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SINTOMA CONVERSIVO E FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO: FRONTEIRAS E


INTERLOCUÇÕES

Maria Tereza Viscarri Montserrat

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Minicurrículo -

Psicanalista. Mestre em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São


Paulo. Psicóloga do Hospital do Servidor Público Estadual - FMO. Preceptora do curso de
Aprimoramento em Psicologia Clínica e Hospitalar do HSPE-FMO. Docente do curso
“Fundamentos da Psicanálise e sua Prática Clínica” e membro efetivo do Departamento Formação
em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Especialista em psicologia hospitalar e clínica pelo
CRP/SP.
SINTOMA CONVERSIVO E FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO: FRONTEIRAS E
INTERLOCUÇÕES

INTRODUÇÃO

Este tema surge a partir das inquietações provenientes de uma clínica realizada no Ambulatório
de Psicologia de uma Instituição Hospitalar (Hospital do Servidor Público Estadual - Francisco Morato
Oliveira, HSPE-FMO), propõe-se a estabelecer linhas divisórias entre os chamados sintomas conversivos
e os fenômenos psicossomáticos para situá-los em seus respectivos territórios a partir do desenvolvimento
de um pensamento teórico-clínico.

Inicialmente, será realizada uma retomada na teoria psicanalítica em busca de delimitações


conceituais e, portanto, fazer um recorte dentro deste vasto campo ao delinear a questão do sintoma: sua
importância enquanto fenômeno subjetivo, como expressão do inconsciente, de uma fantasia e um
conflito, demarcá-lo como uma operação de defesa, situá-lo no âmbito do estrutural e do constitutivo do
psiquismo.

Procura-se estabelecer uma interface com a questão diagnóstica em psicanálise para situarmos as
estruturas com suas defesas prevalentes, valorizando um pensamento clínico mais abrangente, que
considere a história do sujeito na sua constituição psíquica e não se encerre no sintoma como forma
descritiva e classificatória de uma patologia.

Assim sendo, segue-se com a trajetória original do sintoma conversivo no terreno da estrutura
neurótica (formação de compromisso) com a proposta de circunscrever seus mecanismos em seus
aspectos tópico (lugares, instâncias), dinâmico (conflitos) e econômico (intensidades, excitações). Dentro
desta equivalência pretende-se circunscrever a manifestação psicossomática em sua singularidade, que
por sua vez, também a posiciona em uma forma particular/arcaica de manifestação do psiquismo. Para
seguir com este propósito recorre-se ao pensamento pós-freudiano voltado aos estudos destes fenômenos
psicossomáticos a partir de uma clínica psicanalítica.

A importância deste tema dentro de um ambulatório em um contexto hospitalar se faz presente


em função da solicitação de um cuidado no campo psíquico, que em grande parte, tem como ponto de
partida uma problemática orgânica, condição que nos coloca frente aos impasses destas múltiplas relações
entre o corpo e o psiquismo e nos faz revisitar sistematicamente a teoria, aspecto inseparável e inerente à
nossa prática.

O mapeamento destes singulares estados de sofrimento constitui-se, portanto, no disparador para


a proposta de cultivar estas interlocuções, próprias a todo campo de pesquisa, e assim, conduzir a
reflexões sobre os possíveis processos de subjetivação nestas problemáticas com seus correspondentes
efeitos clínicos.
A trajetória freudiana: referências conceituais

A partir de Sigmund Freud (1856-1939) com seu rico legado de ideias, inaugura-se um novo
campo de estudo denominado Psicanálise, no qual se articula um conjunto de teorias criadas para explicar
o funcionamento do psiquismo tanto nos estados mais agudos de sofrimento como na sua manifestação
comum da vida. Contudo, contamos hoje com uma diversidade de modos de pensar a teoria psicanalítica.
Refere-se assim, ao surgimento de diferentes escolas, nas quais prevalecem leituras pautadas na
valorização de alguns conceitos freudianos que encaminham o leitor para desdobramentos diversos de
acordo com os pontos conceituais destacados. Entende-se que desde o nascimento desta obra inaugural,
com vasto campo de discussões em torno de sua compreensão, traduções e leituras, torna-se necessário
situar o eixo de pensamento para balizar qualquer reflexão teórica e seu correspondente trabalho clínico.

De acordo com o texto “Dois Verbetes de Enciclopédia”, Freud postula que os pilares deste
edifício teórico são os conceitos de Inconsciente, Sexualidade e Complexo de Édipo, a teoria da
Resistência e do Recalcamento¹ (Freud, 1923, p.160). No eixo do trabalho clínico situa a Transferência e
sua correspondente ‘escuta clínica’ (atenção flutuante ou imparcialmente suspensa) para balizar o lugar
do sujeito a partir de sua demanda e seu sofrimento, condição que possibilita em um processo de análise
circunscrever, pela via da Regra Fundamental (Associação livre), o lugar atribuído ao analista na
repetição dos antigos protótipos infantis das relações com o objeto e reviver assim, os seus aspectos
conflitantes, abrindo-se a possibilidade de uma nova experiência no campo relacional, com efeitos
diversos em termos de arranjos psíquicos e potenciais reposicionamentos subjetivos.

