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Capa

Oneminute

Diagramação
Katherine Salles

Crédito especial para a ilustração: ilustradoradesenharte

Revisão e Preparação de Texto


Ana Roen

Livro Digital
1ª Edição
Aline Damasceno

Todos os direitos reservados © Aline Damasceno.


É proibido o armazenamento ou a reprodução de qualquer
parte desta obra, qualquer que seja a forma utilizada – tangível ou
intangível, incluindo fotocópia – sem autorização por escrito do autor.
Esta é uma obra de ficção. Nomes de pessoas,
acontecimentos e locais que existam ou que tenham
verdadeiramente existido em algum período da história foram usados
para ambientar o enredo. Qualquer semelhança com a realidade terá
sido mera coincidência.
ÍNDICE

Sinopse
Nota sobre a série
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo quatorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Capítulo vinte e três
Capítulo vinte e quatro
Capítulo vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Epílogo
Bônus
Agradecimentos
Sobre a autora
Sinopse:
Cowboy protetor e infértil + virgem + bebê fofo + segundas

chances

Herdeiro de vários hectares de terras cultivadas, João Miguel


desde criança teve uma relação conturbada com o seu avô, Leôncio
Fontes, um homem de coração ruim que plantava maldade onde

pisava.

Quando Leôncio demite vários trabalhadores, inclusive o Zé,

um empregado da fazenda que tem João como um filho e que


ensinou ao menino o amor pela terra, pelos animais e pelas pessoas,
o garoto quase cometeu uma besteira, mas é impedido pelo bondoso

homem. Nesse mesmo dia, o adolescente jurou, em meio a


despedida, que faria de tudo pelo seu pai de coração. O que o

milionário não esperava era que essa promessa iria ser cobrada,

nove anos depois, por uma garota que fugiu com uma bebê que não
era dela e que precisava da sua proteção, muito menos que ao

oferecer refúgio para elas, o cowboy ganharia uma linda família


inesperada…
Nota sobre a série:
Para quem me conhece, sabe que criar uma série de livros é

um grande desafio para mim, já que sou uma escritora lenta e não

lanço com tanta frequência como gostaria.

Estou com medo e, ao mesmo tempo, feliz por poder,


finalmente, tirar a ideia de escrever histórias com homens inférteis ou

estéreis que sonham em ser pais da mente e passar para o word.


Bom, no meio do caminho, a série ganhou outras proporções na
minha cabeça, e trarei também histórias de homens que não queriam
ser papais, mas que acabaram se apaixonando pelas suas

gravidinhas e seus bebês, ou por crianças fofas.

Quantos livros serão? Eu não sei. Muitos, já que a minha


mente já está delirando com vários enredos e com várias

possibilidades. Como prova viva disso, a história de João Miguel, o

meu primeiro cowboy, não foi o livro que eu pensei para iniciar a
série, mas, sim, de um personagem que provavelmente passou

despercebido em O pai dos meus bebês é o CEO.

A única coisa que posso afirmar é que a série “Virei Papai”

terá livros independentes, com início, meio e fim, cujo tema central
será homens poderosos virando verdadeiros papais babões.

Não terá ordem, não terão spoilers. Só amor.

No mais, espero que você goste desse livro e embarque

comigo nessa jornada.

Com amor, Aline Damasceno.


ALERTA

Esse livro contém alusão a abuso infantil e violência. Se não se sentir

confortável com a temática, leia uma comédia romântica doce aqui:


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Prólogo

Santa Juliana, Minas Gerais, nove anos atrás

— Esse desgraçado não pode fazer isso! — gritei, ao entrar na

casa-sede, depois de descobrir por intermédio de alguns dos

trabalhadores mais antigos da fazenda o que meu avô pretendia


fazer.

Estava pouco me fodendo se o grande Leôncio Fontes iria me

ouvir do seu escritório e viesse tirar satisfação, partindo para briga.


Ele poderia ser tido como um homem frágil por conta da idade, mas
eu conhecia muito bem o peso da sua mão para saber o quão forte

era; seu corpo magro e débil não significava nada.

Dessa vez eu não apanharia em silêncio, como fazia quando

era apenas um menino e não tinha forças para me defender.


Revidaria se fosse preciso.

Estava ciente que algo dentro de mim estava esperando por

esse momento há anos, desde que a minha avó faleceu ao não


resistir aos ferimentos causados por uma queda do seu cavalo

favorito. Tinha sido um acidente. Vovó Lídia era uma das melhores

amazonas que conheci, tanto que, quando era jovem, havia


participado de várias competições, mas isso não impediu que meu

avô descontasse no animal. Felizmente, alguns funcionários haviam


salvado o Torrão de Açúcar, isso ao custo dos seus empregos.

Senti a raiva ficar ainda mais forte em meu interior. Era hora de

eu dar um basta na minha submissão. Não mais temeria as ameaças

dele de me deserdar. Ao caralho o dinheiro!

De todo modo, ele querendo ou não, eu teria direito à metade

de tudo, ainda que ele fizesse um testamento deixando seus bens

para um amigo tão ruim quanto ele.


Diferente de Leôncio, eu não tinha medo de pegar na enxada,
ou do trabalho exaustivo do campo. Para o desgosto do meu avô,

que queria que eu me comportasse como o herdeiro de uma grande

fortuna, um verdadeiro playboy babaquinha, eu passava a maior

parte do meu tempo com os trabalhadores da lavoura, ajudando no

plantio, na colheita ou em qualquer outra atividade. Minha pele e

cabelos queimados pelo sol, minhas mãos cheias de calos e minhas


botinas cheias de terra eram a prova viva disso. A terra estava

enraizada em minha alma. Era quem eu era. E para sempre seria um

homem do campo.

— Se acalme, Jão. — Senti os braços de Ricardo me

segurarem para que eu não desse mais nenhum passo à frente.

— Não!

Continuando a gritar, debati-me, querendo me desvencilhar do

agarre do homem, porém ele era muito mais forte do que eu. Logo

outro funcionário o ajudou a me conter. Devagar, eles foram me

arrastando para fora, levando-me em direção ao estábulo, que ficava

a uma distância segura da casa. Sem nenhum cuidado, jogaram-me


sobre um monte de feno que em nada ajudou a amortecer a minha

queda. Não era a primeira vez que faziam isso, mas, dessa vez, o

ato pareceu alimentar ainda mais a minha raiva.


Esperneando, eu só fazia com que a palha grudasse ainda mais

na minha roupa e nos cabelos.

Soltando vários palavrões, tentei me erguer, mas Ricardo não

deixou, colocando a bota no meu peito e acenando para o outro


homem, que agora não me recordava o nome, pedindo

silenciosamente para deixarmo-nos a sós.

Escutei o som da porta se fechando em meio aos relinchos dos


cavalos e o balir das cabras, que pareciam subitamente assustados,

como se sentissem o meu estado de espírito.

— Deixei-me ir, Zé — cuspi e olhei furiosamente para o homem

mais velho que se debruçava sobre mim.

Ricardo, ou Zé, como todo mundo tinha o costume de chamá-lo,


era a pessoa que mais admirava e respeitava no mundo. Não apenas

pela sua paciência, mas pela sabedoria que ele tinha, que não vinha
dos estudos, mas, sim, da vida, já que ele frequentou a escola só até
a primeira série. Zé mal sabia ler e escrever, eu que o vinha

ajudando nisso, dando umas aulas para ele.

Eu o tinha como um pai. Foi ele quem me ensinou tudo o que

eu sabia sobre a lavoura. Foi Zé quem tinha falado que eu poderia


chorar, oferecendo seus ombros, quando vovó partiu, dizendo que
deixar que as lágrimas caíssem, que mostrar que estamos sofrendo,

não nos torna menos homem.

Ele ajudou a moldar o meu caráter quando a minha única


referência era o meu avô.

Eu era extremamente grato a Ricardo por eu não ter me


tornado um maldito filho da puta como Leôncio, ou um playboy

arrogante que pisava em cima dos outros só por ter dinheiro. Eu faria
de tudo para defendê-lo, assim como ele me protegeu de mim

mesmo e de tudo o que eu poderia ser nesses anos todos, por isso
não entendia o porquê do Zé não me deixar tirar satisfação com meu

vô.

— Zé! — gritei com raiva, mas logo me arrependi de ter falado

mais grosso com ele, principalmente quando o rosto curtido pelo sol,
cheio de vincos e enrugado, parecia triste e cansado.

Balançou a cabeça em negativa.

— Brigá não vai resolvê nada, fio — disse com a voz


embargada. — Só vai prejudicá ocê.

Os cavalos relincharam.

— Estou pouco me fodendo.


Tentei me erguer, aproveitando sua suposta vulnerabilidade,
porém o peso de seu pé me impedia.

— Seu vô num vai voltá atrás na iscolha dele.

Suspirou, passando a mão nos pelos curtos da barba.

Detestei a resignação que havia em seus olhos castanhos,


tanto quanto odiava o Leôncio.

— Cê sabe como ele é.

— Ele não pode fazer isso — murmurei, sentindo o peso da

impotência caindo sobre os meus ombros.

— Pode, Jão — fez uma pausa —, ele é dono de tudim aqui.

— Porra! Ele é responsável pelo sustento de muitas pessoas!

Meu avô não possuía apenas a plantação de mais de mil

hectares de batata inglesa em Santa Juliana, mas também várias


outras fazendas espalhadas por todo o Triângulo Mineiro, Alto

Parnaíba e também em Goiás. Além de movimentar milhões ao ano,


as fazendas geravam não só empregos, mas ajudavam a
movimentar a economia local.

Pousei minha cabeça no chão, provavelmente grudando mais

palhas nos meus cabelos.


Sabia que existia seguro-desemprego, mas era algo paliativo.
Como essas famílias iriam viver?

— Seu Leôncio nunca se importô cas pessoas, fio.

Zé respirou fundo e eu engoli em seco, pois era verdade. Acho


que meu avô nunca se preocupou com ninguém além de si mesmo e

do dinheiro, nem mesmo com a mulher que jurou amar e que o


amava intensamente.

