texto seguiu à risca as
comendações de Novak para construir os mapas conceptuais, uma vez que
considera que estes não devem ser entendidos como espartilhos mas como 23
Por imperativo editorial, os
bússolas para organizar melhor o conhecimento23. exemplos que se seguem, são
a versão a preto e branco dos
originais, muitos dos quais
desenhados a cores para faci-
litar a compreensão.
Clarificar conceitos

Com o propósito de clarificar a diferença entre os conceitos de pobreza e de


exclusão social, num trabalho recente (vide fonte) construiu-se um mapa
conceptual a partir de uma investigação publicada por uma equipa brasileira
em 2004, que propôs a criação de um índice de exclusão social a partir de 24
Pochmann, Marcio et al,
diversos índices disponíveis nas Nações Unidas24 (Fig. 2.2). (organ.), 2004, A exclusão no
mundo: Atlas de exclusão
social, S. Paulo, Cortez.
Como se observa no mapa, o conceito de exclusão social, de acordo com
aqueles autores, envolve a ideia de uma situação sem qualidade de vida (vida
digna), experimentada por um dado agregado social com baixos índices de
qualificações (conhecimento) e elevados problemas de segurança
(vulnerabilidade).

Para objectivar a primeira dimensão, os autores recorreram aos índices de


pobreza, desemprego e desigualdade. Para a segunda, os índices de
alfabetização de adultos e a taxa de escolarização superior. Para a terceira, os
índices de população infantil e de violência.

Para além de clarificar os conceitos que integram o campo semântico do


conceito de exclusão social, o mapa mostra que o conceito de exclusão social
é mais abrangente que o de pobreza.

55
© Universidade Aberta
Exclusão Social

Vida digna Conhecimento Vulnerabilidade

Pobreza Desemprego Desigualdade Alfabetização Escolarização População Violência


superior infantil

% de popilação Rend. do 10% + ricos/ % > 15 anos % de população % de população N.º de homicídios
c/ rend. < 2US$dol/dia rend. dos 10% + pobres alfabetizados activa com < 15 anos por 100 mil habitantes
formação superior
% de desempregados
na população activa

Fonte: Carmo, 2005, O combate à pobreza como afirmação dos Direitos Humanos, Conferências
Abertas, Coimbra, inédito.

Figura 2.2 – Elementos integrantes do conceito de exclusão social

Para além dessa primeira leitura estimular a formulação de diversas hipóteses,


relacionando cada uma das outras variáveis (desigualdade, alfabetização, ...)
com o conceito de pobreza, permite a análise crítica do conceito (por exemplo:
será que em vez da simples percentagem de população inferior a quinze anos
no total da população, não valeria a pena incluir também a população com
idade superior a 65 anos? Se assim fosse, o índice respectivo teria de ser
substituído pelo índice de dependência, robustecendo o índice agregado de
exclusão social).
Observa-se, deste modo que, a construção do mapa conceptual, estimula a
imaginação sociológica do investigador, permitindo-lhe uma multiplicidade
de olhares que o ajudam a construir outras hipóteses e sugerir teorias.

Desempacotar um conhecimento complexo


Outra utilidade dos mapas conceptuais é desempacotar conhecimentos, na feliz
expressão de Gowin (Buchweitz e Moreira, 1993:90), documentados sob
diversas formas, isto é, permitir a análise mais clara e rigorosa de documentos
de diversa natureza. É o caso da conferência intitulada Trópicos da Europa,
de Adriano Moreira, cujo mapa conceptual se apresenta na figura 2.3.
A construção do mapa, permitiu, antes de mais, clarificar o texto que é
extremamente denso, permitindo salientar as linhas mestras do pensamento
do autor, os conceitos que seleccionou para pintar um fresco notável sobre a
problemática da imigração na Europa do século XXI, sobre as políticas
públicas em competição para fazer face a este problema social de
desorganização social e de anomia e sobre os riscos que se perfilam,
contextualizados numa sociedade desequilibrada por aquilo que chama
teologia de mercado.

56
© Universidade Aberta
Adriano Moreira começa por recordar em breves traços a História Mundial
recente, a partir dos processos de colonização (simbolizada pela expressão
Europa nos trópicos) e de descolonização. Seguidamente, refere-se à
sociedade cosmopolita, querendo com isto chamar a atenção para o processo
de globalização e para alguns dos seus desequilíbrios observáveis,
nomeadamente, na situação dos imigrantes (Trópicos na Europa) registando-se
a emergência de graves problemas sociais como o das colónias interiores e o
do renascimento de mitos raciais.

Colonização

Agressores dos tempos modernos

Lusotropicalismo Iberotropicalismo Eurotropicalismo

Descolonização

Teologia de Dependência Política Poder


mercado migratória securitária errático

Trópicos na Europa Terrorismo

Sociedade cosmopolita

Colónias interiores Mitos raciais

Papel da Universidade

Conceptualizar Interpretar Assumir-se como


macrotendências incidentes críticos instrumento de coesão
e de orientação

Fonte: Moreira, Adriano, 2002, Os trópicos da Europa, Lisboa, Academia Internacional da Cultura Portuguesa

Figura 2.3 – Desconstrução da conferência Trópicos da Europa.

Termina, defendendo a necessidade de atribuir à Universidade o papel de


conceptualizar macrotendências, de interpretar incidentes críticos e de se
assumir como instrumento político de coesão e de orientação social.

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Conceber um campo semântico

Para além de excelentes instrumentos que facilitam o desempacotamento de


conhecimentos, os mapas conceptuais também servem para os empacotar.
Dito de outra forma, sempre que o investigador precisa conceber um conjunto
de conceitos articulados entre si, a fim de escrever relatórios de pesquisa,
artigos ou ensaios, fazer conferências ou comunicações, ou ainda organizar
materiais educativos de diversa ordem para difundir a sua investigação pela
comunidade académica, pode recorrer com proveito à construção de mapas
conceptuais.

Os exemplos que se seguem resultam de um esforço deste tipo. No primeiro


(figura 2.4.), procurou-se integrar diversos conceitos com que temos vindo a
trabalhar nos últimos anos, em matéria de teoria da educação para a
cidadania. No segundo, (figura 2.5), elaborou-se um mapa conceptual a partir
de um subsistema do primeiro, a educação da personalidade.

Educação para a cidadania


integra

Desenvolvimento pessoal Desenvolvimento social

Autonomia Solidariedade Diversidade Democracia

Personalidade Liderança Património Gerações Ambiente Mudança Pluralismo Igualdade Como Como
(gerações vivas (gerações cultural de género meta método
passadas) (presentes) futuras)

Ver MC 11 Ver MC 12 Ver MC 13 Ver MC 14 Ver MC 15

Figura 2.4 – Vertentes da educação para a cidadania (1º nível)

Este mapa conceptual sugere, em primeiro lugar, que a educação para a


cidadania integra duas dimensões incontornáveis: a educação para o
25
Sugerindo que uma educa- desenvolvimento pessoal25, e para o desenvolvimento social.
ção para a cidadania exige
que o educando, antes de O desenvolvimento pessoal, abrange a educação para a autonomia e para a
mais, seja educado como pes-
soa singular em construção. solidariedade. Para que um indivíduo venha a ser um ser autónomo, é
necessário ser sujeito a um processo educativo que estimule a construção de
uma personalidade rica e que possibilite dotá-lo de competências de
liderança sobre o seu destino. Para ser solidário, terá de ganhar competências

58
© Universidade Aberta
sociais de solidariedade com as gerações passadas presentes e futuras. É
nesse contexto que se insere a educação para a defesa do património e para
educação ambiental.
O desenvolvimento social, integra a educação para a diversidade, uma das
características estruturantes da nossa época, e a educação para a democracia,
o melhor sistema que se conhece. Para se situar nesta sociedade heterogénea,
o indivíduo necessita de ganhar competências para encarar a mudança, o
pluralismo cultural e, em particular, a nova distribuição de papéis e de
estatutos em função do género. Para poder compreender a democracia e
assumir-se como um cidadão activo, terá de aprender as características da
democracia (a democracia como meta) e o modo de agir numa sociedade
democrática (a democracia como método).

Na base deste mapa conceptual (MC), estão assinaladas várias remissões


para outros MCs, que objectivam alguns conceitos deste (um mapa a outra
escala).

Ilustremos com um exemplo apenas: a educação da personalidade, que remete


para o MC11 que aqui se reproduz (figura 2.5).

Educação da personalidade

Conjunto de traços
Que moldam
o
Carácter (identidade)

da da da
do
da
da
grupo organização região nação espécie humana

pessoa

integra integra
traços cognitivo-emocionais traços éticos
Cfr Gardner, 1995 e Goleman, 1995 integra Cfr Dalailama, 2000
integra

1. Linguísticos 5. Cinestésica-corporais 9. Inibidores de solidariedade 10. Promotores de


2. Lógico-matemáticos 6. Naturalistas ou biológicos (ódio, impaciência, intolerância, solidariedade (amor,
3. Espaciais 7. Intra-pessoais rancor, soberba e afins ⇒ ética de paciência, tolerância,
4. Musicais 8. Inter-pessoais refreamento: disciplina interior perdão, huimildade e afins

Fonte: Carmo, 2004, Educar para a identidade nacional, numa economia solidária e numa cultura de paz, in
Educação da juventude: carácter, liderança e cidadania, "Nação e Defesa" (Número Extra Série, Julho de
2004) Lisboa, Instituto de Defesa Nacional

Figura 2.5 – Vertentes da educação para a cidadania (MC11 - 2º nível)

59
© Universidade Aberta
A leitura deste mapa sugere que

• a personalidade é a resultante de uma série de traços que moldam a


identidade de uma dada pessoa.

• ao longo do processo de socialização existe um conjunto de


constrangimentos que vão influenciar a construção da personalidade,
nomeadamente os grupos e organizações a que pertença, as regiões e
países a que pertença e onde tenha estado e, naturalmente a consciência
que tem (ou não) de pertencer a uma família comum, a espécie
humana.

• Os traços que integram a personalidade são vários, desenhando em


cada pessoa um perfil único, decorrente do maior ou menor
desenvolvimento de cada um deles. Para a sua enunciação recorreu-se
à teoria das inteligências múltiplas de Gardner, ao conceito de
inteligência emocional de Goleman e à concepção das dimensões
éticas do Dalailama.
Um MC deste tipo, tanto pode ser usado como grelha de análise sobre o
modo como um dado agregado (família, escola, comunidade, país) educa a
personalidade dos seus mais jovens, como de estrutura base para desenhar
intervenções com esse objectivo.

3.2 Outros diagramas estruturadores cognitivos

Para além dos mapas conceptuais existem muitos outros instrumentos


metacognitivos que permitem ao investigador, de um modo claro e sintético,
exprimir, partilhar e desenvolver o seu pensamento sobre um dado campo de
conhecimentos.
A título de exemplo vejamos dois, um sob a forma de um diagrama sistémico
que permite analisar o conceito de intervenção social e descrever alguns
dos seus principais tipos e dimensões (figura 2.6), o outro que representa os
vários passos do seu processo (figura 2.7).

60
© Universidade Aberta
Níveis de complexidade
da intervenção social

Sistema interventor Interacção Sistema cliente Contexto

Pessoa - Cuidados e serviços de proximidade Pessoa Micro:


Grupo (intervenção tendencialmente Grupo Inter-pessoal
personalizada) Grupal
Profissões cuidadoras: trabalho/serviço
Organização social, educação ou pedagogia social, Organização Meso:
Parceria psicologia comunitária, animação Comunidade Organizacional
Comunidade sócio-cultural medicina, enfermagem...
(óptica predominantemente micro
e meso))
- Observatório social (diagnóstico de
recursos e necessidades sociais)
- Laboratório social (experimentação
de práticas e de políticas inovadoras)

Administração Pública - Política Social: Administração Pública Macro:


(intervenção tendencialmente geral, Comunitário
Estado abstracta e tipificada, com uma óptica Estado Metropolitano
predominante de nível meso e macro) Regional
Nacional
Entidade supra-estatal Entidade supra-estatal
Internacional
Traduz-se numa estratégia de coesão social Global
orientada para a defesa dos direitos humanos
e para o desenvolvimento, concretizada em
políticas públicas de educação e formação,
segurança social e familiar, saúde, habitação
social, ambiente, cultura e desenvolvimento
económico...

Recurso Processo de ajuda Necessidades sociais

Fonte: Carmo, 2008, O rasto do PETI, Lisboa, MTSS


Figura 2.6 – Dimensões da intervenção social

A figura 2.6 procura sintetizar os diversos níveis de complexidade da


intervenção social, partindo do seu conceito operacional:

• qualquer processo social em que uma dada pessoa, grupo,


organização, comunidade ou rede social - a que chamaremos
sistema-interventor – se assume como recurso social de outra pessoa,
grupo, organização, comunidade ou rede social – a que chamaremos
sistema-cliente – com ele interagindo através de um sistema de
comunicações diversificadas, com o objectivo de o ajudar a suprir
um conjunto de necessidades sociais, potenciando estímulos e
combatendo obstáculos à mudança pretendida (Carmo, 2000: 61)

Para isso, distinguem-se claramente dois níveis de intervenção social:

• no primeiro nível, situado num plano interpessoal, grupal ou


organizacional (nível micro e meso), situam-se três tipos de
intervenção social: os cuidados de proximidade, as actividades de
observatório social e as de laboratório social;

61
© Universidade Aberta
• no segundo nível, situado no plano sócio-político, identificam-se
diversas políticas sociais, na óptica das políticas públicas e das
políticas dos parceiros sociais.

O equacionar deste modo o conceito, permite diferenciar os níveis (e os tipos)


complementares da intervenção social, sugerindo uma estrutura analítica que
possibilita analisar programas de intervenção social e estruturas curriculares
de formação dos profissionais deste domínio, sem confundir planos de
actuação.

Como foi referido há pouco, a figura 2.7 representa qualquer processo de


intervenção social seja qual for o seu nível de complexidade ou tipo, sob a
forma de um fluxograma:

Identificação
do problema

Paradigma de
Há Sim Análise do intervenção
consenso?
problema de Peter Ketner
Não

Definição de
Não Há Sim objectivos,
consenso?
programas
e acções

Não

Implementação e Sim Há
seguimento das contrato?
normas do contrato

Não

Não Sim
Programas Objectivos
cumpridos? alcançados?
Sim

Avaliação

Encerramento

Fonte: Carmo, 2001: 73

Figura 2.7 - Um exemplo de fluxograma

62
© Universidade Aberta
Em Metodologia e ideologia do trabalho social, (1982) Vicente de Paula
Faleiros refere um sugestivo paradigma de intervenção proposto por Peter
Ketner (...) Para a análise do fluxograma chama-se a atenção para os
seguintes aspectos:

• a distinção que se deve observar, ao longo de todo o conjunto de


procedimentos que integram o processo de intervenção social, entre
tarefas que implicam acções (rectângulos) e tarefas que implicam
decisões (losangos);

• uma coerência lógica de procedimentos, iniciados com a


identificação e análise do problema, seguidos da definição de
objectivos, programas e acções, e da sua implementação e avaliação;

• a necessidade de cada procedimento só ter início depois de verificado


se os procedimentos anteriores foram realizados (setas sim/não) o
que obriga a uma coerência cronológica;

• a necessidade da obtenção de consensos adequados entre


sistema-cliente e sistema-interventor sobre a identificação e a análise
do problema, o que implica a participação do primeiro desde o início
do processo, evitando uma relação paternalista/infantilizadora entre
ambos mesmo na fase de estudo e diagnóstico da situação-problema;

• a ideia de contrato psicológico entre os protagonistas da intervenção


social, com a explicitação do papel que cabe a cada um no decorrer
do processo(Carmo, 2000:72).

3.3 O Vê heurístico, epistemológico ou de Gowin

De acordo com Buchweiz e Moreira (1993:87), Gowin (1981), vê a


investigação científica como uma maneira de gerar estruturas de significados,
ou seja, de estabelecer ligações entre conceitos, eventos e factos.

(...) Os conceitos são definidos (...) como signos/símbolos que apontam


regularidades em eventos e que utilizamos para pensar, pesquisar, aprender,
enfim para dar respostas rotineiras e estáveis ao fluxo de eventos. Os
sistemas conceptuais são conjuntos de conceitos logicamente ligados,
geralmente permitindo um padrão de raciocínio ao relacionar uns conceitos
com os outros. Os princípios e teorias podem ser interpretados como
sistemas conceptuais mais abrangentes (Buchweiz e Moreira, 1993:87).

Com base nestes pressupostos, Gowin concebeu um esquema a que chamou


Vê heurístico ou epistemológico, também conhecido na comunidade científica
por Vê de Gowin, que pretende representar qualquer campo de conhecimentos.

63
© Universidade Aberta
De acordo com este autor, um campo de conhecimentos integra dois domínios
específicos: o domínio conceptual - filosofia(s), teoria(s), princípios, sistemas
conceptuais e conceitos - e domínio metodológico - registos, dados,
transformações, asserções de conhecimento e de valor. Para além disso,
qualquer campo de conhecimentos procura responder a um conjunto de
questões básicas sobre um dado objecto ou evento.

Com base nesta proposta, e procurando-a aplicar ao tema deste capítulo, o


projecto de investigação, observe-se a figura 2.8, que representa sob a forma
de um Vê de Gowin as peças fundamentais de qualquer projecto:

Planeamento e avaliação de projectos de investigação


Domínio Conceptual Domínio metodológico

Concepções do Mundo Questão-Chave: Juizos de valor:


e da Vida: Definir com clareza e rigor Identificar o valor acrescentado
Identificar e discutir as uma ou várias perguntas que da pesquisa que se antevê, para
concepções do Mundo e da identifiquem o objectivo o desenvolvimento da teoria, da
Vida (crenças, esterótipos, da pesquisa metodologia e/ou da prática
preconceitos) do investigador
que possam afectar a investigação
Dialéctica
Teorias: Juizos cognitivos (resultados):
Identificar as teorias que vão Identificar os resultados que se
fundamentar a investigação. esperam obter sob a forma de questões
Fazer revisão da literatura sobre respondidas, hipóteses levantadas,
o assunto caracterizações feitas, hipóteses
verificadas
Modelos:
Caracterizar os modelos de
Transformações:
Definir estratégias de recolha, tratamento
observação ou de análise que
e interpretação de dados
eventualmente irão ser adoptados
- Estratégias de recolha de dados (tipo
de amostra, pesquisa documental,
observação, inquéritos por entrevista
ou por questionário, etc.)
- Estratégias de tratamento de dados
(tabulações, gráficos, diagramas, testes
estatísticos, etc.)
- Estratégias de análise de dados (análise
quantitativa e/ou qualitativa)

Conceitos: Registos:
Identificar os principais conceitos a Conceber instrumentos de registo de
utilizar, relacioná-los e hierarquizá-los informação
sob a forma de um mapa conceptual Fichas bibliográficas e de leitura,
roteiros de observação, guias de entrevista,
Note bem: após a realização das questionários, etc
10 tarefas, deverá testar a coerência
do projecto relacionando cada Objecto de estudo:
uma com todas as outras Identificar um objecto de estudo observável,
coerente com os recursos disponíveis HC, 97 (versão 1.4)
(tempo, informação disponível; recursos
materiais, humanos, financeiros, etc.)

Cfr. Novak, Joseph; Gowin, Bob, 1996, Aprender a aprender, Lisboa Plátano, 1.ª ed. de 1984 ou Moreira, M.
A.; Buchweitz, B., 1993, Novas estratégias de ensino e aprendizagem: os mapas conceptuais e o Vê
epistemológico, Lisboa, Plátano; Novak, Joseph, 2000, Aprender, criar e utilizar o conhecimento - mapas
conceptuais como ferramentas de facilitação nas escolas e empresas, Lisboa, Plátano.

Figura 2.8 - Aplicação de um Vê ao projecto de investigação

64
© Universidade Aberta
• Objecto de estudo: antes de mais dissemos que o investigador deve
identificar um objecto de estudo observável, coerente com os recursos
disponíveis (tempo, informação disponível, recursos materiais,
humanos, financeiros, etc.).

• Questão chave: seguidamente, há que definir com clareza e rigor


uma ou várias perguntas que identifiquem o objectivo da pesquisa (a
meta a alcançar).

• Concepções do Mundo e da Vida: Identificar e discutir as concepções


do Mundo e da Vida (crenças, estereótipos, preconceitos) do
investigador que possam afectar a investigação.

• Teorias: Identificar as teorias que vão fundamentar a investigação.


Fazer revisão da literatura sobre o assunto.

• Modelos: Caracterizar os modelos de observação ou de análise que


eventualmente irão ser adoptados.

• Conceitos: Identificar os principais conceitos a utilizar, relacioná-


los e hierarquizá-los sob a forma de um mapa conceptual.

• Registos: Conceber instrumentos de registo de informação. Fichas


bibliográficas e de leitura, roteiros de observação, guias de entrevista,
questionários, etc.

• Transformações: Definir estratégias de recolha, tratamento e


interpretação de dados.

- Estratégias de recolha de dados (tipo de amostra, pesquisa


documental, observação, inquéritos por entrevista ou por
questionário, etc.)

- Estratégias de tratamento de dados (tabulações, gráficos,


diagramas, testes estatísticos, etc.)

- Estratégias de análise de dados (análise quantitativa e/ou


qualitativa).

• Resultados: Identificar os resultados se espera obter sob a forma de


questões respondidas, hipóteses levantadas, caracterizações feitas,
hipóteses verificadas.

• Valor acrescentado: Identificar o valor acrescentado da pesquisa que


se antevê, para o desenvolvimento da teoria, da metodologia e/ou da
prática.

65
© Universidade Aberta
Conforme é referido no Vê, após a realização das dez tarefas, o investigador
deverá testar a coerência do projecto relacionando cada uma com todas as
outras (por exemplo: será que os resultados que se pretendem obter, têm a
ver com a pergunta de partida, com as teorias, modelos e conceitos
explicitados no projecto? As opções de recolha, tratamento e análise de dados
são consistentes com os resultados que pretendem obter?)

Actividade 2.9

Procure esboçar o seu projecto de investigação através de um Vê


de Gowin.

Faça seguidamente uma lista dos conceitos principais de que se irá


socorrer e elabore um mapa conceptual procurando articulá-los.

Síntese

Neste capítulo procuraram equacionar-se alguns aspectos relevantes do


planeamento de uma investigação. Em particular, discutiram-se as questões
da selecção da informação e da gestão do tempo, da delimitação do objecto,
da definição dos objectivos, da programação e da organização da pesquisa.

Teste formativo

1. Que atitudes apriorísticas há que evitar quando se inicia uma


dissertação?

2. Que significa defender-se que o investigador deve interiorizar uma


atitude de recordista de alta competição?

3. Que vantagens práticas existem da assunção de uma atitude genuína


de curiosidade e de humildade intelectual?

66
© Universidade Aberta
4. Comente a célebre frase de Kurt Lewin, um dos fundadores da
psicossociologia, não há nada mais prático do que uma boa teoria.

5. Em seu entender que lhe parece ser a atitude mais eficaz para a
investigação: a competitiva ou a cooperativa? Justifique.

6. Em que consiste a obsessão pelo mais recente? qual o seu erro?

7. Em que consiste a obsessão pelo quantitativo? qual a sua limitação?

8. Em que consiste a obsessão pelo qualitativo? qual o perigo em que


incorre?

9. O que é o nevoeiro informacional?

10. Que elementos o integram como filtros de informação? Caracterize-


-os.

11. Que efeitos práticos tem o nevoeiro sobre as estratégias do inves-


tigador?

12. Porque é que o tempo é uma variável estratégica da investigação?


Indique três razões.

13. Que perguntas deve o investigador fazer na fase de planeamento?

14. Enuncie os três erros frequentes que ocorrem no início de uma


investigação de acordo com Raymond Quivy e os correspondentes
modos de os evitar.

15. Refira três critérios considerados importantes para a definição do


objecto de estudo, para além da pertinência científica.

16. Que tipo de estudos conhece em Ciências Sociais? Distinga-os uns


dos outros.

17. O que é uma árvore de objectivos?

18. Refira em tópicos os principais elementos a ter em conta no processo


de programação e organização de um projecto

Após ter trabalhado este capítulo, procure responder às perguntas acima


enunciadas sem recorrer imediatamente a ele. Após este trabalho poderá
confrontá-lo com o texto onde encontrará facilmente todas respostas às
questões formuladas.

67
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Leituras complementares

AMARO, Fausto
2008 Grounded Theory: uma introdução, in Meirinho Martins, Manuel
(2008, org.) Comunicação e marqueting político: contributos peda-
gógicos, Lisboa ISCSP.

BELCHIOR, Procópio
1970 PERT/CPM. Técnica de Avaliação, Revisão e Contrôle de Projetos,
Rio de Janeiro, Edições de Ouro.

CARMO, Hermano
1996 Ensino Superior a Distância. Contexto Mundial. Modelos Ibéricos,
Lisboa Universidade Aberta, introdução.

MOREIRA, Carlos Diogo


1994 Planeamento e Estratégias da Investigação Social, Lisboa, ISCSP,
219 pp., pp 7-90.

MOREIRA, M.A.; BUCHWEITZ, B.


1993 Novas estratégias de ensino e aprendizagem: os mapas conceptuais
e o Vê epistemológico, Lisboa, Plátano.

NOVAK, Joseph e GOWIN, Bob


1996 Aprender a aprender, Lisboa Plátano, 1ª ed. de 1984.

NOVAK, Joseph
2000 Aprender, criar e utilizar o conhecimento: mapas conceptuais como
ferramentas de facilitação nas escolas e empresas, Lisboa, Plátano.

QUIVY, Raymond e Campenhoudt, Luc Van


1992 Manual de Investigação em Ciências Sociais, Lisboa, Gradiva,
pp 1-154.

ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz


1995 Sociologia das Migrações, Lisboa, Universidade Aberta, pp 108-134.

SILVA, Augusto S. e Pinto, José M., org.


1986 Metodologia das Ciências Sociais, Porto, Afrontamento, pp 9-78.

68
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3. Pesquisa Documental

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Página intencionalmente em branco

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Sumário:

Objectivos da unidade
1. Papel da pesquisa documental no contexto do processo de investigação
2. Documentos escritos
2.1. Onde procurar?
Bibliotecas e arquivos
Actividade 3.1
Primeira triagem
Actividade 3.2
2.2. Exploração do texto
A economia da leitura
Estratégias de exploração de texto
2.3. Registo de dados
Fichas bibliográficas
Fichas de leitura
Sistemas de classificação
2.4. Documentos oficiais
Publicações oficiais
Documentos não publicados
Actividade 3.3
2.5. Estatísticas
Virtualidades
Limitações
Princípios orientadores
Actividade 3.4
2.6. Documentos pessoais
Virtualidades
Limitações
Princípios orientadores
Actividade 3.5
2.7. Documentos escritos difundidos
O jornal como fonte de dados
Análise de impacto
3. Documentos não escritos
3.1. Objectos
3.2. Registos de som e de imagem
Síntese
Teste formativo
Leituras complementares

71
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Objectivos da unidade

No final do processo de aprendizagem desta unidade o estudante deverá estar


apto a:

• identificar a importância da pesquisa documental no processo de


investigação em Ciências Sociais;

• descrever os diversos tipos de documentos escritos, habitualmente


usados na investigação em Ciências Sociais;

• definir uma estratégia para a recolha de dados existentes em docu-


mentos escritos tendo em conta as várias fontes disponíveis;

• fazer um estudo exploratório documental economizando tempo e


energias centrando-se na informação pertinente;

• conhecer diversos modos de registar e organizar a informação


recolhida e construír um sistema adequado ao seu trabalho concreto;

• identificar e tirar partido dos documentos oficiais como fontes de


dados;

• identificar e tirar partido das estatísticas como fontes de dados;

• identificar e tirar partido dos documentos pessoais como fontes de


dados;

• identificar e tirar partido de outros documentos escritos difundidos


como fontes de dados;

• identificar e tirar partido de documentos em suporte audio, vídeo e


digital como fontes de dados.

72
© Universidade Aberta
1. Papel da pesquisa documental no contexto do processo de in-
vestigação

Na unidade anterior sublinhou-se a importância de que se reveste um projecto


de investigação elaborado com clareza e rigor para prevenir perdas de tempo
e energia. Na mesma linha de preocupações, iremos reflectir sobre a
importância de uma pesquisa documental adequada. Antes de mais esta visa
seleccionar, tratar e interpretar informação bruta existente em suportes
estáveis (scripto, audio, video e informo) com vista a dela extraír algum
sentido. Por outro lado tem por objectivo executar essas mesmas operações
relativamente a fontes indirectas.
Do que acima foi referido deduz-se que um processo de investigação é algo
de semelhante a uma corrida de estafetas: para atingir os seus objectivos, o
investigador necessita de recolher o testemunho de todo um trabalho anterior,
introduzir-lhe algum valor acrescentado e passar esse testemunho à
comunidade científica a fim de que outros possam voltar a desempenhar o
mesmo papel no futuro. Neste sentido a pesquisa documental assume-se como
passagem do testemunho, dos que investigaram antes no mesmo terreno,
para as nossas mãos. Estudar o que se tem produzido na mesma área é, deste
modo, não uma afirmação de erudição académica ou de algum pedantismo
intelectual, mas um acto de gestão de informação, indispensável a quem
queira introduzir algum valor acrescentado à produção científica existente
sem correr o risco de estudar o que já está estudado tomando como original
o que já outros descobriram. Tal valor acrescentado escorar-se-á, assim, em
suportes sólidos anteriormente concebidos e testados.

2. Documentos escritos

2.1. Onde procurar?

Relativamente aos documentos escritos o primeiro aspecto a considerar é


onde procurá-los. Sem a preocupação de esgotar o assunto, vejamos alguns
locais (físicos ou funcionais) onde se pode encontrar informação escrita
pertinente.

• Bibliotecas e arquivos
• Bibliografias
• Enciclopédias, dicionários e vocabulários
• Livros e revistas especializadas
• Ficheiros em suporte scripto e bases de dados em suporte digital

73
© Universidade Aberta
Bibliotecas e arquivos

Os primeiros locais que naturalmente ocorrem ao investigador são as


bibliotecas e os arquivos públicos e privados. No entanto, para respeitar o
princípio da economia de tempo, há que proceder a uma selecção prévia
dos centros de documentação, ainda que se possam frequentar, com proveito,
1
Este manual foi inicialmen-
te concebido para o apoio de
bibliotecas gerais como por exemplo a Biblioteca Nacional.
estudantes do Mestrado em
Relações Interculturais, daí a Na área das relações interculturais1 vale a pena começar pelas bibliotecas
especificidade do exemplo.
Para outros domínios este cri-
das instituições de ensino superior, nomeadamente as que leccionam cursos
tério de adequação de graduação ou de pós-graduação neste domínio específico ou em áreas
mantém-se.
afins (Antropologia, Sociologia, Psicologia Social, Ciência Política,
Comunicação Social, Ciências da Educação e outras) como as seguintes2:
2
A lista que se segue é mera-
mente indicativa, não tendo • Universidade Aberta. No âmbito do Centro de Estudos das
pretensões de esgotar a infor-
mação sobre o assunto. A Migrações e das Relações Interculturais, tem vindo a ser coligido
equipa docente deste semi- um património documental e em suporte mediatizado de grande valor
nário solicita a todos os estu-
dantes que contribuam com para os investigadores desta área3. Sendo prioritáriamente para uso
informação adicional a fim de dos académicos desta Universidade (docentes e discentes de
aperfeiçoar futuras edições
deste Manual. pós-graduação) tem-se assumido como (bom) costume abrir o acesso
a investigadores de fora dentro das possibilidades espaciais e materiais
3
Também outros Centros de da instituição. As mais de trezentas dissertações já produzidas no
Estudo da Universidade Aber- âmbito do Mestrado em Relações Interculturais constituem património
ta têm vindo a compilar e a
produzir documentação de único de grande valor neste domínio.
grande utilidade neste domí-
nio. • Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da
Universidade Técnica de Lisboa. Sendo a escola de Ciências Sociais
mais antiga do país, tem um valioso património documental nas áreas
da Antropologia Cultural, particularmente no que respeita a regiões
tropicais, Política e Serviço Social, Sociologia, Ciência Política e
Comunicação Social.

• Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa


(ISCTE). Possui uma biblioteca muito actualizada nos domínios da
Sociologia e Antropologia.

• Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Tem um


bom património documental nos domínios da Antropologia,
Sociologia e outras Ciências Sociais.

• Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade


Nova de Lisboa. (Áreas da Antropologia, Sociologia, Comunicação
Social e Linguística).

• Departamentos de Sociologia, de Antropologia e de Comunicação


Social das várias Universidades.

74
© Universidade Aberta
• Institutos Superiores de Serviço Social de Lisboa, Porto e Coimbra
(Serviço Social, Política Social e Sociologia).

• Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) e Faculdades


de Psicologia e Ciências da Educação (Psicologia e Ciências da
Educação).

• Escolas Superiores de Educação dos vários Institutos Politécnicos


(Ciências de Educação).

Para além das instituições de ensino superior, pode encontrar-se muita


documentação relevante em diversos organismos públicos e privados que se
têm dedicado ao estudo ou à intervenção nesta área:

• Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian (Ciências da Educação)

• Biblioteca da Sociedade de Geografia (Antropologia Cultural,


Etnografia e História)

• Centros de Documentação de diversos Ministérios e Secretarias de


Estado com actuação nesta área (Ex: Emprego, Formação
Profissional, Solidariedade Social, Educação, Comunidades
Portuguesas, etc.).

Actividade 3.1

Faça uma lista das bibliotecas e centros de documentação onde


gostaria de fazer a pesquisa bibliográfica sobre o tema que planeou
na unidade anterior.

Informe-se (telefonicamente) sobre o acesso a documentação,


condições de leitura e empréstimo e horários de funcionamento.

Primeira triagem

Antes de começar a consultar indiscriminadamente documentos sobre o


objecto de estudo cedendo à tentação da gula livresca para que nos previne
Quivy, o investigador deve proceder por aproximações sucessivas, selec-

75
© Universidade Aberta
cionando progressivamente conjuntos de documentos até chegar a uma
dimensão manuseável. Se assim não proceder arrisca-se a perder tempo com
documentação de menor qualidade, negligenciando outra que não lhe
escaparia se tivesse uma estratégia de aproximação mais prudente.

Um modo de seleccionar com alguma facilidade conjuntos abundantes de


4
No campo das migrações em documentação escrita é através da consulta de bibliografias já publicadas4.
Portugal, por exemplo, é de
grande utilidade a consulta de Também a consulta de enciclopédias, dicionários e vocabulários
Rocha-Trindade, Maria Beatriz
e Arroteia, Jorge (1984), Bi- especializados é de grande utilidade uma vez que os seus artigos apresentam
bliografia da Emigração os assuntos de forma resumida, contendo frequentemente indicações
Portuguesa, Lisboa, Institu-
to Português de Ensino a Dis- bibliográficas adicionais interessantes. Este trabalho é particularmente útil
tância. quando precisamos de clarificar conceitos ou de criar conceitos operacionais.
5
Desde 2003 que os investi- A consulta de bases dados, quer os catálogos em suporte scripto (nas
gadores dispõem de uma base clássicas fichas em cartolina) quer em suporte microfilmado e digital5,
de dados de natureza particu-
lar, resultante da rede de pes- revela-se uma etapa indispensável. Qualquer que seja a base de dados a
quisa sobre atitudes sociais na consultar, é recomendável que a consulta seja previamente preparada a fim
Europa, o European Social
Survey. Trata-se de uma base de não se perder tempo a inventar critérios de selecção no momento da recolha
de dados com os resultados da de dados.
investigação extensiva reali-
zada em 22 países europeus
pelos elementos da rede, dis- Neste sentido o investigador deve pensar com antecedência se tenciona fazer
poníveis para tratamento e uma pesquisa por assuntos, por autores, por títulos ou por datas, ou por outro
análise, por quem esteja dis-
posto a fazê-lo. Pode ver-se qualquer critério. Se vai fazê-lo por palavras-chave (descritores) é conveniente
um exemplo de tal exploração que anteriormente tenha elaborado uma lista. Ainda que ao longo da pesquisa
em Vala, Jorge e Torres,
Anália, (2006, organizado- lhe possam surgir outros descritores pertinentes, a preparação prévia de uma
res), Contextos e atitudes lista de palavras-chave reduz o tempo de pesquisa no local (que custa caro) e
sociais na Europa, Lisboa,
Universidade de Lisboa. .Ins- torna a procura mais eficaz. Actualmente há dois modos principais de aceder
tituto de Ciências Sociais. a bases de dados:
• em suporte local, para além dos suportes clássicos ou em microfilme,
através de conjuntos de CD Rom encontram-se excelentes indicações
bibliográficas tanto em formato de simples resumo, podendo muitas
vezes os textos integrais ser encomendados à editora, como em
formato integral obtendo-se cópia em suporte scripto (por impressão)
ou informo (por cópia para disquete);
• em suporte remoto, é possível e fácil aceder a bases de dados em
qualquer parte do Mundo através da Internet.
Um risco a prevenir é o desnorteamento. Perante a situação de sobre-
informação que emerge de uma triagem desta natureza, ou o investigador
sabe bem o que quer e, nesse caso, está em condições de fazer uma navegação
segura por entre o extenso leque de opções com que é defrontado, ou não
planeou suficientemente a sua consulta e perde-se num turbilhão de nevoeiro
informacional.

76
© Universidade Aberta
Outro critério de selecção que se afigura de grande utilidade é o recurso a
uma prévia identificação de revistas especializadas. A partir da sua consulta
e cruzamento de informação, o investigador consegue com alguma rapidez
seleccionar monografias e artigos centrados no seu objecto de estudo.

No trabalho exploratório de escolha de informação documental relevante, é


útil recorrer aos documentalistas, figuras muitas vezes negligenciadas como
informadores qualificados. A experiência tem demonstrado que uma
entrevista, bem preparada e bem conduzida, ao especialista de documentação
de determinado centro de recursos documentais (documentalista, biblio-
tecário, arquivista), poupa um tempo imenso ao investigador dando-lhe uma
orientação preciosa.

Para finalizar esta primeira aproximação é conveniente referir que uma das
áreas mais promissoras para a reprodução do conhecimento na sociedade de
informação integra a chamada literatura cinzenta, constituída por um conjunto
cada vez maior de relatórios de pesquisa, produzidos em contexto académico
de graduação e de pós-graduação, não publicados, mas validados por júris
qualificados de professores especialistas em diversos domínios, que
desempenham um papel equivalente aos referees das revistas de especialidade.

Muitos destes trabalhos, até há alguns anos ignorados pelo facto de não
estarem publicados, têm sido crescentemente valorizados, devido a dois tipos
de factores:

• por um lado, a informatização dos catálogos dos centros de


documentação, permitiu a sua identificação em tempo real, com
evidentes vantagens para os seus utilizadores, em termos de selecção,
organização e acesso a informação relevante;

• por outro, a universalização da Internet e de vários poderosos


sistemas de busca (ex: Google), propiciou que tais facilidades
tendessem a tornar-se disponíveis para um número crescente de
utilizadores sem barreiras espaciais, ajudados em muitas situações
pelo estreitamento das relações entre centros de documentação, que
têm possibilitado o empréstimo mútuo e a cópia autorizada em
formato analógico e digital.

Constitui, portanto, uma boa prática, a identificação e selecção da literatura


cinzenta disponível sobre o assunto da investigação, nomeadamente no que
respeita a relatórios de pós-doutoramento, teses de doutoramento, dissertações
de mestrado e mesmo trabalhos finais de licenciatura (dissertações e relatórios
de estágio).

77
© Universidade Aberta
Actividade 3.2

• Procure saber junto dos documentalistas das bibliotecas que


seleccionou se existem bibliografias publicadas sobre o seu
objecto de estudo.

• Faça uma lista de conceitos e palavras-chave que vai usar no


seu trabalho. Verifique como é que as enciclopédias,
dicionários científicos e vocabulários especializados
disponíveis tratam esses conceitos e descritores.

• Consulte uma boa base de dados cruzando os diversos


descritores. Quando chegar a uma listagem suficientemente
pequena de títulos (abaixo da centena) leia os títulos das
publicações seleccionadas. Dessa listagem seleccione apenas
os títulos que lhe pareçam pertinentes.

• Faça uma lista das revistas especializadas que gostaria de


consultar. Elabore igualmente uma lista provisória de
monografias sendo conveniente que ambas tenham uma
organização temática. Por exemplo, imagine que vai fazer uma
dissertação sobre a integração escolar das crianças ismaelitas
em Lisboa. Neste caso poderá elaborar as suas listas biblio-
gráficas usando uma tipologia deste género: integração escolar,
desenvolvimento da criança, islamismo/ismaelitas, Sociologia
Urbana, Sociologia das Migrações, etc, para além naturalmente
do título sempre presente de metodologia.

• Com os dados anteriores coligidos solicite a opinião do docu-


mentalista da instituição.

2.2. Exploração do texto

Uma vez feita a dupla triagem de informação acima referida - a dos locais
onde procurar e a das unidades de informação a seleccionar (monografias
artigos, relatórios, etc), a fase seguinte consiste na exploração destas
últimas.

78
© Universidade Aberta
A economia da leitura

Também esta operação deve ser efectuada com algumas preocupações


económicas, tendo em atenção o reduzido tempo disponível para a pesquisa.
Não se fique, com isto, com a ideia que o autor é um tecnocrata empedernido
com exclusivas preocupações de engenharia social. Bem pelo contrário, ele
tem defendido o extraordinário valor das leituras e conversas vadias
(parafraseando Agostinho da Silva), como catalizadores de inovação e de
processos cognitivos divergentes. A questão que aqui estamos a debater, no
entanto, é bem específica: não se trata de uma pesquisa qualquer, é uma
dissertação de mestrado que dispõe de um tempo muito limitado para ser
realizada requerendo cuidados particulares de gestão desse recurso tão
escasso. Por outro lado, não se pense que esta estratégia espartana obedece
apenas a uma opção de mal menor: baseia-se na convicção que a interiorização
de uma disciplina rigorosa de selecção de informação e de gestão de tempo
não reduz a criatividade mas aguça-a, desde que o investigador mantenha a 6
Grande parte dos títulos são
abertura de espírito, pondo-a ao serviço do processo de investigação. descrições sintéticas dos con-
teúdos, apresentadas de forma
directa ou metafórica. Um
exemplo de metáfora extre-
mamente sugestiva escolhida
para título é o da clássica in-
Estratégias de exploração de texto vestigação de Ruth Benedict
sobre a cultura japonesa: O
Crisântemo e a Espada, que
Neste contexto de preocupações, não parece muito eficiente que o estudo de espelha a dicotomia dialéctica
uma monografia ou de um artigo seja feito sem interrupções, do princípio ao omnipresente naquela cultu-
ra, entre o culto da estética,
fim. Se o fizermos arriscamo-nos a ler muita informação inútil para o nosso da harmonia e da paz interior
trabalho o que não só gasta tempo como produz ruído informacional. simbolizadas pela flor, e a
exaltação de tudo o que a es-
pada simboliza: a violência e
Eis algumas sugestões que a experiência tem legitimado: a desvalorização do indíviduo
como fenómeno que não se
• Comece por observar atentamente o título da unidade de informação repete.
(artigo, monografia ou outra qualquer). Se por vezes é mal escolhido
ou não tem grande valor como informação, habitualmente funciona 7
O efeito de halo é a tendên-
como cartão de visita do documento em causa, fornecendo elementos cia de valorizar um determi-
nado fenómeno, situação ou
valiosos sobre o seu conteúdo6. resultado presente, de acordo
com informações passadas e
• O nome do autor, naturalmente fornece indicações sobre a qualidade não de acordo com o quadro
actual. Este efeito, pode fazer
do trabalho, partindo do conhecimento do valor de trabalhos anteriores com que um bom aluno que
da sua autoria. Há, no entanto, que usar este critério com alguma deixou de o ser demore a bai-
xar as notas pelo facto dos
reserva para que não sejamos induzidos por efeitos de halo7. professores ainda o verem
como bom aluno, assim como
• A data e o local das várias edições dão-nos elementos valiosos sobre pode fazer com que um inves-
tigador fascinado pelo
o contexto espaço-temporal em que ocorreram o que nalguns casos, brilhantismo (ou pela sua fal-
particularmente quando se examinam obras clássicas com várias ta) da obra anterior de um
dado autor, classifique uma
edições, é extremamente importante para o entendimento do dada obra actual de acordo
documento. com a imagem que dele retém
de trabalhos anteriores.

79
© Universidade Aberta
• O nome do editor é por vezes um indicador de fiabilidade do
documento.

• Das badanas (orelhas) e da contracapa dos livros podemos extraír


uma visão resumida sobre o autor e a obra (da responsabilidade do
editor), pelo que devem ser examinadas com cuidado.

• Abrindo o livro, o primeiro elemento a observar com cuidado é o


índice que fornece informações interessantes sobre a estruturação
do trabalho.

• Seguidamente, e provavelmente só após observar com cuidado as


conclusões e a introdução, o investigador deve seleccionar os
capítulos ou os fragmentos de texto que quer examinar
cuidadosamente por serem os pertinentes para o seu objecto de
estudo.

• A exploração de um artigo ou de uma monografia é assim um processo


não contínuo mas helicoidal em que o investigador mergulha
Q.B. naquele mar de informação a fim de extraír apenas a que
necessita.

2.3. Registo de dados

A questão que a seguir se põe é a de criar um bom sistema de registo de


dados. Já em 1964 afirmava o grande mestre de investigação histórica que
foi o Professor Silva Rego:

"(...)Vão longe os tempos - felizmente - em que se anotavam no mesmo


caderno apontamentos dos mais variados assuntos: históricos, literários
artísticos, etc. Hoje reconhece-se a absoluta necessidade de colocar as
notas em folhas volantes, em fichas, fáceis de distribuir e de classificar."
(Rego, 1964: 61).

Com o desenvolvimento da informática, o suporte de registo de dados


documentais diversificou-se. Havendo quem ainda prefire usar fichas em
cartolina ou em folhas soltas de papel, começa a observar-se certa tendência
para o registo directo em bases de dados já preparadas para o efeito ou
formatadas por medida pelo próprio investigador. A vantagem deste segundo
tipo de suporte é a de se poupar tempo e melhorar a qualidade da gestão da
informação registada, permitindo procedimentos de busca, classificação,
análise e uso dos dados disponíveis, muito mais rápidos e por vezes mais

80
© Universidade Aberta
rigorosos. Parece prudente, todavia, não ceder a tentações de novo-riquismo
tecnológico, com uma conversão demasiado apressada aos novos suportes.
Também aqui o critério económico é determinante: cabe ao investigador pesar
os custos (em tempo, sobretudo) dessa aprendizagem tecnológica e compará-
los com os benefícios esperados. Uma coisa é certa: um sistema de registo
de dados não é mais do que um instrumento de trabalho que o investigador
pode e deve personalizar. Referindo-se às fichas, dizia o supracitado autor:
“(...) o que se deseja é que cumpram o seu dever e que sirvam docilmente o
seu dono e senhor (...)” (Rego, 1964: 62).

Existem dois tipos de fichas particularmente úteis a quem está a fazer uma
dissertação, as fichas bibliográficas e as fichas de leitura. As primeiras contêm
a identificação básica do documento enquanto que as segundas, como o nome
indica, registam o resultado de um trabalho de tratamento, análise e síntese
de informação.

Fichas bibliográficas

Apesar da sua função eminentemente instrumental recomendar uma


adequação personalizada, há elementos informativos que todas as fichas
bibliográficas devem possuir, funcionando como uma espécie de bilhete de
identidade do documento. As normas que a seguir se enunciam são as que se
têm usado na Universidade Aberta e que se têm mostrado adequadas aos
tipos de pesquisa até agora efectuadas8. 8
Há outras normas que habi-
tualmente se encontram na
bibliografia consultada, como
Três tipos de documentos são habitualmente objecto de fichas bibliográficas: a APPA e a Norma Portugue-
monografias, artigos de revistas e unidades (partes, capítulos e secções) sa.
de obras colectivas.

Um formato que se tem revelado adequado a uma ficha bibliográfica que


pretende identificar uma monografia é o seguinte: apelido do autor, primeiro
nome (data de edição), título da obra, local da edição, editora, outras
observações (exemplo 1).

Exemplo 1

GRAWITZ, Madeleine (1993), Méthodes des sciences sociales,


Paris, Dalloz, 870 pp, com um excerto da lição de abertura do
Cours de science sociale(1888) de E. Durkheim, prefácios da autora
às 1ª e 9ª edições.

81
© Universidade Aberta
Chama-se a atenção para os seguintes pormenores:

• O último apelido do autor pode ser registado em maiúsculas ou


não, seguido do respectivo nome; no entanto, e isto aplica-se a
qualquer outra indicação, o critério de registo deve ser uniforme para
todo o trabalho;

• Quando se trata de uma obra de autoria colectiva é costume adoptar-


se os seguintes critérios:

- até três autores, mencionam-se os três nomes separados por ;


(exemplo 2):

Exemplo 2

ABADIA, António Farjas; COLLAZO, Carmen Madrigal (1989),


Sociologia del Estudiantado y Rendimiento Académico,
Madrid, UNED.

- para mais de três autores mas com um principal, basta


mencioná-lo e acrescentar et al. (e outros) (exemplo3):

Exemplo 3

DOERFERT, Frank et al. (1989), Short descriptions of selected


distance education institutions, Hagen, FernUniversitat.

- para mais de três autores com a menção de um coordenador


ou editor, regista-se o nome da figura pivot seguida da indicação
abreviada (coord. ou ed.) do seu papel (exemplo 4):

Exemplo 4

BOUDON, Raymond, coord. (1990), Dicionário de Sociologia,


Lisboa, D.Quixote.

82
© Universidade Aberta
- para mais de três autores sem menção de um coordenador ou
editor, anota-se a designação AAVV (autores vários) ou VVAA (vários
autores) (exemplo 5):

Exemplo 5

AAVV, (1990), Ciências da Educação em Portugal, Porto,


Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação.

• Nos exemplos anteriores a data foi colocada entre parêntesis a seguir


ao autor, por se revelar um elemento de interesse imediato; há muitos
autores, no entanto, que preferem colocá-la no fim ou sem ser entre
parêntesis.

• O título, campo seguinte, dada a sua importância identificadora


costuma frequentemente ser destacado, umas vezes a negrito, outras
a itálico, outras a sublinhado, outras ainda iniciando os nomes e verbos
por maiúscula; também aqui o importante é usar um critério uniforme.

• O local de edição e a editora (sem ed.), devem aparecer em seguida;


quando se trata de uma co-edição ou de um livro publicado
simultâneamente em vários locais, essa informação deve figurar
separada por uma barra (exemplo 6):

Exemplo 6

CEREZO, Sérgio Sánchez (coord.) 1983, Diccionario de las


Ciencias de la Educación, Madrid, Diagonal/Santillana.

• nalgumas bibliografias torna-se útil, como elemento informativo


adicional, fazer referência ao número de páginas da obra.

• as outras observações são separadas por vírgulas sem qualquer


parêntesis.

• para mencionar um departamento (Serviço, Divisão, etc) pertencente


a um organismo de maior dimensão, este último aparece em primeiro
lugar separado com um ponto da unidade orgânica dependente; por
exemplo, uma publicação editada pelo Centro de Estudos de

83
© Universidade Aberta
Migrações e Relações Interculturais da Universidade Aberta, ficará
registada: Universidade Aberta.CEMRI.

• Quando falta alguma informação bibliográfica essencial a ficha deverá


registar esse facto (sem autor = anónimo; sem data = s/d; sem título =
sem título; sem editor = s.n.; sem local de edição = s.l.

Para artigos de revistas ou outras publicações periódicas, o formato usual


de uma ficha bibliográfica é o seguinte: apelido do autor, primeiro nome
(data de edição), título da obra, nome da revista entre aspas, local da edição,
editora, volume (nº), data, localização (pp xx-yy), outras observações
(exemplo 7):

Exemplo 7

COSTA, A. Bruto da (1984), Conceito de Pobreza, “Estudos de


Economia”, Lisboa, (3), Abril-Junho, pp. 275-295.

Quando se trata de unidades (partes, capítulos e secções) de obras colectivas,


a ficha bibliográfica deve conter os seguintes elementos: apelido do autor,
primeiro nome (data de edição), título da obra, a designação in, autor(es) da
obra colectiva, título da obra colectiva entre aspas, local da edição, editora,
outras observações (exemplo 8):

Exemplo 8

CÂMARA, J. Bettencourt da (1986), A III Revolução Industrial


e o Caso Português, in AAVV, “Portugal Face à III Revoluçäo
Industrial; Seminário dos 80”, Lisboa, ISCSP, pp. 63-111.

Há casos em que é necessário fazer registos de legislação. Nessas


circunstâncias, a ficha deve conter os seguintes elementos: tipo de norma
(Constituição, Lei, Decreto-Lei, Decreto, Portaria, ou Despacho), código
(numérico ou alfanumérico), data, autor, fonte em que foi publicada e
conteúdo resumido. No caso de se tratar de uma publicação em Diário da
República, há que identificar claramente o seu número, data de publicação e
série (exemplo 9):

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© Universidade Aberta
Exemplo 9

Despacho nº 98/R/91, de 12 de Agosto, do Reitor da Universidade


Aberta, DR II Série nº 199 de 30 de Outubro. (Cria o Regime de
Disciplinas Singulares para Professores)

Em qualquer dos casos anteriores é fundamental não deixar de registar na


ficha bibliográfica a identificação do centro de documentação onde foi
consultado o documento e a respectiva cota, precaução que prevenirá perdas
de tempo em futuras consultas.

Fichas de leitura

Enquanto que a ficha bibliográfica contém apenas a identificação do


documento, a ficha de leitura integra já um valor acrescentado, fruto do
trabalho do investigador. Neste tipo de ficha é comum:

• resumir parte do que se leu

• citar passagens consideradas importantes

• anotar ideias que surjam como eco da reflexão sobre o texto (Rego,
1964: 65).

O trabalho de resumo é uma operação complexa que exige um bom treino.


No sentido de gerir o melhor possível o tempo disponível, é conveniente o
hábito de escrever directamente no processador de texto os resumos da 9
Uma alternativa ao resumo
documentação estudada9. É claro que isto só é exequível quando os em texto corrido é a diagra-
documentos estejam no mesmo local do computador. Existem já bastantes mação da informação, sob
vários formatos (mapas
bibliotecas com computadores à disposição dos utilizadores e alguns destes conceptuais, vês heurísticos,
que possuem computadores portáteis. Sempre que possível vale a pena registar fluxogramas etc.), conforme
se salientou no ponto 3 da
directamente a informação no computador o que permite não só um único unidade 2. Este modo de
registo de informação mas também a possibilidade da sua posterior utilização desempacotar conhecimento
obriga um esforço maior de
em texto definitivo. Quando se resume uma dada unidade de informação, análise mas, em contra-
interessa ter sempre presente o objectivo da recolha de dados uma vez partida, permite uma
aprendizagem mais significa-
que um resumo é um acto de selecção da informação pertinente e só dessa. tiva dos conteúdos em
questão.
As citações deverão figurar na ficha entre aspas, com o local de onde foram
extraídas devidamente identificado (obra e página, mesmo em relação aos
documentos não publicados). Se não houver esse cuidado, ao fim de certo

85
© Universidade Aberta
tempo e de muitos registos, o investigador não distingue facilmente o que é
de sua autoria, resumos e comentários, das citações de outrem, podendo
produzir textos plagiados o que, para além da gravidade de que se reveste do
ponto de vista ético, pode acarretar consequências criminais ao prevaricador
uma vez que objectivamente se está em presença de um acto de apropriação
indevida, previsto na legislação sobre direitos de autor.

Os comentários e ideias do investigador deverão ser cuidadosamente


anotados na ficha de leitura, enquadrados por um sinal convencional, por
10
(Rego, 1964: 66). Sobre as exemplo com um P de particular10.
vantagens de um bom arqui-
vo de ideias a partir de fichas
de leitura, vale a pena ler a já A organização espacial da ficha pode ser de várias formas de modo a preencher
clássica A Imaginação Soci- adequadamente os requisitos da pesquisa. Tanto pode apresentar-se sob a
ológica, (Mills, 1969), sobre-
tudo o apêndice intitulado O forma de um texto corrido (neste caso é fundamental distinguir claramente a
Artesanato Intelectual. identificação do documento e os três tipos de elementos que se acabam de
enunciar) como podem reservar espaços próprios para cada tipo de informação
como o exemplo 10 mostra:

Exemplo 10
Identificação da obra
Resumos
Comentários e
pessoais
“(...)citações (pág. n)”

Sistemas de classificação

Quanto maior o volume de informação registado mais se torna premente um


bom sistema de classificação dessa mesma informação: à velha classificação
decimal universal (CDU) sucedeu um conjunto diverso de sistemas que usam
palavras chave para descrever sinteticamente um dado documento (por isso
mesmo chamadas descritores). No exemplo 11, observa-se que a ficha
bibliográfica seleccionada apresenta treze descritores, a que corresponderiam
se o suporte fosse de papel ou cartolina, treze diferentes fichas. Como neste
caso o ficheiro é em suporte informático, sempre que a base de dados for
interrogada com um dos referidos descritores a ficha será seleccionada. Num
suporte ou noutro os sistemas de descritores permitem um trabalho muito
mais produtivo.

86
© Universidade Aberta
Exemplo 11

Miranda, Joana Catarina Tarelho de (1994), Grupos étnicos em


Portugal. Os esteriótipos dos “portugueses”, Lisboa, s.n., 197
pp, tese de mestrado em relações interculturais.

Psicologia Social,Interculturalismo, Comportamento, Juventude,


Identidade, MRI, Questionários, Grupos étnicos, Portugal, Relações
intergrupos, Esteriotipo, Racismo, Xenofobia.

2.4. Documentos oficiais

Para muitos estudos torna-se necessária a consulta de documentos oficiais


que podemos tipificar em dois grupos: as publicações oficiais e os documentos
não publicados.

Publicações oficiais

O Diário da República é uma fonte riquíssima de informações para variados


estudos11 dado ser o orgão oficial em que se publicam as principais normas 11
Um exemplo ilustrador é a
jurídicas. Ao desenvolver a sua pesquisa documental, o investigador deve ter dissertação de doutoramento
de João Pereira Neto que uti-
em conta, não só a análise da primeira e da segunda séries, em que se liza como principal fonte para
publicitam leis, decretos-leis, portarias bem como diversos despachos e actos o estudo da política portugue-
sa de integração racial o Bo-
administrativos, mas também a da terceira série em que se publicitam diversos letim Oficial de Angola, pu-
normativos respeitantes a entidades não estatais e à relação do aparelho de blicação com funções equiva-
lentes às do, então, Diário do
Estado com a sociedade civil (ex: concursos públicos). Governo (hoje Diário da Re-
pública) para aquele territó-
Também o Diário das Sessões da Assembleia da República constitui uma rio. NETO, João Pereira
(1964), Angola: Meio Sécu-
fonte essencial de informação. Se, através do Diário da República (antiga- lo de Integração, Lisboa,
mente chamado Diário do Governo), o investigador tem acesso às principais ISCSPU.

decisões e deliberações dos órgãos do Poder Político e Administrativo,


analisando o Diário das Sessões percepciona a dinâmica da construção de
deliberações em sede de Parlamento. Imagine-se, por exemplo, que se está a
estudar a política portuguesa relativamente aos refugiados. Neste caso, é tão
importante analisar o quadro normativo vigente através do estudo da legislação
publicada em Diário da República, como investigar a posição dos diversos
partidos sobre o assunto. Este segundo aspecto da questão pode ser clarificado
fazendo a análise de conteúdo do Diário das Sessões, no respeitante aquelas
em que a legislação sobre os refugiados foi debatida e aprovada.

87
© Universidade Aberta
Tal como as fontes anteriores, as publicações oficiais oriundas da
Administração Central (Ministérios e Secretarias de Estado), Regional (dos
Orgãos descentralizados das Regiões Autónomas) e Local (dos municípios)
podem fornecer informações interessantes ao investigador.

Documentos não publicados

Muitas vezes, há necessidade de recolher informação em fontes oficiais não


publicadas (regulamentos, circulares, normas internas, etc). Nessas
circunstâncias, é frequente depararmo-nos com algumas dificuldades uma
12
O fenómeno a que Adriano vez que o acesso aos arquivos públicos é condicionado12.
Moreira chama clandestini-
dade do Estado (1979, Ciên-
cia Política, Lisboa, Bertrand) Na espectativa de ter de recorrer a arquivos públicos, o investigador deve,
traduz-se, mesmo nos Estados por isso munir-se de uma prévia autorização dos respectivos decisores para
em que a Democracia tem for-
tes raízes, num manto secre- o que lhe é conveniente possuir uma credencial passada pelo orientador da
to e/ou sagrado com que a dissertação ou pela instituição que legitima a sua investigação.
informação é coberta face aos
cidadãos exteriores ao apare-
lho de Estado, o que natural-
mente dificulta o trabalho de
qualquer investigador. Isto,
apesar da legislação
conducente a dar maior trans-
parência ao trabalho da Ad- Actividade 3.3
ministração como, entre nós,
o Código de Procedimento Faça uma lista da legislação que pensa utilizar na sua dissertação.
Administrativo.
Seguidamente abra uma pasta com separadores (1, 2, 3, ...n) e com
uma folha de rosto com o respectivo índice. Sugiro que registe a
identificação completa da legislação no índice da pasta, de acordo
com o exemplo 9.

Faça idêntico trabalho relativamente ao Diário das Sessões, a outras


publicações oficiais e a fontes oficiais não publicadas identificando-
as de acordo com os exemplos atrás mencionados.

2.5. Estatísticas

As estatísticas podem também ser excelentes fontes de informação. No


entanto, há que ter consciência que não passam de simples instrumentos ao
serviço do investigador tendo potencialidades e limitações e devendo ser
usadas adequadamente como qualquer outra ferramenta.

88
© Universidade Aberta
Virtualidades

Dados provenientes de Censos, de Anuários ou de Estatísticas Especiais,


podem constituir elementos valiosos por exprimirem grandes tendências
nos campos demográfico, social, económico e cultural, de outra maneira
dificilmente percepcionáveis.

Por outro lado as estatísticas fornecem de forma económica, informação sobre


grandes agregados populacionais, permitindo visões de conjunto
indispensáveis a quem pretende entender certos fenómenos sociais complexos
numa perspectiva holística.