Assim, desde a origem da Psicanálise há uma busca do entendimento do sintoma como portador
de um sentido, cuja interpretação comporta potencialmente um efeito terapêutico na medida que coloca
em circulação novas ligações.

De acordo com os textos ainda inaugurais da Psicanálise, centrados no sofrimento neurótico, o


‘sintoma fala’ tem valor de gramática com leis próprias. Oculta e ao mesmo tempo revela algo sobre a
história deste sujeito, as suas marcas no âmbito do constitutivo e entra em cena pela via da
sobredeterminação inconsciente, tal como Freud define as formações de compromisso, ou seja, como
expressão do inconsciente e suas manifestações substitutivas.

Freud nos diz que a diferença entre a normalidade e a patologia não é uma questão qualitativa.
Os mecanismos de funcionamento do psiquismo são os mesmos, portanto, há uma linha de continuidade
entre ambos:

“A importância na causação de doenças que deve ser atribuída à quantidade de libido acha-se em
concordância satisfatória com duas teses principais da teoria das neuroses a que a psicanálise nos
levou; em primeiro lugar, a tese de que as neuroses derivam do conflito entre o ego e a libido e,
em segundo, a descoberta de que não existe distinção qualitativa entre as determinantes da saúde
e as da neurose, e que, pelo contrário, as pessoas sadias têm de avir-se com as mesmas tarefas de
dominação de sua libido - simplesmente, saíram-se melhor nelas.”² (Freud, 1912, p. 145)
Neste sentido, apesar do ponto de partida freudiano ter se estabelecido na clínica e na patologia,
este cenário propiciou também estabelecer o funcionamento do psiquismo na normalidade e os textos
entre 1900 e 1905 * contemplam plenamente este aspecto no que tange a elaboração da primeira tópica,
cuja construção hipotética dá origem ao modelo de um aparelho psíquico que está presente em uma
concepção geral do funcionamento do psiquismo.

Freud propõe pensar que o trabalho contínuo deste aparelho é de transformar as excitações,
intensidades e o caos pulsional em produtos: sonhos, sintomas, atos falhos, etc. “Do ponto de vista
energético, trata-se de explicar a transformação da energia somática em energia psíquica”³ (Garcia-Roza,
2000, p.256).

Com o conceito de pulsão, Freud aproxima-se das interligações entre o somático e o psíquico,
assim, estabelece que a pulsão é composta por quatro elementos: pressão, fonte, objeto e finalidade, e
ressalta a sua determinação ontogenética, diferente de uma condição filogenética a priori estabelecida,
como ocorre no instinto. Define como pulsão a excitação, os estímulos provenientes continuamente do
corpo e estabelece a sua ligação com a noção de representante, pela qual Freud entende que há uma
espécie de delegação enviada pelo somático ao psiquismo, referindo-se ao representante psíquico que por
sua vez compreende o representante ideativo e o quantum de afeto.

No texto “Os instintos e suas Vicissitudes”, Freud define a pulsão como o “...conceito limite
entre o somático e o psíquico”4 (Freud, 1915) na qual comporta a interligação (somático e psíquico)
definida na psicossexualidade.

Neste sentido estamos diante do inaugural e daquilo que resultará em constitutivo do psiquismo,
que mais tarde se desdobrará nos campos intrapsíquico e intersubjetivo com a singularidade de um
subjetivar-se.

Do ponto de vista do narcisismo, onde as pulsões sexuais se desdobram na balança: libido do eu /


libido objetal, temos importantes contribuições do pensamento freudiano na referência deste conceito
como constitutivo do Eu. Na sua origem um eu-corporal, imagem refletida pelos pais, a partir de seu
respectivo narcisismo projetado nos filhos, circunscrita como Eu ideal, miragem necessária e protetora
diante do desamparo, próprio de um psiquismo ainda não constituído.

A desilusão também necessária para a saída deste estado onipotente se encaminha pela via da
castração originando a ferida narcísica, tendo como herdeiro deste corte o Ideal do eu (uma das facetas do
posterior Supereu) que inaugura uma nova posição subjetiva necessária para os futuros investimentos
exógenos e reguladores do laço social.

*Refiro: A Interpretação do Sonho. (1900) / Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. (1901) /


Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. (1905) / O chiste e sua relação com o inconsciente. (1905)
Freud explora algumas situações regressivas além da patologia de ordem psíquica (referida aqui
às psicoses/ parafrenias) e refere-se aos processos no corpo, tais como o estado de sono e a doença
orgânica que satisfaz as pulsões de auto- conservação, remetendo-as a um estado regressivo e fazendo
considerações sobre a distribuição da libido e de seu represamento no Eu.

“No que tange à doença orgânica, seguirei a sugestão verbal de S. Ferenczi de que devemos levar
em conta a influência da enfermidade orgânica sobre a distribuição da libido. Todos sabemos e
consideramos normal que o sujeito atormentado por uma dor orgânica e por incômodos diversos
deixe de se interessar pelas coisas do mundo exterior que não digam respeito ao seu sofrimento
[...] recolhe seu interesse libidinal dos objetos de amor [...] tanto a libido quanto o interesse do
Eu têm o mesmo destino [...] Analogamente ao que ocorre com a doença também o estado de
sono implica um recolhimento narcísico da libido[...]”5 (Freud, 1914, p.104).

