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Espiritualidade Cristã em Tempos Pós-Modernos
Espiritualidade Cristã em Tempos Pós-Modernos
ROBERT RAUTMANN
CURITIBA
2016
ROBERT RAUTMANN
CURITIBA
2016
Dados da Catalogação na Publicação
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR
Biblioteca Central
Rautmann, Robert
R192e Espiritualidade cristã em tempos pós-modernos / Robert Rautmann ;
2016 orientador, Clodovis Boff. -- 2016
163 f. ; 30 cm
Sem dúvidas minha gratidão total ao Deus Uno e Trino, Àquele que é, que era e que
vem. Ouviu todas as minhas lamentações, queixas e tristezas, mas veio até mim, me
ergueu e me amparou. Serei eternamente grato a Ele!
À Virgem Maria, mãe de todas as horas, intercessora fiel e modelo de dIscípula para
mim.
À minha querida e amada esposa – Helen. O Salmo 127 (128) refere-se à esposa
como uma videira bem fecunda no coração da casa daquele que é abençoado por
Deus. Sinto-me abençoado por tê-la como minha companheira e esposa. Agradeço
por todo seu esforço dispendido durante estes longos anos de estudos acadêmicos.
Cumplicidade em partilhar um sonho meu. Espero poder recompensá-la, um dia, por
TODAS as coisas.
Aos meus queridos e amados filhos – Michel, Thabita, Rebecca e Ana Clara. Que eu
possa deixar a vocês, mais do que uma herança financeira, a convicção de que a
experiência de ser amado por Deus e retribuir este amor é a realização mais plena
do ser humano. Muito obrigado por vocês fazerem de mim uma pessoa melhor e
obrigado pelo carinho, atenção, respeito, paciência que têm comigo.
Ao meu tutor (e, mais que isto, amigo) Ângelo Cardita, que demostrou que é
possível conjugar um agudo espírito de pesquisa científica com um efetiva prática
pedagógica, mesmo no ensino superior!
À Pontifícia Universidade Católica pela oportunidade de ter sido seu aluno nestes
últimos quatro anos, pela oportunidade oferecida para o estágio na Université Laval
(Québec – CA). Agradeço à coordenação do curso de Bacharelado em Teologia e
do Programa de Pós-Graduação em Teologia, bem com a todos os seus
funcionários.
MUITO OBRIGADO!
Nous sommes convoqués, comme
chrétiens, à répondre théoriquement et
pratiquement à la question : comment
vivre notre foi chrétienne en situation
pluraliste ? Mieux, quel modèle de
spiritualité chrétienne doit-on favoriser en
pareille conjoncture?
(BERGERON, 2004, p. 111)
RESUMO
1 INTRODUÇÃO............................................................................... 16
2 COMPREENDENDO A ESPIRITUALIDADE CRISTÃ .................. 19
2.1 DEFINIÇÕES DO TERMO ESPIRITUALIDADE ............................ 19
2.2 ESPIRITUALIDADE CRISTÃ ORIGINÁRIA ................................... 24
2.2.1 Espiritualidade Fundante e Espiritualidades Fundadas ........... 24
2.2.2 Automanifestação de Deus ......................................................... 25
2.2.3 A Plenitude da Revelação ........................................................... 27
2.2.4 Mística ........................................................................................... 29
2.2.5 A missão como decorrente da espiritualidade cristã ............... 33
2.3 A ESPIRITUALIDADE NA TRADIÇÃO CRISTÃ ............................ 34
2.3.1 Desenvolvimento histórico do termo “espiritualidade” no
cristianismo................................................................................................... 34
2.3.2 A vivência da espiritualidade cristã ao longo dos séculos ...... 41
3 O CONTEXTO DA PÓS-MODERNIDADE .................................... 64
3.1 ORIGEM DO TERMO “PÓS-MODERNIDADE” ............................. 64
3.2 PÓS-MODERNIDADE E SEUS CORRELATOS............................ 71
3.2.1 Modernidade radicalizada ou reflexiva ...................................... 71
3.2.2 Projeto inacabado de modernidade: .......................................... 72
3.2.3 Hipermodernidade ....................................................................... 72
3.2.4 Modernidade líquida .................................................................... 73
3.3 CARACTERÍSTICAS DA PÓS-MODERNIDADE ........................... 74
3.3.1 Dissolução da história ................................................................. 74
3.3.2 Da ética à estética ........................................................................ 75
3.3.2.1 Carpe diem ............................................................................................ 75
3.3.2.2 Evasão para o privado ........................................................................... 76
3.3.3 Crepúsculo da razão e explosão do sentimento ....................... 78
3.3.4 O indivíduo fragmentado ............................................................ 79
3.3.5 O boom do sagrado e o “retorno” de Deus ............................... 80
4 A ESPIRITUALIDADE CRISTÃ DIANTE DA PÓS-MODERNIDADE
....................................................................................................... 83
4.1 A BUSCA DO SAGRADO .............................................................. 83
4.2 DO CONCÍLIO VATICANO II ATÉ NOSSOS DIAS ....................... 94
4.2.1 A década de Sessenta ................................................................. 97
4.2.2 A década de Setenta .................................................................... 99
4.2.2.1 A espiritualidade da Teologia da Libertação ......................................... 100
4.2.2.2 A espiritualidade popular ...................................................................... 101
4.2.2.3 Novos Movimentos Eclesiais ................................................................ 102
4.2.2.4 Revisões literárias sobre a espiritualidade ........................................... 104
4.2.3 A década de Oitenta .................................................................. 106
4.2.3.1 Tentativas de unificação ....................................................................... 106
4.2.3.2 Movimentos de New Age...................................................................... 107
4.2.3.3 Catecismo da Igreja Católica ................................................................ 108
4.2.4 A virada do Milênio .................................................................... 108
4.2.4.1 Retomada da vida consagrada e sacerdotal......................................... 108
4.2.4.2 O restauracionismo .............................................................................. 109
4.2.4.3 O interesse crescente pela vida espiritual ............................................ 110
4.2.4.4 Espiritualidade cristã através da Internet .............................................. 110
4.2.5 Algumas temáticas recorrentes na contemporaneidade ....... 111
4.2.5.1 Espiritualidade leiga (ou laical) ............................................................. 111
4.2.5.2 Justiça e solidariedade com os pobres ................................................. 113
4.2.5.3 Espiritualidade Feminista ..................................................................... 116
4.2.5.4 Redescoberta da espiritualidade Mariana ............................................ 118
4.2.5.4.1 EVOLUÇÃO................................................................................. 118
4.2.5.4.2 PROBLEMA ................................................................................ 118
4.2.5.4.3 CRISE .......................................................................................... 119
4.2.5.4.4 REDESCOBERTA ....................................................................... 119
4.2.5.5 Espiritualidade Ecológica ..................................................................... 120
4.3 CRISES E OPORTUNIDADES .................................................... 122
4.3.1 Situações de crise ..................................................................... 123
4.3.1.1 Crise da instituição ............................................................................... 123
4.3.1.2 Crise da pastoral .................................................................................. 125
4.3.1.2.1 MOVIMENTOS RELIGIOSOS DE CUNHO CARISMÁTICO ....... 125
4.3.1.2.2 PASTORAL PROPOSTAS PELAS PARÓQUIAS ...................... 126
4.3.2. Pontos polêmicos ...................................................................... 127
4.3.2.1 Fuga no espiritualismo ......................................................................... 127
4.3.2.2 A demonização do novo ....................................................................... 128
4.3.3. Oportunidades ........................................................................... 130
4.3.3.1 Um relacionamento pessoal e direto com o texto bíblico ...................... 130
4.3.3.2 Descentralização progressiva .............................................................. 131
4.3.3.3 O incremento do diálogo com outras Igrejas, outras religiões bem como a
sociedade em geral ................................................................................................ 132
4.3.3.4 O impacto das novas tecnologias ......................................................... 133
4.3.3.5 Redescoberta de formas contemplativas.............................................. 135
4.3.3.6 Bricolagem ........................................................................................... 136
4.3.3.7 A instituição que se bricola ................................................................... 137
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................... 139
5.1 INCENTIVO À PRÁTICA DA ORAÇÃO E DA MEDITAÇÃO........ 139
5.2 ESPIRITUALIDADE EM REDE .................................................... 140
5.3 COMUNIDADES AFETIVAS ........................................................ 140
5.4 ESPIRITUALIDADE DE INTEGRAÇÃO ...................................... 141
5.5 PROTAGONISMO ESPIRITUAL DE GRUPOS MINORITÁRIOS 141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 143
16
1 INTRODUÇÃO
_______________
1
"One of the major developments in the century was the use of the term 'spirituality', first by Roman
Catholics and later by Protestants in its current usage. At the end of the century it was possible to
have an interdenominational, even an inter-religious conversation about spirituality and to have
common understandings of its meaning. Earlier the concept was only partially available, in such
terms as asceticism, mysticism, devotion or piety".
20
Os ateus não tem menos espírito que os outros. Por que teriam menos
espiritualidade? A vida espiritual não é sempre religiosa. O infinito, a
eternidade e o absoluto não são transcendentes e sobrenaturais. Como
para Epicuro ou Espinosa, o infinito, a eternidade e o absoluto não são nada
transcendentes ou sobrenaturais; eles são imanentes e naturais, são a
própria natureza. Estamos dentro do infinito (o espaço), dentro da
eternidade (o tempo), dentro do absoluto (o todo, ou seja, o conjunto de
todas as relações o qual não poderia por definição ser relativo a qualquer
2
outra coisa) .
_______________
2
Trechos de uma entrevista concedida por André-Comte Sponville e reproduzida no blog: “Filosofia
ateísta”. Disponível em http://adrianoped.blogspot.com.br/2010/06/ateismo-espiritual.html.
21
Robert Solomon (2003, p. 33), logo no início de sua obra “Espiritualidade para
céticos” tenta oferecer uma conceituação/delimitação para o tema da espiritualidade:
Seguindo o mesmo texto acima indicado, temos ainda que von Balthasar
distingue três componentes para a espiritualidade humana, seja ela cristã, de outras
religiões ou até mesmo de correntes de pensamentos:
a) o espírito é movimento para o Absoluto: o ser humano se define
pelo espírito, em oposição ao mundo material e animal. Para von
Balthasar o espírito é o princípio unificador e dominante. O espírito
torna-se dinamismo que busca a unidade, a elevação, a verdade da
existência, a relação com o Absoluto;
b) o espírito visa um serviço desinteressado: em segundo lugar o
espírito deseja se realizar e transformar o mundo;
c) o espírito é passividade: ou em outras palavras, se deixa mover
pelo Espírito. Como o ser humano não pode tomar-se a si mesmo
_______________
5
“Cette ouverture, cet élan se manifeste dans toutes les religions comme dans les spiritualités
humanistes”.
23
_______________
6
“Nous sommes convoqués, comme chrétiens, à répondre théoriquement et pratiquement à la
question : comment vivre notre foi chrétienne en situation pluraliste ? Mieux, quel modèle de
spiritualité chrétienne doit-on favoriser en pareille conjoncture?”
24
_______________
10
“Deus escolheu Abraão e fez uma aliança com ele e sua descendência. Daí formou Seu povo, ao
qual revelou Sua lei por intermédio de Moisés. Pelos profetas preparou este povo a acolher a
salvação destinada à humanidade inteira” (CATECISMO nº 72).
11
“Ao longo de sua história, Israel pôde descobrir que Deus tinha uma única razão para revelar-se a
ele e para tê-lo escolhido dentre todos os povos para ser dele: seu amor gratuito” (CATECISMO
nº 218).
27
“Pois Deus tanto amou o mundo que deu seu Filho único, para que todo que
Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). É esta a grande novidade
contida no Segundo Testamento (cf. Ef 1,3-14; Rm 16,25-26). Ainda que tivéssemos
já no Primeiro Testamento a revelação da ação inaudita e imprevisível de Deus, esta
ação se concretiza, diríamos melhor, se encarna em Jesus Cristo. É Ele quem,
através das Suas ações, realiza em primeira pessoa tudo aquilo que ensina pelas
pregações e parábolas. Mais ainda, é pela entrega e morte na cruz que o próprio
Deus revela a Sua face amoroso de forma mais radical e dramática. A morte de
Jesus coincide com aquilo que foi Sua vida – a obediência incondicional ao Pai e o
abandono em Suas mãos. Assim como a solidariedade com todos os pecadores de
todos os tempos. “Na sua morte de cruz, cumpre-se aquele virar-se de Deus contra
Si próprio, com o qual Ele Se entrega para levantar o homem e salvá-lo — o amor
na sua forma mais radical” (BENTO XVI, 2005, nº 12). O desígnio salvífico divino (cf.