— Trabaio para ele tem treze ano, Jão, e toda época de “seca”

é a merma coisa.

Tirou o pé de cima de mim, como se acreditasse que eu não iria


me erguer para ir tirar satisfação com meu avô, cumprindo a minha

vontade de surrá-lo. Apesar da raiva ainda circular pelas minhas

veias, a confiança de Ricardo em mim fez com que eu apenas me


sentasse, enterrando meus dedos na palha, segurando-a com força,

até que meus nós dos dedos ficassem brancos.

Meu avô tinha dinheiro o suficiente para contornar essa

situação a longo prazo, fora que o aumento do preço dos produtos no

mercado compensaria um pouco o prejuízo. Sem contar que, pelo

que tinha escutado em uma conversa com seus amigos, ele ganharia
milhares de reais com a exportação da produção, aproveitando a alta

do dólar.

Droga! Ele poderia preservar o emprego das pessoas, só não

queria.

— Não deveria ser assim — falei baixinho em meio ao balir de

uma cabra e um relincho —, isso é tão injusto!

Zé sentou-se ao meu lado, como várias outras vezes tinha feito.

Olhamos para a baia onde estava Pesadelo, um mangalarga


castanho, com várias manchas brancas e uma cauda longa e

sedosa, cujo pelo brilhava tanto quanto seus olhos negros. Era um

animal lindo, um dos meus favoritos, mas igualmente temperamental.

Era indomável, fogoso.

Meus dedos foram relaxando contra o feno, até que eu o soltei.

— Muitas coisa são injustas, fio, e não há nada que a gente

pode fazê. — Deu vários tapinhas nos meus ombros, querendo me

consolar. — Coisa pior, até.

Fiquei em silêncio. Não havia o que dizer.

Pesadelo resfolegou, agitado.

— Tamo costumadu a ir de um lugá pro outro, fio.


— Eu…

— Ocê não pode fazê nada — repetiu. — Ocê é apenas um

garoto.

No fundo, no fundo, sabia que ele tinha razão.

Faltava uma semana ainda para eu completar dezoito e tomar

as rédeas da minha própria vida. Até lá, Leôncio era responsável por

mim, mas a impotência era algo amargo, ainda mais quando veria

pessoas sofrerem sem poder fazer nada.

Girei o meu rosto, encarando-o. Um nó se formou na minha

garganta ao pensar que em poucos dias ele não estaria mais ao meu
lado.

— Posso tentar convencer meu avô a deixar você ficar.

Fez que não com a cabeça outra vez, seu chapéu caindo ao

chão.

— Fui o primeiro qui ele dispensô, fio — fez uma pausa —, ele

nunca gostô de mim. Só durei por ser bão naquilo que faço.

Riu, como se tivesse contado uma piada, mas não achei

nenhuma graça. Somente Zé era capaz de rir dos próprios

infortúnios.

Os animais fizeram barulho.


— O que você irá fazer?

— Vou visitá minha irmã e minha sobrinha na capitá. —

Continuou sorrindo. — Faz um tempão que não vejo elas e Natalia

deve tá bem grandinha. Depois vô em busca de trabaio. Só Deus


sabe onde vô pará.

— Posso ir com você? — perguntei, animado.

A perspectiva de me separar do meu melhor amigo era

dolorosa demais. E se pudesse evitar isso, eu o faria.

— Ocê tem que terminá seus estudos — balançou a cabeça,

negando —, nasceu pra bem mais que a enxada, fio.

Bufei, contrariado, passando a mão pelo meu cabelo, fazendo

com que alguns fiapos de palha caíssem no chão. Meu peito voltou a

se apertar, e meus olhos começaram a marejar.

— Aproveite as oportunidade, fio…

Encarou-me fixamente, e eu vi várias emoções cruzarem as


suas feições.

O tom de despedida das suas palavras era extremamente

doloroso. Era como se eu nunca mais fosse vê-lo novamente.

— Ocê será um homi melhor do que ele — continuou. —

Poderá fazê muita coisa boa. Tem coração bão, diferente daquele lá.
— Eu…

— Num será fácil pra mim também — engoliu em seco —, ocê

é meu menino. Vi ocê miudim e crescer valente, forte, trabaiador. —


Fez um gesto com a mão indicando tamanho. — E nunca vô me

isquecê do dia que saiu correndo das galinha.

Fiz uma careta e ele riu.

— Tô orgulhoso docê, Jão. — Voltou a dar tapas nos meus

ombros. — Dimais da conta. E vô ficá ainda mais.

A lágrima escorregou pela minha bochecha sem que eu

pudesse contê-la. Saber que ele me admirava era muito importante


para mim.

Envolvi a lateral do seu corpo em um abraço, sem medo de


parecer fraco. Chorei enquanto ele começava a cantar uma das

modas sertanejas que ele gostava de ouvir e falava de saudade.

— Sentirei falta de você — murmurei, tempos depois.

— Eu tamém, meu fio.

— Eu devo tanto a você...

— Não, Jão — sacudiu a cabeça —, o amor que a gente dá, a

gente não espera que seja pago — fez outra pausa —, só se for com
mais amor.
— Eu queria…

— Tá, menino insistenti! — bufou. — Se um dia minhas menina

precisá de ajuda e eu não tiver mais aqui, cuida delas por mim?

Fiz que sim com a cabeça.

— Oia que eu vou falá pra elas que pode, hein?

— Eu prometo — afirmei.

Eu morreria antes de decepcioná-lo.

— Brigadu, fio — disse emocionado.

Um silêncio caiu sobre nós, apenas quebrado pelo barulho dos


animais.

— Tá mais calmu? — perguntou, ao se erguer. — Ou ainda vô


tê que impedi ocê de fazê uma bobage?

— Eu não sei. — Fui sincero.

— Hm. — Pareceu pensativo. — Como tô de folga, acho que a

gente pode ir pescá pra domá esse bicho dentro docê.

Gargalhou, estendendo a mão para mim e eu a segurei,

impulsionando o meu corpo para frente para me erguer. Passei a

mão pela calça, retirando os resquícios de feno.


Eu me apegaria a qualquer minuto ao lado de Zé, ainda mais
quando eu tinha quase toda a certeza de que dificilmente eu teria

outro momento como aquele.

Torcia fortemente para que eu estivesse enganado.


Capítulo Um

Belo Horizonte, Minas Gerais, dias atuais

— Cadê o Senhor Caramelo? — perguntei para a bebê que


estava deitada no meu colo ao esconder a pelúcia nas minhas

costas.

Ela arregalou os olhos castanhos enormes para mim enquanto

suas mãozinhas abriam e fechavam, agitadas, querendo o

brinquedo.
— Ca…ca! — No auge dos seus sete meses, a menininha já

tinha um pequeno repertório de sons, e o nome do bichinho, além de


Na, faziam parte dele.

Emitiu vários barulhinhos gostosos de se ouvir, deixando a


mostra seus poucos dentinhos.

— Olha ele aqui!

Voltei a mostrar o ursinho para a Belinha, que agarrou a

extremidade dele com os seus dedinhos. Observei-a brincar com o

Senhor Caramelo, agitando-o, gargalhando para ele.

Deus! Ela era tão linda com o seu rostinho redondo, bracinhos

gordinhos e cabelinhos loiros, bastante fartos e tão claros que

chegava a doer os olhos.

Mas eu sabia que a minha opinião não contava muito, pois eu

era completamente apaixonada pela minha priminha desde que

coloquei os meus olhos sobre ela, sentimento que se tornou cada

vez mais forte, principalmente quando a minha tia deixou de

amamentá-la, já que, segundo ela, os dentinhos de Isabel estavam a


machucando, e eu passei a alimentá-la usando uma mamadeira.

Minha tia por várias vezes se esqueceu de comprar a fórmula para a

pequena, então usava o dinheiro que eu ganhava como jovem


aprendiz em uma biblioteca universitária da cidade para isso. Não
era reembolsada, mas não ligava. Eu sabia, embora parecesse

absurdo, que ela não fazia a mínima questão de pagar pela

alimentação da filha, ainda mais quando falava que o leite era muito

caro.

Nós duas nunca nos demos bem. Desde que eu vim morar com

Verônica, minha vida tinha se tornado um grande inferno, mas eu


compreendia, de verdade, o quanto era difícil ser mãe solo e fiz de

tudo para ajudá-la, tentando deixar a vida mais fácil para ela.

Mesmo a minha tia me fazendo de empregada, me agredindo

quando estava bêbada, me culpando por todos os infortúnios que

aconteceram em sua vida a partir do momento que foi obrigada a me


criar, e ficando com toda a minha pensão, ainda assim, eu não

conseguia aceitar o fato dela ser tão ruim com um serzinho tão

pequeno e doce.

Para Verônica, pouco importava se Belinha estava limpa ou

alimentada. Várias vezes, tinha chegado do meu trabalho e

encontrado a pequena em seu berço, chorando bastante por estar


com a fralda suja. Quando isso se tornou recorrente, abandonei o

meu emprego de meio-período sem pensar duas vezes, mesmo que


o dinheiro fizesse bastante falta, principalmente pelas minhas

economias estarem acabando.

Eu faria de tudo para proteger a minha menininha. Sim, mesmo

que eu não tivesse a guarda dela, eu considerava Belinha minha. Ela


sempre seria a minha bebê.

Acariciei a bochechinha dela com o dorso da mão, sentindo o

meu coração se apertar.

Por mais que estivesse fazendo tudo o que estava ao meu


alcance, sentia que falhava e muito com ela, principalmente por ela
crescer em um ambiente tão hostil, em que havia não apenas gritos e

barracos da minha tia, mas também a presença de vários homens


estranhos e lascivos que Verônica levava para seu quarto, prática

que tornou-se ainda mais frequente nos últimos dois meses.