Freud também faz algumas considerações sobre a Hipocondria, equiparando-a às parafrenias na


relação com a libido do eu em contraste com as neuroses que dependem da libido objetal.

Pensar nestes processos conduz à possibilidade de idas e vindas entre estes registros: somático e
psíquico, especialmente quando nos remetemos ao ponto de vista econômico, ou seja, a presença de
excitações excessivas. No que tange ao psíquico, estaríamos diante de uma angustia difusa, porém estas
intensidades que não são processadas no registro psíquico poderiam supostamente comparecer
diretamente no corpo real.

Considerações sobre o lugar do sintoma e do diagnóstico em psicanálise

A psicanálise não é uma clinica pautada na supressão do sintoma, o eixo está no sujeito e naquilo
que ele nos diz sobre o seu sofrimento. O conceito de sintoma tem como ponto de partida uma referência
no modelo médico, onde prevalecem as noções de diagnóstico, doença, tratamento e cura, definições estas
presentes nos dias de hoje neste campo, mas redefinidas a partir da proposição de novos paradigmas. A
estruturação de outras formas de pensar os processos psíquicos estabelece uma ruptura com os
conhecimentos médicos e biológicos, impondo-se a tarefa de resituar estas noções em outro campo.

Relativo ao teor do diagnóstico em Psicanálise, remetemos ao pensamento de J. Dor, que de


forma clara recoloca esta questão a partir do próprio conceito de Inconsciente, que por si só, não permite
estabelecer algo linear, causal, como lógica de entendimento, pois considera: “[...] não existir uma
solução de continuidade direta entre uma cartografia de sintomas e uma classificação diagnóstica[...]”6
(Dor, 1991, p.20-22), sendo necessário estabelecer parâmetros com nova ancoragem. Neste sentido,
propõe estabelecer a distinção entre os sintomas e as referências diagnósticas estruturais.

Podemos considerar ainda que os sintomas, embora característicos de alguns quadros


psicopatológicos, por si só não permitem o diagnóstico de uma estrutura, comparecendo em diferentes
patologias. Este aspecto difere dos diagnósticos realizados hoje na Psiquiatria de acordo com o Manual
Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, 5.ª edição (2013) ou DSM-V, (da Associação
Americana de Psiquiatria / APA) e da Classificação de Transtornos Mentais e Comportamentais (capítulo
V da Classificação Internacional de Doenças ou C.I.D. 10, 2008, da Organização Mundial de Saúde),
onde prevalece a ideia clínica de elencar os sintomas para que a quantidade identificada defina e
caracterize a patologia.

O posicionamento deste texto segue a direção, que segundo Dor, sintetiza o teor desta
problemática na sua amplitude: “As condições que existem entre um sintoma e a identificação diagnóstica
supõem a entrada em cena de uma cadeia de procedimentos intrapsíquicos e intersubjetivos, que
dependem da dinâmica do inconsciente.” 6 (Dor, 1991, p.18),

Assumir uma posição diagnóstica é um demarcador que permite dialogar com o conjunto dos
aspectos psicodinâmicos que prevalecem tanto no terreno intrapsíquico como no intersubjetivo, onde a
transferência tem um papel fundamental para não ficarmos à deriva diante das múltiplas manifestações
que o campo clínico comporta. Embora esta posição deva ser revista de acordo com o andamento do
trabalho clínico e suas articulações.

Pode-se destacar na leitura do texto freudiano o delineamento de três estruturas com as suas
correspondentes defesas, a saber: neurótica (Verdrängung / Recalcamento), psicótica (Verwefung /
Rejeição) e perversa ( Verleugnung / Recusa da realidade), delineamento este seguido pela Escola
Francesa.7 (Laplanche, 1983).

Refletir sobre estes aspectos (o lugar do sintoma e o lugar da estrutura) permite retomar o tema
deste trabalho a partir de pontos de apoio específicos no âmbito teórico-clínico.

A seguir situaremos o sintoma conversivo dentro do território da neurose para estabelecermos


uma linha fronteiriça com o fenômeno psicossomático conforme o propósito inicial estabelecido neste
estudo.

Considerações sobre o sintoma conversivo

Em diferentes momentos da obra freudiana podemos considerar o sintoma em um permanente


dialogo com os novos conceitos que longitudinalmente vão se estabelecendo dentro do aspecto
metapsicológico, que por sua vez permite balizar as diferentes áreas de conflito.