At 20,27) remete todas as coisas para “o louvor da glória” (Ef 1,6), tendo Cristo como
Centro e o amor de Deus como fundamento. Podemos afirmar que a cruz de Cristo,
enquanto sinal extremo de uma vida de doação e entrega, se torna, portanto,
alicerce da espiritualidade cristã:
Maria não entra como intrusa no Plano Salvífico, mas está inserida de modo
singular nesta História. Ela é, por assim dizer, a “parceira” humana da Trindade em
sua manifestação de Salvação. É ela mãe do Filho de Deus, filha predileta do Pai e
templo do Espírito Santo (cf. LG 53). Desde os primeiros momentos de sua
existência, a partir de sua concepção, Maria é enriquecida de todos os esplendores
de uma santidade toda especial (cf. LG 56). Os Evangelhos são testemunhos da
vida de Maria e de sua união singular à Trindade – através da sua eleição, da sua
resposta afirmativa à missão elevada a ela confiada, da encarnação do Filho, da
adesão à vontade do Pai mantida até ao pé da cruz – e seu vínculo a toda
humanidade – unida ao Povo eleito, aos pobres, aos discípulos. Devido a esta íntima
participação de Maria no mistério de Jesus Cristo pode-se afirmar que a Virgem
exerce uma influência muito particular na vida espiritual dos seres humanos a partir
_______________
12
“Pela revelação divina quis Deus manifestar e comunicar-se a Si mesmo e os decretos eternos da
Sua vontade a respeito da salvação dos homens” (DV 6). Ver ainda DV 2–4.
29
de sua maternidade de graça. É a partir deste vínculo com Cristo que ela se vincula
igualmente a todos os que se tornariam membros do Corpo místico do Senhor.
Na encarnação de Jesus Cristo, na sua vida de amor, de doação, de serviço,
na sua morte e na sua ressurreição é que Ele assume, purifica, eleva e aperfeiçoa a
natureza humana (cf. Hb 10,5-7; Fl 2,6-11). Sua ressurreição é o cumprimento das
promessas contidas no Primeiro Testamento, bem como daquelas que Ele mesmo
fez em Sua vida terrestre (CATECISMO nº 652). Sua entrega completa é reveladora
do Amor gratuito, irrestrito, pessoal, incondicional e eterno de Deus pelo ser humano
- criatura de sua especial predileção. É este amor de Deus por nós que chamamos
de Mistério por excelência:
2.2.4 Mística
_______________
13
“A iniciativa divina na obra da graça precede, prepara e suscita a livre resposta do homem. A graça
responde às aspirações profundas da liberdade humana; chama-a a cooperar consigo e a
aperfeiçoa” (CATECISMO nº 2022).
30
utilizada pelo Catecismo da Igreja Católica em seu número 2014 é “mística” como
sinônimo de “espiritualidade”:
O progresso espiritual tende à união sempre mais íntima com Cristo. Esta
união recebe o nome de “mística”, pois ela participa no mistério de Cristo
pelos sacramentos “os santos mistérios” e, nele, no mistério da Santíssima
Trindade, Deus nos chama a todos a esta íntima união como Ele [...].
(Catecismo nº 2014).
_______________
14
A origem da palavra “mística” (do grego mystikos), um qualificativo do verbo “myo”, que significa
“fechar”, é sempre referida a um sentido religioso. Seja ligada ao conhecimento reservado a
algumas pessoas, seja a uma iniciação cultual. É relacionada a um conhecimento secreto por
excelência atribuído a uma divindade. A palavra “mística” não se encontra nas Sagradas
Escrituras, mas tem a sua introdução no ambiente cristão a partir da escola de Alexandria,
notadamente Orígenes.
31
resposta se encontra nos textos que foram atribuídos a Dionísio Areopagita15, textos
estes que teriam sido compostos, na verdade entre o fim do século V e o início do
século VI. Para Alfredo o texto a seguir é um exemplo contundente de como a
mística foi se compreendendo como uma experiência interior do indivíduo agraciado
especialmente por Deus:
16
Ao descrever o seu amado mestre , Dionísio observa que o que o
diferenciava das outras grandes figuras era a profundidade da sua
experiência espiritual. Ele superava, depois dos teólogos, todos os demais
santos iniciadores: “sendo completamente arrebatado, completamente fora
de si e tomando parte e entrando em comunhão com as coisas que ele
louvava... foi considerado um arauto divino inspirado por Deus” (I Nomi
Divini, DN 684 A apud COSTA, 2006, p. 337).
Em Jesus Cristo o próprio Deus Uno e Trino se revela. Jesus não apenas
realiza a aliança entre a humanidade e a divindade, mas Ele é o Filho igual ao Pai e
ao Espírito, ainda que distinto do Pai e do Espírito.
_______________
15
Personagem que se converte através da pregação de Paulo no Areópago de Roma e é citado no
livro dos Atos dos Apóstolos 17,34.
16
Este mestre de Dionísio teria sido Paulo, responsável por sua conversão.
32
A união com Cristo é, ao mesmo tempo, união com todos os outros aos
quais Ele Se entrega. Eu não posso ter Cristo só para mim; posso
pertencer-Lhe somente unido a todos aqueles que se tornaram ou tornarão
Seus. A comunhão tira-me para fora de mim mesmo projetando-me para Ele
e, deste modo, também para a união com todos os cristãos. Tornamo-nos
“um só corpo”, fundidos todos numa única existência. O amor a Deus e o
amor ao próximo estão agora verdadeiramente juntos: o Deus encarnado
atrai-nos todos a Si (BENTO XVI, 2005, nº 14).
Ela [a Igreja] é o projeto visível do amor de Deus pela humanidade que quer
que o gênero humano inteiro constitua o único povo de Deus, se congregue
no único Corpo de Cristo e seja constituído no único templo do Espírito
Santo (CATECISMO nº 776).
_______________
17
“Além disso, este mesmo Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos
sacramentos e ministérios e o adorna com virtudes, mas ‘distribuindo a cada um os seus dons
como lhe apraz’ (1 Cor 12,11), distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as classes,
as quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos, proveitosos para a
renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja, segundo aquelas palavras: ‘a cada qual se
concede a manifestação do Espírito em ordem ao bem comum’ (1 Cor 12,7). Estes carismas, quer
sejam os mais elevados, quer também os mais simples e comuns, devem ser recebidos com ação
de graças e consolação, por serem muito acomodados e úteis às necessidades da Igreja” (LG 12).
33
política e social é derivada desta relação com Cristo e é justamente este elemento
novo e próprio que a Igreja é instada a oferecer à humanidade.
A espiritualidade não se encerra somente na concretização do Reino de Deus
aqui na terra, mas na sua consumação total, quando estivermos na Jerusalém
Celeste, onde haverá novos céus e nova terra e Cristo será tudo em todos (cf. Cl
3,11). Será então “o tempo da restauração de todas as coisas, e com o gênero
humano também o mundo todo, que está intimamente ligado ao homem e por
meio dele atinge sua finalidade, encontrará sua restauração definitiva em Cristo”
(CATECISMO nº 142).
O adjetivo foi utilizado para traduzir o grego pneumatikos nas antigas versões das
epístolas paulinas (especialmente 1 Cor 2,14 – 3,3). O advérbio “espiritualmente” já
se encontra na versão latina da Prima Clementis 47,3 (meados do segundo século)
para se referir ao termo grego pneumatikôs.
Solignac continua esclarecendo ainda que o substantivo “espiritualidade”
adquire, ao longo da história, três principais sentidos:
a) religioso: a partir do século V. Nesta acepção, o termo está
normalmente contraposto à carnalitas ou animalitas;
b) filosófico: primeira metade do século XII. Designa um modo de ser
ou um modo de conhecer. Opõe-se, aqui, a corporalitas;
c) jurídico: fim do século XII. Refere-se aos bens e funções
eclesiásticos, administração dos sacramentos, objetos de culto etc.
Seu contrário seria temporalitas.
O termo “espiritualidade” surge bastante cedo. Em um texto de Pelágio
(século V), anteriormente atribuído a São Jerônimo, encontra-se a seguinte frase:
“Age ut in spiritualitate proficias” (“comporta-te de modo a progredires na
espiritualidade”)19. A menção do substantivo em questão está inserida em uma carta
que é endereçada a um adulto que havia sido recentemente batizado. Do texto
percebe-se uma exortação firme para que o dito cristão mantenha uma vida cristã
autêntica e sem esmorecer, uma vida corajosa e que progrida.
_______________
19
A frase encontra-se na sétima carta de pseudo-Jerônimo, como já informado, texto de Pelágio na
verdade. A referência para o texto é PL 30, 114D-115A. O texto completo é o que se segue: “Quia
tibi, honorabilis et dilectissime parens, per novam gratiam omnis lacrymarum causa detersa est,
age, cave, curre, festina. Age ut in spiritualitate proficias. Cave ne quod accepisti bonum, incautus
et negligens custos amittas. Curre ut non negligas. Festina ut celerius comprehendas... Dum
tempus habemus seminemus in spiritu, ut messem in spiritualibus colligamus” (SOLIGNAC, 1990,
p. 1143). O segundo registro do termo se dá um século após, na 14ª carta de Santo Avit a seu
irmão: “Minus enim procul dubio salva observatione apparet affectus, sed ostendistis quanta
spiritualitate vos exercere delectet quod praeterisse sic doluit”.
20
“Situé dans le contexte, ce passage résume les exigences de la vie spirituelle en son ensemble.
Puisque le baptisé est sanctifié tout entier, corps et esprit, par ‘la grâce nouvelle’ du baptême, il doit
dès lors ‘se mettre en œuvre pour progresser en spiritualité’, c’est-à-dire en vie selon l’esprit”.
36
_______________
21
“L’Homme Spirituel n’est autre chose qu’um chrestien excellent, qui par consequent possède plus
abondamment et plus profondement que les autres… ce qui constitue l’Homme Chrestien, a savoir
l’Esprit de Jesus Christ”.
38
_______________
22
“la science qui enseigne à progresser dans la vertu et particulièrement dans l’amour divin”.
23
“On peut se demander si le temps est bien choisi pour entreprendre la publication d’une revue de
spiritualité”.
24
“Palavra de Deus”: documento aprovado em 18 de novembro de 1965 que teve como tema a
Revelação divina e a sua transmissão.
25
“Luz dos Povos”: documento aprovado em 21 de novembro de 1964. Tem como tema a natureza e
a constituição da Igreja.
39
repartir entre si as “riquezas espirituais” (LG 13); que existe uma comunicação de
“bens espirituais” realizando uma união entre vivos e mortos (LG 49). Da
Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium26: que a “vida espiritual” não se
esgota na sagrada Liturgia (SC 12); que seja incentivada a prática de “exercícios
piedosos do povo cristão” (SC 13). Da Constituição Pastoral Gaudium et Spes27
temos: o “progresso espiritual” possa acompanhar a procura de uma ordem temporal
mais perfeita (GS 4); que a “natureza espiritual” do ser humano deve encontrar na
sabedoria a sua perfeição; que haja respeito em relação à “dignidade espiritual” dos
seres humanos (GS 22). Do Decreto Apostolicam Actuositatem28: que as atividades
dos cristãos sejam “oblações espirituais” (AA 3) e que os “auxílios espirituais” sejam
alimento para realizar a união com Cristo na Igreja (AA 4). Da declaração
Gravissimum Educationis29: que a Igreja seja zelosa em oferecer uma “formação
espiritual” a todos os alunos que frequentam instituições católicas, mas igualmente a
todos os seus filhos (GE 10).
Ainda que, como já dissemos, não tenha havido nenhum tipo de conceituação
(nova ou não) a respeito da espiritualidade cristã nos textos conciliares, pensamos
como Maria Clara (BINGEMER, 2015, p. 372), que:
Os, porém, que temem a Deus e creem na vinda de seu Filho e, mediante a
fé, põem o Espírito de Deus no seu coração, serão justamente chamados
homens puros, espirituais, viventes para Deus, porque possuem o Espírito
do Pai que purifica o homem e o eleva à vida de Deus (DE LYON, 1997,
livro V, 9, 2).
_______________
36
Teólogo, místico e escritor, irmão de Basílio Magno e Santa Macrina, a Jovem, Gregório foi neto de
Santa Macrina Maior e filho de Basílio, o Velho. Após ter sido padre e eremita, foi consagrado
bispo de Nissa na Capadócia e depois arcebispo de Sebaste. Participou do I Concílio de
Constantinopla em 381. Escritor profícuo, destacou-se na literatura mística e na teologia
especulativa. Morreu em 394 na Capadócia.
