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Fichamentos – Conceitos centrais sobre trabalho e outros termos associados

ANTUNES, Ricardo. A dialética do trabalho: escritos de Marx e Engels. São Paulo:


Expressão Popular, p. 13-34, 2004.

Em “A dialética do trabalho”, Ricardo Antunes apresenta e discute elementos


relacionados ao trabalho a partir de obras de Marx e Engels. Nessa obra, Antunes (2004)
compila textos originais de Marx.
Parte-se da noção que o trabalho é “condição básica e fundamental de toda a vida
humana” (ANTUNES, 2004, p. 11). Durante a sua evolução, o homem desenvolveu
órgãos e a própria linguagem por meio do trabalho. A partir da presença do homem na
natureza, ou seja, a partir do trabalho, a natureza é submetida, dominada, explorada e
isso o diferencia dos animais. Entretanto, essas ações trazem consequências tanto
naturais quanto sociais, o que segundo Antunes (2004), auxilia na compreensão da
conjuntura que constituiu a luta de classes entre burgueses e proletariados após a
revolução industrial e nos próprios efeitos do trabalho no mundo contemporâneo.

Processo de trabalho e processo de valorização

Como Antunes (2004) argumenta, “a utilização da força de trabalho é o próprio


trabalho” (p. 29). Quando um homem compra a força de trabalho de outro, este
vendedor torna-se propriamente a força de trabalho do primeiro. Nesse contexto, o
capitalista faz o trabalhador produzir objetos com valores de uso (que servem para
satisfazer as necessidades de alguém).

Nessa noção “o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em


que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a
natureza” (p. 29). É a apropriação da matéria natural, a partir de sua força, para sua
própria vida, de forma objetivada (idealizada) previamente pelo sujeito. Conforme
Antunes (2004, p. 31), os elementos que constituem o processo de trabalho são “a
atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios”. Objetos do
trabalho (como a terra e a água) já modificados a partir do trabalho são considerados
matérias-primas. Os meios de trabalho são um conjunto de objetos e elementos que
conduzem a atividade a seu objeto de trabalho. Esses meios servem de referência para a
compreensão das condições de trabalho a que os sujeitos estão submetidos.
“No processo de trabalho a atividade do homem efetua, portanto, mediante o meio de
trabalho, uma transformação do objeto de trabalho, pretendida desde o princípio” (p.
34). O processo se encerra no produto e esse produto possui um valor de uso. Esse
produto e seu valor de uso é uma objetivação do trabalho realizado. O meio e o objeto
de trabalho, considerando os produtos, são “meios de produção” e o trabalho
propriamente dito é o “trabalho produtivo”. O valor de uso constitui o produto de um
trabalho e pode ser incorporado como meio de produção de outro produto. Por isso,
produtos são ao mesmo tempo trabalho e condições de processos de trabalho. “Ao
entrarem em novos processos de trabalho como meios de produção, os produtos perdem,
por isso, o caráter de produtos” (p. 36). Nessa noção, o processo de trabalho é ao mesmo
processo de consumo ao gastar seus meios de produção. Considerando que as pessoas
vendem sua força de trabalho ao capitalista, esses indivíduos tornam-se meios de
produção, cuja força de trabalho é consumida e o trabalho que realizam tornam-se
propriedade do sujeito adquirente dessa força (que paga ao empregado por dia/hora/mês,
etc.). “Ao comprador da mercadoria, pertence a utilização da mercadoria, e o possuidor
da força de trabalho dá, de fato, apenas o valor de uso que vendeu ao dar seu trabalho”
(p. 39-40). Nessa lógica, o trabalhador torna-se mercadoria do capitalista, que possui
sua força de trabalho e a transforma em meio de produção de algo que também lhe
pertence.
Adiante, Antunes (2004) discute que o valor de uso do trabalho (os produtos), no
contexto capitalista, é produzido pois se espera que o mesmo tenha valor de troca, que
seja uma mercadoria, tenha valor e mais-valia. Nisso, o processo produtivo pode ser
entendido como um processo de formação de valor. “O valor de uma mercadoria é
determinado pelo quantum de trabalho materializado em seu valor de uso, pelo tempo
de trabalho socialmente necessário à sua produção” (p. 42). Em suma, Marx defende
que o valor de troca de um produto é determinado por funções sociais e históricas (da-se
o exemplo do valor de troca do algodão e da joia).