Apesar de sempre ter temido pela minha segurança, já que


várias foram as vezes que eu tinha sido assediada, tinha muito mais
medo pelo que poderia acontecer com a bebê, afinal minha tia

sequer sabia o nome dos homens com quem ela dormia, muito
menos do que eles eram capazes de fazer.

Sempre choro ao ouvir os gemidos altos durante suas sessões


de sexo, e também ao escutar os gritos, pois as vezes ela apanhava,
porque eu achava tudo muito degradante e repulsivo. Belinha

merecia mais do que isso. Tinha gravado os áudios de seus


‘encontros’ e salvado na nuvem de uma conta fake como prova do

que acontecia dentro de casa, e fiz isso porque minha tia mexia no
meu celular antigo todos os dias para saber se eu falava mal dela ou

não. No entanto, sabia que se eu chamasse a polícia ou o conselho


tutelar, eles tirariam a menininha não apenas dela, mas também de
mim. A sensação de alívio por nenhum dos nossos vizinhos terem

tomado a iniciativa era agridoce.

Era um grande egoísmo da minha parte, mas a bebê era tudo o


que eu tinha depois de perder ao mesmo tempo minha mãe e meu tio

Zé em um acidente de moto, há quatro anos.

Amanhã, completo dezoito anos, mas minhas perspectivas de

que algo mude em minha vida eram baixas. Não tinha emprego, não
tinha uma casa e nem fazia faculdade. E a realidade era que havia

uma fila imensa de pessoas esperando um bebê para adoção. Não


tinha dúvidas de que Isabel seria rapidamente adotada e, com isso,
eu nunca mais a veria, nunca mais teria o seu corpinho contra o meu,

não sentiria o cheirinho dela ou ouviria os sonzinhos que ela


produzia. Ela não se lembraria de mim, mas eu guardaria para

sempre as lembranças dela e o gosto amargo da minha impotência.


Sim, estava ciente que ela poderia ter um lar estruturado, não
passaria necessidades e não viveria sob tanto risco, mas ainda
assim, eu era egoísta o suficiente por privá-la disso tudo por amá-la.

Meu coração se apertou ainda mais, as lágrimas que não

deixaria cair formando-se em meus olhos. Sabia que chorar na frente


dela faria com que ela se agitasse.

— Não pode, mocinha — falei com ela quando levou a patinha


da pelúcia aos lábios, querendo coçar os seus dentinhos.

Como nessa fase ela ainda estava aprendendo o significado do

sim e do não, desafrouxei o Senhor Caramelo dos dedinhos dela e o


puxei, removendo o boneco da boca dela. Belinha fez uma carinha
emburrada, se mostrando contrariada, e os olhinhos dela se

encheram de lágrimas antes de começar a chorar. Mostrei o ursinho


novamente para ela e, ainda chorando, Belinha voltou a segurar a

pelúcia, querendo colocá-la de novo na boca.

— Não! — fui um pouco mais firme, e ela soltou o senhor


Caramelo.

Seus braços e perninhas se agitavam, seu rosto ficando


vermelho.

— Onde ele está?


Escondi o brinquedo dela, capturando um pouco sua atenção, e
apareci com ele de volta.

— Aqui!

Encostei o focinho dele na barriguinha dela, que deu uma


gargalhada, mesmo que pequenas lágrimas ainda escapassem de

seus olhos.

Repeti várias vezes a brincadeira, apaixonada pelo sorrisinho


que ela me dava, pelas gargalhadas, até que ela se cansou,

parecendo irritada e sonolenta. Olhei para o relógio da parede,

constatando que estava no horário que ela costumava dormir.

Colocando a pelúcia de lado, ergui-me com ela no colo, segurando-a


firmemente, e fui preparar rapidamente uma mamadeira, que ela

sempre tomava antes de cochilar.

— Ma…ma… — Fez um gesto como se estivesse batendo

palminhas, dificultando a minha vida...

— Sim, querida, mamadeira.

Em poucos minutos, esquentei o leite em banho-maria no fogão

e, após conferir se estava na temperatura certa, ofereci a ela que,


como esperava, a segurou. Belinha agarrava tudo o que podia.
Tomou tudo com avidez ao passo que piscava os olhos, cada vez

mais sonolenta.

Levei-a para o bercinho que ficava no meu quarto. Felizmente

havia dois na casa, pois, por mais que eu limpasse o da minha tia,
ele cheirava a suor e outros fluídos.

Observei o seu sono por minutos a fio. Belinha era tão

inocente...O peso da culpa que eu carregava era tão grande, que eu


não contive o choro silencioso. Com medo que o meus soluços se

tornassem altos e a acordasse, deixei o cômodo, mantendo a porta

entreaberta caso ela acordasse, o que não ocorria mais com muita
frequência quanto quando era mais novinha.

Esfregando o rastro de lágrimas, procurei arranjar forças, não

sei de onde, e fui fazer as tarefas domésticas, mesmo que o meu


corpo estivesse cansado. Não queria que quando a minha tia

chegasse, ela brigasse comigo. Sabe-se lá em que estado estaria.

Não que Verônica precisasse de uma razão, a bebida já dava vários


motivos para ela.

Enchendo o balde no tanque, quase deixei-o cair com o peso.

— Da próxima, coloque menos água — murmurei para mim

mesma, arrastando-me em direção ao local onde minha titia dormia.


Uma onda de náusea me invadiu assim que senti o cheiro de

sexo, bebida, cigarro e até mesmo urina. Engoli a bile. Não

conseguia compreender como alguém conseguia viver assim. Abri a


janela rapidamente e a brisa fresca que soprou para dentro me deu

um pouco de alívio. Comecei a remover a roupa de cama, sentindo-

me enojada em vários sentidos. Nem o banho que eu tomaria assim

que terminasse a faxina removeria aquela sensação de mim, não


importando o quanto me esfregasse com a bucha. Já havia me

ferido, esfolado a minha pele ao ponto de sangrar em outras vezes,

mas ainda assim, me sentia suja.

— Não há nada que você possa fazer — disse, em meio a um

suspiro.

Comecei a trabalhar. Quanto mais rápido fosse, mais cedo

terminaria.

Estava há algum tempo limpando o quarto dela quando uma

risada alta e estridente, que reconheci ser de Verônica, alcançou os

meus ouvidos. Parecia meio-embriagada, mas foi a gargalhada

grossa que fez com que um calafrio percorresse minha espinha e eu


engolisse em seco.
Meu coração bateu acelerado e minhas mãos, que seguravam

o rodo, suaram frio.

O meu instinto de autoproteção fez com que eu reagisse e, com

passos rápidos, alcancei a porta, porém não consegui passar da


soleira, pois minha tia e o homem que nunca tinha visto antes, e que

parecia ainda mais repulsivo que todos os outros, bloqueavam a

passagem. A risada deles morreu.

Verônica fez cara feia para mim e senti o olhar lascivo do cara

perscrutar o meu corpo. Meu estômago deu vários nós.

— O que tá fazendo aqui? — minha tia perguntou, embolando

as palavras, e o bafo dela atingiu as minhas narinas.

Evitei demonstrar minha repulsa. Algo dentro de mim sabia que


ela não estava totalmente alheia às suas ações, e provocá-la não

seria uma atitude inteligente. Só queria me afastar dela.

— Quem é ela? — O homem questionou. Ele parecia sóbrio.

O medo que sentia pareceu tornar-se mais sufocante.

— Uma puta qualquer — cuspiu, raivosa. Senti gotas da sua

saliva respingando nos meus braços. — Saia, já!

Baixando a cabeça, aproveitei que o homem arredou para o

lado e passei por eles. Antes mesmo que eu alcançasse o quarto


onde ouvia um chorinho da minha bebê, senti uma mão agarrar o

meu braço com força.

— Sua puta desgraçada — minha tia me virou com brusquidão


—, meu quarto está imundo.

Antes mesmo que eu pudesse responder, senti a sua palma


atingir o meu rosto com força, fazendo-o virar. Mordi meus lábios

com o impacto, o gosto de sangue impregnando a minha boca.

— Você deveria ter limpado ele.

— Eu… — Antes que pudesse completar a frase, desferiu outro

tapa, dessa vez ainda mais forte.

Por alguns segundos fiquei desorientada, a única coisa que

tinha certeza era que ouvia o homem rir e o choro da Belinha ao


longe.

— Vou te ensinar uma lição, fedelha. — Ela gargalhou.

Verônica segurou os meus cabelos com força, machucando o

meu couro cabeludo e me empurrou contra a parede. Eu não tive

energia nenhuma para reagir, nem mesmo para gritar. Meu corpo e
minha mente pareciam exaustos.

— Eu posso fazer isso por você — o homem sugeriu, com a voz

lasciva, e apontou para o seu pênis.


Fiquei congelada de medo. Meu coração pareceu parar de

bater.

— Não tocará nessa vagabunda — rugiu.

Deu-me um pontapé que doeu todos os meus ossos. Em


seguida, a vi se aproximar do homem e enfiar a mão na calça dele,

tocando o seu membro. Desviei o olhar, lutando outra vez para não

vomitar.

— Eu sou muito melhor do que ela.

— Tá. — Pareceu contrariado, mas não hesitou em emitir um


grunhido excitado.

— Vamos para o quarto, que eu te mostrarei…

Para o meu pânico, ela se dirigiu para o cômodo onde Belinha

estava.

— Não, por favor! — Minha voz saiu rouca, e eu senti as

lágrimas deslizarem quentes pelas minhas bochechas. Antes mesmo

que pudesse me levantar, os dois entraram e se trancaram lá dentro.

Reunindo todas as minhas forças, querendo proteger a bebê,

me levantei e alcancei a maçaneta, tentei girá-la, mas encontrei a


porta trancada.
Comecei a bater na madeira, a suplicar, porém sabia que eles
não iriam abri-la para mim.

Minhas pernas ficaram bambas, principalmente quando escutei


os gemidos deles, como se fossem dois porcos. O choro da minha

bebê se tornou mais alto nesse instante.

Desabei. Física e metaforicamente. Me senti a pior pessoa do

mundo por não conseguir proteger quem eu mais amava.

