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A dupla-hélice
Todas as células transportam informações
biológicas no DNA (ácido
desoxirribonucleico), uma molécula
perfeitamente adequada a seus duplos papéis
no armazenamento e transmissão de
instruções genéticas. Em última análise, isso
se resume ao fato de que o DNA forma
filamentos em pares em uma hélice dupla,
uma estrutura fácil de copiar e de corrigir.

A dupla-hélice é o ícone definitivo da biologia. Como o átomo,


sua estrutura lindamente simples é tão reconhecível que
simboliza todo um ramo da ciência. Mas, embora a escada em
espiral do DNA possa ser visualmente atraente, sua composição
química é muito menos interessante, o que ajuda a explicar por
que seu material genético foi negligenciado por mais de 75 anos.

Em 1868, o médico suíço Friedrich Miesler passou a estudar


bioquímica com o modesto objetivo de descobrir os blocos
construtores da vida. Primeiro, ele se concentrou em proteínas,
que eram vitais para a função celular e abundantes no
citoplasma, mas um ano depois, em testes em que o ácido foi
adicionado aos glóbulos brancos extraídos do pus, um composto
rico em fósforo se precipitou da solução. Percebendo que tinha
vindo do núcleo, Miesler o chamou de “nucleína”. Outros
cientistas começaram a estudar o composto, inclusive o alemão
Albrecht Kossel, que demonstrou a presença de riboses e de
quatro bases. A nucleína foi posteriormente chamado de ácido
desoxirribonucleico: DNA (sigla em inglês).

Em 1910, constatou-se que os cromossomos, uma mistura de


proteínas e ácidos nucleicos, carregavam genes. A maioria dos
biólogos acreditava que as proteínas eram o material genético,
principalmente porque seus blocos construtores são mais
variados e complexos: vinte aminoácidos versus quatro bases. O
DNA era tedioso e simplesmente não empolgou os cientistas.

Resolvendo a estrutura No entanto, em meados do século XX,


alguns biólogos moleculares, inclusive o norte-americano James
Watson e o britânico Francis Crick, da Universidade de
Cambridge, se convenceram de que o DNA era importante.
Enquanto isso, no laboratório de Maurice Wilkins, no King’s
College, em Londres, Rosalind Franklin disparava raios X através
de cristais contendo moléculas de DNA. Em 1951, imagens do
padrão de raios difratados fizeram Franklin pensar que o DNA
era uma espiral. Ela mudou de ideia, mas, quando Wilkins
mostrou as imagens de Franklin para Watson, elas o inspiraram.
No início de 1953, Linus Pauling, o químico norte-americano que
ganhou um Prêmio Nobel pelas ligações químicas, propôs uma
hélice tripla. Lawrence Bragg, o chefe de Watson e Crick, tinha
uma rivali-dade de longa data com Pauling, e a busca por uma
solução para a estrutura do DNA logo virou uma competição.

“Muitas vezes receamos que a estrutura


correta pudesse ser monótona… a descoberta
da dupla-hélice nos trouxe não apenas
alegria mas também grande alívio.”
James Watson

Watson e Crick combinaram seus conhecimentos de


cristalografia e química para construir modelos plásticos de
DNA. Crick percebeu que dois filamentos podiam ser
antiparalelos, com espirais girando em direções opostas, de
modo que cada hélice era um esqueleto de fosfato de açúcar com
bases voltadas para dentro, como os dentes de um zíper. O
próximo passo foi encaixar as bases do DNA entre os dois
filamentos. Em 1950, o bioquímico austríaco Erwin Chargaff
descobriu que as amostras de DNA contêm quantidades iguais
das bases adenina e timina (A e T), enquanto a proporção de
citosina para guanina (C para G) também é igual. Essa
descoberta, a “regra de paridade” de Chargaff, explica como
duas hélices permanecem juntas: cada base em pares de
filamentos com seu parceiro complementar na outra cadeia, A
com T, C com G. A estrutura da dupla-hélice foi enfim resolvida.

