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O LUGAR DOS JUROS

EBD (16/10/2022) – IPB

Ilustração: “Amanhã é segunda-feira, legal ou afz?”


A maioria de nós acorda de mau humor no primeiro dia útil da semana.
Esse comportamento é chamado de “depressão da segunda-feira”. Muitas
pessoas tentam dar uma “desculpa” do motivo: 1) bagunça no relógio
biológico; 2) o fato da segunda estar tão distante da sexta; 3) de nos
sentirmos mais feios ou nossa saúde não estar tão bem na segunda; ou 4) o
simples fato de não gostarmos do nosso trabalho (neste caso já começamos
a nos deprimir no domingo à noite)1. O fato é que temos um problema com
o trabalho.

INTRODUÇÃO

 O trabalho é visto como um “mal necessário” – pela Bíblia, o trabalho, é uma


bênção que deve ser desenvolvida e desfrutada ao máximo (Gn 2.15)
O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar. (Gn
2.15)
o O trabalho é um dom de Deus e devemos usufruí-lo (Sl 128.1, 2; Ec
3.12-13) – Se o próprio Filho de Deus “se fez carne”, muito evidente
que nós não devemos menosprezar o material (não me refiro a atos
pecaminosos)2
Bem-aventurado aquele que teme o Senhor e anda nos seus caminhos!
Você comerá do fruto do seu trabalho, será feliz, e tudo irá bem com você. (Sl 128.1,2)
Sei que não há nada melhor para o ser humano do que alegrar-se e aproveitar a vida ao
máximo.
Sei também que poder comer, beber e desfrutar o que se conseguiu com todo o trabalho
é dom de Deus. (Ec 3.12,13)
o Deus nos concede talentos e habilidades que devem ser usados
 O pecado estragou, inclusive, nossas relações comerciais, nosso desempenho
profissional e todas as coisas relacionadas ao trabalho e economia (salário,
preço justo, juros, lucro, etc.) (Gn 3.17-19) – esse é o segredo da “depressão da
segunda-feira”
E a Adão disse: — Por ter dado ouvidos à voz de sua mulher e comido da árvore que eu havia
ordenado que não comesse, maldita é a terra por sua causa; em fadigas você obterá dela o
sustento durante os dias de sua vida.
Ela produzirá também espinhos e ervas daninhas, e você comerá a erva do campo.
No suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, pois dela você foi formado;
porque você é pó, e ao pó voltará. (Gn 3.17-19)

1
A ciência explica: por que odiamos tanto as segundas-feiras? Mega Curioso (Website). 2018.
Disponível em: <https://www.megacurioso.com.br/comportamento/53459-a-ciencia-explica-por-que-
odiamos-tant o-as-segundas-feiras.htm>. Acesso em: 15 out. 2022.
2
SMITH, William S. A vida crista (Ética). Curso Bíblico-Teológico por Extensão do Instituto Bíblico
Eduardo Lane (CEIBEL). 2022.
 Em que a tradição reforma nos ajuda nessa área? – Tudo pertence a Deus,
portanto, ao lado da liberdade de usufruir do labor, há outras considerações que
temos que considerar. Entre elas, temos a santificação. A santificação exige que
tanto a aquisição de bens como o uso deles sejam de acordo com a vontade de
Deus3

OBJETIVO: o trabalho honesto é o meio ordinário, dado por Deus, para o nosso
sustento, para benefício da sociedade, amparo ao necessitado e para a glória de
Deus (trabalhar bem é um modo de glorificar a Deus).

PROPOSIÇÃO: para entendermos, iremos aprender 1) como o romanismo entendia o


lucro; depois veremos 2) como a Bíblia trata a obtenção de recursos e 3) como a
teologia reforma entende a aplicação dos princípios bíblicos acerca desse assunto.

1 A IGREJA ROMANA E O LUCRO


1.1 O catolicismo sempre condenou o lucro de modo hipócrita
1.1.1 A igreja católica era extremamente rica (acumulou mais posses que
qualquer outro reino da época) e possuía Ordens Mendicantes que
defendiam os mercadores (associados à usura pela igreja)
1.1.1.1 As Ordens Mendicantes eram formadas por Franciscanos4 e
Dominicanos5 e tinham o intento de “justificar o mercador”
(seus membros eram, em sua maioria, provenientes de
famílias abastadas).
1.1.1.2 Viviam de doações e esmolas e foram combatidos pelos
reformadores por ganharem a vida sem trabalhar
(indolentes)