Por não ter mais força.

Por não estar buscando ajuda.

Por não estar tentando arrombar aquela porta.

Por estar em choque!

O chorinho da Belinha era como mil facas apunhalando meu

peito.

Mesmo que a bebê não soubesse o que estava acontecendo,

de alguma forma, eles violavam sua inocência.

Não devem ter se passado nem quinze minutos, mas que para
mim tinham sido horas, e a porta foi aberta.

— Nunca mais esqueça de limpar meu quarto, sua vadia. —

Minha tia cuspiu em mim e os dois gargalharam alto.


Mais do que depressa, com o meu coração doendo, ergui-me
em minhas pernas instáveis e, tropeçando, entrei no quarto e fui em
direção ao berço.

Peguei a menininha chorosa no colo e, depois de verificar se

nada de grave havia acontecido com ela, a trouxe bem próximo ao


meu peito, em uma tentativa de protegê-la, mas sabia que era tarde

demais.

Quando deixei o ambiente odioso, cujo cheiro me despertava


asco, escutei o som do portão de entrada batendo, indicando que
eles haviam ido embora.

—Me desculpe, querida, por favor...

Minhas lágrimas molhavam os seus cabelinhos loiros, mas não


a beijei para consolá-la, pois não queria sujá-la de sangue. Fui até o

sofá e peguei o Senhor Caramelo. Em meio ao pranto, suas


mãozinhas agarraram a pelúcia. Obriguei-me a ficar calma, apesar
do meu coração estar doendo. Não adiantaria nada passar meu

nervosismo para a neném.

— Prometo que isso nunca mais acontecerá! — murmurei. —

Você me perdoa?
Fitou-me com os seus olhinhos cheios d’água e eu traguei em
seco, principalmente quando ela falou a sílaba “Na”.

Ela poderia me perdoar, mas sabia que eu mesma não

conseguiria.

Eu não merecia.

Respirei fundo, movendo o ursinho, até que ela pareceu mais

calma, o choro cessando.

— O que vou fazer? — questionei para mim mesma. — Não


podemos mais ficar aqui.

Ergui-me com ela no colo, determinada a fugir.

Eu tinha esperado tempo demais, e isso fez com que Belinha


pagasse um preço muito alto pelo meu erro.

Voltei ao quarto odioso e novamente o cheiro daquilo que

acabou de acontecer naquele cômodo retorceu o meu estômago.

Obriguei-me a me manter forte, como a minha pequena tinha


sido.

Não tínhamos nenhum lugar para ir, mas qualquer local era
melhor do que aqui.
Enquanto colocava as coisas dela numa bolsa, trabalho
dificultado por usar uma mão só, pois não queria me afastar um

centímetro sequer da minha princesa, não sei por que motivo lembrei
da promessa feita pelo homem que o meu tio Zé tinha amado como
se fosse um filho. Ele disse que iria ajudar tanto a minha mãe quanto

eu se algo acontecesse com Ricardo, promessa sempre alardeada


pelo meu tio, que tinha mil e uma coisas boas para falar do rapaz,

principalmente sobre a sua integridade e de como ele era um bom


patrão.

A esperança pareceu criar raízes no meu peito, mas obriguei-


me a ser racional. Procurei conforto no cheiro da bebê, que soltou

alguns barulhinhos, balançando a pelúcia. Havia uma grande chance


do tal João Miguel não me ajudar e me mandar embora, sem ter para

onde ir. Afinal, por que um milionário, dono de vários hectares de


terra para cuidar e que provavelmente tinha uma família, iria querer
mais problemas acolhendo uma garota que ele nem conhecia?

Meu peito doeu, o nó se fechando na minha garganta. Ele

também já tinha virado as costas para mim uma vez…


Capítulo dois

Pousando a cabeça contra a parede do ponto de ônibus,


permiti-me fechar os olhos por alguns minutos, aproveitando que

Isabel estava menos agitada. Sabia que eu teria que andar bastante
até alcançar a Sombra da Terra e precisava de pelo menos de um

tempo para criar coragem.

Estava moída! Sentia dor em cada junção do meu corpo,

principalmente nos braços, por ter segurado a menininha que estava

pesadinha.
E por mais que eu tivesse tentado dormir um pouco durante a

viagem, eu não tinha conseguido pregar os olhos. A adrenalina havia


me deixado inquieta. Até agora eu era capaz de sentir aquela

emoção percorrendo as minhas veias, por mais que tivesse a

quilômetros de distância de Verônica. Felizmente, a bebê não teve


nenhum problema para descansar.

Durante todo o momento em que tinha esperado o ônibus, no


ponto na rua que ficava atrás da casa onde morávamos, o receio de

ser pega em flagrante indo embora com a bebê por algum vizinho ou

pela minha tia havia deixado meus nervos em frangalhos. Ter

conseguido chegar na rodoviária de Belo Horizonte não fez nada


para aliviar a tensão, pois a todo momento tinha a sensação de que
alguém apareceria para dar o alarme que eu estava “sequestrando”

uma criança.

Meu medo foi tanto que passei a noite em claro. Acabei

decidindo comprar uma passagem em uma van clandestina,

daquelas viagens que eram oferecidas na Praça Rio Branco que

ficava em frente à rodoviária. Tive sorte em encontrar uma que


estava indo para Uberlândia logo pela manhã e que passaria por

Santa Juliana, levando alguns trabalhadores. Mesmo que tivesse me

lembrado de pegar os documentos da pequena, temi que as


empresas de ônibus exigissem algo que comprovasse que eu
poderia viajar com a criança.

A espera em um banco duro, a viagem, tudo isso tinha sido

bastante incômodo, principalmente pelo cheiro da pessoa sentada ao

meu lado, que me recordava o da minha tia. O braço roçando no meu

durante todo o percurso pela falta de espaço só aumentou ainda

mais o meu nojo.

— Ma. Ma. — A vozinha da menininha soou nos meus ouvidos

e eu abri os olhos. Meu intervalo havia acabado.

— Está com fome, né, pequena?

Tirei uma mamadeira cheia de água e adicionei algumas


colheres de leite em pó nela sob o olhar atento da menininha, que

continuava a falar “ma”, e que esticava a mãozinha tentando pegar a

garrafa.

Sacudi por uns instantes, para misturar bem, e então ofereci a

ela, que a agarrou e começou a sugar com força o bico. Ela não

reclamou que o líquido não estava morninho como ela sempre

tomava.

Deus, Isabel era uma garotinha tão boazinha que era

impossível não me sentir arrasada. Belinha já tinha sofrido demais,


mais do que uma bebezinha deveria sofrer.

Acariciei seus cabelinhos enquanto ela sorvia até a última gota

e esticava e dobrava as perninhas fazendo tipo uma ginasticazinha.

— Satisfeita? — Coloquei a mamadeira vazia de volta na bolsa.

Ela me deu um sorrisinho que aqueceu a minha alma e me

acalentou.

Por mais questionável que fosse a minha fuga, sentia no fundo


do meu coração que de alguma forma eu havia feito a coisa certa.

— Vamos? — perguntei para a bebê, que fez um barulhinho. —


Está perto de escurecer.

Olhei para o céu, vendo que o sol se tornava cada vez mais
fraco, com isso, sua luz se esvaía. E a diferença de temperatura de

Belo Horizonte para Santa Juliana era visível.

Suspirando, conferi se ela estava com a boquinha suja e em


seguida a apoiei em um braço. Segurando-a firmemente, ergui-me e,
com a mão livre, peguei a bolsa com as nossas coisas de cima do

banco e passei a alça sobre os ombros, seu peso parecendo


afundar-me ainda mais.

Obriguei-me a manter uma postura reta, não me deixando

abater.
Eu tinha ido longe demais para desistir.

Demorou pouco mais de quarenta minutos para que finalmente

encontrasse a estrada de terra que cortava ao meio uma plantação


de pequenos arbustos de um verde viçoso e que contrastava com o

marrom opaco da terra. Sentei-me em cima de uma pedra, para


descansar um pouco, e dei um pouco de água para a bebê, que
estava cada vez mais agitada, provavelmente incomodada com o

calor e com o suor que impregnava a sua pele suave.

Umedeci um pano e passei pelo seu rostinho franzido, tentando


aliviar a sensação opressora.

— Assim está melhor, não é? — perguntei suavemente para


ela, que emitiu um chiado.

Com o coração apertado, pedi aos céus que ela não ficasse

com insolação.

Troquei Belinha de braço, sentindo meus membros quase

caindo pela exaustão, os ombros ainda mais doloridos, e forcei-me a


prosseguir, torcendo para que eu estivesse indo em direção ao local
certo, e não tivesse que refazer todo o caminho de volta.

A cada passo que eu dava no chão cheio de pedregulhos, as

solas dos meus pés pareciam queimar. O solado fino da sapatilha e o


bico redondo não o tornava o melhor calçado para a atividade.

Droga! Por que não calcei um tênis?

Como se sentisse o meu estado de desânimo, Isabel começou

a chorar, esperneando nos meus braços, e precisei conter as minhas


próprias lágrimas de desespero.

Eu havia avançado, mas não o suficiente para alcançar o final


do túnel. Olhei para frente, não sabendo quantos quilômetros tinha

de caminhada pela frente. Tudo era uma extensão marrom e verde.


Fora que em algum momento a paisagem parecia se inclinar,

indicando uma subida.

— Xiu, meu amor, está tudo bem… — falei, engolindo um


gemido.

Procurei conversar com a bebê para acalmá-la, mas logo o

cheiro acre alcançou as minhas narinas e eu soube que tagarelar


nenhum iria tranquilizá-la.

Fechei os olhos, sucumbindo ao desalento, principalmente por

não encontrar um local onde pudesse trocar a fralda suja.

Eu precisava de um milagre e ele pareceu vir, vários minutos

depois, com o som de uma buzina.


Capítulo três

Com o coração martelando no peito, girei na direção do veículo


preto imponente que estava a apenas alguns metros de nós duas.