Salário, preço e lucro


Nesse momento, é apresentado um texto de Marx onde o mesmo discute o valor de uma
mercadoria e como é possível determina-lo. O autor entende que para identifica-lo, é
preciso reduzir as mercadorias a uma expressão comum a todas as mercadorias
existentes, nesse caso, o trabalho (especificamente o trabalho social). Em suas palavras
“uma mercadoria tem um valor porque é uma cristalização de um trabalho social”.
O salário de um trabalho é limitado pelo valor de troca de um produto (sendo
normalmente muitas vezes menores que esse valor).
Marx discorre então que para o cálculo do lucro, deve-se considerar que as mercadorias
são vendidas, em média, “pelos seus verdadeiros valores e que os lucros são obtidos
vendendo-se mercadorias pelo seu valor, ou seja, proporcionalmente à quantidade de
trabalho nelas incorporada” (p. 68).

Adiante, Marx analisa o valor específico do trabalho (p. 68).

MULLER, Hans Peter. Trabalho, profissão e “vocação”; o conceito de trabalho em Max


Weber. In: O trabalho na história do pensamento ocidental. Petrópolis: Vozes, p.
237, 2005.

Apresentando outras noções a respeito do trabalho, Müller (2005) discute os


pressupostos que fundamentam este conceito em Max Weber. Inicialmente, o autor
argumenta que “o trabalho, sua significação, o surgimento da organização racional do
trabalho, bem como da relação entre vocação e identidade” (p. 234) são temas centrais
na obra de Weber, especialmente em suas análises da ascensão do capitalismo ocidental.
A respeito de sua ampla formação, Weber estudou o trabalho em quatro
domínios: da estrutura técnica e econômica (organização do trabalho); da estrutura
social (relações entre profissão e estratificação social); da estrutura política (classes e
partidos) e; da estrutura cultural (relações entre vocação, personalidade e modo de vida
a partir do trabalho). Weber é inclusive um dos responsáveis pela fundação da chamada
sociologia do trabalho e das organizações. Todavia, ressalta-se que o trabalho não é uma
noção-chave em sua obra, já que o pensador alemão inclusive não formula um conceito
filosófico ou antropológico sobre a questão, como Marx o fez (MÜLLER, 2005).
Considerando os domínios de estudo de Weber, Müller (2005) discute nesse
texto especialmente aspectos relacionados aos domínios estrutural e cultural do
trabalho, haja visto que para o pensador alemão, essa categoria é uma das principais
instituições sociais. No entanto, para compreender o conceito de trabalho em Weber,
Müller (2005) percorre cinco etapas.
Primeiramente, as discussões sobre trabalho para Weber perpassam a própria
ascensão do capitalismo e a configuração da modernidade no Ocidente, marcada por um
modelo de racionalização das relações. Nesse sentido, Weber entende que o trabalho
figura como um dos principais elementos para se compreender este movimento. O que
chama atenção, contudo, é que o capitalismo ocidental se desenvolve como tal devido a
aspectos culturais que envolvem o trabalho, especialmente a partir de uma ordem
religiosa que trata o trabalho como um tipo de vocação, um ideal transcendental para o
indivíduo. Por isso, a racionalização do trabalho torna-se institucionalizada, implicando
em uma série de transformações na sociedade.
Nessa discussão que envolve a chamada ética protestante e o desenvolvimento
do capitalismo a partir do trabalho, Müller (2005) discorre que o trabalho é um
elemento essencial para a reprodução natural e social da humanidade. No entanto, o
trabalho é algo penoso e indesejável para aqueles sujeitos que buscam uma “boa vida”.

A ética puritana que fundamenta a ética social da sociedade capitalista ocidental


se baseia em certos aspectos relacionados ao trabalho: o lucro monetário, a ideia do
dever profissional e a competência no trabalho.
O trabalho e a prosperidade econômica, a partir da ética puritana ou protestante,
tornam-se signos promissores que indicavam que o indivíduo figurava entre os eleitos
que estariam salvos por Deus, segundo o dogma da pré-destinação. Ou seja, nessa
concepção, o trabalho torna-se um tipo de vocação divina. “O trabalho em sua forma
concreta fornece a espinha dorsal institucional da conduta religiosa” (p. 247). Dessa
ética puritana, contudo, Weber discute que o capitalismo moderno desenvolveu uma
nova ética, com a qual o trabalho (ofício) e a acumulação são elementos centrais da
vida. Disso vem a metáfora da gaiola de ferro que o capitalismo ocidental impõe e
envolve sobre as pessoas.
Outro aspecto interessante no que se refere às discussões weberianas sobre o
trabalho está relacionado às naturezas do trabalho rural e do trabalho industrial, bem
como a organização do trabalho moderna (MÜLLER, 2005). Em suas pesquisas
direcionadas a novas organizações do trabalho na Alemanha do fim do século XIX,
Weber discute implicações do capitalismo na forma de significação do trabalho para os
indivíduos, descrevendo aspectos tais como o aparecimento de trabalhadores
assalariados no campo e a nova classe operária industrial.
Finalmente, Müller (2005) traz a discussão que encerra o capítulo, congregando
os principais argumentos de Weber em relação ao trabalho. Nesse sentido, destaca-se
como o pensador alemão discute esta categoria sob uma perspectiva histórica e social,
ressaltando como o conceito e as práticas mudaram ao longo dos anos, de uma recusa ao
trabalho na Antiguidade, para uma ética puritana de valorização e santificação do ofício,
até a ética capitalista, que se distancia da proposta anterior (apesar de ter sido
constituída por ela) e trata o trabalho como um tipo de atividade “sem vocação”, sem
identidade, que fornece os meios necessários para se viver. Contudo, Müller (2005)
questiona se essa noção é definitiva ou se o próprio Weber não consideraria mudanças
sociais nas relações de trabalho.

