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ALMEIDA y MOR 2017 Renda Da Terra e o Espaço Urbano - Backup
ALMEIDA y MOR 2017 Renda Da Terra e o Espaço Urbano - Backup
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Revista de Economia Política, vol. 37, nº 2 (147), pp. 417-436, abril-junho/2017
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Renda da terra e o espaço urbano
capitalista contemporâneo
Land rent and the urban space in contemporary capitalism
resumo: Este trabalho visa expor e discutir quais correntes do pensamento econômico são
capazes de apresentar formulações que dialoguem com a conformação espacial das cidades
no capitalismo contemporâneo. Para isso, parte-se de uma apresentação dos pressupostos
de um modelo neoclássico tradicional de Economia Urbana, seguido da apreciação
crítica desse modelo. A partir dessa crítica, expõem-se as diversas visões das escolas de
pensamento econômico em relação ao conceito de renda da terra, o qual é entendido como
uma categoria de análise ainda útil para se entender tal estrutura espacial, bem como são
fundamentais as considerações sobre as particularidades do urbano.
Palavras-chave: Renda da terra; Espaço Urbano; Economia Urbana; História do
Pensamento Econômico; Economia Política.
abstract: This paper aims to expose and discuss which schools of economic thought
are able of presenting formulations that dialogue with the spatial conformation of cities
in contemporary capitalism. For this, it is based on a presentation of the assumptions of
a traditional Neoclassical model of Urban Economics, followed by a critical appreciation
of this model. From this critique, different views of the schools of economic thought are
exposed in relation to the concept of land rent, which is understood as a category of
analysis still useful to understand such a spatial structure, as well as the considerations
about the particularities of the urban.
Keywords: Land rent; urban space; Urban Economics; History of Economic Thought;
Political Economy.
JEL Classification: B2; B24; R1; R14; P48.
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Urbano é um termo tomado como sinônimo de sociedade urbana, seguindo diretamente a obra de
Lefebvre (1999).
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É importante notar como esses modelos possuem como inspiração mais profunda o trabalho de Von
Thünen, de 1826, no qual o centro de uma vila em uma planície era a terra agrícola mais produtiva, e
a partir dessa porção de terra, a produtividade decaía. A seguir, comentários são tecidos sobre a essência
desse modelo e suas implicações.
Para o caso do equilíbrio geral, fica evidente a crítica que pode ser feita por
não considerar as particularidades do bem “terra”, já que se trata de um bem imó-
vel, irreprodutível, heterogêneo, não fungível (que não acaba ao ser consumido),
que possui divisibilidade limitada (os lotes ou imóveis precisam ter um tamanho
mínimo para cada uso) e cuja oferta pode influenciar a estrutura da demanda
(Harvey, 1974; Plambel, 1987; Smolka, 1979; Topalov, 1979, 1984).
No caso da discussão teórica elaborada por Krugman (1995) sobre a “incapa-
cidade” do mainstream incorporar o espaço em suas abordagens, a argumentação
se pauta, fundamentalmente, na falta de ferramentas adequadas para lidar com a
“economia espacial”. Nesse sentido, Krugman (1995) acredita que a incapacidade
de se modelar adequadamente os retornos crescentes à escala e mercados de com-
petição imperfeita levaram aos economistas a ignorar as questões espaciais duran-
te tanto tempo. Nos termos desse autor:
“And so how did the mainstream cope with spatial issues? By igno-
ring them. Never mind that the importance of location confronts us con-
tinually in daily life, or for that matter that urban systems exhibits regu-
larities as strong as any in economics. [...] [E]conomists avoided looking
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As cinco tradições expostas por Krugman são: Geometria Germânica; Física Social; Causação
Cumulativa; Economias Externas Locais; Renda da Terra e Uso da Terra. Por “Geometria Germânica”,
o autor entende as obras de Alfred Weber, Christaller e Lösch, por tratarem da localização industrial
em uma paisagem bi-dimensional. A expressão “Física Social” se refere ao uso de padrões de distribuição
espacial, como a Lei de Zipf e o potencial de mercado e suas aplicações na Economia Regional. A
interpretação de Causação Cumulativa é equivalente à dada no Desenvolvimento Econômico, muito
embora nesse tópico Krugman (1995) dê pouca ênfase a Myrdal e Hirschman. As Economias Externas
Locais são as típicas externalidades de aglomeração, nas quais o autor trata dos aportes de Marshall (e
desconsidera a obra de Jane Jacobs). Por “Renda da Terra” e “Uso da Terra”, Krugman (1995) significa
as derivações do modelo de von Thünen, e claramente não entende a “Renda da Terra” da mesma
maneira que é considerada neste artigo, ao desconsiderar a amplitude do termo e referir-se apenas a
obras à la Von Thünen.