37
Também conhecido como Gregório Nazianzeno ou Gregório, o Teólogo. Nasceu em 329 na
Capadócia (atual Turquia). Foi Patriarca de Constantinopla, após ter sido bispo de Cesareia, em
seguida Sásima. Tem importante contribuição na defesa na doutrina da Santíssima Trindade
emanada do Concílio de Niceia, bem como no campo da pneumatologia. Faleceu em 389 também
na Capadócia.
38
Conhecido ainda como Basílio Magno, nasceu aproximadamente no ano 330 na cidade de
Cesareia, território da Capadócia (atualmente Turquia). Nesta cidade mesmo tornou-se bispo.
Apoiou o Concílio de Niceia. Lutou principalmente contra o arianismo e os seguidores de Apolinario
de Laodiceia. É reconhecido, juntamente com São Pacômico, como pai do monacato na Igreja do
Oriente. Padre capadócio juntamente com Gregório de Nissa (seu irmão) e Gregório de Nazianzo,
é considerado doutor da Igreja nas tradições oriental e ocidental.
45
_______________
39
Mais conhecido como João Cassiano, nasceu provavelmente na Cítia Menor (atual Romênia),
aproximadamente no ano 360. Entrou em um mosteiro em Belém, na Palestina. Visitou vários
mosteiros do Oriente e em Constantinopla foi ordenado diácono pelo Patriarca João Crisóstomo.
Foi enviado a Roma em 404 para defender a causa de João Crisóstomo junto ao papa Inocêncio I
por João ter sido exilado. Fundou seu próprio mosteiro em 410 perto de Marselha (atual França) –
conhecido como Abadia de São Vitor. Além de ter escrito várias conhecidas Conferências,
escreveu ainda “Da instituição do monasticismo”, “Discursos espirituais” e “Da encarnação do
Senhor contra Nestório”.
40
Bento de Núrsia é considerado o pai do monacato Ocidental. Nascido em Núrsia (atual Itália) no
ano de 480, aproximadamente. Foi monge e, quando estava em Monte Cassino, dá início ao que
seria conhecida como Ordem dos Beneditinos. É irmão de Santa Escolástica e sua maior obra é a
Regra dos Mosteiros, que viria a ser a primeira regra monástica da Igreja. Morre em março de 547.
46
_______________
41
Monge inglês nascido em 658, dedicou-se à evangelização da Alemanha, foi consagrado bispo em
695, com o nome de Clemente. Morreu em 739 no convento de Luxemburgo.
42
Nasceu em 672 na Inglaterra. Foi monge beneditino, e logo se tornou missionário, indo à Frísia
(atua região do norte da Alemanha e nordeste dos países baixos) e em seguida à Germânia.
Faleceu em 754 na Frísia.
43
Beda, o Venerável, foi monge na Inglaterra. Nasceu em 673 e escreveu várias obras científicas,
históricas e teológicas. Também escreveu comentário bíblicos utilizando métodos alegóricos de
interpretação. Sua obra mais conhecida é a “História Eclesiástica do Povo Inglês”. Faleceu em 735
e foi declarado Doutor da Igreja em 1899 pelo papa Leão XIII.
44
Nascido em 540 em Roma, Gregório Magno ou Gregório, o Grande foi papa entre 590 e 604
(quando de sua morte). Realiza uma reforma geral da liturgia e é creditado a ele a principal forma
de cantochão – por isso mesmo chamada de “canto gregoriano”. Escreveu numerosas obras:
comentários bíblicos, hagiologias, sermões e inúmeras cartas.
45
Também conhecido como Império de Carlos Magno. Representou o momento mais esplendoroso
do Reino Franco. Carlos Magno reinou entre 768 e 814. No ano 800 foi coroado imperador do
Sacro Império Romano-Germânico, pelo papa Leão III, fez assim, a defesa e a propagação da fé
cristã em suas terras. Carlos Magno morre em 814 e o Império foi governado por Luís, o Piedoso
até o ano de 840. A morte de Luís fragmenta o Império em três reinos menores e em 843 o Tratado
de Verdun oficializa esta partilha.
47
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54
Papa da Igreja entre 1073 até 1085 quando de sua morte. Nasceu em Toscana em 1020 (aprox.).
Foi monge beneditino e em 1046 ingressou no mosteiro de Cluny. Ainda que não fosse presbítero
foi eleito papa por aclamação popular. Em 1075 publica Dictatus Papae – acerca do papel do
pontífice em relação aos poderes temporais.
55
Mais conhecido como Anselmo de Cantuária (local de seu nascimento, em 1033). Foi monge
beneditino e arcebispo de Cantuária entre 1093 e 1109. Aplicou-se à filosofia e é dele o mote:
“fides quaerens intellectum” (“a fé busca o entendimento”). Sua obra-prima foi De veritate –
afirmando uma verdade absoluta da qual todas as verdades participam. Faleceu em 1109 em
Cantuária. Foi proclamado doutor da Igreja em 1720 pelo papa Clemente XI.
56
Nasceu em 956, em Ravena. Fundador da Ordem dos Camaldulenses, Romualdo fundou vários
mosteiros após ter entrado em contato com a abadia de Cluny. Faleceu em 1027.
57
Nascido em 1007, Pedro foi monge no eremitério de Fonte Avellana, do qual se tornou prior em
1043. Foi um reformador da disciplina interna, que influenciou a vida de muitos outros mosteiros.
Era amigo de Hildebrando, que se tornaria Gregório VII. Foi feito cardeal em 1057 pelo papa
Estêvão IX. Escreveu várias obras, a mais famosa é a De Divina Omnipotentia. Morreu em 1072
em Óstia.
58
Conhecido como Bernardo de Claraval por ter sido o fundador da abadia que leva este nome
(Claraval), na diocese de Langres – França. Nasceu em 1090. Logo depois da morte de sua mãe
(quando tinha 19 anos) decide entrar na Abadia de Cister, perto de Dijon (admitido em 1113).
Participou do Concílio de Troyes em 1128 e o II Concílio de Latrão em 1139. Faleceu aos 63 anos
de idade, em 1153. Escreveu muitíssimas obras, sermões e cartas, das quais se destaca “Sermões
sobre o Cântico dos Cânticos”. Tem uma grande importância especialmente sobre as ordem dos
cistercienses e trapistas. Foi proclamado Doutor da Igreja em 1830 pelo papa Pio VIII, como Doutor
Mellifluus.
59
Apesar de ter sido o fundador da Ordem dos Cartuxos em terras francesas (região de Grenoble),
nasceu na Alemanha em 1030. Ordem de forte ascese, os cartuxos vivem quase como eremitas,
49
não o sendo pois possuem determinados momentos de convivência fraterna em áreas comuns –
igreja, refeitório e sala do capítulo. Faleceu em 1101, na Itália.
60
Monge cartuxo (distinto de Guigo I, que foi o quinto prior da Cartuxa) sem uma data precisa de seu
nascimento, escreveu “Carta sobre a vida contemplativa” – texto clássico sobre espiritualidade, no
qual propõe quatro degraus para a Lectio Divina: lectio, meditatio, oratio e contemplatio. Faleceu
em 1188.
61
Nascido em 1096 na Saxônia – Sacro Império Romano-Germânico, foi filósofo e teólogo.
Estabeleceu-se no mosteiro de São Vítor em 1115. Foi criado cardeal em 1139 pelo papa
Inocêncio II. Considerado o mais famoso teólogo antes de Tomás de Aquino. Sua obra
“Didascalicon” era referência para os estudantes e professores na Europa Medieval. Falece em
1141.
62
Não se sabe ao certo o ano de seu nascimento. Por dedução em torno de 1110. Nasceu nas Ilhas
Britânicas, talvez Escócia. Foi muito influenciado por Hugo de São Vitor que o precedeu. Foi prior
na abadia de São Vitor a partir de 1162. Algumas de suas obras: “O Livro dos Doze Patriarcas”, “A
Arca Mística”, “De Trinitate”, “Liber Exceptionum” (comentário sobre as Escrituras).
63
Movimentos originados pelo anseio de uma reforma radical no seio da Igreja, um retorno às suas
origens. Rejeitavam a forma de viver dos sacerdotes, monges e bispos de então. Criticavam-nos
de traição ao Evangelho por não praticarem a pobreza evangélica. Pregavam variadas formas de
radicalidade. Citamos alguns destes movimentos: a) albigenses ou cátaros: principalmente na
França. Um dos mais fortes movimentos, seu nome derivava da pureza que buscavam. Contra eles
foi organizada uma cruzada. Alguns consideram que sua doutrina é uma continuação do
maniqueísmo. Reunia o povo simples, mas também nobres anticlericais; b) Pátaros: Itália – tiveram
pouca duração; c) Pedrobrusianos: seguidores de Pedro de Bruys. Desprezavam o Antigo
Testamento. Negavam a hierarquia e a exterioridade e desejavam seguir apenas os Evangelhos.
Negavam ainda o valor da Eucaristia e do Matrimônio; d) Enricanos: iniciado pelo monge Enrico de
Cluny. Muito semelhante ao anterior. Via o pecado de Adão e Eva como pessoal e não como
original. Para ele a Igreja já havia perdido seu poder, justificando a desobediência a ela; e)
Valdenses: fundado por Pedro Valdo. Entendia a pregação como direito de todos, por isso
desobedeceu a ordem eclesiástica para que não pregasse. No movimento, os leigos estavam livres
para pregar, celebrar a eucaristia e confessar os pecados; f) Humilhados: ramo lombardo dos
valdenses (cf. FREHLICH, 2010, p. 37-39).
50
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64
Nascido em Assis em 1182 fundou a ordem mendicante dos Frades Menores (Franciscanos). É
para muitos a maior figura do cristianismo desde Jesus. Não escreveu muito, porém o seu
testemunho de radicalidade na vivência do Evangelho influenciou (e influencia) gerações desde
então. Morreu na mais radical pobreza, rodeado de seus confrades em 1226.
65
Contemporânea e seguidora de Francisco de Assis, Clara nasceu em 1193 e fundou o ramo
feminino da Ordem Franciscana (também conhecido como “Damas da Pobreza”), vivendo
radicalmente o amor na mais estrita pobreza. Faleceu em 1253.
66
Foi teólogo, filósofo, ministro-geral da Ordem dos Frades Menores e também cardeal. Nasceu
cerca de 1221. Sua obra-prima é “Comentários sobre as sentenças de Pedro Lombardo”. Faleceu
em 1274 e proclamado Doutor da Igreja em 1588 pelo papa Sisto V como Doutor Seraphicus.
67
Nascido ao redor do ano 1230 em Todi (Ùmbria). Após a trágica morte de sua esposa torna-se um
penitente severo, usando o hábito da Ordem Terceira. Após dez anos é admitido como religioso na
Ordem Franciscana. Faleceu aproximadamente no ano 1306.
68
Este religioso franciscano nasceu no ano de 1380, foi um intenso pregador e trabalhou pela
reforma da Ordem Franciscana. Morreu em L’Aquila em 1444.
69
Sacerdote na Primeira Ordem Franciscana, Bernardino nasceu em Tomo no ano de 1439. Recebeu
este nome justamente em honra de Bernardino de Sena. Morreu em 1494.
70
Fundador da Ordem do Pregadores, Domingos de Gusmão nasceu em 1170 no então Reino de
Castela. Em 1216 papa Honório III confirma a regra da nova Ordem de religiosos totalmente
dedicados ao anúncio da palavra de Deus. Falece em 1221 em Bolonha, Itália.
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71
Nascido em 1350 em Valência, entrou em 1367 na Ordem Dominicana. Pregava a necessidade de
conversão e faleceu em 1419, na Bretanha.
72
Nasceu em Florença no ano de 1376. Com 18 anos entrou para a Ordem dos Dominicanos. Foi
prior em Santa Maria Novella. Em 1406 assistiu o Conclave que escolheu o papa Gregório XII, do
qual iria se tornar confessor e conselheiro. Mais tarde tornou-se arcebispo de Ragusa e Cardeal.
Morreu em 1419 na Hungria.
73
Eckart de Hochheim nasceu em 1260 na Alemanha, foi frade dominicano e adquiriu o título de
Mestre devido aos títulos acadêmicos obtidos na Universidade de Paris. É considerado um dos
grandes expoentes do neoplatonismo e do misticismo. Teve sua ortodoxia questionada e foi
julgado pela Inquisição por 28 argumentos suspeitos de heresia. Antes de sua morte aceitou
renegar estes argumentos, mas não viveu para receber o seu veredicto. Morreu em 1328 na
Alemanha. Na década de 90 o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – Cardeal
Joseph Ratzinger – afirmou, ao ser questionado, que Eckhart deveria ser considerado ortodoxo,
uma vez que ele havia reconhecido qualquer erro que houvesse em suas obras, que não foi
efetivamente condenado e que as acusações que sobre ele pesavam baseavam-se em
documentos que não mais existem, impossibilitando a sua verificação.