Replicação de DNA O artigo de Watson e Crick de 1953,


“Molecular structure of nucleic acids” [Estrutura molecular dos
ácidos nucleicos], inclui uma das maiores subavaliações da
história científica: “Não escapou à nossa observação que o
emparelhamento específico que postulamos sugere
imediatamente um possível mecanismo de cópia para o material
genético”. O segundo estudo da dupla, “Genetical implications
of the structure of deoxyribonucleic acid” [Implicações genéticas
da estrutura do ácido desoxirribonucleico], publicado um mês
depois do primeiro, elaborou o mecanismo: os dois filamentos
separam-se durante a replicação, cada qual usado como modelo
para fazer uma duplicata de seu antigo parceiro. Como as novas
moléculas mantêm um filamento da hélice original, o processo é
considerado “semiconservativo”.

O material genético
A prova sólida de que o DNA – e não a proteína – é a molécula que
transporta genes veio de Oswald Avery, Colin MacLeod e Maclyn
McCarty em 1944. Em 1928, o bacteriologista britânico Frederick
Griffith já havia demonstrado que, após uma cepa mortal de
pneumococo ser destruída pelo calor, seus restos podiam
transformar microrganismos não virulentos em uma nova cepa
capaz de matar camundongos. Griffith acreditava que suas
bactérias haviam mudado ao absorver um “princípio
transformador”. A equipe canadense e norte-americana de Avery,
MacLeod e McCarty separou os restos da cepa letal em frações e,
por meio de um processo de eliminação, usando enzimas para
digerir moléculas específicas, provou que o “princípio
transformador” era o DNA. Em 1952, os geneticistas norte-
americanos Alfred Hershey e Martha Chase confirmaram o papel
do DNA na hereditariedade, mostrando que, quando uma
bactéria é infectada pelo vírus do bacteriófago T2, proteínas
virais radioativamente marcadas não entram na célula, mas o
DNA viral entra. Os biólogos descobriram que, embora todas as
células usem DNA como material genético, os vírus podem usar
outros arranjos estruturais de ácido nucleico, inclusive o RNA de
filamento duplo e DNA de filamento simples.

Os biólogos moleculares sabem agora que o processo de


replicação é complexo e envolve muitas enzimas, inclusive a
DNA-polimerase. No entanto, isso também é universal,
destacando por que a estrutura de dupla-hélice é tão bem-
adaptada à transmissão de informações hereditárias: filamentos
complementares facilitam a cópia das instruções da natureza, o
que explica por que, em 28 de fevereiro de 1953, Crick correu até
um bar local em Cambridge e declarou que ele e Watson haviam
descoberto “o segredo da vida”.

Reparo de DNA Embora o DNA seja uma molécula relativamente


estável, sua adequação para o armazenamento genético não é
química e se deve à sua capacidade de fixar mutações. Em 1949,
os microbiologistas norte-americanos Albert Kelner e Renato
Dulbecco descreveram de forma independente os efeitos
prejudiciais da luz ultravioleta. Kelner estava estudando
bactérias Streptomyces, enquanto Dulbecco analisava bactérias
infectadas por vírus. Os dois notaram que os organismos se
recuperavam da exposição aos raios ultravioleta após serem
colocados em luz visível, um processo chamado de
fotorreativação enzimática, que conserta pequenas
protuberâncias na dupla-hélice que, de outra forma, obstruiriam
a capacidade de uma célula ler o DNA.

Se não forem corrigidas, as mutações se acumulam


rapidamente, à medida que as células se dividem e o DNA se
replica, aumentando a probabilidade de alterações prejudiciais
em um gene. Milhares de lesões aleatórias de DNA são
desencadeadas todos os dias, mas poucas se tornam
permanentes graças a vários processos de reparo de RNA. Reparo
por excisão de base corrige letras específicas: as DNA glicosilases
detectam mudanças ao mexer as bases, como um dentista
ansioso que verifica se há dentes podres em um paciente.
Enquanto isso, o reparo por excisão de nucleotídeos conserta
várias letras por vez.
Danos aos dois filamentos de DNA são um desastre em potencial
para as células, então essas mutações são rapidamente
corrigidas. A união de extremidade não homóloga raspa fora
algumas bases e depois cola as pontas quebradas – uma solução
instantânea que acarreta uma mutação. A recombinação fornece
um método mais preciso, a união de extremidade homóloga, já
que o DNA de um cromossomo correspondente se torna um
modelo para o reparo. Isso ilustra um benefício importante da
dupla-hélice: cada filamento serve como cópia de segurança
para o outro; portanto, se um estiver danificado, o outro
filamento poderá ser usado para recuperar quaisquer dados
genéticos faltantes.

A ideia condensada:
A estrutura do DNA é feita para
replicação e reparo

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