Limitações

Ao recorrer às estatísticas, o investigador deve ter em conta diversos aspectos


que condicionam o seu uso.
Em primeiro lugar as estatísticas são concebidas por pessoas, com critérios
de categorização e arrumação discutíveis, nem sempre suficientemente
explícitos. Polémicas frequentes em torno do modo como se concebem e
analisam as taxas de inflação e de desemprego, mostram que nem sempre a
fundamentação conceptual das estatísticas é consensual, permitindo margens
13
de interpretação demasiado amplas para serem fiáveis em termos absolutos. Um caso que acom-
panhámos de perto e que ago-
ra pode servir de exemplo foi
Em segundo lugar há que não esquecer que, por vezes, as estatísticas são o do Instituto António
concebidas não para clarificarem a realidade mas para justificarem prévias Feliciano Castilho. Para além
das cerca de sessenta crianças
interpretações sobre essa mesma realidade. A posição do investigador perante deficientes visuais e multi-
os dados estatísticos deve ser, por isso, acompanhada de uma atenção crítica deficientes que eram acom-
panhadas em permanência, a
constante, sobretudo no que respeita aos critérios de categorização e de instituição tinha programas
cálculo. Um exemplo: há anos, alguns decisores políticos pretendiam especiais de reabilitação para
cerca de doze jovens (média
privatizar diversas instituições de educação especial com o argumento destas anual) que tinham perdido a
terem um custo unitário mais elevado que as particulares. Quando interrogados visão há pouco e a quem era
prestado apoio sob a forma
sobre a base de cálculo do indicador custo per capita de cada estabelecimento de acompanhamento psicoló-
informaram-nos que se baseava na seguinte fórmula: gico, técnicas de locomoção,
actividades de vida diária
Cpc = CT/U, em que (AVD) e iniciação ao Braille;
por outro lado, funcionava
Cpc era o custo per capita, CT correspondia ao custo total da instituição e U como centro de formação e de
estágio para cerca de cem pro-
ao número de utentes. fissionais por ano (professo-
res, terapeutas ocupacionais e
Não tendo qualquer objecção quanto ao numerador da fórmula (custo total), da fala, psicólogos e assisten-
tes sociais). Somando os 112
tivémos ocasião de salientar que a base de cálculo do denominador estava utentes referidos ao denomi-
subvalorizada uma vez que muitas instituições oficiais, para além dos utentes nador, provou-se que aquela
instituição oficial tinha um
permanentes, tinham utentes incluidos em programas especiais13. custo mais baixo que outras
instituições particulares com
Em terceiro lugar os conceptores das estatísticas não têm os mesmos interesses idênticas valências.
que os investigadores o que os leva a não terem em conta os mesmos
89
© Universidade Aberta
critérios classificatórios. A simples categorização de grupos culturais inserta
na base de dados Entreculturas ilustra as dificuldades que se podem encontrar
nestes domínios, sublinhando o cuidado com que as estatísticas devem ser
14
Sobre o caso concreto da manipuladas14.
base de dados Entreculturas,
vale a pena ler uma
elucidativa reflexão em Cor-
deiro, Ana Paula (1993),
Grupos Culturais Mino-
ritários: Universo e Situa-
Princípios orientadores
ção Escolar in Multicul-
turalismo e Educação: O
Contributo da Comunica-
Em função do exposto constituem medidas de prudência:
ção Educacional na Imple-
mentação de Práticas • escolher como fontes estatísticas as provenientes de instituições
Educativas Interculturais,
Lisboa, Universidade Aberta,
credíveis;
dissertação de mestrado em
Comunicação Educacional • mesmo neste caso, reflectir criticamente sobre o modo como os
Multimedia, pp 74-111
indicadores foram concebidos e calculados (cfr. nota 3 do capítulo
anterior);

• utilizar a imaginação sociológica para tirar partido das estatísticas,


cruzando a matéria prima informativa desta proveniência com
informações oriundas de outras fontes documentais e obtidas com
base noutras técnicas de recolha de dados (ex: observação e inquérito
por entrevista e por questionário).

Actividade 3.4

Faça uma lista das estatísticas que pensa utilizar na sua dissertação.
Seguidamente abra uma pasta com separadores (1, 2, 3, ...n) e com
uma folha de rosto com o respectivo índice. Registe a sua
identificação no índice da pasta.

Reflicta sobre cada um dos indicadores interrogando-se sobre a


credibilidade das fontes, o modo como foi construído e se
corresponde às suas necessidades de investigação. Registe em
tópicos o resultado da reflexão pois irá ser-lhe útil como memo
rando na análise de dados e na posterior fundamentação meto-
dológica.

90
© Universidade Aberta
2.6. Documentos pessoais
15
Seguimos aqui a
categorização de Jahoda et al
Autobiografias, diários, correspondência, dissertações académicas não (1967) que integram as disser-
publicadas15 e outros documentos pessoais, constituem também valioso tações académicas não
publicadas nos documentos
património ao serviço do investigador. O estudo de Thomas e Znaniecki, no pessoais (a literatura cinzen-
âmbito do que é designado por Escola de Chicago, feito em 1919 sobre os ta atrás referida).
camponeses polacos que emigraram para os Estados Unidos ilustra com
clareza a riqueza e também as limitações deste tipo de documentos.
Pretendendo fazer luz sobre a teia de experiências de um emigrante desde o
momento em que toma a decisão de procurar outras paragens para viver até
à sua integração definitiva (ou não) na sociedade de acolhimento, aqueles
autores assentaram a sua investigação na análise de dois tipos de documentos
pessoais: cartas a que tiveram acesso e relatos escritos pelos próprios
emigrantes em que era descrita toda a experiência migratória16. 16
Entre nós, vale a pena refe-
rir Paulo Monteiro que utili-
O interesse deste tipo de documentos reside sobretudo em dois aspectos: zou a mesma abordagem para
proceder à análise sociológi-
ca do abandono de nove lu-
• possibilita aceder a informação que não se encontra noutras fontes gares agro-pastoris da Serra
podendo extraír-se informação única, sem a qual dificilmente se da Lousã: Monteiro, P. , 1985,
Terra que Já Foi Terra, Lis-
poderiam entender certas facetas da realidade social. boa, Edições Salaman-
dra.Virtualidades
• permite dar voz aos que normalmente não a têm, possibilitando a
difusão da versão de acontecimentos e processos sociais relevantes,
contados pelos próprios protagonistas com as suas palavras e estilo. 17
Utilizamos o termo empatia
no sentido rogeriano do ter-
Não seria possível, por exemplo, entender a complexidade do processo pelo mo, expressando a ideia de o
investigador entender o modo
qual um cego-surdo pode conseguir vencer o mundo do silêncio e da como o Outro (neste caso o
insularização social e integrar-se totalmente na sociedade que o rodeia, sem investigado) vê e experimen-
ta o Mundo e a Vida, tendo
o valioso contributo de Helen Keller que, na sua autobiografia, descreve a no entanto consciência que
espinhosa caminhada que conseguiu fazer, poderosamente apoiada numa não se é o Outro. Para ilus-
trar o conceito de empatia,
mestra excepcional que foi Anne Sullivan. Gisela Konopka numa obra
clássica cita um provérbio ín-
O mesmo se poderia dizer, noutros campos, no que respeita, por exemplo, a dio que diz: Nunca julgue um
homem sem antes ter cami-
autobiografias de emigrantes, refugiados, prostitutas, exploradores, mis- nhado com os seus moccasins
sionários, administradores coloniais e políticos: possuidores de um património durante uma lua. Konopka,
G. (1972) Serviço Social de
existencial único, não se poderia entender em profundidade o peso de tal Grupo: Um Processo de aju-
experiência na sua vida e na dos agregados com os quais interagem, sem o da, Rio de Janeiro, Zahar, 2ª
edição, da edução original de
seu testemunho pessoal, por maior que fosse a empatia17 dos cientistas 1963, pp. 111-112
sociais.

Podemos encontrar variados exemplos, mais recentes, de cientistas que


recorreram a documentos pessoais para alicerçar a sua pesquisa. É o caso do 18 Lewis, O (1968) A Cultu-
ra da Pobreza, in Blaustein,
antropólogo Oscar Lewis que, após uma longa investigação no terreno sobre A. e Woock, R., (organiza-
aquilo que chamou cultura da pobreza18, selecionou uma família a que deu o dores) in O Homem Contra
a Pobreza: III Guerra Mun-
pseudónimo de Sanchez, tendo pedido a cada um dos seus elementos que dial, Rio de Janeiro, Expres-
contasse a sua história pessoal. O resultado dessa pesquisa é relatado em são e Cultura.

91
© Universidade Aberta
duas obras extremamente interessantes que fazem luz sobre o modo como se
19
Lewis, O. (1970), Os Filhos
de Sanchez, Lisboa, Moraes,
vive e morre numa cultura da pobreza19.
ed. original de 1961; Lewis,
O. (1970), A Death in
the Sanchez Family, New
York, Vintage Book/Random
House. Limitações

O estudo de Lewis permite também ilustrar as limitações dos documentos


pessoais assinaladas por vários autores. Em síntese é importante ter em conta
que:

• como expressões subjectivas dos actores sociais, estão limitados


pelos preconceitos, esteriótipos e ideologias dos autores; valendo
como testemunhos privilegiados de quem viveu dada realidade, não
a retratam com objectividade mas com os olhos de quem a viveu por
dentro, por vezes em situações de grande envolvimento emocional
com os inevitáveis filtros perceptivos de natureza afectiva e cognitiva;

• por vezes não constituem documentos sociográficos (ainda que


subjectivos) mas auto-justificações mais ou menos fundamentadas
do comportamento dos autores (bastante frequente em autobiografias
de celebridades);

• dada a singularidade de algumas informações que os integram, é difícil


provar a sua veracidade;

• a análise quantitativa deste tipo de documentos sendo possível


através por exemplo de análise de conteúdo é, no entanto, muito
trabalhosa.

Princípios orientadores

Tal como em relação às estatísticas existem alguns procedimentos desejáveis


para tirar partido do valor dos documentos pessoais sem correr demasiados
riscos. É, pois recomendado:

• verificar os factos, sempre que possível, cruzando a informação


proveniente de documentos pessoais com a oriunda de outras fontes
documentais ou vivas;

• proceder a uma rigorosa crítica externa, averiguando se o documento


terá sido escrito pelo autor manifesto;

• fazer uma cuidadosa crítica interna, cotejando a coerência do texto


com a realidade conhecida, de forma a apurar a sua veracidade. Em

92
© Universidade Aberta
caso de prova de falta de veracidade, indagar se tal se deve à vontade
do autor que, neste caso mentiu sobre os factos, ou a uma deformação
decorrente dos seus preconceitos, esteriótipos ou falta de informação,
pelo que se aconselha:

⇒ averiguar as intenções do autor ao produzir o documento:


descrever, interpretar ou justificar o acontecimento?

⇒ determinar a distância espacial e temporal que medeia cada relato


do respectivo acontecimento;

⇒ determinar o grau de confidencialidade do documento;

⇒ determinar o grau de familiaridade do autor com a realidade que


descreve.

Em suma, poder-se-á dizer com alguma segurança que a informação fornecida


pelos documentos pessoais podendo ser fonte valiosa para a investigação,
tem de ser combinada com a informação proveniente de outras fontes, dadas
as limitações acima referidas.

Actividade 3.5

Faça uma lista dos documentos pessoais que julga útil analisar na
sua dissertação, quer já existentes (cartas, diários dissertações não
publicadas), quer concebidos por si e propostos a informadores
privilegiados (histórias de vida, relatos pessoais). Seguidamente
abra uma pasta com separadores (1, 2, 3, ...n) e com uma folha de
rosto com o respectivo índice.

À medida que os for consultando faça a sua ficha de leitura (de


preferência directamente no computador com um software
compatível com o processador de texto que pensa usar na feitura
do relatório) e registe a sua identificação no índice da pasta.

Registe a sua crítica sobre cada um dos documentos pessoais


interrogando-se sobre a veracidade e credibilidade das fontes, o
modo como foi construído e se corresponde às suas necessidades
de investigação.

93
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2.7. Documentos escritos difundidos

Jornais, publicações, periódicas ou não, produzidas pelos meios de


comunicação social, assim como cartazes, panfletos, graffiti e documentos
escritos de natureza diversa, constituem boas fontes de informação, aplicando-
-se-lhes basicamente os critérios atrás mencionados para uma utilização eficaz
(crítica externa e interna e verificação de informação através de fontes
alternativas).

Relativamente a este tipo de documentos, há que ter em conta as suas


particularidades próprias, nomeadamente o facto de terem diferentes
motivações de publicação. Tomemos o caso de um jornal: o mesmo número
pode ter unidades de informação com características diferentes: notícias com
a finalidade de informar o público, crónicas cujo objectivo é exprimir uma
opinião sobre determinada situação, artigos claramente apontando para um
objectivo formativo, anúncios com intenções comerciais, institucionais ou
políticas, etc.

Se numa crónica, num anúncio ou mesmo num artigo é de esperar uma


intencionalidade do autor que lhe sublinha a sua condição de discurso
construído sobre o real mas que dele por vezes se afasta, no caso da notícia o
leitor desprevenido tende a confundi-la com o real esquecendo que, ao longo
20
O ciclo de vida de uma no- do seu ciclo de vida20 e ainda que tenha havido particulares preocupações de
tícia começa com a recolha da
informação, passando por um objectividade, a informação sofre progressivas filtragens afastando-se muitas
complexo processo de verifi- vezes da realidade que pretendia descrever. O investigador tem de estar
cação, elaboração, paginação,
difusão, recepção e reacção consciente de todos estes factores para os poder ponderar devidamente na
dos diversos segmentos de análise da autenticidade e validade dos dados.
opinião terminando com a sua
morte por esquecimento.

O jornal como fonte de dados

Dada a importância que assume na investigação documental, o jornal merece


uma reflexão um pouco mais detalhada. Quando se debruça sobre um jornal
com o intuito de o analisar o investigador quer frequentemente atingir um de
três objectivos:

• colher informações brutas sobre um dado fenómeno social;

• salientar o conteúdo da informação difundida;

• revelar o tipo de impacto que dado tipo de informação difundida tem


sobre os segmentos de opinião.

Já vimos que o primeiro objectivo deve ser visto com alguma reserva uma
vez que a informação difundida é o resultado de sucessivas decantações que

94
© Universidade Aberta
lhe podem alterar a fiabilidade. Por seu turno a questão da análise de conteúdo
será referida na segunda parte deste Manual. Salientemos então muito
sucintamente alguns aspectos a ter em conta na análise de impacto de uma
unidade de informação.

Análise de impacto

Para fazer uma ideia aproximada do impacto de uma dada unidade de


informação (UI), seja ela notícia, crónica, artigo, anúncio ou outra qualquer,
há que ter em conta algumas variáveis:

• o nome do jornal fornece informações sobre o controlo a que está


sujeito (por parte de agentes públicos ou privados, de grupos de
interesse ou de pressão, de partidos políticos ou de movimentos
sociais, etc);

• a data da difusão permite avaliar a importância dada pela opinião


pública à informação difundida comparando-a com os relatos de
acontecimentos ocorridos na mesmo altura (que podem contribuir
para sublinhar ou neutralizar o seu impacto);

• a página em que a UI é colocada é um bom indicador do seu impacto.


Com efeito, apesar da hierarquização das páginas variar ligeiramente
de jornal para jornal, é relativamente consensual a seguinte hierarquia:
primeira, última, centrais, ímpares e finalmente, pares;

• o lugar que a UI ocupa na página é também normalmente hierar-


quizado dando-se maior importância às que se situam em cima e nas
colunas da esquerda;

• a grandeza do título constitui um indicador de bastante importância


dada a competição existente entre as várias UI relativamente à atenção
do leitor; tal grandeza deve ser vista tanto em valor absoluto (número
de colunas que abrange, altura e superfície) como relativamente à
dimensão dos outros títulos da página;

• no que respeita ao conteúdo do título há que ter em conta a


concordância ou não com o texto, a acentuação de determinadas ideias
mestras, bem como a vizinhança de títulos que neutralizem ou
sublinhem a mensagem daquele.

Na seleccção da mensagem a ler o leitor é normalmente receptivo à apre-


sentação da mesma. Assim, para avaliar o grau de impacto que uma UI

95
© Universidade Aberta
tem no público, há que ter em conta também as variáveis seguidamente
listadas:

• Ilustrações. A notícia é acompanhada de ilustrações? Se é, de que


tipo? (fotos, diagramas, desenhos, caricaturas, tabelas, gráficos, etc)
Que superfície absoluta e relativa ocupam? Qual o conteúdo das
mesmas? (Concordam ou neutralizam o texto; têm dinamismo; a
legenda forma um todo adequado com a ilustração e com a UI no seu
conjunto?)

• Tipografia. A UI está dividida em partes com caracteres diferen-


ciados? Sublinhados? Caixas?

• Estrutura. Está a mensagem contida numa só página ou fragmentada


em duas ou mais? Está subdividida em unidades inteligíveis? Tem
21
O lead é a síntese que não lead21? Qual o seu conteúdo e coerência relativamente ao conjunto?
excede normalmente as trin-
ta palavras apresentada
imediatamente a seguir ao tí- • Origem. Qual a origem da informação? (Agência informativa; corpo
tulo. redactorial; outro orgão de informação; cidadãos comuns; entidades
oficiais; etc.)

• Selecção. Que aspectos dos factos conhecidos pelo investigador foram


sublinhados ou omitidos?

Relativamente aos jornais em formato digital, as variáveis atrás assinaladas


devem ser tidas em conta com as devidas adaptações (por exemplo, em vez
do número da página em que está inserida a unidade de informação, poder-
-se-á considerar que esta terá tanto mais impacto, quanto menos cliques
obrigar o utilizador a fazer, ou seja, quanto mais fácil seja o acesso).

3. Documentos não escritos

22
3.1. Objectos
Este tipo de aproximação é
mais próprio dos arqueólogos
e dos antropólogos culturais Sendo o objecto uma criação cultural, em certo tipo de investigações, como
que estudam culturas tradici-
onais. Numa dissertação so-
as de índole antropológica, há necessidade de proceder à sua recolha e análise.
bre Relações Interculturais Através do estudo dos objectos pode reconstituír-se a estrutura e o
provavelmente o investigador
observará objectos e
funcionamento de um dado agregado social.
classificá-los-á mas não ne-
cessitará de os recolher. Para Não cabendo neste Manual o aconselhamento de investigadores em matéria
quem precisar de o fazer é
recomendável a leitura de um
de recolha deste tipo de material22 chama-se a atenção para o facto de qualquer
livro dessas especialidades. objecto observado com relevância para o estudo dever ser devidamente
Cfr. por exemplo Mauss,
Marcel (s/d) ou Ribeiro
catalogado e analisado. Uma forma típica de iniciar este processo é fazer
(2003).

96
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uma espécie de ficha de leitura com os seguintes elementos: descrição,
localização no espaço e no tempo, funcionalidade.

O mesmo objecto pode desempenhar diferentes funções em culturas


diferentes. Um exemplo vivenciado no início dos anos setenta ilustra bem
esta afirmação: surpreendida com o grande número de receptores de televisão
que detectou num bairro de lata, uma equipa de investigadores descobriu
que a TV era usada sobretudo como meio de controlo social. Com efeito,
uma desculpa frequente das jovens adolescentes para sairem à noite era irem
ver a televisão ao clube do bairro. Sabendo que aquele local era um centro de
aliciamento de adolescentes para a prostituição, muitos pais com um enorme
esforço financeiro que implicava por vezes endividarem-se, compravam um
23
Carmo et al (1971) Estudo
televisor para reterem as suas filhas em casa23. Exploratório de um Bairro
de Lata de Lisboa, Lisboa,
s.n.

3.2. Registos de som e de imagem em suporte analógico ou digital

A análise de informação de registos de som e de imagem bem como a que


existe em suporte informático requer uma especialização que não cabe no
âmbito deste manual. No entanto, para quem necessite de analisar informação
nestes tipos de suporte, recomenda-se:

• a leitura atenta da bibliografia da disciplina de Antropologia Visual


do Mestrado em Relações Interculturais da Universidade Aberta,
nomeadamente Ribeiro (2003);

• os mesmos procedimentos relativamente às correspondentes cadeiras


do Mestrado em Comunicação Educacional Multimedia da mesma
Universidade.

Síntese

Neste capítulo procurou-se apresentar um conjunto de recomendações que


permitem realizar uma pesquisa documental mais adequada e eficaz.
Salientou-se, seguidamente, a necessidade de proceder a uma selecção de
informação por aproximações sucessivas, de a registar e organizar conve-
nientemente.

97
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Finalmente, foi feita referência a um conjunto de fontes documentais mais
utilizadas, discutindo-se a sua validade as suas limitações e indicando-se
alguns procedimentos que a experiência tem recomendado.

Teste formativo

1. Quais os objectivos da pesquisa documental?

2. Porque se pode comparar o processo de investigação a uma corrida


de estafetas?

3. Em que consiste a estratégia das aproximações sucessivas na


pesquisa documental?

4. Que vantagens existem, para o investigador, da consulta de


enciclopédias, dicionários e vocabulários especializados?

5. Enuncie cinco critérios possíveis a utilizar pelo investigador quando


recorre a uma base de dados.

6. Que suportes de documentação escrita conhece?

7. O risco de desnorteamento é constante em pesquisa documental.


Indique alguns modos de o evitar.

8. A figura do documentalista é muitas vezes negligenciada por alguns


investigadores. Explique porquê.

9. Identifique, em tópicos, uma estratégia económica de exploração


de um texto.

10. Faça a ficha bibliográfica de uma monografia, de um artigo e de um


capítulo de uma obra colectiva à sua escolha. Confronte com os
exemplos referidos no texto e, se necessário, corrija.

11. Faça a ficha de leitura de um artigo à sua escolha de acordo com os


critérios atrás recomendados. Identifique-a através de um conjunto
de descritores não inferior a cinco nem superior a dez.

12. Refira alguns exemplos que provem a utilidade da análise das


publicações oficiais para o investigador.

13. Dê dois exemplos de documentos oficiais não publicados e refira


um modo de ultrapassar as dificuldades de acesso à sua consulta.

98
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14. Sumarize as principais virtualidades e limitações do uso das
estatísticas bem como alguns procedimentos a adoptar para as usar
com maior segurança.

15. Faça idêntica reflexão relativamente aos documentos pessoais.

16. Faça uma listagem dos principais factores a ter em conta na análise
do impacto de uma notícia

17. Refira a importância da análise dos objectos numa investigação sobre


a cultura de um dado grupo social.

18. Se precisar de proceder à análise de registos de som e de imagem a


que fontes pode recorrer?

Leituras complementares

GRAWITZ, Madeleine
1993 Méthodes des Sciences Sociales, Paris, Dalloz, pp. 503-531.

QUIVY, Raymond e CAMPENHOUDT, Luc Van


1992 Manual de Investigação em Ciências Sociais, Lisboa, Gradiva,
pp. 45-67.

SELLTIZ, JAHODA, DEUTCH e COOK


1967 Métodos de Pesquisa nas Relações Sociais, S. Paulo, Herder,
pp. 355-386.

N.B. Algumas universidades permitem a consulta, através do seu sítio na


Internet, à listagem das obras de literatura cinzenta, disponíveis nas
respectivas bibliotecas. Esse procedimento reduz substancialmente o tempo
gasto e possibilita o acesso a informação muito valiosa, não publicada nos
circuitos comerciais.

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4. Técnicas de Observação

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Sumário:

Objectivos da unidade
1. O que é observar?
1.1. O testemunho dos deficientes
1.2. Os ensinamentos de Baden Powell
1.3. As lições de Conan Doyle
1.4. A experiência dos socorristas
Actividade 4.1
2. Que aspectos observar?
2.1. Os indicadores como filtros de informação
Questões conceptuais
Indicadores demográficos e económicos
Indicadores sociais
Critérios para a construção de indicadores sociais
2.2. Guiões de observação e sistemas de registo
Actividade 4.2
3. Tipos de observação
3.1. Observação não-participante
3.2. Observação participante despercebida pelos observados
3.3. Observação participante propriamente dita
Actividade 4.3
4. Aspectos relevantes da observação participante
4.1. A questão do observatório
Negociação e escolha do papel
O horizonte de cada papel
4.2. A questão da intensidade do mergulho
A Janela de Johari
Mergulho restrito
Mergulho profundo
Actividade 4.4
5. Problemas deontológicos
Actividade 4.5
Síntese
Teste formativo
Leituras complementares

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Objectivos da unidade

No final do processo de aprendizagem desta unidade o estudante deverá estar


apto a:

• distinguir as operações de olhar e ver e de ouvir e escutar através da


introdução de procedimentos de atenção que permitem selecionar
informação pertinente;

• identificar três condições básicas para uma observação com qualidade;

• consciencializar a necessidade de treinar a atenção para aprofundar a


capacidade de observar;

• definir e discutir o conceito de indicador;

• dar exemplos do uso de indicadores em diferentes situações;

• enunciar a utilidade dos indicadores demográficos, económicos e


sociais;

• dar exemplos de indicadores sociais qualitativos e quantitativos;

• identificar as principais funções de um indicador social;

• definir o que é um indicador social;

• identificar três modos de conceber indicadores sociais;

• referir a importância de um guião de observação;

• identificar quatro tipos de instrumentos de registo da observação;

• explicitar as vantagens e limitações de um diário de pesquisa em


suporte informático;

• fazer uso correcto do bloco-notas e do diário de pesquisa;

• identificar, caracterizar e explicitar as virtualidades e limitações da


observação não participante;

• identificar, caracterizar e explicitar as virtualidades e limitações da


observação participante despercebida;

• identificar, caracterizar e explicitar as virtualidades e limitações da


observação participante propriamente dita;

• identificar dois elementos relevantes na negociação para a escolha


do papel-observatório;

105
© Universidade Aberta
• explicitar a importância da identificação do horizonte de cada papel;

• explicar o modelo da janela de Johari;

• identificar as virtualidades e limitações de um mergulho restrito à


luz da janela de Johari;

• identificar as virtualidades e limitações de um mergulho profundo à


luz da janela de Johari;

• definir observação militante e explicitar as suas limitações num


trabalho académico;

• identificar alguns problemas deontológicos postos pela técnica de


observação.

106
© Universidade Aberta
Nas unidades anteriores foi abordado o planeamento de uma investigação e
o processo de pesquisa documental, tendo então procurado também chamar
a atenção para a necessidade de ser tomada, por parte do investigador, uma
atitude profissional, o que o obriga a uma severa disciplina pessoal. O
investigador deverá assumir, assim, o papel de um verdadeiro gestor do
projecto de investigação pelo qual é responsável, o que implica delinear
rigorosas estratégias de acção e planear as consequentes tácticas de pesquisa.

Na presente unidade procurar-se-á salientar a mesma preocupação, começando


por chamar a atenção para algumas características básicas da observação,
técnica que exige um treino global cuidado e uma adequação específica a
cada caso. Seguidamente falar-se-á de diferentes tipos de observação usuais
em Ciências Sociais. Termina-se dando especial realce à observação
participante, pela frequência com que esta técnica é usada, sublinhando ainda
alguns aspectos relevantes no desenvolvimento da sua aplicação.

1. O que é observar?

Por se tratar de uma palavra banalizada na linguagem comum valerá a pena,


antes de mais, clarificar o que se entende por técnica de observação. Para
isso recorrer-se-á a quatro diferentes contextos em que a palavra é utilizada.

1.1. O testemunho dos deficientes

Em 1977 decorreu no Instituto António Feliciano de Castilho, uma escola


para crianças cegas, em Lisboa, um curso sobre técnicas de locomoção
indispensáveis ao dia-a-dia de um cego, destinado a sensibilizar para elas os
profissionais de educação especial. Dado tratar-se de um módulo de iniciação,
os procedimentos ensinados circunscreveram-se à aprendizagem de modos
correctos de as pessoas se poderem movimentar sem bengala, técnica usada
em pequenos espaços fechados, em sítios já conhecidos pelo invisual.

Em dada altura, já na fase final do módulo, o grupo foi dividido em pares


propondo-se-lhes o seguinte exercício:

• em cada par foi atribuído a um dos elementos o papel de guia e ao


outro, o de cego;

• para o efeito cada um dos que desempenhou o segundo papel foi


devidamente impedido de ver, por colocação de uma venda nos olhos;

107
© Universidade Aberta
cada par tinha de deambular durante meia hora pelo bairro de Campo
de Ourique, zona onde se situava o local de formação, caracterizada
esta por uma quadrícula de ruas de geometria regular, aparentemente
sem pontos de referência para os forasteiros se poderem orientar;

• o parceiro que desempenhava o papel de guia conduziria o que


simulava ser cego por onde quizesse, observando rigoroso silêncio,
preocupando-se exclusivamente em preservar a sua segurança, usando
para isso as técnicas aprendidas para guiar um cego;

• o segundo, à medida que a caminhada decorresse, iria descrevendo


todo o ambiente circundante com os pormenores que pudesse;

• ao fim de meia hora trocariam de papéis sem comentar a experiência;

• finalmente, em plenário, proceder-se-ia à discussão do exercício.

Os resultados da experiência foram espectaculares: a primeira surpresa


revelou-se ao fim de trinta metros de caminhada, por ter sido reconhecido
um cruzamento, pela diferença de correntes de ar e pela mudança significativa
de ruídos do tráfego. A partir daí as descobertas sucederam-se: a percepção
de estarmos passando ao lado de um barbeiro, pelo cheiro a água de colónia
e pelo barulho ritmado da tesoura; da estação de serviço, através do
característico cheiro misturado de gasolina e óleo queimado; a descoberta
do lugar pelo cheiro das hortaliças e legumes e pela conversa entre clientes
e lojista, etc.

Na avaliação do exercício, para além da comprovação de que o invisual tem


muito mais possibilidades de orientação espacial do que à partida um normo-
visual possa pensar, foi ainda sublinhada através de uma descoberta por todos
experimentada de que ver não é só olhar e escutar não é só ouvir.

Com efeito, este jogo de simulação ilustrou que a capacidade de observar se


encontra frequentemente inibida. A passagem do olhar para o ver e do ouvir
para o escutar, ou seja a criação de uma atitude de observação consciente
passa por um treino da atenção de forma a poder aprofundar a capacidade
de seleccionar informação pertinente através dos orgãos sensoriais.

1.2. Os ensinamentos de Baden Powell

A segunda aproximação ao conceito de observação é-nos trazida pelos


ensinamentos de Lord Baden-Powell of Gillwell (1857-1941), fundador do
movimento mundial do escutismo. Tendo servido por razões profissionais

108
© Universidade Aberta
em várias regiões do Império Britânico – no Afeganistão, na Índia e mais
tarde na África do Sul - aprendeu com os batedores das unidades a que
pertenceu ao longo da sua carreira militar, a tirar partido dos mais pequenos
indícios para poder extraír orientações úteis ao seu trabalho.

Com os pisteiros zulos, sobretudo, desenvolveu e aprofundou a sua notável


capacidade de observar. Com eles aprendeu também a deduzir (através da
observação das pegadas, de ramos partidos de árvores e arbustos e outros
sinais quase imperceptíveis para olhos, ouvidos e narizes menos prevenidos)
a passagem de pessoas e animais por vezes ocorrida muitas horas antes,
identificando o seu número e outras características importantes (tamanho e
tipos de animais, contingente e armamento de tropas inimigas, etc).
1
Baden-Powell, (1977),
No seu escrito fundamental, o Escutismo para Rapazes1, em que procurou Escutismo para Rapazes,
Lisboa, Corpo Nacional de
transmitir aos jovens escuteiros princípios e procedimentos que considerava Escutas, 5ª edição revista,
essenciais ao forjar de uma personalidade equilibrada, sublinha a importância 1ª edição de 1908, pp. 137-
-150
das faculdades de observação dizendo a certa altura:
2
O termo scout significa lite-
2
Uma das coisas mais importantes que um escuteiro tem de aprender, quer ralmente batedor, explorador,
observador militar, sentinela
seja escuteiro de guerra, quer caçador, quer escuteiro de paz, é que nada avançada. Quando criou o seu
escape à sua atenção. É indispensável que veja as coisas mais insignificantes movimento juvenil, BP, como
e as interprete. Exige-se muita prática para que um novato adquira o hábito carinhosamente os escuteiros
lhe passaram a chamar, pas-
de fixar tudo e não deixar que nada lhe escape à vista. Esta prática tanto se sou a designar por scout o jo-
adquire na cidade como no campo. vem pertencente ao movi-
mento, cujas qualidades de
argúcia, coragem gene-
De igual modo deve notar todos os rumores, ou cheiros especiais, e procurar rosidade e espírito de serviço
averiguar de onde provêm. Se não se habituar a reparar nestas pequeninas pretendia que se asseme-
lhassem às dos pioneiros e
coisas, não terá elementos para raciocinar e tirar conclusões e pouco valerá batedores que tivera o pre-
como escuteiro.3 vilégio de conhecer ao longo
da sua vida. Em português a
palavra foi traduzida por es-
Dos ensinamentos de Baden-Powell pode-se extrair uma segunda carac- coteiro (designação adoptada
pela Associação dos Escotei-
terística do conceito de observação: é a de que saber observar, implica ros de Portugal) e por
confrontar indícios com a experiência anterior para os poder interpretar. escuteiro ou escuta (tradução
convencionada pelo Corpo
Nacional de Escutas).
Para qualquer investigador, este procedimento implica, três operações:

• saber identificar indícios, o que requer um treino continuado da 3


Baden-Powell, op. cit.
atenção; pág. 138.

• possuir uma experiência anterior adequada, o que implica possuir


uma boa preparação teórica e empírica;

• ter capacidade para comparar o que observa com o que constitui a


sua experiência anterior e a partir daí poder tirar conclusões perti-
nentes, o que obriga a uma formação metodológica sólida.

109
© Universidade Aberta
1.3. As lições de Conan Doyle

Qualquer dos exemplos atrás referidos sublinha a importância do treino da


observação. Recorrendo à ficção, vale a pena trazer à memória a imortal
figura de Sherlock Holmes, personagem criada por Conan Doyle que tanta
4
Barreto, Mascarenhas influência teve nos métodos da polícia científica moderna4. No seu primeiro
(1985) Prefácio a Doyle, Sir
Arthur Conan (1985), Um
caso intitulado Um estudo em vermelho, é significativa a gostosa passagem
Estudo em Vermelho, Lis- em que aquela personagem defende este ponto de vista:
boa, Livros do Brasil, pp 42-
43. A primeira edição desta
obra foi publicada no
Toda a vida é uma grande cadeia cuja natureza se revela ao examinarmos
Beeton’s Christmas Annual qualquer dos elos que a compõem. Como todas as outras artes, a Ciência
de Londres em 1887 tendo da Dedução e Análise só pode ser adquirida por meio de um demorado e
sido pela primeira vez edita-
do em livro no ano seguinte, paciente estudo e a vida não é tão longa que permita a um mortal o
pp 16-17. aperfeiçoar-se ao máximo nesse campo. Antes de passar aos aspectos morais
e mentais de um assunto que apresente as maiores dificuldades, o
pesquisador deve principiar por assenhorear-se dos problemas mais
elementares. Ao encontrar um semelhante, aprende a distinguir
imediatamente qual a história do homem e a actividade que exerce. Por
mais pueril que este exercício possa parecer, aguça as faculdades de
observação. Pelas unhas de um homem, pela manga do seu casaco, pelos
seus sapatos, pelas joelheiras nas calças, pelas calosidades do seu indicador
e polegar, pela sua expressão, pelos punhos da camisa... em cada uma destas
coisas a profissão de um homem é claramente indicada. Que o conjunto delas
5
Op. cit. pag. 19. não esclareça um indagador competente é virtualmente inconcebível5.

1.4. A experiência dos socorristas

A observação é, por conseguinte, um meio indispensável para entender e


interpretar a realidade social. Por maioria de razão se compreende que sem
uma observação cuidada, feita de modo sistemático, não é possível uma
intervenção social eficaz. A Medicina já há muito entendeu isto, investindo
muitas das suas energias nas técnicas de diagnóstico que apelam
6
Mesmo no exercício da Me- substancialmente à capacidade do clínico actuar como observador6.
dicina em países altamente
industrializados, as técnicas
de observação revelam-se in-
Mesmo em campos elementares como no do socorrismo, o treino da
dispensáveis não só como observação é indispensável como suporte à acção subsequente. Os exemplos
meio fundamental de diag-
nóstico mas também como
poder-se-iam multiplicar, bastando agora referir apenas dois para imediata
instrumento meta-cognitivo ilustração: o diagnóstico de estado de choque e o de traumatismo craniano.
de combate à tecnodepen-
dência manifestada por al-
Chega-se ao primeiro pela observação da temperatura e humidade da pele,
guns daqueles profissionais pelo ritmo e superficialidade da ventilação e pelo ritmo e intensidade da
pulsação cardíaca; ao segundo, pela dimensão das pupilas oculares e pelo
aspecto nauseado da vítima. Qualquer destes indicadores são facilmente

110
© Universidade Aberta
perceptíveis a um socorrista com um curto treino e o seu conhecimento tem
salvo muitas vidas.

Noutros domínios da Ciência Aplicada, sobretudo nos campos das Ciências


Sociais e da Educação, não é tão evidente a necessidade de uma cuidadosa
observação, uma vez que facilmente se toma quase como natural aquilo que
é culturalmente construído, agindo muitas vezes os profissionais com base
em representações esteriotipadas da realidade social.

Isto acontece, por exemplo, no interior de uma sala de aula, em que o processo
de ensino-aprendizagem se desenvolve num quadro multicultural com
protagonistas apresentando diferenças físicas e culturais visíveis,
conhecendo-se mal e muitas vezes chegando mesmo a recear-se
reciprocamente. Daqui decorrem outras duas características importantes no
treino da observação: a capacidade para o observador se distanciar do
objecto de observação, ainda que este pertença à sua própria cultura, de
modo a ganhar uma conveniente perspectiva, e a capacidade para
interpretar um dado comportamento à luz da diversidade cultural. É
neste contexto que um especialista como Javier Garcia Castaño recomenda:

Entender lo que ocurre en un aula escolar requiere la capacidad


metodologica de dejar de lado las proprias concepciones y estar dispuesto
a cuestionar todo lo que ocurre en ella. (...) La comprensión de lo que es el
proceso educativo pasa por el conocimiento de la diversidad y variedad de
tal proceso entre las también diversas y variadas sociedades humanas7. 7
Castaño, Javier Garcia
(1994), Antropologia de la
Educación: el Estudio de la
Resumindo os pontos anteriores, pode-se dizer que observar é seleccionar Transmisión-Adquisición
informação pertinente, através dos orgãos sensoriais e com recurso à de Cultura, Madrid,
Eudema, pp. 18-19.
teoria e à metodologia científica, a fim de poder descrever, interpretar e
agir sobre a realidade em questão.

Actividade 4.1

A partir dos exemplos anteriores, elabore um plano de treino pessoal


que lhe permita estar atento a indícios significativos captados no
ambiente onde vai decorrer a sua pesquisa e nas pessoas com quem
vai contactar.

Um modo de começar poderá ser através da construção de uma


grelha de observação, em que procurará seleccionar os indicadores
a que vai estar particularmente atento(a). Por exemplo, imagine
que está a fazer um estudo sobre o insucesso escolar e vai fazer
uma entrevista a casa da família de uma criança pertencente à sua
amostra. Que aspectos deve observar enquanto decorre a conversa?

111
© Universidade Aberta
Mesmo que seja possuidor de treino básico em matéria de técnicas de
observação, para cada projecto específico o investigador tem necessidade de
planear a estratégia de observação a adoptar de modo a recolher os dados
adequados com economia de meios.

Esta preparação da observação implica, antes de mais, responder às seguintes


questões:

• observar o quê?

• que instrumentos se deverão utilizar para registar as observações


efectuadas?

• que técnica de observação escolher?

• no caso de opção pela observação participante que papel assumir,


como observatório, e qual o grau de envolvimento a manter com o
objecto de estudo?

• que questões deontológicas terá de gerir?

• que dificuldades particulares antevê no processo de observação e


como pensa ultrapassá-las?

2. Que aspectos observar?

Na unidade 2 já se fez referência ao envolvimento do investigador por


densas camadas de nevoeiro informacional, integradas por situações de
sobre-informação, sub-informação e pseudo-informação, que apelam à
necessidade de construção de instrumentos capazes de lhe permitir
seleccionar a informação relevante necessária à resolução do seu problema
de investigação.

8
O texto inserto nesta secção 2.1. Os indicadores como filtros de informação8
resulta da adaptação de uma
secção de um outro trabalho:
Carmo, H. (1986) Análise e É neste contexto que se impõe uma breve reflexão sobre a construção e/ou
Intervenção Organiza-
cional, Lisboa Fundetec,
selecção de indicadores, de modo a funcionarem como instrumentos de
cap 1. filtragem de informação, que permitam uma orientação mais segura no
terreno.

112
© Universidade Aberta
Questões conceptuais
A palavra “indicador”, ensina-nos a Enciclopédia Britânica, designa um
instrumento que revela condições ou aspectos da realidade, que de outra
maneira não seriam perceptíveis à vista desarmada. Descodificando esta
definição em partes inteligíveis observa-se que:

1º Trata-se de um instrumento, i.e. não é um fim em si próprio. Desta


natureza instrumental, emerge a preocupação de combater o
frequente erro, de gastar demasiadas energias e tempo na sua
concepção, energias e tempo esses que poderiam ser utilizados para
atingir os objectivos principais da pesquisa. É o que acontece, por
exemplo, com complicados índices utilizados nalguns estudos que
ocuparam demasiado tempo na sua concepção tendo benefícios
insignificantes em termos de valor acrescentado à investigação
previamente existente.

2º Outro aspecto da definição de indicador que nos parece significativo


é a sua faceta de revelador: tal como o revelador fotográfico, que é
uma substância que permite o aparecimento da imagem na chapa
impressionada, de outro modo não percepcionável, o indicador faz
emergir informação, doutra maneira dificilmente inteligível.

Todavia, não se limita a fazê-lo cegamente. Se se tratásse toda a informação


que percepcionamos, ficaríamos afogados no nevoeiro informacional já acima
referido. No meio deste turbilhão informacional, é necessário ao investigador
recorrer a processos de selecção da informação útil. O próprio significado
da palavra “indicar” faz luz sobre este potencial revelador dos indicadores:
apontar, dar a conhecer, revelar, significar, dar sinal de, determinar...

A partir do que se acaba de referir, pode-se definir operacionalmente


indicador como um instrumento construído com o objectivo de revelar
certos aspectos pertinentes de uma dada realidade, de outro modo não
perceptíveis, com o fito de a estudar, de a diagnosticar e/ou de agir sobre
ela.

À primeira definição referida, acrescentou-se a ideia de construção,


sublinhando que o indicador é sempre um instrumento artificial, acentuando
a sua faceta selectiva e pragmática, fazendo ressaltar a sua natureza informativa
para a acção. Esta última ideia merece ser sublinhada: com efeito, em toda a
nossa vida quotidiana utilizamos indicadores, se bem que muitas vezes não
nos apercebamos que o são:

• por exemplo, o médico, para diagnosticar o padecimento do cliente,


utiliza indicadores quer de carácter qualitativo (palidez ou rubor da
pele, dimensão da pupila e outras queixas feitas pelo doente) quer

113
© Universidade Aberta
quantitativos (tensão sanguínea, velocidade de sedimentação,
quantidade de glóbulos, percentil do peso e da altura, etc.);

• o meteorologista, por seu turno, não poderia exercer a sua profissão


se não recorresse aos indicadores da pressão atmosférica, da
temperatura, da humidade, da quantidade de precipitação e de tantos
outros;

• o simples motorista, e muitos de nós o somos, utiliza indicadores de


nível de gasolina e óleo, da velocidade, das rotações do motor, entre
outros, para uma condução mais eficiente e segura.

Ora se os indicadores são tão úteis no nosso viver quotidiano, por maioria de
razão o serão para entendermos o sistema social onde estamos inseridos,
cuja complexidade e diversidade necessita ser descodificada, sistematizada,
avaliada e, se possível, medida para ser inteligível.

Indicadores demográficos e económicos

Os primeiros neste campo, a serem sistematicamente recolhidos e tratados


foram os indicadores demográficos, que permitiram a investigadores e
administradores aperceberem-se com maior rigor e clareza de aspectos
relacionados com a estrutura da população, na sua distribuição espacial e
funcional, e retratar a sua dinâmica, através dos indicadores de natalidade,
mortalidade e migrações. A resultante prática da utilização dos indicadores
9
demográficos foi tão grande, que há autores que a referem como um dos
Rosanvallon, P. (1985), A
Crise do Estado-Provi- pilares fundamentais sobre o qual assentou o Estado-Providência.9 Sem o
dência, Lisboa, Inquérito. seu uso, as Ciências Sociais dificilmente dariam os passos que deram.
Recordemos por exemplo, o já clássico estudo de Durkheim sobre o suicídio
(1897), baseado essencialmente em indicadores deste tipo.

Paralelamente e respondendo às necessidades de analisar as grandes crises


económicas dos dois últimos séculos desenvolveram-se os indicadores
económicos que todos os dias são publicados e publicitados pelos media.

Indicadores Sociais

Os indicadores demográficos e económicos, contribuíram significativamente


para a compreensão do sistema social. No entanto, havia problemas
extra-económicos trazidos pela organização social e pela mudança que lhes
escapavam. Houve então que criar instrumentos que permitissem revelar com

114
© Universidade Aberta
clareza e precisão o que se estava a passar. É desta necessidade que emergem
os primeiros estudos sobre indicadores sociais. Estes, tal como no caso dos
anteriores, podem ser quantitativos ou qualitativos.

Um exemplo de indicador quantitativo é a taxa de mobilidade intergeracional


calculada por Birnbaum e a sua equipa, construído para revelar a fraca
mobilidade social existente na classe dirigente francesa nos últimos 30 anos:10 10
Birnbaum, P. (1978), La
Classe Dirigeante Française,
Para a construir, Birnbaum começou por agrupar as diversas profissões em Paris, P.U.F
diferentes níveis de status social. Seguidamente, interrogou a sua amostra,
construída por pessoas que detinham posições de poder nas organizações
públicas e privadas francesas, sobre a sua profissão e sobre a profissão do
pai. Com base nestes elementos construíu o indicador referido, a taxa de
mobilidade intergeracional que, como o nome indica, se destina a revelar a
mobilidade social no espaço de uma geração, considerando:

• haver mobilidade vertical quando a posição social do filho fosse


superior à do pai (ascendente) ou inferior (descendente);

• existir mobilidade horizontal, quando pai e filho pertencessem a


profissões diferentes mas do mesmo nível;

• hereditariedade social quando pai e filho tivessem exactamente a


mesma profissão e o mesmo nível hierárquico.

De acordo com aqueles critérios, Birnbaum observa que em França, nos 30


anos que antecederam o estudo, se havia verificado uma diminuição
substancial de mobilidade ascendente, ocorrendo com cada vez maior
frequência a situação de dirigentes, quer do sector privado quer do sector
público, serem filhos de outros dirigentes ou de ex-dirigentes.

Os indicadores qualitativos não são menos importantes na produção


científica contemporânea. Um exemplo ilustrativo é o quadro de várias
dezenas de indicadores de que Oscar Lewis se serve para caracterizar a cultura
da pobreza, (Lewis, 1968, op.cit), e que podemos observar na fig. 4.1.

Tanto os indicadores sociais quantitativos como os qualitativos, são


construídos para atingir quatro objectivos concretos: retratar a realidade
social nas suas facetas estrutural e dinâmica, revelar as percepções dos
diferentes grupos sociais sobre o sistema social, planear a intervenção
social e, finalmente, para avaliar essa intervenção com clareza e rigor.

Utilizando o conceito operacional anteriormente definido, poderá dizer-se


que, os indicadores sociais são instrumentos construídos com o objectivo de
revelar certos aspectos pertinentes da realidade social, de outro modo não
percepcionáveis, com o fito de a estudar, de a diagnosticar e de sobre ela
poder intervir.

115
© Universidade Aberta
Fig. 4.1 - Quadro de indicadores qualitativos indiciadores da cultura
da pobreza, segundo o antropólogo americano Oscar Lewis (1968)

I - Relação com a sociedade envolvente II - Natureza da comunidade


1. Falta de recursos económicos 33. Más condições habitacionais
2. Medo 34. Amontoamento (sobrelocação)
3. Suspeita 35. Fraca organização
4. Discriminação 36. Consciência de pertença face ao exterior
5. Apatia
6. Salários baixos III - Caracterização da família
7. Desemprego e subemprego crónicos 37. Ausência de infância como fase pro-
tegida
8. Rendimentos baixos 38. Iniciação sexual prematura
9. Ausência de posse de propriedades 39. Uniões livres em casamentos consen-
suais
10. Ausência de posse de economias 40. Alta taxa de abandonos
11. Ausência de reservas alimentares no lar 41. Alta taxa de famílias chefiadas por mães
12. Ausência de dinheiro no dia-a-dia 42. Maior conhecimento do parentesco ma-
terno
13. Alta taxa de uso de penhores para crédito 43. Maior autoritarismo
14. Alta taxa de uso de agiotas locais 44. Falta de vida privada
15. Créditos locais espontâneos 45. Enfase verbal sobre a solidariedade fa-
16. Uso de roupas e mobiliário em 2ª mão miliar, desmentida na prática
17. Prática de compra de pequenas quanti-
dades de géneros IV - Aspectos individuais
18. Baixa produção e baixo consumo 46. Forte sensação de marginalidade, de-
19. Baixa taxa de alfabetização samparo, dependência, inferioridade,
resignação e fatalismo
20. Baixa participação nos sindicatos 47. Alta incidência de privação materna e de
21. Baixa participação nos partidos políticos oralidade
22. Baixa participação associativa 48. Estrutura fraca do ego
23. Baixa utilização dos bancos 49. Confusão quanto à identificação sexual
24. Baixa utilização dos hospitais 50. Falta de controle sobre os impulsos.
25. Baixa utilização de grandes lojas Espontaneidade comportamental
26. Baixa utilização dos museus e galerias 51. Orientação quase exclusiva para o
27. Ódio à polícia Presente. Fraco sentido de Passado e
Futuro do Exterior
28. Desconfiança face à hierarquia da “outra 52. Machismo
cidade” (governo, administração, etc.) 53. Tolerância quanto a patologia fisiológica
29. Desconfiança face à Igreja 54. Ausência de consciência de classe
30. Consciência dos valores da classe média, 55. Baixo nível de aspirações
mas sem os praticarem 56. Exaltação da aventura como um valor
31. Alta taxa de casamento consensual 57. Presença quotidiana da violência
32. Alta taxa de jus materno

Fonte: Carmo, H. (1986), Análise e intervenção organizacional, Lisboa, Fundetec.

116
© Universidade Aberta
Critérios para a construção de indicadores sociais

O primeiro critério referido por diversos autores para a construção de


indicadores sociais é o do reconhecimento da sua utilidade: com efeito, ao
construir um indicador, há que questionar se ele poderá ser útil quer para
a análise da realidade quer para a intervenção dos actores sociais.
Os caminhos utilizados para a sua elaboração são, assim, variados podendo-se:
• partir de dados já disponíveis e utilizá-los em bruto (por exemplo:
número de alunos de uma minoria que frequentam uma determinada escola)
• construir índices a partir da sua combinação (por exemplo: número
de alunos de uma minoria étnica que frequentam uma determinada
escola sobre o número total de alunos vezes cem, o que permite ver o
seu peso relativo no total da população discente);
• recolher dados brutos através de pesquisa directa para responder
a certas questões. (por exemplo, presença de indicadores de
subcultura de pobreza no grupo considerado, de acordo com a listagem
referida na fig. 1).

2.2. Guiões de observação e sistemas de registo

Quando se planeia uma observação no terreno é do terceiro tipo de indicadores


que se trata. O critério da utilidade deve estar sempre presente, devendo construir-
se um guião de observação que inclua um conjunto de indicadores neces-
sário para retratar o objecto de estudo mas não excessivamente abundante
de modo a poder criar uma situação de sobre-informação.
Para se conceber tal instrumento, é conveniente tirar partido das leituras e
contactos efectuados no estudo exploratório bem como a um reconhecimento
prévio no terreno a observar. É extremamente importante que o investi-
gador não vá desarmado para o campo. Se o fizesse, correria sérios riscos
de coleccionar informação inútil para além de, por certo, lhe escapar muita
informação pertinente ao seu estudo.
Feita a observação, torna-se indispensável o seu rápido registo sob pena de
se perder elementos valiosos. Para além do uso dos próprios guiões de
observação que podem funcionar como instrumentos de registo, é usual
recorrer-se a outros elementos como os seguintes:
• bloco-notas;
• diário de pesquisa; 11
Sobre o uso de gravações
audio e video, vide Ribeiro
• gravações em audio ou em video11. (2003, 2004).

117
© Universidade Aberta
O bloco-notas deve ser uma companhia permanente do investigador. É nele
que são anotadas as primeiras impressões, sob a forma de tópicos, diagramas
e breves memorandos, de modo a auxiliar a sua memória quando vier a registar
mais detalhadamente os resultados da sua observação. Certos grupos reagem
de modo negativo a um desconhecido que na sua presença faz anotações.
Quando prevê este tipo de reacção, o investigador não deverá utilizá-lo,
tentando memorizar a sua observação, só a registando logo que lhe for
13
Pode recorrer-se a diversos possível13.
processos para atingir este
objectivo. Nas investigações
que fizémos em bairros de Este primeiro apontamento é necessário mas não é suficiente tendo de ser
lata, criámos a rotina de to- completado com um relato mais detalhado em que se registem os factos
mar as nossas primeiras no-
tas num café que ficava à bei- observados, interpretações que nos mereceram, hipóteses que se nos
ra do bairro. Mais tarde, na levantaram fruto da observação, bem como outras informações úteis a não
pesquisa para o doutora-
mento, usámos um gravador esquecer (ex: nomes de pessoas contactadas ou a contactar, bibliografia a
portátil com o mesmo objec- revisitar, etc.). É com essa função que vários autores recomendam a elaboração
tivo. O essencial é que as pri-
meiras notas sejam tomadas de um diário de pesquisa.
em cima dos acontecimentos
observados.
Trata-se, como o nome indica, de um autêntico diário de bordo, em que o
investigador vai assentando por ordem cronológica os vários procedimentos
da sua investigação, os resultados das observações efectuadas, os
acontecimentos relevantes, etc. É conveniente que a sua formatação permita
a inserção de diversos tipos de documentos anexos como fotografias, mapas,
gráficos, tabelas e outros, pelo que não é aconselhável o uso de cadernos e
blocos que dificultam a inserção desse tipo de informação adicional.

Se o investigador optar por usar um diário de pesquisa em suporte scripto,


uma solução prática é o uso de um dossier com folhas soltas, em que se podem
entremear os elementos anexos directamente ou em pastas transparentes.

Se a escolha recair em suporte informático, isto é, se se quiser escrever


directamente num computador, ou é possível dispor de um scanner a fim de
guardar imediatamente em memória os documentos adicionais, ou se fazem
remissões no texto do diário de pesquisa para um dossier devidamente
organizado onde figure esse material. O registo imediato do diário de pesquisa
em suporte informático tem, a nosso ver, algumas vantagens sobre o clássico
dossier:

• em primeiro lugar, permite construir texto que pode vir a ser


recuperado facilmente na elaboração do relatório final da investigação;

• em segundo lugar proporciona uma pesquisa rápida da informação


14
Por exemplo, no vulgar registada através do recurso às ferramentas do processador de texto14;
word for windows pode-se
pesquisar as palavras-chave
de um texto usando edit find. • em terceiro lugar, permite um arquivo seguro e organizado dos
dados recolhidos o que não é de desprezar para quem tem de lidar
com quantidades tão grandes e tão dispersas de informação.

118
© Universidade Aberta
Em qualquer dos casos, a experiência recomenda alguns procedimentos na
feitura de um diário de pesquisa:
• o registo deve ser feito tanto quanto possível no mesmo dia do
registado a fim de não se perder informação relevante;
• as anotações devem ser registadas por ordem cronológica;
• a formatação do diário deve permitir que, numa leitura posterior, o
investigador possa destrinçar os factos observados, dos juízos de
valor, interpretações e hipóteses que lhe tenham ocorrido;
• periodicamente o diário deve ser usado como fonte de reflexão e
cuidadosamente anotadas novas ideias que surjam desse
procedimento; duas leituras são possíveis e úteis: uma leitura por
ordem cronológica permite ao investigador tomar consciência da sua
caminhada dando-lhe pistas para uma monitorização da sua pesquisa
e para a introdução de correcções a fazer; uma leitura temática
possibilita-lhe a apropriação progressiva de cachos de ideias por
processos de comparação, justaposição e combinação de informações
colhidas em momentos e locais diferentes;
• para uma leitura temática eficiente é conveniente que o investigador,
sobretudo se trabalhar em suporte scripto, elabore um índice analítico
do seu diário de pesquisa.

Actividade 4.2
1. Reveja os objectivos que definiu para a sua dissertação.
2. Com base no trabalho anterior faça um quadro com as seguintes
colunas:
1ª coluna: objectivos da pesquisa
2ª coluna: aspectos a observar traduzidos por variáveis
3ª coluna: indicadores a observar
4ª coluna: onde observar?
5ª coluna: sistema de registo a utilizar
3. Preencha o quadro. O objectivo é construir um roteiro de
observação que lhe sirva de guia para as diversas situações da
sua pesquisa.
4. Discuta o seu trabalho com outros colegas e introduza as
correcções decorrentes.

119
© Universidade Aberta
3. Tipos de observação

Existem várias formas de tipificar as técnicas de observação. Uma forma


usual de o fazer é distingui-las de acordo com o envolvimento do observador
no campo do objecto de estudo.

3.1. Observação não-participante

Se o observador não interage de forma alguma com o objecto de estudo no


momento em que realiza a observação, não poderá ser considerada como
participante.

Imagine-se, por exemplo, uma pesquisa sobre comportamentos racistas em


sala de aula. Se o investigador optar por observar a dinâmica do grupo em
situação de aula, oculto por detrás de um painel espelhado, está a fazer uma
observação não-participante.

Este tipo de técnica, possui características interessantes por:


15
Não reduz totalmente a in- • reduzir substancialmente a interferência do observador no observado;15
terferência uma vez que, por
imperativo ético, o observa-
dor deve previamente colher • permitir o uso de instrumentos de registo sem influenciar o grupo-
a autorização dos elementos -alvo;
do grupo-alvo da observação.

• possibilitar um grande controlo das variáveis a observar.

No entanto, a sua aplicação é limitada não só porque o equipamento adequado


apenas está disponível em algumas instituições (Escolas Superiores de
Educação, por exemplo) mas também porque só se adequa a alguns objectos
de estudo. Grande parte das pesquisas exige um trabalho de campo em
situação natural não se podendo simular em laboratório situações de alta
complexidade com grande número de actores e de variáveis. Para tais situações
o investigador tem de recorrer a técnicas de observação caracterizadas pelo
seu envolvimento através da assunção de um dado papel social junto da
população observada: são as técnicas de observação participante.

3.2. Observação participante despercebida pelos observados

Em certas investigações deste tipo, o papel que o investigador assume é ténue,


passando completamente despercebido à população observada, sem que esse
facto possa considerar-se incorrecto do ponto de vista deontológico uma vez

120
© Universidade Aberta
que as situações observadas ocorrem em ambiente aberto, como nas situações
que a seguir se enumeram:

• estudo do comportamento de claques de futebol;

• padrões de actuação de vendedores ambulantes ciganos em feiras;

• expressões associativas de grupos minoritários;

• padrões de ocupação de tempos livres de cabo-verdeanos.

No primeiro exemplo, poderá o investigador assistir a diversos jogos, de


lugares contíguos aos das claques, observando o seu comportamento sem
que a sua presença seja tida em consideração. O mesmo se poderá dizer
relativamente às outras situações, bastando para tal que o observador visite
assiduamente os locais frequentados pelo grupo-alvo (feiras, festas, locais
de lazer) sem dar a conhecer o seu papel de observador.

Em locais ou situações de acesso condicionado, a questão deontológica já se


põe, uma vez que o papel de investigador não lhe dá o direito de assumir um
estatuto semelhante ao do infiltrado, permitido a algumas polícias criminais.

3.3. Observação participante propriamente dita

Em grande parte das situações o investigador deverá assumir explicitamente


o seu papel de estudioso junto da população observada, combinando-o com
outros papéis sociais cujo posicionamento lhe permita um bom posto de
observação. Como o desempenho desses papéis o faz de algum modo
participar da vida da população observada, dá-se a esta técnica o nome de
observação participante. O exemplo que se segue ilustra as suas vantagens
e inconvenientes.

De Outubro de 1970 a Julho de 1971 foi realizado um estudo exploratório 16


Incidindo sobre um bairro
hoje desaparecido, a Quinta
sobre um bairro de lata de Lisboa com o duplo objectivo de fazer um do Bacalhau, o trabalho foi
levantamento sociográfico sobre o estilo de vida da população e de levantar desenvolvido no âmbito da
disciplina de Metodologia
algumas hipóteses sobre as suas estratégias de sobrevivência16. Como das Ciências Sociais, do
estratégia de base para a recolha de dados, cada um dos oito elementos da curriculo das licenciaturas em
Serviço Social e em Ciências
equipa assumiu um papel reconhecido como socialmente útil pela Sociais e Política Ultramari-
comunidade: três inscreveram-se como professores dos cursos noturnos para na do ISCSPU/UTL.

adultos, que faziam parte do programa da instituição particular de


solidariedade social implantada no bairro17; outros três assumiram o papel 17
Denominava-se Centro de
Acção Social Universitário
de recepcionistas do seu posto médico, onde eram facultadas consultas de (CASU)
diversas especialidades e donde estava a ser desencadeada uma campanha

121
© Universidade Aberta
de saúde pública; os dois restantes, ofereceram-se para o serviço de bufete
do clube do bairro, local de encontro habitual da juventude e de alguma
população adulta. No fim de cada semana, a equipa fazia uma reunião em
que era comparada a informação registada nos respectivos diários de pesquisa
e discutida a sua fiabilidade. Esta técnica, complementada naturalmente com
pesquisa documental e com entrevistas a informadores qualificados permitiu,
ao fim de um ano, atingir os objectivos acima referidos.

Da avaliação deste caso sobressaem as principais vantagens e limitações da


técnica de observação participante:
18
Tal conhecimento não é au- • a possibilidade18 de entender profundamente o estilo de vida de uma
tomático. Exige da parte do
investigador uma profunda população e de adquirir um conhecimento integrado da sua cultura é,
vigilância relativamente aos sem dúvida, a sua principal vantagem;
seus preconceitos de raíz
etnocêntrica ou não. Vide so-
bre este perigo, a obra de fic- • como limitações dominantes salientam-se a morosidade que tal técnica
ção de Irving Wallace, As três exige e as dificuldades que levanta a uma posterior quantificação dos
sereias, op. cit.
dados.

Actividade 4.3

Em função dos objectivos previstos para a sua dissertação elabore


uma breve reflexão escrita (não mais de meia página A4) em que
defenda o uso (ou o não uso) de cada uma das três técnicas de
observação atrás referidas.