Segue-se à definição do sintoma conversivo feita por Freud, no texto “As Neuropsicoses de
defesa”:

“A tarefa que o eu se impõe, em sua atitude defensiva, de tratar a representação


incompatível como “non-arrivé”, simplesmente não pode ser realizada por ele. Tanto o
traço mnêmico como o afeto ligado à representação lá estão de uma vez por todas e não
podem ser erradicados. Mas uma realização aproximada da tarefa se dá quando o eu
transforma essa representação poderosa em uma representação fraca, retirando-lhe o
afeto - a soma de excitação - do qual está carregada. A representação fraca não tem
então praticamente nenhuma exigência a fazer ao trabalho da associação. Mas a soma
de excitação desvinculada dela tem que ser utilizada de alguma outra forma. Até esse
ponto, os processos observados na histeria, nas fobias e nas obsessões são os mesmos;
daí por diante, seus caminhos divergem. Na histeria, a representação incompatível é
tornada inócua pela transformação de sua soma de excitação em alguma coisa
somática. Para isso eu gostaria de propor o nome de conversão.”8 (Freud, 1894, p.27)

No caso Elisabeth referente à definição do sintoma conversivo, a referência freudiana sobre a


‘complacência somática’, fala das suas primeiras dores histéricas ao explicitar o conflito. Temos o foco no
eixo representativo desta inaugurada zona histerógena pela via conversiva:

“[...] o resultado deste conflito foi que a apresentação erótica foi recalcada para longe
da associação e o afeto ligado a essa representação foi utilizado para intensificar ou
reviver uma dor física que estivera presente simultaneamente ou um pouco antes. Assim
tratava-se de um mecanismo de conversão com finalidade de defesa[...]”9 (Freud, 1895,
p.171)

Freud, assim, refere-se à perspectiva de dominar as excitações pela via da elaboração,


conectando afeto e representação e originando as cadeias associativas.

O sintoma vai se constituir a partir das leis do processo primário pela via da condensação e
deslocamento, respectivamente, metáfora e metonímia, dos enunciados fundamentais sobre a vida de um
determinado sujeito, portanto ele é essencialmente composto. Daí pensarmos na circulação destes
enunciados que no corpo erógeno comparecem como via de expressão dos mais variados afetos, cenário
onde o conflitante se manifesta, cuja fala do paciente (seu ‘texto’ para ser compreendido) requer uma
tradução. Sabemos que a busca de novos sentidos cria um fluxo e circulação de possibilidades enquanto
novas ligações, com seu correspondente/possível efeito terapêutico.

Ao longo de uma análise cabe uma importante ressalva referente a estes processos, conforme
Freud destaca em seu texto Sobre a Psicoterapia: “O desvendamento e a tradução do inconsciente
realizam-se sob uma resistência contínua por parte do enfermo.”10 (Freud 1904, p.252).

Utiliza-se neste primeiro momento o conceito de sintoma na sua equivalência conceitual como
formação de compromisso, portanto, como um compromisso entre o desejo e as exigências defensivas,
como retorno do recalcado e, sendo assim, expressivo de um conflito entre as diferentes instâncias,
respectivamente Inconsciente e Pré-Consciente /Consciente. O pensamento clínico situa-se aqui na
primeira tópica, com seu arsenal de conceitos que valoriza respectivamente os processos primário e
secundário, que comportam leis e princípios reguladores do suceder psíquico, a saber, o princípio do
desprazer/prazer e o princípio de realidade.

Ao longo da obra freudiana, a questão edípica ganha novos contornos no seu aspecto estrutural
da personalidade, sendo que os conceitos de narcisismo, identificação e a nova dualidade pulsional
(Pulsão de vida e Pulsão de morte) culminam na elaboração de uma segunda tópica, constituída pelo
Isso/Eu/Supereu, dispositivo conceitual que permite explorar um território novo, incluir algo da ordem
do não representado, que no seu teor pulsional teria efeitos disruptivos, excessivos, tendendo à repetição
contínua, sem possibilidade de contenção no âmbito psíquico e presente nas diferentes estruturas
psíquicas com desenhos próprios.

Na estrutura neurótica temos como eixo defensivo o recalque, portanto o sintoma ou mais
especificamente a formação de compromisso. No sintoma há a existência de um conflito entre o desejo
(polo pulsional) e a sua interdição. Ainda nesta estrutura pressupõe-se um atravessamento da castração na
sua específica função limitante, introdutória da falta e, portanto, reguladora no que tange ao
estabelecimento da alteridade e do laço social.

Assim, uma paciente de 49 anos, impossibilitada de andar sem um apoio, embora do ponto de
vista orgânico nada justificasse esta disfunção, fala pela via do sintoma conversivo de seu conflito de
caminhar pela vida após o falecimento de sua mãe, com a qual se manteve intensamente ligada desde
pequena. O desprender-se deste objeto incestuoso ora remete ao aspecto doloroso desta impossibilidade,
ora ao desejo de seguir pela vida à sua própria maneira imbuída de representações vingativas e agressivas
em relação a esta figura materna.

Estamos no território da representação, onde comparecem aspectos identificatórios, questões


edípicas, que na sua passagem e configuração singular constituem as organizações das diferentes
instâncias, tanto no eixo estrutural como defensivo.

O sintoma fala de algo que o sujeito não identifica como próprio, pois remete ao recalcado, ao
inconsciente. No corpo comparece este embate como campo de expressão dos elementos pulsionais pela
via das representações versus a defesa, o elemento proibitivo, cerceador. O narcisismo inerente ao fator
regressivo sustenta-se na fixação do elemento fálico como encobridor da falta e da castração, e há um
endereçamento característico de uma libido objetal que prevalece nesta dinâmica. Por sua vez a fantasia,
como expressão da realização do desejo, encontra-se velada, protegendo o sujeito de um transbordamento
das intensidades em jogo.