Sei que estava sendo tola, ainda mais quando segundos atrás

estava aliviada por ter alguma ajuda, mas colei o corpinho da bebê,

que ainda chorava, ao meu, em um instinto protetor quando um


homem deixou a picape.

Logo minhas pernas ficaram bambas de alívio ao reconhecer o


rosto quadrado sob o chapéu branco, mesmo que agora uma barba
bem-feita cobrisse seu queixo e maxilar, deixando-o um pouco mais

velho do que realmente era. Sua pele estava queimada pelo sol.

Não me lembrava de João Miguel ser tão alto, perto dele, eu

parecia uma tampinha! E nem tão musculoso. A calça jeans e a


camiseta branca justa que usava só pareciam ressaltar sua força.

Nem de ser tão bonito... Muito bonito.

Eu não deveria ter esses pensamentos a respeito dele, não


quando ele era praticamente o “filho” do meu tio, muito menos estar

ali perdendo segundos preciosos, já que eu precisava

desesperadamente trocar a fralda da minha bebê.

Ele ergueu o chapéu em um gesto de cumprimento e, não sei

por quê, senti uma pontada de decepção por não ver nos olhos
verdes escuros, sérios, nenhuma centelha de reconhecimento.

— Boa tarde, moça. — Sua voz saiu grossa, preocupada, mas

sem mascarar o sotaque, principalmente quando completou: —

Posso ajudar em algo?

Fiz que sim com a cabeça, tentando ser prática. Estava me


comportando como uma idiota abobada que parecia nunca ter visto

um homem bonito antes.

— Tenho que trocar a fralda dela — murmurei.


— Entendo. — Continuou aparentando cautela. — Venha
comigo!

Fez um gesto para mim e eu assenti com a cabeça, mesmo que

ele não pudesse ver, já que havia me dado as costas. Não tinha por

que negar uma carona que era a minha salvação.

— Obrigada — agradeci quando me aproximei da caminhonete


e ele abriu a porta para mim.

— Você pode usar o banco como apoio se quiser. Não tem por

que deixá-la suja. — Fez uma pausa e encarou a bebê, completando

em um tom doce: — Não é mesmo, mocinha?

Belinha chorou ainda mais alto, como se concordasse com ele.

— Precisa de ajuda? — João apontou para a bolsa.

— Receio que sim — confessei, sem jeito. — Você pode

segurar isso para mim?

— Está bastante pesada — ele disse, depois de pegar a alça da

bolsa para tirá-la dos meus ombros. Para meu constrangimento, emiti

um som baixinho por não sentir mais o peso dela.

— Tem tudo o que a bebê precisa aí dentro — murmurei.

— Compreendo.
Tentei subir o degrau do veículo, agarrando a porta enquanto

segurava Belinha firmemente com um braço, mas titubeei um pouco


por não estar acostumada a entrar em automóveis tão altos.

As mãos dele espalmaram nas minhas costas, me dando apoio


para que eu não tombasse para trás. Foi um toque gentil, mas, ainda

assim, eu senti um calafrio me percorrer de cima a baixo, revirando-


me do avesso.

Engoli em seco. Não reconheci aquela sensação que fez o meu

coração acelerar no peito.

Respirando fundo, foquei na bebê, deitando-a sobre o banco.

— Desculpe-me por isso, moça — sussurrou, abaixando a mão.

Sem querer, roçou na lateral dos meus quadris, e eu senti


novamente aquele arrepio indescritível. Tola!

— Não por isso — obriguei-me a falar calmamente, porém temi

que minha voz tivesse me traído.

Removi a parte de baixo do macacãozinho, não sem antes

“lutar” contra Belinha, que balançava os braços freneticamente, e o


cheiro de cocô ficou ainda mais intenso.

— Se não for abusar, pode pegar o pacote de lencinhos

umedecidos que está dentro da bolsa? — perguntei enquanto tirava


o esparadrapo que prendia a fralda. Vi que ele tinha dado a volta na

picape e aberto a porta do motorista. — E uma sacolinha também.

— Certo. — Ele mexia na bolsa, parecendo um pouco perdido.


— Você não estava brincando quando disse que tem tudo dela aqui

dentro.

— Porque é tudo mesmo — acabei sussurrando baixinho, mais

para mim mesma.

— Disse alguma coisa?

Fiz que não, desviando o olhar para a menina.

— Pronto. — Passou-me o que eu tinha pedido.

— Obrigada — agradeci de novo, mas não obtive resposta.

Segurando a garotinha pelas duas perninhas, comecei a tirar o


excesso de caquinha e Belinha automaticamente foi parando de

chorar. Ficou me fitando com aqueles olhos enormes e lindos, mas


logo sua atenção voltou-se para o homem, que tinha se inclinado

ainda mais no banco. Ele tinha pegado o Senhor Caramelo de dentro


da bolsa para brincar com ela.

— Assim está melhor? — murmurou, sacudindo a pelúcia para


a bebê, que no entanto parecia mais tentada a agarrar a aba do
chapéu dele com suas mãozinhas babadas, enquanto balançava as
perninhas, dificultando o meu trabalho.

Olhei para os dois de relance quando o cowboy riu baixinho, e


sorri, principalmente ao ver que as feições de João Miguel pareciam

mais relaxadas enquanto entretinha a bebê. Era uma cena doce.

A menina emitiu uma sílaba alegre e alguns gritinhos quando


ela finalmente conseguiu encostar nele.

— Não pode puxar, Estrelinha — murmurou.

Eu achei uma gracinha o apelido que ele deu para ela, mesmo
tendo a conhecido há apenas alguns minutos. Belinha era a minha

estrela, que veio para iluminar a minha vida, trazendo luz quando a
minha tia tinha transformado tudo em escuridão.

— Vamos fazer uma troca? Eu fico com o chapéu e você com o

ursinho?

Mais risadinhas e meu sorriso ficou ainda maior. Vi que a


menina estava com o ursinho, mas não tirou os olhos um minuto

sequer do chapéu.

— Pode pegar a pomada de assadura, por favor? — pedi,

depois de enrolar a fralda suja e a colocar na sacolinha. — Vou


precisar de uma fralda de pano e também do esparadrapo.
— De pano? — Não escondeu a surpresa, e escutei o som dele
mexendo na bolsa. — Pensei que se usava descartáveis hoje em dia.

— Para o meu desespero e para dar mais trabalho, essa


bundinha é alérgica — tagarelei, brincando com a bebê —, e fica

toda empolada.

Ergui as perninhas dela um pouco e posicionei a fralda.

— Hm... — Ele me estendeu o tubo, que a bebê tentou pegar.


Não deixei. — Quantos meses tem a sua filha?

Olhei para ele, sobressaltada.

— Filha? — sussurrei.

Me fitou fixamente, parecendo subitamente preocupado, e só


então recordei-me que o meu rosto deveria estar vermelho pelos

tapas que levei da minha tia. Mesmo que eu não tenha provocado

ninguém para ter sido agredida, quis esconder as marcas, tomada


pela vergonha.

— Achei que a Estrelinha fosse sua filha. — Pareceu sem

graça, voltando a sua atenção para a bebê ao dar de ombros.

— Não — confessei, embora tenha sentido uma pontada de

receio. Mas se quisesse a ajuda dele, provavelmente eu teria que


falar a verdade, toda. — Ela é minha priminha.
— Entendi.

— Ela completou sete meses — respondi à pergunta.

— Nem preciso dizer o quanto ela é linda — cochichou.

— Sim, é — concordei.

O mais rápido que pude, terminei de colocar a fralda nela e


guardei todas as coisas, com a ajuda de João Miguel. Usei uma

garrafinha d'água e um sabonete para limpar a minha mão enquanto

o cowboy distraía a bebê com o Senhor Caramelo.

— Melhor vocês irem no bando de atrás, junto com a bagagem

— disse depois de colocar a bolsa na parte traseira da picape dupla.


— A estrada é segura e não costumo correr, mas nunca se sabe, não

é?

— Sim, acho que é melhor.

Ele voltou à cabine da frente e pegou a bebê no colo com uma

destreza que me surpreendeu. Belinha pareceu bastante confortável,


esticando os braços na direção do seu rosto. Provavelmente, João

Miguel tinha treinado bastante, acostumado a pegar os próprios filhos

nos braços.

Mais uma vez, me senti ridícula com o incômodo que senti

perante a ideia de ele ter uma família. Deus! Eu deveria estar mais
cansada do que imaginava por estar tendo esses pensamentos

incoerentes.

— Dê-me ela aqui — pedi, ao acomodar-me no banco


confortável e colocar o cinto.

Ele me passou a menininha, que pareceu ficar emburrada pela


perda do colo dele.

— Não chore, Estrelinha — pegou a mãozinha dela e deixou

um beijinho —, estarei ali na frente.

Belinha riu.

— Pequena traidora — murmurei, fazendo o homem gargalhar

antes de fechar a porta e rapidamente ir se sentar no banco do

motorista.

— Você está indo para as casinhas? — perguntou, fazendo

com que eu desviasse a minha atenção da menina, que aparentava


estar gostando bastante do passeio.

Nossos olhares se encontraram brevemente através do espelho

do retrovisor central, antes que ele voltasse a prestar atenção na


direção, mas aqueles segundos foram capazes de deixar meus pelos

arrepiados.

— Oi? — perguntei, contendo a vontade de engolir em seco.


— Está visitando algum parente que trabalha aqui?

— E-eu… — gaguejei.

O nervosismo desceu sobre mim como se fosse uma


tempestade e, parecendo um ratinho assustado, encolhi-me contra o

assento.

Era mais que provável que tinha chegado a hora em que a


generosidade e a doçura dele para conosco terminaria.

— Um namorado? — Pareceu curioso. — Um esposo?

Respirei fundo.

— Não.

— Está perdida? — Olhou para mim pelo retrovisor novamente

e vi que estava com o cenho franzido.

— Não. — Parando de enrolar, achando-me melodramática,

optei por ir direto ao ponto. — Eu vim atrás de você, João Miguel.