19
Vejam-se como exemplos,
dois trabalhos produzidos em
épocas bem diferentes: White,
W.F. (1970), Street Corner
4. Aspectos relevantes da observação participante
Society, the Social Structure
of an Italian Slum, Chicago,
University of Chicago Press,
Há muito utilizada pelos antropólogos em estudos sobre pequenas
13ª edição, ed. original de comunidades, a observação participante tem vindo a ser cada vez mais usada
1943 (ver sobretudo o apên-
dice metodológico pp 279-
em trabalhos de natureza sociológica, interdisciplinar ou em antropologia
358); e Rocha-Trindade, Ma- das sociedades complexas19, quer como ferramenta exploratória quer como
ria Beatriz (1973), Immigrés
Portugais, Lisboa, ISCSPU,
técnica principal de recolha de dados, quer ainda como instrumento auxiliar
pref. Alain Girard. (ver sobre- de pesquisas de natureza quantitativa.
tudo o capítulo de fundamen-
tação metodológica). Sobre o
seu uso em Antropologia da
Dada a sua utilidade vale a pena reflectir um pouco sobre duas questões a ter
Educação vide Maillo, H.; em conta no seu uso, a fim de dela melhor se poder tirar partido:
Castaño, J.; e Rada, A.
(1993), Lecturas de Antro-
pologia para Educadores,
• a questão do papel social que se vai desempenhar como observatório
Madrid, Trotta
• a questão da intensidade do mergulho

122
© Universidade Aberta
4.1. A questão do observatório

No estudo exploratório sobre a Quinta do Bacalhau, atrás referido, tirou-se


partido do facto de ser uma equipa diversificada e numerosa, assumindo
cada um dos estudantes um papel diferente. Este procedimento permitiu cruzar
informações e ganhar uma visão crítica através de uma análise contrastada
das fontes de informação utilizadas, na construção final do conhecimento.

Negociação e escolha do papel

Numa dissertação de Mestrado, como aliás acontece na maior parte das vezes,
isto não é possível realizar, uma vez que o investigador está a trabalhar
sozinho. Neste caso tem de se ter especial cuidado na negociação, desen-
volvida com a população-alvo, e ponderar seriamente sobre o papel social
que se propõe desempenhar.

Uma vez que o investigador é habitualmente considerado como intruso, a


sua presença desperta no mínimo alguma perplexidade e, frequentemente,
desconfiança, sentimento que é necessário vencer com habilidade e
perseverança. De facto, o investigador é objectivamente um forasteiro que
precisa de ganhar a confiança do grupo ou da comunidade onde se vai inte-
grar. Para isso é recomendável a assunção de um papel que seja
simultâneamente claro para a população-alvo – por exemplo que não seja
identificável com papéis antipáticos ou temidos20 – e de utilidade social
reconhecida. 20
A suspeita de que o in-
vestigador poderá ser um po-
lícia infiltrado, em comu-
No exemplo acima referido, os papéis assumidos eram facilmente inteligíveis nidades com problemas de
e reconhecidamente úteis, uma vez ter sido dado a conhecer a nossa dupla comportamento desviado, ou
que é um aliado dos outros,
condição: estudantes que precisavam de apresentar um trabalho académico e em zonas dominadas por di-
que haviam querido conciliar tal necessidade com o desempenho de um ferentes facções locais, cons-
titui um sério obstáculo à re-
trabalho voluntário na comunidade, professores, recepcionistas ou voluntários alização de uma investigação
no apoio ao clube do bairro. que requeira a realização de
trabalho de campo.

Após uma cautelosa fase inicial, por parte da população residente no


bairro, em que os testes à nossa autenticidade foram constantes e revelaram
a verdade dos nossos discursos, a equipa foi adoptada sem reservas,
desenvolvendo-se uma relação de grande franqueza e, nalguns casos,
mesmo de amizade, o que permitiu a nossa presença assídua no bairro a
qualquer hora do dia ou da noite sem qualquer precaução particular de
segurança.

123
© Universidade Aberta
O horizonte de cada papel
Na escolha do papel social a desempenhar pelo investigador, quando em
trabalho de campo, é preciso ter consciência que este cria um espaço que
vai funcionar como observatório. Isto significa que alcança um horizonte
limitado e, sobretudo, que não permite visibilizar uma outra parte da realidade
social.

O papel de professor de adultos exercido na Quinta do Bacalhau, por exemplo,


que era extremamente adequado para observar em profundidade os processos
e as dificuldades de aprendizagem de uma população adulta de trabalhadores
manuais não qualificados, não permitia obter informações significativas no
respeitante ao modo como geriam os seus tempos livres, uma vez que havia
um objectivo conflito de interesses entre o tempo consagrado ao estudo e o
pouco que destinavam ao lazer. Esta situação levava a uma certa reserva
quando eram interrogados sobre o que faziam fora das aulas.

Em suma, a escolha de cada papel social tem benefícios e custos que é


preciso ter em conta, devendo ser feita de acordo com o objectivo da pesquisa.

4.2. A questão da intensidade do “mergulho”

Uma vez definido o papel social que vai legitimar a sua presença junto da
comunidade e que lhe permite criar um observatório adequado, o investigador
deve interrogar-se sobre a questão do seu envolvimento com o grupo-alvo ou
seja, sobre a intensidade do mergulho que quer dar sobre o objecto de estudo.
As consequências da sua opção são extremamente relevantes como adiante
se poderá ver.

A Janela de Johari

Para perceber claramente a relevância desta questão vejamos o modelo


21
Luft, J. e Ingham, H. (1955),
proposto por Joseft Luft e Harry Hingham conhecido por Janela de Johari21
The Johari Window, a (figura 4.2).
Graphic Model for Inter-
personal Relations, Los
Angeles, University of
Este modelo representa o grau de lucidez nas relações interpessoais,
California, (UCLA), Western classificando os elementos que influem nessas relações em quatro áreas,
Training Laboratory for
Group Development.
relativamente a um dado ego: área livre: aqueles que integram a informação
conhecida pelo ego e pelo outro; área cega: os que são conhecidos apenas
pelo outro (ex: a imagem não verbalizada que o outro tem do ego); área
secreta: os que, pelo contrário, o ego conhece sem os partilhar com o outro;
área inconsciente: os elementos que condicionam a relação mas dos quais,
nem o ego nem o outro têm consciência.
124
© Universidade Aberta
Outro
Conhecido Desconhecido
pelo outro pelo outro
Próprio

Conhecido 22
Carmo, H. (1997), op. cit.,
pelo próprio Área livre Área secreta Introdução.
23
Com o termo objec-
tivamente, quer sublinhar-se
Desconhecido que as consequências desta
Área cega Área inconsciente situação seriam indepen-
pelo próprio dentes da boa vontade dos
nossos informadores.

Fonte: LUFT, J., s/d, Introdução à Dinâmica de Grupos, Lisboa, Moraes


24
Esta situação, em parte
Figura 4.2 – Janela de Johari facilitadora da pesquisa le-
vantava-nos, em contra-
partida, a questão ética da
utilização da informação, o
que implicava um esforço
O modelo da Janela de Johari pode aplicar-se à interacção entre um indivíduo adicional da sua selecção.
e um grupo, um indivíduo e uma organização, ou às relações entre grupos e
25
organizações. No caso vertente a situação é a da relação de um investigador Fosse qual fosse o ponto de
observação em que nos situ-
com um dado objecto de estudo (grupo, organização, comunidade ou outro ássemos, este seria fonte de
sistema social mais amplo). Tomemos um caso como exemplo22: miopia organizacional, termo
que designa o conjunto de fil-
tros que impedem o observa-
Ao iniciarmos o nosso trabalho (de campo aquando da pesquisa para a
dor de percepcionar a organi-
dissertação de doutoramento), tínhamos consciência de dois tipos de zação na sua dinâmica.
limitações que poderiam funcionar como filtros comunicacionais ao longo Carmo, H. (1986), Análise e
Intervenção Organizacio-
do processo. nal, Lisboa, Fundetec.

A primeira, decorria do diferente observatório em que nos colocávamos


26
para estudar cada uma das organizações que constituiam o nosso objecto Sobre a noção de ambival-
ência sociológica vide Mer-
de estudo: ton, Robert (1979) Ambiva-
lência Sociológica, Rio de
- relativamente à UNED, posicionávamo-nos como observador exterior, Janeiro, Zahar.
o que acarretava a evidente vantagem de podermos interpretar a infor-
mação que sobre ela recolhessemos com um olhar distanciado e
27
Um problema evidente era
eventualmente menos comprometido; esta vantagem era simulta- o da clássica interferência do
neamente um inconveniente, na medida em que a nossa condição de observador no objecto de es-
investigador externo não nos permitiria objectivamente23 aceder a tudo. Esta questão, no entan-
to, pareceu-nos de importân-
alguma informação importante. Dito de outro modo, e utilizando o cia relativa, porque a postura
conhecido modelo da Janela de Johari, o nosso observatório permitia- meso e macro em que nos co-
locávamos, distanciava-nos
nos o fácil acesso à área cega da UNED mas dificultava-nos o acesso da nossa interferência como
à sua área secreta; coordenador de ensino. Sobre
a universalidade desta ques-
- a posição de observador mergulhado na Universidade Aberta, tão, mesmo para as Ciências
possibitava, pelo contrário, o acesso à área secreta da instituição24 Físico-Naturais, vide Santos,
Boaventura Sousa (1991),
mas dificultava aceder à sua área cega25; por outro lado, se o papel de Um Discurso Sobre as Ciên-
coordenador de ensino nos colocava numa boa posição para observar o cias, Porto, Afrontamento (5ª
ed. Edição original de 1987),
funcionamento da UA, criava uma situação de ambivalência pag. 23 e sgs.
sociológica26 devido às diferentes exigências dos papéis em jogo – o
de investigador e o de dirigente27; (...)

125
© Universidade Aberta
Mergulho restrito

Como se pode ler na citação, o posicionamento distanciado do investigador


pode trazer-lhe o benefício de aceder mais facilmente à área cega do objecto
de estudo do que aqueles que nele estão envolvidos. Aquele caso, em
concreto, permitiu ao investigador perceber que a instituição observada
apresentava três características ameaçadoras pouco perceptíveis para alguns
dos que nela trabalhavam:

• o seu gigantismo, que lhe estava a ocasionar alguns problemas de


coesão interna e rapidez de resposta aos desafios da mudança;

• um modelo demasiado dependente de tutorias presenciais, o que


obrigava a aumentar particularmente os custos cada vez que se
aumentava a oferta de disciplinas;

• uma tensão perigosa entre centro e periferias, factor de redução de


eficiência e de eficácia.

No entanto, há que ter consciência que quanto maior for o distanciamento


do investigador menor será o seu acesso à área secreta do objecto a
observar. Na pesquisa em consideração tivémos consciência que o posi-
cionamento distanciado que assumimos, limitou o nosso horizonte, não
permitindo observar aspectos de maior detalhe da dinâmica interna da UNED
(circuitos de decisão, estrutura informal, rede comunicacional, padrões de
cultura organizacional, etc).

Mergulho profundo

A opção contrária, isto é, a escolha de um papel em que o investigador se


envolve com maior profundidade com a população a observar tem
também, como é óbvio, os benefícios e os custos contrários à situação acabada
de descrever: o acesso à área secreta do objecto de estudo é facilitado
enquanto que a observação da sua área cega fica substancialmente difi-
cultada.

Esta foi a situação em que nos encontrámos ao observar a nossa própria


instituição, permitindo o acesso a informação reservada aos de dentro mas
retirando-nos a perspectiva do observador exterior.

A situação de observador participante é portanto muito complexa, contendo


em si dois papéis em constante dialéctica – o de observador e o de

126
© Universidade Aberta
participante – exigindo por parte do investigador uma constante
auto-vigilância se quer manter o equilíbrio precário conferido pela sua dupla 28
Dreyfus, Catherine (1980),
Psicoterapias de Grupo, Lis-
condição. boa, Verbo, p. 20.

Tal equilíbrio apesar de difícil é possível como o demonstram trabalhos


29
Idem, p. 46 e sgs.
clássicos como os de Moreno, Lewin, Lebret, e tantos outros que conseguiram
aliar a objectividade da observação científica à militância da intervenção
social. 30
Cfr. Lebret, Louis (1964),
Suicídio ou Sobrevivência
do Ocidente?, S. Paulo, Li-
Em 1913, Jacob Levi Moreno, o pai da Sociometria e de várias estratégias vraria Morais, 1ª ed. 1958.
psicoterapeuticas, decide apoiar um grupo de prostitutas do bairro vienense
de Spittelberg, de forma a melhorarem a sua auto-estima28. Apesar do seu 31
Andragogo brasileiro de-
profundo envolvimento como psicoterapeuta, a sua preparação teórica e senvolveu uma eficaz
metodológica permitiu-lhe recolher dados objectivos da experiência, os quais metodologia de alfabetização
e educação cívica de adultos
contribuiram para a elaboração da sua teoria sociométrica (Carmo, 2000). cuja aplicação o levou ao exí-
lio na altura da ditadura mili-
Do mesmo modo Kurt Lewin, um dos autores mais significativos da tar. O seu método tem sido
utilizado em todo o Mundo
psicossociologia, construiu todo o seu edifício teórico a partir do cruzamento quer por organismos
de experiências laboratoriais, nas quais assumia um papel distanciado do transnacionais como a
UNESCO quer por entidades
objecto de estudo, com experiências em que participou com envolvimento estatais e ONGs. Apesar dos
mais significativo29. muitos escritos que produziu
o seu pensamento pode sin-
tetizar-se em duas das suas
Foi também a partir do seu papel de participante mergulhado nas comunidades obras: Freire, Paulo (1972),
de pescadores da Bretanha em que exercia o seu magistério, que o padre Pedagogia do Oprimido,
Lisboa, Afrontamento; e
Lebret, uma das figuras mais interessantes e mais esquecidas no domínio da (1971), L'Éducation: Prati-
teoria e da prática da intervenção social, implementou a metodologia do que de la Liberté, Paris,
CERF.
inquérito-participação como instrumento de desenvolvimento de
comunidades. Foi igualmente reflectindo sobre a sua prática que, aquele que
veio a ser um dos principais peritos do Concílio Vaticano II em matéria de 32
Nascido em 1929 em Bo-
Desenvolvimento, marcando com o seu pensamento documentos gotá numa família da classe
fundamentais como a Constituição Pastoral da Igreja no Mundo alta e ordenado em 1954, o
padre Camilo Torres, após ter
Contemporâneo (Gaudium et Spes), elaborou uma teoria do Desenvolvimento realizado estudos superiores
que quase quarenta anos mais tarde mantém uma surpreendente actualidade30. na Universidade de Louvain
ocupou em 1958 o lugar de
professor de Sociologia na
Nalguns casos, como nos de Paulo Freire31 e de Camilo Torres32, a relação Universidade de Bogotá.
existente entre o papel de observador e o de participante tende a Após quatro anos em que
conseguiu articular a sua ac-
desequilibrar-se claramente em favor do segundo chamando alguns autores tividade de docente e de in-
a esta situação a de observação militante. Independentemente dos perigos vestigador com a de militan-
te dos direitos civis, entrou
de perda de objectividade científica que são muito evidentes, sendo uma em rotura com o sistema após
posição civicamente respeitável, em contexto de investigação para a obtenção a crise estudantil de 1962,
acabando por aderir à guerri-
de um grau académico é uma opção perigosa pois dispersa o investigador e lha em 1965 e ser morto em
afasta-o objectivamente desse objectivo de curto prazo. 1966. A sua principal obra
sociológica foi postumamen-
te compilada em Torres, C.
(1968), Ecrits et Paroles,
publicada em Paris pelas
Éditions du Seuil.

127
© Universidade Aberta
Actividade 4.4

1. Refira sucintamente o uso que pensa fazer da técnica de obser-


vação participante para a sua dissertação, como técnica
exploratória, como técnica principal ou como instrumento au-
xiliar.

2. Caracterize alguns papéis que poderá vir a desempenhar junto


da população-alvo e discuta as suas virtualidades e limitações.

3. Explicite como pensa ultrapassar as limitações do seu obser-


vatório.

5. Problemas deontológicos

Partindo do princípio que todos os aspectos técnicos da observação estão


controlados é fundamental que o investigador, antes de iniciar a recolha de
dados e no seu decorrer, tenha em conta a questão deontológica levantada
por eventuais conflitos de interesses entre si e a população-alvo.

Ao ganhar a confiança da população observada, o investigador passa a ter


acesso a um conjunto de informações secretas e eventualmente sagradas
33
Correspondentes à sua área sobre a sua cultura33. Em contrapartida, compromete-se implicitamente
secreta
a respeitar certas regras de controlo de informação obrigando-se a só
divulgá-la quando autorizado.

Um caso particular que naturalmente agudiza esta questão é o dos estudos


sobre grupos de acesso restrito como alguns agregados políticos e
económicos (movimentos sociais, elites, grupos de pressão e partidos),
comunidades étnicas e religiosas, grupos com estatuto socialmente
desvalorizado (homossexuais, delinquentes, prostitutas) e associações
secretas. Nessas situações é previsível ocorrerem resistências ao trabalho
do investigador devido às suas características pessoais (género, idade,
classe social, religião etc.). Quando as barreiras são vencidas e a confiança
estabelecida a filtragem da informação a difundir é de primordial
importância.

128
© Universidade Aberta
Esta importante questão leva à necessidade de uma prévia negociação com a
população-alvo sobre os limites até onde pode exercer o seu papel de
investigador, não sendo desejável qualquer acção que possa conduzir à sua
identificação como ladrão de informação. Tal situação não só seria eticamente
condenável como vacinaria a população contra trabalhos a efectuar
futuramente por outros investigadores.
34
Cit. in HESS, Rémi (1982),
Podendo por vezes assumir contornos difíceis, tal negociação é possível, Sociologia de Intervenção,
Porto, RÉS.
como o provam estudos clássicos como o já citado de William F. Whyte
sobre os bandos de esquina, ao qual poderiam acrescentar-se muitos outros
como a que Allinsky fez sobre o bando de Al Capone34 ou, entre nós, como a 35
Nunes, Olímpio (1981), O
Povo Cigano, Porto, Livraria
que Olímpio Nunes realizou sobre os ciganos35. Apostolado da Imprensa.

Em suma qualquer investigador deverá ter a maturidade emocional e a


integridade moral suficientes para saber gerir a situação de ambivalência 36
O termo é usado no sentido
que lhe dá Merton, Robert
sociológica36 que o confronta com o dilema da dupla fidelidade, à (1979), Ambivalência Socio-
comunidade académica que lhe pede resultados cientificamente interessantes lógica, Rio de Janeiro, Zahar.

e à população-alvo que em si confiou um património de informações de acesso


reservado.

Actividade 4.5

1. Faça uma breve reflexão sobre os principais problemas deonto-


lógicos que a sua investigação pode levantar. Resuma o resulta-
do em tópicos.

2. Discuta as questões a que chegou com o seu grupo de trabalho.

3. Sumarize as tarefas a realizar para ultrapassar tais problemas.

Síntese

Através de um percurso de análise em que foram considerados diferentes


casos procurou-se, em primeiro lugar, chegar a um conceito operacional de
observação sublinhando os elementos básicos que o integram.

Seguidamente, e no contexto da discussão sobre a necessidade de conceber


instrumentos de selecção de informação pertinente para a investigação, foi
discutido o conceito de indicador e feita referência a diversos tipos de
indicadores.

129
© Universidade Aberta
Foi depois explicada a necessidade da construção de guiões de observação e
de instrumentos de registo dos dados observados, tendo-se sublinhado a
importância do diário de pesquisa.

Caracterizados os principais tipos de observação, discutiu-se mais


detalhadamente sobre duas vertentes da observação participante, a questão
da escolha do observatório (local de observação) e a do envolvimento do
observador com o grupo-alvo.

O capítulo termina com a referência à necessária reflexão sobre problemas


deontológicos levantados no uso desta técnica.

Teste formativo

1. Após leitura aprofundada do texto do capítulo e feitas as respectivas


actividades, abra o manual na página intitulada objectivos da unidade.

2. Tente atingir os 24 objectivos, escrevendo as suas respostas sem


recorrer ao texto do interior do capítulo.

3. Confira as suas respostas com o texto e corriga-as.

Leituras complementares

GANS, Herbert J.
1999 Participant observation in the era of "Ethnography", "Journal of
Contemporary Ethnography" (28), disponível online in http://
www.jce.sagepub.com.

GOODE, William. e HATT, Paul. K.


1960 Métodos em pesquisa social, S. Paulo, Ed. Nacional. Capítulo sobre
observação.

130
© Universidade Aberta
ITURRA, Raúl
1986 Trabalho de Campo e Observação Participante em Antropologia, in
Silva, A. S.e Pinto, J. M., org. (1986), Metodologia das Ciências
Sociais, Porto, Afrontamento, pp 149-163.

MILLS, C. Wright
1969 A Imaginação Sociológica, Rio de Janeiro, Zahar, Apêndice final.

NOGUEIRA, Oracy
1968 Pesquisa Social, Introdução às sua Técnicas, S. Paulo Companhia
Editora Nacional, pp. 88-110.

SELLTIZ, JAHODA, DEUTCH e COOK


1967 Métodos de pesquisa nas relações sociais, S. Paulo, Herder (USP),
pp. 223-261.

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5. Inquéritos por Entrevista e por Questionário

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Sumário:

Objectivos da unidade
1. O que é um inquérito?
1.1. O inquérito em Ciências Sociais
1.2. Tipos de inquéritos em Ciências Sociais
Actividade 5.1
2. Inquéritos por entrevista
2.1. A interacção directa, questão-chave na técnica de entrevista
Influência do entrevistador no entrevistado
Diferenças culturais entre entrevistador e entrevistado
Sobreposição de canais de comunicação
2.2. Quando recorrer à entrevista?
2.3. Tipos de entrevista
2.4. Aspectos de natureza prática
Fase preliminar (antes)
O decorrer (durante)
Fase subsequente (depois)
Actividade 5.2
3. Inquéritos por questionário
3.1. A interacção indirecta, questão-chave do inquérito por questionário
Formulação das perguntas
Diversidade de canais de comunicação
Prevenção das não respostas
A questão da fiabilidade
3.2. Aspectos de natureza prática
3.2.1. Fase preliminar (antes)
Construção das perguntas
Apresentação do questionário:
Actividade 5.3.
3.2.2. O decorrer (durante)
3.2.3. Fase subsequente (depois)
4. Em síntese: potencialidades e limitações da entrevista e do ques-
tionário
Teste formativo
Leituras complementares

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Objectivos da unidade

No final do processo de aprendizagem desta unidade o estudante deverá estar


apto a:

• explicar a etimologia da palavra inquérito;

• identificar dois critérios orientadores que permitem caracterizar os


tipos de inquérito;

• escolher o nível de estruturação do inquérito em função das


contingências da pesquisa;

• distinguir um inquérito por entrevista de um inquérito por


questionário;

• explicitar o objectivo de uma entrevista a partir do modelo da Janela


de Johari;

• identificar três vertentes da fase de apresentação numa situação de


entrevista;

• referir três problemas a gerir em qualquer situação de entrevista;

• referir alguns cuidados a ter para evitar a influência do entrevistador


no entrevistado;

• discutir a questão do eventual choque cultural entre os interlocutores


numa situação de entrevista;

• identificar os diversos canais de comunicação em presença numa


entrevista e referir alguns cuidados a ter no seu controlo;

• explicitar as situações em que é conveniente optar pela entrevista;

• descrever a tipologia de entrevistas de Madeleine Grawitz;

• distinguir os vários tipos de entrevista de acordo com seis variáveis;

• referir os principais procedimentos a ter em conta antes da entrevista;

• discutir as principais tácticas a desenvolver durante a entrevista;

• fazer referência a alguns cuidados a ter após a entrevista;

• identificar os vários tipos de perguntas que podem integrar um


inquérito por questionário;

• caracterizar diversos canais de comunicação usados entre inquiridor


e inquirido;

137
© Universidade Aberta
• descrever alguns cuidados a ter na utilização de cada canal de
comunicação;

• identificar alguns factores que condicionam a taxa de respostas;

• explicitar os cuidados a ter num inquérito por questionário, no que


respeita à construção das perguntas;

• explicitar os cuidados a ter num inquérito por questionário, no que


respeita à apresentação do formulário;

• explicar a necessidade do uso do pré-teste;

• descrever o processo de pré-testagem;

• enunciar as precauções a ter durante o lançamento de um inquérito


por questionário;

• identificar as actividades a desenvolver após a recepção dos questio-


nários;

• comparar as virtualidades e limitações dos inquéritos por entrevista


e por questionário.

138
© Universidade Aberta
1. O que é um inquérito?

Se formos a um dicionário procurar saber o que significa a palavra inquérito,


encontramo-la definida como um conjunto de actos e diligências destinados
a apurar alguma coisa, aparecendo como seus sinónimos inquirição,
interrogatório, sindicância; e registando como exemplo de situações
possíveis, associadas à sua realização o inquérito administrativo, o judicial,
o policial e o científico. Da etimologia da palavra extrai-se a ideia de que é
um processo em que se tenta descobrir alguma coisa de forma sistemática.

1.1. O inquérito em Ciências Sociais

Em Ciências Sociais esta expressão é usada de uma forma precisa para


designar processos de recolha sistematizada, no terreno, de dados susceptíveis
de poder ser comparados. Há mesmo autores que quando se referem a
inquéritos se circunscrevem aos que permitem uma posterior análise
quantitativa identificando-os erradamente com o conceito de inquérito por
questionário.

Esta perspectiva quantitativista é, quanto a nós, profundamente redutora, uma


vez que o que define um inquérito não é a possibilidade de quantificar a
informação obtida mas a recolha sistemática de dados para responder a um
determinado problema. Aliás, conforme o têm demonstrado diversos autores,
o critério da quantificação não é diferenciador porque que cada vez mais é
viável quantificar informação aparentemente difícil de ser submetida a tal
tratamento1. Um delírio de um doente mental, por exemplo, pode ser 1
Veja-se, a este propósito
Bardin, Lawrence (1979),
quantificado desde que haja por parte do investigador o cuidado prévio de Análise de conteúdo, Lisboa,
conceber um modelo de análise com variáveis e indicadores significativos, Edições 70, p 35, em que este
autor mostra o amplo con-
registar rigorosamente as observações efectuadas (em video, por exemplo) e junto de domínios aos quais
proceder às necessárias operações de tratamento e análise dos dados de acordo se podem aplicar as técnicas
de análise de conteúdo.
com o modelo previamente construído.

1.2. Tipos de inquéritos em Ciências Sociais

Tendo em vista estudar os procedimentos práticos no acto da inquirição,


podemos diferenciar os inquéritos, em Ciências Sociais, segundo duas
variáveis:

• o grau de directividade das perguntas


• a presença ou ausência do investigador no acto da inquirição

139
© Universidade Aberta
O resultado do cruzamento das duas variáveis conduz-nos a quatro tipos de
inquérito (fig. 5.1.):

Figura 5.1. - Tipos de inquéritos de acordo com os critérios do grau de


directividade das perguntas e da interacção estabelecida
entre o investigador e a população inquirida

Grau de directividade
Situação do investigador no acto da inquirição
das perguntas

Está presente Está ausente

Menor directividade A – Entrevista pouco C – Questionário pouco


estruturada estruturado

Maior directividade B – Entrevista estruturada D – Questionário estruturado

Tanto os inquéritos realizados por entrevista como os inquéritos realizados


por questionário podem ter graus de estruturação diferente.

Imagine que lhe é pedido um estudo sobre as estratégias de sobrevivência


dos refugiados romenos em Lisboa. Para diferentes fases do seu trabalho
poderá usar com proveito cada um dos quatro tipos de inquérito.

Na fase exploratória da pesquisa, convém inquirir informadores qualificados


ou seja pessoas cujo conhecimento da população em questão - o conjunto
dos refugiados romenos - poderá vir a ser útil para uma descrição preliminar
do grupo e do seu modo de vida. Uma vez que ainda possui pouca informação
sobre o objecto de estudo, não deverá cometer o erro de estruturar demasiado
o inquérito para não condicionar excessivamente os respondentes eliminando
informações eventualmente importantes. O inquérito deveria ser, portanto,
pouco estruturado. Acontece no entanto que para além dos informadores
qualificados residentes em Lisboa, os quais poderia inquirir através de
inquérito por entrevista (situação A), o investigador planeou colher
informações junto de especialistas estrangeiros de países com forte imigração
romena. Não seria prático nem eficiente deslocar-se a todos esses países.
Para atingir esse objectivo poderia optar por um inquérito por questionário
(situação C).

140
© Universidade Aberta
Numa fase posterior, já detentor de informação suficiente para estruturar os
instrumentos de recolha de dados, podería conceber um guião de entrevista
com questões mais precisas que aplicaria a uma amostra da população-alvo
(situação B).

Munido(a) dos resultados do inquérito por entrevista, que eventualmente lhe


tivessem suscitado um conjunto de hipóteses interessantes, poderia verificá-
las através da aplicação de um inquérito por questionário muito
estruturado (situação D).

Assim, como adiante se verá, o principal factor distintivo entre um inquérito


por entrevista e um inquérito por questionário é o primeiro ser realizado
em situação presencial, enquanto que o segundo é administrado a distância.
A presença ou ausência do investigador no acto da recolha de dados é assim
determinante no que respeita aos procedimentos técnicos de concepção e de
administração dos inquéritos. Essa, a razão da sua distinção, que se procura
ilustrar nos pontos seguintes.

Actividade 5.1

Relativamente aos objectivos que definiu para a sua dissertação,


elabore uma listagem de informações que carecem de inquirição a
fontes vivas. Seguidamente interrogue-se sobre o tipo de inquérito
que lhe parece mais adequado para alcançar as respostas que dese-
ja:

- entrevista pouco estruturada?


- entrevista muito estruturada?
- questionário pouco estruturado?
- questionário muito estruturado?

2. Inquéritos por entrevista

2.1. A interacção directa, questão-chave na técnica de entrevista

A interacção directa é uma questão-chave da técnica de entrevista.


Recordando o que se disse na unidade anterior relativamente à janela de
Johari, a situação habitual no início de uma entrevista é a da presença de

141
© Universidade Aberta
dois interlocutores (duas janelas) cuja interacção apresenta áreas livres
muito reduzidas, áreas cegas relativamente grandes e áreas secretas
2
Não é relevante falar-se das igualmente extensas2. Dito de outro modo, quando vai começar uma
áreas inconscientes uma vez
que estas não se alterarão sig- entrevista o investigador partilhou habitualmente pouca informação com
nificativamente numa entre- o entrevistado (área livre pequena), sabe pouco sobre ele (grande área
vista deste tipo.
cega do entrevistador e secreta do entrevistado) encontrando-se este
último na mesma situação (extensa área cega própria e secreta de quem
o vai entrevistar).

Em termos globais o objectivo de qualquer entrevista é abrir a área livre


dos dois interlocutores no que respeita à matéria da entrevista, reduzindo,
por consequência, a área secreta do entrevistado e a área cega do
entrevistador.

Para atingir tal meta uma estratégia habitualmente eficaz é a de começar


por reduzir a nossa área secreta aplicando uma regra fundamental das
relações humanas, a regra da reciprocidade. Uma primeira forma de o
fazer é através de uma apresentação bem feita a qual assume três
vertentes:

• a apresentação do investigador

• a apresentação do problema da pesquisa

• e a explicação do papel pedido ao entrevistado.

Ao abrir a sua área secreta, o entrevistador fornece ao entrevistado dados


que lhe permitem entender a sua importância como fornecedor de informação
e, por consequência, a sua utilidade para a investigação em curso. Quando é
criado este tipo de entendimento, o entrevistado tem tendência a colaborar
(co-laborare = trabalhar com), sentindo que não está a ser simplesmente
utilizado ou mesmo manipulado. Tal como se disse na unidade anterior,
pretende-se criar um ambiente de partilha voluntária de informação e não de
3
Diferente seria se esti- aquisição coerciva da mesma3.
véssemos em presença de um
inquérito policial, admi-
nistrativo ou judicial em que A circunstância de ser uma situação em interacção directa ou presencial faz
a relação entrevistadores/en-
trevistados é assimétrica.
com que no acto de entrevistar se tenham de gerir três problemas em
Nestes casos, os primeiros simultâneo:
têm claramente mais poder
que os segundos, o que se tra-
duz numa atitude de captura • em primeiro lugar, a influência do entrevistador no entrevistado;
coerciva de informação no
acto da entrevista. • em segundo lugar, as diferenças que entre eles existem (de género,
de idade, sociais e culturais);

• em terceiro lugar, a sobreposição de canais de comunicação.

142
© Universidade Aberta
Influência do entrevistador no entrevistado

Apesar de ser desejável criar uma situação simétrica no estabelecimento do


diálogo entre o entrevistador e o entrevistado, a verdade é que existe, regra
geral, uma objectiva assimetria entre os dois interlocutores: o entrevistador
possui um dado estatuto diferente do do entrevistado, que pode limitar a
comunicação quer inibindo este último de colaborar abertamente (por
desconfiança), quer levando-o a responder às questões que lhe são postas de
acordo com o que pensa que o entrevistador deseja que ele próprio responda
(por efeito mimético).

O risco aumenta se o entrevistador for pouco cuidadoso na forma como coloca


as perguntas, induzindo as respostas com formas enfáticas de perguntar ou
com modos de excluír respostas possíveis. Vejamos dois exemplos:

• uma pergunta começada por uma expressão deste tipo: “o Sr. não
acha que...” é uma forma indutora por via enfática conduzindo o
entrevistado a uma resposta esperada pelo entrevistador;

• quando se pergunta ao entrevistado se concorda ou não com


determinada situação, admite-se apenas uma de duas respostas - sim
ou não - quando podem existir outras como “não sei, nunca tinha
pensado nisso” ( entrevistado não familiarizado com o problema) ou
“depende da circunstância X, Y ou Z” (entrevistado muito familia-
rizado com o problema e com as suas nuances).

Diferenças culturais entre entrevistador e entrevistado

As diferenças culturais4 entre entrevistador e entrevistado podem constituir 4


Usa-se aqui o conceito de
cultura na acepção usual das
também sérios obstáculos à comunicação. Ciências Sociais, sem qual-
quer conotação valorativa.
Uma pergunta perfeitamente inocente numa dada cultura, como inquirir «que
idade tem?» pode ser considerada por um entrevistado de outra cultura um
atentado à sua privacidade. Para as gerações mais velhas, sobretudo em certos
estratos sociais é considerado falta de educação perguntar a idade a uma senhora.

Outras vezes surgem questões que são extremamente claras para o


entrevistador uma vez que fazem parte da sua cultura, mas que não fazem
parte do campo de conhecimentos do entrevistado, obrigando-o a especular
improvisadamente sobre o assunto e a dar respostas que não correspondem à
sua experiência.

Imagine-se, por exemplo, que se está a inquirir uma população de imigrantes


cabo-verdeanos e quer-se indagar da sua familiaridade com a literatura do
seu país. Se a pergunta for demasiado aberta (ex: que pensa sobre a literatura

143
© Universidade Aberta
cabo-verdiana?) as respostas serão demasiado ambíguas ou laterais. Para
atingir o objectivo, haverá que elaborar um conjunto de perguntas concretas
sobre o conhecimento de escritores, de artistas e de obras que permitam
funcionar como indicadores de conhecimento sobre a literatura cabo-
-verdeana. Se as perguntas forem objectivas as respostas serão por certo mais
verdadeiras.

Outra situação: perguntar a professores que não usam o computador no seu


quotidiano qual a sua opinião sobre a aplicabilidade da conferência por
computador como instrumento pedagógico é um convite a especulações
desenfreadas e à explicitação de ideias pré-concebidas sobre o assunto.

Em ambos os exemplos não se teve em conta o campo de experiência do


entrevistado induzindo neste respostas artificiais ocasionadas pela sua
incompreensão ou, pelo menos, pela interpretação incorrecta dos objectivos
e alcance das questões formuladas. Os resultados deste erro podem ser
desastrosos em termos de investigação.

Sobreposição de canais de comunicação

Outra questão a ter em conta numa situação de interacção directa é a


sobreposição de canais de comunicação. Quando se faz uma pergunta, não
se explicita verbalmente, apenas, uma interrogação: a questão pode ser
formulada com vários tipos de entoação que revelam a expectativa do
entrevistador quanto à resposta; pode ser sublinhada ou neutralizada pela
sua postura, pela sua mímica ou por lapsos inconscientes.

Deste modo, ao preparar uma entrevista, o investigador tem de ter em conta


que o modo como põe as questões e como as enquadra em termos não verbais
é tão importante como o seu conteúdo específico devendo ter tantos cuidados
com a estratégia formal a adoptar como com a estruturação do guião.

5
Um exemplo deste tipo de
questões: na pesquisa sobre
os sistemas ibéricos de ensi- 2.2. Quando recorrer à entrevista?
no superior a distância não se
encontrou, na documentação
escrita, qualquer alusão sig- Como qualquer outra técnica de recolha de dados, o inquérito por entrevista
nificativa às resistências à cri- deve ser escolhido em certos contextos e evitado noutros. Duas situações
ação da Universidade Aberta,
ocorridas durante os diversos típicas em que o uso da entrevista é recomendável são as seguintes:
anos da sua gestação. Para se
responder a esta questão, foi • nos casos em que o investigador tem questões relevantes, cuja
necessário recorrer a entrevis-
tas a informadores qualifica- resposta não encontra na documentação disponível ou, tendo-a
dos. encontrado, não lhe parece fiável, sendo necessário comprová-la5;

144
© Universidade Aberta
em situações em que o investigador deseja ganhar tempo e economizar
energias recorrendo a informadores qualificados como especialistas no campo
6
da sua investigação6 ou líderes da população-alvo que pretende conhecer. Na referida pesquisa sobre
os sistemas ibéricos de ensi-
no superior a distância, as
Em qualquer dos contextos mencionados é fundamental ter consciência que entrevistas realizadas aos di-
ao ser seleccionada uma qualquer fonte de informação estão a rejeitar-se rigentes das duas uni-
versidades e dos centros
outras, que podem ser igualmente importantes. Um informador qualificado asociados da UNED, cons-
é um recipiente de informação relevante, mas é também um filtro da própria tituiram fontes indispensáveis
de informação que permiti-
informação. Num estudo de comunidade, por exemplo, é fundamental cruzar ram poupar muitos meses de
as informações de vários líderes locais, obtidas por entrevista, e todas elas trabalho mesmo tendo em
conta o tempo mais tarde
com outro tipo de informação proveniente de outras fontes, a fim de testar a dispendido em cruzar algu-
sua fiabilidade. Se não se tiver esta precaução, o investigador correrá o risco mas das informações obtidas
com outras fontes.
de se limitar a funcionar como caixa de ressonância dos seus informadores,
os quais têm uma percepção filtrada (necessariamente parcial) da realidade7.
7
Esta questão que nos leva-
ria à discussão sobre a repre-
sentatividade das fontes e às
técnicas de amostragem, será
2.3. Tipos de entrevistas discutida na segunda parte
deste manual

De acordo com as múltiplas situações em que podem ocorrer, as entrevistas


assumem diversos formatos de modo a adequar-se convenientemente às
contingências do ambiente e aos objectivos que o investigador se propõe
atingir. Para ter uma noção da diversidade que pode assumir a estrutura e a
estratégia de uma entrevista vejamos a tipologia já clássica proposta por
Madeleine Grawitz que se apresenta sob forma diagramada na figura 5.1.

Fig. 5.1 - Tipologia de Madelaine Grawitz

Fonte: Grawitz (1993, 572)

145
© Universidade Aberta
De acordo com esta autora pode-se classificar as entrevistas de acordo com
um continuum, variando entre um máximo e um mínimo de liberdade
concedida ao entrevistado e o grau de profundidade da informação
obtida. A partir desses dois critérios foi construído o diagrama com um
segmento de recta vertical, que representa o nível de profundidade de
informações que a entrevista pode fornecer; e o esboço de um polígono que
progressivamente se vai fechando tornando-se num hexágono, correspondente
ao decrescente grau de liberdade de resposta proporcionada ao entrevistado.

A tipologia resultante apresenta seis tipos de entrevista que Grawitz classifica


em três grupos: entrevistas dominantemente informais, entrevistas mistas e
entrevistas dominantemente formais.

A entrevista clínica (tipo 1), como o nome indica, é utilizada habitualmente


em contextos terapêuticos, caracterizando-se por uma liberdade quase total
8
Madeleine Grawitz utiliza o dada ao entrevistado na sua resposta e na grande abundância e profundidade8
termo profundidade, no sen-
tido de quantidade de infor-
de informações que são partilhadas.
mação de acesso reservado.
A entrevista em profundidade (tipo 2), típica de situações de aconse-
lhamento como as que se realizam utilizando o método de Serviço Social de
Casos ou as que decorrem em situações de aconselhamento vocacional,
apresenta ainda um grande grau de liberdade no diálogo e profundidade na
forma da abordagem temática por parte do entrevistado, ainda que inferior à
clínica.

Fig. 5.2. - Tipos de entrevista

• Entrevistas dominantemente informais

1 - Entrevista clínica

2 - Entrevista em profundidade

• Entrevistas mistas

3 - Entrevista livre

4 - Entrevista centrada

• Entrevistas dominantemente formais

5 - Entrevista com perguntas abertas

6 - Entrevista com perguntas fechadas

146
© Universidade Aberta
Num grau intermédio de informalidade, encontram-se a entrevista livre
(tipo 3) e a entrevista centrada (tipo 4). Ambas são características dos estudos
exploratórios, diferindo entre si pelo nível de estruturação em torno das
temáticas específicas que são tratadas.

Características dominantemente formais têm as entrevistas estruturadas com


perguntas abertas (tipo 5) ou fechadas (tipo 6). Nestas últimas, típicas em
situação de sondagem, feitas a populações de muito grande dimensão, o grau
de liberdade do respondente é claramente reduzido bem como a profundidade
da informação obtida.

A fim de melhor caracterizar os seis tipos de entrevista observe-se a figura


5.3. em que se procura diferenciá-las de acordo com seis variáveis: o número
das perguntas, a sua ordem, a sua forma, a sua focagem dominante, o grau
de interacção entre entrevistador e entrevistado e a facilidade de análise
das respostas.

A leitura horizontal do quadro permite caracterizar facilmente cada um dos


tipos de entrevista acima referidos. Assim, por exemplo, a entrevista clínica
(tipo 1) de duração tendencialmente longa, caracteriza-se por um número
de perguntas muito reduzido, quase sem ordenação, apresentando uma 9
Quase-monólogo uma vez
forma quase sempre aberta, focadas dominantemente sobre a vivência que o entrevistador tem uma
pessoal do entrevistado o que conduz a respostas eminentemente subjectivas. intervenção extremamente
reduzida. O termo quase, ex-
O grau de interacção entre entrevistador e entrevistado apresenta-se sob a prime a interacção do
forma de um quase-monólogo9 e a facilidade de análise quantitativa das entrevistador que, ainda que
reduzida, intervém na produ-
respostas é reduzida. ção do discurso com a sua
simples presença
No outro extremo do continuum, situa-se a entrevista com perguntas
fechadas, de duração tendencialmente curta, que se caracteriza por um 10
Quase-diálogo visto que a
número de perguntas em regra mais elevado, com uma ordenação muito situação de entrevista é arti-
ficial. Apesar da dinâmica
rigorosa, apresentando uma forma quase sempre fechada, focadas interactiva gerada pelo con-
dominantemente nos conhecimentos e opiniões do entrevistado. O grau junto perguntas/respostas ser
semelhante a um diálogo vul-
de interacção entre entrevistador e entrevistado apresenta-se sob a forma de gar, a sua formalização reti-
um quase-diálogo10 e a facilidade de análise quantitativa das respostas é ra-lhe a espontaneidade; daí
a expressão quase.
grande.

147
© Universidade Aberta
Fig. 5.3. - Variáveis caracterizadoras do tipo de entrevista

Situação Possibi-
Tipo de Número de Ordem das Forma das Focagem das
Comuni- lidades de
entrevista questões questões questões questões
cacional análise

1. Clínica <<< <<< + no Quase +


abertas entrevistado monólogo qualitativa

2. Em
profundi-
<< <<
dade

3. Livre

< <

4. Centrada

> >

5. Com
perguntas
>> >>
abertas

6. Com nos conhe- +


+
perguntas cimentos do Quase diálogo quantitativa
>>> >>> fechadas
fechadas entrevistado

2.4. Aspectos de natureza prática

Independentemente do tipo de entrevista a realizar a experiência resultante


do trabalho de campo aconselha a adopção de um conjunto de padrões de
actuação que se tornaram habituais, e devem ser tidos em conta antes, durante
e depois da entrevista (fig 5.4).

148
© Universidade Aberta
Fig. 5.4 - ASPECTOS A TER EM CONTA NA UTILIZAÇÃO DA
TÉCNICA DE ENTREVISTA

A N T E S:
• Definir o objectivo
• Construir o guia de entrevista
• Escolher os entrevistados
• Preparar as pessoas a serem entrevistadas
• Marcar a data, a hora e o local
• Preparar os entrevistadores (formação técnica)

D U R A N T E:
• Explicar quem somos e o que queremos
• Obter e manter a confiança
• Saber escutar
• Dar tempo para “aquecer” a relação
• Manter o controlo com diplomacia
• Utilizar perguntas de aquecimento e focagem
• Enquadrar as perguntas melindrosas
• Evitar perguntas indutoras

D E P O I S:
• Registar as observações sobre o comportamento do entrevistado
• Registar as observações sobre o ambiente em que decorreu a entrevista

Antes da entrevista

Como qualquer outra tarefa de investigação a entrevista exige um planeamento


cuidadoso. Desse planeamento devem constar os procedimentos que a seguir
se enumeram de forma sumária.

Definir os objectivos. O planeamento de uma entrevista deve começar por


integrar a explicitação dos objectivos que se querem alcançar. Um modo de
testar a sua clareza e rigor é interrogarmo-nos, após a sua concepção se,
quando terminar a recolha de dados, estaremos em condições de afirmar
rigorosamente que os objectivos foram ou não foram atingidos.

149
© Universidade Aberta
Construir o guião. Após a definição clara e rigorosa dos objectivos da
entrevista, há que os operacionalizar sob a forma de variáveis. Por exemplo,
ao objectivo definir a origem social, o perfil profissional e a situação
académica à entrada para um determinado programa de formação
profissional, devem corresponder diversas variáveis que o vão operacionalizar
(ex: sexo, idade, , lugar de nascimento, residência, profissão dos pais, estado
civil, número de filhos, antecedentes académicos familiares, profissão,
11
Adaptado de Aretio, L.G. habilitações académicas à data da inscrição,)11. Após este procedimento, o
(1985), Licenciados Estre-
meños de la UNED: investigador vai ter de operacionalizar as variáveis em perguntas
Memorial de Licenciatura, adequadas às metas que pretende atingir. Por exemplo a variável idade pode
Badajoz, Universidad Na-
cional de Educación a Dis- ser formatada no guião de várias formas:
tancia. Centro Regional de la
Estremadura, pp 20-21. - Que idade tem?
ou

- Em que ano nasceu?


ou
- A sua idade está incluida em qual dos seguintes grupos

Menos de 20 … Entre 20 e 24 † Entre 25 e 29 † Entre 30 e 34 †


Mais de 34 †

ou ainda
Menos de 20 † Entre 20 e 29 † Entre 30 e 39 † Entre 40 e 49 †
Mais de 49 †

12
Para um aprofundamento da
Para o guião de entrevista ficar pronto a ser utilizado haverá ainda que
questão do encadeamento das encadear as questões de forma adequada ao objectivo da pesquisa12.
questões veja o ponto relati-
vo aos inquéritos por ques-
tionário, que se segue. Escolher entrevistados. Tal como na selecção e encadeamento das perguntas,
a escolha dos futuros entrevistados deve ser adequada aos objectivos da
pesquisa. Tal adequação pode ser personalizada, no caso de amostras
intencionais em que se procura inquirir um conjunto de informadores
qualificados, ou feita aleatoriamente dentro do universo correspondente ao
13
Para uma melhor com- objecto de estudo13.
preensão desta questão veja
na segunda parte deste manu-
al a secção correspondente à Preparar os entrevistados. A fim de garantir a disponibilidade dos
técnica de amostragem. Veja
também Clegg, Frances entrevistados no acto da entrevista é aconselhável, sempre que possível,
(1995, 159-172). contactá-los previamente. Os objectivos dessa diligência são os seguintes:

• informá-los sobre os resultados que esperamos obter daquela


entrevista;

150
© Universidade Aberta
• explicitar os motivos de os havermos escolhido para serem entre-
vistados, mostrando o valor acrescentado que as suas respostas podem
trazer à investigação em curso;

• informá-los sobre o tempo de duração previsto para a sua realização;

• combinar a data, a hora e o local para realizá-la.

A experiência tem demonstrado que o contacto prévio com os entrevistados


(que pode ser feito presencialmente mas também pelo correio, telefone, fax,
correio electrónico ou outro qualquer canal) não é um gasto inútil de energias
mas constitui, pelo contrário, um investimento. Ao ter esse procedimento o
investigador não só fica com mais garantias sobre a disponibilidade física
e psicológica14 da pessoa escolhida mas também se lhe apresenta com uma 14
O efeito habitual da ausên-
cia de contactos prévios é a
imagem de profissionalismo e demonstra ter respeito pelo seu tempo, o entrevista não se realizar ou,
que, decerto, irá ter efeitos positivos no ambiente em que a mesma irá decorrer. o que é pior, decorrer em am-
biente tenso com o entrevis-
tado a despachar o entrevis-
tador com respostas
esteriotipadas por ter outras
coisas agendadas conferindo
Durante a entrevista ao entrevistador o papel de
intruso ou de ladrão do seu
precioso tempo.
É comum vermos e ouvirmos, na televisão e na rádio, situações de entrevista
que retratam exactamente o que um entrevistador em contexto de investigação
científica não deve fazer. Esta afirmação não envolve necessariamente uma
crítica global aos jornalistas, uma vez que o contexto e os objectivos de tais
entrevistas são completamente diferentes dos de uma entrevista que serve os
fins de uma dada pesquisa científica. Veja-se então alguns padrões de actuação
que têm vindo a revelar-se indutores de eficácia e de eficiência numa entrevista
em contexto de investigação.

A questão inicial. Ao iniciar a entrevista e após uma breve síntese


enquadradora lembrando as informações já partilhadas no contacto prévio,
torna-se importante escolher uma questão inicial que coloque o entrevistado
no tema da conversa e que o ajude a aquecer o ambiente relacional.
Os especialistas em negociação afirmam que os primeiros momentos são
cruciais por determinarem a criação de um clima de confiança ou de
desconfiança difusa que se vai reflectir ao longo das negociações. Isto
aplica-se claramente à situação de entrevista, uma vez que se está em
presença de uma negociação, ainda que implicita, cuja matéria prima é a
informação.

Saber escutar. Contrariamente ao jornalista que, pressionado pelo tempo de


antena e pelo consequente ritmo que tem de imprimir ao programa, interrompe
frequentes vezes o entrevistado, o investigador em Ciências Sociais
(provavelmente como o jornalista de investigação) tem de assumir uma atitude

151
© Universidade Aberta
15
Um recurso habitualmente de escuta, evitando cortar a palavra ao entrevistado. Esta atitude implica,
usado para dar confiança ao
entrevistado é o uso de técni- antes de mais, dar-lhe tempo para se adaptar – expontaneamente15 ou
cas de reforço através de ex- recorrendo a perguntas de aquecimento – e deixá-lo exprimir-se pelas
pressões como “estou a
ver...”, da repetição parcial e suas próprias palavras e ao seu ritmo pessoal. É importante, sobretudo em
da reformulação do discurso entrevistas pouco estruturadas, saber respeitar os silêncios que por vezes
do entrevistado.
ocorrem no discurso do entrevistado, permitindo-lhe assim reflectir sobre o
que fala. As situações de silêncio são difíceis de aguentar podendo afirmar-se
que o saber geri-las adequadamente constitui um sinal sólido da experiência
e tecnicidade de um investigador.

Controlar o fluxo de informação. É comum observar-se, no entanto, que


após um período de inibição inicial, em que as respostas são dadas de forma
curta e incompleta, obrigando o entrevistador a perguntas de suporte ou de
focagem para obter a informação pretendida, o respondente ganha confiança
e aumenta excessivamente o fluxo de informação. Nessas circunstâncias é
necessário manter o controlo do fluxo de respostas com diplomacia,
especialmente se se tratar de uma entrevista mais estruturada (vide supra,
entrevistas de tipo 5 e 6).

Enquadrar as perguntas melindrosas. Por vezes o entrevistador tem


de fazer perguntas melindrosas. Tais questões devem ser posicionadas no
fim da entrevista, altura em que existe um maior clima de confiança. Se
ainda assim desencadearem uma reacção negativa no entrevistado, a
desconfiança criada não terá prejudicado a entrevista. As questões
delicadas devem assim ser cuidadosamente enquadradas por perguntas
preparatórias. Não é tarefa fácil, temos que reconhecê-lo, razão pela qual
os entrevistados têm que ser cuidadosamente escolhidos e preparados
para o seu desempenho.

Depois da entrevista

Após a entrevista é sempre útil registar as observações sobre o compor-


tamento verbal e não verbal do entrevistado, bem como sobre o ambiente
em que a mesma decorreu. Tal registo permitirá levantar hipóteses mais
seguras sobre a autenticidade das respostas obtidas e sobre o grau de liberdade
com que foram dadas. Numa entrevista feita em público, por exemplo, o
respondente está sujeito a um conjunto de constrangimentos sociais que
poderá não ter se tal entrevista for efectuada na intimidade da sua casa, sem
a presença de espectadores.

152
© Universidade Aberta
Actividade 5.2

Faça o planeamento da recolha de dados para cada uma das situa-


ções de entrevista que identificou na actividade 5.1., considerando
os seguintes factores:

• apresentação ao entrevistado

• prevenção da sua influência no entrevistado e do facto de per-


tencerem a (sub)culturas diferentes.

• eventualidade de poder obter a informação por outros meios (ex.


documentais)

• tipo de entrevista a adoptar

• aspectos práticos a ter em conta

3. Inquéritos por questionário

Como dissemos atrás, o inquérito por questionário distingue-se do inquérito


por entrevista essencialmente pelo facto de investigador e inquiridos não
interagirem em situação presencial16. 16
Tal como no inquérito por
entrevista quando se escolhe
o inquérito por questionário
como instrumento de recolha
de dados deve respeitar-se o
conjunto de procedimentos
3.1. A interacção indirecta, questão chave do inquérito por ques- habitual para qualquer inves-
tigação: definir rigoro-
tionário samente os seus objectivos;
formular hipóteses e questões
orientadoras, identificar as
Deste modo, assim como a interacção directa é um dos principais variáveis relevantes, selec-
problemas com que o investigador se debate quando faz uma entrevista, cionar a amostra adequada de
inquiridos, elaborar o instru-
a interacção indirecta constitui o problema-chave que acompanha a mento em si, testá-lo e
elaboração e administração de um inquérito por questionário. Duas administrá-lo para depois po-
der analisar os resultados.
questões devem ser examinadas a este respeito: o cuidado a ser posto na
formulação das perguntas e a forma mediatizada de contactar com os
inquiridos.

153
© Universidade Aberta
Formulação das perguntas

Se na entrevista, como se viu atrás, deve haver uma cuidadosa preparação, o


planeamento de um inquérito por questionário exige,também, especiais
atenções uma vez que não há hipótese de esclarecimento de dúvidas no
momento da inquirição.

Antes de mais, o sistema de perguntas deve ser extremamente bem organizado,


de modo a ter uma coerência intrínseca e configurar-se de forma lógica para
quem a ele responde. Deve ser organizado por temáticas claramente
enunciadas, reservando-se as questões mais difíceis ou mais melindrosas
para a parte final pelas razões atrás apontadas. Habitualmente um questionário
integra vários tipos de perguntas:

• perguntas de identificação que, como o nome indica, são as que se


destinam a identificar o inquirido, não nominalmente (muitas vezes
os questionários são anónimos), mas referenciando-o a certos grupos
sociais específicos (de idade, género, profissão, habilitações
académicas, etc.);

• perguntas de informação, que têm por objectivo colher dados sobre


factos e opiniões do inquirido;

• perguntas de descanso ou de preparação, muitas vezes sem


tratamento posterior, que servem para intencionalmente introduzir
uma pausa e mudar de assunto, ou para introduzir perguntas que
ofereçam maior dificuldade manifesta ou inibam o respondente pela
sua natureza melindrosa;

• perguntas de controlo, destinadas a verificar a veracidade de outras


perguntas insertas noutra parte do questionário.

A forma mediatizada de contactar com os inquiridos exige particulares


cuidados ao investigador, no que respeita aos canais de comunicação
seleccionados, às técnicas utilizadas para evitar a recusa ao fornecimento
de respostas e ao esforço para garantir a sua fiabilidade.

Diversidade de canais de comunicação

Os canais de comunicação entre inquiridor e inquiridos podem ser vários,


exigindo cuidados adequados à sua natureza pois variam em cada caso. Os
questionários enviados pelo correio devem ser acompanhados por envelope
para resposta, devidamente endereçado e selado ou com resposta paga, a fim
de reduzir as não respostas. Por seu turno, os que forem enviados por

154
© Universidade Aberta
portador, exigem a prévia preparação de quem os leva, uma vez que essas
pessoas assumem frequentemente o papel de agentes realizadores de
entrevistas estruturadas. Em investigações sobre organizações é habitual
enviar os questionários pelos circuitos burocráticos usuais. Neste caso é
importante que a imagem do investigador não fique colada à de qualquer
grupo pertencente à organização (patrões, sindicatos, etc) de modo a que as
respostas não venham falseadas por esse motivo.

Hoje, com as auto-estradas da informação, é possível lançar inquéritos por


via telemática. Apesar do fascínio que este canal possui, vale a pena recordar
que para muitas situações não parece ser o canal indicado uma vez que não
está acessível a toda a população a inquirir, pondo-se fortemente a questão
da representatividade das respostas. Como se sabe os cibernautas têm um
perfil específico, não sendo ainda um grupo que cubra a totalidade dos
universos a inquirir. Se o problema se pode colocar em termos de amostras
representativas, o mesmo não acontece no que respeita às amostras
intencionais, nomeadamente em inquéritos a especialistas: usando as
auto-estradas da informação, o investigador pode em muito pouco tempo
obter respostas a questões específicas, por parte de um número significativo
de utilizadores das redes telemáticas de qualquer parte do mundo.

Prevenção das não-respostas

Um dos grandes problemas dos inquéritos por questionário é a elevada taxa


de não-respostas. Vários autores têm feito referência à existência de factores
condicionadores do nível de devoluções dos questionários:

• natureza da pesquisa: se a pesquisa tem uma natureza em que a sua


utilidade seja evidente para o inquirido, a taxa de respostas tende a
aumentar;

• tipo de inquirido: os inquiridos com maior nível de habilitações


académicas tendem a responder com mais frequência; em
contrapartida, populações com baixa instrução tendem a não
responder;

• sistema de perguntas: quanto mais simples for o sistema de perguntas


quer em matéria de objectividade quer de clareza, maior é a
probabilidade de aumentar a taxa de respostas;

• instruções claras e acessíveis: prendendo-se à variável anterior,


quanto mais fáceis e claras forem as instruções de preenchimento,
mais êxito se prevê no número de respostas; instruções demasiado

155
© Universidade Aberta
complicadas e longas constituem um excelente dissuasor de
colaboração;

• estratégias de reforço: cartas de anúncio do lançamento do inquérito,


cartas de legitimação da sua utilidade social ou científica feitas por
entidades credíveis e cartas aos não respondentes dando-lhes uma
segunda oportunidade para o fazerem, são estratégias de reforço que
normalmente aumentam a taxa de respostas.

A questão da fiabilidade

De um modo geral, a tecnologia do inquérito por questionário é bastante


fiável desde que se respeitem escrupulosamente os procedimentos
metodológicos quanto à sua concepção, selecção dos inquiridos e
administração no terreno. No entanto, é convergente a opinião de que as
questões objectivas são mais fiáveis que as questões subjectivas.

3.2. Aspectos de natureza prática

Tal como em relação à entrevista (vide supra, ponto 2.4.), a elaboração de


um inquérito por questionário carece de certos cuidados. Seguidamente referir-
-se-ão alguns procedimentos habituais em inquéritos por questionário, que
poderá estudar mais detalhadamente nas obras referidas no final do capítulo.

3.2.1. Fase preliminar (antes)

A concepção e administração de um questionário exigem alguns padrões de


actuação tanto quanto à construção das perguntas como no que se refere à
apresentação do questionário (fig. 5.5).

Construção das perguntas

Reduzidas ao Q.B. Quem tenha por passatempo a gastronomia conhece a


sigla Q.B. que significa quanto baste sendo habitualmente usada para fazer
referência à introdução equilibrada de temperos nas receitas de culinária.
Num inquérito por questionário a noção de Q.B. é indispensável quando se

156
© Universidade Aberta
reflecte sobre o número de questões a introduzir: se forem em número
excessivamente reduzido podem não abranger toda a problemática que se
pretende inquirir; se, pelo contrário, forem demasiado numerosas, não só se
arrisca a ser de análise impraticável no tempo disponível para investigação
como têm um efeito dissuasor sobre os inquiridos aumentando a probabilidade
de não resposta. O número de perguntas de um questionário deve ser, por
isso, o adequado à pesquisa em presença e não mais que esse quanto baste.

Fig. 5.5 - Cuidados a ter na construção de um inquérito por questinário

QUANTO ÀS PERGUNTAS:
• Reduzidas ao Q.B.
• Tanto quanto possível fechadas
• Compreensíveis para os respondentes
• Não ambíguas
• Evitar indiscrições gratuitas
• Confirmar-se mutuamente
• Abrangerem todos os pontos a questionar
• Relevantes relativamente à experiência do inquirido

QUANTO À APRESENTAÇÃO DO QUESTIONÁRIO:


• Apresentação do investigador
• Apresentação do tema
• Instruções precisas quanto ao seu preenchimento
• Envelope selado para resposta
• Qualidade e cor do papel
• Disposição gráfica
• Quadros
• Nº de folhas

Tanto quanto possivel fechadas. Um modo de objectivar as respostas e de


não permitir que estas sejam ambíguas é fechar as perguntas. Fechar uma
pergunta é, como se sabe, apresentar ao respondente um número limitado de

157
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respostas típicas que este pode escolher. Neste procedimento há algumas
regras elementares a obedecer.

• O número de respostas-tipo não deve ser excessivo, a fim de não


dispersar os respondentes, nem demasiado baixo, de modo a permitir
uma discriminação analítica posterior.