Retomamos aqui a questão do sintoma, sua importância enquanto fenômeno subjetivo enquanto
expressão de um conflito inconsciente e sua operação de defesa para que o sujeito possa preservar-se de
um determinado sofrimento. Porém esta mesma condição paradoxalmente o encerra em uma
impossibilidade de usufruir demais aspectos de sua vida que estabelecem algum tipo de ligação com estes
conteúdos recalcados e, portanto, proibidos. Ainda no âmbito do paradoxal do sintoma, Ocariz, nos fala
da exigência pulsional que o sintoma não consegue plenamente atender, podendo ficar ancorado na
subjetividade, que por sua vez precisa dele para continuar estruturada11 (Ocariz, 2003, p.23).

Com a segunda tópica (Isso, Eu, Supereu) e seu redirecionamento metapsicológico, passou-se
para uma compreensão da estrutura histérica com ênfase na hierarquização das pulsões sexuais e a
resolução do Complexo de Édipo com seus encaminhamentos identificatórios.

Do ponto de vista terapêutico, a busca da circulação de novos sentidos a partir de um eixo


interpretativo inaugura possibilidades de ressignificação e abre uma perspectiva de um reposicionamento
subjetivo com os seus efeitos transformadores. Este caminho é árduo, exige um considerável trabalho
interno e não contempla os arranjos psíquicos que não se encontram representados, sendo necessário
inaugurar intervenções no trabalho clínico para estabelecer uma condição de representação.

Estas pequenas revoluções no campo psíquico são brechas que apontam para a possibilidade de
um sujeito se reposicionar subjetivamente frente à própria história.

Fenômenos psicossomáticos

O tema do corpo entra em questão desde o início na psicanálise como objeto de investigações
diversas, sendo que a via principal remete ao corpo erógeno que foi constituído pelo investimento
libidinal dos objetos cuidadores e neste sentido comparece no psíquico enquanto representação. Deste
modo, a psicanálise separa-se da medicina criando um campo próprio, como já referido anteriormente,
com um objeto de investigação que se encontra na esfera psíquica, diferente da medicina que trabalha
com o corpo biológico.

Contudo, desde o início da psicanálise, Freud já situava alguns quadros clínicos em um terreno
distanciado do psíquico. Paralelamente às chamadas Psiconeuroses que incluíam as neuroses de
transferência (Histeria / Neurose Obsessiva), classificação que se estabelece até 1915, encontram-se as
chamadas Neuroses Atuais (Neurastenia e Neurose de Angústia) com manifestações clínicas
acompanhadas de efeitos somáticos sem representação no campo psíquico. A partir desta classificação
inicial a nomenclatura destes quadros Psiconeuróticos redefine-se como Neuróticos até o momento atual,
assim como as Neuroses Atuais a partir de 1924 configuram-se na direção das chamadas Afecções
Psicossomáticas.7 (Laplanche, 1983, p.379)

Assim como temos diferentes leituras na psicanálise, contamos com diferentes abordagens no
terreno da psicossomática. De forma inaugural temos a Medicina Psicossomática que surge a partir de
1925 com F. Alexander (Escola de Chicago), na qual busca situar conflitos específicos na etiologia
psicossomática e H. F. Dunbar em Nova York, que busca definir tipos de personalidade como fator
etiológico, especialmente nas doenças psicossomáticas: asma brônquica, artrite reumatoide, colite
ulcerativa, hipertireoidismo, hipertensão essencial, neurodermatite e úlcera péptica.

Entretanto, alinhada à proposta deste estudo, trabalharemos com a Psicossomática Psicanalítica,


tal como propõe Ávila que se origina do pensamento freudiano, respectivamente sustentada nos seus
pressupostos teóricos, trabalhando o corpo a partir de sua representação no psíquico e suas correlativas
vicissitudes, cientes que estamos expostos às inquietações próprias de um trabalho fronteiriço, um esforço
contínuo em busca de delineações.12 ( Ávila, 1996)

Cabe observar que estamos na fronteira e ao mesmo tempo em uma certa marginalidade ao
explorarmos este território, pois remetemo-nos à interface com a medicina convocada por estas
manifestações no corpo e suas múltiplas expressões.

Embora a tônica dos estudos freudianos esteja em estabelecer uma distinção teórica-clínica entre
o que seria objeto de estudo referido à realidade psíquica e o que seria da ordem do biológico, temos os
textos onde as interligações se estabelecem, onde as fronteiras abrem brechas tal como constatamos neste
pensamento no texto dos Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade:

“[...] todas as vias de ligação que levam à sexualidade vindas de outras funções, devem
também ser percorríveis na direção inversa. Por exemplo, se o fato da zonal labial ser
patrimônio comum de duas funções é a razão por que a ingestão de alimentos gera uma
satisfação sexual, esse mesmo fator nos permite compreender que haja distúrbios na
nutrição quando as funções erógenas da zona comum são perturbadas.”13 (Freud, 1905,
p. 193)

Historicamente, os precursores da psicossomática psicanalítica são Georg Walther GroddecK