74
Não se tem conhecimento pleno do nome dos fundadores. O que se sabe é que um deles se
chamava Alexandre Falconieri e os demais são conhecidos pelos seus sobrenomes: Monaldi,
Manetto, Buonagiunta, degli Amidei, Uguccioni e Sostegni.
75
Conhecido ainda como Alberto de Colônia, nasceu em 1193 na Baviera. Foi frade dominicano e
ordenado bispo de Ratisbona em 1260. Após três anos renunciou ao cargo para morar em um
mosteiro e continuar pregando. É considerado o fundador da mais antiga universidade alemã.
Escreveu obras dos mais variados assuntos, mas notadamente as filosóficas e teológicas. Morreu
em 1280 e foi proclamado Doutor da Igreja por Pio XI, conhecido como Doutor Universalis.
52
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85
Sacerdote e frei carmelita, nascido em 1542 na Espanha foi um dos mais importantes expoentes da
Contrarreforma. Ordenado sacerdote em 1567 conheceu Teresa de Ávila da qual foi confessor e
co-fundador dos Carmelitas Descalços. Morreu em 1591 na Espanha. Autor de várias obras de
espiritualidade, dentre as quais se destacam os poemas “Cântico Espiritual” e “A Noite Escura da
Alma”, consideradas obras-primas da literatura espanhola.
86
Conhecida como Teresa de Jesus nasceu em 1515 na Espanha. Freira carmelita e mística foi uma
das reformadoras da Ordem Carmelita e fundadora com João da Cruz da Ordem dos Carmelitas
Descalços. Suas obras estão elencadas entre as mais notáveis da literatura mística da Igreja
Católica. Algumas delas: “O Caminho da Perfeição”, “O Castelo Interior” e “Autobiografia”. Faleceu
em 1582 na Espanha e foi declarada Doutora da Igreja em 1970 pelo papa Paulo VI.
87
Chamado de “Apóstolo da Andaluzia” nasceu em Almodóvar del Campo em 1499. Foi ordenado
sacerdote em 1526 e tornou-se excelente orador. Foi o primeiro reitor da Universidade de Baeza.
Morreu em 1569 em Córdoba. De suas obras destacamos: “Audi, filia”, “Epistolário espiritual para
todos os estados, além de vários sermões e conferências. Foi proclamado Doutor da Igreja em
2012 pelo papa Bento XVI.
88
Dominicano, natural de Granada, nasceu em 1504. Foi provincial de Portugal. Rejeitou a escolha
para ser bispo de Viseu, ser arcebispo de Braga e também para se tornar cardeal. Escreveu várias
obras em castelhano. Morreu em Lisboa em 1588.
89
Pertencia a Ordem Terceira dos Pregadores (Dominicanos), mestra espiritual. Sofreu muito na sua
família por ter rejeitado o casamento, bem como a vida religiosa. Experimentou o que é conhecido
como “casamento místico”. Lutou para que o papado de Gregório XI, que estava em Avinhão
(França), retornasse para Roma. Manteve uma intensa correspondência com o papa. Morreu em
Roma, em 1380.
90
Nascido em 1515 na cidade de Florença. Fundou a Congregação do Oratório que teve a aprovação
formal por parte do papa Gregório XIII, mas com a aprovação final dos estatutos somente
dezessete anos após a sua morte, que se passou em 1595.
55
pela vida que tiveram do que pelas obras literárias, por exemplo, Carlos Borromeu91
e Camilo de Lellis92.
Seguindo para o século XVII a espiritualidade na Itália preocupava-se mais
pelo exame de consciência do que por uma tendência mística. Propagava-se a
oração mental metódica e multiplicavam-se as devoções. Consequência disto foi
uma gradual separação entre a liturgia e a piedade popular. “A liturgia ia se tornando
formalista e vazia de espírito, ao passo que a piedade popular se refugiava às vezes
em práticas devotas sem base doutrinal” (ANCILLI, 2012, vol. II, p. 910).
Esta hegemonia, tanto política como espiritual, passa para a França no século
XVII. Uma adesão a Cristo em bases bíblicas e patrísticas enriquece a
espiritualidade pela colaboração do cardeal Bérulle93 e seus continuadores. Também
é deste período Francisco de Sales94, João Eudes95, Margarida Maria Alacoque96. O
culto ao Santíssimo Sacramento irrompe vigoroso (MONDONI, 2000, p. 63-65).
Alguns princípios doutrinais que foram fundamentais para a espiritualidade francesa
deste período: “‘o mistério de Cristo’, o valor e a prática da virtude da religião, a
doutrina sobre o sacerdócio, o culto à humanidade de Cristo e aos corações de
Jesus e Maria” (ANCILLI, 2012, vol. II, p. 911).
91
Cardeal italiano e arcebispo de Mião. Nasceu em Arona em 1538. Foi promotor da contrarreforma.
Morreu em 1584 em Milão.
92
Religioso italiano, nascido em 1550 em Bucchianico. Após uma vida desordenada, marcada pelo
jogo e a bebida, converteu-se em 1574. Foi ordenado sacerdote aos 34 anos de idade. Fundou a
Companhia dos Servidores dos Enfermos (Camilianos). Faleceu em 1614, em Roma.
93
Nasceu em 1575 em Cérilly, consagrou-se à conversão dos protestantes. Fundou a Congregação
do Oratório na França, estimulado por Filipe Néri. Foi criado cardeal pelo papa Urbano VIII em
1627. Morreu em 1629 em Paris.
94
Nasceu em 1567 no ducado de Saboia, foi ordenado sacerdote e mais tarde bispo de Genebra.
Sua obra mais famosa é “Introdução à Vida Devota”, escrito especialmente para os leigos. Fundou,
juntamente com Santa Joana Francisca de Chantal a Ordem da Visitação de Santa Maria
(Visitandinas) em 1610. Morreu em 1622 em Lyon. Foi proclamado Doutor da Igreja pelo papa Pio
IX em 1877.
95
Nasceu em 1601 na Vila de Ri (França). Após ter passado pela Congregação do Oratório funda a
Congregação de Jesus e Maria (Eudistas) em 1643, com a intenção de dar formação espiritual e
doutrinal aos padres. Fundou também uma congregação religiosa – Ordem de Nossa Senhora da
Caridade e uma associação para leigos. Faleceu em 1680 no norte da França.
96
Nascida em 1647 na Borgonha, Margarida recebeu a graça de uma manifestação visível de Jesus,
que iria se repetir por dois outros anos seguintes a 1673. Foi monja da Ordem da Visitação de
Santa Maria em Paray-le-Monial propagando a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Faleceu
em 1690.
56
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97
Nasceu em Piemonte (Itália) em 1694 e, após abandonar a carreira militar, passa por um período
intenso de discernimento que desemboca na fundação da Congregação da Paixão de Jesus Cristo
(Passionistas). Faleceu em 1775 em Roma.
98
Em 1673 nasce Luis Maria em Montfort-sur-Meu. Foi ordenado sacerdote em 1700. Além da
pregação dedicou-se à escrita. Entre suas obras temos: “O Segredo de Maria”, “O Segredo do
Rosário” e a sua mais conhecida “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem Maria”.
Faleceu em 1716.
99
Fundador da Pia Sociedade São Francisco de Sales (Salesianos) nasceu em 1815 em Becchi.
Fundou ainda as “Filhas de Maria Auxiliadora” (Salesianas), a Associação dos Salesianos
Cooperadores (para leigos e leigas). Faleceu em 1888 em Turim.
100
Nasceu em 1786 em Ródano (França). Foi ordenado sacerdote em 1815, ainda que seus
superiores o achassem incapaz para os estudos. Se tornou um dos mais competentes confessores
da Igreja. Tornou-se pároco de Ars em 1818 e logo o local tornou-se centro de peregrinações
devido ao seu empenho em suas funções, sua vida de penitência e suas longas horas de
confissão. Faleceu em 1859. É considerado o padroeiro dos sacerdotes.
101
Nasceu em 1813 em Milão. Apaixonado pela filosofia, entra em Sorbona em 1831. Fundou em
1833 as Conferências de São Vicente de Paulo. Em 1844 tornou-se titular da cátedra de Línguas
Estrangeiras na Universidade de Sorbona. Morreu em 1853 em Marselha.
102
John Henry Newman nasceu em Londres em 1801. Foi ordenado sacerdote anglicano e um dos
líderes do “Movimento de Oxford”. Converteu-se ao catolicismo em 1845 e ordenado sacerdote em
1847. Foi reitor da Universidade Católica da Irlanda (1854). Papa Leão XIII criou-o cardeal em
1879. Faleceu em 1890.
103
Nascida Maria-Françoise-Thèrese Martin em 1873, em Alençon (França), ficou conhecida como
Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face. Com apenas quinze anos de idade
conseguiu autorização para entrar na comunidade carmelita em Lisieux. Sua obra mundialmente
conhecida é “A História de uma Alma”. Faleceu em 1897 e foi proclamada Doutora da Igreja pelo
papa João Paulo II em 1997.
57
104
Em 1880 nasce Elisabete (ou Isabel) Cates na França. Entrou no Carmelo em 1901. Distingue-se
pela sua espiritualidade trinitária e entre sua obras temos: “Elevações”, “Retiros”, “Notas
Espirituais” e “Cartas”. Faleceu em 1906.
105
Nasceu em Dublin (Irlanda) em 1858 e foi ordenado sacerdote em 1881. Mais tarde entrou na
Abadia de Maredsous (Bélgica) e professou seus votos solenes em 1891. Desta mesma abadia
tornou-se abade em 1909. Das suas obras se destacam: “Cristo, vida da alma”, “Cristo em seus
mistérios” e “Cristo, ideal do monge”. Faleceu em 1923.
106
Padre dominicano espanhol, nascido em 1860, Juan González Arintero foi especialista em ciências
naturais. Fundou a revista “A Vida Sobrenatural”. Escreveu a obra “Questões místicas e o ideal
cristão”. Para ele a mística era o caminho ordinário da vida cristã. Faleceu em 1928.
107
Frade dominicano nascido em 1877 na França. Lecionou no Angelicum entre 1909 e 1960. Ficou
conhecido por escrever contra os modernistas, mas também por seus textos espirituais de
profundo pensamento teológico. Escreveu 28 livros e inúmeros artigos. Faleceu em Roma em
1964.
108
Jacques Maritain nasceu em 1882 em Paris. Em Heidelberg conhece aquela que seria a sua
esposa – Raisa Oumansoff – uma imigrante judia. Não encontra no cientificismo de Sorbonne as
respostas de suas inquietações, pelo que decide se suicidar com Raisa. Seguem, porém, o
conselho de seu amigo em comum – Charles Péguy – não se suicidam e entram no curso de Henri
Bergson. Através de Leon Bloy aproximam-se da Igreja Católica e se convertem.
Ensinou em vários colégios e Universidades. Influenciou a ideologia da democracia-cristã. Possui
um vasto elenco de obras. Morreu em 1973 em Tolosa.
109
Joseph Maréchal nasceu em 1878 em Leuven (Bélgica). Entrou na Congregação dos Jesuítas em
1895 e se doutorou em biologia em 1905. Estudou a psicologia da mística. Faleceu em 1944.
110
Nasceu em 1869 no Norte da Alemanha. Foi um eminente teólogo luterano. Se tornou professor
da Universidade de Breslau em 1915 e em 1917 na Universidade de Marburg, um dos mais
prestigiados seminários protestantes de então. Faleceu em 1937. Influenciou vários teólogos e
filósofos da religião do século XX. Sua obra mais conhecida é “O Sagrado”.
111
Nascido em 1907 em Bucareste foi professor, historiador das religiões, mitólogo, filósofo e
romancista. Escrevia fluentemente em oito idiomas (francês, romeno, italiano, alemão, inglês,
hebraico, persa e sânscrito). Fez parte dos Círculos Eranos. Foi profícuo escritor. Entre outras
obras, citamos: “Cosmos e História: O Mito do Eterno Retorno”, “O Sagrado e o Profano: A
Natureza da Religião”, “Ritos e Símbolos de Iniciação”, entre vários outros. Faleceu em Chicago
em 1986.
58
112
Escritor, filósofo e historiador italiano era conhecedor da doutrina esotérica e estudioso da mística
ocidental e oriental. Nasceu em 1926 em Torino na Itália. Fundou a revista “Conoscenza
Religiosa”, em 1969. Algumas de suas obras: “O sincretismo”, “A origem do trascendentalismo”, “A
potência da alma” entre várias outras. Faleceu em 2002.