• As instruções sobre o modo de responder a cada pergunta devem


ser claras e precisas. Por exemplo: Coloque uma cruz na resposta
escolhida (uma só opção ... ou ... duas opções); assinale a sua opinião
relativamente às afirmações seguintes do seguinte modo: concordo
totalmente †; concordo parcialmente †; não tenho opinião for-
mada †; discordo parcialmente †; discordo totalmente †.

• Quando se pede ao inquirido ponha uma única cruz na resposta


correspondente à sua escolha as respostas-tipo devem ser
mutuamente exclusivas.

Compreensíveis para os respondentes. Isto significa que a pergunta deve


formalizar uma interrogação cujo significado seja percebido pelo inquirido
mesmo que este não saiba responder-lhe. Quando há essa hipótese, a resposta-
-tipo correspondente (ex: não sei †) deve figurar como opção.

Não ambíguas. As respostas padrão não podem ser ambíguas ou terem


leituras subjectivas. Por exemplo, imaginando que se quer questionar a
frequência de idas ao cinema de uma dada população, deve-se evitar respostas
tipo como Vou muitas vezes † Vou raramente † Não vou nunca †, uma vez
que cada respondente tem a sua medida pessoal. Neste caso seria mais
adequado apresentar um conjunto de respostas-padrão do tipo No último
mês... fui mais de oito vezes ao cinema † ; ... fui entre 4 e 8 vezes ao cinema
†; ... fui entre 1 e 3 vezes ao cinema †; ... não fui ao cinema †.

Evitar indiscrições gratuitas. Nota-se por vezes, sobretudo em inves-


tigadores com pouca experiência, uma curiosidade mórbida em querer saber
coisas sobre a população inquirida, traduzida num excesso de perguntas
melindrosas ou indiscretas. Para além de se tratar de um procedimento
deontologicamente reprovável, funciona como dissuasor de resposta.

Confirmarem-se. Nalguns casos é conveniente, como atrás se referiu,


construir perguntas de controlo, destinadas a verificar a veracidade de outras
questões insertas noutra parte do questionário.

Abrangerem todos os pontos a questionar. Isto significa que o investigador


deve verificar cuidadosamente, antes do lançamento do questionário, se este
abrange todos os pontos da problemática a inquirir.

158
© Universidade Aberta
Pertinentes relativamente à experiência do inquirido. Conforme se referiu
na secção consagrada à entrevista, não tem sentido questionar uma população
sobre uma matéria que está fora do seu campo cognitivo.

Escalas de atitudes. Por vezes as questões podem ser colocadas sob a forma
de uma escala de atitudes, permitindo ao investigador medir atitudes e opiniões
do inquirido.

Exemplo de preenchimento:
Por favor
• coloque uma cruz, (apenas uma) no quadrado que melhor se adequar à sua resposta,
na coluna da direita e outra cruz na coluna da esquerda.

O que acontece O que deveria acontecer


Qua se Algumas Qua se Quase A lgumas Quas e
Nunca Sempre Nunca Sempre
nunca Vezes s empre nunca Vezes sempre
Ando fardado de acordo com as
X 22 X
regras do fardamento em vigor

O que acontece O que deveria acontecer


Qua se Algumas Qua se Quase A lgumas Quas e
Nunca Sempre Nunca Sempre
nunca Vezes s empre nunca Vezes sempre
28 Envio “status” para a central de
emergência
29 Procedo ao exame da vítima de
acordo com o protocolo
30 Avalio a gravidade e a extensão das
lesões
31 Procuro recolher informações junto
da vítima, seus familiares ou
testemunhas do sucedido
32 Verifico no local da ocorrência a
existência os meios suficientes e
adequados
33 Efectuo o diagnóstico preliminar da
vítima
34 Informo a central, via rádio, acerca
dos dados recolhidos e do possível
diagnóstico preliminar
35 Informo o médico, no local da
ocorrência, dos dados do doente e da
actuação da equipa
36 Discuto com o médico no local da
ocorrência, o diagnóstico da vítima
37 Actuo de acordo com as indicações
fornecidas pela central ou médico no
local
38 Tenho a liberdade para decidir quais
os procedimentos a adoptar
39 Efectuo as técnicas de SBV
40 Sempre que se justifique coloco a
vítima em PLS
41 Avalio os Sinais Vitais da vítima
42 Se necessário coloco em curso um
soro, em veia periférica, mesmo que
ainda não tenha recebido indicação
medica

Fonte: Mateus, Bárbara, 2005, A comunicação em equipas de emergência pré hospitalar, Mestrado
em Comunicação em Saúde, Universidade Aberta

Fig. 5.6 - Um exemplo de escala de Likert

159
© Universidade Aberta
Pede-se a um indivíduo para reagir positiva ou negativamente em relação a
uma série de proposições que dizem respeito a ele próprio, a outros indivíduos,
a actividades diversas, a instituições ou a situações. Deste modo características
qualitativas podem posteriormente ser trabalhadas de forma quantitativa.

Existe uma grande variedade de escalas que poderão ser aprendidas na


bibliografia de especialidade. A título de exemplo, apenas se referem duas
muito usadas.

• Escalas de Likert: consistem na apresentação de uma série de


proposições, devendo o inquirido, em relação a cada uma delas, indicar
uma de cinco posições: concorda totalmente, concorda, sem opinião,
discorda, discorda totalmente. As respostas são seguidamente cotadas,
respectivamente com as cotações de +2, +1, 0, -1 e -2, ou com com
pontuações de 1 a 5. No entanto, se a proposição é negativa, a cotação
tem de ser invertida. Por exemplo concordar com a afirmação “não
gosto de matemática porque a matéria não tem relação com a
realidade”, significa uma atitude negativa relativamente à Matemática.
Nesse caso a resposta concorda totalmente recebe uma cotação de -
2, concorda será -1 e assim sucessivamente (ver exemplo na figura
5.6).

• Diferenciais semânticos (Osgood, Suci e Tannenbaum, 1957).


Consiste na apresentação de diversos pares de adjectivos bipolares
(antónimos) separados por uma linha geralmente dividida em 7 ou 5
partes. O inquirido deverá colocar uma cruz no intervalo
correspondente à sua atitude relativamente a um determinado tópico.
Por exemplo, e ainda relativamente à disciplina de Matemática:

Interessante __ __ __ __ __ __ __ Aborrecida

Útil __ __ __ __ __ __ __ Inútil

É dada uma cotação a cada par de adjectivos (ex: de 6, no caso de


assinalar o intervalo mais próximo de do adjectivo positivo, a 0,
no caso oposto). Faz-se o somatório das cotações para ter uma
apreciação quantitativa relativa à atitude do inquirido face ao tópico
considerado.

Apresentação do questionário

A apresentação formal e física do questionário é muito mais importante do


que se possa imaginar. Com efeito, como as empresas comerciais que vendem
pelo correio já descobriram há muito, a apresentação funciona como elemento
legitimador (ou não), tendo uma quota parte de responsabilidade no êxito ou

160
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inêxito de um inquérito por questionário. Vejamos alguns elementos práticos
a não esquecer.

A apresentação do investigador deve conter os elementos indispensáveis


para o credibilizar aos olhos do inquirido.

A apresentação do tema, por sua vez, deve ser feita de forma clara e simples,
mostrando o valor acrescentado que o inquirido pode trazer à investigação
com as respostas que forneça.

As instruções devem ser precisas, claras e curtas: quando são ambíguas


ou demasiado complicadas tornam-se contraproducentes, como nos diz a
nossa experiência de cidadão quando temos, por exemplo, de preencher certos
impressos que constituem autênticas charadas.

Sempre que enviado pelo correio, o questionário deve ser acompanhado de


um envelope selado ou com resposta paga. A qualidade e a cor do papel
devem ser adequadas ao público-alvo. A qualidade do papel deve ser
suficientemente boa, para que as perguntas possam ser impressas no verso e
reverso da folha.

A sua disposição gráfica deve ser tão clara quanto possível e adequada ao
público-alvo. Por exemplo não é conveniente usar quadros de duas entradas
num formulário para ser preenchido por uma população que não está
familiarizada com esse tipo de suporte de informação. A mancha gráfica
deve ser aberta e visualmente atractiva.

O formulário deve ser alvo de uma rigorosa revisão gráfica evitando


gralhas ortográficas e erros sintácticos que naturalmente fazem baixar a
credibilidade do inquérito aos olhos do respondente.

O número de folhas deve ser reduzido ao mínimo, para evitar reacções prévias
negativas por parte do inquirido. É conveniente informá-lo do tempo médio
previsto para a resposta.

Em suma, a construção de um formulário deve obedecer a dois critérios:


clareza e rigor na apresentação e comodidade para o respondente.

161
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Actividade 5.3

Faça o planeamento da recolha de dados para cada uma das situa-


ções de inquirição que identificou na actividade 5.1., consideran-
do os seguintes factores:

• formulação e estruturação das perguntas

• diversidade dos canais de comunicação possíveis

• prevenção das não respostas

• apresentação do questionário

3.2.2. O decorrer (durante)

Quando uma primeira versão do questionário fica redigida, é necessário


garantir a sua aplicabilidade no terreno e avaliar se está de acordo com os
objectivos inicialmente formulados pelo investigador. A primeira versão tem,
assim, que ser testada para se verificar, entre outros aspectos,

• se todas as questões são compreendidas pelos inquiridos da mesma


forma, e da forma prevista pelo investigador;

• se as respostas alternativas às questões fechadas cobrem todas as


respostas possíveis;

• se não haverá perguntas inúteis, inadequadas à informação pretendida,


demasiado difíceis ou a que um grande número de sujeitos se recusa
a responder, por serem tendenciosas ou desencadeadoras de reacções
de auto-defesa;

• se não faltarão perguntas relevantes;

• se os inquiridos não considerarão o questionário demasiado longo,


aborrecido ou difícil.

Esse procedimento, designado por pré-teste, poderá também permitir


averiguar as condições em que o questionário deverá ser aplicado, a sua
qualidade gráfica e a adequação da carta e das instruções que o acompanham.

162
© Universidade Aberta
Poderá ser administrado primeiramente a um pequeno número de pessoas
que conheçam o tema do questionário, em condições de identificar os seus
maiores problemas e dar sugestões para o melhorar, preferencialmente através
de entrevista.

Seguidamente, deverá ser aplicado a uma pequena amostra de indivíduos


pertencentes à população do inquérito (mas que não façam parte da amostra
seleccionada) ou a uma população similar (no caso do questionário ser
administrado à totalidade da população considerada). Esta amostra deverá
ser encorajada a fazer observações e sugestões que digam respeito ao
questionário no seu todo e a cada uma das suas perguntas. Após uma análise
cuidadosa das respostas dadas dever-se-á proceder à redacção definitiva do
questionário.

Após este procedimento o inquérito deverá ser enviado por um dos vários
canais atrás referidos sendo conveniente (quando possível) o investigador
ter a precaução de controlar se chegou aos seus destinatários.

3.2.3. Fase subsequente (depois)


17
Quando o questionário é
lançado já deve ter havido um
Uma vez recebidos os questionários devidamente respondidos, devem ser trabalho de pré-codificação
alvo de uma primeira leitura pelo investigador, a fim de verificar a fiabilidade de todas as respostas fecha-
das e um esboço de
das respostas e de codificar as que resultam de perguntas abertas17. codificação das perguntas
abertas. No entanto, só após
Seguidamente, está em condições de proceder ao tratamento e análise dos a recolha de dados, é possivel
a codificação final das per-
dados quer por via manual quer informática. Sempre que possível, é vantajoso guntas abertas e a afinação de
usar meios informáticos pela rapidez e potência de cálculo que o trabalho alguns códigos das perguntas
fechadas, estas últimas em
computacional permite. Existe actualmente no mercado software bastante virtude da ausência de certo
poderoso para este tipo de trabalho18, valendo a pena gastar algum tempo a tipo de respostas.
aprender a manejá-lo, ou, pelo menos a conhecer as suas potencialidades
para saber encomendar os elementos que se necessita a operadores 18
Por exemplo o SPSS para
qualificados. tratamento estatístico e o
NUDIST para análise de con-
teúdo.

4. Em síntese: virtualidades e limitações da entrevista e do ques-


tionário

Em jeito de síntese pode dizer-se que qualquer destes dois instrumentos de


recolha de dados apresenta virtualidades e limitações, que procuramos
sumariar na figura 5.7:

163
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Fig. 5.7 - Prós e contras da entrevista e do questionário

TÉCNICA PRÓS CONTRAS

INQUÉRITO • Flexibilidade quanto ao tempo • Requer maior especialização do


de duração, adaptação a novas investigador
POR
situações e a diversos tipos de
ENTREVISTA entrevistados (ex: analfabetos)
• Custa mais caro
• Profundidade (Permite observar
o entrevistado e colher in-
formações íntimas ou de tipo • Gasta mais tempo
confidencial)

INQUÉRITO • Sistematização • Dificuldades de concepção


POR • Maior simplicidade de análise • Não é aplicável a toda a
• Maior rapidez na recolha e população
QUESTIONÁRIO
análise de dados • Elevada taxa de não respostas
• Mais barato

Teste formativo

1. Após leitura aprofundada do texto do capítulo e realizadas as


respectivas actividades, abra o Manual na página intitulada objectivos
da unidade.

2. Tente atingir os 23 objectivos, escrevendo as suas respostas sem


recorrer ao texto do interior do capítulo.

3. Confira as suas respostas com o texto e corrija-as.

164
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Leituras complementares

BOUDON, Raymond
1973 Les Méthodes en Sociologie, Paris, PUF.

CLEGG, Frances
1995 Estatística para Todos, Lisboa, Gradiva, pp 159-172.

GHIGLIONE, Rodolphe e MATALON, Benjamin


1993 O Inquérito. Teoria e Prática, Oeiras, Celta.

GRAWITZ, Madeleine
1993 Méthodes des Sciences Sociales, Paris, Dalloz, 9ª edição, pp. 569-631.

HILL, Manuela e ANDREW


2000 Investigação por questionário, Lisboa, Sílabo.

MERTON, Robert King; KENDALL, Patrícia L.


1946 The focused interview, "The American Journal of Sociology, vol 51,
nº6, May, pp 541-557.

MERTON, Robert King


1987 The focused interview and focus groups: continuities and
discontinuities, "The Public Opinion Quartely, vol. 51, nº 4, Winter,
pp 550-566.

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Página intencionalmente em branco

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6. O Relatório de Pesquisa

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Página intencionalmente em branco

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Sumário:

Objectivos da unidade
1. Introdução
2. Reflexões prévias ao acto de relatar
2.1. O que é que se quer transmitir?
2.2. A quem se destina o relatório?
2.3. Quando e onde se desenrolou a pesquisa?
Condicionamentos espaço-institucionais
Condicionamentos temporais
2.4. Como se desenvolveu a investigação ?
Actividade 6.1
3. Elaboração do Relatório
3.1. Conteúdo do Relatório
Problematização da questão
Itinerário e processos de pesquisa
Resultados alcançados
Consequências dos resultados
3.2. Construção e forma do relatório
Dois princípios básicos indispensáveis: clareza e rigor
Esquema de apresentação: o travejamento temático
Corpo do texto
Anexos
Glossários
Índices
Conclusão
Introdução
Título
Actividade 6.2

Síntese
Teste formativo
Leituras complementares

169
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Objectivos da unidade

No final do processo de aprendizagem desta unidade o estudante deverá estar


apto a:

• explicitar a importância do relatório no contexto do processo de


pesquisa;

• identificar as questões sobre as quais o investigador deve reflectir


antes de elaborar o relatório da pesquisa efectuada;

• explicitar as principais componentes de um relatório científico;

• identificar as três principais motivações que levam à elaboração de


um projecto de investigação;

• distinguir algumas características comunicacionais diferenciadoras


de relatórios destinados a diferentes públicos-alvo;

• identificar alguns condicionamentos espaço-institucionais e temporais


da investigação;

• reconhecer a importância de uma reflexão epistemológica e metodo-


lógica sobre o modo como decorreu a pesquisa e a sua explicitação
no relatório;

• identificar as principais componentes de um relatório científico;

• explicitar a importância da apresentação do problema de investigação


no relatório;

• reconhecer a natureza substantiva da apresentação de resultados no


relatório;

• referir a importância da identificação das consequências da pesquisa


no relatório;

• identificar e discutir os princípios básicos que enformam a elaboração


de um relatório de pesquisa;

• explicitar a importância da estruturação do relatório;

• discutir as vantagens e inconvenientes de diversos sistemas de


estruturação;

• enunciar duas diferentes estratégias de construção de um relatório;

• identificar e discutir diversos procedimentos para introduzir maior


rigor e clareza num relatório.

170
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1. Introdução

Pesquisas cuidadosamente planeadas, com dados interessantes recolhidos,


tratados e interpretados de forma correcta, não têm frequentemente junto
dos públicos-alvo a que se destinam um impacto proporcional ao esforço
dispendido e aos resultados alcançados. Isto deve-se, muitas vezes, ao pouco
cuidado posto pelo(s) autor(es), no relato e apresentação desses resultados,
razão pela qual, nesta unidade, nos iremos debruçar sobre a forma de elaborar
o relatório da pesquisa efectuada.

O objectivo de um relatório, seja ele qual for, é pôr em comum uma


determinada acção do autor e partilhar um conjunto de informações por ele
consideradas relevantes. Isto implica, antes de mais, que a preocupação
dominante de quem tem a incumbência de produzir um qualquer relatório 1
Exemplos típicos de relató-
deve ser a de ter uma estratégia de comunicação adequada ao público a rios deste tipo são as disser-
tações de mestrado e de
quem esse documento se destina. doutoramento.

No caso particular do relatório de um dado projecto de investigação


científica1, este deve assumir-se como um espelho da pesquisa efectuada
que permita aos leitores, não só entender os problemas que estão em
jogo e os resultados alcançados, mas também os procedimentos metodo-
lógicos escolhidos a fim de os poderem verificar para confirmar ou infir-
mar os resultados do autor.

Exemplos típicos de relatórios deste tipo são as dissertações de mestrado e


de doutoramento.

2. Reflexões prévias ao acto de relatar

Antes de iniciar o relatório, é conveniente que o investigador reflicta sobre


alguns aspectos fundamentais do seu trabalho, que se podem equacionar sob
a forma de quatro questões:

• O que é que se quer transmitir?

• A quem se destina o relatório?

• Quando e onde se desenvolveu a pesquisa?

• Como foi realizada a investigação?

171
© Universidade Aberta
2.1. O que é que se quer transmitir?

Antes de mais, é preciso ter consciência da informação que se quer obter e


como se quer difundi-la. Também na elaboração de um relatório se aplica o
princípio da economia de informação que temos vindo a defender nas
anteriores unidades. Isto significa que nunca se deve transmitir tudo o que
se fez e como se fez ao longo do complexo percurso da pesquisa, uma vez
que esse procedimento iria produzir nevoeiro informacional nos receptores,
para além de lhes fazer gastar tempo inutilmente. Há, por isso, que saber
seleccionar a informação pertinente (e não mais que essa) a difundir no
relatório.

Independentemente do teor da pesquisa efectuada é relativamente consensual


considerar que qualquer relatório científico deve conter informação sobre os
seguintes aspectos:

• objectivo da pesquisa (com indicação dos resultados previstos)

• objecto (traduz o campo bem delimitado sobre que incidiu a inves-


tigação)

• relação entre a problemática investigada e a teoria existente

• resultados efectivamente obtidos

• apresentação dos resultados não alcançados e justificação dos motivos


que impediram atingi-los

Os conteúdos da investigação e o modo como são explicitados sob a forma


de relatório devem ser, por outro lado, coerentes com a motivação que presidiu
à concepção do projecto:

• saber mais (ex: comprovar uma teoria);

• saber fazer melhor (ex: conceber e administrar uma política de


urbanização, de saúde, de educação ou de segurança social, etc);

• saber situar-se melhor (ex: perante conflitos raciais, perante


problemas novos como o da integração de certo tipo de refugiados,
etc)

2.2. A quem se destina o relatório?

A segunda interrogação prende-se à caracterização dos utilizadores do


relatório, uma vez que o investigador não escreve para si próprio. Na unidade

172
© Universidade Aberta
2 foi referido que um processo de investigação é semelhante a uma corrida
de estafetas, uma vez que para atingir os seus objectivos, o investigador
precisa de recolher o testemunho de todo um trabalho anterior, introduzir-lhe
algum valor acrescentado e passar esse testemunho à comunidade científica
a fim de que outros possam voltar a desempenhar o mesmo papel no futuro.

Assim como a pesquisa documental se deve assumir como a passagem do


testemunho dos que investigaram antes no mesmo terreno, para as mãos do
investigador, o relatório da pesquisa efectuada corresponde à devolução do
testemunho, pelo investigador à comunidade científica, corporizado na mais
valia introduzida com o seu trabalho. O relatório deve concretizar, por isso,
uma estratégia comunicacional adequada aos grupos-alvo a que se destina
(figura 6.1).

Fig. 6.1 - Adequação do relatório aos públicos-alvo

Aspectos a ter Para a Para organizações Para a


em conta: Universidade públicas e privadas comunicação
social
Clareza + ++ +++
Rigor +++ ++ +
Terminologia Codificada Codificação de
para a acordo com o tipo Simplificada
comunidade de organização-
científica cliente
Estrutura Rigorosa e Relativamente Apelativa
minuciosa simplificada

Se o público utilizador integra sobretudo elementos da comunidade científica,


a forma do relatório deve obedecer aos critérios formais por ela adoptados,
apresentando-se sob a forma de um discurso conceptualmente rigoroso,
bibliograficamente escorado e com uma minuciosa explicação metodológica,
admitindo-se, por vezes, que se afaste das exigências próprias de uma
aplicação prática. O rigor do discurso académico não deve dispensar a sua
clareza se bem que a homogeneidade do público-alvo implique uma
terminologia codificada para o público a que se destina. Um exemplo disso é
a minúcia e o rigor da sua estrutura representada no índice.

Se se trata de um relatório destinado aos financiadores da investigação, é


conveniente que retrate a congruência dos resultados alcançados com os

173
© Universidade Aberta
interesses que levaram os investidores a financiar a pesquisa e utilizar uma
linguagem adaptada à sua maneira de comunicar.
Investigações encomendadas por entidades públicas ou privadas, cuja
principal motivação é resolver problemas concretos, devem culminar com
relatórios cuja informação possa ser facilmente digerível por decisores e
técnicos, que não são necessariamente académicos, como matéria útil para o
desenvolvimento prático da sua acção profissional.
Deste modo o discurso deve ter uma terminologia codificada de acordo com
a organização-cliente sendo a sua estrutura normalmente mais simplificada
que a usada para comunidades académicas.
Finalmente, se o público-alvo é integrado por orgãos de comunicação social
ou se os resultados obtidos se destinam a ser difundidos pelo público em
geral, a informação contida no relatório deve assumir uma forma clara e
sucinta, sem as escoras teóricas e metodológicas indispensáveis para públicos
de natureza académica ou técnica. O que para uns é sinal de rigor científico
para outros é considerado pretencioso, confusionista e ilegível. A terminologia
é simplificada, por vezes sacrificando o rigor à clareza, e a estrutura deve ser
apelativa.

2.3. Quando e onde se desenrolou a pesquisa?

Uma terceira questão prende-se ao conjunto dos condicionamentos espaço-


-institucionais e temporais que envolveram o desenrolar da investigação.

Condicionamentos espaço-institucionais

Se Ruth Benedict(1887-1948), figura de proa da Antropologia Cultural


americana, tivesse sido contactada para fazer um estudo sobre a cultura
japonesa por uma qualquer instituição académica numa altura em que o Japão
2
Um exemplo que poderá cla- e os Estados Unidos não estivessem em guerra, provavelmente teria feito um
rificar o que se afirma: con- trabalho bem diferente do que resultou do seu clássico O Crisântemo e a
trariamente ao soldado oci-
dental que quando em situa- Espada. O facto desta obra lhe ter sido encomendada pelo Estado Maior
ção militar de derrota eminen- Americano durante a Segunda Guerra Mundial, com o intuito de entender o
te apresentava uma baixa
motivação para combater, o comportamento dos soldados japoneses nos teatros de operações, considerado
militar japonês parecia ga- então paradoxal2, impôs-lhe um conjunto de condicionamentos, de entre os
nhar combatitividade, o que
evidentemente tinha efeitos quais se salientam:
práticos graves em termos de
baixas nos aliados. • do ponto de vista metodológico, foi obrigada a não utilizar a técnica
designada como observação participante, habitual em investigação

174
© Universidade Aberta
antropológica, enquanto meio de recolher dados sobre o objecto de
estudo; em sua substituição, teve de recorrer a uma engenhosa
combinação de entrevistas a informadores qualificados e a cidadãos
americanos de origem japonesa, à análise de conteúdo das emissões
de propaganda da Rádio Tóquio, e ainda, a uma árdua pesquisa de
natureza documental;

• relativamente à motivação que havia presidido à encomenda daquele


estudo, teve de efectuar uma pesquisa de grande complexidade no
exíguo tempo disponível;

Estudos sobre prisões, hospitais psiquiátricos, internatos, investigações


efectuadas sobre grupos com comportamento desviado, trabalhos em
organizações burocráticas sobre simplificação administrativa, estudos sobre
grupos fechados, etc, são alguns exemplos de pesquisas com fortes
condicionamentos institucionais (ou grupais), limitações essas que devem
ser consciencializadas pelo investigador e por ele partilhadas no relatório
final a fim de que os seus resultados possam ser alvo de uma avaliação
contextual adequada.

Condicionamentos temporais

Também os condicionamentos de natureza temporal devem não só ser


explicitados no relatório, como proporcionada ao leitor, por parte do
investigador, a justificação do ocorrido.

Em consonância com a época em que vivemos, em que a degradabilidade do


Saber obriga a um encurtamento do tempo de investigação sob pena desta se
desactualizar ainda antes de divulgada, há estudos, como os que se destinam
à elaboração de dissertações de Mestrado, que, por imperativos legais, têm
prazos bastante reduzidos. Conforme se referiu na unidade 2, este cons-
trangimento obriga a um rigoroso planeamento da pesquisa e consequente
administração dos meios disponíveis, de entre os quais a consideração do
tempo assume um papel relevante.

No acto de relatar, esta limitação deve ser explicitada claramente, não como
legitimação dos resultados que não se alcançaram mas como indicador de
custo(tempo)/qualidade(resultados obtidos) da pesquisa.

175
© Universidade Aberta
2.4. Como se desenrolou a investigação?

Uma última reflexão que é conveniente fazer é sobre a metodologia adoptada


e as dificuldades encontradas na sua execução. Esta auto e heterocrítica
metodológica é indispensável a quem pretende apresentar um trabalho sério
e ter consciência sobre o seu valor acrescentado e sobre as suas limitações.
Tal balanço que deve fazer parte do relatório, permitirá ao leitor não só apreciar
com mais justeza os resultados alcançados mas também ultrapassar mais
facilmente esse tipo de obstáculos em futuras investigações.

Em suma, a reflexão prévia proposta nos pontos anteriores destina-se a ter


presente o enquadramento material, pessoal, espaço-temporal e metodológico
que enformou a pesquisa.

Actividade 6.1

De acordo com os pontos anteriores faça um exercício de simulação


tomando como referência a dissertação que vai realizar. Tente
responder com objectividade às quatro questões acima discutidas
e que colocará a si prório(a):

• o que é que quero transmitir?


• a quem se destina o resultado da pesquisa?
• que constrangimentos espaciais, institucionais e temporais
antevejo?
• que escolhas metodológicas irei fazer?

Seguidamente registe por escrito as suas respostas que, por certo,


constituirão uma boa base no diálogo que irá estabelecer com o
seu orientador científico.

3. Elaboração do Relatório

Feito o conjunto de reflexões acima enunciadas, falemos um pouco mais


detalhadamente do conteúdo e da forma do relatório.

176
© Universidade Aberta
3.1. Conteúdo do Relatório

Quanto ao conteúdo e independentemente de padrões institucionais


particulares e da natureza da investigação é consensual que qualquer relatório
de pesquisa deva conter os seguintes elementos:

• apresentação do problema

• processos de pesquisa

• resultados alcançados

• consequências dos resultados

Problematização da questão

Para a apresentação do fenómeno que a investigação visou estudar e


compreender, o relatório deve explicitar claramente a delimitação do objecto
da pesquisa, os seus objectivos e a moldura teórica (quadro conceptual,
teorias e hipóteses) em que o mesmo se enquadra.

Naturalmente que a elaboração desta parte do relatório é fortemente facilitada


se o investigador tiver tido o cuidado de planear cuidadosamente o seu trabalho
e de registar exaustivamente o resultado desse planeamento. Por vezes surgem
em provas dissertações, com grande abundância de dados de valor empírico
apreciável mas carentes de uma meditação teórica e metodológica que lhes
dê sentido científico.

Itinerários e processos de pesquisa

A explicitação dos problemas epistemológicos com que o investigador se


confrontou, os que se prendem com a metodologia adoptada, com as técnicas
escolhidas, com as dificuldades encontradas e com modo como todos eles
foram ultrapassados é, como acima se disse, um elemento indispensável de
qualquer relatório científico. A sua apreciação permite ao utilizador avaliar a
solidez do caminho empreendido e, se necessário, refazê-lo, a fim de verificar
os resultados obtidos.

Por outro lado, aos investigadores que, no futuro, poderão vir a debruçar-se
sobre a mesma problemática, a clareza e o rigor dos procedimentos metodo-
lógicos adoptados e as eventuais sugestões para a realização de outras
pesquisas que, por vezes, integram também a secção metodológica de um
relatório, constituem preciosos instrumentos para meditação sobre as suas
próprias escolhas e padrões de actuação.

177
© Universidade Aberta
Resultados alcançados

É extremamente importante o investigador estar ciente de que os resultados


alcançados pela investigação (positivos e negativos), constituem a parte
substantiva de qualquer relatório. Acontece com alguma frequência,
sobretudo em trabalhos produzidos por investigadores inexperientes,
registar-se um desequilíbrio considerável entre uma volumosa compilação
de dados produzidos por outrem, correspondente ao enquadramento teórico
e empírico, e uma exígua apresentação dos resultados alcançados pela
investigação em presença.

Para além da inevitável desqualificação académica traduzida em classificações


inferiores às que os candidatos esperariam, tal desequilíbrio tem como
consequência um desperdício de informação interessante que poderia ter sido
partilhada com a comunidade científica, retirando valor acrescentado ao
trabalho.

Consequências dos resultados

Finalmente, é conveniente que o relatório contenha uma meditação sobre


esse valor acrescentado, permitindo evidenciar as consequências, nos planos
prático, teórico ou metodológico, do trabalho desenvolvido. Tal reflexão
constitui uma peça fundamental deste documento, uma vez que aponta
pistas tanto para futuras investigações como para a definição de políticas e
decisões.

Em suma, o conteúdo do relatório deve abranger os dez elementos que


integram o Vê de Gowin referido na unidade 2 (reveja a figura 2.8.) e que
aqui se recordam:

• Na vertente conceptual: Objecto de estudo, objectivo


(questão-chave), concepções extra-científicas do investigador que
possam ter afectado a investigação, teorias, modelos e conceitos que
a tenham fundamentado.

• Na vertente metodológica: registos, transformações (estratégias de


recolha, tratamento e interpretação de dados), resultados obtidos e
valor acrescentado da pesquisa efectuada para o desenvolvimento da
teoria, da metodologia e/ou da prática.

3.2. Construção e forma do relatório

Uma vez que um relatório de pesquisa é, antes de mais, um instrumento de


comunicação, a forma como é apresentado é tão importante como o seu

178
© Universidade Aberta
conteúdo. A negligência dos aspectos formais conduz não só a uma redução
da credibilidade junto do público-alvo mas também à perda de qualidade
comunicacional e, por consequência, a uma menor eficácia como instrumento
de trabalho científico.

Dois princípios básicos indispensáveis: clareza e rigor

Qualquer relatório tem de obedecer simultaneamente a dois princípios básicos:


o da clareza e o do rigor.

O princípio da clareza obriga, antes de mais, a um discurso morfológica,


sintáctica e lexicalmente correcto. Por outro lado, implica extremo cuidado
no desenvolvimento do pensamento do autor que, no acto da escrita tem de
ter sempre presente o receptor e a sua capacidade perceptiva. Isto implica,
por exemplo, a fuga a lugares comuns e a chavões que, constituindo muletas
de comunicação do autor, fazem frequentemente tropeçar o leitor ou, pelo
menos, têm efeito distractivo no acto da leitura. O uso de palavras
despropositadamente difíceis ou ambíguas é sempre de evitar, pois confundem
o leitor e fazem-lhe inutilmente perder tempo, num acrescido trabalho de
interpretação. Como refere Quivy (1992: 21), por vezes investigadores
principiantes (nós acrescentaríamos que não só esses) para assegurarem a
sua credibilidade, julgam útil exprimir-se de forma pomposa e ininteligível e, na
maior parte das vezes, não conseguem evitar raciocinar da mesma maneira.

O princípio do rigor assenta no valor, defendido por qualquer ramo da Ciência,


da busca da Verdade. Sem um pensamento estruturado com rigor, concretizado
na sua partilha oral ou escrita com a comunidade científica, não é possível
contribuir para o verdadeiro desenvolvimento das ciências. O rigor do discurso
científico concretiza-se, num relatório, em conceitos bem definidos, numa
distinção clara entre juízos de valor e juízos de facto, na separação inteligível
entre descrição e interpretação da realidade estudada, etc.

Seguidamente apresentam-se algumas sugestões ao leitor no sentido de aplicar


os dois princípios referidos na elaboração de um relatório de pesquisa.

Esquema de apresentação: o travejamento temático

Tal como o corpo humano um relatório científico tem como base de


sustentação um esqueleto que, na sua fase final, assume a forma de Índice
Geral (esquema geral que remete às páginas onde se encontram tratados os
assuntos), organizado em unidades estruturais (partes, capítulos, secções,
parágrafos, etc.).

179
© Universidade Aberta
O Índice Geral, espelho da sistematização das ideias contidas no relatório,
resulta de um processo de estruturação progressiva que se inicia desde a fase
3
Recorde-se que organizar é de planeamento da pesquisa.
articular recursos de forma
adequada. Neste caso, as in-
formações disponíveis que É conveniente que, o mais precocemente possível, o autor elabore um esquema
integram aquela que o inves- provisório da estrutura do relatório final. Ao fazê-lo, obriga-se a organizar3
tigador já possui e a que vai
recolhendo e produzindo, melhor a informação disponível e, por consequência, a clarificar o seu
constituem os seus recursos pensamento sob o objecto de estudo. Tal esquema vai sofrendo, ao longo de
principais que devem ser ar-
ticulados sob pena de desper- todo o processo de investigação, sucessivas actualizações que correspondem
dício de tempo e perda de a outros tantos aperfeiçoamentos estruturais do relatório final. Em todo este
energia.
processo é importante salientar que o esquema funciona como uma espécie
de bússola, com funções orientadoras, e não como um espartilho à
4
Apenas para ilustrar este
criatividade do investigador4.
processo de metamorfose,
pode referir-se que o autor do Um esquema pode obedecer a uma classificação numérica, alfanumérica ou
presente texto reelaborou a
estrutura da sua dissertação
alfabética. Sendo indiferente a opção tomada é fundamental, no entanto, ter
de doutoramento nove vezes em consideração que deve apresentar um critério uniforme de estruturação.
e que esta ideia de esquema Uma forma usual é a numérica hierarquizada que se apresenta sob o formato
flutuante lhe permitiu ir ten-
do, em cada momento, uma seguinte, por todos conhecido:
ideia melhor estruturada da
informação que dispunha so- 1.
bre o seu objecto de estudo e 1.1.
do caminho que ainda lhe fal-
1.2.
tava percorrer.
1.2.1.
1.2.1.1.
5
5
1.2.1.2. 1
Atenção: só tem sentido cri-
ar um nível inferior de 1.2.2.
estruturação quando se pre- 1.3.
tende subdividir a unidade 2.
temática de nível superior em 2.1., etc
pelo menos duas subuni-
dades. Não teria sentido, por
exemplo, integrar no ponto Tendo a evidente vantagem de distrinçar e hierarquizar as unidades temáticas,
1.2.1. apenas um ponto a estruturação numérica, quando muito minuciosa, pode acabar por ter o
1.2.1.1. se não houver pelo
menos um ponto 1.2.1.2. efeito perverso de obscurecer a visão estruturada do relatório. Para ultrapassar
esta dificuldade, há investigadores que usam uma estruturação numérica
hierarquizada clássica para os esquemas de apoio ao processo de investigação,
alterando a estrutura final para uma uma formatação mais legível. Para o
exemplo dado teríamos:

1ª Parte
Capítulo 1
Capítulo 2
1.
1.1.
1.2.
2.
Capítulo 3
2ª Parte.
Capítulo 4, etc

180
© Universidade Aberta
Em suma, a não utilização de um esquema estruturador do relatório tem
frequentemente como consequência o perigo de dar lugar a uma sequência
confusa, a uma argumentação frágil, pouco estruturada e com evidentes
deficiências de comunicação que espelham normalmente o estado
desorganizado do pensamento do autor. Um procedimento prático para
aperfeiçoar a sua capacidade de estruturação consiste em pedir que outras
pessoas critiquem o esquema. Críticas oriundas de especialistas (por exemplo
do orientador científico) permitir-lhe-ão aperfeiçoar a estrutura em termos
de precisão e rigor. Opiniões de não especialistas não são de negligenciar,
uma vez que frequentemente conduzem a um aperfeiçoamento do esquema
em termos de clareza.

O corpo do texto

Uma vez possuidor desse instrumento poderoso que é o esquema, o


investigador pode escolher um de dois caminhos: ou escreve o relatório final
apenas ao terminar todo o processo de investigação ou vai progressivamente
escrevendo sucessivas versões provisórias paralelamente ao processo de
pesquisa.

O modo clássico de trabalhar aconselha que só quando se possuam todos os


dados recolhidos tratados e interpretados se deverá passar à fase de redacção.
Tal estratégia obriga, no entanto, a procedimentos intermédios de organização
da informação, que passam pela criação e registo em suportes adequados
(fichas, diários de pesquisa, cadernos de campo, etc.) de toda a informação
bruta e trabalhada.

Sendo uma opção respeitável, tem o inconveniente de gastar muito tempo


inutilmente com operações redundantes de registo de informação. Em muitos
contextos de pesquisa este procedimento pode hoje ser substituído com
vantagem pela segunda opção que, no entanto, pressupõe a estruturação prévia
cuidadosa atrás referida. A vulgarização dos computadores pessoais veio
facilitar extraordinariamente esta opção tanto no que respeita ao proces-
samento de texto, como à organização e tratamento de dados.

Em vez do processo clássico de redacção, que poderá ser descrito como o


enchimento de um recipiente, a segunda opção assemelha-se à construção
de um puzzle, inserindo previamente a estrutura do relatório e escrevendo
texto provisório em várias partes do esquema. Nesta fase, o investigador
pode não ter grandes preocupações formais com o texto que vai produzindo,
uma vez que na revisão final irá ter esses cuidados. É, no entanto, vantajoso
que se rotine essa prática, desde o início, assumindo um estilo que facilite tal
operação. Vejamos algumas sugestões que se têm revelado úteis.

181
© Universidade Aberta
Dimensão dos parágrafos e períodos. Deve ser suficientemente pequena
para permitir uma fácil leitura.

Formatação da mancha (retirados, alíneas, espaços, etc). Deve apresentar-


-se arejada criando, através da combinação de diferentes corpos de letra, de
sublinhados e de espaços abertos, espaços de concentração da atenção e
pausas visuais que permitem ao leitor fixar-se na mensagem essencial.

Pés de página. O pé de página ou nota de rodapé pode ser usado com êxito
para comentários a propósito e referências ao pensamento de outros autores
que, no entanto, iriam tornar o discurso excessivamente pesado ou que
desviariam o leitor do essencial se fossem postos no corpo do texto. Convém,
no entanto não abusar das notas de rodapé, o que lhes retiraria a função
referida e as transformaria em afirmações presunçosas de erudição, retirando
eficácia comunicacional ao texto.

Quadros, gráficos, diagramas, mapas, fotos e outras ilustrações. Podendo


e devendo ser usados como instrumentos de clarificação e de escoramento
do texto, é bom não esquecer que não são mais do que isso mesmo,
instrumentos, devendo servir o texto e não contrariá-lo, tornando-o confuso.
Como critério geral para a sua inclusão ou não, deve pensar-se que servem
para ilustrar e para clarificar o texto, e não para complicar a leitura. As
ilustrações que introduzam um valor acrescentado imediato devem ser
incluídas no corpo do texto. Todas as que constituam informação comple-
mentar deverão ser remetidas para anexo. Quando se lida com quadros
numéricos demasiado complexos será um procedimento prudente decompô-
-los em unidades mais simples, adequadas ao texto. Cada ilustração deverá
ser convenientemente títulada e a fonte de onde foi retirada indicada junto,
com referência específica do autor, da identificação da fonte e da data da sua
produção. Por vezes, há necessidade ainda de introduzir notas e legendas
que devem ser curtas e claras.

Em suma: o material ilustrativo a inserir tem de constituir um todo,


articulando-se com o texto e tem de estar doseado em função do objectivo da
comunicação a transmitir.

Sínteses parciais e conclusão. A fim de conferir solidez ao texto, em


relatórios de maior dimensão, pode-se recorrer a sínteses de final de
capítulo, que têm o objectivo de sublinhar as principais ideias do trabalho.
O relatório deve terminar com uma conclusão que tem a função de fornecer
ao leitor uma síntese global do trabalho efectuado, bem como o de levantar,
infirmar ou confirmar hipóteses, fazer recomendações, dar pareceres,
formular políticas, de acordo com a sua natureza e os fins que se propõe
servir.

182
© Universidade Aberta
Introdução. Estamos de acordo com o saudoso investigador Silva Rego
quando aconselhava os seus alunos a deixar a introdução para o fim da
redacção, uma vez que funciona como apresentação geral do trabalho. Uma
introdução deve conter informação sobre o objectivo da pesquisa, sobre a
delimitação do problema (problemática, metodologia adoptada, dificuldades
encontradas), uma avaliação genérica dos resultados e os agradecimentos do
autor.

Anexos. Como atrás foi referido, deve ser incluída em anexo a informação
que, não fazendo parte integrante do texto, lhe serve, apesar de tudo, como
complemento indispensável. Do nosso ponto de vista, um relatório de pesquisa
não deve ser sobrecarregado com informação excessiva, incluindo apenas
aquela que se apresenta com utilidade imediata para o leitor e a que, dada a
sua raridade ou originalidade, enriquece o texto principal. Poder-se-á incluir
em anexo, por exemplo, gráficos e cálculos numéricos, questionários, registos
de entrevista, etc.

Glossários. Trabalhos que tenham de recorrer a vocabulário especializado e


mal conhecido, a conceitos polémicos, bem como a siglas e acrónimos, devem
incluir um glossário para esclarecimento do leitor.

Índices. Para além do Índice Geral, é conveniente que os relatórios que


contenham quadros e ilustrações de vária ordem, apresentem os índices
correspondentes. Em estudos de maior dimensão incluem-se também índices
analíticos que constituem um valioso apoio.

Bibliografia. Na unidade 3 já se fez referência ao modo de elaborar uma


ficha bibliográfica. No final de um relatório de pesquisa toda a bibliografia
consultada deve ser referenciada com a identificação correcta e com um
critério uniforme. Em nossa opinião, só a documentação efectivamente
utilizada deve ser referenciada na bibliografia. O modo de organizar esta
parte do relatório varia de acordo com os autores. Há quem a organize por
capítulos ou por temáticas. O modo mais habitual é, no entanto, a mera
arrumação por autores seguindo a ordem alfabética. Investigadores que
tenham usado documentos especiais (ex: legislação) ou em outros suportes
(audio, video, informático, iconográfico) deverão listá-los devidamente
identificados (Ex: usando subtítulos como Videografia, Filmografia,
Iconografia, etc.) depois da Bibliografia Geral.

Título. Muitas vezes descurado o título constitui, quando bem escolhido,


um excelente cartão de visita para uma pesquisa, tendo um efeito de atracção
ou de repulsão sobre os potenciais leitores. Deve por isso corresponder ao
conteúdo da obra, ou através de uma simples descrição eventualmente com
um subtítulo clarificador (Ex: Metodologia da Investigação: Guia para Auto-
-Aprendizagem) ou recorrendo à metáfora (Ex: O Crisântemo e a Espada).

183
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Actividade 6.2

De acordo com os pontos anteriores e tendo em consideração a


dissertação que vai realizar elabore uma primeira estruturação do
seu relatório de pesquisa.

Seguidamente, submeta-a à critica de colegas (podendo desem-


penhar papel idêntico em relação ao trabalho que eles irão
desenvolver). A versão corrigida da sua estrutura de dissertação
poderá constituir uma peça útil a integrar no projecto de pesquisa,
que deve entregar no final do Seminário.

Síntese

Nesta unidade foi procurado, em primeiro lugar, chamar a atenção do leitor


para a importância do relatório de pesquisa como instrumento fundamental
de comunicação entre o investigador e a comunidade científica. Seguidamente
identificou-se e discutiu-se um conjunto de questões prévias ao acto de relatar
e que condicionam a estratégia comunicacional do relatório. Por fim,
apresentaram-se diversos procedimentos recomendáveis na feitura de um
relatório tanto no que respeita ao seu conteúdo como à forma que o mesmo
deve assumir.

Teste formativo

1. Após leitura aprofundada do texto do presente capítulo e realizadas


as actividades propostas, abra o Manual na página intitulada
objectivos da unidade.

2. Tente atingir os 16 objectivos, escrevendo as suas respostas sem


recorrer ao texto do interior do capítulo.

3. Confira posteriormente as suas respostas com o texto do mesmo e


corrija-as.

184
© Universidade Aberta
Leituras complementares

AZEVEDO, Carlos A.
1994 Metodologia Científica. Contributos Práticos Para a Elaboração de
Trabalhos Académicos, Porto, Edição do autor.

CEIA, Carlos
1995 Normas Para Apresentação de Trabalhos Científicos, Lisboa, Pre-
sença.

FRADA, João
1995 Guia Prático Para a Elaboração e Apresentação de Trabalhos Cien-
tíficos, Lisboa Cosmos.

MOREIRA, Carlos Diogo


1994 Planeamento e Estratégias da Investigação Social, Lisboa, ISCSP,
pp. 195-202.

NOGUEIRA, Oracy
1968 Pesquisa Social, Introdução às Suas Técnicas, S. Paulo Companhia
Editora Nacional, pp. 160-168

SELLTIZ, JAHODA, DEUTCH e COOK


1967 Métodos de Pesquisa nas Relações sociais, S. Paulo, Herder (USP),
pp. 457-511.

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Página intencionalmente em branco

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II. APROFUNDAMENTO TEMÁTICO

Manuela Malheiro Ferreira

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Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
7. Métodos Quantitativos e Métodos Qualitativos

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Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
Sumário:

Objectivos da unidade

1. Introdução

2. Paradigmas quantitativo e qualitativo

3. Características dos métodos quantitativos

Actividade 7.1

4. Os métodos qualitativos

4.1. Características dos métodos qualitativos

Actividade 7.2

4.2. Tradições teóricas em investigação qualitativa

Actividade 7.3

5. Possibilidade de utilizar uma combinação de métodos quantitativos e


qualitativos

Actividade 7.4

Síntese
Teste Formativo
Leituras Complementares

191
© Universidade Aberta
Objectivos da unidade

No final do processo de aprendizagem desta unidade o estudante deverá estar


apto a:

• Distinguir as principais características dos paradigmas qualitativo e


quantitativo;

• Indicar as principais características dos métodos quantitativos;

• Distinguir as principais fases da investigação quantitativa;

• Enumerar os objectivos da investigação quantitativa;

• Explicar as vantagens da investigação quantitativa;

• Distinguir os problemas inerentes à utilização dos métodos quanti-


tativos em investigação em Ciências Sociais;

• Indicar as principais características dos métodos qualitativos;

• Distinguir as principais fases da investigação qualitativa;

• Enumerar os objectivos da investigação qualitativa;

• Explicar as vantagens da investigação qualitativa;

• Explicar as desvantagens da investigação qualitativa;

• Indicar as vantagens da utilização conjunta dos métodos quantitativos


e qualitativos em investigação em Ciências Sociais;

• Indicar os problemas que se põem à utilização conjunta dos métodos


quantitativos e qualitativos em investigação em Ciências Sociais;

• Definir triangulação;

• Enumerar tipos de triangulação;

• Aplicar os conhecimentos adquiridos à análise de artigos que relatem


trabalhos de investigação.

192
© Universidade Aberta
1
1. Introdução M. Grawitz (1993) refere
que a maior parte dos autores
fazem a distinção entre
método e métodos. (pp. 301-
Métodos e técnicas de investigação em Ciências Sociais 302).
a) O método no sentido
filosófico - No sentido
No que respeita aos métodos e técnicas de investigação existe uma grande mais elevado e mais geral
diversidade de definições, pois estas variam de autor para autor. do termo, o método (no
singular) é constituído
Madeleine Grawitz (1993) menciona a extrema desordem que existe neste pelo conjunto das opera-
ções intelectuais através
domínio e refere várias definições de métodos. A autora define métodos como das quais uma disciplina
um conjunto concertado de operações que são realizadas para atingir um ou procura atingir as ver-
dades, as demonstra e as
mais objectivos, um corpo de princípios que presidem a toda a investigação verifica. Esta concepção
organizada, um conjunto de normas que permitem seleccionar e coordenar as do método no sentido
geral de procedimento ló-
técnicas. Os métodos constituem de maneira mais ou menos abstracta ou gico, inerente a toda acti-
concreta, precisa ou vaga, um plano de trabalho em função de uma determinada vidade científica, permite
considerá-lo como um
finalidade. conjunto de regras inde-
pendentes de qualquer
As técnicas são procedimentos operatórios rigorosos, bem definidos, investigação e conteúdo
particulares, tornando
transmissíveis, susceptíveis de serem novamente aplicados nas mesmas acessível a realidade que
condições, adaptados ao tipo de problema e aos fenómenos em causa. A escolha se quer compreender.
Trata-se de pontos de vista
das técnicas depende do objectivo que se quer atingir, o qual, por sua vez, está filosóficos que definem a
ligado ao método de trabalho. posição do espírito
humano perante o objecto.
A autora refere ainda que dessa interdependência nasce muitas vezes uma b) O método, atitude con-
creta em relação ao
confusão entre os termos método e técnica que convém distinguir. A técnica objecto - Neste caso a
representa a etapa de operações limitadas, ligadas a elementos práticos, posição filosófica está
mais ou menos sub-
concretos, definidos, adaptados a uma determinada finalidade, enquanto que o entendida. Neste caso, o
método é uma concepção intelectual coordenando um conjunto de operações, método dita sobretudo
maneiras concretas de
em geral várias técnicas.1 encarar ou de organizar a
investigação, mas de
forma mais ou menos
imperativa, mais ou
menos precisa, completa e
sistematizada. No entanto,
nem todos os métodos
Métodos quantitativos e métodos qualitativos influenciam da mesma
maneira, as mesmas
etapas da investigação. A
Tradicionalmente a investigação quantitativa e a investigação qualitativa estão autora refere que o
associadas a paradigmas. A distinção entre paradigmas diz respeito à produção método experimental é
imperativo tanto na etapa
do conhecimento e ao processo de investigação e pressupõe existir uma de observação, como na
correspondência entre epistemologia, teoria e método. No entanto, a distinção de recolha dos dados,
enquanto que outros
é usualmente empregada a nível do método. Cada tipo de método está portanto métodos não o são, como
ligado a uma perspectiva paradigmática distinta e única. o método clínico que visa
um diagnóstico e uma
terapêutica, interessa-se
Nas últimas décadas têm sido objecto de discussão não só as vantagens e pelos resultados, mas
corresponde sobretudo a
inconvenientes relativos à adequada utilização de métodos quantitativos e de uma atitude mental e a
métodos qualitativos em trabalhos de investigação em Ciências Sociais, como nenhuma manipulação em
particular.
tem sido encarada a possibilidade de utilizar uma articulação de ambos.

193
© Universidade Aberta
c) O método ligado a uma Neste capítulo são indicadas as principais características dos dois paradigmas,
tentativa de explicação -
Liga-se mais ou menos a assim como alguns dos problemas resultantes da associação de métodos
uma posição filosófica e quantitativos e de métodos qualitativos no desenvolvimento da investigação
pode influenciar uma
etapa da investigação. em Ciências Sociais.
d) O método ligado a um
domínio particular - o
termo método justifica-se
quando ligado a um
domínio específico e
inclui uma maneira de 2. Paradigmas Quantitativo e Qualitativo
proceder que lhe é
própria. Exemplos: o mé-
todo histórico, o método Embora muitos investigadores adiram a um paradigma e ao método que lhe
psicanalítico.
corresponde, outros combinam nos seus trabalhos de investigação os dois
métodos característicos de cada um dos paradigmas.

Reichardt e Cook (1986) afirmam que um investigador para melhor resolver


um problema de pesquisa não tem que aderir rigidamente a um dos dois
paradigmas, podendo mesmo escolher uma combinação de atributos
pertencentes a cada um deles. O investigador também não é obrigado a optar
pelo emprego exclusivo de métodos quantitativos ou qualitativos e no caso da
investigação assim o exigir, poderá mesmo combinar o emprego dos dois tipos
de métodos.

Outros autores põem em evidência as dificuldades de os utilizar conjuntamente


numa mesma investigação. Julia Brannen (1992), por exemplo, salienta que a
utilização conjunta de métodos quantitativos e de métodos qualitativos tem
implicações de natureza teórica, atendendo a que a utilização de diferentes
métodos de investigação tem também como base diferentes pressupostos, entre
outros, acerca da realidade social e da natureza dos dados recolhidos. A mesma
autora salienta ainda que o procedimento correcto deverá ser o de relacionar
cada conjunto de dados com a teoria que lhe está subjacente e analisar de que
modo os diferentes conjuntos de dados são complementares ou apresentam
contradições uns em relação aos outros.

Os autores já acima referidos (Reichardt e Cook, 1986) indicam quais as


características usualmente atribuídas a cada um dos paradigmas, o que será
apresentado num quadro que seguidamente se reproduz (Quadro 7.1.).

194
© Universidade Aberta
Quadro 7.1. - Características dos Paradigmas Qualitativo e Quantitativo

Paradigma Qualitativo Paradigma Quantitativo

Advoga o emprego dos métodos qua- Advoga o emprego dos métodos


litativos. quantitativos.

Fenomenologismo e verstehen (com- Positivismo lógico "procura as causas


preensão) "interessado em compreender a dos fenómenos sociais, prestando
conduta humana a partir dos próprios escassa atenção aos aspectos sub-
pontos de vista daquele que actua". jectivos dos indivíduos".

Observação naturalista e sem controlo. Medição rigorosa e controlada.

Subjectivo. Objectivo.

Próximo dos dados; "perspectiva a par- À margem dos dados; perspectiva "a
tir de dentro". partir de fora".

Fundamentado na realidade, orientado Não fundamentado na realidade,


para a descoberta, exploratório, expan- orientado para a comprovação, confir-
sionista, descritivo e indutivo. matório, reducionista, inferencial e
hipotético-dedutivo.

Orientado para o processo. Orientado para o resultado.

Válido: dados "reais", "ricos" e "profundos". Fiável: dados "sólidos" e repetíveis.

Não generalizável: estudos de casos Generalizável: estudos de casos múl-


isolados. tiplos.

Holístico. Particularista.

Assume uma realidade dinâmica. Assume uma realidade estável.

Fonte: (Reichardt e Cook, 1986, 29)

Em resumo, afirmam os citados autores que o paradigma quantitativo postula


uma concepção global positivista, hipotético-dedutiva, particularista, orientada
para os resultados, própria das Ciências Naturais, enquanto o paradigma
qualitativo postula uma concepção global fenomenológica, indutiva,
estruturalista, subjectiva e orientada para o processo, própria da Antropologia
Social.

195
© Universidade Aberta
Como anteriormente foi referido, cada tipo de método está portanto ligado a
uma perspectiva paradigmática própria. Seguidamente apresentar-se-ão as
principais características dos métodos quantitativos e dos métodos qualitativos,
cuja distinção é feita, fundamentalmente, no que diz respeito ao processo de
recolha de dados e ao modo como estes são registados e analisados.

3. Características dos métodos quantitativos

A utilização de métodos quantitativos está essencialmente ligada à investigação


experimental ou quasi-experimental o que pressupõe a observação de
fenómenos, a formulação de hipóteses explicativas desses mesmos fenómenos,
o controlo de variáveis, a selecção aleatória dos sujeitos de investigação
(amostragem), a verificação ou rejeição das hipóteses mediante uma recolha
rigorosa de dados, posteriormente sujeitos a uma análise estatística e uma
utilização de modelos matemáticos para testar essas mesmas hipóteses. O
objectivo é a generalização dos resultados a uma determinada população em
estudo a partir da amostra, o estabelecimento de relações causa-efeito e a
previsão de fenómenos.

A investigação quantitativa implica que o investigador antes de iniciar o trabalho


elabore um plano de investigação estruturado, no qual os objectivos e os
procedimentos de investigação estejam indicados pormenorizadamete. A
elaboração do plano deverá ser precedida de uma revisão da literatura pertinente,
a qual é essencial não só para a definição dos reais objectivos do trabalho,
como também para a formulação de hipóteses e para a definição das variáveis.

Os objectivos da investigação quantitativa consistem essencialmente em


encontrar relações entre variáveis, fazer descrições recorrendo ao tratamento
estatístico de dados recolhidos, testar teorias.

Quer se trate de uma investigação experimental, quer se trate da caracterização


estatística de uma determinada população (por exemplo, mediante a
administração de um inquérito por questionário ou por entrevista estruturada),
procede-se à selecção de uma amostra que deverá ser representativa da
população em estudo, para que os resultados possam ser generalizados a essa
mesma população, o que implica a selecção aleatória dos sujeitos de
investigação.

Para a testagem de hipóteses (verificação ou rejeição) existe uma grande

196
© Universidade Aberta
variedade de testes, cuja eficácia é reconhecida, citando-se, a título de exemplo:
o teste t, o teste de Mann-Whitney, a análise da variância (ANOVA) ou a
análise da variância multivariada (MANOVA), entre os mais utilizados.

Uma das principais limitações da utilização dos métodos quantitativos em


Ciências Sociais está ligada à própria natureza dos fenómenos estudados:
complexidade dos seres humanos; estímulo que dá origem a diferentes respostas
de acordo com os sujeitos; grande número de variáveis cujo controlo é difícil
ou mesmo impossível; subjectividade por parte do investigador; medição que
é muitas vezes indirecta, como é por exemplo o caso das atitudes; problema da
validade e fiabilidade dos instrumentos de medição2..
2
Validade de um instru-
mento diz respeito à sua
adequação para medir o
“objecto” em estudo; fia-
bilidade de um instrumen-
to representa a sua capaci-
Actividade 7.1 dade para que diferentes
investigadores obtenham
resultados iguais.
Dos artigos que lhe foram dados durante a parte curricular de
Mestrado e que relatam trabalhos de investigação em Ciências
Sociais escolha um em que foram usados unicamente métodos
quantitativos. Faça um resumo da metodologia utilizada nesse
trabalho de investigação.

4. Os métodos qualitativos

4.1. Características dos métodos qualitativos

Sem pretensão de uma enunciação exaustiva das características dos métodos


qualitativos, entendemos ser, no entanto, importante para a sua compreensão
indicar algumas delas:3

Indutiva - Os investigadores tendem a analisar a informação de uma


“forma indutiva”. Desenvolvem conceitos e chegam à compreensão 3
Vide por exemplo Bogdan e
dos fenómenos a partir de padrões provenientes da recolha de dados. Biklen (1984); Patton (1990).

Não procuram a informação para verificar hipóteses. A teoria é


desenvolvida de “baixo para cima” (em vez de cima para baixo), tendo
como base os dados que obtiveram e estão inter-relacionados. Esta
teoria designa-se por “teoria fundamentada” (Glaser e Strauss, 1967);

197
© Universidade Aberta
Holística - Os investigadores têm em conta a “realidade global”. Os
indivíduos, os grupos e as situações não são reduzidos a variáveis mas
são vistos como um todo, sendo estudado o passado e o presente dos
sujeitos de investigação;

Naturalista - A fonte directa de dados são as situações consideradas


“naturais”. Os investigadores interagem também com os sujeitos de
uma forma “natural” e, sobretudo, discreta. Tentam “misturar-se” com
eles até compreenderem uma determinada situação, mas procuram
minimizar ou controlar os efeitos que provocam nos sujeitos de
investigação e tentam avaliá-los quando interpretam os dados que
recolheram;

Os investigadores são “sensíveis ao contexto” - Os actos, as palavras


e os gestos só podem ser compreendidos no seu contexto;

O “significado” tem uma grande importância - Os investigadores


procuram compreender os sujeitos a partir dos “quadros de referência”
desses mesmos sujeitos. Tentam viver a realidade da mesma maneira
que eles, demonstram empatia e identificam-se com eles para tentar
compreender como encaram a realidade. Procuram compreender as
perspectivas daqueles que estão a estudar, de todos na sua globalidade
e não apenas de alguns. O investigador deve “abandonar”, “deixar de
lado” as suas próprias perspectivas e convicções;

Os métodos qualitativos são “humanísticos”- Quando os inves-


tigadores estudam os sujeitos de uma forma qualitativa tentam conhecê-
los como pessoas e experimentar o que eles experimentam na sua vida
diária (não reduzem a palavra e os actos a equações estatísticas);

Os investigadores interessam-se mais pelo processo de investigação do


que unicamente pelos resultados ou produtos que dela decorrem;

Em investigação qualitativa o “plano de investigação é flexível”;

A investigação qualitativa é “descritiva”. A descrição deve ser rigorosa


e resultar directamente dos dados recolhidos. Os dados incluem
transcrições de entrevistas, registos de observações, documentos escritos
(pessoais e oficiais), fotografias e gravações video. Os investigadores
analisam as notas tomadas em trabalho de campo, os dados recolhidos,
respeitando, tanto quanto possível, a forma segundo a qual foram
registados ou transcritos;

O investigador é o “instrumento” de recolha de dados; a validade


e a fiabilidade dos dados depende muito da sua sensibilidade,

198
© Universidade Aberta
conhecimento e experiência. A questão da objectividade do
investigador constitui o principal problema da investigação qualitativa;

Em investigação qualitativa dá-se uma grande importância à validade


do trabalho realizado. Neste tipo de investigação tenta-se que os dados
recolhidos estejam de acordo com o que os indivíduos dizem e
fazem;

Em investigação qualitativa “a preocupação central não é a de saber


se os resultados são susceptíveis de generalização, mas sim a de
que outros contextos e sujeitos a eles podem ser generalizados”
(Bogdan e Biklen, 1994).