PANORAMA DO TEXTO – Sl 15
 O salmo enfoca requisitos para o homem se aproximar de Deus no santuário
respondendo à pergunta: “quem pode entrar no santo lugar de Deus?”
 v. 2-5 são apresentados 10 requisitos morais (e não religiosas):

3
SMITH, 2022.
4
Ordem criada e composta por cristãos, não necessariamente sacerdotes, que assumiram a missão de
viver e pregar o Evangelho, passando a viver da generosidade dos fiéis. Disponível em:
<https://franciscanos.org.br/carisma/as-ordens#gsc.tab=0>. Acesso em: 14 out. 2022.
5
Ordem religiosa católica fundada por São Domingos de Gusmão (sacerdote) e formada por frades que
vivem em comunitariamente em conventos pregando e estudando a Palavra, e orando
comunitariamente. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_dos_Pregadores>. Acesso em:
14 out. 2022.
o 1) vive com integridade, 2) que pratica a justiça; 3) fala a verdade; 4) não
difama; 5) não faz mal ao próximo; 6) não lança injúria; 7) despreza o
que merece reprovação; 8) honra ao que teme ao Senhor; 9) jura e
cumpre; 10) não empresta com usura nem aceita suborno.
 v. 5 – Em Israel, não era permitido cobrar juros de um compatriota (Dt
23.19-20).
— De um compatriota vocês não devem cobrar juros, ao emprestarem dinheiro, comida ou
qualquer coisa que se costuma emprestar com juros.
Aos estrangeiros vocês podem emprestar com juros, porém aos seus compatriotas vocês não
devem emprestar com juros, para que o Senhor, seu Deus, os abençoe em todos os seus
empreendimentos na terra que vocês vão possuir. (Dt 23.19,20)

o Os empréstimos só eram feitos em situações de extrema necessidade,


por isso exigência de juros era uma forma de “extrema exploração”.
o Os dois princípios aqui são: 1) não se enriquecer pelo trabalho de outro,
e 2) não ser injusto.6

2 O EMPRÉSTIMO NA BÍBLIA
2.1 No v. 5, “usura” tem o significado de “interesse, morder, mastigar”.
2.1.1 Refere-se a intenção de extorsão7 sobre o bem emprestado
2.2 Todas as esferas da nação de Israel era uma reflexão de seus valores
teológicos, inclusive a esfera econômica
2.2.1 O empréstimo envolvia a perspectiva de aliviar a pobreza
2.2.2 A Lei não obrigava o cidadão a emprestar, mas havia condições contra
a usura (Êx 22.25; Lv 25.36-37; Dt 24.6, 10-13).
— Se você emprestar dinheiro a alguém do meu povo, ao pobre que está com você,
não trate com ele como um credor que impõe juros. (Êx 22.25)
Não cobre dele juros nem ganho, mas tema o seu Deus, para que esse seu irmão
possa viver perto de você.
Não cobre juros sobre o dinheiro que emprestar a ele, nem dê mantimento a ele
esperando obter lucro. (Lv 25.36, 37)
— Não se tomarão em penhor as duas pedras de moinho, nem apenas a de cima,
porque assim se acabaria penhorando a própria vida.
— Se você emprestar alguma coisa a seu próximo, não deve entrar na casa dele para
lhe tirar o penhor.
Fique do lado de fora, e o homem a quem você fez o empréstimo trará o penhor até
você.
Porém, se for homem pobre, não fique com o penhor durante a noite;
ao pôr do sol, restitua-lhe, sem falta, o penhor para que durma no seu manto e
abençoe você; isto será para você um ato de justiça diante do Senhor, seu Deus. (Dt
24.6, 10-13)
2.2.3 Esses princípios não se restringiam ao dinheiro (Dt 23.19)