113
Charles Journet nasceu em 1891 e foi teólogo suíço. Amigo de Maritain, foi professor de teologia
dogmática em Friburgo e Genebra. Escreveu a obra em dois volumes “A Igreja do Verbo
Encarnado”, examinando a natureza e o significado da Igreja. Participou do Concílio Vaticano II,
bem como da revisão do Catecismo Holandês. Foi criado cardeal pelo papa Paulo VI em 1965.
114
Um dos mais importantes teólogos católicos do século XX. Nasceu em 1904 na Alemanha. Além
da dogmática, ecumenismo, pluralismo religioso, ética, Rahner produziu muitos textos de cunho
espiritual. Participou como teólogo do Concílio Vaticano II. Foi um dos fundadores da revista
Concilium (em 1965). Escreveu inúmeras obras (vários livros e mais de 800 artigos). Faleceu na
Áustria em 1984.
115
Yves-Marie-Joseph Congar nasceu em Sedan (França) em 1904. Foi ordenado padre em 1930.
Durante a II Guerra Mundial este preso em campo de concentração. Durante o Concílio Vaticano II
participou na qualidade de consultor. Sua área específica foi a eclesiologia, para a qual trouxe
importantes contribuições. Em 1994 foi criado cardeal pelo papa João Paulo II. Faleceu em 1995
em Paris.
116
Teólogo belga, Edward Schillebeeckx nasceu na Antuérpia em 1914. Sendo dominicano foi
ordenado padre em 1941. Foi professor na Universidade de Lovaina (Bélgica), mais tarde, de
Nimega (Holanda). Foi conselheiro no Concílio Vaticano II. Foi um dos fundadores da revista
Concilium. Dentre suas inúmeras obras, destacamos: “Jesus, a história de um vivente” e “Cristo e
os cristãos”. Faleceu na Holanda em 2009.
117
Henri-Marie de Lubac nasceu no ano de 1896, na França. Foi professor de Teologia Fundamental
e de História das Religiões. Participou como perito do Concílio Vaticano II e fundou, com outros
teólogos, a revista Communio. Foi criado cardeal em 1983 pelo papa João Paulo II. Morreu em
1991 em Paris.
118
Nascido em 1914 e falecido em 2006, pe. Divo Barsotti foi profícuo escritor (estima-se em mais de
quinhentos títulos – livros e artigos). Tornou conhecidas na Itália as figuras dos santos russos
Sergei, Serafim e Silvano. Fundou em 1948 a Comunidade dos Filhos de Deus, hoje espalhada por
todo o mundo.
119
D. Prosper-Louis-Pascal Guéranger foi abade de Solesmes e fundador da Congregação da Ordem
de São Bento na França. Nasceu em 1805, aprofundou-se na Patrística e foi um inspirador do
movimento francês de restauração litúrgica. Entre suas obras temos: “Instituições litúrgicas” e “O
ano litúrgico”. Faleceu no ano de 1875.
59
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129
Nascido na França em 1895, tornou-se padre dominicano. Foi professor da Sorbonne e participou
do Concílio Vaticano II na qualidade de consultor. Um dos fundadores da revista Concilium.
Faleceu em 1990. Entre suas obras está: “Povo de Deus no mundo”.
61
Exorta, por isso, os seus filhos a que, com prudência e caridade, pelo
diálogo e colaboração com os sequazes doutras religiões, dando
testemunho da vida e fé cristãs, reconheçam, conservem e promovam os
bens espirituais e morais e os valores sócio culturais que entre eles se
encontram (NA 2 – grifo nosso).
A tradição cristã sempre soube repropor seu conteúdo doutrinal, bem como
sua reflexão sobre a espiritualidade de acordo com cada cultura ou época histórica.
Pensamos que não será diferente agora na pós-modernidade, e é este processo de
“acomodamento”, por assim dizer, que estamos a contemplar.
64
3 O CONTEXTO DA PÓS-MODERNIDADE
moderna”. Esse termo utilizado por Toynbee tinha uma conotação negativa em
relação à modernidade. Para ele a “vida Moderna sadia, segura e satisfatória tinha
milagrosamente chegado para ficar, como um eterno presente” (ANDERSON, 1999,
p. 12). O período que se seguiria (violentado pelas duas Grandes Guerras)
evidenciava que, estando à beira de um colapso nuclear, a civilização ocidental
tornou-se universal, contudo “prometia enquanto tal apenas a ruína mútua de todos”
(ANDERSON, 1999, p. 12).
Seus argumentos e o pessimismo com o qual carregava o termo pós-
modernismo caíram no esquecimento e a sua obra foi abandonada. Mas em 1951,
Charles Olson em uma carta dirigida ao poeta Robert Creeley fala de um mundo
“pós-moderno” que estaria situado imediatamente após a época imperial dos
Descobrimentos e da Revolução Industrial. Dizia ele: “A primeira metade do século
XX foi o pátio de manobras em que o moderno virou isso que temos, o pós-Moderno,
ou pós-Ocidente” (OSLSON apud ANDERSON, 1999, p. 12-13).
Ao final da década de 50 o termo reapareceu através de dois teóricos. O
sociólogo Charles Wright Mills utilizou-o para:
Porém foi a arte, à qual Hassan menos deu atenção, que impulsionou o termo
para o domínio público.
Modernismo Pós-modernismo
romantismo / simbolismo parafísica / dadaísmo
forma (conjuntiva, fechada) antiforma (disjuntiva, aberta)
Propósito jogo
Projeto acaso
Hierarquia anarquia
68
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133
Lyotard reconhecia duas destas metanarrativas – a Revolução Francesa que pretendia pelo
conhecimento ser instrumento da humanidade para realizar heroicamente a sua própria libertação;
e a outra, oriunda do idealismo alemão, que enxergava a verdade sendo progressivamente
revelada através do espírito. Anderson (1999, p. 39) afirma ainda que Lyotard, nos anos
posteriores à publicação de seu livro, acrescentou à esta lista outras tantas metarrativas que,
segundo ele, teriam sido eclipsadas: “a redenção cristã, o progresso iluminista, o espírito
hegeliano, a unidade romântica, o racismo nazista, o equilíbrio keynesiano”.
134
Nascido em 18 de junho de 1929, membro da Escola de Frankfurt. Aposentou-se em 1994 quando
estava lecionando na Universidade Johann Wolfgang von Goethe, em Frankfurt. Continua ativo,
porém, através da pesquisa, palestras, conferências e publicações. É conhecido por seu trabalho
sobre a modernidade. Trata igualmente dos fundamentos da teoria social e da epistemologia.
Pesquisa a democracia nas sociedades que estão sob o capitalismo avançado.
70
3.2.3 Hipermodernidade
O teórico que cunhou este termo foi Gilles Lipovetsky, em meados dos anos
1970. Lipovetsky é um filósofo francês nascido em 1944, autor de obras como: “O
luxo eterno: da Idade do Sagrado ao Tempo das Marcas”, “Do luxo Sagrado ao Luxo
Democrático”, “A terceira mulher”, “O Império do Efêmero: a Moda e Seu Destino
nas Sociedades Modernas”, “A era do vazio: Ensaios sobre o Individualismo
Contemporâneo” (sua obra mais importante), “Os Tempos Hipermodernos” (em
colaboração com Sébastien Charles) entre outras.
Para Lipovetsky (e outros autores ligados à este termo), a hipermodernidade
seria a ideia da exacerbação da modernidade ou seja, ela não está em oposição à
concepção de modernidade. A hipermodernidade representa o momento atual da
sociedade humana e os valores criados pela modernidade são exarcebados – a
ênfase no progresso técnico científico, a valorização da razão humana e o
individualismo. Lipovetsky compreende a hipermodernidade como uma:
73
Uma vez que a história foi considerada “extinta” ou apenas uma ilusão,
restaria à humanidade um caminhar errante, pois não temos uma “origem” nem
tampouco um “destino”. O pensamento de Vattimo se orienta neste sentido: “A
filosofia não pode nem deve ensinar para aonde nos dirigimos, e sim a viver na
condição de quem não se dirige a parte alguma” (VATTIMO apud GONZÁLEZ-
CARVAJAL, 2000, p. 609).
Segue-se então apenas duas recomendações ao ser humano pós-moderno:
Já não há lugar para grandes esforços e, neste sentido, a luta por grandes
ideais perde seu sentido, uma vez que basta apenas o prazer atual.
Uma vez que não existem mais convicções pelas quais lutar, que a história é
uma ilusão e, portanto, não pode ser construída, a sugestão ao indivíduo pós-
moderno é recolher-se em seu lar para ali desfrutar das benesses, das
comodidades, dos prazeres pessoais. “A pós-modernidade é o tempo do ‘eu’ e do
intimismo”135 assevera González-Carvajal (1993, p. 162). Cresce a indiferença em
relação às grandes questões da vida, àquilo que importa ao conjunto da população –
seja a sociedade onde se vive ou até mesmo o conjunto da humanidade. González-
Carvajal (2000, p. 609) cita uma frase de Raymond Ruyer que poetisa bem esta
orientação: “é necessário que os cérebros individuais aprendam a produzir o mel da
fartura, cada qual em seu alvéolo”.
A noção de autonomia e direitos individuais tiveram uma alteração – o dever
ético é reconfigurado para uma “estética do gozo” e podem se expressar muito mais
como uma “realização pessoal”, que é buscada a todo custo (aliás, percebe-se que
foi estabelecido um critério para a confirmação de qualquer projeto de vida – “sentir-
se bem”). É o sujeito (e não mais outras instâncias coletivas) que é estabelecido
como ponto de partida e chegada.
_______________
135
“La postmodernidad es el tiempo de ‘yo’ y del intimismo”.
77
Desta forma ganham respeito todas as iniciativas que valorizem o “eu”, tais
como grupos de encontro, cuidados com o corpo, terapias de sentimento,
pedagogias de contato etc.
Clodovis Boff (2014, p. 477) ainda recorda a ligação do indivíduo pós-
moderno com o mito de Narciso136 – preocupado apenas consigo mesmo e com a
sua autossatisfação. Ao contrário do mito preponderantemente moderno de
Prometeu137 – louvado por Ésquilo, mais tarde Goethe, Fichte e Marx. Segundo a
mitologia, teria sido Prometeu que, desafiando a autoridade de Zeus, roubou o fogo
do céu e trouxe-o a terra. Assim, proporcionou o progresso da humanidade.
Podemos também fazer um paralelismo entre dois outros personagens da
mitologia grega – Apolo138 e Dionísio139. Para tanto utilizamos a comparação de
Miranda resgatada por Leandro e Maria Lucia (PETARNELLA; SOARES, 2010, p.
167-168). A modernidade é retratada pelo mito de Apolo. Apolo representa a
harmonia, a beleza, a ordem e a razão. Assim Miranda considera que Apolo
representaria um tempo da humanidade dominado pela razão, pela ânsia da
perfeição. Período em que o ser humano estaria no centro do universo e a razão
seria a responsável última pela emancipação da raça humana. Ainda assim Apolo
_______________
136
Considerada uma das criaturas mais lindas, era filho de Cefiso e Liríope. Seu nome significa torpor
(de onde vem narcótico). Certo dia, ao passear por um bosque foi seguido pela ninfa Eco – que,
por um castigo de Hera, era obrigada a repetir os últimos sons que ouvisse. Percebendo que
estava sendo seguido, fez várias perguntas, mas obteve apenas o eco de suas perguntas como
resposta. Angustiou-se por querer amar o que não via. Em seguida aproximou-se de um lago,
debruçou-se às suas margens e contemplou a sua própria face na superfície. Enamorou-se pela
imagem que via (seu próprio reflexo) e, pensando ser a pessoa com quem havia dialogado,
mergulhou no lago e morreu afogado.
137
Heroi da mitologia grega, seu nome significa, literalmente, “premeditação” – denota a sua prévia
intencionalidade e planejamento antecipado de seus intentos. Filho de Jápeto e de Ásia, teve como
irmãos Atlas, Epimeteu e Menoécio. Foi cocriador com Epimeteu da raça humana. Concedeu à
humanidade o poder de pensar e raciocinar. Preferia a companhia dos humanos a dos deuses.
Para favorecer à humanidade roubou o fogo do Olimpo, assim os serem humanos poderiam
sobrepujar os demais seres vivos.
138
Uma das divindades principais da mitologia greco-romana. Filho de Zeus e Leto, irmão gêmeo de
Ártemis (deusa da caça e da virgindade). Era identificado com o sol e a luz da verdade. Símbolo da
inspiração profética e artística. Presidia sobre as leis da religião e as constituições das cidades.