As técnicas mais utilizadas em investigação qualitativa são a observação


participante, a entrevista em profundidade e a análise documental.

Actividade 7.2.

Dos artigos que lhe foram indicados durante a parte curricular de


Mestrado, que relatam trabalhos de investigação em Ciências Sociais,
escolha um em que tenham sido usados unicamente métodos
qualitativos. Faça uma análise resumida da metodologia utilizada
nesse trabalho de investigação.

4.2. Tradições teóricas em investigação qualitativa

A investigação qualitativa não é uniforme devido a existirem diferentes tradições


teóricas e orientações metodológicas.

Patton (1990) refere as principais, que estão indicadas no Quadro seguinte:

199
© Universidade Aberta
Quadro 7.2. - Tradições teóricas em investigação qualitativa

Perspectiva Origem diciplinar Questões centrais

1 - Etnografia Antropologia Qual é a cultura deste grupo de


indivíduos ?

2 - Fenomenologia Filosofia Qual é a estrutura e a essência da


experiência deste fenómeno para
estes indivíduos ?

3 - Heurística Psicologia Huma- Qual é a minha experiência deste


nística fenómeno e a experiência essencial de
outros que também tiveram uma
experiência intensa deste fenómeno ?

4 - Etnometodologia Sociologia Como é que os indivíduos atribuem


sentido às actividades diárias, de
modo a comportarem-se de uma ma-
neira socialmente considerada como
aceitável?

5 - Interaccionismo Psicologia social Qual o conjunto comum de símbolos


Simbólico e conhecimentos que se criaram para
dar sentido às interacções entre
indivíduos ?

6 - Psicologia Eco- Ecologia, Psicolo- Como é que os indivíduos tentam


lógica gia alcançar os seus fins mediante
comportamentos específicos em
ambientes determinados ?

7 - Teoria sistémica Interdisciplinar Como e porquê este sistema


funciona como um todo ?

8 - Teoria do caos: Física teórica, Ciên- Qual é a ordem subjacente (no caso
dinâmica não linear cias Naturais de existir alguma) aos fenómenos
desordenados ?

9 - Hermenêutica Teologia, Filosofia, Quais são as condições em que se


Crítica Literária realizou uma actividade humana ou
um produto foi elaborado de tal
forma que se possa interpretar o seu
significado ?

10 - Qualitativa História das Ideias, Como é que uma dada perspectiva


Orientacional Economia Política ideológica se manifesta (ou se mani-
festou) neste fenómeno ?

Fonte: (Patton, 1990, 88)

200
© Universidade Aberta
A cada uma destas tradições correspondem práticas de investigação diferentes.

Actividade 7.3

Faça leituras para aprofundar os conhecimentos sobre a perspectiva


que maior interesse lhe desperta e que esteja mais de acordo com a
sua formação disciplinar.

5. Possibilidade de utilizar uma combinação de métodos quan-


titativos e qualitativos

Como se referiu anteriormente alguns autores põem em evidência as dificulades


de utilizar conjuntamente numa mesma investigação os dois métodos. Brannen
(1992) salienta que a utilização conjunta de métodos quantitativos e de métodos
qualitativos tem implicações teóricas; Smith e Heshusus (1986) (cit. Bogdan e
Biklen, 1994) salientam que as duas abordagens se fundamentam em
pressupostos diferentes. Autores como Reichardt e Cook (1986) afirmam ainda
que um investigador não é obrigado a optar pelo emprego exclusivo de métodos
quantitativos ou qualitativos e se a investigação o exigir poderá combinar a
sua utilização. Denzin (1978), Cronbach et al. (1980), Miles e Hubermann
(1984) e Patton (1990), entre outros, utilizam também, conjuntamente, os dois
métodos.

Patton (1990) afirma que uma forma de tornar um plano de investigação mais
“sólido” é através da triangulação, isto é, da combinação de metodologias no
estudo dos mesmos fenómenos ou programas. Tal significa, de acordo com o
mesmo autor, utilizar diferentes métodos ou dados, incluindo a combinação de
abordagens quantitativas e qualitativas. O autor cita Denzin (1978) que
identificou quatro grandes tipos de triangulação:

1 - triangulação de dados - o uso de uma variedade de fontes num


mesmo estudo;

2 - triangulação de investigadores - o uso de vários investigadores ou


avaliadores;

3 - triangulação de teorias - o uso de várias perspectivas para interpretar


um mesmo conjunto de dados;

201
© Universidade Aberta
4 - triangulação metodológica - o uso de diferentes métodos para
estudar um dado problema ou programa.

A lógica da triangulação é que cada método revela diferentes aspectos da


realidade empírica e consequentemente devem utilizar-se diferentes métodos
de observação da realidade.

Reichardt e Cook (1986) indicam as vantagens de combinar métodos,


nomeadamente quando se trata de trabalhos de investigação com propósitos
múltiplos, pois o facto de se utilizarem métodos diferentes pode permitir uma
melhor compreensão dos fenómenos, do mesmo modo que a triangulação de
técnicas pode conduzir a alcançar resultados mais seguros, sem enviesamentos.

No entanto é referido por todos os autores que o facto de se combinarem


métodos quantitativos e qualitativos apresenta vários problemas relativamente
ao:

- custo

- tempo

- experiência e competência do investigador na utilização dos dois tipos


de métodos pois raramente ele domina de igual modo cada um desses
tipos de métodos de forma a poder utilizá-los eficazmente.

Actividade 7.4

1. Dos artigos que lhe foram dados durante a parte curricular do


Mestrado, que relatam trabalhos de investigação em Ciências
Sociais, escolha um em que tenham sido usados métodos
quantitativos e métodos qualitativos. Exponha resumidamente a
metodologia utilizada nesse trabalho de investigação.

2. Indique quais as vantagens que resultaram para esse trabalho de


investigação a utilização dos dois métodos.

3. Indique, igualmente, se a utilização dos dois tipos de métodos


levantou quaisquer problemas ao investigador.

202
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Síntese

Indicaram-se as características dos paradigmas quantitativo e qualitativo e foram


expressas sugestões sobre a necessidade de um investigador aderir a um dos
paradigmas e ao método que lhe está associado.

Seguidamente, indicaram-se as características dos métodos quantitativos, as


fases da investigação quantitativa, os objectivos deste tipo de pesquisa, as suas
vantagens e os problemas que se põem à sua utilização no âmbito das Ciências
Sociais.

As características dos métodos qualitativos, as fases da investigação qualitativa,


os objectivos deste tipo de pesquisa, as suas vantagens, e os problemas que lhe
são inerentes foram igualmente enumerados.

Discutiu-se por fim a possibilidade de utilizar uma combinação de métodos


quantitativos e de métodos qualitativos.

Teste Formativo

1. Após leitura aprofundada do capítulo e executadas as respectivas actividades,


abra o Manual na página onde estão enumerados os objectivos da unidade.

2. Tendo em conta esses objectivos desenvolva o seguinte tema “ A utilização


dos métodos quantitativos e qualitativos em investigação em Ciências Sociais:
características dos dois métodos, vantagens e desvantagens de cada um
deles, possibilidades de combinação de ambos.” Não ultrapasse as 30 linhas.

3. Confira se indicou as características dos dois métodos, as vantagens e


desvantagens de cada um deles e as possibilidades de combinação de ambos
em investigação em Ciências Sociais.

203
© Universidade Aberta
Leituras Complementares

BOGDAN, Robert e BIKLEN, Sari


1994 Investigação Qualitativa em Educação. Uma Introdução à Teo-
ria e aos Métodos, Porto, Porto Editora, pp. 52-74.

BRANEN, Julia
1992 Combining qualitative and quantitative approaches: an overview
in Branen, Julia “Mixing Methods: Qualitative and Quantitative
Research”, Aldershot, Avebury, pp. 3-37.

PATTON, Michael Q.
1990 Qualitative Evaluation and Reseach Methods, Newbury Park, Cal.
Sage Publications, pp. 67 - 89 e 187-189.

REICHARDT, Charles S. e COOK, Thomas D.


1986 Hacia una superacion del enfrentamiento entre los metodos
cualitativos y los cuantitativos in Reichardt, Charles S. e Cook,
Thomas D. “Métodos cualitativos y cuantitativos em investigación
evaluativa”, Madrid, Ediciones Morata, pp. 25-52.

204
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8. Técnicas de Amostragem

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Página intencionalmente em branco

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Sumário:

Objectivos da unidade

1. Introdução

2. Amostragens probabilísticas
2.1. Amostragem aleatória simples
2.2. Amostragem estratificada
2.3. Amostragem de cachos (clusters)
2.4. Amostragem por etapas múltiplas
2.5. Amostragem sistemática
2.6. Determinação da dimensão da amostra
Actividade 8.1

3. Amostragens não probabilísticas


3.1. Amostragem de conveniência
3.2. Amostragem de casos muito semelhantes ou muito diferentes
3.3. Amostragem de casos extremos
3.4. Amostragem de casos típicos
3.5. Amostragem em bola de neve
3.6. Amostragem por quotas
3.7. Utilidade das amostragens não probabilísticas
Actividade 8.2

Síntese
Teste Formativo
Leituras Complementares

207
© Universidade Aberta
Objectivos da unidade

No final do processo de aprendizagem desta unidade o estudante deverá estar


apto a:

• Definir população ou universo;

• Definir amostra e dimensão da amostra;

• Distinguir entre amostragens probabilísticas e não probabilísticas;

• Identificar os passos comuns às diferentes técnicas de amostragem;

• Explicar as vantagens das técnicas de amostragem probabilística;

• Indicar as características de cada uma das técnicas de amostragem


probabilística:

- amostragem aleatória simples,


- amostragem estratificada,
- amostragem de cachos,
- amostragem por etapas múltiplas,
- amostragem sistemática;

• Aplicar os conhecimentos adquiridos sobre técnicas de amostragem


probabilística à selecção de amostras a partir de uma dada população;

• Identificar problemas relacionados com a dimensão de uma amostra;

• Indicar as características de cada uma das técnicas de amostragem não


probabilística:

- amostragem de conveniência,
- amostragem de casos muito semelhantes ou muito diferentes,
- amostragem de casos extremos,
- amostragem de casos típicos,
- amostragem em bola de neve,
- amostragem por quotas;

• Exemplificar estudos onde seria útil utilizar técnicas de amostragem


não probabilística.

208
© Universidade Aberta
1. Introdução

Patton (1990) afirma que provavelmente nada põe tão bem em evidência a
diferença entre métodos quantitativos e métodos qualitativos como as diferentes
lógicas que estão subjacentes às técnicas de amostragem. A investigação
quantitativa tem como base amostras de maiores dimensões seleccionadas
aleatoriamente, enquanto a investigação qualitativa tipicamente focaliza-se em
amostras relativamente pequenas, ou mesmo casos únicos, seleccionados
intencionalmente.

População ou universo é o conjunto de elementos abrangidos por uma mesma


definição. Esses elementos têm, obviamente, uma ou mais características comuns
a todos eles, características que os diferenciam de outros conjuntos de elementos.
O número de elementos de uma população designa-se por grandeza ou
dimensão e representa-se por N (os estudantes universitários portugueses, os
imigrantes caboverdianos residentes em Portugal, podem constituir exemplos
do que designámos como populações). A população deve ser definida em
pormenor, de tal forma que um investigador possa determinar se os resultados
que se obtiveram ao estudar uma dada população podem ser aplicados a outras
populações com características idênticas.

Na prática, em grande número de casos, como os indicados anteriormente, o


número de elementos de uma população é demasiado grande para ser possível,
dado o custo e o tempo, observá-los na sua totalidade, sendo então necessário
proceder-se à selecção de elementos pertencentes a essa população ou universo.
A técnica designada por amostragem (processo de selecção de uma amostra)
conduz à selecção de uma parte ou subconjunto de uma dada população ou
universo que se denomina amostra, de tal maneira que os elementos que
constituem a amostra representam a população a partir da qual foram
seleccionados. O número de elementos que fazem parte de uma amostra
designa-se por dimensão ou grandeza da amostra e representa-se por n. O
propósito da amostragem é obter informação acerca de uma dada população;
sendo raro um estudo incidir sobre a totalidade da população. De facto, em
grande número de casos não só não é possível utilizar a totalidade dos elementos
que constituem a população, como também não é necessário fazê-lo. Se a
população é constituída por um grande número de elementos, ou se estes estão
geograficamente dispersos, o facto de se estudar toda a população implicaria
um grande gasto de tempo e de dinheiro. A selecção da amostra pode ser feita
de tal forma que esta seja representativa do conjunto da população que se
pretende estudar.

Existem dois grandes tipos de técnicas de amostragem: a probabilística e a


não probabilística. Amostras probabilísticas são seleccionadas de tal forma
que cada um dos elementos da população tenha uma probabilidade real

209
© Universidade Aberta
(conhecida e não nula) de ser incluído na amostra. Amostras não proba-
bilísticas são seleccionadas de acordo com um ou mais critérios julgados
importantes pelo investigador tendo em conta os objectivos do trabalho de
investigação que está a realizar (não está garantida uma probabilidade
conhecida e não nula de cada um dos elementos da população ser seleccionado
para fazer parte da amostra).

Seja qual for a técnica utilizada, ao realizar uma amostragem devem ser dados
os passos seguintes:

- Definição da população;

- Determinação da dimensão ou grandeza da amostra necessária;

- Selecção da amostra.

2. Amostragens probabilísticas

As amostragens probabilísticas implicam que a selecção dos elementos


que vão fazer parte da amostra seja feita aleatoriamente. Procede-se à
selecção de amostras probabilísticas com o objectivo de poder generalizar
à totalidade da população os resultados obtidos com o estudo dos elemen-
tos constituintes da amostra, devendo assim ser estes representativos dessa
população.

Existem cinco técnicas básicas de amostragem probabilística. A saber:

2.1. Amostragem aleatória simples

Na amostragem aleatória simples cada elemento de uma dada população


tem uma igual probabilidade de ser seleccionado. Todos os elementos da
população fazem parte de uma lista que, em cada caso considerado, inclui a
sua totalidade e o número de elementos que constituem a amostra são
seleccionados aleatoriamente a partir dela.

Para exemplo de uma selecção aleatória de sujeitos, considere-se:

1. Num curso de Ciências Sociais a população é constituída por 530


estudantes;

2. A dimensão da amostra que se pretende seleccionar é de 20%, tendo


por conseguinte, que ser seleccionados 106 estudantes;

210
© Universidade Aberta
3. A partir da lista de estudantes atribui-se a cada um deles um número
entre 000 e 530;

4. Utilizando uma tabela de números aleatórios1, da qual se reproduz, a 1


Neste Manual inclui-se em
anexo uma tabela de números
título ilustrativo, uma pequena parte, seleccionam-se os estudantes aleatórios.
que constituirão a amostra.

99116
15696
97720
11666
71628
40501
22005
11731
10811
00408

5. Como o total da população é de 530 estudantes, interessam apenas


os 3 últimos dígitos;

6. O primeiro estudante a ser seleccionado é aquele a quem foi atribuído


o número 116 (3 últimos dígitos do número 99116);

7. O número seguinte, constante da tabela de números aleatórios, é o


15696. O número constituído pelos três últimos dígitos é 696. Não
existe nenhum estudante com esse número uma vez ser o total de
530;

8. Procedendo como indicado em 6 e 7 seleccionam-se em seguida os


estudantes números 501, 005 e 408 e assim sucessivamente até ser
completada a selecção da totalidade dos 106 estudantes que fazem
parte da amostra.

2.2. Amostragem estratificada

A amostragem estratificada é o processo de seleccionar uma amostra de tal


forma que subgrupos ou estratos previamente identificados na população em
estudo estejam representados na amostra em proporção idêntica à que existem
na população em estudo. Os elementos pertencentes a cada um dos estratos,
depois de numerados, deverão ser seleccionados aleatoriamente (utilizando
uma tabela de números aleatórios). Tome-se um exemplo para maior facilidade
de compreensão:

211
© Universidade Aberta
A população é constituída por estudantes de uma Faculdade de Ciências Sociais
pertencentes a três diferentes cursos: Sociologia, Economia e Antropologia.
Considerou-se que as variáveis a) sexo e b) curso tinham uma grande
importância para o estudo empreendido, pelo que se constituiram subgrupos
ou estratos em relação a cada uma dessas variáveis.

População
970 Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais

C. Sociologia C. Economia C. Antropologia Total

Sexo Femº. 170 220 140 530


Sexo Mascº. 150 160 130 440
Total 320 380 270 970

Amostra (20%)
194 Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais

C. Sociologia C. Economia C. Antropologia Total

Sexo Femº. 34 44 28 106


Sexo Mascº. 30 32 26 88
Total 64 76 54 194

A amostra será portanto constituída por 34 estudantes do sexo feminino do


curso de Sociologia e por 30 estudantes do sexo masculino do mesmo curso;
44 estudantes do sexo feminino do curso de Economia e 32 estudantes do
sexo masculino do mesmo curso; e 28 estudantes do sexo feminino do curso
de Antropologia e 26 estudantes do sexo masculino do mesmo curso. Elementos
que integram a amostra na mesma proporção em que existem na população
total.

212
© Universidade Aberta
2.3. Amostragem de “cachos” (clusters)

Na amostragem de “cachos” (clusters) cada elemento da população pertence


a um dado grupo ou “cacho” (cluster). Os grupos ou “cachos” têm
características semelhantes. Seleccionam-se aleatoriamente os “cachos” e a
amostra assim constituída inclui todos os elementos que fazem parte dos
“cachos” seleccionados. O “cacho” é neste caso um conjunto que se identifica
com a unidade de amostragem, que não é, portanto, constituída por cada
elemento individual da população estudada.

Utiliza-se esta técnica de amostragem quando os “cachos” estão


geograficamente dispersos tal como o caso de escolas dispersas pelo País,
prédios de residência inseridos em diversos locais de uma cidade, etc. Tome-se,
como exemplo, a situação seguinte:

Suponhamos que se quer seleccionar alunos do 7ºano de escolaridade para


proceder à experimentação de novos programas. Seleccionam-se em primeiro
lugar e aleatoriamente as escolas e depois todos os alunos do 7ºano pertencentes
às escolas já seleccionadas constituem a amostra sobre a qual irá recair o estudo.

2.4. Amostragem por etapas múltiplas

A amostragem por etapas múltiplas resulta da extensão do conceito de


amostragem de cachos. A forma mais simples é o processo de amostragem ser
realizado em duas etapas, mas por vezes faz-se em várias etapas de selecção.
Tome-se o seguinte exemplo:

Selecciona-se aleatoriamente uma dada percentagem de escolas do País e em


cada escola seleccionada é escolhido um determinado número de turmas. Os
alunos dessas turmas é que irão fazer parte da amostra.

2.5. Amostragem sistemática

Na amostragem sistemática os elementos são seleccionados a partir de uma


lista dos elementos da população. Aleatoriamente escolhe-se o primeiro
elemento a ser seleccionado e seguidamente, com intervalos iguais, os restantes
elementos. (Por exemplo, a escolha poderá recair sobre o 40º, o 80º, o 120º, o
160º elemento de uma dada população). A escolha do intervalo depende do
número de elementos que contituem a população total e da dimensão da amostra
que se pretende constituir. A maior diferença relativamente ao processo de

213
© Universidade Aberta
amostragem aleatória simples é que de facto todos os elementos da população
não têm uma probabilidade independente de serem seleccionados. Uma vez
escolhido o primeiro elemento a ser seleccionado os outros elementos são em
fase subsequente automaticamente determinados. Apesar disso, uma
amostragem sistemática pode ser considerada aleatória se a lista da população
for ordenada aleatoriamente. Se os elementos da lista não tiverem sido ordenados
aleatoriamente a amostra não representa, com a mesma qualidade, a população
considerada comparativamente às outras técnicas indicadas anteriormente.
Quando não se dispõe de uma lista com as condições indicadas, existe a
possibilidade de excluir da amostra certos subgrupos da população.

A vantagem deste tipo de amostragem é a facilidade como são seleccionados


os elementos para constituição da amostra quando se está, por exemplo, a
realizar trabalho de campo.

2.6. Determinação da dimensão da amostra

A resposta à pergunta qual deverá ser a dimensão da amostra é difícil. Se ela


for de muito pequena dimensão, os resultados do estudo podem não ser
generalizáveis à população considerada. Os resultados podem apenas ser
válidos para a amostra e poder-se-iam obter diferentes resultados se se estudasse
a totalidade dos elementos dessa mesma população.

Usualmente considera-se que quanto maior for a amostra mais possibilidades


tem de ser representativa da população. A dimensão aceitável da amostra varia
com o tipo de investigação. Para um estudo descritivo, uma amostra que integre
10% do total da população considerada é julgado como a dimensão mínima a
obter. Se a população é pequena, pode ser necessário uma amostra de 20%.
Para um estudo correlacional são necessários pelo menos 30 sujeitos para
estabelecer se existe ou não uma relação entre duas variáveis. Para estudos
experimentais e causal-comparativos é geralmente recomendado um número
mínimo de 30 sujeitos por grupo. Por vezes é necessário utilizar amostras
maiores, por exemplo em estudos experimentais, quando se espera que a
diferença entre o grupo experimental e o grupo de controlo seja pequena, pois
se a amostra não for suficientemente grande a diferença pode não ser
evidenciada. Existem no entanto técnicas estatísticas relativamente precisas,
que podem ser utilizadas para estimar qual a dimensão necessária da amostra
para um dado estudo experimental; o uso de tais técnicas exige que se
conheçam determinados factos acerca da população, tais como as diferenças
esperadas entre grupos. O aumento da dimensão da amostra diminui a
possibilidade de erro e portanto de variabilidade da amostra.

214
© Universidade Aberta
No entanto, para determinar a dimensão da amostra deve ter-se em consideração,
entre outros, o problema do custo que acarreta a sua constituição, o erro
considerado tolerável, o plano de investigação no seu conjunto.

Actividade 8.1.

Numa revista onde estejam publicados artigos de investigação, es-


colha um que relate uma pesquisa onde tenha sido utilizada uma
técnica de amostragem probabilística. Identifique-a e faça um resu-
mo dos procedimentos utilizados pelo autor.

3. Amostras não probabilísticas

As amostras não probabilísticas são utilizadas em muitos projectos de


investigação. Amostras não probabilísticas podem ser seleccionadas tendo
como base critérios de escolha intencional sistematicamente utilizados com a
finalidade de determinar as unidades da população que fazem parte da amostra.
Muitas vezes são utilizadas para fazer estudos em profundidade. A dimensão e
os elementos escolhidos dependem dos objectivos do estudo.

Enumera-se, a título ilustrativo, sete das técnicas de amostragem não


probabilística mais frequentemente utilizadas:

3.1. Amostragem de conveniência

Na amostragem de conveniência utiliza-se um grupo de indivíduos que esteja


disponível ou um grupo de voluntários. Poderá tratar-se de um estudo
exploratário cujos resultados obviamente não podem ser generalizados à
população à qual pertence o grupo de conveniência, mas do qual se poderão
obter informações preciosas, embora não as utilizando sem as devidas cautelas
e reserva.

215
© Universidade Aberta
3.2. Amostragem de casos muito semelhantes ou muito diferentes

Nestes estudos os elementos seleccionados são normalmente em pequeno


número e portanto os recursos necessários para fazer o estudo são limitados,
mas é evidente que se levanta o problema querendo generalizar os resultados
para além dos casos estudados.

Tome-se como exemplo: querer seleccionar estudantes de Sociologia que obtêm


boas classificações ou querer seleccionar simultaneamente estudantes que
obtêm boas classificações e estudantes que obtêm más classificações.

3.3. Amostragem de casos extremos

Esta técnica de amostragem consiste em seleccionar elementos em que o


fenómeno em estudo se manifesta em grau muito elevado. A lógica que subjaz
a este tipo de amostragem é a de que os resultados obtidos ao estudar casos
extremos possam contribuir para explicar casos mais típicos. Tome-se como
exemplo:

Seleccionar os estudantes que obtêm as melhores classificações, ou os que


obtêm as piores classificações.

3.4. Amostragem de casos típicos

Este tipo de amostragem é o melhor exemplo de técnica de amostragem


utilizada quando existem grandes limitações em tempo e nos recursos
disponíveis, o que torna impossível efectuar uma amostragem de tipo
probabilístico. O investigador selecciona intencionalmente alguns casos
considerados como comuns. Para aumentar a autenticidade do estudo, casos
que sejam considerados únicos ou especiais não serão, obviamente incluidos
na amostra. Esta técnica de amostragem implica que o investigador conheça
bem a população em estudo de modo a poder seleccionar casos que considere
como típicos. A suspeita de que um ou mais deles não são típicos vai afectar o
reconhecimento da cientificidade quo o estudo reveste.

3.5. Amostragem em bola de neve

Este tipo de amostragem implica que a partir de elementos da população já


conhecidos se identifiquem outros elementos da mesma população. Os primeiros

216
© Universidade Aberta
indicam os seguintes e assim sucessivamente. A amostra cresce como uma
bola de neve. Frequentemente esta forma de seleccionar a amostra é utilizada
quando se torna impossível obter uma lista completa dos elementos da
população que se quer estudar. Tome-se o seguinte exemplo:

Identificar as “crianças da rua”. Umas crianças vão indicando outras até se


chegar a um número previamente definido e considerado como desejável.

3.6. Amostragem por quotas

Com esta técnica pretende-se atingir um objectivo idêntico ao que se consegue


na amostragem aleatória: constituir uma amostra que seja um modelo reduzido
da população. Começa-se por se estabelecer um inventário das proporções
estatísticas correspondentes à combinação de diferentes modalidades dos
caracteres retidos. Deste modo a população é dividida em sub-grupos, por
exemplo grupos de homens e de mulheres, definição de escalões de idade,
enumeração de grupos étnicos de pertença, etc. Seguidamente, tendo como
base as percentagens de indivíduos necessários para a amostra final, é indicada
aos entrevistadores uma quota ou seja, o número de sujeitos pertencentes a
cada sub-grupo que têm que seleccionar e entrevistar.

Exemplo: Se numa localidade tivermos 20000 activos, dos quais 2000


pertencem ao sector primário ( sendo 600 mulheres e 1400 homens), 8000 ao
sector secundário ( sendo 3000 mulheres e 5000 homens) e 10000 ao sector
terciário (sendo 6000 mulheres e 4000 homens), uma amostra de 1000 sujeitos
deverá incluir:

600 × 1000 / 20000 = 30 mulheres pertencentes ao sector primário,


1400 × 1000 / 20000 = 70 homens pertencentes ao sector primário,
3000 × 1000 / 20000 = 150 mulheres pertencentes ao sector secundário,
5000 × 1000 / 20000 = 250 homens pertencentes ao sector secundário,
6000 × 1000 / 20000 = 300 mulheres pertencentes ao sector terciário,
4000 × 1000 / 20000 = 200 homens pertencentes ao sector terciário.
30 + 70 + 150 + 250 + 300 + 200 = 1000

Este tipo de amostragem apresenta similaridades com amostragens de carácter


probabilístico, especialmente com a amostragem estratificada, mas difere dela
num importante aspecto: os sujeitos são escolhidos por entrevista. Aos
entrevistadores são dadas instruções específicas sobre os sujeitos que deverão
seleccionar para realizá-la, mas esta selecção pode ocasionar enviesamentos
na amostra, pois muitas vezes os entrevistadores têm tendência a entrevistar
pessoas pertencentes à sua rede de relações pessoais ou então indivíduos

217
© Universidade Aberta
detentores de determinadas características que os tornam mais facilmente
contactáveis.

Por outro lado, o problema da não resposta não existe, porque quando um
sujeito se recusa a responder ou o entrevistador não encontra ninguém em
casa procura outro sujeito com as mesmas características para ser entrevistado.
O entrevistador obtem sempre o número de sujeitos inicialmente previstos,
mas o número de sujeitos difíceis de contactar pode ficar mal representado. É
possível impôr aos entrevistadores um itinerário, dependendo neste caso a
representatividade da amostra da pessoa que estabelece o plano de estudo. Se
o processo de selecção for mal definido não há nenhum método estatístico
válido para estimar o erro de amostragem, o que constitui um perigo a ter em
conta.

A amostragem por quotas não é tão dispendiosa como a amostragem aleatória


estratificada, mas apresenta grandes inconvenientes relativamente a esta,
nomeadamente no que diz respeito à representatividade da amostra e,
consequentemente, à possibilidade de generalização dos resultados.

3.7. Utilidade das amostragens não probabilísticas

O processo de constituição de uma amostra por selecção não probabilística é


uma técnica de amostragem útil em determinadas circunstâncias, algumas das
quais já indicadas anteriormente. Retomá-las-emos de forma sistematizada:

• Quando se estudam determinadas populações cuja listagem completa


é impossivel de obter. Tome-se como exemplo: os “sem abrigo”, as
“crianças da rua”, os toxicodependentes. A amostragem em bola de
neve é quase a única técnica possível de ser aqui utilizada com êxito
em casos como os citados;

• Quando o investigador está interessado em estudar apenas determinados


elementos pertencentes à população, de características bem recortadas;

• Numa fase exploratória do processo de investigação, quando o


investigador quer averiguar se um problema é ou não relevante.

É necessário não esquecer que devido ao carácter subjectivo que envolve o


processo de selecção, põe-se o problema da validade externa (relativo à
generalização dos resultados obtidos). Não é possível saber-se se os resultados
alcançados seriam os mesmos no caso de os elementos da população selec-
cionados serem outros.

218
© Universidade Aberta
Quando utiliza um processo de amostragem não probabilística o investigador
deverá explicar pormenorizadamente como procedeu à selecção dos elementos
da população em estudo, que deverão também ser descritos com o maior rigor
possível.

Actividade 8.2

Numa revista onde estejam publicados artigos de investigação, es-


colha um que relate uma pesquisa onde tenha sido utilizada uma
técnica de amostragem não probabilística. Identifique-a, critique-a e
faça um resumo dos procedimentos utilizados pelo investigador.

Síntese

Fez-se a distinção entre amostragens probabilísticas e não probabilísticas.

Seguidamente explicaram-se as vantagens das técnicas de amostragem


probabilística e as características de cada uma delas.

Procedeu-se de igual modo relativamente às técnicas de amostragem não


probabilística, tendo sido indicadas as suas características e a sua utilidade.

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Teste Formativo
Após leitura aprofundada do presente capítulo considere o seguinte trabalho
de investigação:

Num concelho onde existem duas escolas do 3º ciclo do ensino básico verificou-
se que há problemas de racismo. Na escola A existem 1600 alunos distribuídos
nas seguintes proporções: lusos (70%), caboverdianos (20%), angolanos (5%)
e guineenses (5%) e na escola B 900 alunos distribuídos nas seguintes
proporções: lusos (60%), caboverdianos (25%), angolanos (10%) e
moçambicanos (5%). O investigador pretende primeiramente administrar um
questionário a 20% dos alunos para averiguar a situação, quais os problemas
existentes nas escolas e tentar compreender as causas que os motivam.
Seguidamente tem a intenção de observar duas turmas onde os confrontos
raciais são mais graves.

1. Indique que técnica de amostragem probabilística utilizaria para seleccionar


os alunos que irão constituir a amostra a quem vai ser administrado o
questionário. Justifique a resposta.

2. Indique que técnica de amostragem não probabilística utilizaria para


seleccionar as turmas que irão ser observadas como amostra. Justifique a
resposta.

220
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Leituras Complementares

ALMEIDA, João F. e PINTO, José M.


1995 A Investigação nas Ciências Sociais, Lisboa, Editorial Presença,
pp. 114-123.

GHIGLIONE, Rodolphe e MATALON, Benjamin


1993 O Inquérito. Teoria e Prática, Oeiras, Celta Editora, pp. 27-68.

HENRY, Gary T.
1990 Practical Sampling, Newbury Park, Sage Publications.

SILVA, Cecília M.
1994 Estatística Aplicada à Psicologia e Ciências Sociais, Lisboa,
McGraw-Hill, pp. 1-21. (Aconselhado a mestrandos que tenham
conhecimentos matemáticos, ao nível do 12º ano de escolari-
dade).

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Página intencionalmente em branco

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9. A Prática de Investigação

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Página intencionalmente em branco

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Sumário:

Objectivos da unidade

1. Classificação da investigação
2. Investigação histórica
3. Investigação descritiva

3.1. Inquéritos
3.2. Estudos relativos ao desenvolvimento
3.3. Estudos complementares
3.4. Estudos sociométricos

4. Estudo de Caso
5. Estudo Etnográfico
6. Investigação correlacional
7. Investigação experimental
8. Investigação causal-comparativa

Actividade 9

Síntese
Teste Formativo
Leituras Complementares

225
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Objectivos da unidade

No final do processo de aprendizagem desta unidade o estudante deverá estar


apto a:

• Caracterizar a investigação histórica, a investigação descritiva, o estudo


de caso, o estudo etnográfico, a investigação correlacional, a
investigação experimental e a investigação causal-comparativa;

• Indicar as suas finalidades;

• Distinguir os procedimentos utilizados;

• Enumerar as vantagens e limitações;

• Aplicar os conhecimentos adquiridos à escolha dos métodos e


procedimentos mais adequados ao trabalho de investigação que se
propõe fazer no âmbito do Mestrado.

226
© Universidade Aberta
1. Classificação da investigação

Já anteriormente (unidade 7) tinha sido referida a dificuldade de definir métodos


e, do mesmo modo, a sua classificação levanta grandes problemas (vide Almeida
e Pinto, 1995). No entanto, para facilitar a prática de investigação, numerosas
obras de Metodologia incluem uma classificação que varia segundo os autores.
Embora com algumas adaptações, apresenta-se a classificação de L. R. Gay
que foi elaborada relativamente à investigação em Ciências de Educação, mas
que pode ser extensiva a outras Ciências Sociais.
O referido autor classifica a investigação :
Quanto ao propósito - Esta classificação é baseada fundamentalmente na
aplicabilidade dos resultados e no grau em que estes são generalizáveis à
população em estudo. Ambos os critérios são função do controlo da investigação
exercido durante a condução do estudo.
Quanto ao método - O autor põe em evidência que embora muitos trabalhos
de investigação tenham aspectos em comum, apresentam um método ou
estratégia característico. Isto, apesar de terem em comum, ao longo do seu
itinerário, as mesmas etapas: definição do problema, recolha de dados, análise
dos dados e formulação das conclusões. As diferenças existentes entre eles
são devidas ao método de investigação, pois cada um deles foi concebido para
responder a uma determinada questão.

1.1. Classificação quanto ao propósito

Quanto ao propósito da investigação o autor considera cinco categorias:

a) Investigação básica - Na sua forma mais pura, a investigação básica


tem como propósito desenvolver a teoria e estabelecer princípios gerais.
A investigação básica fornece a teoria relevante para a resolução de
problemas sociais.

b) Investigação aplicada - Como o nome indica, é conduzida com o


propósito de aplicar ou testar a teoria e avaliar a sua utilidade na
resolução de problemas sociais.

O mesmo autor põe em evidência que frequentemente é difícil distinguir


a investigação básica da investigação aplicada porque existe entre elas
um continuum. Alguns trabalhos localizados no meio desse continuum
tentam integrar ambas as abordagens através de uma investigação com
controlo de variáveis.

227
© Universidade Aberta
c) Investigação em Avaliação - O propósito da investigação em avaliação
é recolher e analisar dados com o fim de facilitar tomadas de decisão
que digam respeito a duas ou mais acções alternativas. Os dados deverão
ser assim recolhidos em função de um ou mais critérios.

Tome-se como exemplo: será o novo currículo de História do 7º ano


de escolaridade “melhor” que o antigo currículo? É evidente que a
avaliação depende do critério de sucesso obtido pelos estudantes nessa
disciplina. Poder-se-ia obviamente utilizar como critério de sucesso as
classificações obtidas pelos alunos. Um outro a utilizar poderia ser,
por exemplo, o de considerar as atitudes de professores e de alunos
face ao novo currículo.

Avaliar a eficácia de um projecto é ainda mais complexo porque envolve


naturalmente juízos de valor.

Alguns investigadores defendem que a avaliação é uma investigação,


enquanto outros defendem que é uma disciplina individualizada. Na
realidade, a separação entre investigação e avaliação é ténue, porque
em avaliação adopta-se frequentemente um plano de investigação.
Investigação e avaliação incluem conjuntamente as tomadas de decisão
e as etapas características do processo de investigação científica. Por
outro lado, muitos trabalhos de investigação são conduzidos na situação
real e envolvem problemas de controlo da mesma maneira que muitas
avaliações. Embora o problema não esteja resolvido, com maior
frequência a avaliação aparece classificada como uma investigação
cujo propósito é facilitar tomadas de decisão.

d) Investigação e Desenvolvimento (I & D) - O principal propósito de I


& D é desenvolver produtos para serem utilizados com determinados
fins e de acordo com especificações pormenorizadas. Uma vez
elaborados, os produtos são testados e revistos até que um nível de
eficácia pré-determinado seja atingido. O processo é dispendioso mas
pode resultar na elaboração de produtos de qualidade elevada. Exemplo
de produtos: materiais de aprendizagem e materiais multimedia.

e) Investigação-Acção - O propósito desta investigação é resolver


problemas de carácter prático, através do emprego do método científico.
A investigação é levada a cabo a partir da consideração da situação
real. Não tem como objectivo a generalização dos resultados obtidos e
portanto o problema do controlo não assume a importância que
apresenta noutras investigações. A sua principal finalidade é a resolução
de um dado problema para o qual não há soluções baseadas na teoria
previamente estabelecida.

228
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1.2. Classificação quanto ao método

Quanto ao método de investigação o autor acima referido considera cinco


categorias de investigação: investigação histórica, investigação descritiva,
investigação correlacional, investigação experimental e investigação causal-
comparativa.

2. Investigação histórica

A investigação histórica envolve o estudo, a compreensão e a explicação de


acontecimentos passados. O propósito da investigação histórica é testar
hipóteses ou responder a questões que digam respeito às causas, aos efeitos ou
às tendências de acontecimentos passados, que possam ajudar a explicar
acontecimentos actuais e a prever acontecimentos futuros.

As etapas da investigação histórica são as mesmas de outras investigações e


um estudo histórico deverá compreender a definição de um problema; a
formulação de hipóteses ou de questões de investigação; a recolha, organização,
verificação, validação, análise e selecção de dados; a testagem de hipóteses ou
a resposta às questões; e a redacção de um relatório de investigação.

Uma das principais diferenças da pesquisa histórica relativamente a outras é a


de que nela se utiliza informação já existente. As fontes de informação podem
ser de dois tipos fundamentais: primárias e secundárias. As fontes primárias
fornecem informação directa (em 1ª mão) e podem ser de vária natureza: por
exemplo - artefactos, tais como: esqueletos, fosseis, armas, utensílios, edifícios,
quadros, mobiliário, moedas e obras de arte; ou documentos e relatos orais de
quem testemunhou ou participou nos acontecimentos, obtidos frequentemente
por entrevista. Os documentos podem ser manuscritos, legislação, registos,
ficheiros, cartas, minutas de reuniões, memorandos, memórias, biografias,
publicações oficiais, testamentos, jornais, revistas, mapas, diagramas, catálogos,
filmes, pinturas, inscrições, gravações, transcrições, agendas e relatórios de
investigação, entre outros, capazes de intencionalmente ou não transmitir a
descrição de um acontecimento.

As fontes secundárias não são fontes originais, mas sim relatos escritos por
alguém que não presenciou um acontecimento, mas a quem foi relatado esse
acontecimento, muitas vezes não por quem o presenciou, mas por alguém a
quem já tinha sido por sua vez relatado, o que frequentemente dá origem a
distorções do que realmente se passou. Inclui também citações, manuais,
enciclopédias e reproduções de materiais, informações, pinturas e réplicas de
objectos de arte. Obviamente que sempre que for possível, será preferível utilizar

229
© Universidade Aberta
fontes primárias, mas não se deverá minimizar, de modo nenhum, o papel que
as fontes secundárias podem desempenhar.
Definição do problema - É importante definir um problema sobre o qual seja
possível realizar investigação, isto é, um problema relativamente ao qual haja
informação disponível pois, caso contrário, se não há sobre ele informação
suficiente, o problema não poderá ser correctamente estudado, e as hipóteses
levantadas não poderão ser adequadamente testadas. É do mesmo modo
preferível estudar um problema mais restrito, bem definido, para o qual seja
possível formular hipóteses ou colocar questões de forma concreta, em vez de
investigar um problema mais amplo relativamente ao qual se formulam hipóteses
ou questões de uma forma imprecisa. As hipóteses ou questões formuladas
orientam a recolha de informação. Tome-se como exemplo: Sanches, em 1990,
realizou um trabalho de investigação sobre a educação durante o período
comumente designado por “Estado Novo”, em que formulou a seguinte
hipótese: “O principal objectivo do Estado Novo em relação à educação da
população portuguesa tinha sido o de inculcar atitudes de passividade e um
comportamento conformista através da desmobilização e despolitização”.
Análise dos dados - Todas as fontes históricas deverão ser sujeitas a uma
crítica externa para determinar a sua autenticidade e a uma crítica interna
para determinar o rigor do conteúdo. A idade de um documento pode
actualmente ser estabelecida utilizando testes físicos e químicos, mas para
determinar o rigor do documento, há pelo menos quatro aspectos que deverão
ser considerados:
- Conhecimento e competência do autor. Dever-se-á determinar se o
autor do documento tinha a competência necessária ou possibilidades
de ter tido conhecimento do acontecimento que relatou;
- Tempo que passou entre o desenrolar do acontecimento e a data do
relato do mesmo. Quanto mais longo for esse período de tempo maiores
são as probabilidades de haver distorções dos acontecimentos relatados;
- Enviesamentos e motivações do autor. Frequentemente as pessoas
relatam ou registam incorrectamente informação. Tal distorção pode
ser ou não intencional. Pessoas tendem a recordar-se daquilo que lhes
interessa e não do resto, e por vezes tendem a aumentar ou acrescentar
pormenores para tornar o acontecimento mais interessante. O maior
problema consiste na alteração intencional da verdade dos factos feita
pelo autor devido a motivações de vária natureza (pessoais, profissionais,
ideológicas, etc.);

- Consistência dos dados. Cada documento deverá ser comparado com


outros para determinar o grau de concordância entre a informação que
deles consta.

230
© Universidade Aberta
Síntese dos dados - Após a análise e crítica dos dados recolhidos estes deverão
ser organizados procedendo-se à elaboração de uma síntese e à formulação
(se possível) de conclusões e generalizações. Em investigação histórica levanta-
se o problema de ser ou não possível generalizar os resultados da investigação,
dado que os acontecimentos nunca se poderão repetir da mesma maneira; daí
a necessidade dessa generalização, ao ser efectuada, dever revestir grandes
cuidados. No entanto, este problema põe-se também relativamente aos outros
domínios de investigação na área das Ciências Sociais. Porque se trata de
seres humanos nunca se pode repetir exactamente o mesmo estudo nas mesmas
condições, ainda que este compreenda um rigoroso controlo de variáveis. Em
investigação histórica, como noutras investigações, quanto mais similar for
uma nova situação relativamente à anterior, mais aplicáveis poderão ser as
generalizações baseadas no passado.

Atendendo a que a síntese histórica compreende fundamentalmente uma análise


lógica, o investigador deverá ser o mais objectivo possível para não cometer os
erros de eliminar dados precisos que contrariem a hipótese formulada ou dados
que a confirmem, embora obtidos sem o rigor que deve ser característico da
sua recolha.

3. Investigação descritiva

Esta área de investigação implica estudar, compreender e explicar a situação


actual do objecto de investigação. Inclui a recolha de dados para testar hipóteses
ou responder a questões que lhe digam respeito. Os dados numa investigação
descritiva são normalmente recolhidos mediante a administração de um
questionário, a realização de entrevistas ou recorrendo à observação da situação
real. A informação recolhida pode dizer respeito, por exemplo, a atitudes,
opiniões, dados demográficos, condições e procedimentos. A investigação
descritiva compreende as mesmas etapas anteriormente referidas para outras
investigações: definição do problema, revisão da literatura, formulação das
hipóteses ou das questões de investigação, definição da população-alvo e
escolha da técnica de recolha de dados, determinação da dimensão da amostra,
selecção da técnica de amostragem adequada e selecção ou desenvolvimento
de um instrumento de recolha. Dado que são formuladas questões que não
tinham sido postas anteriormente ou que se procura obter dados que não
estavam disponíveis, esta investigação exige frequentemente a elaboração de
um instrumento apropriado para obter a informação necessária. É possível, no
entanto, utilizar um instrumento já existente desde que este se revele adequado.
A construção de um novo instrumento é, no entanto, geralmente baseada em
instrumentos já utilizados anteriormente. Este deverá ser testado e corrigido

231
© Universidade Aberta
antes de ser administrado aos sujeitos que constituem a amostra. Os
procedimentos de administração, assim como de análise dos dados recolhidos,
deverão ser cuidadosamente planeados.

Há vários estudos incluídos nesta categoria:

3.1. Inquéritos

Nestes estudos utilizam-se questionários e entrevistas para recolher dados. O


leitor encontrará na unidade 5 o inquérito por questionário e por entrevista e
na unidade 8 as principais técnicas de amostragem.

3.2. Estudos relativos ao desenvolvimento (“Developmental


Studies”)

Em Ciências Sociais, nomeadamente em Ciências da Educação, são na maioria


dos casos estudadas variáveis comportamentais em diferentes escalões de idade.
As variáveis podem dizer respeito ao desenvolvimento cognitivo, psicomotor,
afectivo ou social dos sujeitos. Os estudos podem ser longitudinais ou
transversais (“cross-sectional”).

Nos estudos longitudinais um mesmo grupo de sujeitos é seguido durante


um período de tempo mais ou menos longo, com o objectivo de poder analisar
a evolução das variáveis em estudo. Tome-se como exemplo o estudo da
evolução do desenvolvimento moral de um grupo de crianças desde a sua
entrada no ensino pré-escolar até ao final da escolaridade obrigatória. As
mesmas crianças deverão ser observadas periodicamente desde os 5 aos 15-
16 anos de idade. O principal problema destes estudos diz respeito ao facto de
ser difícil manter o número inicial de crianças, durante um período de tempo
muito prolongado, devido a diferentes razões, tais como mudança de residência
ou desistência em colaborar no estudo ao fim de alguns anos, e de igual modo,
exigem um envolvimento do investigador durante o mesmo período, o que
muitas vezes se torna difícil ou impossível devido a motivos pessoais ou
profissionais.

Nos estudos transversais (“cross-sectional”) grupos de crianças em diferentes


estádios de desenvolvimento são estudadas simultaneamente. Retomando o
exemplo anterior poder-se-iam estudar grupos de crianças frequentando cada
um dos anos de escolaridade obrigatória. A vantagem destes estudos
relativamente aos anteriores será a possibilidade que oferecem de estudar grupos
de crianças mais numerosos. No entanto, verificam-se, entre outros, os

232
© Universidade Aberta
problemas de selecção de amostras de crianças, que apresentem o
desenvolvimento moral considerado como característico de um determinado
escalão de idade e a dificuldade de controlo de um grande número de variáveis.

3.3. Estudos complementares (“Follow-Up Studies”)

Estes estudos são levados a cabo para averiguar qual a situação dos sujeitos
de investigação após um dado período de tempo. Tome-se a título de exemplo
a situação seguinte: num instituto de formação pretendeu-se averiguar qual o
efeito de um programa destinado a promover a integração social de um
determinado grupo de sujeitos. Após a conclusão do programa os sujeitos
demonstraram melhor adaptação ao meio em que viviam, mas foi considerado
necessário verificar se, após algum tempo, os efeitos do programa se tinham ou
não mantido. Anteriormente, tinha-se constatado em relação a outros programas
que os seus efeitos benéficos tinham-se atenuado ou mesmo desaparecido após
um período de tempo mais ou menos longo. Procedeu-se então à recolha de
dados relativos à situação dos sujeitos e às opiniões e atitudes dos mesmos em
relação ao curso que tinham frequentado.

Note-se que um programa poderá não ter efeitos imediatos, mas estes poderão
vir a verificar-se mais tarde. De igual modo, a recolha de dados poderá
pô-los em evidência.

3.4. Estudos sociométricos

Sociometria consiste na avaliação e análise das relações interpessoais dentro


de um dado grupo de sujeitos. Através da análise das escolhas ou preferências
expressas dos diferentes membros do grupo pelos outros membros do mesmo
grupo, poder-se-á determinar o grau de aceitação ou rejeição de um sujeito
pelos outros membros do grupo. A cada membro do grupo será pedido que
indique outros membros do grupo com os quais gostaria, preferencialmente,
de executar um trabalho, ou desenvolver uma dada actividade. Por exemplo,
poder-se-á pedir a cada um dos membros do grupo que indique, por ordem de
preferência, três outros membros com quem gostaria de trabalhar num
determinado projecto. Obviamente a escolha dos membros do grupo poderá
variar de acordo com a actividade a realizar em conjunto, pois os sujeitos com
quem preferencialmente se gostaria de executar uma tarefa poderão não ser os
mesmos com quem se preferiria executar uma outra tarefa.

233
© Universidade Aberta
As escolhas feitas pelos membros do grupo são representadas num gráfico
denominado sociograma que põe em evidência as escolhas mútuas dos
membros do grupo. Na sua construção poderá, no entanto, utilizar-se diferente
simbologia e este poderá apresentar diversas formas. Um sociograma mostra
aqueles que são escolhidos por muitos membros do grupo, aqueles que ninguém
escolhe e pequenos grupos cujos membros se escolhem mutuamente.
As técnicas sociométricas são utilizadas com fins práticos ou para investigação
no caso de se pretender estudar relações entre membros de um grupo e
características comportamentais. Estes estudos podem dar uma contribuição
para o desenvolvimento de teorias que digam respeito a relações interpessoais
dentro de um grupo.

4. Estudo de Caso

O estudo de caso tem sido largamente usado em investigação em Ciências


Sociais, nomeadamente em Sociologia, Ciência Política, Antropologia, História,
Geografia, Economia e Ciências de Educação.
Definição - Yin (1988) define um estudo de caso como uma abordagem empírica
que:
- investiga um fenómeno actual no seu contexto real; quando,
- os limites entre determinados fenómenos e o seu contexto não são
claramente evidentes; e no qual
- são utilizadas muitas fontes de dados.
De acordo com o mesmo autor esta definição permite distinguir o estudo de
caso de outras investigações: experimental, que deliberadamente separa o
fenómeno do seu contexto; histórica, que estuda acontecimentos passados; e
descritiva, onde se procura estudar o fenómeno e o contexto, mas em que o
estudo do contexto é extremamente limitado. O investigador nesta última
investigação tenta, por exemplo, limitar o número de variáveis a analisar (e,
portanto, o número de questões para as quais quer encontrar respostas), de
acordo com o número de sujeitos que tenha possibilidade de inquirir.
Yin (1988) põe ainda em evidência que o estudo de caso constitui a estratégia
preferida quando se quer responder a questões de “como” ou “porquê”; o
investigador não pode exercer controlo sobre os acontecimentos e o estudo
focaliza-se na investigação de um fenómeno actual no seu próprio contexto.
Além destes estudos de caso cujo objectivo é a explicação de fenómenos, o
mesmo autor refere ainda a existência de estudos de caso exploratórios e
descritivos. Em estudo de caso pode ainda estudar-se um caso único ou casos

234
© Universidade Aberta
múltiplos e os dados recolhidos podem ser de natureza qualitativa, quantitativa
ou ambas.

Merriam (1988) resumiu as características de um estudo de caso qualitativo:

particular - porque se focaliza numa determinada situação, acontecimento,


programa ou fenómeno; descritivo - porque o produto final é uma descrição
“rica” do fenómeno que está a ser estudado; heurístico - porque conduz à
compreensão do fenómeno que está a ser estudado; indutivo - porque a maioria
destes estudos tem como base o raciocínio indutivo; holístico - porque tem em
conta a realidade na sua globalidade. É dada uma maior importância aos
processos do que aos produtos, à compreensão e à interpretação.

A planificação de um estudo de caso varia segundo se trata de um estudo de


carácter essenciamente qualitativo ou quantitativo.

Yin (1988) põe em evidência a necessidade de definir as questões de


investigação: as proposições que focalizam a atenção do investigador sobre
algo que deverá ser observado durante o estudo; a(s) unidade(s) de análise
que poderão ser um ou mais programas, acontecimentos, indivíduos,
processos, instituições ou grupos sociais conforme se trata do estudo de
um caso único ou de casos múltiplos; a lógica que liga os dados às
proposições; e os critérios para interpretação dos resultados. No
entanto, o autor sublinha que actualmente ainda não há uma orientação
precisa para os dois últimos componentes, que representam as fases de
análise de dados.

Merriam (1988) referindo-se ao estudo de caso de natureza qualitativa, afirma


que primeiramente o investigador deverá definir o problema de investigação, o
qual será com frequência proveniente da sua própria experiência ou de situações
ligadas à sua vida prática, mas que pode também resultar de deduções a partir
da teoria, da revisão de literatura, ou de questões sociais ou políticas.
Seguidamente formulará as questões de investigação que não deverão ser muito
específicas, acerca de processos (porque é que algo acontece e como) e da
tentativa de compreensão dos acontecimentos (o que aconteceu, porquê e como).
A escolha da unidade de análise ou “caso” é o passo seguinte. Existem várias
técnicas para selecção de casos (já anteriormente referidas na unidade 8
dedicada à amostragem), sendo as não probabilísticas as mais apropriadas para
estudos de caso qualitativos.

A revisão da literatura respeitante à área de estudo, quer de natureza teórica,


quer de natureza investigativa (por exemplo, relatórios de trabalhos de
investigação já realizados), constitui um componente fundamental do processo
de investigação, pois poderá contribuir para a conceptualização do problema,

235
© Universidade Aberta
a realização do estudo (por exemplo, poderá orientar a escolha das técnicas de
recolha de dados) e a interpretação dos resultados.

Em estudo de caso utilizam-se diferentes técnicas de recolha de dados tais


como: a observação, a entrevista, a análise documental e o questionário.

Uma rigorosa análise de dados é fundamental em qualquer investigação e no


caso de um estudo de caso qualitativo o investigador deverá proceder à análise
dos dados à medida que procede à sua recolha. O produto final é uma descrição
“rica” e rigorosa do caso que constitui o objecto de estudo.

Nos estudos de caso, como em quaisquer outros estudos, torna-se necessário


assegurar a validade e fiabilidade do estudo. A validade interna diz respeito
à correspondência entre os resultados e a realidade, isto é, à necessidade de
garantir que estes traduzam a realidade estudada. A fiabilidade diz respeito à
replicação do estudo, isto é, à necessidade de assegurar que os resultados obtidos
seriam idênticos aos que se alcançariam caso o estudo fosse repetido.

A validade interna pode ser assegurada de diferentes maneiras: por


triangulação — utilizando vários investigadores, várias fontes de dados ou
diferentes métodos; verificando se os dados recolhidos estão de acordo com o
que os participantes disseram ou fizeram e se a sua interpretação foi
corectamente feita; observando o fenómeno em estudo durante um período
longo ou realizando observações repetidas do mesmo; discutindo os resultados
com outros investigadores; envolvendo os participantes em todas as fases da
investigação.

A fiabilidade pode ser garantida sobretudo através de uma descrição


pormenorizada e rigorosa da forma como o estudo foi realizado, a qual implica,
não só uma explicitação dos pressupostos e da teoria subjacentes ao próprio
estudo, mas também uma descrição do processo de recolha de dados e da
forma como se obtiveram os resultados.

A possibilidade de generalização dos resultados a outras situações – validade


externa – continua a ser debatida.

O componente final diz respeito à redacção do relatório e disseminação dos


resultados. Yin (1988) indica 5 características de um bom estudo de caso: ser
relevante, completo, considerar perspectivas alternativas de explicação,
evidenciar uma recolha de dados adequada e suficiente e ser apresentado de
uma forma que motive o leitor.

236
© Universidade Aberta
Histórias de vida

São um tipo de estudo de caso, em que o investigador mediante entrevistas em


profundidade tenta coligir uma narrativa de um indivíduo. Em Psicologia são
utilizadas para a compreensão de aspectos básicos do comportamento humano.
Em Sociologia procura-se reconstituir a carreira dos sujeitos, dando relevo ao
papel das organizações, acontecimentos marcantes e indivíduos que tiveram
neles uma influência significativa, comprovada na moldagem das definições
de si próprios e das suas perspectivas sobre a vida (Bogdan e Biklen,1994).
Em Ciências de Educação têm sido igualmente realizadas histórias de vida,
visando sobretudo utilizá-las na (auto)formação de professores.

5. Estudo Etnográfico

Em vários domínios das Ciências Sociais tem-se registado um crescente


interesse pelos estudos etnográficos, com a intenção de dar resposta a problemas
que os métodos tradicionais não têm vindo a resolver de forma satisfatória.

Os estudos etnográficos pressupõem uma extensa recolha de dados durante


um período de tempo mais ou menos longo, de uma forma naturalística, isto é,
sem que o investigador interfira na situação que está a estudar.

A ideia de cultura é central para os estudos etnográficos. Qualquer grupo humano


que viva em conjunto durante um certo período de tempo, desenvolve uma
cultura própria, entendida como um conjunto de padrões de comportamento e
crenças que permitem comprender o modo de agir dos elementos do grupo
em questão.

Na investigação etnográfica a técnica utilizada consiste, fundamentalmente, na


observação participante (na tradição da Antropologia), a qual implica trabalho
de campo prolongado, de modo ao investigador ficar imerso na cultura em
estudo. Inicialmente utilizados pelos antropólogos para estudar culturas de
povos de economia recolectora e agro-pastoril, têm vindo a ser posteriomente
aplicados à comprensão de qualquer grupo humano, mesmo vivendo em países
de economia moderna. Estes estudos foram largamente aplicados ao estudo de
organizações, tendo em vista o seu desenvolvimento; em avaliação de programas
(porque os programas dão origem a culturas, tal como as organizações) e em
investigação educacional aplicada.

Iniciando o seu trabalho pela recolha de dados, através da observação


participante, o investigador recorrerá posteriormente a outras técnicas:
entrevistas, questionários e escalas de atitudes, análise documental, recolha de
artefactos, gravações video e audio, etc.

237
© Universidade Aberta
Tendo como ponto de partida um interesse pelo estudo de uma dada
organização ou grupo, vai recorrer inicialmente à observação, e progessivamente
irá definindo com maior rigor o problema de investigação e tomando decisões
sobre os elementos da organização que deverá preferencialmente observar e
entrevistar. Após interagir com estes elementos, poderá tomar outras decisões
em relação à continuação do estudo. O investigador procura “imergir” na
organização e tenta comprender os comportamentos dos sujeitos, não através
dos seus pontos de vista, mas do ponto de vista daqueles que observa.
Finalmente, a interpretação e aplicação dos resultados do seu estudo serão
realizadas numa perspectiva cultural.

A unidade de estudo num estudo etnográfico é uma organização, uma escola


(ou uma turma), um programa. O comportamento e as crenças dos sujeitos
que pertencem a uma determinada organização serão melhor comprendidos
no contexto da própria organização.

Este tipo de estudos exige um período de tempo relativamente longo para a


recolha de uma grande variedade de dados, cuja interpretação, frequentemente,
se reveste de dificuldades. O investigador deverá possuir experiência não só
como observador, mas também de análise de dados; experiência que poderá
ser garantia de maior objectividade e rigor na recolha e interpretação dos dados.
Quando bem conduzidos, os estudos etnográficos permitem uma comprensão
da cultura de uma dada organização, da maneira como os seus elementos
interagem uns com os outros e da influência do contexto no comportamento
dos indivíduos, de uma forma que talvez nenhum outro estudo permita.

6. Investigação correlacional

O propósito de um estudo correlacional consiste em averiguar se existe ou não


relação entre duas ou mais variáveis quantificáveis.

Variáveis cujo grau de correlação é forte podem estar na base de estudos causais-
comparativos, experimentais ou quase-experimentais, estudos esses conduzidos
com o objectivo de verificar se as relações existentes entre variáveis são de
natureza causal. Pode haver um grau de correlação forte entre duas variáveis
sem que uma das variáveis seja a “causa” da outra pois neste caso, será uma
terceira variável a “causa” das duas variáveis que apresentam um grau de
correlação forte. Por exemplo, se se chegar à conclusão que existe uma forte
relação entre sucesso académico e auto-estima, isto não significa que a
auto-estima seja a “causa” do sucesso académico ou vice-versa, mas poderá
apenas significar que os bons alunos têm um grau de auto-estima mais

238
© Universidade Aberta
elevado do que os maus alunos, os quais têm um grau de auto-estima menos
elevado. Ambas as variáveis podem eventualmente ter como causa uma terceira
variável, como por exemplo, a estabilidade familiar.

A investigação correlacional apenas estabelece que há uma relação entre duas


variáveis mas não estabelece uma relação “causa-efeito”.

No entanto, o estabelecimento de uma correlação entre duas variáveis poderá


ser utilizado na previsão dos valores de uma delas a partir do conhecimento
dos valores da outra.

Definição do problema - As relações entre variáveis que irão ser investigadas


deverão ser provenientes da teoria ou da experiência, supondo-se indutiva ou
dedutivamente, que existe uma relação entre elas. Dever-se-á, portanto, partir
da formulação de uma hipótese ou hipóteses de relação entre uma ou mais
variáveis, relação que irá ser testada, pelo que o estudo não deverá ser conduzido
a partir de variáveis escolhidas ao acaso.

Amostra e selecção do instrumento - Usualmente é aceite que um estudo


correlacional não deverá ser feito com um número de sujeitos inferior a 30.

Como em qualquer outra investigação, os dados recolhidos têm que ser


precisos, daí a importância do instrumento de recolha (testes ou
questionários), pois caso os dados referentes às variáveis não sejam correctos,
as medidas de correlação calculadas a partir deles também o não serão.
Deste modo, poder-se-á afirmar que existe uma correlação (por exemplo
moderadamente positiva) entre duas variáveis sem que na realidade a haja.
Os instrumentos têm que ser válidos para as medições relativas às variáveis
em causa.

Recolha, análise e interpretação dos dados - Como foi anteriormente referido,


recolhem-se dois ou mais conjuntos de dados referentes a cada um dos sujeitos
previamente seleccionados por amostragem. De acordo com a natureza do
estudo, recolhem-se dados relativos a duas ou mais variáveis e podem utilizar-
se cálculos estatísticos de complexidade variável.

O grau de correlação entre duas variáveis é geralmente expresso como um


coeficiente cujo valor varia entre 0.00 e +1.00 ou - 1.00. Duas variáveis que
estão altamente correlacionadas apresentam um coeficiente perto de +1.00 ou
de - 1.00; no caso de não estarem correlacionadas apresentam um coeficiente
perto de 0.00.

A correlação pode ser classificada, quanto ao sentido, em positiva ou negativa.