6
MACDONALDO, William. Comentário bíblico popular: Antigo Testamento. São Paulo: Mundo Cristão,
2010.
7
Ato de obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo, por meio de violência, com a intenção de obter
vantagem (Google Dictionary).
2.3 Com o estrangeiro o princípio era diferente (Dt 23.20)
2.3.1 Esse preceito visa equilibrar as relações comerciais (nações
estrangeiras cobravam juros naturalmente)
2.3.2 O ato de cobrar juros era comum na Antiguidade e os juros eram
altíssimos (~50%).
2.3.2.1 Os juros aos estrangeiros não eram extorsivos, visto que
quebrariam os próprios princípios da Lei e não eram
cobrados juros adicionais, o que inviabilizaria a quitação (o
que é oposto a agiotagem8).
2.4 Deus sempre expõe a nossa responsabilidade em rejeitar comportamentos
pecaminosos: não dar o dinheiro à usura e aceitar suborno (Ez 18.8, 13;
22.12)
[...] não empresta para ter lucro e não cobra juros; desvia a sua mão da injustiça e é imparcial
ao julgar uma questão entre duas pessoas;
[...] emprestar para ter lucro e cobrar juros, será que esse viverá? Não viverá. Ele fez todas
estas abominações e será morto; é responsável pela própria morte.
[...] Em seu meio, aceitam suborno para derramar sangue. Você emprestou com usura e
cobrou juros. Você explorou o seu próximo com extorsão. Mas de mim você se esqueceu, diz
o Senhor Deus." (Ez 18.8, 13; 22.12)
2.4.1 Pessoas que agem assim não serão abençoados por Deus (Pv 19.17;
28.8)
Quem se compadece do pobre empresta ao Senhor, e este lhe retribuirá o benefício.
(Pv 19.17)
Quem aumenta os seus bens com juros e ganância ajunta-os para o que se
compadece dos pobres. (Pv 28.8)

3 UMA COMPREESÃO PRÁTICA DA TEOLOGIA REFORMADA


3.1 Considerando os textos bíblicos, Calvino gerou uma revolução social
3.1.1 Apresentou uma visão bíblica da questão do trabalho e dos juros
3.2 Os reformadores entendem que “a indolência e a inatividade são
amaldiçoadas por Deus”
3.2.1 Quando Deus ordenou ao homem (no jardim e na terra prometida)
que cultivasse a terra, Ele, implicitamente, condenou toda indolência.
3.2.2 O homem é apenas o administrador dos bens de Deus e, portanto,
somos responsáveis perante Ele9.
3.2.3 Embora, após o pecado, o trabalho seja penoso, a graça de Deus
atenua sua severidade com uma dose de satisfação.
3.3 O trabalho está relacionado com o progresso de toda a raça humana
3.3.1 Na mordomia, o importante é o bem-estar de todo homem em todo
lugar e época [voto também!] – Sempre estamos devendo o amor (Rm
13.8). Meu amor para com os irmãos é muito mais importante do que
o uso das coisas em questão (1 Co 8; 10.23—33; Gl 5.13)10.

8
Empréstimo a juros superiores à taxa legal (usura) (Google Dictionary).
9
SMITH, 2022.
10
SMITH, 2022.
3.3.2 Paulo censura os preguiçosos que querem viver pelo suor dos outros,
não contribuindo com nenhum serviço à comunidade (2Ts 3.10)
Porque, quando ainda estávamos com vocês, ordenamos isto: "Se alguém não quer
trabalhar, também não coma." (2Ts 3.10)
3.4 Quanto ao ganho ilícito (onde o patrimônio do próximo é dilapidado) é uma
forma de furto (agiotagem)
3.4.1 Isso é usar os labores de outra pessoa em seu próprio benefício.
3.5 Quanto ao empréstimo, Calvino distinguia o “empréstimo de assistência”
(socorrer os necessitados, sendo improdutivo para o devedor) e o
“empréstimo de aplicação” (o devedor com o seu trabalho adquiriria uma
ampliação desses recursos)
3.5.1 No NT, 1 versículo em cada 16 fala sobre riquezas e pobreza! A
Bíblia, evidentemente está muito preocupada, com os pobres11.

CONCLUSÃO

 Não devemos tratar com naturalidade o “jeitinho brasileiro”.


 Deus nos fornece princípios para que os sigamos:
o Não sermos inativos (mas cultivar a terra)
o Fazer o bem para a sociedade com o nosso trabalho (dependemos disso)
o Não ganhar pelo trabalho de outro
o Nosso labor deve servir ao sustento de nossa família e auxílio ao
necessitado (causa missionária)
 Usufruir da graça sem buscar a obediência é menosprezar a obediência de Cristo
(Ef 2.8-10)

APLICAÇÃO

 O pecado bagunçou tudo. Nosso dever é ser uma embaixada.


o Restaurar o valor do trabalho como ser humanos e servos de Deus
 Ainda que o dinheiro emprestado a juros seja permitido o trabalho honesto é o
que deve ser a nossa fonte de recursos
o Não devemos nos aproveitar das necessidades alheias
o Um princípio para nossas negociações é que deve haver benefício
mútuo.
 O caminho mau sempre parece mais eficaz
o Sucesso não pode ser considerado apenas à luz do tempo breve (Sl 73)

11
SMITH, 2022.
 De que maneira podemos aplicar esses princípios em nosso trabalho e
glorificar a Deus?
o Devemos prestar nossos serviços da melhor maneira que pudermos
o Devemos pagar salários justos

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