Deus da beleza, da perfeição, da harmonia, do equilíbrio e da razão.
139
Também conhecido por Dioniso. Deus grego equivalente a Baco na mitologia romana. Era filho de
Zeus e da princesa Semele – único deus do Olimpo que tinha por mãe uma mortal. Semele teria
sido assassinada no sexto mês de gestação e Zeus toma Dionísio e costura-o em sua coxa.
Passando-se o tempo de “gestação” Zeus retira a costura e o entrega a Hermes. Dionísio é criado
como menina, mais tarde é transformado por Zeus em menino. Depois disso perambula pela Ásia
ensinando os povos a cultivarem a uva para o fabrico do vinho. Por isso é conhecido como o deus
do vinho.
78
Enquanto há uns que falam no “adeus à verdade” (G. Vattimo), outros dão
“adeus aos princípios” (O. Macquard). Uns dão vivas ao “princípio da
anarquia”, outros gritam “abaixo os fundamentos”. Enquanto uns falam da
“produção da verdade” (M. Foucault), outros clamam pela “invenção de si
mesmo” (J.-Cl. Kaufmann). Uns pretendem desconstruir ideias de
“substância”, “essência”, “natureza”, “sujeito” e outras do gênero (J.
Derrida), já outros lançam um novo rótulo “pós”: pós-isso ou pós-aquilo.
79
Uma vez que já não há certezas absolutas nas quais se deva confiar, a
humanidade fica à mercê de opiniões que rapidamente se modificam. Não há a que
se apegar – tudo pode ser correto e racional sob determinados aspectos ou
situações
Estas várias concepções de mundo e da humanidade são freneticamente
difundidas pelos vários meios de comunicação – rádio, televisão, imprensa e,
sobretudo, a internet através das várias plataformas digitais. Estas últimas não
somente democratizaram o acesso a todo tipo de informação, mas fizeram dos
consumidores de informação ativos produtores de notícias e conhecimentos.
As múltiplas racionalidades oferecidas pelos inúmeros canais à disposição do
indivíduo realizam neste um processo de escolha/descarte praticamente subjetivo,
não vinculado à coerência que o conjunto das informações possa ter. Temos uma
palavra que pode nos auxiliar na compreensão deste processo – fragmentação (do
saber, do eu, dos valores, das tradições, do conhecimento, das relações etc.). O
indivíduo pós-moderno olha a realidade como se estivesse a contemplar através de
um caleidoscópio – sua visão é particular e, mesmo para si, mudará rapidamente.
O pós-moderno não se apega a nada, não tem certezas absolutas, nada lhe
surpreende, e suas opiniões são suscetíveis de rápidas modificações.
Passa a outra coisa com a mesma facilidade com que muda de
140
detergente (GONZÁLEZ-CARVAJAL, 1993, p. 171).
_______________
140
“El postmoderno no se aferra a nada, no tiene certezas absolutas, nada le sorprende, y sus
opiniones son suscetiples de modificaciones rápidas. Pasa a otra cosa com la misma facilidad com
que cambia de detergente”.
80
_______________
141
“En resumen [...] em questiones de religión, la modernidad se negó a creer lo que era digno de
credibilidad, la postmodernidad no pone reparos a tragarse lo increíble”.
81
Crê-se ainda que esta inquietude esteja ligada aos eventos trágicos e
desumanos do século XX, percebe-se, então, que o apelo a Deus (ou ao sagrado)
retorna com vigor a partir da segunda metade do século.
Não iremos nos deter longamente neste ponto, uma vez que retornaremos a
ele na seção seguinte para introduzirmos a questão da espiritualidade na época
contemporânea. Basta dizer que, ligado ao processo de fragmentação, o indivíduo
pós-moderno relaciona-se com a figura do sagrado, com a religião, com as crenças,
a partir de uma eleição pessoal de valores, ritos, símbolos que lhe façam sentido. À
imitação do sistema capitalista com oferta e demanda, no “mercado religioso” o
crente fará o papel do consumidor ou cliente que, no intento de satisfazer a sua
necessidade (real ou criada) de religião ou espiritualidade, irá aplicar seus esforços
naquilo que melhor lhe aprouver.
Clodovis Boff (2014, p. 507) percebe que este anseio pelo sagrado denota
uma mudança cultural que está prestes a se manifestar:
É um sinal dos tempos, que como observamos, não diz respeito ao povo,
que sempre foi decididamente “teoverso”, mas às classe privilegiadas que,
depois de séculos de jejum religioso, voltam suas mentes para o sagrado.
Desponta, pois, no mundo todo, uma primavera de espiritualidade. Embora
nem sempre isento de certa superficialidade teológica e espiritual, e de
contradições tanto de conteúdo como de forma, o atual formigamento do
sagrado, essa espécie de comichão que toma conta de todo o corpo social,
é sinal inequívoco de que a cultura está para mudar de pele.
ainda, como a espiritualidade cristã tem respondido a este apelo pelo espiritual que
está “no ar”?
Sucede então o próximo ponto.
83
_______________
142
Tacey (2004, p.11) utiliza este termo para introduzir a temática de seu livro: “A spirituality
revolution is taking place in Western an Eastern societies as politics fails as a vessel of hope and
meaning. This revolution is not to be confused with the rising tide of religious fundamentalism,
although the two are caught up in the same phenomenon: the emergence of the sacred as a
leading force in contemporary society”.
84
Ao final dos anos sessenta Peter Berger já apontava para o que ele chama de
“índices de transcendência”143 no mundo de então. Estes não seriam mais do que
vagos rumores, mas que se deveria estar atento a eles e volver a atenção à sua
origem144 (BERGER, 1972, p. 151).
Garrido (1996, p. 617-622) no epílogo de seu livro oferece uma análise da
espiritualidade contemporânea e constata que o fenômeno da volta do espiritual,
coincide com o desencanto das utopias. Este fenômeno se desenvolve na complexa
conjuntura da cultura urbana e secularizada, que tem como uma de suas
características a pluralidade – o que traz ainda mais dificuldades à analise.
É exagerado dizer que o espiritual está na moda, porém não seria tão
exagerado afirmar que é atual, que interessa vivamente, para pelo menos
um grande número de homens e mulheres, muitos dos quais raramente
145
frequentam nossas igrejas. (GARRIDO, 1996, p. 620) .
_______________
143
Pode-se considerar esta expressão de Peter Berger como os sinais que “invadem” a nossa frágil
realidade humana. Podemos exemplificar como sendo o desejo de confiança, o amor paternal e
maternal, conjugal e filial, a alegria do perdão e da bondade, o desejo de justiça, a busca pela
verdade.
144
“Si, de nos jours, les indices de transcendance ne sont plus que de vagues rumeurs, rien ne nous
empêche de nous mettre à l’écoute de ces rumeurs – et peut-être de remonter jusqu’à leur source”.
145
“Es exagerado decir que lo espiritual está de moda; pero no sería tan exagerado afirmar que es
actual, que interesa vitalmente, por lo menos a un grand número de hombres y mujeres, muchos
de los cuales no suelen asistir a nuestras iglesias”.
85
Com um título bastante sugestivo 146 a obra de Jean Vernette inicia justamente
apontando para esta “nova paisagem”:
Uma vez que Jean Vernette tem se dedicado intensamente para compreender
a busca por espiritualidade nas últimas décadas148, gostaríamos de trazer aqui
algumas de suas considerações encontradas no livro acima referido.
Logo no primeiro capítulo Vernette (2002, p. 8) fala de “aventura espiritual”.
Com isto quer dizer que a espiritualidade não está mais delimitada no âmbito das
grandes religiões e de seus dogmas. E se pode dizer que esta aventura nem mesmo
é religiosa, muitas vezes. Como já havíamos apontado no primeiro capítulo desta
dissertação, e Jean Vernette confirma, esta “aventura” assume muitas vezes, as
características de uma busca de sabedoria ou de sentido. Ainda que esta demanda
seja voltada para uma “mística da imanência”, o autor acredita que isto se funda em
uma aspiração que todo o ser humano possui do sagrado e que brota a partir dele
mesmo e do mistério de sua liberdade. Esta necessidade do sagrado é tão humana,
por assim dizer, como a necessidade de amor e a necessidade do pensar. Nesta
perspectiva, o sentido de “sagrado” está ligado intimamente ao absoluto que se
encontra em seu próprio ser, mas que o ultrapassa. É nesta relação que temos,
então, uma “re-ligação” consigo e com o absoluto.
_______________
146 e
“Le XXI siècle sera mystique ou ne sera pas” – “O século XXI será místico ou não será”.
147
“La faillite des grands systems idéologiques, l’insatisfaction liée au materialisme du quotidian, un
certain vide du politique incapable de fournir des raisons d’agir et d’espérer, l’absence de
consensus sur les grandes questions éthiques ont creusé une béance das le cœur de l’homme du
e
XXI siècle. Ils ont libéré un espace pour la recherché spirituelle, voire ‘mystique’”.
148
Algumas das obras do autor sobre o tema que poderão ser consultadas: “Des chercheurs de Dieu
hors frontiers” (1979), “Jésus dans la nouvelle religiosité” (1993), “Peut-on prédire l’avenir?” (1989),
“Le New Age” (1992), “Nouvelles spiritualités, nouvelles sagesses” (1999) entre outras.
86
Jean Vernette aponta que o final do século XX viu este “retorno do espiritual”
em uma modernidade dita desencantada. A secularização 149, cujo tema muitos
sociólogos já trataram, não é sinônimo de irreligião. Este interesse pelo espiritual
nasce neste contexto, pois ainda que possamos perceber certa indiferença em
relação aos aspectos religiosos e aqueles relativos ao ser humano, a questão do
sentido aflora com intensidade. No contexto desta sociedade secularizada as
indagações metafísicas de sempre se fazem ouvir – questões sobre a vida e a
morte, o sofrimento e o amor.
É ainda Jean Vernette que nos oferece uma tipologia150 através da qual ele
aproxima certas vias espirituais contemporâneas que se formam (ou que se
reestruturam) neste ambiente de “renascimento do espiritual”. Vejamos:
_______________
149
Uma definição bastante interessante e suscinta de secularização nos é apresentada por Stefano
(DE FIORES 1999, p. 53): “[…] um processo histórico de emancipação do controle religioso e
metafísico, que leva o homem a se conscientizar da própria consistência e da consistência do
mundo, e a viver de acordo com isso”.
150
Será em torno a esta tipologia que Jean Vernette irá desenvolver os capítulos da obra que ora
utilizamos.
87
_______________
151
“Capacités d’analyser rigoureusement le réel, d’avancer des hypothèses pour lui donner sens,
d’accéder au symbolique par le langage, de s’interroger sans cesse dans et par la réflexion critique
et le débat avec d’autres, de cosntituer la mémoire de l’histoire des hommes, de produire des
œuvres d’art et de science”.
89
impacta mais pelo seu testemunho público, social e político do que pelo
religioso. O lado religioso fica entregue à subjetividade dos indivíduos. Outra
novidade: na cidade, a religião entra, independentemente dos seus desejos,
em concorrência com outras expressões religiosas (LIBANIO apud PELLÁ,
p. 98).
para responder este anseio pelo sagrado se dá tal como uma compra em um
supermercado: tomam-se os “produtos” de acordo com a sua conveniência.
Com efeito, as buscas por soluções por parte dos sujeitos religiosos, são
ancoradas, paradoxalmente, na própria incerteza que o homem pós-
moderno se encontra: sem referência segura, apático socialmente e dando
adeus às ilusões; passa a dar valor a tudo que se refere a sensações, como
escapismo para algum tipo de sentido além da realidade (PATRIOTA, 2012,
p. 5).
92
_______________
152
Pesquisadora universitária especialista em sociologia das religiões. Nascida em Paris em 1947,
tem doutorado em Sociologia e Letras e Ciências Humanas. Consagrou seus estudos na
interpretação teórica da modernidade religiosa, como a secularização, a individualização do crer, a
transformação das instituições entre outros.
153
“Retour du religieux” e “renouveau du sacré”.
154
Escritor francês nascido em novembro de 1901 e falecido em novembro de 1976. Amigo pessoal
de Albert Camus e Charles de Gaulle. Participou da resistência francesa durante a ocupação
nazista na Segunda Guerra Mundial. Foi Ministro da Cultura do governo de Charles de Gaulle entre
1959 e 1969.