Uma correlação positiva indica que os sujeitos que obtiveram valores altos
numa das variáveis também obtiveram valores altos na outra variável ou,

239
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inversamente, se obtiveram valores baixos numa variável também obtiveram
valores baixos na outra variável (e, neste caso, a correlação também é positiva).
Uma correlação positiva pode ser exemplificada através da relação existente
entre anos de escolaridade e vencimentos, pois em geral quanto mais longa é a
escolaridade maior é o valor dos vencimentos anuais auferidos por um indivíduo.
Uma correlação diz-se negativa quando os sujeitos obtêm valores altos numa
variável e valores baixos na outra variável. Um exemplo de correlação negativa
é a relação entre o nível sócio-económico de um agregado familiar (expresso
em valor dos rendimentos anuais) e o número de retenções de um aluno ao
longo da escolaridade obrigatória. Crianças cujo agregado familiar é mais
desfavorecido tendem a ter maior insucesso escolar, muitas vezes traduzido
por retenções; portanto, quanto menores são os vencimentos do agregado
familiar, maior é o número de retenções e vice-versa.

A correlação apresenta valores baixos quando não há relação entre duas


variáveis, como por exemplo entre a altura do aluno e a aptidão para o desenho
(o exemplo dado é propositadamente muito evidente).

Fig. 9.1 - Diagramas de dispersão

Uma correlação positiva ou negativa representa um tipo de relação linear.

Na fig. 9.1 estão representados diagramas de dispersão (a) e (b), que são
representações gráficas da relação entre variáveis. A totalidade dos pontos destes
diagramas resulta do “cruzamento” dos valores assumidos pelas variáveis
relativamente a cada um dos sujeitos. Nos dois diagramas os pontos aglomeram-
se em torno de uma linha recta imaginária, tratando-se no diagrama (a) de uma
correlação linear positiva forte e no diagrama (b) de uma correlação linear
negativa fraca.

240
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Existem, no entanto, correlações que não são lineares mas curvilíneas e que
indicam que uma variável aumenta à medida que a outra aumenta também, até
que ocorre uma “reversão”, e a partir daí, uma das variáveis começa a diminuir,
enquanto que a outra continua a aumentar, como é o caso do diagrama de
dispersão (c) da fig.9.1. Um exemplo de uma correlação curvilínea é a existente
entre a velocidade de corrida e a idade. Com o aumento da idade aumenta a
velocidade de corrida até uma determinada idade (20, 21, 22 ....anos) em que
se atinge o máximo de velocidade e depois dá-se a “reversão” e a velocidade
de corrida passa a diminuir à medida que a idade aumenta.

Levin (1987) em relação à correlação linear classifica a força e o sentido da


correlação de acordo com os coeficientes de correlação linear, seguintes:

- 1.00 correlação negativa perfeita


- 0.95 correlação negativa forte
- 0.50 correlação negativa moderada
- 0.10 correlação negativa fraca
0.00ausência de correlação
+ 0.10 correlação positiva fraca
+ 0.50 correlação positiva moderada
+ 0.95 correlação positiva forte
+ 1.00 correlação positiva perfeita

Observa-se, pois, que em termos de grau de associação, quanto mais próximo


de 1.00 em ambos os sentidos, maior a força de correlação. Como a força é
independente do seu sentido, poder-se-á dizer que - 0.50 e + 0.50 são idênticos
quanto à força, pois são ambos moderados, embora de sentidos diferentes
(negativo e positivo), respectivamente.

A interpretação de um coeficiente de correlação depende da forma com vai ser


utilizado, ou seja, qual o valor necessário para ser útil para um determinado
estudo. Num estudo cujo propósito consiste em explorar ou testar hipóteses
sobre relações entre variáveis, um coeficiente de correlação será interpretado
em termos da sua significância estatística. Diz-se que há significância estatística
quando um determinado coeficiente de correlação é realmente diferente de
zero e reflecte uma verdadeira relação, não uma relação unicamente devida ao
acaso; a significância é definida para um dado nível de confiança (também
chamado nível de significância), nível esse que representa a probabilidade com
que a hipótese experimental possa ser rejeitada ou aceite com confiança. Para
determinar a significância estatística, é necessário consultar uma tabela que
indica qual o valor que deve assumir o coeficiente para ser significante para

241
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um determinado grau de probabilidade e de dimensão da amostra. Para o
mesmo grau de probabilidade, ou nível de significância, são necessários
coeficientes mais elevados para pequenas amostras. É evidente que o problema
não se põe da mesma maneira se estivermos a estudar a totalidade dos elementos
de uma população, em que o valor da correlação representa o grau de
associação entre as variáveis consideradas, seja ele alto ou baixo. O problema
do nível de significância põe-se, portanto, relativamente a amostras. É, no
entanto, necessário não confundir significância com força de associação. Seja
qual for o nível de significância, um coeficiente de correlação baixo representa
uma fraca associação entre variáveis. O nível de significância apenas indica a
probabilidade de uma dada correlação ser verdadeira, seja esta forte ou fraca.
Existem diferentes coeficientes de correlação que são utilizados de acordo
com o tipo de variáveis em estudo. Dado estar fora do âmbito deste trabalho a
apresentação das características e do modo de calcular esses diferentes
coeficientes, remete-se o leitor para a consulta de uma obra de Estatística aplicada
às Ciências Sociais.

No que diz respeito a fazer previsões, apesar de se ter determinado que existe
um nível de significância aceitável, isto não basta. Se o coeficiente de correlação
for muito baixo, este não permite fazer previsões. Isto é, se se calculou o
coeficiente de correlação entre duas variáveis e se relativamente a um sujeito
do qual conhecemos o valor de uma das variáveis queremos prever qual o
valor que assume a outra varíavel, tal não será possível. Um coeficiente de
correlação abaixo de 0.50 não é suficiente para a previsão de resultados de um
grupo de sujeitos ou de um sujeito, no entanto a combinação de variáveis
pode permitir fazer previsões satisfatórias com valores abaixo de 0.50.
Coeficientes de correlação de 0.60 ou 0.70 são geralmente considerados
adequados para previsões que dizem respeito a um grupo de sujeitos, e
coeficientes superiores a 0.80 para a previsão de valores que digam respeito a
sujeitos individuais.

O estabelecimento de uma correlação entre duas variáveis pode, portanto, ter


utilidade na previsão do valor de uma delas a partir do conhecimento dos
valores da outra. A técnica empregada em tais previsões é conhecida por
análise de regressão. Dado a sua apresentação estar igualmente fora do âmbito
deste trabalho, remete-se mais uma vez o leitor para a consulta de uma obra de
Estatística aplicada às Ciências Sociais.

242
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7. Investigação experimental

O objectivo da investigação experimental é o estabelecimento de relações


causa-efeito. Usualmente o método experimental é descrito como aquele que
é conduzido para rejeitar ou aceitar hipóteses relativas a relações causa-efeito
entre variáveis.

No final desta secção o leitor encontra uma descrição das variáveis que
usualmente são consideradas em investigação experimental.

Num estudo experimental, o investigador manipula pelo menos uma variável


independente, controla outras variáveis consideradas relevantes e observa o
efeito numa ou mais variáveis dependentes (a variável independente é também
designada por tratamento). A manipulação da variável independente é a
característica que diferencia a investigação experimental das outras
investigações. Como exemplos de variáveis independentes podem referir-se: a
adopção de um novo programa de aprendizagem, a introdução de um novo
sistema informático ou a introdução de uma nova máquina numa unidade de
produção. A variável dependente é a mudança ou diferença resultante da
manipulação da variável independente. É designada por variável dependente
pois “depende” da variável independente. A variável dependente deverá poder
ser medida. Relativamente aos exemplos anteriormente indicados, poder-se-á medir,
através da administração de um teste, a eficácia de um novo programa de
aprendizagem; poder-se-á calcular a redução do número de horas para executar
uma tarefa administrativa devido à introdução de um novo sistema informático;
e poder-se-á calcular o aumento de produção originado pela introdução de
uma nova máquina numa unidade de produção.

As etapas da investigação experimental são basicamente as mesmas dos outras


investigações: definição de um problema, selecção de sujeitos e de instrumentos
de medida, escolha de um plano experimental, execução dos procedimentos,
análise dos dados recolhidos e formulação das conclusões. A experimentação
é conduzida de forma a verificar uma hipótese ou hipóteses previamente
definidas, que serão verificadas (aceites ou rejeitadas) de acordo com os
resultados obtidos.

Um plano experimental normalmente compreende dois grupos, o grupo


experimental e o grupo de controlo (no entanto poderá haver um só grupo,
ou três ou mais grupos). Ao grupo experimental será administrado o tratamento
cujos efeitos se quer medir, enquanto ao grupo de controlo não será administrado
nenhum novo tratamento e mantem-se como até aí; ou ao grupo experimental
será administrado um tratamento e ao grupo de controlo um tratamento diferente.
(Por exemplo, enquanto o grupo de controlo adoptará o novo programa de
aprendizagem cuja eficácia se quer medir, o grupo de controlo continuará com
o antigo programa ou cada um dos grupos experimentará um programa

243
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diferente). O grupo de controlo é necessário para comparar a eficácia do
tratamento introduzido no grupo experimental relativamente à situação anterior
ou para verificar, no caso de serem introduzidos dois tratamentos diferentes, se
um tratamento é mais eficaz do que o outro.

Para que seja possível verificar qual o efeito da variável independente sobre a
variável dependente é necessário fazer o controlo de outras variáveis, ou seja,
o investigador deverá assegurar-se que os dois grupos são tão equivalentes
quanto possível no que respeita a todas as outras variáveis, excepto quanto à
variável independente. O controlo de variáveis é fundamental para que no final
do estudo se possa afirmar que a diferença que se verificou entre o grupo
experimental e o grupo de controlo (no caso de essa diferença se verificar), foi
devida à manipulação da variável independente. (Por exemplo, a maior eficácia
da aprendizagem, traduzida pelos melhores resultados obtidos pelo grupo
experimental, teria sido devida à adopção do novo programa). No entanto, em
estudos experimentais conduzidos no âmbito das Ciências Sociais, apesar de
existirem diversas técnicas para se proceder ao controlo de variáveis, atendendo
ao facto da experimentação ser conduzida em seres humanos, esse controlo
reveste-se de grandes dificuldades.

O controlo é necessário não só para que se possa afirmar que as diferenças


observadas na variável dependente são unicamente devidas à manipulação da
variável independente, ou seja para assegurar que a investigação tenha validade
interna, mas também para que seja possível generalizar ou aplicar os resultados
obtidos num dado contexto, a outros contextos, ou seja para que se possa
garantir que tenha também validade externa.

No caso da investigação ter validade interna e externa, poder-se-á esperar que


os resultados do estudo, a relação causa-efeito, possam ser confirmadas noutros
grupos, noutros contextos, noutras ocasiões, desde que as condições sejam
similares àquelas em que o estudo tinha sido conduzido.

No entanto, um problema subsiste, o de maximizar a validade interna sem que


seja posta em causa a validade externa, pois se efectuarmos um controlo muito
rígido sobre os sujeitos de investigação e sobre as condições experimentais, a
situação experimental afasta-se da realidade e os resultados não se tornam
generalizáveis para além do contexto onde se realizou a experimentação. Mas,
por outro lado, é difícil conduzir uma experimentação e controlar variáveis em
condições reais. O investigador terá que escolher entre um controlo muito
rigoroso das condições experimentais ou conduzir a experimentação em
condições reais, podendo neste último caso surgirem ameaças à validade interna
da experimentação.

244
© Universidade Aberta
O trabalho de Donald T. Campbell e Julian C. Stanley (1963) sobre a utilização
do método experimental em Ciências Sociais é considerado um dos mais
completos e organizados. O primeiro dos autores Donald T. Campbell,
associado a T. D. Cook, escreveu outro trabalho em 1976, no qual reformulou
e alargou o tema, nomeadamente em relação aos métodos quase-experimentais.
A terminologia, notação e conceitos básicos utilizados por estes autores têm
hoje uma aceitação generalizada. Um dos aspectos sistematizados por estes
autores diz respeito às ameaças à validade em estudos experimentais.

Ameaças à validade interna

Campbell e Stanley identificaram oito principais ameaças à validade interna:

História - refere-se à ocorrência de um acontecimento estranho ao estudo


experimental mas que pode afectar o efeito que se observa na variável
dependente. Tome-se como exemplo: realizou-se uma experimentação com
jovens num bairro onde se tinham vindo a verificar frequentes confrontos entre
elementos pertencentes a diferentes grupos étnicos, com a finalidade de
promover a tolerância e melhorar as relações entre eles. Durante o período em
que estava a decorrer a experimentação, surgiu no mesmo bairro um grave
problema entre adultos pertencentes a dois grupos étnicos diferentes. Este
acontecimento reflectiu-se obviamente nos efeitos do programa.

No entanto, embora o experimentador possa não ter a possibilidade de controlar


os acontecimentos estranhos ao estudo, pode seleccionar um plano que permita
neutralizar os seus efeitos.

Maturação - diz respeito às modificações físicas ou mentais que ocorrem nos


sujeitos durante o período da experimentação, especialmente quando esta se
prolonga por vários meses. Isto é particularmente importante com crianças e
jovens (dependendo no entanto, também da natureza do estudo a realizar) e
com adultos sujeitos a efeitos de socialização organizacional.

Tal como no caso anterior, embora o experimentador não tenha controlo sobre
a maturação, pode seleccionar um plano que permita neutralizar os seus efeitos.

Testagem - ocorre quando se administra aos sujeitos o mesmo teste, em geral


antes e depois de levar a cabo a experimentação (pré-teste e pós-teste). A
melhoria dos resultados que se verifica no pós-teste em relação ao pré-teste
poderá, em parte, ser devida ao facto dos sujeitos repetirem o mesmo teste.
Este problema surge principalmente quando o período que medeia entre a
administração do pré-teste e do pós-teste é curto. No entanto, este efeito pode
variar segundo o estudo realizado, por exemplo, a sua importância pode ser
grande no caso do pré-teste e do pós-teste incluirem essencialmente informação
factual.

245
© Universidade Aberta
Poder-se-á, como veremos, não administrar um pré-teste ou elaborar um
pré-teste diferente do pós-teste. De qualquer modo, são problemas que deverão
ser ponderados ao elaborar o plano de experimentação.

Instrumentação - resulta da administração de testes que não são fiáveis, que


dão resultados diferentes em diferentes aplicações, de pré-testes e pós-testes
de diferente dificuldade ou de observações que não são sistematicamente feitas
da mesma maneira ao longo da experimentação.

Regressão estatística - refere-se ao facto de serem seleccionados para um


estudo experimental sujeitos que obtêm classificações (scores) extremas no
pré-teste, quer sejam sujeitos que obtiveram classificações muito altas ou muito
baixas, pois os sujeitos cujas classificações foram muito altas no pré-teste
tendem a ter classificações mais baixas no pós-teste e vice-versa (sujeitos que
obtêm classificações muito baixas no pré-teste tendem a ter classificações mais
altas no pós-teste). Em resumo, sujeitos que obtêm resultados extremos no
pré-teste, têm tendência a regredir para a média no pós-teste.

Selecção - ocorre quando se seleccionam grupos já anteriormente constituídos


para grupo experimental e grupo de controlo, grupos que já eram diferentes.
Esta diferença inicial pode ter influência nos resultados do pós-teste. Caso
seja necessário escolher grupos já anteriormente formados, devem seleccionar-se
grupos o mais idênticos possível e administrar um pré-teste para que na análise
dos resultados venham a ser tidas em conta as diferenças iniciais entre esses
grupos.

Mortalidade - diz respeito a determinados sujeitos abandonarem o estudo


durante o seu decurso, sujeitos que tinham determinadas características e cuja
saída de um dos grupos vai afectar os resultados. Mais uma vez o
experimentador deverá ter em conta esta possibilidade, e se considerar que é
importante para o estudo em causa, deverá adoptar um plano experimental
adequado, que permita neutralizar os seus efeitos.

Interacções com a selecção (interacção selecção-maturação, interacção


selecção-história, interacção selecção-testagem) - A mais comum é a interacção
selecção-maturação. Quando se utilizam grupos já formados, um grupo pode
ter sujeitos de diferente maturidade relativamente ao outro, o que vai
produzir efeitos espúrios nos resultados da experimentação. Mais uma vez
o experimentador deverá ter o cuidado de formar grupos equivalentes ou
escolher um plano que permita neutralizar para a ocorrência desta ameaça.

Na investigação experimental a selecção aleatória dos sujeitos que irão


constituir o grupo experimental e o grupo de controlo permite neutralizar a
maior parte das ameaças à validade interna.

246
© Universidade Aberta
Quando se trata de estudos quase-experimentais, em que a experimentação é
feita utilizando grupos já constituídos anteriomente, o investigador tem que
controlar uma a uma as ameaças à validade interna.

Ameaças à validade externa

Há várias ameaças à validade externa que podem pôr em causa a generalização


dos resultados obtidos na experimentação à população em causa e da qual
tinham sido extraídos os sujeitos que constituem o grupo experimental e o
grupo de controlo.

Efeito da interacção da testagem (interacção pré-teste tratamento) - esta


interacção ocorre quando os sujeitos reagem diferentemente a um tratamento,
por lhes ter sido administrado um pré-teste que os sensibilizou ou alertou para
a natureza do tratamento. Neste caso, os resultados poderiam ter sido diferentes
se os indivíduos não fossem sujeitos a um pré-teste. Deste modo, os resultados
não podem ser generalizados à população.

Este pode ser um problema grave, dependendo dos sujeitos, da natureza dos
testes, da natureza do tratamento e da duração do estudo. Estudos que envolvam
mudanças de atitude são muito sensíveis a esta ameaça, outros não o são tanto.
Crianças podem não ter a percepção da relação entre o pré-teste e o tratamento.
Se o pré-teste for administrado algum tempo antes de começar o tratamento,
os seus efeitos podem ser atenuados. No caso de se prever que o pré-teste
possa ter efeitos importantes nos resultados do estudo, o experimentador deverá
seleccionar um plano que permita neutralizar a sua ocorrência ou determinar a
sua importância.

Interacção selecção-tratamento - é semelhante à ameaça à validade interna


que designámos por selecção e surge quando os indivíduos não são
seleccionados aleatoriamente. O facto dos indivíduos não serem seleccionados
aleatoriamente limita a possibilidade de generalização dos resultados, porque
está em causa a representatividade da amostra. Mesmo que os grupos
experimental e de controlo sejam seleccionados aleatoriamente, existe a
possibilidade do grupo experimental ser diferente do grupo de controlo. A não
representatividade dos grupos pode resultar numa interacção
selecção-tratamento, de tal maneira que os resultados do estudo só digam
respeito aos grupos envolvidos na experimentação e não possam ser
generalizáveis à população. O investigador deverá fazer uma descrição o mais
rigorosa possível da forma como procedeu à selecção dos sujeitos de
investigação, para que o eventual leitor do relatório de investigação possa ajuizar
da importância da ameaça interacção selecção-tratamento.

247
© Universidade Aberta
1
Este efeito é usualmente Especificidade das variáveis - diz respeito ao aspecto já anteriormente referido
designado por efeito Haw-
thorne ou Mayo, visto ter sido de um estudo experimental estudar um problema muito específico, utilizando
posto em evidência numa ex- instrumentos de medida muito específicos, num período de tempo muito
periência levada a cabo na Fá-
brica Hawthorne da Western específico, sob condições igualmente muito específicas. Esta especificidade
Electric Company em Chica- põe também em causa a possibilidade de generalização dos resultados.
go, por Elton Mayo. Os ope-
rários tinham conhecimento
de que estavam a colaborar Efeitos reactivos dos arranjos experimentais - Com a preocupação de fazer
numa experiência, mas não do um controlo muito rigoroso das variáveis, o experimentador pode criar um
seu teor. A experiência con-
sistia em averiguar de que ambiente experimental altamente artificial, o que põe em causa a generalização
maneira a intensidade de dos resultados para outros ambientes não experimentais.
iluminação poderia afectar a
produção. Os investigadores
aumentaram a intensidade da O facto dos sujeitos de investigação terem conhecimento de que fazem parte
iluminação e a produção au- de um grupo experimental também pode afectar os resultados do estudo, pois
mentou, seguidamente aumen-
taram ainda mais a intensidade o comportamento do grupo experimental modifica-se não só devido ao
da iluminação e a produção tratamento, também ao facto de terem conhecimento de que fazem parte de um
tornou a aumentar, finalmente
diminuiram a intensidade da grupo experimental1.
iluminação e a produção con-
tinuou ainda a aumentar! Outro problema está relacionado com a novidade, pois o grupo experimental
pode obter melhores resultados porque está a utilizar algo de novo. O facto de
2
Existem ainda outros efeitos ser uma novidade aumenta a motivação e portanto a participação e o tratamento
que poderão afectar os
resultados da experimentação:
pode não ser mais eficaz em si mesmo. Para obviar este efeito o experimentador
Contaminação e efeito de deverá prolongar a experiência até que se atenue o efeito de novidade2.
halo:
Designa-se por contami- Interferência dos tratamentos múltiplos - resulta da aplicação de vários
nação o facto da familiaridade
do investigador com os
tratamentos aos mesmos sujeitos dado não ser fácil eliminar os efeitos de
sujeitos de investigação poder tratamentos anteriores.
vir a afectar os resultados da
experimentação; o investiga-
dor pode exercer influência no
Para minimizar a interferência de tratamentos sucessivos, caso não seja possível
seu comportamento ou ser fazer uma experimentação com um único tratamento, o investigador deverá
subjectivo na avaliação desse
mesmo comportamento.
deixar mediar um período de tempo considerado adequado entre tratamentos
O efeito de halo diz respeito sucesssivos e investigar diferentes tipos de variáveis independentes.
a ser valorizado o compor-
tamento de um sujeito que
previamente tinha tido um
Controlo de variáveis - Para eliminar as ameaças à validade de um estudo
comportamento muito bom ou experimental é necessário fazer o controlo de variáveis. Podem utilizar-se
excelente. Se o investigador
conhece os membros de um
diferentes procedimentos para realizar esse controlo, dos quais se mencionam
grupo pode tender a ser en- seguidamente alguns:
viesado na análise dos resul-
tados dessse grupo.
O problema da objectividade
a) Selecção aleatória dos sujeitos (vide unidade 8). Sempre que possível
põe-se em qualquer tipo de é conveniente não só proceder à selecção aleatória dos sujeitos que
investigação e portanto o in-
vestigador deve, por um lado,
vão colaborar na experiência, como seleccionar aleatoriamente dentre
evitar situações que a possam eles os sujeitos que fazem parte do grupo experimental e do grupo de
pôr em causa e, por outro lado,
não deverá comunicar ao
controlo. A escolha aleatória dos sujeitos de investigação é a maneira
grupo experimental que as de criar grupos equivalentes e representativos da população estudada.
suas expectativas são as de
que este obtenha melhores
Se se verificar no final do estudo que os grupos têm resultados diferentes,
resultados do que o grupo de esta diferença poderá ser atribuída ao tratamento, ou seja, à variável
controlo.
independente. Quanto maiores forem os grupos maior será a confiança

248
© Universidade Aberta
que se poderá ter nos resultados obtidos. (Num estudo experimental,
15 sujeitos por grupo é o número mínimo considerado aceitável para o
realizar).

b) Algumas variáveis podem ser controladas, fazendo com que existam


em iguais condições nos dois grupos, tais como: anos de experiência
de exercício de uma dada profissão, habilitações académicas ou
profissionais. Por exemplo, todos os sujeitos possuirem o mesmo
número de anos de experiência e a mesma formação profissional.
Metade dos sujeitos deverá fazer parte do grupo experimental e a outra
metade do grupo de controlo (a divisão dos sujeitos pelos dois grupos
deverá ser feita aleatoriamente). No entanto, esta técnica poderá levantar
problemas em relação à generalização dos resultados, nomeadamente,
porque se restringiu a variabilidade dos sujeitos.

Poder-se-á, ainda, formar grupos que apresentem todos os níveis da


variável ou variáveis em estudo, por exemplo, diferente número de anos
de experiência na profissão ou formação profissional.

Proceder a uma amostragem estratificada constituirá, do mesmo modo,


uma técnica adequada, caso o investigador queira averiguar se a variável
independente afecta a variável dependente a vários níveis da variável
de controlo.

c) Emparelhamento - Poder-se-á utilizar uma técnica que permita tornar


os grupos equivalentes no que diz respeito a uma ou mais variáveis
consideradas como tendo influência nos resultados. Deste modo, se se
considerar que a variável anos de experiência na profissão deverá ser
controlada, dever-se-á atribuir a cada grupo sujeitos em condições
semelhantes. Suponhamos que os sujeitos apresentam diferenças no
que diz respeito a anos de exercício de uma determinada profissão, por
exemplo, quatro sujeitos têm oito anos de experiência, dois sete anos
de experiência, um seis anos de experiência, etc. Dos quatro sujeitos
com 8 anos de experiência, dois farão parte do grupo experimental e
os outros dois do grupo de controlo (a atribuição a cada um dos grupos
deverá ser feita aleatoriamente); dos dois sujeitos com 7 anos de
experiência, um fará parte do grupo experimental e o outro do grupo
de controlo; se só há um sujeito com 6 anos de experiência dever-se-á
procurar outro com o mesmo número de anos de experiência e se tal
não for possível, este não deverá participar na experiência. O processo
poderá ser mais complicado se tivermos que ter em conta várias variáveis
simultaneamente, por exemplo poderemos querer controlar as variáveis
sexo, formação profissional e anos de experiência. Se um dos sujeitos
for do sexo masculino, possuir uma licenciatura em engenharia química

249
© Universidade Aberta
e sete anos de experiência na profissão, ter-se-á que encontrar outro
com as mesmas características, caso contrário terá que ser eliminado
do estudo. O inconveniente desta técnica é que deste modo poder-se-
ão eliminar muitos sujeitos.

d) Administrar sucessivamente o mesmo tratamento aos dois grupos. Este


processo poderá contribuir para eliminar diferenças entre grupos, pois
os mesmos sujeitos são submetidos a ambos os tratamentos. É evidente
que em muitos casos tal não é possível.

e) A análise de covariância (vide uma obra de Estatística aplicada às


Ciências Sociais) permite tornar equivalentes, em relação a uma ou
mais variáveis, grupos constituídos por selecção aleatoria. Poderá
também ser utilizada para grupos que não tenham sido constituídos
aleatoriamente, mas é mais adequada aos primeiros. Tome-se um
exemplo da utilização da análise de covariância: apesar de se terem
constituído dois grupos por amostragem aleatória, estes apresentam
diferenças significativas no pré-teste; a análise de covariância irá permitir
ajustar (“corrigir”) os resultados do pós-teste em relação a diferenças
iniciais no pré-teste.

Planos experimentais - A escolha de um plano experimental adequado ao


estudo é muito importante e depende não só das hipóteses que vão ser testadas
como das condições de que o investigador dispõe.

Há dois tipos fundamentais de planos experimentais: planos com uma só


variável, que compreendem uma só variável independente, a qual é manipulada,
e planos factoriais, os quais compreendem duas ou mais variáveis
3
Existem ainda planos independentes, das quais pelo menos uma é manipulada.3
experimentais com um só
sujeito cujo estudo não se
enquadra no âmbito deste Os planos com uma só variável podem ser pré-experimentais, experimentais
trabalho. puros ou quase-experimentais, dependendo do controlo que se faz às ameaças
à validade interna e à validade externa.

Nos planos pré-experimentais não há um controlo adequado das ameaças à


validade interna e externa. Estes planos só têm utilidade para uma investigação
preliminar de um problema, para sugerir hipóteses.

Nos planos experimentais puros há um controlo adequado de variáveis. Em


qualquer destes planos não só a selecção dos sujeitos é sempre aleatória, como
há pelo menos um grupo de controlo.

Sempre que for possível dever-se-á utilizar um destes planos.

250
© Universidade Aberta
Nos planos quase-experimentais não há selecção aleatória de sujeitos, o que
levanta problemas relativos ao controlo de variáveis que podem constituir
ameaças à validade interna. No entanto, quando só é possível utilizar este tipo
de planos, é preferível fazê-lo a renunciar à realização da experimentação ou a
empregar planos pré-experimentais.

Os planos factoriais são elaborações dos planos experimentais puros e


permitem investigar uma ou mais variáveis, individualmente ou em interacção
umas com as outras. Após uma variável ter sido estudada utilizando um plano
com uma só variável, torna-se muitas vezes útil estudá-la em combinação com
uma ou mais variáveis. Dado estes planos compreenderem uma ou mais
variáveis, há um número quase infinito de planos factoriais.

Neste Manual não serão analisados os planos pré-experimentais dado o seu


muito reduzido interesse.

Para proceder à análise dos diferentes planos utilizar-se-á a nomenclatura de


Campbell e Stanley (1963), que propositadamente foi simplificada para tornar
a sua compreensão mais fácil.

Assim, designar-se-á por:

A - a selecção aleatória dos sujeitos

O - uma observação (pré-teste ou pós-teste)

X - o tratamento; X1, X2, X3 referem-se a tratamentos diferentes

Planos experimentais puros 4


Este plano poderá ser
alargado para mais de dois
(1) Plano pré-teste-pós-teste e grupo de controlo grupos, ou seja, em vez de ter
unicamente um grupo
A O X O grupo experimental experimental e um grupo de
controlo, poderá ter três ou
mais grupos.
A O O grupo de controlo Para três grupos, por exemplo,
poderia apresentar uma das
Este plano tem as seguintes características: seguintes formas:
a) A O X1 O b) A O X1 O
A O X2 O A O X2 O
- os sujeitos são seleccionados e distribuídos aleatoriamente por um grupo A O O A O X3 O
experimental e por um grupo de controlo; 4 Em a) a dois grupos expe-
rimentais são administrados
- a ambos os grupos é administrado um pré-teste em relação à variável dois novos tratamentos
diferentes um do outro,
dependente; enquanto ao grupo de
controlo não é administrado
- o grupo experimental é sujeito a um tratamento novo ou não tradicional; nenhum tratamento novo.
Em b) é administrado um
tratamento diferente a cada
- a ambos os grupos é administrado um pós-teste. um dos três grupos.

251
© Universidade Aberta
Os resultados do pós-teste dos dois grupos são comparados para determinar a
eficácia do tratamento. O pré-teste é utilizado para verificar se os grupos são
equivalentes em relação à variável dependente. Se são equivalentes, os
resultados do pós-teste podem ser directamente comparados usando um
teste t, se o não são, os resultados do pós-teste podem ser analisados mediante
a análise de covariância.

Controlo das ameaças:

Ameaças à validade interna:

A combinação da selecção aleatória dos sujeitos e a existência de um pré-teste


e de um grupo de controlo permite controlar todas as ameaças à validade
interna. A selecção aleatória dos sujeitos permite controlar a regressão e a
selecção; o pré-teste a mortalidade; a selecção aleatória dos sujeitos e o grupo
de controlo a maturação; o grupo de controlo a história, a testagem e a
instrumentação.

Ameaças à validade externa:

A única ameaça a este plano e que pode afectar a generalização dos resultados,
é a possível interacção entre o pré-teste e o tratamento, a qual poderá ter como
consequência que os resultados só sejam generalizáveis a outros grupos a
quem seja igualmente administrado o pré-teste. O investigador deverá referir
no relatório de investigação que a interacção entre o pré-teste e o tratamento
poderá constituir uma possível ameaça à validade externa.

2) Plano pós-teste e grupo de controlo

A X O

A O

Este plano tem as seguintes características:

- os sujeitos são seleccionados e distribuídos aleatoriamente por um


5
Este plano poderá igual- grupo experimental e por um grupo de controlo5;
mente ser alargado para mais
de dois grupos, isto é, em vez
de ter unicamente um grupo - o grupo experimental é sujeito a um tratamento novo ou não tradicional;
experimental e um grupo de
controlo, poderá ter três ou - a ambos os grupos é administrado um pós-teste.
mais grupos.

Os resultados do pós-teste dos dois grupos podem ser comparados usando um


teste t para determinar a eficácia do tratamento.

252
© Universidade Aberta
Controlo das ameaças:

Ameaças à validade interna:

A combinação da selecção aleatória dos sujeitos e a existência de um grupo


de controlo permite controlar todas as ameaças à validade interna com excepção
da mortalidade. A mortalidade não é controlada devido à inexistência de um
pré-teste. A mortalidade pode ou não constituir um problema de acordo com o
estudo, mas particularmente, se é de curta duração pode não haver mortalidade.
A inexistência de um pré-teste pode não constituir um problema se os dois
grupos forem inicialmente equivalentes relativamente à variável dependente
(por exemplo, não possuiam qualquer conhecimento relacionado com esta
variável).

Ameaças à validade externa:

Dado não haver pré-teste, não existe a ameaça (anteriormente referida para o
plano pré-teste-pós-teste e grupo de controlo) de uma possível interacção entre
o pré-teste e o tratamento.

3) Plano Solomon de quatro grupos

A O X O

A O O

A X O

A O

Este plano tem as seguintes características:

- os sujeitos são seleccionados e distribuídos aleatoriamente por quatro


grupos;

- a dois dos grupos é administrado um pré-teste em relação à variável


dependente e aos outros dois grupos não;

- dois grupos, um ao qual tinha sido administrado o pré-teste e outro ao


qual não tinha sido aplicado pré-teste, são sujeitos a um tratamento
novo ou não tradicional;

- aos quatro grupos é administrado um pós-teste.

Este plano é uma combinação dos dois planos anteriores.

253
© Universidade Aberta
A análise dos resultados deverá ser feita mediante uma análise de variância
2x2 dos resultados do pós-teste. Esta análise permite saber se o tratamento foi
efectivo e se houve interacção entre o tratamento e o pré-teste. No caso de não
ter havido interacção, os resultados obtidos poderão generalizar-se com maior
confiança à população em estudo.

Controlo das ameaças:

Ameaças à validade interna e à validade externa:

Como este plano é uma combinação dos dois planos anteriores, o resultado é
um plano que controla as duas ameaças referidas para os planos anteriores;
interacção pré-teste-tratamento e mortalidade.

Apesar das vantagens que este plano apresenta, ele exige um maior número de
sujeitos de investigação. A escolha do plano deverá ser feita de acordo com a
natureza do estudo que se pretende realizar e as condições em que vai ser
feito. Deste modo, para muitos estudos um dos planos anteriores poderá ser
igualmente adequado.

Planos quase-experimentais - Por vezes não é possível proceder à selecção


aleatória dos sujeitos (por exemplo, qundo se tratam de turmas de alunos que
já estavam constituídas), o que levanta problemas relativamente ao controlo
das ameaças à validade interna. Campbell e Stanley (1963) apresentam vários
planos, dos quais descreveremos três. (Vide também o trabalho de Campbell e
Cook, 1979)

(1) Plano com grupo de controlo não equivalente

O X O

O O

Este plano é semelhante ao plano pré-teste-pós-teste e grupo de controlo e tem


as seguintes características:
6
Da mesma maneira que - um grupo experimental e um grupo de controlo, ambos submetidos a
para o plano pré-teste – pós-
teste e grupo de controlo, um pré-teste e a um pós-teste;
este plano poderá ser alar-
gado para mais de dois gru- - não há selecção aleatória dos sujeitos de investigação e portanto os
pos. A cada um dos grupos
pode ser aplicado um trata- grupos não são equivalentes.
mento, diferente, podendo
não ser administrado um Depois de escolhidos os grupos, dever-se-á, sempre que for possível, atribuir
tratamento novo a um dos
grupos. aleatoriamente o tratamento novo ou não tradicional a um dos grupos 6.

254
© Universidade Aberta
Ameaças à validade interna:

Dado não haver selecção aleatória dos sujeitos de investigação, podem surgir
ameaças à validade interna da investigação, regressão e interacção entre
selecção e variáveis como a maturação, história e testagem. O investigador
deverá procurar controlar estas ameaças escolhendo grupos o mais semelhantes
possível.

Ameaças à validade externa:

No que se refere à validade externa, as ameaças são idênticas aos do plano


experimental puro plano pré-teste-pós-teste e grupo de controlo, ou seja, a
possível interacção entre o pré-teste e o tratamento, o qual pode ter como
consequência que os resultados só possam ser generalizáveis a outros grupos
a quem tenha sido igualmente administrado o pré-teste e não à totalidade da
população. O investigador deverá referir no relatório de investigação que a
interacção entre o pré-teste e o tratamento poderá constituir uma possível ameaça
à validade externa.

(2) Séries temporais interrompidas

O O O O X O O O O

As caraterísticas deste plano são as seguintes:

- existe apenas um grupo experimental ao qual são repetidamente


aplicados pré-testes, seguidamente é sujeito a um tratamento e por fim
é submetido repetidamente a pós-testes.

Se um grupo experimental que obtem várias vezes resultados semelhantes em


pré-testes, for sujeito a um tratamento e posteriormente obtiver repetidas vezes
em pós-testes melhores resultados do que nos pré-testes, o investigador poderá
atribuir com maior confiança a mudança verificada ao tratamento que tinha
sido aplicado do que se a esse mesmo grupo tivesse sido apenas aplicado um
pré-teste e um pós-teste. A análise dos resultados decorrentes da aplicação
deste plano exige estatísticas avançadas.

Ameaças à validade interna:

A história pode constituir um problema com este plano, dado o período de


tempo que medeia entre o primeiro pré-teste e o último pós-teste e um
acontecimento durante a experimentação poder-se-á confundir, nalguns casos,
com o efeito do tratamento. Instrumentação, especialmente no caso de o

255
© Universidade Aberta
investigador alterar os instrumentos durante a experimentação, poderá
igualmente constituir uma ameaça. A interacção do pré-teste com o tratamento
pode também constituir um problema em relação à validade interna.

Ameaças à validade externa:

O efeito experimental pode ser específico do grupo observado, havendo portanto


7
Este plano apresenta várias problemas relacionados com a generalização dos resultados à população. 7
variantes que foram ana-
lisadas por Campbell e
Stanley . Uma dessas variantes
é designada por séries
temporais interrompidas
(3) Plano contrabalançado
múltiplas que inclui um grupo
de controlo. Esquematica- Este plano tem as seguintes características:
mente o plano ficará assim
representado: X1 O X2 O X3 O
OOOOXOOOO
O O O OX O O OO X3 O X1 O X2 O
Esta variação permite con-
trolar as ameaças à validade
interna da história e da
X2 O X3 O X1 O
instrumentação. Este plano
adapta-se a situações esco- - Todos os grupos recebem os mesmos tratamentos mas numa ordem
lares em que os alunos são
habitual e periodicamente diferente.
sujeitos a testes ou à indústria
onde os operários podem ser O número de grupos deverá ser igual ao número de tratamentos. A ordem
observados repetidamente. A
análise dos resultados decor- segundo a qual os grupos recebem os tratamentos é definida aleatoriamente.
rentes da aplicação deste
plano exige estatísticas Embora possa ser administrado um pré-teste, este plano é geralmente utilizado
avançadas.
para grupos intactos, não equivalentes e quando a administração de um pré-teste
não é possível ou aconselhável.

O exemplo apresentado refere-se a três grupos e a três tratamentos, mas podem


participar na experiência qualquer número de grupos (dois ou mais grupos).

Neste exemplo, o primeiro grupo recebe o tratamento 1 e é submetido a um


pós-teste, seguidamente recebe o tratamento 2 e é submetido a um pós-teste,
finalmente recebe o tratamento 3 e é submetido a um pós-teste; o segundo
grupo recebe o tratamento 3 e é submetido a um pós-teste, seguidamente recebe o
tratamento 1 e é submetido a um pós-teste, finalmente recebe o tratamento 2 e é
submetido a um pós-teste; o terceiro grupo recebe o tratamento 2 e é submetido
a um pós-teste, seguidamente recebe o tratamento 3 e é submetido a um
pós-teste, finalmente recebe o tratamento 1 e é submetido a um pós-teste. Ao
mesmo tempo cada grupo está a ser submetido a um tratamento ou a um pós-
teste diferente. No final da experiência podem ser comparados os resultados
dos pós-testes referentes a cada um dos tratamentos e a cada um dos grupos.

256
© Universidade Aberta
Ameaças à validade:

A principal ameaça diz respeito à possível interferência entre tratamentos


múltiplos. Assim, este plano só deverá ser usado quando este problema não se
coloca. No entanto há análises estatísticas sofisticadas que podem ser aplicadas
para determinar quer os efeitos dos tratamentos quer da ordem pela qual são
administrados.

Planos factoriais - Os planos factoriais compreendem duas ou mais variáveis


independentes, sendo pelo menos uma delas manipulada pelo investigador. Já
foi anteriormente referido que estes planos permitem investigar uma ou mais
variáveis, individualmente ou em interacção umas com as outras e de que há
um número quase infinito de planos factoriais. A designação factorial refere-se
ao facto do plano compreender vários factores e cada factor ter dois ou mais
níveis. Por exemplo, o factor métodos de ensino-aprendizagem pode ter vários
níveis (pois existe uma grande variedade de métodos, podendo no entanto ser
considerados apenas dois – ensino presencial e ensino a distância, ou podendo
ser considerados mais níveis), da mesma maneira motivação também o pode
ter (podendo igualmente ser considerados apenas dois níveis – alunos muito
motivados e pouco motivados ou mais níveis).

O mais simples dos planos factoriais é o que compreende dois tratamentos


(dois factores), cada um deles com dois níveis. É designado como um plano
factorial 22 ou 2x2 , porque tem 4 células. Três variáveis independentes, com
dois níveis cada, produzem um plano 23, com 8 células. Não é no entanto
necessário que todos os factores tenham o mesmo número de níveis. Planos
factoriais com mais do que três factores são raramente usados, embora
teoricamente seja possível, mas não só se torna difícil analisar todas as
interacções entre eles, como cada factor faz aumentar o número de sujeitos
necessários para realizar a experiência.

Num plano factorial os sujeitos são distribuídos aleatoriamente pelas diferentes


células.

O propósito de um plano factorial é determinar se os efeitos de uma variável


experimental são generalizáveis a todos os níveis de uma variável de controlo.
Também, pode demonstrar relações que um plano com uma só variável não
pode, isto é, permite determinar os efeitos da interacção, ou seja, da acção
conjugada de diferentes variáveis independentes. Para determinar esses efeitos
utiliza-se a análise de variância usualmente designada por ANOVA.

No caso do leitor pretender utilizar um plano factorial no seu trabalho de


investigação, aconselha-se a leitura de obras da especialidade.

257
© Universidade Aberta
Tipos de variáveis
8
"Variável é um conceito Variáveis são quaisquer características que variam numa situação experimental.8
operacional e classificatório
que, através da partição de
um conjunto teoricamente Numa investigação experimental consideram-se vários tipos de variáveis:
relevante, assume vários va-
lores". (Almeida e Pinto, Variável independente - é uma variável estímulo ou input. É o factor que é
1995). Os mesmos autores
indicam as quatro fases da medido, manipulado ou seleccionado pelo experimentador para determinar a
construção de variáveis, se- sua relação com um fenómeno observado. É a variável que é manipulada ou
gundo P. Lazarsfeld (1965).
(Vide op. cit. p. 142-143) alterada para causar uma modificação noutra variável.

Variável dependente - é uma variável resposta ou output. É o factor que é


observado e medido para determinar o efeito da variável independente, ou
seja, aquele factor que aparece, desaparece ou varia quando o experimentador
introduz, remove ou varia a variável independente. É a variável que se modifica
em função das alterações introduzidas na variável independente. É designada
por dependente porque o seu valor depende do valor da variável independente.
Representa a consequência ou a alteração no indivíduo ou situação estudada.

É necessário pôr em evidência que muitos estudos experimentais não envolvem


apenas uma variável independente e uma varível dependente mas várias; além
destas outras variáveis são usualmente consideradas as denominadas variáveis
moderadoras, variáveis de controlo. Muitas vezes infere-se ainda a existência
de outras variáveis designadas por intervenientes.

Variável moderadora - é uma variável independente secundária seleccionada


para determinar se afecta a relação entre a variável independente principal e
a(as) variável(eis) dependente(s). É definida como o factor que é medido,
manipulado ou seleccionado pelo experimentador para descobrir se modifica
a relação da variável independente com um fenómeno observado.

Tome-se o seguinte exemplo: um investigador quer comparar a eficácia da


utilização de um videograma em relação a um audiograma na aprendizagem
de uma determinada unidade de ensino de língua portuguesa. O investigador
suspeita que enquanto um método pode ser melhor para alunos que aprendem
melhor através da vista, o outro será melhor para alunos que aprendem melhor
ouvindo. Após o estudo da unidade os alunos são sujeitos a um teste, os
resultados das duas abordagens parecem semelhantes; mas quando os alunos
que aprendem melhor através da visão, são separados daqueles que aprendem
melhor através da audição, as duas abordagens podem dar resultados diferentes
em cada subgrupo de alunos.

258
© Universidade Aberta
Variável independente - media utilizado (videograma vs. audiograma)

Variável dependente - eficácia da aprendizagem

Variável moderadora - (modo como o aluno aprende melhor – visual ou


auditivo).

Variáveis de controlo - Ao realizar um estudo experimental não é possível


estudar todas as variáveis relativas à situação ou aos sujeitos de investigação;
algumas têm de ser neutralizadas (controladas) para garantir que não têm
efeito na relação entre a variável independente e a variável dependente.
São as chamadas variáveis de controlo, que podem ser definidas como os
factores que são controlados pelo experimentador para neutralizar qualquer
efeito que possam ter no fenómeno que está a ser observado. As variáveis
relativas aos indivíduos que aparecem frequentemente como de controlo
são, entre outras: o sexo, a idade, a situação sócio-económica e as
habilitações literárias; as relativas ao contexto variam muito de estudo para
estudo.

O experimentador na fase de planeamento do seu estudo terá que decidir quais


as variáveis que irá estudar e quais as que irá controlar.

É de notar que enquanto os efeitos das variáveis moderadoras são estudados,


os efeitos das variáveis de controlo são neutralizados.

Variável interveniente - Pode-se defini-la como o factor que teoricamente


tem efeito no fenómeno observado, mas o qual não pode ser visto, medido ou
manipulado; os seus efeitos só podem ser inferidos através dos efeitos das
variáveis independentes e moderadoras no fenómeno observado.

Tome-se o seguinte exemplo: um investigador pretende estudar a reacção de


crianças que são frequentemente reprimidas pelos pais e impedidas de fazer
determinadas actividades, relativamente a outras que o não são.

Variável independente: repressão exercida ou não sobre as crianças

Variável dependente: número de respostas agressivas relativamente a


situações criadas experimentalmente

Variável interveniente: frustração.

259
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8. Investigação causal-comparativa (ex post facto)

Um investigador ao realizar uma investigação causal-comparativa, tal como


na investigação experimental, tenta estabelecer relações causa-efeito
procedendo à comparação de grupos. A maior diferença entre as duas é que na
investigação experimental a variável independente (a "causa”) é manipulada e
na investigação causal-comparativa não o é, porque já ocorreu.
O investigador, depois de observar que determinados grupos diferem
relativamente a uma variável ou variáveis, procura investigar qual o factor ou
factores que provocaram essa ou essas diferenças, ou seja, estuda a variável ou
variáveis independentes em retrospectiva, procurando a sua relação e os seus
efeitos na variável ou variáveis dependentes. Designa-se esta investigação por
post-facto, porque a causa e o efeito já ocorreram e são estudados
retrospectivamente. Tome-se o seguinte exemplo: um investigador quer
identificar as causas que levam a que os alunos que frequentam o 1º ano da
universidade mostrem diferentes graus de dificuldade de adaptação ao ensino
superior. Deste modo, o investigador vai estudar os alunos do 1º ano de um
dado curso universitário e tentar averiguar as causas da adaptação ou
inadaptação à universidade e ao curso. Poderá dividi-los em dois grupos, um
constituído pelos alunos que se sentem bem adaptados e outro constituído por
aqueles que se sentem inadaptados. As causas podem ser, entre muitas outras:
o facto de não estarem a frequentar o curso que gostariam ou não possuirem a
preparação adequada para o frequentaram, sentirem a falta da família e dos
amigos por estarem longe de casa.
Vantagens deste tipo de estudos - Estes estudos são apropriados quando
não é possível fazer um estudo experimental e proceder à selecção aleatória de
sujeitos, controlar e manipular os factores necessários para estudar relações
causa-efeito, ou quando o controlo de todas as variáveis com excepção de
uma só pode tornar o estudo irrealista e artificial, pois evita a interacção normal
com outras variáveis que podem ter influência nos resultados. Este tipo de
estudos pode também levar à identificação de relações que serão posteriormente
estudadas em investigação experimental, facilitam tomadas de decisão e são
menos dispendiosos do que os estudos experimentais.
A investigação causal-comparativa é particularmente adequada a estudos de
carácter sociológico e educacionais, por exemplo a relação entre filiação
partidária ou crença religiosa e atitudes, ou relações entre sucesso escolar e
origem sócio-económica, etnia, sexo.
As variáveis independentes num estudo causal comparativo são variáveis que
não podem ser manipuladas (como a origem sócio-económica, o sexo, a
deficiência física ou mental), causas que não deverão ser manipuladas (como a
toxicodependência), ou que poderiam ser manipuladas mas não o são (como o
modelo de ensino-aprendizagem).

260
© Universidade Aberta
Desvantagens deste tipo de estudos - O primeiro problema reside na falta de
controlo porque o investigador não pode manipular a variável independente e
proceder à selecção aleatória dos sujeitos de investigação A interpretação dos
resultados deverá ser feita com extremo cuidado, porque o que pode parecer
como causa pode não o ser efectivamente. Por vezes, tal como na investigação
correlacional, é estabelecida uma relação, mas não uma relação causa-efeito.
O que é considerado como causa pode na realidade ser efeito, ou pode haver
uma terceira variável que seja a causa dos supostos causa e efeito. As relações
causa-efeito estabelecidas mediante estes estudos são ténues, não são
estabelecidas como nos estudos experimentais.

Planificação e procedimentos - Em estudos causal-comparativos a definição


e selecção de grupos é muito importante, os grupos deverão ser claramente
definidos operacionalmente. Neste tipo de investigação os grupos já existem,
e já receberam o “tratamento” (variável independente) e, como se referiu, há a
possibilidade de eles diferirem noutra variável importante que não seja apenas
a variável independente, e que essa seja a verdadeira causa da diferença entre
os grupos. Existem métodos estatísticos e não estatísticos para obviar a este
problema: um já referido anteriormente é o emparelhamento, comparar grupos
que são homógeneos em relação a essa variável, ou utilizar a análise de
covariância.

Para a análise dos dados são utilizadas estatísticas descritivas, como a média e
o desvio padrão; entre as estatísticas inferencias, o teste t, a análise de variância
e o qui-quadrado.

Na interpretação dos resultados deverá haver muito cuidado na identificação


da verdadeira causa, daquela que ocorreu em primeiro lugar.

Actividade 9.1

Estudou a investigação histórica, a investigação descritiva, o estudo


de caso, o estudo etnográfico, a investigação correlacional, a
investigação experimental e a investigação causal-comparativa. Faça
um resumo onde deverá indicar:

– as finalidades de cada um (uma);

– os procedimentos utilizados;

– as vantagens e limitações.

261
© Universidade Aberta
Síntese

Primeiramente apresentou-se a classificação de L.R. Gay aplicada à investigação


em Ciências da Educação.

Seguidamente, apresentaram-se as características, as finalidades, os


procedimentos utilizados, as vantagens e desvantagens de diferentes
investigações: histórica, descritiva, estudo de caso, estudo etnográfico,
correlacional, experimental e causal-comparativa.

Teste Formativo

Brevemente irá elaborar o seu projecto de investigação. Considerando os


conhecimentos adquiridos durante a parte curricular do Mestrado, os seus
interesses, a natureza do trabalho de investigação que se propõe realizar, os
recursos e o tempo de que dispõe, indique o método e os procedimentos que
melhor se adaptam a esse estudo e justifique a resposta.

262
© Universidade Aberta
Leituras complementares

ALMEIDA, João F. e PINTO, José M.


1995 A Investigação nas Ciências Sociais, Lisboa, Editorial Presença,
pp. 141-149.

BRYMAN, Alan e CRAMER, Duncan


1993 Análise de Dados em Ciências Sociais, 2ª ed., Oeiras, Celta Edi-
tora.

CLEGG, Frances
1995 Estatística para todos: um manual para Ciências Sociais, Lis-
boa, Gradiva.

COHEN, Louis e MANION, Duncan


1989 Research Methods in Education, 2ª ed., Londres, Routledge. (há
uma tradução em castelhano).

FERREIRA, Virgínia
1986 O Inquérito por questionário na construção de dados sociológi-
cos, in Silva, Augusto Santos e Pinto, José Madureira (orgs.),
“Metodologia das Ciências Sociais”, 5ª ed., Porto, Edições
Afrontamento, pp. 165-196.

FODDY, William
1996 Como Perguntar. Teoria e Prática da construção de perguntas
em entrevistas e questionários, Oeiras, Celta Editora.

GAY, L. R.
1981 Educational Research: Competencies for Analysis & Application,
2ª ed., Columbus, Ohio, Charles E. Merrill Publishing Company,
pp. 142-271.

GHIGLIONE, Rodolphe e MATALON, Benjamin


1992-93 O Inquérito. Teoria e Prática, 2ª ed., Oeiras, Celta Editora.

JESUÍNO, Jorge C.
1986 O Método Experimental em Ciências Sociais in Silva, Augusto S.
e Pinto, José M. (orgs.) “Metodologia das Ciências Sociais”, 5ª
ed., Porto, Edições Afrontamento, pp. 215-249.

263
© Universidade Aberta
LIMA, Marinús Pires de
1987 Inquérito Sociológico. Problemas de Metodologia, 3ª ed., Lis-
boa, Editorial Presença.

LEVIN, Jack
1987 Estatística Aplicada às Ciências Humanas, 2ª ed., São Paulo,
Editora Harbra.

MERRIAM, Sharan B.
1988 Case Study Research in Education, São Francisco, Jossey-Bass
Publishers.

YIN, Robert K.
1988 Case Study Research. Design and Methods, Newbury Park, Sage
Publications.

264
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10. A Análise de Conteúdo

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Página intencionalmente em branco

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Sumário:

Objectivos da unidade

1. Definição de Análise de Conteúdo

2. Tipos de Análise de Conteúdo


Actividade 10.1

3. A prática da Análise de Conteúdo


3.1. Definição dos objectivos e do quadro de referência teórico
3.2. Constituição de um corpus
Actividade 10.2
3.3. Definição das categorias
3.4. Definição das unidades de análise
Actividade 10.3
3.5. Quantificação
3.6. Interpretação dos resultados

4. Fidelidade e validade

Síntese
Teste Formativo
Leituras Complementares

267
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Objectivos da unidade

No final do processo de aprendizagem desta unidade o estudante deverá


estar apto a:

• Definir Análise de Conteúdo;

• Distinguir as várias etapas da Análise de Conteúdo;

• Indicar como se procede à constituição de um corpus;

• Indicar como se procede à definição das categorias;

• Distinguir as unidades de análise;

• Indicar procedimentos destinados a garantir a fidelidade da Análise


de Conteúdo;

• Indicar procedimentos destinados a garantir a validade da Análise de


Conteúdo;

• Aplicar os conhecimentos adquiridos a casos concretos de Análise


de Conteúdo.

268
© Universidade Aberta
Em capítulos anteriores foi referida a necessidade de proceder à Análise de
Conteúdo de documentos, registos de observações, transcrições de entrevistas
e respostas a perguntas abertas incluídas em questionários.

1. Definição de Análise de Conteúdo

Berelson, (1952,1968), por exemplo, definiu Análise de Conteúdo como “uma


técnica de investigação que permite fazer uma descrição objectiva, sistemática
e quantitativa do conteúdo manifesto das comunicações, tendo por objectivo
a sua interpretação”. Pormenorizando:

Objectiva - porque a análise deve ser efectuada de acordo com determinadas


regras, obedecer a instruções suficientemente claras e precisas para que
investigadores diferentes, trabalhando sobre o mesmo conteúdo, possam obter
os mesmos resultados. Isto pressupõe que eles cheguem a acordo sobre os
aspectos a analisar, as categorias a estabelecer e a utilizar e a definição
operacional de cada uma dessas categorias.

Sistemática - porque a totalidade do conteúdo deve ser ordenado e integrado


em categorias previamente escolhidas em função dos objectivos que o
investigador quer atingir.

Quantitativa - uma vez que na maior parte das vezes é calculada a frequência
dos elementos considerados significativos.

Posteriormente foram propostas outras definições. Por exemplo, Cartwright


(1953), para além do “conteúdo manifesto da comunicação”, estende a
Análise de Conteúdo a “todo o comportamento simbólico” e Stone (1966)
define-a como: “ uma técnica que permite fazer inferências, identificando
objectiva e sistematicamente as características específicas da mensagem”.
A Análise de Conteúdo orienta-se para a formalização das relações entre
temas, permitindo traduzir a estrutura dos textos.

Noutras definições, ainda, a referência à quantificação desaparece.

Como Grawitz (1993) põe em evidência, a inferência corresponde ao alar-


gamento da técnica, a qual permite daí em diante pôr em relação aspectos
literais e aspectos sociológicos. Desaparecem as exigências de manifesto no
que diz respeito ao conteúdo e de descrição quantitativa, e aparecem as noções
de forma e de estrutura.

Como salienta Bardin (1977), a Análise de Conteúdo não deve ser utilizada
apenas para se proceder a uma descrição do conteúdo das mensagens, pois a
sua principal finalidade é a inferência de conhecimentos relativos às condições

269
© Universidade Aberta
de produção (ou eventualmente de recepção), com a ajuda de indicadores
(quantitativos ou não).

Se a descrição (a enumeração resumida após tratamento das características


do texto) constitui a primeira etapa de realização numa Análise de Conteúdo
e se a interpretação (o significado atribuído a essas mesmas características)
é a última etapa, a inferência é o procedimento intermédio que permite a
passagem, explícita e controlada, de uma à outra.

Podem fazer-se inferências sobre a origem da mensagem (o emissor e a


situação em que se encontra) e, nalguns casos, sobre o próprio destinatário
da comunicação (a última inferência levanta no entanto problemas de rigor).

De acordo com o mesmo autor, esta técnica de pesquisa pode considerar-se


como a articulação entre:

- o texto, descrito e analisado (pelo menos em relação a certos dos


seus elementos característicos), e

- os factores que determinaram essas características, deduzidos


logicamente,

constituindo estes a especificidade da Análise de Conteúdo.

2. Tipos de Análise de Conteúdo

Utilizando, mais uma vez, o que Madeleine Grawitz (1993) escreveu sobre o
assunto, apresenta-se seguidamente a distinção dos vários tipos de Análise
de Conteúdo:

Análise de exploração e análise de verificação

Corresponde à distinção entre a análise de documentos que tem como


finalidade a verificação de uma hipótese, cujo objectivo é bem definido
e conduz à quantificação dos resultados; e aquela cuja finalidade é funda-
mentalmente explorar. Uma análise quantitativa que não tem como base
hipóteses previamente definidas não conduz geralmente a resultados apre-
ciáveis. No entanto, uma análise fortemente sistematizada, dirigida, apresenta
inconvenientes pois podem ser deixados fora do campo de estudo elementos
essenciais que não foram previstos antecipadamente.

270
© Universidade Aberta
Análise quantitativa e análise qualitativa

A principal distinção entre as duas é que na análise quantitativa, o que é mais


importante é o que aparece com frequência, sendo o número de vezes o
critério utilizado, enquanto que numa análise qualitativa, a noção de
importância implica a novidade, o interesse, o valor de um tema.

1
Bardin (1977) considera as
Análise directa e análise indirecta seguintes fases na análise de
conteúdo:
A análise quantitativa emprega na maior parte das vezes a medida de uma 1) pré-análise;
2) exploração do material;
forma directa. Este é o modo mais simples de proceder. Tome-se, como 3) tratamento dos resul-
exemplo, a comparação entre dois programas eleitorais no que diz respeito à tados, inferência e
interpretação.
política ambiental: a análise de conteúdo por medida directa pode incluir O autor diz que na fase de pré-
unicamente a comparação entre o número de vezes que certos temas, palavras análise o investigador deverá
proceder à escolha dos docu-
ou símbolos-chave referentes a essa política aparecem nesses programas. mentos que vão ser sujeitos à
análise, à formulação das
A análise indirecta que procura uma interpretação do que se encontra latente hipóteses e dos objectivos da
investigação e à elaboração de
sob a linguagem expressa é geralmente considerada como característica de indicadores nos quais se
uma análise de tipo qualitativo; mas, por vezes a partir de uma análise deverá apoiar a interpretação
final, estando estas activi-
quantitativa indirecta, para além do que é manifesto num discurso, por dades interligadas, pois a
inferência, pode chegar-se a conclusões sobre o que propositadamente não escolha dos documentos
depende dos objectivos ou,
foi dito ou escrito. inversamente, a formulação
das hipóteses e dos objectivos
só será possível em função
dos documentos disponíveis;
os indicadores serão cons-
truídos em função das hipóte-
Actividade 10.1 ses e a formulação das hipó-
teses será fundamentada na
Escolha um artigo que relate uma pesquisa onde tenha sido utilizada presença de certos índices.
As hipóteses poderão, no
a técnica de Análise de Conteúdo e tente identificar o tipo de análise. entanto, ser ou não estabele-
Justifique a resposta. cidas na fase preparatória,
(não sendo obrigatório que o
sejam). Os índices podem ser
escolhidos em função das
hipóteses no caso de estas
serem formuladas. Os índices
deverão ser organizados em
indicadores precisos e fiáveis.
Por exemplo, o índice poderá
ser a menção explícita de um
tema num texto, o indicador
correspondente; caso se trate
3. A prática da Análise de Conteúdo de uma análise temática
quantitativa, será a frequência
desse tema. Nesta fase deve-
A Análise de Conteúdo compreende no seu percurso um certo número de rão também ser determinadas
etapas: 1 as operações a realizar de
divisão do texto em unidades
comparáveis, de categoriza-
- Definição dos objectivos e do quadro de referência teórico; ção para a análise temática, e
de codificação para o registo
- Constituição de um corpus; dos dados.

271
© Universidade Aberta
- Definição de categorias;

- Definição de unidades de análise;

- Quantificação (não obrigatória);

- Interpretação dos resultados obtidos.

3.1. Definição dos objectivos e do quadro de referência teórico

Como qualquer outra técnica de investigação a Análise de Conteúdo implica


que sejam definidos objectivos e um quadro de referência teórico. Dado a
definição de objectivos e o papel da teoria no desenvolvimento da investigação
já terem sido abordados em capítulos anteriores não serão aqui novamente
desenvolvidos esses aspectos.