(1866-1934), médico alemão, “analista selvagem”(tal como ele se intitulava), que defendia a ideia da
doença física como uma das expressões do Isso, e Sandor Ferenczi (1873-1933), psicanalista húngaro
que pensou na origem psíquica das doenças orgânicas propondo uma nova categoria de neurose
denominada como neurose de órgão. Ambos foram contemporâneos de Freud e seus interlocutores, e se
dedicaram a entender as doenças físicas, enveredando-se na pesquisa psicanalítica destas manifestações,
embora com encaminhamentos e desfechos distintos.14 (Casetto, 2006)

Nos posicionaremos no terreno da Psicossomática Psicanalítica para compreender estas


manifestações e recorreremos a alguns autores pós-freudianos para delimitar e contornar este território.
Esta concepção da clínica psicossomática não-médica não está organizada segundo as doenças tal como
encontramos na Medicina Psicossomática, mas segundo a estrutura psíquica do paciente, alinhada à ideia
das duas telas, psíquica e corporal, em que o inconsciente pode comparecer.

De forma pontual o comprometimento orgânico remete à distribuição da libido na balança


narcísica sugerida por Freud no texto onde introduz o conceito do narcisismo (1914). Trata-se nestas
ocasiões da ‘balança libidinal’, do aumento da libido do eu em detrimento da libido objetal. A condição
de investimento está situada no corpo, no órgão, na lesão e prevalece a dor que captura o sujeito em
detrimento de algum estado de sofrimento que inclua o outro no âmbito das trocas.

De acordo com J.Birman, a dor não engloba o outro, é solipsista. Para que algo da receptividade
e alteridade se estabeleça o autor propõe pensar em uma passagem da chamada dor para o campo do
sofrimento, possibilitando assim, que o outro não fique coartado como ocorre na dor, condição esta que
por sua vez, pode “mortificar o corpo, minando intensamente o registro do somático” 15 (Birman, 2012,
p.141). Este tema é abordado por Birman para mencionar a posição do sujeito na contemporaneidade, mas
que de algum modo se entrelaça com as nossas inquietações, especialmente ao tocarmos nas questões
narcísicas que prevalecem hoje no cenário subjetivo.

Nas manifestações psicossomáticas temos uma concretude bem diferente do terreno das
representações, característico dos processos psíquicos vinculados à formação de compromisso.

Esta dimensão clínica, enquanto manifestação de um todo que comporta o corpo e aspectos
psíquicos inconscientes, propicia um campo de trabalho com sua singularidade em busca de derivações,
de pontos de passagem para o encontro com as palavras. Em termos teóricos, a passagem da
representação-coisa para a representação-palavra. O modelo proposto pela Escola Psicossomática de Paris
(na década de 1960/70) representada por Pierre Marty, M. Fain, Ch. David e M. M’Uzan tem contribuído
com as suas formulações ao considerar um aparelho psíquico com dificuldade de processar em um nível
pré-consciente esta passagem, com um empobrecimento da condição de fantasiar, sonhar, elaborar as
vivências as quais são relatadas de forma impessoal, desprovidas de tonalidade afetiva – condição esta
denominada de pensamento operatório - comprometimento este que interfere diretamente nos processos
de subjetivação e nas condições de elaboração.

Joyce McDougall ressalta que nestas manifestações psicossomáticas temos algo não
representado, mas sim uma manifestação direta no corpo de uma “linguagem arcaica”, “pré-verbal” e
considera também as falhas no pré-consciente na sua possibilidade de gerar representação e sentido. Ela
assim formula ao referir-se aos fenômenos psicossomáticos: “há algo que se apresenta, mas não se
representa”16 (McDougall, 1996). Dentre os aspectos teóricos propostos pela autora, há no período inicial
da relação mãe-bebê (quando se estabelecem as primeiras inscrições pulsionais) algo que se interpõe
neste momento constitutivo do sujeito, seja pela via do excesso ou da falta. Daí decorre a sua
conceituação singular ao pensar em uma linguagem arcaica, pré-verbal em relação ao fenômeno
psicossomático, que desta forma possibilita ao sujeito defender-se de algo doloroso insuportável que
ainda necessita ser derivado e representado para operar em um campo psíquico. Esta manifestação
psicossomática diferencia-se do retorno do recalcado, de forma mais específica, da sexualidade infantil
recalcada, característica da neurose.

McDougall (1996) propõe ainda abrir um novo espaço interno de investimentos,


desinvestimentos, deslocamentos das intensidades psíquicas em detrimento de uma ‘desafetação’ (assim
nomeada por ela como mais um destino da pulsão) que prevalece nas vivências destes quadros
psicossomáticos e no espaço intersubjetivo. Gerar conflitos ali onde o embate se dá nos órgãos e na
concretude do corpo. Erogenizar em detrimento de um estado desafetado. Assim, a autora nos fala da
pulsão de morte que com seu componente destrutivo (silencioso) impede este sujeito de situar-se em um
campo de trocas, próprio da pulsão de vida.

Na pesquisa destes autores prevalece um domínio destas manifestações psicossomáticas e,


portanto, identifica-se uma precariedade do uso de dispositivos psíquicos, seja referente à insuficiência ou
indisponibilidade das representações do pré-consciente, o chamado ‘pensamento operatório’ da Escola de
Paris, seja na dificuldade de identificar e nomear os afetos (refiro-me ao conceito de alexitimia, da Escola
de Boston, Nemiah e Sifneos, 1970), seja na própria desafetação (defesa capaz de ejetar do psiquismo
percepções e pensamentos relacionados a experiências traumáticas primitivas, proposta por McDougall),
condições estas impeditivas de um processamento psíquico.