93
não será” etc.155. A sua autoria nesta frase é questionada e, inclusive o próprio
Malraux, em uma entrevista ao semanário Le Point de 10 de dezembro de 1975,
teria dito que não se poderia afirmar que o então próximo século seria religioso, pois
era algo que ele não poderia saber, mas o que ele então sustentava era de que não
excluiria um evento espiritual em escala planetária. A questão de fundo, que
impulsionou Malraux a fazer esta afirmação (se de fato o fez) ou semelhante, era
seu questionamento em relação à discrepância de nossa sociedade, que havia
avançado muito em tecnologia, mas que se defrontava com um vazio de sentido:
[…] nossa crise é esta, da civilização mais poderosa que o mundo já tenha
conhecido. [...] Diante de nós, não é a natureza do homem que está em
questão, é a sua razão de ser [...] E nossa reposta é: “Para que conquistar a
156
Lua e ali suicidar?
_______________
155
Para uma visão bastante abrangente dos debates a respeito desta afirmação atribuída a André
e
Malraux ver o artigo de Brian Thompson – “Nul n’est prophète: Malraux et son fameux XXI siècle”,
disponível em http://www.malraux.org/images/documents/2009_3_thompson.pdf.
156
“[…] notre crise est celle de la civilisation la plus puissante que le monde ait connue. [...] En face de
nous, ce n’est pas la nature de l’homme qui est en cause, c’est sa raison d’être [...]. Et notre
réponse, c’est : “A quoi bon conquérir la Lune, si c’est pour s’y suicider?” Entrevista de André
Malraux com Paul-Marie de la Gorce para L’Actualité (maio, 1970) disponível no site anteriormente
indicado.
157
André Malraux, diante da Comissão de liberdades da Assembleia Nacional em 12 de maio de 1976.
Site anteriormente citado.
158
Entrevista de André Malraux com seu amigo Tadao Takémoto. A referência sobre tal entrevista
encontra-se no mesmo site já citado.
94
Cabe indicar, ainda, alguns dados que Karl Rahner (1992, p. 361-369),
prospectivamente (o artigo havia sido publicado já em 1977 – como citado
anteriormente em alemão) prevê para a espiritualidade “do futuro”:
a) a nova espiritualidade deverá manter uma identidade com toda a
espiritualidade vivida ao longo da história da Igreja. Haverá de ser
referenciada também, necessariamente, a toda História Salvífica e
inserida na comunidade eclesial;
b) deverá se concentrar nos aspectos essenciais da Revelação cristã;
97
_______________
159
Derivada do latim clássico “saeculum”, literalmente “século”, mas também “idade” ou “era”. No
latim eclesiástico significaria “o mundo” ou “a vida do mundo”. No século XVII se referia ao
abandono da vida sacerdotal ou religiosa, alcançando no século XIX um significado cultural tal
como processo de mundanização vivido pela sociedade em seu conjunto.
160
Termo cunhado pela Londoner Secular Society em Londres que compreendia a vida humana
prescindindo da figura de Deus ou mesmo da religião.
161
Conhecida também como “Teologia radical”, surgida na década de 60, se relaciona com o conceito
de secularização. A revista “Times” de outubro de 1965 estampava em sua capa a pergunta “Deus
está morto?” e apresentava um artigo que é considerado decisivo para esta teologia. Tal artigo
identificava quatro teólogos ligados a Teologia da morte de Deus: Thomas Altizer, Paul van Buren,
William Hamilton e Gabriel Vahanian. Destes, é Hamilton quem publica a obra “A nova essência do
cristianismo” e ele se faz a pergunta de Epicuro a partir de uma explosão com uma bomba em que
dois seus amigos (ambos cristãos) morreram e um terceiro (que era ateu) ficou ileso. Hamilton
mesmo respondeu: “Dizer que Deus morreu é dizer que deixou de existir como ser transcendental
e se tornou imanente ao mundo. As explicações não teístas substituíram as teístas. É uma
tendência irreversível; é preciso fazer-se a ideia da morte histórico-cultural de Deus. É preciso
aceitar que Deus se foi e considerar o mundo secular como normativo intelectualmente e bom
eticamente” (retirado do site Instituto Humanitas Unisinos, disponível em
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/507829-william-hamilton-o-teologo-da-morte-de-deus).
99
Outro. Quer-se ultrapassar o dualismo entre uma vivência cristã e uma existência
laica no mundo. O Reino de Deus se apresenta já iniciado e a vida em geral pode
ser vivida no Espírito de Deus (cf. DE FIORES, 1999, p. 53-54).
No âmbito do mundo protestante (mas com uma influência determinante que
extravasa quaisquer limites denominacionais) surge a figura de Martin Luther
King162. Pregando a não-violência como forma de resposta às atitudes
segregacionais contra a população negra norte-americana, obteve a aprovação da
lei sobre os Direitos Civis pelo Congresso dos Estados Unidos. Seu projeto é
embalado por um “sonho” que partilha em um discurso realizado em Washington
diante de uma multidão reunida. Esta sua visão é essencialmente evangélica e tem
como fonte a vida de Jesus Cristo. Vejamos suas palavras:
O amor é o poder mais duradouro que existe no mundo. Essa força criativa,
tão magnificamente exemplificada na vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, é
o mais poderoso instrumento disponível na busca humana da paz e da
segurança. [...] A ação não-violenta tem influência sobre os corações e
sobre as almas daqueles que nela se envolvem: dá lugar a um novo
respeito a si próprio; desperta recursos de força e coragem que eles não
têm consciência de possuir; enfim, abala de tal modo a consciência do
opressor, que a reconciliação se torna uma realidade (KING, 1963 apud DE
FIORES, 1999, p. 53).
O papa [João Paulo II] vê nos Movimentos um dos frutos mais significativos
da primavera da Igreja que eclodiu com o Concílio Vaticano II, um “motivo
de esperança para a Igreja e para os homens” de nosso tempo, uma obra
do Espírito que constitui a Igreja como abundância de vida nova, que flui na
história dos homens. Em um mundo cada vez mais secularizado, onde a fé
é colocada à dura prova e muitas vezes é abafada ou enfraquecida, os
Movimentos e as Comunidades Novas, portadoras de uma novidade
inesperada e impactante, são a “resposta suscitada pelo Espírito Santo a
este dramático desafio do fim do milênio, (uma) resposta providencial”. No
pensamento de João Paulo II, uma etapa rica de expectativa e esperança
166
se abre diante das associações leigas na Igreja (RYLKO).
_______________
166
“Le Pape voit dans les mouvements un des fruits les plus significatifs du printemps de l’Église qui a
éclos avec le Concile Vatican II, un ‘motif d’espérance pour l’Église et pour les hommes’ de notre
temps, une œuvre de l’Esprit qui constitue l’Église comme flux de vie nouvelle, qui coule dans
l’histoire des hommes. Dans un monde toujours plus sécularisé, où la foi est mise à dure épreuve et
souvent étouffée et éteinte, les mouvements et les communautés nouvelles, porteurs d’une
nouveauté inattendue et bouleversante, sont la ‘réponse, suscitée par l’Esprit Saint, à ce
dramatique défi de fin millénaire, [une] réponse providentielle’. Dans la pensée de Jean-Paul II, une
étape riche d’attentes et d’espérances s’ouvre devant les associations laïques dans l’Église”.
105
_______________
167
Cabe ressaltar aqui que o Dicionário em questão está traduzido para o português. A obra foi uma
coedição de Loyola e Paulinas. O que causa surpresa é de que, ainda que a edição revisada e
ampliada, em sua língua original, tenha sido publicada em 1990, tivemos acesso em nossa língua
apenas em 2012!
106
Por não se tratar de uma forma de espiritualidade cristã, não nos deteremos
neste item. Queremos apenas salientar quatro características que definem este tipo
da espiritualidade. Características que, por sua vez, realizam algum tipo de
influência nas expressões da espiritualidade cristã contemporânea. São elas:
a) uma concepção holística da ciência (o universo como feixes de
ondas de energias correlatas e que interagem, unicidade de tudo);
b) o fascínio pelas religiões orientais (mestres espirituais, técnicas de
meditação, a relação entre os princípios yin e yang, os aspectos
femininos, intuitivos e acolhedores);
c) o xamanismo e o contato com o além-mundo (xamãs, transes,
médiuns, psicografia, channeling);
d) o esoterismo e astrologia (teosofia, corpo astral, predições).
Através do Conselho Pontifício para o Diálogo Interreligioso a Igreja Católica
emitiu um documento intitulado “Jesus Cristo Portador de Água Viva: uma reflexão
cristã sobre a ‘Nova Era’” em fevereiro de 2003168. O documento pretendeu
responder às várias questões suscitadas pela Nova Era, bem como oferecer um
auxílio para o diálogo com aqueles que são influenciados por estas ideias.
_______________
168
Além da obra impressa, possível de ser adquirida em livrarias, está disponível no endereço
eletrônico do Vaticano o texto digital em quatro idiomas. Espanhol, francês, italiano e inglês. Para o
acesso do texto em espanhol ver:
http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/interelg/documents/rc_pc_interelg_doc_2003
0203_new-age_sp.html.
108
Oficialmente lançado em 1992, porém com uma história que se inicia a partir
do Sínodo dos Bispos de 1985. Apresenta-se em quatro partes a saber: Profissão de
Fé, Celebração do Mistério Cristão, o Decálogo, a Oração Cristã. A última parte,
dedicada de forma explícita à espiritualidade cristã oferece seus elementos
essenciais. As dimensões que são apresentadas para a espiritualidade são as já
reconhecidas: trinitária, cristológica, pneumatológica, eclesial, litúrgica, implicada
com o mundo e escatológica.
4.2.4.2 O restauracionismo
Nos últimos decênios o interesse pela vida dos santos, dos mestres e autores
clássicos da espiritualidade cristã vem crescendo. As publicações sobre o assunto,
desde biografias, estudos hagiográficos, obras completas com edições críticas,
reedições de textos clássicos de espiritualidade estão na ordem do dia das várias
editoras. E há os que, a partir destes autores e obras, reescrevem ou popularizam
as diversas correntes de espiritualidade cristã.
_______________
169
Justino, Tertuliano, Santa Luzia, Perpétua, Felicidade, Águeda, inúmeros mártires e cristãos e
cristãs anônimos são exemplos.
170
Mulheres leigas católicas que tinham vida ascética comum no início do século XII. A nomenclatura
deriva de um padre de Liège – Lambert de Bègue – que pregava a constituição de uma associação
de mulheres que vivessem vida religiosa, sem porém professarem os votos. Surgiram nos Países
Baixos, mas se espalharam para outros lugares. Seu modo de vida não contemplava a esmola e
não renunciavam às propriedades. Poderiam deixar suas comunidades e se casarem quando
desejassem. Sua rotina incluia a oração, participação na missa, penitências, vigílias e a caridade
com os mais pobres. Cada comunidade era independente. Duas beguinas importantes – a mística
Hadewijch de Antuérpia e Marcella Pattyn (a última beguina, falecida em 2013). A relação do
movimento das beguinas com a Igreja Católica foi muito conturbado. Foram alvo de muitas
acusações, foram proibidas, condenadas e até perseguidas. Já no século XV foram reabilitadas
pelo papa Eugênio IV, porém seu número foi descrescendo. O número de beguinas no início do
século XX era de mil, diminuindo para apenas nove na década de 60.
112
Sem medo de errar, pode-se afirmar que o leigo possui (deve possuir) não
somente o protagonismo da evangelização como já declarado pelo Magistério
Eclesial em diversos documentos (especialmente Christifideles laici e Documento de
Santo Domingo), mas também o protagonismo de uma “nova espiritualidade” capaz
de traduzir toda a riqueza da espiritualidade cristã para o cenário atual. Porque é
próprio da vocação laical a inserção nas realidades temporais, pode-se supor que
caberá aos leigos a importante missão de ser o novo modelo de santidade para esta
época. Paul Ricoeur (1965 apud DE FIORES, 1989, p. 354) falando da
sobrevivência da espiritualidade cristã, assim se expressa:
_______________
171
Charles Eugène de Foucauld de Pontbriand foi religioso católico e eremita. Nascido em setembro
de 1858 e morto em dezembro de 1916 na Argélia. Após uma carreira militar decide se tornar
explorador no Marrocos. Torna-se trapista depois de um período de reflexão. Em 1897 deixa a
Trapa para buscar uma vocação religiosa autônoma. Nesse processo é ordenado sacerdote e se
estabelece na Argélia entre os tuaregues. Foi assassinado por assaltantes de passagem. Após a
sua morte se inicia a Ordem dos Pequenos Irmãos de Jesus sob seu carisma.