Capítulo quatro

Pousei as duas mãos no volante, segurando-o com força.

Embora a minha vontade fosse de frear bruscamente, pela

segurança do serzinho que estava no banco de trás sem nenhuma


segurança a não ser os braços daquela moça, obriguei-me a diminuir

a velocidade lentamente.

Estacionei a picape no acostamento e, sem nenhuma

cerimônia, voltei a encarar os olhos da garota, cujo rosto, embora

marcado por alguns hematomas na bochecha, como se tivesse


apanhado de alguém, era extremamente lindo.
Mesmo com um pequeno corte, os lábios dela eram bem-feitos,

com seu lábio superior mais cheio do que o inferior. Sua boca era tão
linda, tão sedutora, que eu me imaginei colando a minha na dela,

devorando-a, minha língua a fazendo se abrir para mim, apenas para

mergulhar dentro dela, descobrindo se era tão gostosa quanto


parecia. Meus dedos queriam poder explorar o corpo pequeno, frágil,

principalmente a bunda redonda, empinada, que deve ser deliciosa

de se tocar.

Ela era perfeita. Jovem, mas perfeita, e vulnerável de uma

forma que mexeu com meus brios e fez com que uma onda de raiva

e, antagonicamente, de proteção, me invadissem, suprimindo o


desejo absurdo que senti pela garota só de olhá-la, sensações que
foram alimentadas pela presença da bebê, que chorava bastante

quando as encontrei.

Agora, a consciência da fragilidade das duas,

momentaneamente esquecida enquanto eu brincava com a bebê

para fazê-la se acalmar, retornara com força.

Tentei puxar na memória se eu a conhecia, mas minha mente

ficou em branco.
— Nós nos conhecemos, moça? — questionei. O silêncio entre
nós dois só era quebrado pelos barulhinhos da menina, que emitia

sílabas meio desconexas.

— Sim e não.

Franzi o cenho, ficando ainda mais confuso.

— Não compreendo.

— Só nos vimos pessoalmente uma única vez — ajeitou a bebê

no colo, segurando-a de pé, como se precisasse de algo para ocupar

as mãos, mas a menininha pareceu não gostar muito —, mas ouvi

falar muito de você.

Um calafrio percorreu a minha coluna, e sem razão, minha

pulsação se acelerou, tanto que eu jurava poder ouvir o som de cada


batida.

— Mesmo?

— Meu tio gostava de tagarelar sobre você.

Um sorriso suave se formou em seus lábios e foi impossível


não me perder nele, até então as implicações das suas palavras não

foram assimiladas pela minha mente.

Meu coração começou a bater mais forte mas, dessa vez, não

por nervosismo. Eu estava completamente preso no calor que


emanava da garota, algo que há muito tempo não via em uma

mulher. Bom, não que estivesse me relacionando com muitas


ultimamente.

Praticamente todo contato que ando tendo com pessoas do


sexo feminino era para realizar alguma transação comercial ou

apenas socialmente, e elas ou eram idosas, ou esposas ou


namoradas de algum funcionário, e eu descartava maior

aproximação imediatamente. E também não podia afirmar que vinha


procurando por algo, nem mesmo casual, estava bem assim.

— Principalmente sobre os peixes que vocês pescaram. —


Revirou os olhos.

Embora a garota continuasse a sorrir, sua fala fez com que eu

saísse do transe proporcionado pela vivacidade que havia nela. E foi


como receber um soco na boca do estômago que roubou todo o meu

ar.

A dor da perda, mesmo depois de tantos anos, veio com tudo.

— Zé… — sussurrei, depois de inspirar e expirar várias vezes,


o que não ajudou a amenizar aquela angústia. Pelo contrário, ela

pareceu se intensificar.
Caralho! Doía. Era dilacerante não ter mais aqueles momentos

com o Zé, ouvir sua risada, escutar seus causos, vê-lo tomar uma
cachacinha no final do dia, notar o orgulho que ele tinha de mim em

suas feições. Felizmente, ao contrário do que imaginava, voltei a ter


esse contato com ele quando o recontratei assim que herdei o

império Fontes.

Porra, doía demais.

Ela fez que sim com a cabeça e eu vi certa tristeza em seus

olhos. Com certeza, era um reflexo dos meus.

Respirei fundo.

— Você é a pequena Natalia — continuei no mesmo tom baixo

ao recordar não apenas das histórias que ele havia contado sobre a
criança espoleta, pela qual Ricardo era completamente apaixonado,

mas também as fotos que ele havia me mostrado.

Logo, a imagem de uma adolescente desolada chorando

próximo aos dois caixões, o do tio e da mãe, me veio à mente e fiz


de tudo para afastá-la, principalmente quando fazia com que a minha
dor aumentasse e, junto com ela, viesse a impotência por não ter me

aproximado da menina, oferecendo algum conforto. A lembrança


havia me assombrado por várias noites, bem como a culpa.
Eu era um adulto, mas, mesmo assim, comportei-me como um
covarde, cego pela dor da perda. Eu tinha perdido um pai, ela, um tio
que era louco por ela, e também a mãe, num acidente de moto que

vitimou os dois.

Tinha tentado consertar tudo depois, mas já era tarde demais.

Engoli em seco.

— Sim, sou eu — confirmou, me dando um sorriso sem graça.

— Não tão pequena mais.

— Não, não é. — Disse baixinho depois de vários segundos em


silêncio, entredentes, sentindo raiva de mim.

Infernos! Eu era um maldito porco por ter olhado com desejo


para o corpo daquela garota, por ter ficado fascinado
momentaneamente pelo sorriso dela.

Natalia era quase como minha irmãzinha caçula, embora não

tenha convivido com ela em nenhum momento da minha vida.

Me virei para frente e segurei o volante com as duas mãos e


apertei-o com força, até que os meus dedos ficassem brancos.

O gritinho da bebê fez com que eu reagisse e voltasse a olhar


para ela:

— E o que eu posso fazer por você, moça?


— Sei que você não tem nenhuma obrigação comigo, e eu
entendo caso você recuse, mas… — começou, mexendo-se no
assento, como se estivesse completamente desconfortável com o

que tinha para dizer.

Fiquei tenso.

— Deus, eu estou desesperada e não tenho mais ninguém para


recorrer — falou baixinho e vi uma lágrima escorrer pela sua face,

maculando-a ainda mais —, só a promessa que você fez para o tio


Zé.

Senti meu estômago revirar.

Fechei os olhos recordando daquilo que tinha prometido há


nove anos e que tentei cumprir, mesmo à distância. Não tinha

deixado faltar nada a ela durante esse tempo, e não seria agora que

eu iria faltar com a minha palavra.

— Posso te dar mais dinheiro, Natalia — falei, de algum modo

decepcionado pela garota querer só grana. O tio dela nunca se

importou tanto com coisas materiais.

— O quê? — murmurou.
— Não precisava ter vindo até aqui para isso — continuei,

ignorando sua perplexidade —, era só ter pedido a sua tia para me


contatar.

— Você enviava dinheiro para minha tia? — sussurrou. — Você


não tinha se esquecido de mim?

— Sim e não. — Franzi o cenho com a confusão dela.

— Deus! — sussurrou. — Ela consegue ser pior do que eu

pensava!

Antes que eu pudesse abrir a boca outra vez, a menininha

começou a chorar, batendo as mãozinhas no rosto da garota.

— Ela está com fome? — perguntei.

— Não sei, dei uma mamadeira para ela, mas já faz algum

tempo. — Suspirou. — Essas últimas vinte e quatro horas têm sido


bastante cansativas para Belinha. A viagem, o sol, a quebra da

rotina… Pode ser cansaço, o suor incomodando, ainda mais quando

ela gosta sempre de estar limpinha.

Balancei a cabeça.

— Melhor continuarmos essa conversa depois — falei em um


tom que não admitia negociação e a vi balançar a cabeça,

concordando.
Pisei no acelerador para colocar o veículo novamente em

movimento.

Ela começou a cantarolar para a bebê em um tom suave,


tentando acalmá-la, enquanto passava uma toalhinha no rosto dela.

Eu não pronunciei mais nenhuma palavra, apesar da vontade de

entender o que estava acontecendo me corroesse por dentro.

Por mais que eu estivesse tentado não as encarar, vez ou

outra, pegava-me olhando para as duas pelo retrovisor.

Em pouco mais de quinze minutos, finalmente avistei o

complexo que compunha a fazenda e a casa-sede ao centro.

— Pronto, Estrelinha, chegamos — falei ao estacionar em

frente à casa e puxar o freio de mão.

A garotinha continuou a chorar e, mais do que depressa, deixei

o veículo e abri a porta para Natalia.

— Dê-me ela aqui — pedi, estendendo os braços para a garota.

— Deixe-me tentar acalmá-la.

Pareceu um pouco receosa.

— Tudo bem.

Passou a bebê para mim e eu a segurei firmemente contra o

meu peito, enquanto com a minha mão livre eu acariciava os


cabelinhos loiros e macios dela. Por um minuto ou mais, pareceu que

havia apenas eu e ela no mundo.

Suspirei. Como era possível se apaixonar tão rapidamente por

alguém? Não tinha essa resposta, eu só sabia que era impossível


não me sentir apaixonado por ela.

Ela não era a primeira criança que eu pegava no colo, já que eu

as adorava. Nas festas, eu sempre acabava sendo arrastado para as


brincadeiras dos pequenos, porém a conexão que eu sentia com

aquela menininha parecia ainda mais intensa, algo inexplicável,

avassalador, instantâneo, já que nada sabia sobre ela.

Talvez fosse o modo como ela me encarava, mesmo com os

olhinhos repletos de lágrimas. Ou a mãozinha que sem querer tocou

o meu rosto enquanto a outra tentava pegar o meu chapéu, mas, por
mais que eu me sentisse ligado a bebê, eu sabia que ela não ficaria

em minha vida, já que eu daria o que quer que fosse que Natalia

precisasse e ela partiria levando junto a “Estrelinha”. Esse


pensamento me entristeceu, tanto quanto o fato de as chances de

gerar o meu próprio filho serem baixas.