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Considera-se possível trabalhar essas questões a partir de uma abordagem neo-ricardiana também,
embora essa pareça genérica demais para os aspectos da sociedade urbana, ao menos no escopo deste
trabalho. Sobre essa possibilidade, ver Guigou (1984).
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As particularidades dos bens imóveis podem ser resumidas como: não-fungíveis; não plenamente
Assim, a renda fundiária pode ser entendida como um conceito capaz de supe-
rar algumas das limitações expostas anteriormente em relação a outras correntes
do pensamento econômico. Essa renda não necessita de ser mais elevada no centro
das cidades, desde que suas componentes (diferencial, absoluta e de monopólio,
apresentadas a seguir) sigam outra configuração. Além disso, o conceito de renda
da terra é elaborado simultaneamente com uma discussão referente à distribuição
do excedente entre grupos sociais distintos, e considera fatores como a instituição
da propriedade privada da terra e o status entre as diversas áreas no espaço. Dessa
maneira, a renda da terra é capaz mitigar as questões da descontinuidade do espa-
ço urbano e da diversidade de agentes e classes existentes. A partir dessas motiva-
ções, apresentam-se então aportes à teoria da renda da terra, categoria de análise
e instrumento heurístico relegado pela tradição neoclássica6.
divisíveis (tamanho mínimo); suporte para a maior parte das atividades; imobilidade do capital;
irreprodutibilidade da localização.
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Vale mencionar vários dos argumentos apresentados nesta subseção podem ser encontrados mais bem
detalhados em Almeida (2015).
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A composição orgânica do capital pode ser definida pela razão entre a parte do investimento destinado
aos salários (s) e a parte destinada aos bens de capital (c), logo, c/s.
Nesses termos, a Renda de Monopólio pode ser instrumental teórico útil para
compreender elevados preços da terra em áreas remotas, porém provedoras de
“Isto quer dizer que a teoria do ‘ramo imobiliário’ [...] durante longo
tempo setor secundário, progressivamente integrado ao capitalismo, está
ainda em processo de elaboração. Esta teoria (crítica) trata precisamente
do processo de integração, de subordinação ao capitalismo, de um setor
por longo tempo exterior, solidariamente, com a integração da agricul-
tura inteira (salvo as periferias), à indústria e ao capitalismo” (Lefebvre,
2001a, p. 167, grifo meu).
Lemos (1988) oferece uma visão particular da renda da terra urbana, relacio-
nando-a principalmente aos serviços (bens non-tradables) urbanos. Aqui, tem-se
uma visão estritamente econômica, na qual a renda é gerada à parte dos fatores de
aglomeração e desaglomeração dos centros urbanos. Essa visão emerge de seu es-
tudo sobre o movimento do capital no espaço, no qual a renda da terra é vista
como um instrumento heurístico para a compreensão da “Renda Espacial” (renda
urbana), que é considerada mais complexa do que a renda no caso agrícola. Esse
autor procedeu a um retorno a Marx, por entender que as vantagens naturais de
Ricardo, que justificam a Renda Diferencial, não são suficientes para explicar todo
o processo de formação da renda. Por isso, também considera fundamental o con-
ceito de Renda Absoluta de Marx, assim como é feito neste trabalho.
Embora trate da localização das atividades econômicas, e por isso não trate
diretamente da questão residencial, Lemos (1988) oferece uma visão importante
do urbano. Essa ótica retoma a contribuição de Castells, que entende o espaço
urbano a partir do consumo coletivo8. Lemos (1988) estende essa noção de consu-
mo para todo ato de compra e venda, inclusive de mão de obra e meios de produ-
8
Castells foi criticado nesse ponto por autores que entendem o urbano em especial a partir das condições
gerais de produção, como Topalov e Lojkine. Sobre isso, ver Monte-Mór (2007).
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É curioso pensar, nesses termos, que a renda é causada pela aglomeração, ao mesmo tempo em que
causa efeitos sobre a dispersão.
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Nota-se que esse argumento supera a limitação aparente da obra de Marx, que mostrava lucros
declinantes – fato que, mais de cem anos depois de O Capital, quando Topalov escreveu, ainda não dava
claros sinais de que estava acontecendo.
CONCLUSÕES
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Diz-se indiretamente em relação a Ricardo, pois o conceito de renda diferencial em Marx é
essencialmente idêntico ao desse autor, sendo que Ricardo o descreveu décadas antes. O que Marx
acrescentou ao trabalho de Ricardo foi o conceito de renda absoluta, fundamental para resolver o
aparente paradoxo “a terra tem preço, mas não tem valor”. Ver Almeida, 2015; Guigou, 1982.
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