3.2. Constituição de um corpus

O investigador deverá proceder à escolha dos documentos que vão ser sujeitos
à análise. A escolha pode ser feita de duas maneiras: determinada a priori
(por exemplo, por análise sistemática de todos os números de uma revista
que só foi editada durante quatro anos) ou os documentos podem ser
escolhidos de acordo com os objectivos da investigação em curso (por
exemplo, o investigador pretende analisar a evolução da importância dada
nos programas do Ensino Básico a questões ambientais, nos últimos 10 anos;
para isso pode escolher e analisar os programas de Biologia e de Geografia
deste nível de ensino). Constitui-se assim o corpus ou seja o conjunto dos
documentos escolhidos para se proceder posteriormente à Análise de
Conteúdo.

Essa escolha deverá ser feita tendo em atenção certas regras, tais como: a
exaustividade (o que implica considerar todos os elementos do conjunto,
no exemplo dado todos os programas das duas disciplinas dos últimos 10
anos); a representatividade (o que implica proceder à análise de uma parte
dos documentos, devendo a parte seleccionada ser representativa do conjunto
dos documentos); a homogeneidade (os documentos escolhidos devem
obedecer a critérios de escolha rigorosos e não apresentar demasiada
singularidade relativamente a esses critérios de escolha); a pertinência (ou
seja, os documentos escolhidos devem ser adequados como fonte de
informação para corresponder ao objecto da análise que sobre eles irá recair).
(Bardin, 1977).

272
© Universidade Aberta
Actividade 10.2

Relativamente ao mesmo exemplo de Análise de Conteúdo que


escolheu anteriormente resuma como o(a) autor(a) procedeu à
constituição do corpus.

3.3. Definição das categorias

As categorias são “rubricas significativas, em função das quais o conteúdo


será classificado e eventualmente quantificado” (Grawitz, 1993). A definição
das categorias pode ser feita a priori ou a posteriori.

No primeiro caso foram formuladas hipóteses e o investigador pretende


verificá-las, tendo para tal definido antecipadamente as categorias de análise.
A Análise de Conteúdo permitir-lhe-á detectar se as categorias estabelecidas
estão ou não presentes nos documentos que constituem o corpus . Por
exemplo, pode ser este o caso de um inquérito por entrevista em que na fase
de pré-testagem se puderam definir as categorias.

No segundo caso as categorias não foram definidas antecipadamente. Este


tipo de análise é designado por “procedimento exploratório”.

A escolha das categorias é fundamental na Análise de Conteúdo. As categorias


devem ter as seguintes características:

Exaustivas – o que significa que todo o conteúdo que se tomou a decisão de


classificar deve ser integralmente incluído nas categorias consideradas, sendo
no entanto possível, de acordo com os objectivos, não considerar alguns
aspectos do conteúdo, caso em que se torna necessário justificar porque razão
esses aspectos não foram considerados. (Por exemplo, entrevistados relatam
por vezes factos ou emitem opiniões sobre aspectos que estão fora dos
objectivos da investigação);

Exclusivas – os mesmos elementos devem pertencer a uma e não a várias


categorias;

Objectivas – as características de cada categoria devem ser explicitadas sem


ambiguidade e de forma suficientemente clara de modo a que diferentes
codificadores classifiquem os diversos elementos, que seleccionaram dos
conteúdos em análise, nas mesmas categorias;

273
© Universidade Aberta
Pertinentes - devem manter estreita relação com os objectivos e com o
conteúdo que está a ser classificado. Note-se que quando se definem categorias
a priori pode-se pôr em risco a pertinência da sua inclusão.

De facto as categorias devem provir de duas fontes: do próprio documento


em análise (por exemplo, das respostas no caso de se tratar de uma entrevista,
ou das finalidades, intenções, significados do emissor no caso de se tratar de
um texto) e de um certo conhecimento geral do domínio a que diz respeito.
Dever-se-á também ter sempre em conta, em alguns casos, elementos cuja
ausência poderá também ser significativa.

A categorização apresenta problemas que o investigador tem por vezes


dificuldades em ultrapassar. Como foi referido, categorias definidas a priori
podem levar a que não se tenha em consideração aspectos importantes do
conteúdo; a definição de categorias a posteriori deve ser feita com muitos
cuidados, após leituras sucesssivas do texto e tendo em atenção os objectivos
da investigação; as categorias não devem igualmente ser numerosas, nem
demasidamente pormenorizadas ou, pelo contrário, serem em número
insuficiente e demasiadamente englobantes e, por conseguinte, de fronteiras
imprecisas.

Um problema levantado por muitos autores incide sobre a possibilidade de


definir um conjunto de aspectos da realidade comuns a muitas análises, de
forma a facilitar e a normalizar a Análise de Conteúdo, apesar das diferenças
de objectivos que encerram e dos textos que lhe venham a ser submetidos.

Reconhecendo a importância que revestem, enumeram-se alguns desses


aspectos que podem constituir objectos da análise (Grawitz, 1993):

Matéria – importa saber de que trata a comunicação (assuntos que nela são
abordados);

A direcção da comunicação – que pode ser por exemplo, favorável, neutra,


desfavorável, entre outras;

Os valores – procuram explicar a orientação da comunicação pelo reconhe-


cimento dela ser favorável, neutra ou desfavorável, revelando as finalidades
que os indivíduos nela implicados procuram alcançar;

Os meios – dizem respeito aos instrumentos de comunicação utilizados para


os receptores aderirem aos valores do emissor (por exemplo, em discursos, a
ameaça, a persuasão, a negociação, etc.).

Os actores – trata-se de definir as características individuais dos actores


intervenientes, como por exemplo: a idade, o sexo, a profissão, o nível de
instrução, o nível sócio-económico, a nacionalidade, a naturalidade, a religião.

274
© Universidade Aberta
A origem - diz respeito à origem dos textos utilizados, tais como: artigos de
revistas ou de jornais regionais, nacionais ou internacionais, etc.2 2
Ghiglione e Matalon (1985),
referindo-se ao que os autores
designam por procedimentos
fechados ou seja técnicas de
análise de conteúdo baseadas
em categorias previamente
3.4. Definição das unidades de análise fixadas, análise associada a
um quadro categorial empí-
rico ou teórico, consideram
Após a definição de categorias torna-se necessário proceder à definição de cinco tipos de modalidades
categoriais: psicológica,
três tipos de unidades: psicolinguística, psico-
sociológica, linguística e
a) Unidade de registo é o segmento mínimo de conteúdo que se documental e, relativamente
a procedimentos que desi-
considera necessário para poder proceder à análise, colocando-o numa gnam por abertos (explo-
dada categoria. A escolha da unidade de registo depende pois dos ratórios), consideram a conta-
gem frequencial, a análise
objectivos estabelecidos e do quadro teórico orientador da investi- temática, as concomitâncias
gação. temáticas, a análise por
cachos e a análise por cam-
pos semânticos. (vide op. cit.,
A unidade de registo pode ser de natureza e de dimensões muito pp. 213-244).
diversas, sendo a distinção mais habitual entre unidades formais,
que podem ou não coincidir com unidades linguísticas, e unidades
semânticas.

Podem considerar-se unidades formais a palavra, a frase, uma


personagem, um qualquer item (designação esta empregue para
unidades muito diferentes tais como um livro, um filme ou um
discurso, que são utilizados como “unidade” quando as variações
dentro do item considerado são menos relevantes do que as variações
entre itens diversos).

A unidade semântica considerada mais comum é o tema (a título


de exemplo: a democracia, o sucesso escolar, a imigração). O tema é
também uma das unidades de registo mais utilizadas, no entanto,
verifica-se frequentemente discordância entre codificadores sobre
onde começa e acaba um dado tema (por exemplo, ao efectuar a
análise de um discurso), o que põe problemas quanto à fidelidade do
estudo.

b) Unidade de contexto constitui o segmento mais longo de conteúdo


que o investigador considera quando caracteriza uma unidade de
registo, sendo a unidade de registo o mais curto. Por exemplo, se a
palavra for considerada a unidade de registo, a unidade de contexto
poderá ser a frase. É assim importante considerar a unidade de
contexto para assegurar a fidelidade e a validade da análise.

Unidades de registo e de contexto muito longas levantam dificuldades


à sua validade interna.

275
© Universidade Aberta
c) Unidade de enumeração é a unidade em função da qual se procede
à quantificação. Por exemplo, num dado discurso se se pretende
distinguir a importância que foi prestada a vários temas, a unidade
de registo será traduzida pelo número de vezes que aparece em cada
um dos temas e a unidade de enumeração o número de linhas
dedicadas a cada um deles.

As unidades de enumeração dizem respeito ao tempo e ao espaço:


parágrafo, linha, centímetro, minutos de registo. A escolha das
unidades de enumeração deve ser cuidadosamente feita e devem ser
indicados os critérios que a orientaram. Normalmemte considera-se
que uma maior frequência de uma categoria corresponde ao maior
3
interesse que o autor de um discurso lhe atribuiu. A realidade pode
Vala (1986) diz que em
termos esquemáticos uma no entanto ser outra, porque ele pode intencionalmente omitir de
análise de conteúdo quan- forma estratégica objectos a que dá real importância.
titativa pode tomar três
direcções:
a) Análise de ocorrências -
visa determinar o in-
teresse da fonte por di-
ferentes objectos ou Actividade 10.3
conteúdos. A hipótese é a
de que quanto maior for
o interesse do emissor Relativamente ao mesmo exemplo de Análise de Conteúdo que
por um dado objecto escolheu anteriormente resuma como o(a) autor(a) procedeu à
maior será a frequência
de ocorrência no discurso definição das categorias e das unidades de análise.
dos indicadores relativos
a esse objecto.
b) Análise avaliativa - é o
estudo das atitudes da
fonte relativamente a
determinados objectos,
recorrendo à escala de
atitudes de Thurstone ou
à Análise das Proposições
Avaliativas (Evaluative
Assertion Analysis) ela- 3.5. Quantificação
borada por Osgood
(1959) (Bardin, 1977,
descreve esta técnica). Está fora do âmbito deste Manual indicar toda a variedade das técnicas de
c) Análise estrutural - visa
fazer inferências sobre a
quantificação na Análise de Conteúdo, técnicas que evoluiram muito e se
organização do sistema diversificaram devido não só ao desenvolvimento da análise estatística
de pensamento da fonte
implicado no discurso
aplicada ao campo das Ciências Sociais como à utilização do próprio
que se pretende estudar. computador3,4.
Foi Osgood (1959) que a
iniciou, tendo-a desi-
gnado por Análise Asso-
ciativa.

3.6. Interpretação dos resultados


4
O computador permite tratar
o texto (análise linguística) e
os resultados (análise numé-
A interpretação de resultados obtidos, feita à luz dos objectivos e do suporte
rica). teórico, é fundamental. Além da descrição, a Análise de Conteúdo deverá

276
© Universidade Aberta
não só possibilitar a compreensão do fenómeno que constitui objecto de
estudo, como fazer o investigador chegar à sua explicação e podendo
mesmo nalguns casos, fazê-lo chegar a formas de previsão. No entanto,
para assegurar a validade de qualquer previsão que venha a ser feita,
torna-se necessário fazer o cruzamento com os resultados obtidos por
outras técnicas.

4. Fidelidade e validade

A fidelidade diz respeito ao problema de garantir que diferentes codificadores


cheguem a resultados idênticos (fidelidade inter-codificadores), e que um
mesmo codificador ao longo do trabalho aplique de forma igual os critérios
de codificação (fidelidade intra-codificador). Para que tal aconteça é
necessário que o investigador explique pormenorizadamente os critérios de
codificação por ele utilizados e que estes sejam aplicados com o maior
rigor.

A validade diz respeito àquilo que o investigador pretendia medir. Uma


Análise de Conteúdo será válida, quando a descrição que se fornece sobre o
conteúdo tem significado para o problema em causa e reproduz fielmente a
realidade dos factos. Para isso, é necessário que todas as etapas que integram
o processo de análise sejam correctamente executadas.

Síntese

Primeiramente, foram apresentadas definições de Análise de Conteúdo e,


posteriormente, indicadas as características dos diferentes tipos que pode
revestir.

As várias etapas da Análise de Conteúdo foram seguidamente caracterizadas:


definição dos objectivos e do quadro de referência teórico; constituição de
um corpus; definição de categorias; definição de unidades de análise;
quantificação e interpretação dos resultados obtidos.

Finalmente, foram discutidos os problemas da fidelidade e da validade da


Análise de Conteúdo.

277
© Universidade Aberta
Teste formativo

Após leitura aprofundada do presente capítulo, escolha na biblioteca da


Universidade que lhe estiver mais próxima uma Dissertação em que o autor
tenha feito Análise de Conteúdo de documentos, transcrição de entrevistas,
etc., e faça um resumo dos procedimentos por ele utilizados nas várias etapas
do processo de análise e de como assegurou a fidelidade e a validade do
estudo.

Leituras Complementares

BARDIN, Laurence
1977 L’analyse de contenu, Paris, P.U.F. (há uma tradução em português
referida na bibliografia).

GHIGLIONE, Rodolphe e MATALON, Benjamin


1993 O Inquérito. Teoria e Prática, Oeiras, Celta Editora, pp. 197-251.

GRAWITZ, Madeleine
1993 Méthodes des Sciences Sociales, Paris, 9ª ed., Éditions Dalloz,
pp. 532-565.

VALA, Jorge
1986 A Análise de Conteúdo in Silva, Augusto S. e Pinto, José M. (orgs.)
“Metodologia das Ciências Sociais”, 5ª ed., Porto, Edições Afron-
tamento, pp. 101-128.

278
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11. Considerações finais

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Página intencionalmente em branco

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Sumário:

Objectivos da unidade

1. Princípios Éticos

2. O projecto e o relatório de Investigação

2.1. O Projecto de Investigação


2.2. O Relatório de Investigação
2.2.1. Organização do Relatório de Investigação
2.2.2. Análise Crítica de um Relatório de Investigação
Actividade 11.1

Leituras Complementares

281
© Universidade Aberta
Objectivos da unidade

No final do processo de aprendizagem desta unidade o estudante deverá estar


apto a:

• Enunciar os apectos a incluir num projecto de investigação;

• Indicar os aspectos a incluir num relatório de investigação;

• Enunciar os aspectos a considerar numa análise crítica de um relatório


de investigação;

• Aplicar os conhecimentos metodológicos adquiridos à crítica de um


relatório de investigação.

282
© Universidade Aberta
1. Princípios Éticos

A realização de uma qualquer investigação implica por parte do investigador a


observância de princípios éticos, geralmente aceites pela comunidade de
investigadores em Ciências Sociais, que o obrigam a:

1 - Respeitar e garantir os direitos daqueles que participam voluntaria-


mente no trabalho de investigação.

2 - Informar os participantes sobre todos os aspectos da investigação que


podem ter influência na sua decisão de nela colaborar ou não e explicar-
lhes todos os aspectos da investigação sobre os quais possam vir a ser
postas questões.

3 - Manter total honestidade nas relações estabelecidas com os partici-


pantes. Põe-se muitas vezes a questão de dar a conhecer os principais
ou mesmo a totalidade dos objectivos da investigação em curso embora
tentando evitar que esse conhecimento vá afectar os próprios resultados
do estudo. Nesse caso dever-lhes-ão ser explicadas as razões porque
não se torna conveniente indicar-lhes os verdadeiros ou a totalidade
dos objectivos subjacentes à investigação, o que os poderá então levar
a optar por colaborar ou não.

4 - Aceitar a decisão dos indivíduos de não colaborar na investigação ou


de desistir no seu decurso.

5 - Antes de iniciar a investigação estabelecer um acordo com os


participantes de forma a que fiquem explícitas conjuntamente as
responsabilidades do investigador e a deles próprios.

6 - Proteger os participantes de quaisquer danos ou prejuízos físicos, morais


e profissionais no decurso da investigação ou causada pelos resultados
que venham a ser obtidos.

7 - Informar os participantes dos resultados da investigação e do mesmo


modo, esclarecer quaisquer dúvidas que estes possam vir a levantar
aos participantes.

8 - Garantir a confidencialidade da informação obtida, salvo se os parti-


cipantes não se opuserem a tal e solicitarem eles próprios a sua
divulgação.

9 - Solicitar autorização das instituições a que pertencem os participantes


para estes colaborarem no estudo.

A estes princípios orientadores a que devem obedecer as relações do


investigador com os participantes, juntam-se outros que o devem levar a ter a

283
© Universidade Aberta
obrigação de fazer uma rigorosa explicitação das fontes utilizadas quer estas
sejam documentais ou não; de ser autêntico quando redige o relatório da
investigação, nomeadamente no que diz respeito aos resultados que apresenta
e às conclusões a que chega, mesmo que por razões ideológicas ou de outra
natureza os mesmos não lhe agradem.

Fidelidade aos dados recolhidos e aos resultados a que chega, não enviesa-
mento das conclusões constituem regras fundamentais de toda a investigação
científica.

2. O Projecto e o Relatório de Investigação

1
2.1. O Projecto de Investigação 1
Aconselha-se a leitura da
unidade 2.
A elaboração do projecto de investigação exige não só que o investigador já
tenha anteriormente realizado pesquisa bibliogáfica sobre o tema em estudo e
para o desenvolvimento do qual deverá possuir formação adequada, como
também um conhecimento aprofundado sobre os métodos e as técnicas que
vai utilizar.

Um projecto de investigação deverá constituir um plano detalhado do trabalho


que o investigador pretende realizar.

A elaboração do projecto deve conter 4 secções:

Título (ainda que provisório)

1. Objecto da Investigação

1.1. Problema de investigação;

1.2. Justificação do estudo;

1.3. Limitações do estudo;

1.4 Questões ou hipóteses de investigação (incluindo as variáveis que


vão ser investigadas);

1.5. Definição de termos (palavras-chave do estudo).

2. Revisão da literatura

Indicação do enquadramento teórico e sumário de trabalhos de investigação


já realizados que estejam relacionados com o tema em estudo e sua importância
e implicações para o trabalho de investigação que o mestrando se propõe
efectuar.
284
© Universidade Aberta
3. Procedimentos

3.1. Explicitação do plano de investigação (com indicação e descrição


do plano experimental, se para ele houver lugar);

3. 2. Indicação da população em estudo e do processo de amostragem e


justificação da sua escolha;

3.3. Técnicas e instrumentos de pesquisa a serem utilizados para recolha


de dados;

3.4. Actividades a desenvolver (descrição em pormenor do que se vai


fazer, quando, onde e como);

3.5. Validade (como vai ser assegurada a validade interna do estudo);

3.6. Análise dos dados (com explicitação dos procedimentos de


organização e tratamento);

3.7. Calendarização.

4. Referências bibliográficas (as obras devem ser pesquisadas em função do


tema de estudo e da metodologia da investigação a ser utilizada).

2.2. O Relatório de Investigação

A elaboração do relatório de investigação reveste-se da maior importância


dado ser a sua leitura que vai permitir avaliar a pertinência, o rigor e o valor
científico do trabalho de investigação realizado.

Em 2.2.1. indicam-se os aspectos fundamentais que um relatório de inves-


tigação deverá conter. No entanto, não se pretende que todos os Mestrandos
apresentem a mesma organização do relatório da pesquisa por eles efectuada,
dado aquela estar dependente do trabalho efectivamente realizado e reflectir as
características do seu autor. Rigor e criatividade são as condições essenciais
para a realização de um trabalho de investigação, que o relatório de investigação
deverá traduzir através de uma descrição pormenorizada, precisa e imaginativa.

Em 2.2.2. apresentam-se os principais pontos que se deverá ter em conta ao


efectuar a revisão crítica de um Relatório de Investigação. A leitura crítica de
relatórios de pesquisas já realizadas no âmbito de Mestrados em Ciências
Sociais deverá ajudar o Mestrando a elaborar e redigir o seu próprio trabalho
de investigação.

285
© Universidade Aberta
2
Aconselha-se a leitura da 2.2.1. Organização do Relatório de Investigação 2
unidade 6.

Resumo (em Português, Francês e Inglês - uma página A4)


I. Secção Introdutória
1.1. Título
1.2. Índice
1.3. Lista das Figuras
1.4. Lista dos Quadros

II. Parte Principal


1. Objecto da Investigação
1.1. Problema de investigação
1.2. Justificação do estudo
1.3. Limitações do estudo
1.4. Questões ou hipóteses de investigação
1.5. Definição de termos
3
Estado da arte – resumo 2. Revisão da literatura (enquadramento teórico e estado da arte3 relativo
actualizado da investigação
feita sobre o tema.
ao tema de investigação)

3. Procedimentos
3.1. Descrição do plano de investigação
3.2. Explicitação da população em estudo e do processo de amostragem
3.3. Descrição das técnicas e dos instrumentos utilizados para recolha de
dados
3.4. Explicação das actividades desenvolvidas
3.5. Discussão da validade interna
3.6. Discussão e justificação da análise dos dados efectuada

4. Resultados
4.1. Descrição dos resultados relativos a cada uma das questões ou
hipóteses.
4
Alguns autores aconselham 5. Conclusões 4
a incluir antes da discussão
das implicações dos resul- 5.1. Discussão à luz da teoria, das implicações dos resultados e seu
tados um breve sumário das significado
questões de investigação,
dos procedimentos adop- 5.2. Sugestões para futuros trabalhos de investigação
tados e dos resultados obti-
dos.
III. Referências bibliográficas

IV. Anexos (por exemplo, guiões e transcrições de entrevistas; formulários de


questionários e cartas de envio dos mesmos; documentos vários).
286
© Universidade Aberta
2.2.2. Revisão crítica de um Relatório de Investigação

1 - O problema está convenientemente definido?

2 - A justificação do estudo é convincente? É lógica? É suficiente? É


indicado como é que os resultados do estudo terão implicações tanto
ao nível teórico, como prático ?

3 - As questões ou hipóteses de investigação estão claramente


formuladas? São apropriadas? É possível responder-lhes? Podem ser
testadas ?

4 - Os conceitos utilizados e termos empregues são claros e não oferecem


qualquer ambiguidade na interpretação?

5 - A investigação realizada anteriormente acerca do mesmo assunto é


convenientemente referida? Existe articulação entre ela e o texto da
presente investigação?

6 - O plano de investigação está bem apresentado e descrito? Parece


adequado à investigação que foi realizada?

7 - Se o tipo de estudo exigiu ou foi aconselhável a constituição de uma


amostra, que tipo de amostra foi utilizada? É uma amostra aleatória?
Se o não for, está claramente definido o processo de selecção utilizado?
O autor recomenda implícita ou explicitamente a generalização dos
resultados a uma dada população? No caso afirmativo, a população
está bem determinada? São discutidas as eventuais limitações do estudo,
nomeadamente no que respeita à generalização dos resultados?

8 - As técnicas e os instrumentos de pesquisa utilizados estão devidamente


caracterizados? São indicadas a sua validade e fiabilidade? Em que
medida é que inferências baseadas nos intrumentos merecem credi-
bilidade científca?

9 - O autor faz uma descrição pormenorizada das actividades realizadas?

10 - Quais as ameaças evidentes à validade interna do estudo? Foram


devidamente controladas? Ou, pelo menos, discutidas?

11 - Os dados estão sintetizados e foram apresentados com clareza? As


estatísticas (descritivas e inferenciais) foram bem utilizadas? A sua
interpretação é correcta? São discutidas as respectivas limitações?

12 - Os resultados e a discussão dos mesmos estão claramente


apresentados?

287
© Universidade Aberta
13 - As conclusões são satisfatórias? O autor integra o estudo num contexto
mais vasto? Reconhece as suas limitações? Apresenta explicações e
interpretações para os resultados consistentes com os conhecimentos
existentes?

14 - O autor apresenta sugestões pertinentes para futuras investigações?

15 - A linguagem é clara e rigorosa?

16 - A apresentação gráfica é adequada?

17 - A bibliografia relevante para o tema é citada? As referências


bibliográficas aparecem convenientemente apresentadas, respeitando
o adequado ordenamento sequencial?

18 - Nos anexos estão incluídos todos os documentos necessários para que


se possa fazer um juízo crítico dos procedimentos adoptados e dos
resultados a que o autor chegou?

Actividade 11.1

Procure encontrar uma dissertação de Mestrado sobre um tema que


lhe interesse e tente fazer a sua crítica atendendo aos aspectos ante-
riormente indicados. Se não conhece em profundidade o tema da
dissertação ser-lhe-á difícil realizar uma crítica aos pontos 5 e 18,
mas isso não o impedirá de fazer uma avaliação metodológica ao
seu conteúdo tendo em atenção os restantes aspectos. Este trabalho
deverá ajudá-lo a elaborar o seu próprio trabalho de investigação.

288
© Universidade Aberta
Leituras Complementares

ECO, Umberto
1991 Como se faz uma tese, 5ª ed., Lisboa, Presença.

FRAENKEL, J. R. e WALLEN, N. E.
1990 How to design and evaluate Research in Education, London,
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RUDESTAM, Kjell E. e NEWTON, Rae R.


1992 Surviving Your Dissertation – A Comprehensive Guide to Content
and Process, Newbury Park, Sage Publications.

289
© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
12. Bibliografia

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Página intencionalmente em branco

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1994 Metodologia Científica. Contributos Práticos para a Elabora-
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1973 Introduction à la Recherche Sociale, Gembloux, J.Duculot.

BARDIN, Laurence
1977 L’analyse de Contenu, Paris, P.U.F.

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1971 Anthropologie Appliquée, Paris, Payot.

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1970 PERT/CPM. Técnica de Avaliação, Revisão e Contrôle de projetos,
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1994 Investigação Qualitativa em Educação. Uma Introdução à Teo-
ria e aos Métodos, Porto, Porto Editora.

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1973 Les Méthodes en Sociologie, Paris, PUF.

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1992 Mixing Methods: Qualitative and Quantitative Research,
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gem ao Professor Adriano Moreira", vol II, Lisboa, ISCSP.
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volvimento Comunitário e Saúde Mental, Lisboa, ISPA.
2000 A educação intercultural:uma estratégia para o desenvolvimen-
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reabilitação pós-guerra, in Estudos em memória do Prof. Doutor
Luís Sá, "Discursos", III série, número especial, Lisboa, Univer-
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2004 Educar para a identidade nacional, numa economia solidária e
numa cultura de paz, in Educação da juventude: carácter, lide-
rança e cidadania, "Nação e Defesa" (Número Extra Série, Ju-
lho de 2004) Lisboa, Instituto de Defesa Nacional, edição tam-
bém em CD Rom.
2005 Multiculturalidade e educação a distância, in De(s)afiando dis-
cursos: Homenagem a Maria Emília Ricardo Marques, Lisboa,
Universidade Aberta, pp 159-177, a partir da comunicação ao
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no Virtual no Âmbito Universitário, 10-14 de Dezembro de 2002,
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uma tradução em castelhano)

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1964 Méthodes des Sciences Sociales, Paris, P.U.F.

ECO, Umberto
1991 Como se Faz Uma Tese, 5ª ed., Lisboa, Presença.

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1999 O processo de investigação: da concepção à realização, Lisboa,
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1964 As Culturas Tradicionais e o Impacto da Tecnologia, Rio de Ja-
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1974 Antropologia Aplicada, Cidade do México, Fundo de Cultura
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FRADA, João
1995 Guia prático para a elaboração e apresentação de trabalhos
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FRAENKEL, J. R. e WALLEN, N.E.


1990 How to design and evaluate Research in Education, London,
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1971 L’Enquête par Questionaire. Manuel à L’usage du Praticien,
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1993 Novas estratégias de ensino e aprendizagem: os mapas
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2004 Questionário: teoria e prática, Lisboa, Almedina.

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1975 Psicodrama de Crianças, Petrópolis, Vozes.

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1974 L’Analyse de Contenu des Documents et des Communications,
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1968 Pesquisa Social, Introdução às sua Técnicas, S. Paulo, Compa-
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1996 Aprender a aprender, Lisboa Plátano, 1ª ed. de 1984.

NOVAK, Joseph
2000 Aprender, criar e utilizar o conhecimento - mapas conceptuais
como ferramentas de facilitação nas escolas e empresas, Lisboa,
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NÓVOA, António e FINGER, Matthias


1988 O Método (Auto)biográfico e a Formação, Lisboa, Ministério da
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NUNES, A. Sedas
1972 Questões Preliminares sobre as Ciências Sociais, Lisboa, Gabi-
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1973 Sobre o Problema do Conhecimento nas Ciências Sociais, Lis-
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PATTON, Michael Q.
1990 Qualitative Evaluation and Research Methods, California, Sage.

PEREIRA, A. e POUPA, C.
2004 Como escrever uma tese, monografia ou livro científico, usando
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PHILIPS, Bernard S.
1974 Pesquisa Social. Estratégias e Tácticas, Rio de Janeiro, Agir.

PINEAU, Gaston e JOBERT, Guy


1992 Histoires de Vie, Tome 1 - Utilisation pour la Formation, Paris,
L’ Harmattam.

POIRIER, J.; CLAPIER-VALADON, S. e RAYBAUT, P.


1995 Histórias de Vida: Teoria e Prática, Oeiras, Celta.

QUIVY, Raymond e CAMPENHOUDT, Luc Van


1992 Manual de Investigação em Ciências Sociais, Lisboa, Gradiva.

REGO, A. S.
1964 Lições de Metodologia e Crítica Históricas, Lisboa, Junta de In-
vestigações do Ultramar

REICHARDT, Charles S. e COOK, Thomas D.


1986 Métodos Cualitativos y Cuantitativos em Investigación
Evaluativa, Madrid, Morata.

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1999 Escala de satisfação com o suporte social (ESSS), "Análise psi-
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2003 Métodos e técnicas de investigação em Antropologia, Lisboa, Uni-
versidade Aberta.
2004 Antropologia Visual: da minúcia do olhar ao olhar distanciado,
Porto, Edições Afrontamento.

ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz (coord.)


1995 Sociologia das Migrações, Lisboa, Universidade Aberta.

300
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ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz e ARROTEIA, Jorge
1984 Bibliografia da Emigração Portuguesa, Lisboa, IPED.

RUDESTAM, Kjell E. e NEWTON, Rae R.


1992 Surviving Your Dissertation – A Comprehensive Guide to Content
and Process, Newbury Park, Sage.

SAMPIERI, Hernandez
2007 Metodologia de pesquisa, Lisboa, Mc Graw Hill, 3ª edição.

SÉLIM, Abou
1972 Immigrés Dans l’Autre Amérique, Paris, Ed. Plon.

SELLTIZ, JAHODA, DEUTCH e COOK


1967 Métodos de Pesquisa nas Relações Sociais, S. Paulo, Herder.

SILVA, Augusto S. e PINTO, José M. (orgs.)


1986 Metodologia das Ciências Sociais, Porto, Afrontamento.

SILVA, Cecília M.
1994 Estatística Aplicada à Psicologia e às Ciências Sociais, Lisboa,
McGraw-Hill.

SPRADLEY, James P.
1979 The Ethnographic Interview, Foth Worth, Harcourt Brace
Jovanovich.

STREUBERT, Helen; CARPENTIER, Dona


2002 Investigação qualitativa em enfermagem: avançando o impera-
tivo humanista, Loures, Lusociência, 2ª ed., 383 pp.

TUCKMAN, B.W.
2000 Manual de investigação em educação, Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian.

VASQUEZ, J. Maria e RIVAS, P. Lopes


1962 La Investigation Social, Madrid, O.P.E.

301
© Universidade Aberta
VVAA
1997 Práticas e Métodos de investigação em Ciências Sociais, Lisboa,
Gradiva, 245 pp.

YIN, Robert K.
1988 Case Study Research. Design and Methods, Newbury Park, Sage.

302
© Universidade Aberta
Centros de Documentação com obras de Metodologia de acesso
fácil:
A bibliografia seleccionada não é exaustiva nem podia ter essa pretensão,
num domínio tão complexo e em permanente actualização como a
Metodologia das Ciências Sociais e da Educação. O intuito dos autores foi
disponibilizar um conjunto de obras válidas existentes no mercado que
pudessem complementar o estudo deste manual.

Para além dela, poderá o leitor recorrer ao acervo existente nos Centros de
Documentação de várias instituições em que estes domínios são tratados
(vide unidade sobre Pesquisa Documental), muitas delas com acordos de
cooperação com a Universidade Aberta. Eis alguns contactos úteis:

Correio
Local Instituição Telefone Fax
electrónico
Aveiro • Universidade 034 / 370 351 034 / 233 84
Beja • Escola Superior de Educação 084 / 324 617 084 / 326 824
Braga • Universidade 053 / 604 156 053 / 615 253 sdum#sdum.uminho.pt
Bragança • Escola Superior de Educação 073 / 330 3131 073 / 313 137
Castelo Branco • Escola Superior de Educação 072 / 330 0100 072 / 234 77 escola#mail.telepac.pt
Coimbra • Delegação da U. Aberta 039 / 261 08 039 / 295 47 univab-
Coimbra@mail.telepac.pt
• Universidade
• Escola Superior de Educação
• ISSS
Évora • Universidade 066 / 744 522 066 / 744 521 bib#uevora.pt
Faro • Universidade
Funchal • Universidade 091 / 222 104 091 / 230 659 afonso#dragoeiro.uma.pt
Guarda • Escola Superior de Educação 071 / 222 325 071 / 222690
Horta • Universidade 092 / 221 07 092 / 221 07
Leiria • Escola Superior de Educação 044 / 812 830 044 / 812 985
Lisboa • Sede da Universidade Aberta 01 / 397 2334 01 / 397 3346
• Delegação da U. Aberta 01/ 354 01 25 01/ 354 01 24
• ISCSP/UTL 01/ 363 71 21 01/ 364 20 81
• ISCTE 01/ 793 50 00
• FCSH/UNL 01/ 793 39 19 01/ 793 35 19
01/ 886 31 84 01/886 09 54 dis@dir.ispa.marconi-sua.pt
• ISPA
• ISSS
Macau • Universidade de Macau 00 853 831 694 webmaster#umac.mo
• UAIA
Ponta Delgada • Universidade 096 / 653 044 096 / 653 870
Portalegre • Escola Superior de Educação 045 / 244 37 045 / 246 19
Porto • Delegação da U. Aberta 02 / 830 0041 02 / 830 0249
• Universidade
• Escola Superior de Educação 02/ 491 140 02/ 480 772
• ISSS
Santarém • Escola Superior de Educação 043 / 288 15 043 / 285 69
Setúbal • Escola Superior de Educação 065 / 751 725 065 / 751 705
Viana do Castelo • Escola Superior de Educação 058 / 810 6200 058 / 810 6209
Vila Real • Universidade 059 / 320 139 059 / 320 480
Viseu • Escola Superior de Educação 032 / 422 180 032 / 428 461

303
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Pequena lista de bibliotecas on-line (meramente exemplificativa)
Biblioteca do Senado Federal brasileiro: www.senado.gov.br/biblioteca

Biblioteca Nacional de Portugal: www.bn.pt

Biblioteca Virtual: bvg.udc.es

California Digital Library: californiadigitallibrary.org

Human Rights: www1.umn.edu/humanrts

IDRC Library (Desenvolvimento): www.idrc.ca/library

Internet Public Library: www.ipl.org

eBooksbrasil: www.ebooksbrasil.com

John F. Kennedy: www.cs.umb.edu/jfklibrary

LibDex (índice para localizar mais de 18 mil bibliotecas do mundo todo


e seus sites): www.libdex.com

Oxford Digital Library: www.odl.ox.ac.uk

The British: www.bl.uk

The New Zealand Digital Library (arquivos sobre questões


humanitarias): www.sadl.uleth.ca/nz/cgi-bin/library

UT Library Online (mapas): www.lib.utexas.edu

304
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ANEXOS

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Sílvia da Conceição Jóia Almeida

O contributo do ensino do Inglês para a aquisição


de uma competência intercultural por parte
dos alunos do 3º Ciclo

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1. TÍTULO:

O Contributo do Ensino do Inglês para Aquisição de uma Competência


Intercultural por parte dos Alunos do 3º ciclo.

2. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA:

Pergunta de Partida: A abordagem cultural no ensino actual da língua inglesa


promove uma compreensão do universo cultural dos povos anglófonos ou uma
simples memorização de estereótipos?

Os objectivos, os conteúdos e a metodologia adoptados para o ensino das


línguas estrangeiras têm sido sujeitos a alterações. Estas modificações
encontram-se dependentes principalmente de/da:

1. Cicunstâncias políticas, económicas e sociais;

2. Desenvolvimentos teóricos no que concerne à natureza da língua e à


sua aquisição;

3. Experiência, intuições e opiniões dos professores em relação à sua


prática.

Torna-se difícil medir a influência que cada um destes factores exerce na


organização do ensino das línguas estrangeiras, pois eles próprios se encontram
interrelacionados. No entanto, tem-se dado uma maior ênfase à ligação entre o
segundo factor e as mudanças verificadas na pedagogia das línguas.

Com o intuito de obtermos uma visão global dessa relação, tentarei esquematizar
o percurso de ambos os fenómenos realizado neste século.

Como se pode verificar pela análise do quadro, as correntes tradicionalista,


estruturalista e behaviorista privilegiavam a forma em detrimento do uso que
só mais tarde, com as teorias dos mentalistas, e mais nomeadamente dos
sociolinguistas, vingaria no ensino das línguas. A abordagem do potencial cultural
dos povos, cuja língua era ensinada, diversificou de acordo com as correntes
teóricas e os respectivos métodos de ensino.

309
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TEORIAS SOBRE A NATUREZA DA
MÉTODOS DE ENSINO
LINGUAGEM E SUA AQUISIÇÃO
➙ Até aos anos 20: O Método da Gramática Tradicional
Corrente Tradicional: ou Estilo Académico:
A língua era o fruto do uso de um Objectivo geral:
conjunto de regras gramaticais. Um O aluno deve adquirir uma
bom domínio destas resultaria numa competência linguística através de um
correcta utilização da língua. bom conhecimento das regras
Privilegiava-se o código escrito, pois a gramaticais.
linguagem falada tinha a tendência para
degenerar em formas coloquiais. Técnicas:
Recorria-se, no ensino, ao uso de uma ➥Leitura de textos.
gramática prescritiva, através da qual se ➥Explicação de pontos gramaticais.
julgava a correção/a incorreção da ➥Exercícios escritos de gramática.
produção do aluno. ➥Tradução de textos ou de listas de
vocabulário.

➥O professor é visto como fonte de


conhecimento; controlando todo o
processo desenvolvido na aula.

➙ De 1920 a 1950: O Método Tradicional continuou a ser


Corrente Estruturalista: uma constante neste período. No
A língua não é considerada por aquilo entanto, modificações devidas à pers-
que está escrito mas sim pelo que é pectiva estruturalista iam sendo inte-
falado. O conjunto de regras gramati- gradas através da adopção de uma
cais da língua devem provir dum estudo gramática estrutural/descritiva e exer-
sobre a linguagem falada. cícios com tabelas de substituição que
Passa-se da gramática prescritiva para a já promoviam a prática oral .
descritiva. Definem-se unidades lin-
guísticas com determinadas funções
que quando são combinadas segundo
padrões sistemáticos (lei da frequência)
são capazes de formar frases.

➙De 1950 a 1970: O Método Audiolingual:


Corrente Behaviorista: Objectivo Geral:
A natureza da língua continua a ser O aluno deve usar oralmente as es-
perspectivada segundo princípios es- truturas linguísticas adequadas às
truturalistas. situacões do dia a dia.

310
© Universidade Aberta
A inovação reside na ideia de que as Técnicas:
estruturas da língua são adquiridas pelo ➥Audição de diálogos.
homem através de uma prática de ➥Repetição e representação dos
repetição do modelo que motiva a diálogos ouvidos.
criação de hábitos linguísticos. ➥Repetição de estruturas
gramaticais e algum vocabulário.
➥Exercícios com tabelas de
substituição.

➥O professor controla todas as


actividades.

➙de Finais dos Anos 60:


Corrente Mentalista:
- Chomsky: A aquisição da linguagem
não depende basicamente de estímulos
ambientais/sociais mas é o resultado da
interiorização do sistema da língua que
permite ao homem produzir frases
originais. Cada ser possui um
mecanismo interno da aprendizagem da
língua que o ajuda a reter
inconscientemente as regras gramaticais
que ele usará na construção do seu
discurso.
O Método Comunicativo:
Corrente Funcionalista: Objectivo geral:
- Halliday: A dimensão social da O aluno deve ser capaz de conhecer
linguagem não deve ser descurada. A a linguagem e saber usá-la adequa-
linguagem é um sistema social. Cada damente à situação (adquirir uma
um de nós faz escolhas ao falar, estando competência gramatical e social).
estas dependentes da situação. Estas
escolhas são feitas de acordo com as
funções que queremos que a linguagem
cumpra.
Técnicas:
- Austin e Sarle: A linguagem possui ➥Criar um contexto comunicativo o
um poder performativo. Nós fazemos mais similar possível ao da
coisas com a linguagem. realidade.
➥Promover a comunicação, desde o
início, através de uma fase de
“aquecimento”:recurso às experiên-
cias dos alunos.

311
© Universidade Aberta
- Hymes: O homem não possui apenas ➥Apresentar vocabulário ou uma
uma competência gramatical, tal como estrutura por meio de uma
Chomsky comprovou, mas também tem contextualização em forma de um
interiorizada uma competência texto ou de uma audição de uma
comunicativa, isto é, um conhecimento entrevista ou conversa.
de como usar a linguagem apropriada ➥Explorar a compreensão por meio
às actividades/às situações às quais o de questões.
indivíduo quer participar. ➥Praticar as estruturas relevadas de
uma maneira gradativa.
➥Utilizar as estruturas em situações
criadas de comunicação (podendo
incluir-se actividades escritas como
por exemplo a escrita de uma carta).

➥O professor modifica o seu papel


gradualmente de controlador a orien-
tador.

Uma breve análise do programa de inglês ministrado em Portugal a partir de


1954 parece confirmar a tendência metodológica manifesta nas correntes
mencionadas. No que respeita à parte linguística, revela-se o recurso a uma
metodologia tradicional mas já inspirada pelos preceitos estruturalistas. A
gramática prescritiva já não é modelo na medida em que o aluno deveria adquirir
a língua que se falava e escrevia na Inglaterra. Interessante notar que a escrita
e a oralidade são os “skills” que deveriam ser exercitados. Embora seja dada
uma atenção particular ao ensino da fonética (influência estruturalista), as
actividades de “listening”(audição) são completamente inexistentes , o que
nos indica um afastamento de uma prática audiolingual. Contudo, tendências
behavioristas revelam-se claramente através do recurso à repetição oral de
fonemas, palavras e expressões difíceis. A cópia também figurava no role das
estratégias de repetição↔memorização em “moda” na pedagogia das línguas.

Com o intuito de não fugir à questão cultural no ensino das línguas, denota-se,
neste programa, um certo alheamento à veiculação de informação cultural no
2º ciclo, que compreendia o 3º, 4º e 5º anos do liceu, e uma grande preocupação

312
© Universidade Aberta
no cumprimento dessa tarefa no 3º ciclo, ou seja, nos 6º e 7º anos. Tal como o
programa propõe:

“ Neste curso pré-universitário procura-se dar ao aluno conhecimento mais


profundo da língua inglesa e revelar-lhe os aspectos gerais da civilização e da
cultura da Inglaterra, incluindo as suas projecções nos Estados Unidos da
1
s.a. (1954): Programas do
América.” (p.86)1 Ensino Liceal, Lisboa, Im-
prensa Nacional de Lisboa.
Contudo, esse conhecimento não parece incluir uma interpretação cultural
profunda veiculada pelo confronto com a cultura do próprio sujeito da
aprendizagem. Esta observação advem da interpretação do seguinte comentário
que, embora esteja relacionado com a língua, deixa transparecer a atitude dos
pedagogos perante a cultura que pretendiam esboçar:

“Quanto ao sentimento nacional e próprio da língua” (refere-se à língua


inglesa) “(...) não será isso, por certo, objectivo possível de alcançar no
âmbito dos estudos liceais”(p.75)2.

Os programas colocados à experiência em 1975 e entrados em vigor em 1982


foram construídos com base nos desenvolvimentos teóricos da linguística. A
sua organização sugere o uso do método comunicativo. Quanto à preocupação
cultural, ela é manifesta através das áreas temáticas cujos textos deveriam incidir.
Encontramos vários aspectos designados como culturais para abordar no 8º
ano, como por exemplo: os monumentos, os usos e costumes,as festividades,
os feriados, os desportos, etc.. Todavia, nos objectivos que o aluno deve atingir,
não existe qualquer menção à aquisição de uma competência cultural.

Numa avaliação feita por Maria do Carmo Clímaco ao programa de inglês do


Ciclo Preparatório, em 1986, nota-se que a estereotipagem ainda era uma
constante no ensino da língua no nosso país:

“Embora se diga (...) que o aluno através da aprendizagem deve «


participar do modo de viver do povo cuja língua está a aprender», a
língua não aparece nem como instrumento de comunicação nem como
veículo de uma cultura, mas como pretexto de informação cultural a
memorizar. A perspectiva integrativa é ignorada, ou seja, não se parte
das experiências culturais do próprio aluno para a compreensão das
culturas estrangeiras. ”.2 2
Análise da Situação Pro-
gramas, p.213.
Este parecer crítico deve ter sido tomado em consideração na feitura dos novos
programas de inglês, tanto para o nível básico como para o secundário. O que
de mais inovador surge nesta proposta programática é a ideia de uma
aprendizagem da língua como um processo de auto-conhecimento através de
um confronto com os outros/com o mundo. Será que estamos perante a
perspectiva integrativa que a autora atrás mencionada referiu no seu comen-
tário?

313
© Universidade Aberta
O grande tema organizador do ensino da língua inglesa é O MUNDO EM
QUE VIVEMOS. Com o intuito de se orientar o aluno para o processo de
auto-conhecimento a que ele deverá ser sujeito, o programa propõe um
percurso gradativo que tenha por base a ÁREA DE EXPERIÊNCIA DO
ALUNO. Neste caso, o 2º ciclo deverá dedicar ao Eu e a minha
comunidade: espaços e pessoas; o 3º ciclo: Eu e a comunidade alargada:
organização e formas de relacionamento e o secundário: Eu, cidadão do
país, da Europa e do Mundo. Os campos de incidência nestas áreas de
experiências são no 2º ciclo: Identidade; no 3º ciclo: Identidade versus
Diferença e no ensino secundário: tradição versus modernidade e
heterodoxias.

Mais do que nunca, o que subjaz à aquisição de uma competência comunicativa


é uma série de outras competências, na qual se inserem a competência
sociolinguística e a intercultural. Sem a aquisição destas, a competência
comunicativa não se alcança ou é deficiente.

Gail Nemetz Robinson, professora norte americana, demonstra, na sua obra


Crosscultural Understanding, a esperança de através do ensino das línguas
estrangeiras se poder promover a interiorização de princípios de compreensão
mútua entre culturas. Esse grande objectivo deverá ser conseguido pela
elaboração de currículos que perspectivem a língua como cultura, aliás porque
a competência comunicativa inclui conhecimento de certos fenómenos
socioculturais.

A referência bibliográfica incluida nestes novos programas não indica que


os seus autores tenham lido as ideias de Gail Robinson; no entanto, as
mesmas encontram eco claro na organização do programa, nos objectivos
do ensino e na orientação metodológica para o desenvolvimento curricular:

“ A aprendizagem da língua inglesa, pela apropriação de competências


de tipo comunicativo, determina ainda uma abordagem intercultural,
em que o aluno parte da sua própria língua e cultura para a descoberta
da língua e das culturas dos povos de expressão inglesa. Deste modo,
desenvolve a sua competência sociocultural, o que é imprescindível
ao desenvolvimento da sua capacidade de comunicar, visto que a
utilização de uma língua implica o recurso a um quadro de referências
que é, pelo menos parcialmente, determinado pelo contexto
sociocultural no qual essa língua é utilizada pelos nativos. Para além
disso, a análise contrastiva que faz da sua realidade e da dos povos de
3
expressão inglesa permite-lhe um melhor entendimento de uma e
Departamento de Educação
Básica (1995): Programas de outras, do que resulta por um lado uma atitude de tolerância e respeito
Inglês - 3º Ciclo LE I e II, pelas diferenças e por outro a relativização dos valores e dos significados
Lisboa, Ministério da Edu-
cação. da sua própria cultura.”(p.64)3

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3. QUESTÕES/OBJECTIVOS DA INVESTIGAÇÃO:

Através das poucas leituras e breves análises feitas, pude observar que o ensino
da língua, até há pouco tempo, renunciava a uma abordagem cultural e, quando
a promovia, acabava por ser superficial e por criar/ensinar estereótipos.
Os novos programas de inglês enfatizam a importância de um conhecimento
cultural dos outros povos mas sob uma perspectiva mais profunda e realista.
A análise fulcral do estudo empírico terá de focalizar principalmente a descrição
de uma situação inicial, ou seja o conhecimento que os alunos terão da cultura
dos povos, cuja língua aprendem, e as suas atitudes perante essas culturas.
Em seguida, torna-se-á pertinente observar como esta abordagem sociocultural
proposta nos programas novos é feita nas aulas e como reagem os alunos.
Por último, deverá ser verificado novamente o conhecimento sociocultural que
os alunos possuem e as atitudes perante os outros povos e a sua cultura. Se
houver mudanças de comportamento, pressupõe-se que a aplicação do
programa é viável, não só do ponto de vista metodológico, como pelos objectivos
que propõe. Se não houver mudanças observadas, poderá significar
principalmente falhas no processo de ensino, provavelmente devidas:
- à falta de compreensão dos professores do novo programa;
- à falta de consciencialização ou preparação dos professores para
operacionalizar esta conceptualização do ensino da língua.

Antes da realização do trabalho empírico, terei de cumprir os seguintes


objectivos para que me proporcionem um quadro de referência teórico à
investigação:
a) Comparar como as diferentes formas de perspectivar a língua estrangeira
focalizaram a componente sociocultural.
b) Verificar de que maneira os manuais escolares actuais reflectem os
objectivos de vertente sociocultural expostos nos novos programas
(Análise dos manuais com os quais as turmas objecto de observação
trabalham).
c) Realçar/Destacar indicadores de observação para as diversas variáveis.

E como objectivos gerais para uma segunda parte:


d) Analisar como o conteúdo sociocultural é abordado na aula.
d) Analisar os resultados desta transmissão sociocultural na atitude dos
alunos perante os outros.

315
© Universidade Aberta
4. RELEVÂNCIA DO ESTUDO:

a) Aumentar o número reduzido de trabalhos de investigação na área das


didácticas das línguas estrangeiras.

b) Realçar a importância do ensino da língua como meio de educação


intercultural.

c) Clarificar a organização dos novos programas, permitindo a sua


utilização de uma forma prática e correcta.

d) Ajudar a desmontar hábitos acomodativos de perspectivar a língua


estrangeira.

5. REVISÃO DA LITERATURA (teses de mestrado):

Na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação existem várias teses de


mestrado cujo enfoque temático se direccionou para a educação; no entanto
praticamente nenhum destes trabalhos se centralizou no ensino das línguas. O
único estudo encontrado nesta área denomina-se Preparação de Professores
de Inglês para fins específicos: Uma Necessidade?. Esta tese foi elaborada por
Maria Júlia Ferreira Barros Guarda Ribeiro, defendida em 1991, e destinava-se
essencialmente a analisar a situação do ensino da língua inglesa que incide
sobre áreas temáticas específicas como a de ciências e a de tecnologia. Tal
como o próprio título indica, a preocupação da autora incidiu sobre a falta de
professores formados para estes cursos de inglês.

Embora o estudo se revele inovador e executado com profundidade e rigor, ele


é pouco pertinente para o trabalho que pretendo realizar. A faceta sociocultural
que se pretende desenvolver no ensino básico e secundário não é incluída no
role de objectivos para estes cursos especializados. Contudo, questões
levantadas nesta análise poderão servir igualmente como objecto de exploração
na minha dissertação, salvaguardando a devida adaptação ao tema; são elas:

- A preparação dos professores.

- A relevância e adequação dos materiais.

- A pertinência das actividades desenvolvidas na sala de aula para os


fins desejados.

- O resultado do ensino nos alunos.

316
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Uma outra dissertação de mestrado à disposição na mesma faculdade e que
mereceu ser alvo de alguma atenção intitula-se Caracterização de Aulas de
Tipo Interrogativo - Contributo para a Pesquisa das Funções dos Alunos,
elaborada por Maria Teresa de Jesus da Silva do Rio Carvalho. A autora desta
tese intentou verificar até que ponto as aulas de tipo interrogativo colocam
realmente o aluno no centro do processo de aprendizagem. Após uma análise
metodológica baseada na observação directa, a autora descreve o método
interrogativo como uma ilusão pedagógica. Conclui que:

“As interrogações parecem assim terem, muito mais, o objectivo de


manterem o aluno atento do que fazê-lo efectivamente participar na
sua própria formação e na construção do saber.” (p. 206).

Esta dedução revela-se importante para a organização do meu estudo


principalmente por duas razões:

• Em primeiro lugar colocar-me-á a questão se a técnica da interrogação,


muito regularmente usada nas aulas de inglês, não promove a aquisição
de uma competência sociocultural. Deste modo, esta estratégia de ensino
deverá constituir um objecto de observação no meu trabalho empírico.

• Em segundo lugar, esta tese reforça não só a ideia da adequação da


observação directa no estudo de aulas como também coloca à
disposição modelos de grelhas de observação que serão tidas em conta
na feitura da grelha mais pertinente para os fins do meu estudo.

Na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa


foi defendida, em 1996, uma tese de mestrado cujo conteúdo, intitulado O
Ensino das Línguas no Secundário - Para uma Metodologia do Intercultural,
a relaciona com o meu projecto, uma vez que ambos abordam a aquisição de
uma competência intercultural por parte dos alunos. Este trabalho recente,
elaborado por Ludmila Dismanová, analisa as pontencialidades dos projectos
de intercâmbio escolar e de carácter internacional para a formação de uma
competência intercultural no aluno.

A autora deste estudo observou a concretização de um projecto de intercâmbio


entre uma turma de francês do 11º ano da Escola Secundária Marquês de
Pombal, em Lisboa, e uma outra do liceu Camille Jullian, em Bordéus; e concluiu
que projectos desta natureza promovem, entre outros aspectos positivos, o
desenvolvimento das capacidades de comunicação numa outra língua e a
construção de uma personalidade culturalmente consciente de si própria e do
outro diferente de si.

Apesar do meu projecto diferir deste estudo na medida em que se direcciona


para o modo como a competência intercultural é potencializada no espaço de

317
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sala de aula e no ensino básico, a consulta a esta tese auxiliar-me-á com algumas
pistas organizativas para:

- a construção de um enquadramento teórico do tema;

- a observação de actividades de aula descritas como promotoras de


uma formação intercultural.

6. FONTES POSSÍVEIS DE CONSULTA:

Instituições Professores

Universidade Aberta Prof.ª Doutora Laura Pires


Universidade de Aveiro Prof.a Doutora Isabel Alarcão
Escola Superior de Educação de Viseu Prof.a Doutora Maria José Sá Correia
Universidade Católica Profª Doutora Isabel Casanova
Faculdade de Letras/UL.
Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação/UL
Instituto Britânico
Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas/UNL
Lincoln Research Center
ISCTE
Universidade do Minho

7. METODOLOGIA:

A) Tipo de Investigação:

A investigação que mais se adequa a este estudo parece ser a qualitativa, pelas
seguintes razões:

- A aquisição de uma competência intercultural proposta nos novos


programas tem como fim uma mudança de comportamento. Se o fulcro

318
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da investigação é captar como os alunos vão encarando/interiorizando
as realidades que lhe são apresentadas, tornar-se-á demasiado redutivo
adoptar um método unicamente quantitativo, cujos instrumentos de
recolha não só são incapazes de captar vários aspectos do
comportamento verbal e gestual, como também limitam a
espontaneidade e diversidade de opiniões.

B) Instrumentos:

Com o intuito de analisar o conhecimento prévio dos alunos e bem como o


conhecimento posterior à abordagem sociocultural, pretendo elaborar
questionários de perguntas fechadas construídos de acordo com uma
selecção de indicadores que proporcionem a captação das atitudes que pretendo
analisar.

As observações directas serão utilizadas na fase de observação às aulas. Estas


observações terão como instrumento orientador uma grelha de observação.

C) Amostra/ Sujeitos da Investigação:

Se for possível, trabalharei sobre o processo de ensino/aprendizagem de


2 turmas do 7º ano e 2 turmas do 8º ano de escolaridade. São estes os anos
do 3º ciclo que estão sujeitos à operacionalização dos novos programas. Ainda
dentro do campo das conjecturas está o facto de pretender observar turmas
que trabalhem com os manuais escolares mais escolhidos pelas escolas do
concelho de Sintra. A escolha das escolas estará dependente da proximidade
da minha residência. Quanto às turmas, estas serão escolhidas de uma forma
aleatória.

D) Análise e Tratamento de Dados:

Os resultados dos dois questionários serão descritos quantitativamente e


sujeitos a uma análise comparativa para que se possa detectar a existência ou
inexistência de uma mudança de comportamento.

O tratamento da observação directa das aulas irá permitir compreender os


mecanismos que conduziram à mudança ou à inexistência da mesma.

319
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E) Procedimentos:

Os procedimentos a seguir estão delineados no ponto três: “Questões e


Objectivos da Investigação” e nas alíneas anteriores a esta e que estão
enquadradas na Metodologia.

8. DEFINIÇÃO DE TERMOS:

- Programa; Currículo; Cultura; Competência; Competência Comu-


nicativa; Competência Linguística; Competência Sociolinguística;
Competência Sociocultural; Competência Intercultural; Estereótipos;
Estereotipagem; Interculturalidade.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS RELATIVAS:

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10. CALENDARIZAÇÃO:

- Trabalho Exploratório: Outubro, Novembro, Dezembro.

- Problemática e Construção do Modelo de Análise: Janeiro e Fevereiro.

- Observação: Fevereiro e Março.

- Análise das Informações: Abril, Maio e Junho.

- Conclusão: Julho e Agosto.

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Benvindo do Rosário

Imigrantes caboverdeanos em Espanha. Que integração?

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INTRODUÇÃO

Sempre tivemos como fito ao inscrevermo-nos neste Mestrado a elaboração


de um trabalho sobre a diáspora caboverdeana. Vivendo nós em Portugal,
conhecendo razoavelmente bem as características da comunidade
caboverdeana aqui residente, e porque a informação e os contactos estarão,
naturalmente, mais disponíveis, a conjugação dos factores facilidade de acesso
à informação/tempo disponível levar-nos-ia a desenvolver um trabalho sobre
os caboverdeanos residentes em Portugal.

Porém, e uma vez que desde há doze anos temos mantido, por via de relações
de amizade muito estreitas e de viagens frequentes, contactos com Espanha,
país que para nós sempre significou “bom vento”, não obstante a imagem
que nos foi transmitida por um orientado ensino da História encerrar alguns
preconceitos que retiram objectividade aos factos, mudámos o rumo e
começou a germinar a ideia de analisarmos as características da imigração
caboverdeana neste país.

Decidimos, assim, embora mantendo o interesse em trabalhar com a nossa


comunidade de origem, desviar a atenção um pouco mais para leste e
debruçarmo-nos sobre uma realidade eivada de um certo mistério para a
maioria dos caboverdeanos que se preocupam com estas questões — em
Espanha, com particular destaque para as minas escondidas nas montanhas
de El Bierzo, León, para a costa norte da Galiza, para a sua capital, Madrid,
e para Saragoça (neste caso não conseguimos disfarçar a surpresa) vivem
caboverdeanos que, levados pelos ventos do acaso, alguns, voluntariamente,
outros, trabalham, sofrem, riem, dançam ao som das mornas e das coladeras
e comem catchupa e cuscus. E falam das suas ilhas.

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PRÉ-PROJECTO DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

1. Título (provisório)

PERCURSOS DE INTEGRAÇÃO DA COMUNIDADE CABO-


VERDEANA DE EL BIERZO, LEÓN, ESPANHA
2. Definição do Problema

Cabo Verde é um país de emigração. As condições climatéricas do


arquipélago, particularmente adversas devido à seca, ditam o afastamento de
muitos caboverdeanos que partem “para terra longe” à procura de melhores
condições de vida. Esta imensa diáspora, que leva a que residam no estrangeiro
mais caboverdeanos do que aqueles que vivem em Cabo Verde, tem-se
espalhado pelos quatro cantos do globo, com particular destaque para Portugal
(cerca de 40 000 imigrantes legalizados e cerca de 100 000 clandestinos e
naturalizados, segundo estimativa recente feita por Arnaldo Andrade,
sociólogo e deputado Caboverdeano pela Emigração), país para onde o grande
movimento de entrada de migrantes caboverdeanos se iniciou nos finais dos
anos 60, como forma de colmatar a saída de emigrantes Portugueses para
França e a ida de soldados para a guerra colonial; Holanda e EUA são outros
países onde a comunidade caboverdeana é significativa.

Este afastamento físico não é sinónimo de afastamento total; por regra o


caboverdeano continua muito ligado à sua terra natal. Expressão do apego
que os caboverdeanos têm à sua terra é o grande peso que as remessas dos
emigrantes têm na economia do país.

A diáspora caboverdeana, a exemplo de muitas outras, tem as suas caracte-


rísticas próprias, sendo mais ou menos coesa, mais ou menos participativa
nas sociedades receptoras (em Portugal os caboverdeanos são particularmente
activos e dinâmicos, tendo o movimento associativo um peso considerável
na forma como se organizam), mantendo ou não os valores culturais,
integrando-se ou excluindo-se. No que se refere ao caso português, e sem
eliminar a possibilidade de existência de grupos com outras características
que não estas, poder-se-á falar de dois grupos distintos: aqueles que estão
perfeitamente integrados na sociedade receptora, embora mantendo os seus
valores culturais (v.g. a música, a língua, a culinária...) e aqueles que estão
marginalizados económica e socialmente.

As comunidades imigrantes são caracterizadas de acordo com a imagem que


delas é feita: os imigrantes portugueses em França, por exemplo, têm fama
de trabalhadores. Sobre a comunidade caboverdeana nos Estados Unidos,

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diz Deirdre Meintel: “In America, the Capeverdean-American community
has been a successful one from the point of view of the wider American
society and from that of the immigrants as well. They avoided welfare, became
1
Meintel, Deirdre. Race, homeowners, and gained a reputation for hard work and dependability”1.Esta
Culture, and Portuguese
Colonialism in Cabo Verde,
não será, por outro lado, a imagem que existe do caboverdeano em Portugal,
Syracuse University, New uma vez que aquela foi ditada ao longo dos anos por uma visão deturpada e
York,1984
muitas vezes explorada de forma algo inconsciente pela própria imprensa,
através de notícias que punham em destaque a origem étnica de quem cometia
os desacatos.