Há dois anos, depois do falecimento do meu avô, tive a ideia de


congelar meu sêmen, porém acabei descobrindo, através de um
espermograma, que não conseguia produzir espermatozoides com a

qualidade necessária, o que tornaria difícil, senão impossível, eu ser

pai da forma tradicional.

Dei um sorriso amargo, evitando pensar naquele assunto,

focando na menininha linda que tinha no meu colo e que ainda

chorava convulsivamente. Infelizmente, não consegui acalmá-la


como imaginei que conseguiria.

— Xiu, Estrelinha — murmurei. — Não precisa disso.

Beijei o topo da sua cabecinha.

— Senhor? — Escutei a voz de um funcionário e ergui o meu


rosto para fitá-lo.

— Chame os rapazes para descarregar a caminhonete. —


Assentiu perante a ordem, e foi em direção ao refeitório.

Olhei para Natalia e não me passou despercebido que ela

parecia nervosa. Engoli em seco ao pensar que era por causa da


criança. Devolvendo a bebê para ela, dei a volta na picape e peguei

a bolsa pesada.

— Por aqui — instruí, indo em direção a casa.

Abri a porta e, assim que entrei, dei um passo para o lado, para

que ela passasse.


— Não repare na sujeira — falei, sem graça, tentando me fazer

ouvir por cima do choro da bebê ao olhar para o hall, recordando-me


que não mandava limpar a casa há alguns dias. — Não estava

esperando por visitas.

— Tudo bem. — Deu um sorriso singelo ao passar por mim. —


Sua casa é linda — falou ao relancear o olhar pelo cômodo.

Dei de ombros.

— E então? — questionei, sem saber direito o que fazer para

ajudá-la com a bebê.

— Sei que estou ultrapassando alguns limites, mas será que eu

posso dar um banho na Belinha? Acho que ela se sentirá melhor —

continuou.

Olhou para mim, parecendo um pouco insegura, e eu detestei o

fato dela achar que eu negaria tal coisa.

— Claro — suspirei —, venha. Você pode usar o banheiro do

quarto de hóspedes.

Ajeitando a alça da bolsa sobre os ombros, comecei a caminhar

em direção ao cômodo.

— Você teria uma bacia? — perguntou assim que eu coloquei a

bagagem sobre a cama. — Fica…


— Hey! — interrompi-a antes que pudesse continuar, tocando
indevidamente o queixo pequeno.

Senti as pontas dos meus dedos queimarem com o contato e


eu vi os olhos dela se arregalarem um pouco.

— Não precisa se justificar — minha voz soou rouca e eu baixei


a mão —, sinta-se em casa.

— Certo.

— Vou pegar.

Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, deixei-as no quarto


e caminhei até a despensa, escolhendo uma vasilha que poderia

acomodar as perninhas da garotinha.

— Essa ficará mais confortável — falei ao voltar para a suíte,

encontrando-a debruçada sobre a cama removendo a roupinha da


pequena.

Isabel ainda se agitava, mas seu chorinho era muito mais baixo.

— Quer que eu encha para você? — ofereci.

Ela se virou na minha direção.

— Não quero incomodá-lo, João — murmurou. — Você deve ter

várias coisas mais importantes para fazer.


— Tudo pela Estrelinha. — Pisquei de um olho só, antes de ir
em direção ao banheiro.

Escutei a risada dela e não contive um sorriso, que


provavelmente era abobado.

Depois de colocar a bacia no chão, tirei o meu chapéu e o


deixei sobre a pia. Abri o registro e testei a temperatura. Só depois
de constatar que a água estava boa, que enchi o recipiente.

Desenrolei a borracha do chuveirinho também.

— Pronto! — falei. Estava tão distraído ao retornar que acabei


trombando com ela na porta, que deixou o xampu e o sabonete da

menina cair.

Instintivamente segurei os braços dela para firmá-la. Nossos


olhares se encontram, e eu prendi a minha respiração.

Rapidamente a soltei, mas o calor da pele dela parecia


impregnado na minha, bem como as sensações que aquele breve

contato causou no meu corpo e que fez com que o meu coração
batesse acelerado.

Inferno!

Me abaixei para pegar os objetos no chão e os coloquei

próximo a bacia.
— Caso precise, tem toalhas e uns itens de higiene aqui — falei
em um tom rouco, ao abrir a porta do armário de canto, mostrando o
que tinha ali para ela.

— Okay.

— Precisa de mais alguma coisa? — perguntei, pendurando no


suporte o tecido felpudo que peguei na prateleira.

— Acho que não. — Passou por mim indo até o box. Assim que
ela colocou a menininha na água, a pequena que ainda chorava
emitiu um gritinho de alegria.

Mesmo de perfil, o sorriso que a garota abriu para a bebê me

roubou o fôlego.

Mil vezes inferno!

Coloquei as mãos nos bolsos, focando na garotinha que agora


batia as palminhas na bacia, espirrando água por todo o lado.

Eu fiquei hipnotizado pela felicidade infantil com tão pouco,

principalmente quando ela girou o corpinho e eu pude ver o seu


sorrisinho, que deixava os dentinhos à mostra. Mas logo me aprumei,
sabendo que estava sendo invasivo.

— Preciso ir cuidar de algumas coisas, moça. Você pode ficar à

vontade para pegar o que necessitar. — Fiz uma pausa e apontei


para a menininha, lembrando-me de uma coisa. —E pode utilizar a
cozinha para preparar algo para vocês comerem.

— A sua esposa não vai se incomodar? — Pareceu insegura ao


perguntar isso. — Digo, de me ver perambulando por aí, sem sermos
apresentadas?

— Não se preocupe. — Minha voz soou rouca enquanto eu


tentava dominar a euforia que não deveria estar sentindo e que me
impeliu a dar uma satisfação a ela, mesmo que não tenha me pedido.

— Eu moro sozinho e não há mulher alguma em minha vida. Então


relaxe quanto a isso.

— Entendo — falou suavemente.

O alívio que vi na sua expressão era quase que imperceptível,

mas fez com que eu regozijasse.

Tolice.

— Assim que você voltar, podemos conversar.

Colocou uma mecha do cabelo liso, longo e negro que caiu


sobre o rosto atrás da orelha, quando ela se inclinou para pegar o

xampu para passar na cabecinha da bebê. Achei absurdo a vontade


que me deu de tocar os fios que estavam molhados com o suor, mas
que, ainda assim, representavam uma tentação.
— Vo-vo-cê me-merece uma explicação — completou baixinho,

gaguejando, e a hesitação que havia nela me incomodou.

Eu sabia que o que quer que ela tivesse para falar, eu não
gostaria de ouvir. Nem um pouco. Havia muitos pontos desconexos e

sem respostas.

— Acho que deve ter sido um dia difícil para você também —
murmurei. Tinha que ter um pouco de empatia, principalmente

quando ela parecia visivelmente cansada. — Talvez seja melhor que


você tome um banho também e tente descansar. Qualquer coisa que
seja, acho que pode esperar até amanhã.

Ela engoliu em seco, reforçando ainda mais a sensação de que

o quer que fosse, o problema era sério. E depois da sua afirmação


confusa sobre a tia, eu não tinha certeza se a coisa toda poderia ser

resolvida com dinheiro.

Antes que ela pudesse retrucar, o meu celular tocou. Foi


automático eu o pescar no bolso da calça e olhar o visor. Era o
técnico do laboratório responsável por analisar algumas amostras do

solo de uma nova propriedade que adquiri recentemente próximo de


Carmópolis de Minas, uma das maiores produtoras de tomate do

estado. E se o solo estivesse com PH adequado, seria um aspecto a


menos para me preocupar. Na minha cabeça, eu já podia ver os
meus quase cento e cinquenta hectares de plantação de tomate, com
a sua vegetação alta, carregados das frutas.

— Preciso atender — pedi desculpas.

— Claro.

— Fique à vontade, moça.

Isabel deu um gritinho de bebê, demonstrando que estava mais

do que desfrutando de tudo.

Sorri para a garotinha, antes de atender a ligação. Torcia

fortemente para que fossem boas notícias, pois duvidava muito que
teria alguma na manhã seguinte.
Capítulo cinco

— Boa noite, amigão. — Dei umas batidinhas no pescoço de

Pesadelo e deixei um beijo no seu focinho.

Ele resfolegou, encostando a sua cabeça na minha mão,


querendo mais carinho.

— Não, garoto, seu papai está louco por um banho — suspirei


—, e também por um prato de comida.

Relinchou, batendo as patas no chão.

— Até amanhã.
Dei um último tapinha nele e acariciei alguns animais que ainda

não dormiam, conversando com eles também, espiando as baias


para ver se todos os cochos estavam cheios com água e alimento.

Era mais um hábito do que uma fiscalização de fato, pois sabia que

meus funcionários cuidavam bem não apenas dos meus inúmeros


cavalos, novilhos e vacas, mas também das galinhas e dos porcos.

Apagando as luzes, fechei a porta do celeiro, e senti a brisa


fresca tocar a minha pele depois de um calor do cão durante o dia.

Ergui o rosto, olhando para o céu estrelado, tentando ordenar

os meus pensamentos.

Apesar do meu corpo estar exausto, minha mente estava um

turbilhão.

Eu não tinha conseguido prestar atenção em nenhuma das

explicações gerais que o técnico tinha me passado, nem mesmo nas

informações dadas pelo funcionário responsável pela logística de

distribuição sobre o despacho da produção de batatas para uma rede


de fast-food por todo o Brasil.

Se eu fosse ler os relatórios emitidos pelas outras propriedades,

com certeza eu não conseguiria me atentar a nenhuma linha. Tudo

bem que eu não era um grande fã da parte burocrática, mas depois


de herdar o império agrícola comandado antigamente pelo meu avô,
descobri que era um mal necessário e eu não tinha medo de

executá-lo, mas hoje seria uma tortura. Eu estava me corroendo

pelos mistérios representados pela chegada da sobrinha do Zé.