172
Jornalista católica americana. Nascida em novembro de 1897 e falecida em novembro de 1980
viveu a sua juventude como ativista social e anarquista, chegando a trabalhar como jornalista em
uma publicação marxista nos Estados Unidos. Após o nascimento de sua filha (1927) aproxima-se
da Igreja Católica e é batizada. Funda em 1932 o Movimento Operário Católico com o padre Peter
Maurin. Visitou muitos países levando a sua causa e publicou várias obras. Faleceu em um abrigo
para pobres, trabalhando entre as pessoas comuns em vistas de uma mudança social.
173
Filósofo, teólogo e humanitário canadense. Nascido em setembro de 1928 fundou em 1964 a
comunidade L’Arche que se dedica aos cuidados das pessoas com deficiências de
desenvolvimento. A Arca está presente no mundo inteiro através de centenas de comunidades.
174
Disponível em http://www.zenit.org/pt/articles/o-pobre-transforma-nos-e-nos-cura-recorda-jean-
vanier-fundador-da-comunidade-a-arca. Acesso em 5 de novembro de 2015.
115
_______________
175
Nascido em agosto de 1917 em uma pequena cidade de El Salvador, D. Romero é ordenado
sacerdote em 1942. Foi nomeado bispo auxiliar de San Salvador em 1970 e bispo da diocese de
Santiago de Maria em 1974. Em meio a repressões militares, celebra uma missa pelos cinco
camponsese assassinados (em 1975). Escreve uma carta ao então presidente Molina. Em 1977 foi
nomeado Arcebispo de San Salvador. Teve uma vida devotada aos que eram perseguidos e
utilizou de seu ministério para denunciar as atrocidades. Em 24 de março de 1980 foi assassinado
enquanto celebrava uma missa na capela de um hospital.
116
_______________
176
Movimento com representações em várias tradições religiosas, como o budismo, o cristianismo e o
judaísmo. Faz uma releitura de todo arcabouço teológico a partir de uma perspectiva feminina.
Dentre os objetivos desta teologia temos o aumento do papel e da participação da mulher no clero
e nas esferas de autoridade, contra uma opressão feminina e a manutenção de privilégios
masculino legitimados por uma ideologia religiosa. Introduzem a metodologia da suspeita e da
desconstrução de conceitos teológicos. Neste aspecto visam denunciar a manipulação dos
elementos da religião em vistas de políticas que visam o favorecimento de um grupo em detrimento
de outros.
177
Religião neo-pagã originada principalmente na Europa pré-cristã. Tem como princípio a crença na
existência de poderes sobrenaturais e nos princípios masculinos e femininos que interagem com a
117
Esta espiritualidade passa pela crítica das forças e movimentos que oprimem
as mulheres e as alienam de si. Entre eles pode-se citar o patriarcalismo – seja na
sociedade, na família ou nas Igrejas – as estruturas rígidas e hierarquizadas.
Palavras-chaves desta espiritualidade são: igualdade, inclusivismo e mutualidade.
Procura-se superar os pensamentos e atitudes dicotômicas como: corpo/espírito,
espiritualidade/sexualidade, transcendência/imanência, razão/sentimento,
sagrado/secular.
Anne Carr explora esta questão: “é provável que haja diferenças entre a
espiritualidade feminina e a masculina” (CARR apud DE FIORES, 1999, p. 79). Esta
espiritualidade feminista surge da mensagem cristã e da experiência das mulheres e
“exige a libertação de todos os grupos oprimidos” (CARR apud DE FIORES, 1999, p.
80). Em busca de um Deus amoroso e não patriarcal atribui bastante importância à
experiência mística. Diante deste Deus pode-se adorá-lo como mãe e irmã ou
mesmo como amigo ou amiga.
Algumas características desta espiritualidade (segundo Sandra M. Schneiders
apud RAUSCH, 2003, p. 185-186).
natureza. Celebra ritos que marcam os ciclos da vida. É vista como “religião natural”. É politeísta,
porém com duas divindades principais – a Deusa-Mãe (associada à fertilidade ao amor pela vida e
ao renascimento) e o Deus Cornífero (associado à caça, à sexualidade, à morte e à magia).
118
4.2.5.4.1 Evolução
4.2.5.4.2 Problema
_______________
178
Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli foi eleito papa em 2 de março de 1939 e governou a
Igreja até sua morte, em 9 de outubro de 1958.
179
Especialmente: a consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria (1942), proclamação do
dogma da Assunção (1950), celebração do Ano Mariano no centenário da definição da Imaculada
Conceição (1954).
119
4.2.5.4.3 Crise
4.2.5.4.4 Redescoberta
_______________
180
Ver por exemplo LG 50-69 (especialmente 66-67, acerca do culto à Virgem Maria), SC 103, UR
14-15.
120
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181
A carta encíclica “Laudato Si’” foi entregue no dia 24 de maio de 2015 e trata, justamente, sobre o
cuidado da casa comum.
122
Na esteira desse seu raciocínio ele adverte a tentação de se pensar que nada
de surpreendente pode acontecer no interno da Igreja, pois ela está assentada
“sobre a rocha da eternidade de Deus”. Imediatamente desfaz este equívoco
lembrando do acontecimento eclesial central do século XX – o Concílio Vaticano II –
que abalou o “monolitismo” da Igreja de então. Mais ainda, estando em meio a
grandes mudanças, afirma que o próprio “Concílio não foi a causa, mas sobretudo
uma espécie de catalisador” (RAHNER, trad. SECONDIN; GOFFI, 1994, p. 361).
Diante de todas estas “impossibilidades” Rahner arrisca-se a “prever” o que
seria a espiritualidade do porvir. Ele ressalva ainda que ao falar em perspectiva não
se preocupa em desmembrar o que pertenceria à espiritualidade de então e o que
poderia ser a espiritualidade do amanhã, nas palavras dele: “não devemos nos
preocupar demais se estamos falando de uma espiritualidade já existente hoje (ou já
possível hoje) ou de uma espiritualidade que só amanhã será possível”. Com esta
mesma reserva iniciamos esta subseção intitulada “Crises e Oportunidades”.
Esta perspectiva será apresentada em três pontos:
a) situações de crise;
b) pontos polêmicos e;
c) oportunidades.
123
Como instituição global a Igreja Católica (com certa razão as demais Igrejas
cristãs e, inclusive, as religiões tradicionais) não se encontram mais no centro das
discussões e debates. Desde épocas remotas o cristianismo esteve umbilicalmente
ligado ao poder temporal – Impérios, Reinos e Estados – o que se conhecia como as
duas espadas de poder – espiritual e temporal182. A Igreja possuía o poder espiritual
e determinava quem possuiria o poder temporal, que lhe era submisso. Já há muito,
porém, esta associação está desfeita – pelo menos na sua forma oficial. De uma
identificação integral com o poder, lentamente este vínculo foi sendo desconstruído
e temos que atualmente o cristianismo (nas suas múltiplas manifestações) é
composto em muitos países de uma minoria, com as implicações próprias. Era o que
já “previa” o então teólogo Joseph Ratzinger na década de setenta:
Da igreja de hoje sairá também esta vez uma igreja que terá perdido muito.
Se fará pequena, deverá começar completamente de novo. Não poderá
ocupar muitos dos edifícios que foram construídos em uma conjuntura mais
propícia. Ao diminuir o número de seus adeptos perderá muito de seus
183
privilégios na sociedade (RATZINGER, 1973, p. 76) .
_______________
182
Recordamos aqui a Bula “Unam Sanctam” do Papa Bonifácio VIII, declarada em 18 de novembro
de 1302. Nesta Bula define-se os âmbitos de exercícios do poder espiritual e temporal: “As
palavras do Evangelho nos ensinam: esta potência comporta duas espadas, todas as duas estão
em poder da Igreja: a espada espiritual e a espada temporal. Mas esta última deve ser usada para
a Igreja enquanto que a primeira deve ser usada pela Igreja. O espiritual deve ser manuseado pela
mão do padre; o temporal, pela mão dos reis e cavaleiros, com o consenso e segundo a vontade
do padre. Uma espada deve estar subordinada à outra espada; a autoridade temporal deve ser
submissa à autoridade espiritual”.
183
“De la iglesia de hoy saldrá también esta vez una iglesia que ha perdido mucho. Se hará pequeña,
deberá empezar completamente de nuevo. No podrá ya llenar muchos de los edificios construidos
124
en la coyuntura más propicia. Al disminuir el número de sus adeptos, perderá muchos de sus
privilegios en la sociedad”.
125
Além disso, este mesmo Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de
Deus por meio dos sacramentos e ministérios e o adorna com virtudes, mas
“distribuindo a cada um os seus dons como lhe apraz” (1 Cor 12,11),
distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as classes, as
quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos,
proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja,
segundo aquelas palavras: “a cada qual se concede a manifestação do
Espírito em ordem ao bem comum” (1 Cor 12,7) (LG 12).
_______________
184
“Faça-se o mesmo [“ser removido” – nota nossa] [...] [com] aqueles que se mostrarem amigos da
novidade em matéria histórica, arqueológica e bíblica [...]” PDG 3,2.
129
A Igreja sempre se opôs a estes erros; muitas vezes até os condenou com a
maior severidade. Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o
remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às
necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que
renovando condenações (JOÃO XXIII, 1962, VII, 2).
Paolo Cugini vai mais longe ao compreender este diálogo como essencial
para o desenvolvimento da teologia (diríamos da teologia espiritual também):
185
“O sagrado Concilio encoraja os filhos da Igreja que cultivam as ciências bíblicas para que
continuem a realizar com todo o empenho, segundo o sentir da Igreja, a empresa felizmente
começada, renovando constantemente as suas forças” (DV 23).
130
em nível global realizam um impacto no plano eclesial e aos poucos vão delineando
novas formas de vivência da fé e de expressões de espiritualidade.
4.3.3. Oportunidades
4.3.3.3 O incremento do diálogo com outras Igrejas, outras religiões bem como a
sociedade em geral
comunidade cristã poderá realizar uma “presença”, ainda que virtual, junto as
pessoas que necessitem. E isso é correto afirmar se consideramos ainda que:
Obviamente que todo este processo é muito novo. Se a relação da Igreja com
a mídias sociais é recente, que diremos da relação com a internet e as novas
tecnologias! Já está claro que com o advento destas inovações temos uma
possibilidade de compartilhamento de informações nunca visto antes na história da
humanidade. Grande parte das experiências espirituais realizadas ao longo dos
135
Essa é uma demanda que se encontra por toda parte e, sem dúvidas, no seio
das igrejas cristãs. Donde nos vem a próxima subseção.
136
4.3.3.6 Bricolagem
O fiel escolhe dogmas que ele acha aceitáveis, segue ritos e práticas éticas
conforme julga conveniente para ele próprio. [...] A religião tradicional
baseia-se na promessa de uma recompensa momentosa no pós-morte, mas
o individualismo moderno tem pressa, prefere um ter a uma dupla promessa
insegura (sic), entender desfrutar satisfação desde esta vida, com a maior
rapidez e plenitude possíveis (LEPARGNEUR, 2004, p. 284).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como a face inversa da situação acima, a Igreja investirá cada vez mais seus
esforços na constituição de pequenas comunidades de vida cristã. Ao invés das
grandes paróquias e grandes templos (ainda que muitos se manterão por um bom
141
Encerrando este ciclo, cremos que este trabalho deva ser interpretado
segundo o provérbio popular: “Ex digito gigas”. Ainda que extenso, fica-nos a
impressão de que estamos apenas diante do “dedo” deste “gigante” que é a
Espiritualidade Cristã.
143
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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et une spiritualité interreligieuse. Montréal: Médiaspaul, 2004.
______. A Igreja perplexa: a novas perguntas, novas respostas. São Paulo: Paulus,
2004.
BUENO, Justino de Almeida. Reflexões sobre uma espiritualidade para o século XXI.
A Ordem, Rio de Janeiro, nº 97, 1999, p. 30-62.
HOLT, Bradley. Spiritualities of the Twentieth Century. In: MURSELL, Gordon. The
Story of Christian Spirituality: Two thousand years, from East to West. Oxford:
First Fortress Press, 2001.
JOÃO XXIII, Papa. Discurso de sua santidade Papa João XXIII na abertura
solene do SS. Concílio. 1962. Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/john-
xxiii/pt/speeches/1962/documents/hf_j-xxiii_spe_19621011_opening-council.html>.
Acesso em: 15 jan 16.
LIBANIO, João Batista. A religião no início do milênio. São Paulo: Loyola, 2002.
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2005.
RYLKO, Stanislaw. Une ligne constante dans la vie de l’Église. Disponível em:
<http://www.laici.va/content/laici/fr/sezioni/associazioni/prefazione-del-card--
stanisaw-ryko.html>. Acesso em: 20 jan 2016.
VERNETTE, Jean. Le XXIe siècle sera mystique ou ne sera pas. Paris: PUF,
2002.