Assim, o fenômeno psicossomático é considerado como uma expressão direta no corpo das
descargas da excitação, quando estas, não conseguindo uma saída simbólica através de uma ligação entre
afeto e representação, tende a desorganizar o funcionamento mental do sujeito. Ao contrário das
psiconeuroses não há um tratamento psíquico da excitação.17 ( Rocha, 2013, p.98)
McDougall também refere uma especial atenção para as manifestações psicossomáticas que
surgem ao longo de um processo de análise. A autora pôde estabelecer uma escuta que lhe permitiu
explorar este singular território na busca de situar “[...]uma sexualidade mais primitiva, dotada de
aspectos sádicos e fusionais, que poderia estar na origem das regressões psicossomáticas consideradas
como defesas contra vivências mortíferas.”16 (McDougall , 1996, p.24)

Deste modo, a autora se aproxima de angústias presentes nos quadros psicóticos, reveladoras de
situações traumáticas no início da constituição do eu, um eu-corporal, próprio de um narcisismo primário.
De algum modo sugere pensar na somatização como uma “demanda” de sentido: “podemos perceber que
as manifestações psicossomáticas situam-se no contexto de uma história que é preciso reconstituir, ou de
uma mitologia que é preciso construir” 16 (McDougall ,1996, p. 46).

Temos um vasto campo de pesquisa quando nos situamos no território da psicossomática


psicanalítica, especialmente ao pensarmos na diversidade que a nossa prática contempla. Nem sempre
temos as fronteiras bem estabelecidas, especialmente quando nos deparamos com as problemáticas
orgânicas concomitantes a presença de vias psíquicas preservadas que favorecem a passagem para um
terreno subjetivo.

Na vinheta clínica a seguir temos um conteúdo distanciado/ deslocado, porém com componentes
aflitivos que possibilitaram a derivação e transformação dos estados de angustia.

Paciente realizou colostomia* definitiva em função de um câncer de reto e foi encaminhada para
o ambulatório de psicologia. Detém-se no seu relato sobre um problema que nos últimos anos a
atormentava: em sua casa tinha um brechó e com a venda de roupas usadas conseguia manter-se e atender
as suas necessidades básicas. Porém tinha um grande inconveniente: a sua casa não tinha portão e ocorria
a entrada direta das pessoas, muitas vezes de forma imprevista, surpreendendo-a em muitos momentos.
Por vezes ficava assustada, temia um assalto, sentia-se sem proteção. Deste modo, ao longo do período de
atendimento transitou-se em torno desta temática, dos impasses, da falta de recursos para comprar o
portão e contratar as pessoas que pudessem instalá-lo, da sua vulnerabilidade. O final do processo
culminou com o término desta empreitada e com um reconhecimento por ter sido acompanhada em algo
tão necessário para ela, permitindo acalmar-se em relação as suas inquietações e mal-estar devido a estas
múltiplas invasões nesta casa/corpo, agora mais protegida.

Percorremos um trabalho realizado em outra cena para derivar algo do insuportável e promover
efeitos da ordem da elaboração. Algo que se estabelece a partir de uma distância e necessita de algum
encaminhamento que poderá ser experimentado como uma forma de subjetivação. Nesta vinheta clínica
temos a doença, e recursos psíquicos desta paciente, que permitem a expressão de um mal estar deslocado

___________________________________________________________________________

(*)Colostomia : abertura criada cirurgicamente no cólon com o objetivo de criar um ânus artificial para a
expulsão das fezes.
para a casa/corpo, com todas as invasões e ameaças que estes tratamentos comportam. A sua
vulnerabilidade, representada pela doença física, era expressiva de vivências de desamparo em sua
história de vida. Curiosamente nesta paciente a concretude estava na falta de portão de sua casa, lugar de
fronteira, de troca, de entrada e saída do outro, de seus afetos, cujo palco desdobrou-se nas duas cenas
casa/corpo.

Sabemos que esta dualidade pulsional (pulsão de vida X pulsão de morte) está sempre presente
nos processos dinâmicos (referimo-nos à segunda dualidade pulsional na obra freudiana a partir de 1920)
especialmente na visão psicanalítica de sujeito, a saber, dividido, conflituado, tendo que sustentar-se
psiquicamente, apesar de seu desamparo e vulnerabilidade, derivando e transformando em produtos
psíquicos e produções aquilo que insiste do seu mal-estar.

Ao falarmos de fenômeno psicossomático buscamos situar uma linha de pensamento clínico que
não se encerre como definição da estrutura psíquica deste sujeito, tal como referimos em relação ao
sintoma conversivo. Compreende-se que possam existir áreas simbolizadas e partes não simbolizadas com
descarga direta das excitações no soma, impedidas de um processamento pela via psíquica e pela via da
simbolização. Deste modo, pode-se pensar que arranjos psíquicos distintos de ordem estrutural podem
interferir nas vias alternativas de derivação destas descargas que podem dirigir-se ao soma.