No que diz respeito aos caboverdeanos residentes em Espanha, embora não


sejam expressivos em termos numéricos, a sua distribuição está perfeitamente
definida em termos espaciais, sendo as áreas onde existem em maior número
e as respectivas ocupações dominantes as seguintes:

Castilla y León - mineiros (o núcleo mais expressivo em termos


numéricos);

Madrid - imigração maioritariamente feminina (a exemplo do que


acontece com a imigração caboverdeana para Itália), sendo a maioria
domésticas;

Saragoça - trabalhadores da construção civil;

Lugo - pescadores.

O factor tempo, aliado a outros de não menos importância, não nos permite
debruçarmo-nos sobre todos os núcleos a que nos referimos. Assim sendo,
optámos por direccionar o nosso trabalho para a comunidade caboverdeana
de El Bierzo, zona situada no noroeste da província de León, núcleo
constituído na sua quase totalidade por mineiros e analisá-la na perspectiva
da sua adaptação à sociedade receptora, ou seja, pretendemos saber quais as
formas e percursos de integração destes imigrantes nos núcleos em que estão
inseridos. Esta delimitação do objecto de estudo também tem a ver com o
facto de estar a ser elaborada tese sobre os caboverdeanos residentes em
Laciana (leste da província) por uma investigadora espanhola.

3. Questões/Objectivos da Investigação

As diferentes formas de reacção colectiva ou individual no que concerne à


inserção dos imigrantes nas sociedades receptoras, têm sido analisadas por
diversos autores. Desde a assimilação até à marginalização, várias são as
atitudes, quer seja da parte dos autóctones, quer seja do lado dos próprios

332
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imigrantes, que levam a que se definam as formas de relacionamento dos
distintos grupos de acordo com aqueles princípios e que condicionam a
inserção dos estrangeiros num novo esquema de relação social e económica,
numa nova realidade. No que se refere aos modelos de integração são
comumente aceites dois conceitos2: 2
Aragon Bombin, Raimundo
“Hacia una política activa de
Inmigración”, in Revista de
Modelo puré - O objectivo é conseguir um conjunto o mais homogéneo Economia y Sociologia, nº
possível, no qual as diferenças tendam a diminuir, conseguindo-se uma 11, p. 101, Madrid, Março
1991.
aceitação generalizada dos valores predominantes na sociedade
de acolhimento. É o chamado melting pot.

Modelo salada - Pretende-se conseguir uma mistura harmoniosa, em


que se combinem as diversidades culturais, linguísticas e sociais, sem
se imporem regras ou valores sociais sobre outros, por forma a
conseguir-se uma sociedade diferenciada, respeitadora das minorias
e animada pela variedade linguística, cultural e social.

Obviamente que estes modelos não se esgotam em si próprios, pelo que na


prática coexistirão, por vezes, elementos de ambas as perspectivas. A inserção
das comunidades imigrantes, passa, assim, pelo maior ou menor envolvimento
desses grupos no seio da sociedade receptora e pela rejeição/aceitação/
adaptação dos valores dessa mesma sociedade. A integração plena – podendo
isto significar concomitantemente a preservação dos valores de origem e a
adaptação dos da sociedade receptora – depende, em larga medida, do primeiro
impacto, da predisposição em assumir essa integração e, não menos
importante, das razões que motivaram a saída: no caso em análise a imigração
é na sua totalidade económica, logo, forçada e motivada pela procura de
melhores condições de vida.

Ao pretendermos, com este estudo, analisar os sistemas de integração dos


imigrantes caboverdeanos da zona de El Bierzo, província de León,
pretendemos, concomitantemente, avaliar o grau de integração percebido
por essa mesma sociedade, através de indicadores vários, como sejam:

De natureza económica - p. ex.: acesso ao mercado de trabalho;

Social - Participação social efectiva na sociedade receptora, aceitação/


recusa das normas sociais, número de casamentos mistos, intenção
de residência permanente no país...;

Educativa - Duas citações dão conta da extrema importância desta


variável no processo de adaptação dos imigrantes ao meio que os
acolhe:
3
“(...) alguns estudos têm demonstrado que entre as variáveis consideradas, Rocha-Trindade, Maria
Beatriz, Sociologia das Mi-
o nível de instrução parece ser aquele factor que mais influencia o estatuto grações, p.102, Universidade
ocupacional, a mobilidade social e o rendimento dos migrantes”;3 Aberta, Lisboa, 1995.

333
© Universidade Aberta
“Coscienti che l’ostacolo principale all’integrazione, in una societá cosi
complessa come quella italiana, é costituito dal basso livello scolastico,
le immigrate esprimono un interesse sempre maggiore per l’istruzione
4
Jesus, Maria de Lourdes, finalizzata alla formazione professionale.”4
Marzot, Mario, et all, Capo
Verde, Una Storia Lunga
Dieci Isole, D’Anselmi Qual o nível de instrução dos imigrantes? Quais os mecanismos (a
Editore, Milano, 1989 existirem) que permitem a igualdade de acesso à educação e o colmatar
das diferenças sociais a que, por natureza, os imigrantes estão sujeitos?

Linguística - Lugar da língua e cultura maternas, apoios concedidos


às crianças imigrantes [no sentido de ultrapassarem eventuais
dificuldades de domínio do castelhano]; apoios concedidos pelos
5
Numa das nossas passagens
por Espanha contactámos os
Governos Português e/ou Caboverdeano no ensino do Português;5
dirigentes de uma Associação que língua(s) falam os caboverdeanos em Espanha?- existe um
Caboverdeana da zona de
León que nos deram conta
fenómeno semelhante ao caso português em que as regras gramaticais
dum projecto de alfabetização do crioulo são aplicadas ao castelhano, transformando ambas as
de adultos (portugueses e
caboverdeanos) a ser apoiado
línguas numa terceira?
pelo governo português.
Porque igualmente paradigmática da importância desta questão
[linguística], gostaríamos de citar A. M. Correia de Matos: “Não
dominar a língua do país receptor representa, no caso do imigrante,
um duplo estatuto de dominado: não só se é estrangeiro (reforçado
pelo facto de se ser etnicamente diferente) como também não se possui
os instrumentos - recursos intelectuais e económicos - que possam
6
Matos, Ana Maria Saint- minimizar aquela distância (entre estrangeiros e autóctones)”6.
-Maurice Correia de. Re-
construção das Identidades
no Processo de Emigração. A
População Caboverdiana Re-
sidente em Portugal. Tese de
Doutoramento, ISCTE, Lis-
boa, 1994 4. Relevância do Estudo

Alguns dos núcleos que compõem a diáspora caboverdeana têm sido, ao


longo dos anos, objecto de análises sociológicas, antropológicas e linguísticas.
No que diz respeito a Espanha não foi feito nenhum estudo global e
aprofundado desta comunidade migrante.

Dado o escasso tempo para levar a efeito esta investigação e a dispersão


geográfica da imigração caboverdeana em Espanha, seria utópico pensar em
termos de caracterização de “toda” a comunidade caboverdeana residente
em Espanha. Nesta óptica, estamos em crer que a investigação em curso
permitirá aprofundar os conhecimentos já obtidos em estudos anteriores
(embora noutra perspectiva) sobre a emigração caboverdeana para León e,
consequentemente, compará-la com outras correntes migratórias cabo-
verdeanas, designadamente aquelas sobre as quais existe informação
qualitativa e quantitativa. A outro nível poderá servir de contributo para futuros

334
© Universidade Aberta
estudos que venham a realizar-se com outros núcleos migratórios
caboverdeanos, nomeadamente aqueles a que fizemos referência.

5. Revisão da Literatura

No que se refere à bibliografia sobre o tema e aos dados disponíveis sobre o


número de caboverdeanos residentes em Espanha, põem-se, à partida, dois
tipos de problemas que têm a ver com a delimitação, quer seja do número,
quer seja das características da imigração caboverdeana neste país:

a) Algumas obras referem-se à imigração portuguesa e à caboverdeana


indistintamente;

b) Nos dados oficiais sobre imigração, Cabo Verde é, em algumas


rúbricas, colocado na categoria “Resto de África”.

No que concerne aos movimentos migratórios para a província de León,


também é comum agregarem-se os caboverdeanos, quer seja aos portugueses,
quer seja ao “Resto de África”.

Não obstante este pequeno “obstáculo”, e tanto quanto pudemos apurar até
ao momento, não há nenhuma tese que verse este tema. Existem, isso sim,
dois artigos - “Inmigrantes Caboverdeanos en El Bierzo” (Polígonos, Revista
de Geografia, nº4, pp. 99-105), escrito em 1994 por Carlos Aranda Vasserot,
em que o autor faz uma breve abordagem das diferentes fases da chegada de
imigrantes caboverdeanos a León, as actividades desenvolvidas por estes,
sua procedência e a trajectória que habitualmente fazem até chegarem a León;
“Portugueses y Caboverdianos en España” (Estudios Geográficos, nº210,
pp. 75-96), escrito em 1993 por Lorenzo Lopez Trigal e Ignacio Prieto Sarro,
docentes e investigadores do Departamento de Geografia da Universidade
de León, os quais fazem igualmente uma análise das características da
imigração portuguesa em Espanha, considerando-a semelhante à cabo-
verdeana no que diz respeito ao percurso, ocupação, etc. - . Da autoria de
Lopez Trigal, existe igualmente um livro, cujo título, La Inmigración
Extranjera en León, dá conta das características do movimento migratório
para esta Província Espanhola, onde existem muitas minas (principalmente
de carvão) e onde os portugueses representam a maior comunidade migrante,
sendo o número de caboverdeanos percentualmente significativo.

Relacionado com o tema em estudo existe bibliografia variada, a qual será


objecto de análise atempada, quer seja em Portugal, quer em Espanha.

335
© Universidade Aberta
6. Fontes possíveis de Consulta

6.1 ESPANHA

- Imigrantes Caboverdeanos;

- Consulado de Cabo Verde em Madrid;

- Biblioteca Nacional (Madrid);

- Associações Culturais e Recreativas de Caboverdeanos em León,


nomeadamente:

. Associação Cultural “Amílcar Cabral”, Bembibre, León;

. Associação Cultural “Los Unidos de Cabo Verde”, Villablino, León;


- Instituto Universitario de Estudios sobre Migraciones, Universidade
Pontifícia Comillas, Madrid;

- Laboratório de Estudos Interculturais da Universidade de Granada;

- Departamento de Geografia da Universidade de León;

- Delegacion Diocesana de Inmigrantes, Madrid;

- Colectivo IOE, Madrid;

- Dirección General de Migraciones (Madrid);

- Entidades Oficiais da Área da Imigração;

- Outras fontes (investigadores universitários, autoridades locais,


habitantes,...) passíveis de nos fornecerem informação relevante para
o estudo em causa.

6.2 PORTUGAL

- Embaixada de Cabo Verde em Portugal;


- Instituto Cervantes (Lisboa);
- Centro de Documentação da Universidade Aberta;
- ISCSP;
- ISCTE;
- Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa.

336
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6.3 CABO VERDE

- Instituto de Apoio ao Emigrante.

7. Metodologia

7.1 Tipo de Investigação

De acordo com o objectivo que definimos, e uma vez que pretendemos


“responder a questões que dizem respeito à situação actual do objecto de
estudo [sistemas de integração/inserção dos imigrantes caboverdeanos do
município de El Bierzo, província de León - Espanha]”, esta investigação é
descritiva.

Dada a natureza do trabalho (estudo exploratório), bem como as condi-


cionantes de ordem geográfica, a metodologia centrar-se-á, acima de tudo,
na investigação documental, sendo o trabalho de campo limitado a um período
muito curto. Teremos, assim, no que concerne à metodologia, o seguinte
esquema:

1 - Análise documental: emigração caboverdeana, particularizando esta aná-


lise para a emigração caboverdeana para Espanha (como/quando/porquê),
para a província de León e para a zona de El Bierzo; analisar (embora de
forma sumária) a legislação espanhola concernente a esta matéria; abordar
as características da emigração para Espanha.

2 - Entrevistas:

a) Informantes Oficiais (cônsul, emigração…);

b) Patrões, empresários;

c) Trabalhadores emigrantes e colegas;

d) Habitantes da comunidade;

e) Professores (embora o trabalho se centre nos sistemas de integração


da população adulta, pretendemos abordar igualmente a integração
da 2ª geração e os aspectos ligados à aprendizagem do castelhano).

3 - Observação participante (dinâmica de trabalho, horários, actividades,


festividades).

337
© Universidade Aberta
4 - Biografia (uma a duas, no máximo)

Levaremos em conta, na elaboração do trabalho, os aspectos que, a priori,


consideramos relevantes para a elaboração do relatório do mesmo, e que são
os seguintes:

„ León - como/quando/porquê (redes…)

„ Constituição de famílias

„ Integração (habitação, saúde, emprego…)

„ Ocupação (condições, formação, salário…)

„ Intenção de regresso (p/ Cabo Verde, Portugal…)

„ Segunda geração (escola, língua - preservação do crioulo - )

„ Legalidade (aspectos mais relevantes)

7.2 Procedimentos

Depois de alguns contactos estabelecidos com Associações Caboverdeanas


para lhes dar conta do nosso objectivo, por forma a facilitar a nossa inserção
nessas comunidades e efectuar a recolha de dados e outra informação,
regressaremos a Espanha no sentido de prosseguir a pesquisa bibliográfica,
designadamente no Laboratório de Estudos Interculturais, da Universidade
de Granada, na Universidade Pontifícia de Madrid e na Universidade de León.
Depois de sistematizada a informação existente sobre regulamentação na
área da imigração, iniciaremos o trabalho de campo.

8. Operacionalização de conceitos

- Caboverdeano
- Assimilação
- Aculturação
- Marginalização
- Imigrante
- Integração

338
© Universidade Aberta
9. Referências Bibliográficas

9.1 Relativas ao tema:

Na sequência das pesquisas efectuadas até ao momento, seleccionámos alguma


bibliografia, a qual não consideramos, obviamente, completa, uma vez que
pretendemos continuar a fazer pesquisa bibliográfica em Portugal e Espanha.

ADROHER BIOSCA, Salomé e CHARRO BAENA, Pilar


1995 La Inmigración, Derecho Español y Internacional, Barcelona, Bosch
Casa Editorial, S.A.

ALONSO PEREZ, Francisco


1995 Regimen Juridico del Extranjero en España, Madrid, Ministerio de
Justicia e Interior.

ANDICIAN, S., CATANI, M. et al


1983 Vivir Entre Dos Culturas, Serbal/Unesco, s/l.

ARANDA VASSEROT, Carlos


1994 “Inmigrantes Caboverdianos en España”, in Polígonos, Revista de
Geografia, nº 4, pp. 99-105, León, Universidade de León.

ARAGON BOMBIN, Raimundo


1991 “Hacia una Política Activa de Inmigración”, in Economia y Sociolo-
gia del Trabajo, nº 11, Março 1991 (pp. 97-108).

Boletim Oficial del Estado nº 47 (23/02/96), “Ley y Reglamento de Extranjeria”.

CARREIRA, António
s.d. Migrações nas Ilhas de Cabo Verde, Lisboa, Universidade Nova de
Lisboa.

ESTRADA CARRILLO, Vicente


1993 Extranjeria, Comentários a la ley orgánica y reglamento de
extranjeria. Madrid, Edit. Trivium, S.A.

GORTÁZAR, C. e RUIZ HUIDOBRO, J. Mª. (coord.)


1994 Recursos Legales Contra la Discriminacion Racial y los Ataques
Racistas, Madrid, Delegacion Diocesana de Inmigrantes de Madrid.

339
© Universidade Aberta
GOZÁLVEZ PÉREZ, Vicente
1996 “L’immigration étrangère en Espagne (1985-1994)”, in Revue
Européenne des Migrations Internationales, vol. 12, nº 1, pp. 11-38,
Poitiers.

IZQUIERDO ESCRIBANO, A.
1991 “La Inmigración Ilegal en España”, in Economia y Sociologia del
Trabajo, nº 11, Março, (pp. 18-38).
1996 La Inmigración Inesperada, Madrid, Editorial Trotta.

LOPEZ TRIGAL, Lorenzo


1991 La Inmigración Extranjera en León, Léon, Departamento de Geo-
grafia de la Universidad de León (col. “Monografias”, nº1).

LOPEZ TRIGAL, Lorenzo


1996 “La Migration Portugaise en Espagne”, in Revue Européene des
Migrations Internationales, vol. 12, nº 1, pp. 109-119, Poitiers.

LOPEZ TRIGAL, Lorenzo e PRIETO SARRO, Ignacio


1993 “Portugueses y Caboverdianos en España”, in Estudios Geograficos,
vol. 54, nº 210, Janeiro-Março 93, (pp. 75-96), Instituto de Econo-
mia y Geografia, Madrid.

MARTÍN ROJO, Luisa; GÓMEZ ESTEBAN, Concepción, et all. (edit.)


1994 Hablar y Dejar Hablar (Sobre Racismo y Xenofobia), Madrid,
Ediciones de la Universidad Autónoma de Madrid.

MATOS, Ana Maria Saint-Maurice Correia de


1994 Reconstrução das Identidades no Processo de Emigração. A Popula-
ção Caboverdiana Residente em Portugal, Tese de Doutoramento,
Lisboa, ISCTE.

Ministério da Administração Interna (compil.)


s/d. “Acordo de Schengen”.

Ministério da Administração Interna (compil.)


s/d “Entrada e Permanência de Estrangeiros”.

Ministério da Administração Interna (compil.)


s/d “Nacionalidade por Naturalização e Estatuto de Igualdade”.

340
© Universidade Aberta
Ministerio del Interior, Comision Interministerial de Extranjeria
“Anuario Estadístico de Extranjeria” (vários anos)

PRIETO SANCHIS, Luis e DE LUCAS, Javier, et al.


1994 Derechos de las Minorias y de los Grupos Diferenciados, Madrid,
Escuela Libre Editorial (col. “Solidaridad”, nº 6).

RAMÍREZ GOICOECHEA, Eugenia


1996 Inmigrantes en España: vidas y experiencias, (Cap. II), Madrid, Siglo
XXI de España Editores, S.A.

ROCHA-TRINDADE, Mª Beatriz
1995 Sociologia das Migrações, Lisboa, Universidade Aberta.

SILVESTRE, Alda
1994 Cabo Verde na Rota da Internacionalização, s/l, Grupo de Coopera-
ção de Língua Portuguesa do Instituto Internacional de Caixas Econó-
micas.

TODD, Emmanuel
1996 El Destino de Los Inmigrantes. Asimilación y Segregación en las
Democracias Occidentales, Barcelona, Tusquets Editores.

9.2 Relativas à Metodologia de Investigação:

A exemplo do que referimos para a bibliografia relativa ao tema, também


aqui apresentamos a bibliografia “possível” até ao momento, levando em
conta, quer as indicações bibliográficas referidas ao longo do curso pelos
professores da cadeira, quer as pesquisas bibliográficas que efectuámos:

BRYMAN, Alan
1988 Quantity and Quality in Social Research, Routledge, Londres e Nova
Iorque.

GHIGLIONE, Rodolphe e MATALON, Benjamin


1993 O Inquérito, Oeiras, Celta.

341
© Universidade Aberta
GRAWITZ, Madeleine
1984 Méthodes des Sciences Sociales, Paris, Dalloz.

MARCONI, Marina de Andrade e LAKATOS, Eva Maria


1990 Técnicas de Pesquisa, S. Paulo, Editora Atlas.

QUIVY, Raymond e CAMPENHOUDT, Luc Van


1992 Manual de Investigação em Ciências Sociais, Lisboa, Gradiva.

RODRIGUEZ OSUNA, Jacinto


1991 Métodos de Muestreo, Madrid, Centro de Investigaciones Socioló-
gicas, Madrid.

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Lúcio Sousa

Percursos de inserção: refugiados em Portugal,


sós ou acompanhados? Um estudo sobre as dificuldades de
inserção de refugiados em Portugal

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1. O TEMA EM ESTUDO:

Percursos de Inserção: refugiados em Portugal, sós ou acom-


panhados?

Um estudo sobre as dificuldades de inserção de refugiados em


Portugal.

2. PROBLEMATIZAÇÃO

Adentro do contexto migratório, o fenómeno da inserção dos migrantes tem


sido objecto de estudos clássicos. Por outro lado, o estudo do processo de
inserção dos migrantes forçados, denominados como refugiados, nomea-
damente para a Europa Ocidental, não tem tido a mesma projecção. No
entanto, face ao cada vez maior número e variedade étnico-cultural dos
candidatos ao asilo e dos refugiados reconhecidos, tem vindo a aumentar
sobre eles a pesquisa, muito em especial de natureza política e jurídica,
permanecendo em aberto um vasto campo para abordagens de natureza
socio-antropológicas consideradas essenciais para um mais completo
conhecimento do fenómeno.

Reconhecidas as causas forçadas que motivaram estas deslocações, coloca-se


a questão de averiguar como se desenvolve o processo da sua inserção nas
sociedades receptoras e até que ponto os antecedentes involuntários que as
produziram são determinantes nas fases subsequentes dos respectivos
percursos.

Em Portugal, país com uma vasta experiência (e)migratória e crescente


convivência (i)migratória, o fenómeno das migrações tem vindo a consti-
tuir uma base de trabalho solidamente estabelecida que suscita um
interesse constante e permite a inovação na sua abordagem científica.
Embora tenham aumentado os estudos sobre a situação dos imigrantes
residentes no país, a questão do percurso migratório dos refugiados na
sociedade portuguesa não tem merecido significativo interesse, perma-
necendo assim em claro o apuramento de situações e problemas que se
ligam à sua inserção, que não é certamente idêntica à dos imigrantes de
tipo económico.

347
© Universidade Aberta
3. QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO:

1. Percursos migratórios dos refugiados em Portugal:

• motivações de partida;

• itinerários de inserção;

• expectativas de fixação ou de regresso.

2. Detecção das dificuldades de inserção decorrentes de agentes internos


e/ou externos aos refugiados:

• circunstâncias e motivações pessoais em que ocorre o refúgio;

• reagrupamento familiar;

• “choque de culturas”;

• não reconhecimento das competências académicas e profissionais


adquiridas no país de origem;

• desinteresse face a expectativas de regresso;

• dificuldades devidas à forma de apoio prestado, ou não, por entidades


responsáveis e instituições de apoio.

3. Dificuldades expressas pelos refugiados na sua inserção em Portugal.

4. Estratégias de sobrevivência desenvolvidas pelos próprios.

4. OBJECTIVOS DA INVESTIGAÇÃO:

1. Obter elementos que contribuam para a fundamentação téorica do


fenómeno, permitindo aprofundar o conhecimento sobre esta
realidade social.

2. Desenvolver um trabalho que revista um duplo interesse:


a) para as entidades oficiais e privadas (ONG's);

b) para os próprios refugiados.

348
© Universidade Aberta
5. RELEVÂNCIA DO ESTUDO

Citando Anthony Richmond, pode afirmar-se que a inserção dos refugiados


constitui uma matéria pouco estudada.

“ When questions of absorption in receiving countries are considered, the


experiences of refugees are rarely distinguished from those of economic
migrants.” (Richmond, 1988, p. 9).

Conhecer este fenómeno em Portugal, contribuirá não só para o seu


conhecimento científico, mas também para a sua utilização prática num
esforço de resolução de problemas individuais e sociais.

Ideia reafirmada por Danièle Joly e Robin Cohen (1989, p. 6) que dizem a
este respeito:

“ Refugees are subject to a different regime from that of immigrants both


in respect of admission and settlement. Little theoretical work has been
developed to understand the differences and similarities of refugees and
immigrants.”

A temática proposta foi identificada pelo European Research Forum on


Migrations and Ethnic Relations como um dos assuntos relevantes de análise
no contexto dos “(...) Impactos da Crise Mundial dos Refugiados (...)”, sendo
no seu âmbito uma das áreas que oferece maior interesse a da integração.
(Rocha-Trindade, 1995, p. 290).

Não pode, no entanto, deixar de se apontar ainda o facto dos refugiados se


estarem a transformar num paradigma para a avaliação da sociedade em que
vivemos. Richmond (1992) coloca esta questão em termos da Nova Ordem
Mundial, considerando determinantes as variáveis Estado, Violência, Globa-
lização e Direitos Humanos, que relaciona entre si. Como resultado do
confronto entre estas variáveis e as suas contradições está-se perante um
número cada vez maior de pessoas que não têm direito a “status de refugiado”
e passam a ser, nas palavras de um responsável da ONU, citado por Richmond
(1992, p. 19) “(...) non-persons (...) subject to exploitation or racial anta-
gonism”. Isto é, em nossa opinião, pessoas a quem quase é retirada a condição
de ser humano, pela falta de reconhecimento de direitos, regalias e dignidade
que lhes deveriam ser inerentes.

Neste contexto, qual a política de inserção existente em Portugal para o Asilo


e para o Refúgio? Com que base de trabalho operam aqueles que lidam com
estas questões? A tríade “PODER, DEVER E QUERER” (Rocha-Trindade,
1996, p. 44) encerra o díficil equilíbrio entre pessoas e os que por se
encontrarem tantas vezes sem direitos, quase poderiam ser designados, ainda
que simbolicamente, por «não-pessoas». Cremos que o contributo deste

349
© Universidade Aberta
trabalho possa ser relevante em termos de conhecimento teórico e em
aplicações sociais de natureza prática.

6. REVISÃO DA LITERATURA

A revisão da literatura que se segue é o fruto das primeiras leituras feitas


com base numa selecção bibliográfica especializada em curso. Procurou-se
seguir as seguintes pistas temáticas: migrações forçadas (ou involuntárias),
refugiados, inserção (abordando as facetas da integração, aculturação,
adaptação), contextualizadas nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa, e
muito em especial, em Portugal. Desta forma, o objectivo será enquadrar o
tema do ponto de vista teórico-conceptual, comparando socialmente a situação
entre Portugal e os países com situações semelhantes, no quadro da respectiva
inserção geográfica.

A migração é o “(...) movimento de uma população, temporário ou perma-


nente, de um local físico para outro”. (Jackson, 1991, p. 7). Para o mesmo
autor a migração pode ser voluntária, caso em que “a hipótese seja colocada
ao indivíduo como decisão livre e de sua inteira responsabilidade.” (Ibid,
p. 10). As migrações forçadas “(...) implicam deslocações resultantes da
necessidade de salvaguarda da sua vida e da liberdade do indivíduo.” (Ibid,
p. 10).

Por sua vez, o conceito de emigração é, em Rocha-Trindade (1995, p. 31),


“(...) deixar a pátria ou a terra própria para se refugiar, trabalhar
temporariamente ou estabelecer residência em país estranho (...)”. Esta
definição enumera “refugiar” como um acto de migração, sendo as motivações
de ordem “política” e de “emergência”, procurando desta forma destrinçar o
conceito de asilado político do conceito mais abrangente de refugiado no
sentido colectivo em que as causas são mais vastas, exemplo de guerras,
fome, terramotos, etc.

Estas duas obras de referência (Jackson, 1991 e Rocha-Trindade, 1995) não


aprofundam a problemática dos refugiados em particular, excepto nos aspectos
legais, caso do último trabalho referido.

Trabalho pioneiro sobre a imigração em Portugal, o coordenado por Maria


do Céu Esteves (1991), não se refere aos refugiados senão através da
enumeração dos dispositivos legais que sancionam a sua entrada e estadia.

Num trabalho recente, Pena Pires (1993, p. 183) referindo-se também à


imigração em Portugal, indica a migração de refugiados como “(...) direct

350
© Universidade Aberta
result of political changes, in many cases accompanied by conflicts of ethnic
or religious nature, and by implying that the actors freedom is restricted as
regards the decision to migrate.” associando à situação portuguesa a presença
de refugiados políticos de origem angolana e moçambicana.

Mais implicitamente ligados a uma abordagem do fenómeno dos refugiados


estão os trabalhos de Anthony Richmond e os de Danièle Joly e Robin Cohen.
Richmond (1988) apresenta uma resenha das teorias da migração
internacional. No que se refere aos refugiados é importante o comentário
sobre a regularidade dos seus movimentos. Estes não são para o autor tão
espontâneos e imprevisíveis como se crê geralmente, ideia concordante com
a exposta por Zolberg (1986), citado pelo próprio autor. Richmond introduz
uma interessante inovação, insurgindo-se contra o próprio conceito de
refugiado meramente político, também designado como refugiado —
convenção, avançando com um conceito mais abrangente, conceito que subjaz
à teoria reforçada no seu trabalho de 1992.

A relação entre condicionantes estruturais e escolhas individuais situa-se


num continuum que engloba factores económicos, passando pelos ecológicos
até aos puramente políticos. A questão de migração voluntária e involuntária
não é fácil de caracterizar nem de contrastar. Para operacionalizar a sua análise,
Richmond (1988, p. 17), idealiza dois conceitos: migração “proactive” (pró-
activa) e a migração “reactive” (reactiva). A primeira situação — “proactive”,
ocorre quando:

“Under certain conditions, the decision to move may be made after due
consideration of all relevant information, rationally calculated to maximize
net advantage, including both material and symbolic rewards”.

A segunda situação — “reactive”, situa-se no outro extremo, quando:

«(...) the decision to move may be made in a state of panic facing a crisis
situation which leaves few alternatives but escape from intolerable threats».

Entre estes dois extremos, muitas das decisões dos migrantes “económicos”
e “políticos” são respostas “difusas” no continuum já referido, caracterizado
pela dinâmica relacional entre quem promove as situações e quem actua em
resultado delas.

Quanto a Joly e Cohen em trabalho introdutório ao livro que editam em


1989, apontam interessantes pistas para uma abordagem do percurso
migratório. Embora considerando limitado o modelo ”Kinet” de Kuntz (tal
com Richmond), consideram que o conceito de “pull-push” pode ter uma
utilidade, nomeadamente nas atitudes subjectivas e opiniões pessoais.
Chamam a atenção para o facto de muitos refugiados não desejarem sair e os

351
© Universidade Aberta
efeitos ou circunstâncias traumáticas da saída que podem afectar a sua
inserção, referem ainda as expectativas do regresso e o modo como a
percepção da sua estadia (tanto temporária como definitiva) poderá afectar
também a respectiva inserção, nomeadamente se estes desenvolvem uma
actividade de militância política tendo em vista a mudança do país de
origem.

Entende-se dever referir ainda dois trabalhos de autores portugueses sobre a


situação dos refugiados.

O trabalho de Macaísta Malheiros (1995) é um estudo comparativo entre a


situação de dois grupos de refugiados angolanos: um em Lisboa e outro em
Madrid, face às políticas de recepção de ambos os países e às perspectivas
que oferece a sua integração.

Trata-se do único trabalho apurado até ao momento sobre a inserção de


refugiados desta nacionalidade. As conclusões em relação ao nosso país não
são de todo positivas, pois as suas políticas de recepção estão, na opinião
do autor, menos desenvolvidas que em Espanha. Em relação ao processo
de integração, os indicadores de dificuldades utilizados são: tratamento de
documentação, procura de trabalho, racismo/exploração, equivalência
de títulos e outras.

Como estratégia, é relevante referir a existência em Lisboa de uma rede


informal de apoio, com base na comunidade imigrante angolana. O facto de
alguns dos refugiados em Madrid provirem de Lisboa, tem efeito na
consciência que têm de si próprios. Questão pertinente que o autor coloca
com resultados interessantes — em Lisboa, 81% consideram-se refugiados,
contra 54% em Madrid.

O trabalho de Barra da Costa (1996) é uma aturada compilação de dados


de natureza sociodemográfica, de cariz quantitativa, sobre os refugiados
em Portugal no período entre 1974 - 1996. Apresenta também um estudo
de caso sobre três grupos refugiados, mas numa óptica macro, analisando
as situações que a montante deram origem aos fluxos de refugiados para
o nosso país. Trata-se de uma fonte privilegiada de informações, muitas
delas difíceis de encontrar de forma tão sistematizada noutro qualquer
local.

Retivemos por agora a indicação de existirem em Portugal, para o período


de 1974 - 1993, 10990 pedidos de asilo, aos quais foram atribuídas:
898 concessões de estatuto de refugiado de acordo com o conceito da ONU
(incluindo agregado familiar) e 7173 recusas e 2919 foram arquivados ou
estão em fase de investigação.

352
© Universidade Aberta
7. METODOLOGIA

Dada a quase inexistência em Portugal de trabalhos de investigação nesta


área, o presente trabalho será desenvolvido numa metodologia própria dos
estudos exploratórios, com cariz essencialmente qualitativo. Quer isto dizer
que está longe do propósito do investigador a recolha de dados estatísticos,
de carácter oficial, que tão somente servirão como orientadores do trabalho
que propomos realizar. Reside o principal interesse desta investigação no
levantamento dos fenómenos psico-sociais, que só a abordagem de um
antropólogo, desenvolvida em “trabalho de campo”, em que são privilegiados
os contactos directos e seguidos no tempo, permitirá a obtenção dos dados
procurados.

As técnicas a empregar na investigação são:

a) pesquisa documental;

b) pesquisa de campo.

a) Pretende-se com a pesquisa documental a recolha de bibliografia


especializada àcerca de processos metodológicos relevantes para o
projecto proposto e sobre o tema da investigação, pretende-se assim dar
continuidade às primeiras leituras efectuadas, visando um maior
aprofundamento do conhecimento desta temática. A recolha de esta-
tísticas, documentação avulsa e “literatura cinzenta” de instituições
oficiais ou de arquivos privados (ONG's) reveste-se também de todo o
interesse no âmbito deste levantamento bibliográfico.

No âmbito da pesquisa documental, o recurso a suportes telemáticos


tem permitido o acesso a dados de pesquisa especializados e actualizados,
caso da Internet — acesso a centros de documentação, resumos de teses
e de projectos em curso.

Até ao momento foram consultadas, ou contactadas, as seguintes fontes:

UNIVERSIDADE ABERTA — Centro de Estudos das Migrações e


Relações Interculturais (CEMRI) (Centro de Documentação: Docu-
mentos livro, CD - ROM / ProQuest Dissertation Abstracts, Internet —
University Centre for Research in Ethnic Relations / Warwik e Refugee
Studies Programme / University of Oxford;

UNIVERSIDADE NOVA — Faculdade de Ciências Sociais e Humanas


(Centro de Documentação de Antropologia e Biblioteca);
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DO TRABALHO E DA
EMPRESA (Biblioteca);

353
© Universidade Aberta
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS
(Biblioteca);
UNIVERSIDADE DE LISBOA — Faculdade de Letras (Instituto de
Geografia);
ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFU-
GIADOS;
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS — Centro de Docu-
mentação;
UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura);
UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância);
INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO;
CENTRO JEAN MONET, Lisboa.
Estando afecto ao Centro de Estudos das Migrações e Relações
Interculturais (CEMRI), terei acesso às redes europeias de que este Centro
é parceiro com Universidades que têm importante trabalho desenvolvido
nesta temática. Exemplo de redes em que o Centro tem trabalho
desenvolvido são: ERASMUS, SOCRATES, TEMPUS E ARION.

b) A pesquisa de campo será realizada tendo em conta os seguintes


princípios orientadores:

Procurar-se-á realizar um tipo de entrevista aberta, colhendo-se directamente


dados de « informantes qualificados», pessoas que, pela sua experiência de
vida, actividade profissional ou desempenho de funções de natureza social,
convivam com refugiados e conheçam toda a problemática que os envolve.

São informações que não podem ser obtidas de outro modo e que requerem
um grande cuidado por parte do investigador, de modo a não seleccionar de
forma sectária ou enviesante o conjunto de informadores que irá entrevistar.

O trabalho de campo centrar-se-á essencialmente em observação que, tenta-


tivamente, se procurará transformar em «participante», na medida em que o
investigador ganhe a confiança dos que constituem o seu objecto de estudo.

Para além do exposto, será elaborado um conjunto de questões que serão


introduzidas de modo mais formal nos “guiões de entrevistas”, aos quais se
pretende, no entanto, conferir um carácter aberto.

O universo conceptual desta pesquisa é constituído por refugiados reconhe-


cidos como tal, isto é, aqueles a quem é conferido o estatuto de refugiado de
acordo com a lei em vigor (v.d. definição de conceitos).

354
© Universidade Aberta
Quanto à selecção dos entrevistados, que constituirão a «amostra», são por
demais conhecidas as dificuldades inerentes à sua constituição quando o
estudo se centra sobre populações migrantes. O fenómeno da clandestinidade
e a salvaguarda da privacidade individual deste tipo de população conduz à
inexistência de estruturas de amostragem ou, quando existam, torna difícil o
acesso à sua consulta.

No trabalho preparatório para a planificação desta pesquisa foi-nos aventada


a hipótese de fazer conhecer o nosso objectivo junto de um vasto público de
refugiados, procurando aliciar o seu interesse no contacto com o próprio
investigador. Há, no entanto, que ter presente que determinadas situações
individuais podem motivar ou inibir a vontade de contacto e de tradução oral
dos problemas próprios por parte de cada um dos refugiados.

Só o trabalho de campo poderá fazer-nos reflectir na efectiva orientação


metodológica do trabalho. O recurso a um processo de constituição da amostra
por «bola de neve» será de extrema importância, fazendo valer os contactos
e conhecimentos informais entretanto estabelecidos.

Enumeramos finalmente os critérios que subjazem à eventual selecção dos


entrevistados, embora tomando a precaução de lembrar que se trata da
tentativa de construção de uma tipologia:

1. sexo;

2. idade;

3. situação do agrupamento familiar: no país de residência actual casais


que entraram juntos, casais que se reagruparam posteriormente;

4. espaço de origem: refugiados com proveniências diversas (Ásia,


África, América do Sul, Europa);

5. tempo de estadia: refugiados com mais tempo de permanência,


refugiados com menos tempo de permanência ( um ano pelo menos).

Estes critérios são relativos. Ao longo do trabalho, face aos contactos


efectuados, a situação de escolha (a definir na primeira parte do trabalho)
será optimizada.

Perfeitamente consciente do que se afirma, o «acaso» poderá fazer-nos


confrontar com situações, agora imprevistas, mas que encerram grandes
potencialidades, riqueza e informações para futuros ajustes das ideias
suscitadas e para a sua reformulação mais ajustada.

Creio ser necessário, face ao exposto, apresentar um conjunto de princípios


de carácter ético que deverão sempre estar presentes:

355
© Universidade Aberta
• Participação voluntária por parte do refugiado;
• Consentimento na utilização da informação obtida;
• Confidencialidade;
• Referência ao risco — informação de objectivos e patrocínios (caso
os obtenha). (Adaptado: Willingen, 1986, p. 42)

8. DEFINIÇÃO DOS CONCEITOS:

Os conceitos que vamos definir devem ser considerados como operatórios.


As pesquisas, leituras e críticas que vão ser feitas permitirão reavaliar as
ideias agora expostas. O autor Selim Abou foi intencionalmente utilizado,
pela clareza da sua exposição e pertinência dos conteúdos que integram os
conceitos que elabora.

Refugiado - Vamos considerar, para efeitos do presente estudo, refugiado


«(...) qualquer pessoa que, receando com razão ser perseguida em virtude da
sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas
opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não
possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir protecção daquele
país» (C.P.R,1994, p. 9). Trata-se do conceito definido pela Convenção de
Genebra de 28 de Julho de 1951 e protocolo adicional de 31 de Janeiro de
1967.

É o conceito restrito de refugiados - face ao qual, como referimos, o conceito


sociológico se assume como mais abrangente. Com base nesta definição o
número de refugiados existentes em Portugal é de 898.

Inserção - Segundo Abou (1988), o processo de inserção dos imigrantes no


país de acolhimento compreende três processos distintos que se desenvolvem
simultaneamente mas a três ritmos diferentes, a três níveis do real: são os
processos de adaptação, integração e aculturação.

• adaptação: acomodação ao meio físico do país de acolhimento,


englobando «(...) l’aménagement de l’espace auquel procèdent les
immigrés dans le but de réduire la différence qualitative angoissante
entre l’habitat nouveau et l’ancien.» ( Ibid, 1988, p.127).

• integração: «(...) désigne l’insertion des nouveaux-venus dans les


structures économiques, sociales et politiques du pays d’accueil.»
(Ibid, 1988, p. 128).

356
© Universidade Aberta
• aculturação: «(...) désigne l’ensemble des interférences culturelles
que les immigrés et leur enfants subissent, à tout les niveaux, de
l’adaptation et de l’integration, par suite de la constante de leur culture
d’origine avec celle de la sociéte d'accueil.» (Ibid, 1988, p. 128)

9. EVENTUAIS LIMITAÇÕES:

Um estudo sobre as experiências de vida dos outros é também uma reflexão


sobre a própria vida por parte do investigador, um estado descrito por Morris
(1995) como de “personal transition”. As grandes limitações para um estudo
decorrem assim da capacidade e personalidade do investigador, da compe-
tência científica e da empatia que se estabelece no contacto. Espero superar
ambos.

Outras limitações previsíveis prendem-se com as limitações temporais —


um ano, o que vai implicar uma correcta gestão do tempo e das oportunidades.

A interacção com as instituições e entidades oficiais constituem dimensões


importantes para a realização de qualquer trabalho; os constrangimentos de
horários, as deslocações, implicam esperas e demoras que têm de ser previstas.

No plano do contacto pessoal com os refugiados não pode deixar de ser


mencionado o factor comunicação, nomeadamente com os refugiados mais
recentes — quer em relação ao seu domínio do Português, quer no domínio
que o investigador tem da sua língua.

As limitações apontadas são mais prementes quando de momento ainda não


se sabe onde se irá ser colocado no próximo ano lectivo. Este factor, a definir
até Setembro do corrente ano de 1996, irá determinar em parte o local de
trabalho e a disponibilidade horária. De qualquer forma, a localização da
actividade laboral (em caso de colocação) situar-se-á na área da grande Lisboa
— região onde se concentra a esmagadora maioria dos refugiados, segundo
indicações de uma entidade oficial contactada.

O preenchimento horário da actividade profissional que venho exercendo


(Professor provisório de Geografia do 3º Ciclo Básico) é muito apropriado à
realização do trabalho de campo, dados os intervalos não lectivos que se
intercalam nos tempos lectivos.

A exposição do meu programa de pesquisa às entidades responsáveis pela


instituição em que leccionarmos e uma boa articulação, que espero vir a ter
com colegas, permitirá, assim o espero, troca de horários e flexibilizações
que facilitem a realização do trabalho de campo.

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10. RECURSOS NECESSÁRIOS

Para a execução do projecto em curso é necessário ponderar recursos humanos


e materiais, a saber:

Recursos humanos Tarefa Data prevista

Colaboradores - leitura crítica do relatório de 4ª semana de Março 97


progresso
- leitura crítica da dissertação Julho 97
Colaboradores - Passagem final no Agosto 97
computador
Reprografia - impressão da tese Setembro 97

Recursos materiais Tarefa Data prevista

- Gravador portátil - entrevistas Out./96 - Março 97


- Cassetes de gravador - entrevistas Out./96 - Março 97
- Pilhas - gravador Out/96-Março 97
- Computador - redacção de texto 96/97
- Disquetes de computa- - registo do trabalho 96/97
dor
- Impressora - impressão trabalhos 96/97
-Tinteiros - impressão trabalhos 96/97
- Máquina fotográfica (?) - registo fotográfico (?) Jan.-Março 97
- Rolos P/B - Slides - registo fotográfico (?) Jan.-Março 97
- Câmara de vídeo (?) - registo videográfico (?) Jan.-Março 97
- Cassetes de vídeo - registo videográfico (?) Jan.-Março 97

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CRONOGRAMA, DISSERTAÇÃO DE MESTRADO - 96/97
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359
11. BIBLIOGRAFIA

11.1 Metodologia da Investigação:

CARMO, Hermano
1995 Métodos de Investigação — Bloco I / Mestrado em Relações
Interculturais, apontamentos.

FERREIRA, Maria Manuela Malheiro


1995 Métodos de Investigação — Bloco II / Mestrado em Relações
Interculturais, apontamentos.

MOREIRA, Carlos Diogo


1994 Planeamento e Estratégias da Investigação Social, Lisboa, ISCSP.

POIRIER, Jean; CLAPIER-VALLADON S. e RAYBAUT, Paul


1995 Histórias de Vida Teoria e Prática, 1ª ed., Oeiras, Celta.

QUIVY, Raymond e CAMPENHOUDT, Luc Van


1992 Manual de Investigação em Ciências Sociais, 1ª ed., Lisboa, Gradiva.

SILVA, Augusto Santos e PINTO, José Madureira (orgs.)


1986 Metodologia das Ciências Sociais, Porto, Edições Afrontamento.

WILLIGEN, John Van


1986 Apllied Anthropology an introduction, 1ª ed., South Hadley, Bergin
& Garvey.

11.2 Tema de Pesquisa:

ABOU, Sélim
1988 L‘insertion des immigrés. Approche conceptuelle, in: Les Étrangers
dans la Ville. Le Regard des Sciences Sociales, Paris, L’Harmattan.

Conselho Português para os Refugiados


1994 Guia dos Refugiados, Lisboa, C.P.R.

360
© Universidade Aberta
COSTA, José Martins Barra da
1996 Exílio e Asilo (A questão Portuguesa 1974-1996), Lisboa, Univer-
sidade Aberta.

ESTEVES, Maria do Céu (org.)


1991 Portugal, País de Imigração, Lisboa, I.E.D.

JACKSON, John
1991 Migrações, 1ª ed., Lisboa, Esher.

JOLY, Danièle e COHEN, Robin (ed.)


1989 Reluctant Hosts: Europe and its refugees, Aldershort, Averbury
(Research in Ethnic Relations Series).

MALHEIROS, Jorge Macaísta


1995 Refugees in Portugal and Spain: a preliminary approach on receptions
policies and integration prospects, in: Avenues to Integration, refugees
in contemporary Europe, Italy, University of Rome – «La Sapienza»/
The European Association for Refugees Research / Iper Medium.

MORRIS, John Keith


1994 Talking to Friends Talking To me; An Interpretation of Refugee
Experiences in Re/Establishing in Toronto (Ontario), Yourk University
(Canada), PHD, Advisor: Greer-Wootten, Bryn, in: ProQuest
– Dissertation Abstracts.

PIRES, Rui Pena


1993 Immigration in Portugal A Tipology Essay, in: Recent Migrations
Trends in Europe, Lisboa, Universidade Aberta/Instituto de Estudos
Para o Desenvolvimento.

RICHMOND, Anthony H.
1988 Sociological Theory of International Migration: the case of refugees,
in: Current Sociology, nº 30/2.
1992 Sociological Perspectives on Refugees Movements. Migration Trends
in the 90’s: Old Themes, New Issues; Lisbon, 6 – 8 April (policopiado).

ROCHA - TRINDADE, Maria Beatriz et al.


1995 Sociologia das Migrações, Lisboa, Universidade Aberta.

361
© Universidade Aberta
ROCHA - TRINDADE, Maria Beatriz
1996 Poder, Dever e Querer, in: O Asilo em Portugal,Vol. 2, Lisboa, S.P.R.

11.3 Bibliografia a consultar:

De momento listam-se aqueles que parecem ser alguns dos materiais


recolhidos mais relevantes:

RICHMOND, Anthony H.
1994 Global Apartheid Refugees, Racism, and the New World Order,
s. ed., Toronto, New York, Oxford, Oxford University Press.

ROGERS, Rosemarie e COPELAND, Emily


1993 Forced Migration Policy Issues in the Post-cold War World, Medford,
Tufts University – The Fletcher School of Law and Diplomacy.

RUTTER, Jill
1994 Refugee Children in the Classroom, London, Trentham Books.

ZOLBERG, Aristide R.; SUHRKE, Astri e AGUAYO, Sergio


1989 Escape From Violence Conflict and the Refugees Crisis in the
Developing World, New York, Oxford, Oxford University Press.

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Abel Simões Virgílio

Professores das minorias étnicas: as representações


dos professores do 1.o ciclo dos concelhos de Almada e Seixal

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Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
1. OBJECTIVO DA INVESTIGAÇÃO

1.1 PROBLEMA DA INVESTIGAÇÃO

A integração multiétnica, multicultural e multirracial não é dinâmica


exclusivamente escolar. No entanto, encontra nas escolas um espaço e um
tempo privilegiados de desenvolvimento, e nos PROFESSORES os
elementos promotores de valores, de formação ética, moral e cívica, de
entreajuda, de respeito pelas diferenças e, sobretudo, de apoio aos grupos
das minorias, quaisquer que elas sejam, desde as étnicas até às do domínio
das necessidades educativas especiais.

É significativa a presença nas Escolas primárias dos concelhos do sul do


Tejo (Almada e Seixal) de alunos provenientes de populações etnicamente
minoritárias e socialmente desfavorecidas.

Compete aos professores desses alunos promover, no âmbito dos objectivos


e dos princípios orientadores do sistema educativo, as estratégias e actividades
pedagógicas que visem a educação para os valores da tolerância, do diálogo
e da solidariedade entre as crianças das diferentes culturas e etnias, na
valorização e consideração do direito à diferença.

A responsabilidade que leva esses docentes a assumir enfrentar um modelo


de educação multicultural nas suas salas de aula não deve ser só um mero
estádio profissional. Deverá ser muito mais um verdadeiro estado de espírito,
fundado em alicerces profundos de convicções de anti-racismo, de tolerância,
de solidariedade, de formação cívica e pessoal e de aceitação dos outros e de
cada um.

O nosso estudo propõe interessar-se pelos professores do 1º ciclo do ensino


básico das escolas dos concelhos de Almada e Seixal que têm turmas com
crianças das minorias étnicas. Vamos efectuar uma pesquisa quantitativa de
investigação primária, para, através dela, conhecermos as representações
daqueles professores relativamente a preconceitos, imagens e atitudes,
positivas ou negativas, que tenham em relação às crianças que estiveram ou
estão actualmente nas suas salas de aula.

O termo “representação “ foi tomado pelos pedagogos para ser utilizado no


sentido lato de teorias implícitas, conhecimentos comuns, conhecimentos
práticos, raciocínios espontâneos, pré-modelos, pré-concepções, concepções
espontâneas ... Trata-se de conhecimentos e regras de acção que indivíduos
ou grupos elaboraram à luz da sua vivência directa ou indirecta (influência

365
© Universidade Aberta
dos média), do significado que deram aos acontecimentos, aos fenómenos,
aos conceitos. O ambiente cultural exerce uma forte influência em todos os
indivíduos, inclusive nos professores.

Os conhecimentos assim forjados acompanham-se de atitudes positivas ou


negativas em relação ao tema e oferecem uma forte resistência a quem as
quiser mudar. As representações podem ser mesmo comuns a um grupo socio-
profissional ou cultural.

1.2 JUSTIFICAÇÃO DA RELEVÂNCIA DO ESTUDO

O estudo do processo através do qual se concretizam as expectativas do


professor e a referência que ele tem na classe social e no grupo étnico a que
pertence o aluno pode proporcionar informações muito úteis sobre os
processos de discriminação em situação de sala de aula.

Algumas questões são suscitadas nas escolas frequentadas por essas minorias
étnicas, como, por exemplo, como é que se processa a relação na sala de
aula ao nível dos alunos e das suas diferenças? Em que factores se baseiam
as expectativas dos professores? Como é que o professor constrói e forma
pontos de vista sobre os alunos? Quais os critérios em que o professor se
baseia para fazer a apreciação cognitiva e socio-afectiva dos seus alunos e,
designadamente, dos alunos das minorias étnicas?

A justificação da relevância deste estudo será a de evidenciar a importância


das representações dos professores em relação aos estratos sociais dos seus
alunos e, obviamente, na construção de práticas sociais. Foi evidente para
todos nós adultos, quando estivemos em situação de alunos, que os nossos
professores possuiam alguns estereótipos daquilo que eles consideravam
“bons alunos” ou “maus alunos” e que era muito mais difícil eles aceitarem
que um “mau aluno” um dia pudesse obter uma boa avaliação, do que
justificarem que um dia um “bom aluno” derrapasse para uma episódica má
classificação.

Estas vivências, baseadas nas representações sociais dos professores, são o


dia a dia das nossas escolas.

Segundo Isabel Guerra, as pesquisas têm concluído que os professores formam


uma imagem do aluno nas primeiras semanas e que a imagem, depois, é
bastante estável. A variável classe social e grupo étnico parecem ser duas
variáveis fundamentais na formação dessas imagens.

366
© Universidade Aberta
1.3 LIMITAÇÕES DO ESTUDO

Este estudo foi limitado a professores do 1º. ciclo do ensino básico (antes
designado por escola primária). Limita-se a professores deste ciclo porque
é lugar comum a sociedade dizer que têm o papel importantíssimo de
preparar os alunos com a formação de base necessária para uma adequada
inserção social, num tempo de mudanças e de dimensão pluriétnica e
pluricultural.

Dentre as escolas do 1º. ciclo, este projecto de pesquisa limita-se a estudar as


representações dos professores em apenas dois concelhos do distrito de
Setúbal (Almada e Seixal).

1.4 QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO

O problema subjacente a este projecto de pesquisa é saber quais serão as


representações dos professores do 1º. ciclo do ensino básico dos concelhos
de Almada e Seixal, face à presença de alunos de minorias étnicas nas suas
salas de aula. Depois concluir-se-á da influência que as representações sociais
desses professores podem ter no acto de ensino-aprendizagem de alunos de
minorias étnicas a frequentar as suas salas de aula/escolas.

As variáveis a investigar prendem-se com a idade dos professores, a sua


antiguidade profissional, a sua educação sócio-familiar enquanto jovens, a
sua formação inicial e contínua e, finalmente, a sua ligação pessoal ou social
com territórios de origem das minorias étnicas ou da emigração que frequen-
tam as suas salas de aula/escola.

Estas variáveis foram consideradas de interesse, na medida em que podem


permitir determinar os seus efeitos na relação entre os professores da amostra
e a presença de minorias étnicas nas suas escolas.

1.5 DEFINIÇÃO OPERACIONAL DOS TERMOS

Seguidamente, apresentamos alguns termos cuja definição teremos que dar


antecipadamente, para melhor fazermos o percurso do nosso projecto de
investigação.

INQUÉRITO - é a técnica de construção de dados que mais se compatibiliza


com a racionalidade instrumental e técnica que tem predominado nas ciências
sociais e na sociedade em geral. (GHIGLIONE e MATALON, 1978).

367
© Universidade Aberta
MINORIAS ÉTNICAS - grupos minoritários no país de acolhimento, que
possuem uma raiz cultural comum, história, mitos e memórias e que partilham
um sentimento de unidade. (HORTA, Ana Paula Beja - Diversidades Culturais
- MRI 94 - 95)

POPULAÇÃO - (conceito estatístico) - conjunto de elementos de que se


quer conhecer ou investigar alguma ou algumas das suas características.
(INCHAUSTI, 1975, p. 63)

PORTUGALIDADE - consciência de pertença a uma comunidade que tem


mais coisas comuns que diferenças. (RAVEAU, François, Seminário de
27.03.95 - U. Aberta - 4º. MRI 94-95)

REPRESENTAÇÃO SOCIAL - é um conjunto de conceitos, proposições e


explicações, criado na vida quotidiana no decurso da comunicação inter-
individual. São o equivalente na nossa sociedade dos mitos e sistemas de
crenças das sociedades tradicionais; podem ainda ser vistas como a versão
contemporânea do senso comum. (MOSCOVICI, On Social representations,
1981, p. 181)

REPRESENTAÇÃO - é a interiorização de imagens, modelos e opiniões


por parte dos sujeitos, de que vão fazer a descrição, face a situações concretas,
colocadas no enunciado do questionário (instrumento apropriado e tecnica-
mente credível para esse fim); “fonctionnant comme des modèles ou des
mémoires, les représentations organisent ou structurent, de manière interne
au sujet, les contenus du réel”. (FLORIN, 1987, p. 31)

ou,

“A resposta de um indivíduo quando é interrogado por meio de técnicas


apropriadas àcerca de um objecto significativo; (...) a organização das reacções
dum indivíduo quando é chamado a descrever ou a definir um objecto numa
dada situação”. (ZAZZO, in ESTRELA, 1990, p. 9)

ou,

“As representações desempenham a importante função de orientar o nosso


relacionamento quotidiano com os diversos objectos que fazem parte do nosso
mundo”. (BORGES DOS SANTOS, 1992, p. 3)

368
© Universidade Aberta
2. REVISÃO DA LITERATURA

Sobre as representações sociais dos professores já há vários trabalhos


publicados em Portugal.

Por exemplo, e no que respeita a professores do 1.º ciclo do ensino básico,


há uma investigação feita no distrito de Portalegre, que serviu de dissertação
de Mestrado do Mestre Hermenegildo Correia, com orientação da Professora
Doutora Ana Benavente. Este estudo teve importância para nos suscitar
interesse pela abordagem da problemática das representações sociais dos
professores; todavia, o investigador estudou as vertentes da formação de
professores e do insucesso escolar, enquanto nós pretendemos a abordagem
da problemática das minorias étnicas.

As representações dos professores, mas já a nível do ensino secundário,


também foram investigadas em 1991-1992, na região autónoma dos Açores,
pelo Mestre Jorge Manuel Ávila de Lima, sob orientação da Professora
Doutora Conceição Alves Pinto. Nesse trabalho o autor investigou as caracte-
rísticas morfológicas e representações do corpo docente relativamente ao
lugar ocupado no espaço social e também à determinação da distância social
entre as principais categorias dos professores.

Da responsabilidade da mesma orientadora há uma outra investigação da


Mestre Maria Leonor Borges dos Santos sobre representações de alunos das
Escolas Superiores de Educação, investigando o papel das representações e
das estratégias na construção das práticas sociais.

Os Professores Jorge Vala, Maria Beatriz Rocha-Trindade e Ana Maria


Saint-Maurice Correia de Matos também têm de ser referenciados nesta
revisão da literatura; o primeiro pela investigação que tem desenvolvido no
campo das representações, sobretudo no estudo da representação social da
violência, e as segundas no estudo das migrações, das minorias étnicas, da
identidade social destas, e das relações étnicas.

3. PROCEDIMENTOS

3.1 PLANO DE INVESTIGAÇÃO

3.1.1 - Entrevistas livres exploratórias a seis professores com vivências


relacionadas com o problema suscitado.

3.1.2 - Análise do conteúdo do registo das entrevistas para a elaboração de


um pré-questionário.

369
© Universidade Aberta
3.1.3 - Aplicação do pré-questionário, para testagem do instrumento, a
um grupo de professores de escolas de concelho diferente dos
abrangidos pelo estudo.

3.1.4 - Construção do questionário definitivo com base na interpretação dos


dados resultantes da aplicação do pré-questionário.

3.1.5 - Identificação dos sujeitos de investigação.

3.1.6 - Aplicação do questionário (ter em conta procedimentos éticos e


morais, definição de prazos, recomendações de uso, garantias de
anonimato e total confidencialidade).

3.1.7 - Execução do plano de recolha de dados.

3.1.8 - Execução do plano de tratamento, análise e interpretação de dados.

3.1.9 - Preparação do relatório da pesquisa (redacção dos resultados,


conclusões e recomendações).

3.2 SUJEITOS DE INVESTIGAÇÃO

A pesquisa abrange um universo de estudo de 193 professores do 1º ciclo,


dos quais 98 estão colocados em escolas do concelho de Almada e 95 no
concelho do Seixal.

A selecção dos professores a quem é aplicado o pré-questionário é feita de


forma aleatória, apenas considerando os das escolas que são frequentadas
por crianças de minorias étnicas em quantidade significativa e de forma
proporcional ao número de professores colocados nas escolas dos dois
concelhos.

3.3 TÉCNICAS E INSTRUMENTOS

O plano de investigação inclui uma entrevista exploratória a 6 professores;


um pré-questionário administrado a 20 professores; um pré-questionário
administrado a 20 professores seleccionados aleatoriamente e a aplicação de
um questionário ao universo em estudo de 193 professores.

370
© Universidade Aberta
3.4 ACTIVIDADES (já desenvolvidas à data da publicação deste
manual)

Depois de delimitado o campo, iniciou-se a actividade com entrevistas livres


exploratórias a 6 professores que falaram para um gravador audio das suas
pré-concepções, raciocínios espontâneos e estereótipos ligados às minorias
étnicas da área envolvente das escolas onde estão colocados; falaram ainda
dos conhecimentos, imagens e normas que retiveram nas suas vivências,
directas ou indirectas, com as minorias étnicas; disseram das influências que
sofreram dos familiares, dos amigos, do meio e da comunicação social.

Foi feita depois uma análise do conteúdo do registo das entrevistas que serviu
de base à construção dum pré-teste com 72 questões, obedecendo aos
normativos habituais para este tipo de instrumento de pesquisa: a preparação,
a formulação e a redacção das perguntas.

A actividade de testagem que se lhe seguiu foi a da aplicação do pré-


-questionário a 20 indivíduos seleccionados aleatoriamente, todos professores
do 1.º ciclo, colocados em escolas fora dos concelhos de Almada e Seixal,
mas com idêntica caracterização no que respeita à frequência de minorias
étnicas.

Depois de feita a análise das respostas dadas ao pré-questionário, a actividade


seguinte centrou-se na afinação final de construção do questionário definitivo.

Finalmente, como actividade, procedeu-se à aplicação do questionário ao


universo em estudo de 193 professores.

3.5 VALIDADE

A validade interna é a qualidade fundamental do teste. A validade evidencia


o grau em que o questionário mede aquilo que se pretende medir numa
pesquisa; portanto, é o critério que determina a pertinência do questionário.

A validade interna do estudo foi assegurada por uma forma de validação


operacional, baseada no coeficiente de homogeneidade.

3.6 ANÁLISE DOS DADOS

Os questionários foram analisados para converter em dados informações ali


fornecidas pelos indivíduos inquiridos. Antes tinha sido construída uma escala

371
© Universidade Aberta
de Likert, de cinco intervalos (concordo plenamente – concordo – indeciso –
discordo – discordo plenamente) que aparecia nos questionários e que mereceu
a sinalização pelos indivíduos sujeitos da investigação.

Para o tratamento dos dados foi escolhida uma prova estatística que, no caso
deste estudo, foi uma prova estatística não paramétrica; para a aplicação
dessa prova usou-se um programa de computador (Statgraph).

3.7. CALENDARIZAÇÃO

O cronograma deste estudo de pesquisa foi o seguinte:

- Estudo exploratório - trabalho de campo (6 entre-


Out./Nov.
vistas)

- Construção do pré-teste Dez.

- Aplicação do pré-teste trabalho de campo (20


Fev.
indivíduos)

- Construção do questionário definitivo trabalho de Março/Abril/


campo Maio

- Execução do plano de recolha, análise e trata-


Junho/Julho
mento dos dados (193 professores)

- Preparação do relatório da pesquisa (redacção


Set./Out.
dos resultados, conclusões e recomendações)

372
© Universidade Aberta
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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© Universidade Aberta
Fonte: (Gay, 1981, 409)

375
© Universidade Aberta
Composto e paginado
na Universidade Aberta

2.a edição

Lisboa, 2008

© Universidade Aberta
147 ISBN: 978-972-674-512-9

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