Em uma grande ilha distante, de um mundo igualmente distante, habitava um povo
que se dividiam em duas grandes religiões, a dos angelicais e a dos divinais. Neste lugar, a segregação era clara, ensinada desde cedo aos seus pequenos moradores para que estes aprendessem rápido a “não se misturar com o mau”. Os embates eram constantes, ali, pessoas morriam e matavam em nome destas religiões. E o curioso é que elas proferiam basicamente os mesmos dogmas, quando vistas de perto, eram bem parecidas, inclusive, os defeitos e criticas que atribuíam uma a outra, eram similares. O sistema de pensamento daquele povo era bem óbvio: tudo que era bom era de minha religião, tudo que era ruim era da outra, uma verdadeira relação de amor e ódio. Assim, se a violência aumentasse, se o dinheiro desvalorizasse, se ocorresse um terremoto, enfim, fosse qual for a tragédia, em minutos surgiam discursos inflamados de lideres angelicais e divinais atrelando a culpa ao outro grupo. Curiosamente, quando um representante de um dos grupos cometia um crime, desde um crime comum ou mesmo um crime contra o patrimônio daquele país, os membros do grupo saiam em sua defesa, elaborando teorias as vezes demasiadamente surreais, que pudessem explicar, amenizar ou até justificar o feito daquele transgressor. Por outro lado, o grupo rival pedia a pena máxima ao membro da outra religião, enchiam-se de valores e de pudores ao mesmo tempo que generalizavam e condenavam todos do grupo oposto, não só o criminoso, igualando todos em um mesmo e baixíssimo nível. Muitas eram as dificuldades daquele lugar, enquanto lideres políticos, pensadores, artistas, juízes e demais setores gastavam horas de suas práticas em discursos carregados de ideologias pregando para seus seguidores, o país amargava índices educacionais, de saúde e sociais precários. Sem um consenso geral, sem uma visão para além do senso comum, era impossível tomar medidas que de fato impactassem uma melhora na qualidade de vida dos moradores, em especial dos mais necessitados. Acontece que, um viajante deste país, que evidentemente era fanático por uma das religiões e odiava a outra, sobreviveu sozinho a um naufrágio e passou a viver isolado numa afastada ilhota perdida no oceano! Passado vários anos ele foi encontrado por uma equipe, todos socorristas ficaram encantado com a adaptação do sobrevivente naquela ilha tão sem recurso. Repararam, na casa de madeira, nas ferramentas artesanais, nos móveis. Tudo feito com os recursos disponíveis na natureza, ficaram curiosos com a construção de dois "templos" feitos também de madeira, um muito próximo da casa, todo adornado com flores e folhas, limpo e aconchegante, o outro, mais distante, porém onde os olhos podiam vê-lo, estava totalmente abandonado e sujo. Ao ser questionado sobre o porque de ter construído dois templos ele respondeu: - Bem, foram minhas duas primeiras construções, fiz dois é verdade, mas aquele lá longe é do mau, e eu nunca vou lá. São inúmeras as inferências possíveis desta história, quero destacar duas e deixo ao leitor, a possibilidade de encontrar muitas outras. A primeira dela se refere a luta vã de um país, agora não tão distante, pelo contrario, muito perto de nós, que a anos vem abandonando a faculdade de pensar e a substituindo pela ideologia. Ideologia que na minha opinião, pode ser definida como o “fast food” da inteligência. Assim, nos perdemos em um jogo de “nós, totalmente bons contra eles, totalmente maus” e não conseguimos avançar na superação de nossas mazelas sociais. A outra inferência que quero destacar é em um campo bem mais pessoal, sobre a necessidade que temos de idealizar heróis e vilões para organizar nossas verdades, nossa moral, nossa ética, nossos pensamentos e nossas condutas pessoais. Nos perdendo em uma visão reducionista do outro e de nós mesmos, impedindo o contraditório e assim, impedindo também a elevação do desenvolvimento humano a patamares superiores.