RAMOS, Alberto Guerreiro. A Nova ciência das organizações: uma reconceituação da


riqueza das nações. Fundação Getúlio Vargas, 1981.

Seguindo as discussões, Guerreiro Ramos (1981), em “A nova ciência das


organizações”, também traz importantes reflexões sobre o trabalho e suas relações na
sociedade contemporânea. O debate de Ramos (1981) está centralizado sobretudo nas
noções de racionalidade instrumental e substantiva que permeiam o trabalho.
No texto em questão, Ramos (1981) procura apresentar uma reflexão crítica em
torno das ciências organizacionais, fundamentada em uma proposta de teoria das
organizações de racionalidade substantiva. Essa noção busca, sobretudo, apresentar
novos direcionamentos epistemológicos para se pensar em relações nas organizações, o
que impacta diretamente nas formas de se pensar o trabalho.
Primeiramente, Guerreiro Ramos chama atenção para a necessidade de se
repensar a noção de racionalidade predominante na teoria organizacional, direcionada
ao comportamento econômico como totalizante da condição existencial humana. Nesse
tipo de racionalidade instrumental, assume-se que todas as ações do homem são
movidas pelo interesse de elevar ganhos econômicos, ou seja, é voltada para os fins da
ação. Essa configuração, conforme o autor apresenta fortes elementos ideológicos
(RAMOS, 1981).
Ramos (1981) propõe que a organização formal, nos termos hegemônicos, é um
construto que deve ser considerado em um contexto sócio e histórico, do capitalismo e
da modernidade. Ou seja, não é uma noção universal e que, portanto, não pode ser
pensada como um paradigma de organizações. Aliás, para o autor, é plenamente
possível considerar um tipo de organização baseada em uma racionalidade substantiva.
Adiante, o autor argumenta que um possível caminho para se superar a visão
economicista tem seu fundamento em correntes que reconhecem o interacionismo
simbólico. Nesse sentido, pressupõe-se que a essência da realidade é constituída por
diferentes interações simbólicas que podem tanto trazer concepções instrumentais
quanto substantivas, a depender de engajamentos nessa direção, o que incorreria em
mudanças profundas nas relações interpessoais nas organizações.
Por fim, essa abordagem traz implicações diretas às relações de trabalho. Ramos
(1981) narra que a teoria das organizações convencional, baseada em um sistema de
mercado, atribui uma visão mecanomórfica ao homem, o que impossibilita a distinção
entre trabalho e ocupação. Para Ramos (1981, p. 130), o trabalho “é a prática de um
esforço subordinada às necessidades objetivas inerentes ao processo de produção em
si”. Por sua vez, a ocupação é “a prática de esforços livremente produzidos pelos
indivíduo em busca de sua atualização pessoal” (p. 130). No sistema de mercado, o
homem é tido apenas como um requisito do plano mecânico de produção (ou um meio
de produção, nos termos de Marx) e seu trabalho é item de custo, direcionado apenas ao
salário. Ramos discute que esse sistema também traz elementos ideológicos que
fundamentam uma ética do trabalho (próxima à ética puritana discutida em Weber), em
que essa atividade é tomada como um instrumento de medição do valor e da dignidade
humana. Ramos (1981) entende que distinção entre trabalho e ocupação precisa ser
superada e que a consideração do trabalho como indicativo de valor é apenas um
“expediente psicocultural, usado para minimizar a dissonância cognitiva e o conflito
interior”, haja visto que o trabalho é “naturalmente” algo que o ser humano despreza.
Posto dessa forma, Guerreiro Ramos (1981) defende um programa de mudança
epistemológica no que se refere aos estudos organizacionais, em direção ao
reconhecimento de formas substantivas de organizações, para além da primazia de uma
racionalidade instrumental.

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