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X-Men e o controle do feminino.

Marcelo Arruda

Arte e cultura são fontes inesgotáveis de estudos, reflexões e de perfeitas metáforas para que
possamos compreender o comportamento humano, sua psique, e sua evolução ao longo dos
milênios. E não poderia ser diferente, toda manifestação artística de fato revela aspectos da
psique humana, as vezes um retrato consciente, mas muitas vezes, nem o próprio autor se deu
conta da representação psicológica que realizou através de sua produção.

Nenhuma obra consegue emergir ao mundo, livre de ser influenciada, direta ou indiretamente,
consciente ou não, pelo momento social em que se produziu. A reflexão que vou realizar aqui,
tem como referência os filmes produzidos para o cinema, desde o primeiro “X-Men O filme”,
lançado no ano 2000 até o “Fênix Negra”, lançado em 2019. O título de minha reflexão, pode
parecer em um primeiro momento, contraditório, visto que o universo dos X-Men é composto
por heroínas imponentes e com grande importância nas histórias, mas, peço que acompanhe
até o fim e aí sim, tem toda liberdade de concordar ou não com o que sugiro.

Antecipando a conclusão, digo a vocês que embora os filmes da saga X-Men enfatizem o poder
e ascensão feminina, também os colocam como um grande perigo, uma ameaça ao mundo e
que, por conta disso, precisam ser controlados. Duas personagens simbolizam perfeitamente
esta situação: Jean Grey (fênix negra) que poderíamos relacionar com a capacidade intelectual
e psicológica da mulher e a Raven (mística) representando toda a liberdade e independência
feminina, também relacionada com sua emancipação sexual. Reparem que ambas possuem
duas identidades, sendo uma delas moderada e contida e a outra, que nesta minha
interpretação, simboliza a libertação do controle social/masculino.

Este controle social/masculino das personagens, é representado por uma figura de viés
caricata, o benevolente Professor Xavier, um homem culto, educado, que só almeja o bem de
suas pupilas, alguém que, mais do que elas próprias, sabe o que é melhor para ambas, e que
considera o desenvolvimento total delas como um risco para todos, inclusive para elas
mesmas, por isso, devem ser contidas. Este fato retrata um importante fragmento do
pensamento masculino para com as mulheres ao longo de nossa história recente, retratando a
visão muitas vezes protecionista para com as mulheres sobre o pretexto de protege-las de um
mundo vil do qual elas não estão preparadas para enfrentar.

Focando primeiramente na personagem Jean, ao longo dos diversos filmes da série, nos é
revelado que o professor Xavier criou inúmeros bloqueios mentais, “aprisionando” em uma
“cadeia psicológica” a poderosíssima Fênix Negra, mantendo sobre ela um controle,
manipulando a verdade sobre sua história e seu real potencial. Em diversas falas nos filmes, ele
enfatiza o risco que ela representa a todos e a necessidade de ser controlada,
coincidentemente, os poderes de ambos são parecidos, são telepatas, sendo que a contida
Jean jamais o sobreporia, pelo contrário, a Fênix se coloca como alguém de poder
extremamente superior ao seu, ora, não temos aqui um paralelo com o medo masculino de
perder a posição de liderança na sociedade?

E quanto a Raven, os filmes a revelam como uma doce garotinha, de feições agradáveis e
angelicais, que cresceu sobre os cuidados e proteção do Professor Xavier, em pelo menos 3
momentos ao longo dos filmes, Xavier censura a nudez as manifestações sexuais de Raven,
mesmo que em sua versão mutante, sua famosa camuflagem, nada revelasse de seu corpo, o
professor visivelmente se incomoda com a versão “selvagem” de sua protegida. Mística retrata
uma força instintual, livre e selvagem do feminino, alguém que coincidentemente pode “ser
quem quiser” visto que uma das habilidades da heroína é transformar-se em outras pessoas.
Paralelos incríveis que provocam minha psicologia de botequim (risos), ora, é muito
conveniente, que uma mulher que pudesse ser todos e tudo, fosse sempre ela mesma, a
adorável e delicada Raven.

O intelecto e sensualidade feminina, duas forças extremamente fortes e ameaçadoras que


precisavam ser controladas. Que em alguns momentos, como bem retratam os filmes, acabam
sendo estimuladas de acordo com a conveniência da situação, é o que ocorre no último filme
lançado “fênix negra” onde diante de um desafio critico com risco de mortes para os heróis, o
próprio professor Xavier incentiva Jean a transformar-se na Fênix. Entra ainda nesta trama o
Magneto, outro líder masculino, com uma proposta mais libertadora para as duas personagens
femininas, contrapondo-se ao desejo do professor de contê-las, mas, aparentemente, o que
ele deseja é usar da força destas em nome de sua causa. E a serie de filmes não deixou de
retratar o perigo que simboliza “lidar” com estas forças femininas, no filme “X-Men – O
confronto final”, Jean acaba se revelando como a Fênix, é acolhida por Magneto que estimula
sua “libertação” resultado: destruição total, morte de vários humanos e mutantes e um
Magneto arrependido, “o que foi que eu fiz”, lamenta em uma das falas finais do longa.

O que me parece claro é que X-Men é sem dúvida uma obra em que, conscientemente, seus
autores louvam o feminino, destacam a força e a importância da mulher na sociedade, mas,
inconscientemente, ainda retratam medos deste feminino, apoiando sim a emancipação
intelectual/profissional e sexual da mulher mas alertando sobre os riscos e vinculando estes
desenvolvimentos a necessidade do controle masculino.

Um paralelo perfeito do que é nossa sociedade contemporânea, que em um primeiro


momento prega a total liberdade da mulher em todos os aspectos mas, discretamente, ainda
tenta manter um certo freio e controle sobre essa cada vez mais desenfreada “revolução
feminina”, seja ainda mantendo privilégios a classe masculina, seja criando barreiras sociais e
morais as mulheres ou ainda embutindo nestas a necessidade de terem um “cuidador” e sobre
o perigo de serem mulheres totalmente independentes em um mundo tão hostil.

Finalizando, talvez, na maior parte do mundo, a mulher, tal qual uma fera aprisionada desde
muito cedo, se libertou da jaula que a mantinha presa, mas, ainda precisa superar os medos e
crenças falsas que aprendeu ao longo de uma era aprisionada e retomar sua força instintiva,
em partes, ainda adormecida.

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