Considerações Finais

A delimitação destes territórios acima referidos, respectivamente, o sintoma conversivo e o


fenômeno psicossomático, tem como proposta revigorar a clínica na sua forma de pensá-la e atuá-la, a
partir de muitas mãos e contribuições. Em especial, ao pensarmos em uma clínica psicanalítica ampliada,
dentro de uma instituição hospitalar, cujo corpo ocupa um lugar central. Refiro-me não somente ao corpo
orgânico, mas também ao corpo médico, institucional, que nos confronta com múltiplos desafios. Cabe ao
psicanalista situar-se dentro de referências teóricas para desenvolver a sua escuta e seu trabalho clínico.
Este é o setting a meu ver necessário e imprescindível para preservar um pensamento clínico e sustentar
este singular ofício.

Na trajetória deste artigo, iniciamos com uma retomada de alguns pressupostos teóricos
psicanalíticos, buscando na sua origem no pensamento freudiano encontrar dispositivos conceituais para
nos situarmos em um pensamento clínico.

Percorremos este campo para dialogar com o conceito de sintoma e um ponto de vista
diagnóstico em psicanálise como balizas para a nossa prática, cientes que teremos na atualidade
posicionamentos distintos de acordo com as diferentes leituras. Penso que posicionar-se dentro da teoria
permite a operatividade da clínica, desde que haja sempre uma inquietação de pano de fundo para
buscarmos novos instrumentos e dispositivos consistentes e criativos que nos norteiem.

Em todas as direções temos um ponto comum que se refere ao investimento nos processos de
subjetivação enquanto potencial terapêutico, a saber, a busca de novos sentidos, de circuitos de
derivação do pulsional, a busca de novas palavras e ressignificações, para que uma trama psíquica possa
revigorar os tecidos estagnados, promovendo algum tipo de retorno e transformação para o sujeito que se
encontra em estado de sofrimento.

Ávila define por questão subjetiva o fato de que uma pessoa não tem escapatória de um universo
de significações no qual ela está mergulhada. Ainda quando não se interroga sobre a sua doença, sobre os
seus sintomas, sobre a sua vida e sua morte, pergunta-se se a especificidade desta manifestação
psicossomática (denominada por ele de sintoma) não seria exatamente a tentativa do indivíduo de ignorar
a sua questão subjetiva.12 ( Ávila, 1996, p.187).

Neste sentido, as manifestações psicossomáticas situadas no âmbito da psicanálise podem ser


pensadas como uma modalidade arcaica deste psiquismo que demanda por ligações e pela possibilidade
de representação e inclusão em uma cadeia associativa, além de promover a sua entrada em um circuito
representacional, campo de trabalho do psicanalista, em direção aos singulares processos elaborativos.

Ao considerarmos o sintoma conversivo como um texto, apresentamos o fenômeno


psicossomático como uma inscrição no corpo, característico de uma “protolíngua”, que se apresenta como
um desafio para a clínica na perspectiva de tornar-se palavra para que possa articular-se ao restante da
vida psíquica.12(Ávila, 1996 p. 225)

As fronteiras permitem circunscrever os lugares, regulando as passagens. Ressaltamos a sua


importância para o nosso tema tanto do ponto de vista intrapsíquico, como no âmbito intersubjetivo.
Permite demarcar os territórios já conhecidos, redefini-los se necessário, assim como inaugurar e
constituir espaços novos.

Podemos pensar em operações de defesa, modos de enfrentamento do desamparo, arranjos


defensivos como forma de sobrevivência do sujeito, que no cenário hospitalar comparecem com especial
intensidade.

Conclui-se sobre a importância de manter, de sustentar na clínica (sejam quais forem as suas
manifestações) algo da expressão do sujeito nas suas mazelas, sofrimento, conflitos e resgatá-lo na
implicação de sua história para comprometê-lo na autoria de seu texto e acompanhá-lo na busca ou
composição de suas palavras.

Como ponto comum, temos os processos de subjetivação em pauta nos diferentes quadros
clínicos. Pensar que os processos intrapsíquicos são distintos, enfocando-os de forma a buscar os traços
estruturais, permite articular a clínica com diferentes aproximações e encaminhamentos para os singulares
estados de sofrimento.

Para refletir sobre o lugar do corpo em psicanálise, faz-se necessário pensar do que se trata. No
contexto hospitalar surge de forma concreta e urgente um pedido de cuidado, com todos os múltiplos
efeitos desta solicitação. Faz-se necessário em um primeiro momento retirar o paciente de um lugar
impessoal, do mero caso no âmbito da instituição, para dar-lhe um nome, vesti-lo de uma singular
história. Muitas vezes nos deparamos com a falta de palavras e de sentidos capturados pela concretude
das situações, reféns de uma impotência absoluta para pensarmos ou derivarmos certas vivências
extremas. Pode-se pensar que na fronteira, em uma situação limite, de forma radical, o psicanalista está
sendo convocado na sua escuta.

Referências Bibliográficas

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de Sigmund Freud. ed. Imago:Rio de Janeiro; 1923.

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Sigmund Freud. ed. Imago:Rio de Janeiro; 1895, 171.

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http://www.detaileventos.com.br/psicossomatica/jornal_simpósio_ f_ferraz.pdf

acrescenta o texto anterior.

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