Não tinha certeza se deixá-las sozinhas tinha sido algo

acertado, mas uma vozinha interior dizia que eu poderia acabar

pressionando-a caso eu ficasse muito na cola dela.

Lutar contra mim mesmo e meus impulsos foi bem difícil. Agora,

me martirizava pensando que, mais uma vez, não tinha ajudado

Natalia no momento que precisava, afinal estava uma casa estranha

para ela e seu desconforto por isso tinha ficado mais do que

evidente.

Merda!

Comecei a andar em direção ao casarão, sendo guiado apenas

pelo brilho das estrelas, conhecia bem demais aquele caminho para

precisar de outra fonte de luz.

Para a minha surpresa, avistei a varanda da casa iluminada.

Estaquei. Várias sensações atravessaram o meu corpo e reconheci a


alegria como a principal delas.
Tinha sido uma gentileza da garota, não um ato de boas-vindas,

não um gesto que nem mesmo sabia que ansiava, um feito por uma
namorada ou esposa, que estaria me esperando voltar do trabalho.

Dei um sorriso amargo, me sentindo podre. Também era um


pensamento machista pra caralho.

Balançando a cabeça em negativa, cruzei a distância e,

esfregando as botas no tapetinho, entrei em casa e removi o chapéu,


colocando-o no gancho perto da porta. Teria que limpar meu chapéu

mais tarde, pois a parte interna da copa deveria estar impregnada de


suor. Automaticamente, fui em direção a cozinha.

— João Miguel, é você? — A pergunta dita em um tom


assustado alcançou-me antes mesmo que eu colocasse os meus pés

no cômodo.

Franzi meu cenho. Por que Natalia estava tão assustada


assim?

Merda!

— Sou eu — falei, aparecendo na porta da cozinha, e fiquei ali

olhando para ela.

Malditamente, antes de encarar a sua face, meus olhos


percorreram as pernas desnudas que o short, mesmo não sendo tão
curto, deixava bem à mostra. Elas eram longas, torneadas, lindas...

As coxas dela eram grossas, e por alguns segundos, pude

imaginar minhas mãos enchendo-se com a carne macia, suas pernas


envolvendo o meu tronco enquanto...

Porra! Que merda estava acontecendo comigo para eu estar


agindo assim, como um selvagem lascivo?

Deixando escapar um som frustrado, olhei diretamente para sua

face, a tempo de ver a expressão no rosto dela passar de horror para


alívio. Foi impossível não sentir certo amargor com a constatação de

que ela não se sentia segura na minha casa, mesmo vindo até mim
em busca de ajuda. E se eu tivesse alguma dúvida do medo dela, a
faca que segurava entre seus dedos, e que tinha passado

despercebido até aquele momento, por ter estado atento a coisas


que não devia, era a prova viva disso.

— Ninguém entra na minha casa sem a minha permissão,

Natalia — falei com uma voz séria ao aproximar-me de onde ela


estava.

Parei a centímetros dela e, ao inspirar fundo, senti não apenas

o cheiro de comida, mas também o perfume do sabonete que parecia


impregnado nela.
Natalia ergueu o rosto coberto de hematomas e me encarou.
Apesar dos seus olhos serem castanhos, eles não tinham nada de
comum. Eram um pouco puxados, e os pequenos pontinhos

dourados lhe davam um ar completamente exótico.

Segurei a faca e a tirei da sua mão, embora minha vontade


fosse fazer outra coisa.

— Você não precisa disso aqui, moça — sussurrei.

A vi engolir em seco.

— Eu…

— Ao menos não para se defender.

Sorri, tentando amenizar o medo dela, e, de alguma forma,


buscando me controlar, porém o seu cheiro suave tornava tudo mais

difícil e me deixava agitado, partes de mim se retesando.

Diabos! Era apenas uma fragrância comum, mas me fazia me


comportar como uma besta selvagem.

Ficamos nos encarando fixamente, uma espécie de tensão


fluindo entre nós, até que Natalia balançou a cabeça e se voltou para

a pia.

Suspirei baixinho e aproveitei a deixa para colocar a faca em


cima do balcão e pegar um copo. Precisava beber alguma coisa,
minha boca e garganta estavam completamente secas com o desejo.

— Como está a bebê? — questionei, depois de virar toda água

na minha goela de uma vez e servindo-me de mais. A sensação de


secura não havia passado.

A observei pegando algo na pia.

— Acabei improvisando uma barreira de proteção com alguns

travesseiros para formar um bercinho, mas ela só dormiu no meu


colo e não faz nem uma hora. — A voz mostrando seu cansaço

quando disse isso fez com que eu me sentisse ainda mais empático

com ela.

Embora bebês fossem uma graça, sabia o quão trabalhoso e

desgastante era cuidar deles. Tive que me conter para não me

aproximar novamente e oferecer algum conforto a ela.

Ela foi mexer nas panelas.

— Eu só espero que ela não fique com febre por conta da

insolação — sua voz soou triste.

— Não ficará — falei, convicto, embora soubesse que não


poderia prometer isso.

Meu coração se apertou e, apesar de estar em falta com Deus,


pedi aos céus para que a bebê ficasse bem.
— Tomara.

Emitiu outro som, que mostrava seu esgotamento, e se virou na

minha direção.

— Você deveria estar descansando, não cozinhando — ralhei

suavemente.

— Estava com fome, eu não tinha almoçado. De qualquer


forma… — fez uma pausa e completou baixinho, provavelmente não

querendo que eu escutasse: —... nem sei se conseguiria dormir

também…

Outra vez a tensão se apoderou de mim.

Droga! Detestava ficar no escuro.

— Tinha comida congelada no freezer, Natalia — pigarreei,

buscando me dominar —, era só esquentar no micro-ondas.

— Bem — pareceu sem graça —, agora já estou terminando.

Acho que mais dez minutos e está pronto. É simples, mas se você
quiser comer também… — murmurou.

Passei a mão na minha barba.

— Por que não? — Sorri. — O cheiro está ótimo.


Ela sorriu de volta. Eu estava perdendo as contas de quantas

vezes eu tive uma reação descabida na sua presença em menos de

o quê? Seis horas? Estava começando a acreditar que eu estava


perdendo completamente o juízo.

Caralho, João! Pare com essa merda!

— Vou tomar um banho primeiro — murmurei.

— Certo.

Aproximei-me de onde ela estava e fui até a pia, lavando o copo

rapidamente.

Sem dizer mais nenhuma palavra, com passos largos, fugi dela,

para tentar colocar a minha cabeça no lugar, o que, para minha

consternação, levou uns bons trinta minutos.


Capítulo seis

Forcei-me a levar uma garfada de arroz aos lábios, tentando

não parecer uma tola perante João Miguel, já que tinha dito a ele que

estava com fome, mas não tinha feito nenhum movimento para
comer, ficando apenas o observando.

Eu não conseguia tirar os olhos de cima dele, estava toda


abobada.

Sabia que isso era errado, ainda mais na situação tão delicada

em que eu me encontrava, em que esperava a qualquer momento as


consequências dos meus atos virem à tona, mas ele era tão lindo

que parecia impossível não ficar admirando os traços bem-feitos do


seu rosto, que parecia ter sido talhado em mármore, os olhos verdes

escuros emoldurados por sobrancelhas espessas, os lábios cheios, e

também os antebraços fortes, cobertos por pelos negros, que tinham


sido moldados pelo trabalho braçal.

Emiti um suspiro baixinho, bem inapropriado, e eu morri de


vergonha, principalmente com a perspectiva de ele ter escutado.

Desviei o olhar para o meu prato e obriguei-me a comer mais um

pouco.

Estava mais do que claro que enquanto ele era um homem feito

e indiferente a mim, eu me comportava como uma adolescente. Bem,


de alguma forma eu não estava longe de ser uma, essa linha era

bastante tênue. E eu não podia dizer que eu tinha um caminhão de

experiência em relacionamentos. Para ser exata, tinha dado dois

beijos na vida, então estar tão próxima a um homem tão poderoso e

imponente era desconcertante.

— Acho que faz tempo que não como algo tão bom —

comentou em um tom neutro. Não sei dizer se ele tinha preferido

ignorar meu suspiro ou não tinha escutado.


— É só arroz simples e frango com legumes — falei, tentando
conter a onda de prazer que me invadiu por ser elogiada por um

homem como ele.

— Mas está realmente delicioso — elogiou. — Você cozinha

muito bem.

— Obrigada — respondi.

Voltei a encará-lo, vendo que ele realmente comia com gosto e

não dizia apenas da boca para fora que estava bom. Coloquei uma

mecha de cabelo atrás da orelha, não conseguindo conter um

sorrisinho satisfeito.

Tola. Infantil.

— Os legumes, frutas e raízes que são consumidos aqui são


todos cultivados por você? — Fiz uma pergunta igualmente idiota.

— Sim, assim como o leite e os ovos também são provenientes

dos animais criados nessa fazenda — respondeu, depois de morder

um pedaço generoso da coxa de frango. Quando vi que ele usava as

mãos para comer, fiz o mesmo. — Mas nem tudo que você utilizou

no preparo foi plantado nesta propriedade, embora tenha uma horta


atrás da casa. A cebola, por exemplo, vem de Pedrinópolis, que fica

há três horas daqui.


— Entendi. — Tomei um pouco de suco de maracujá.

— Tenho propriedades em que cultivo vários produtos que

abastecem Minas e Goiás — continuou, e os olhos dele brilharam —

e, aos poucos, estou adquirindo mais terras para expandir meus


negócios.

Garfou uma cenoura e levou a boca, soltando um gemido

baixinho de deleite. Descobri-me sorrindo para ele que nem uma


idiota.

— Tudo respeitando a legislação ambiental, claro. — Deu um


sorriso de canto, parecendo sem jeito. — Não que o agronegócio

seja uma palavra amiga do meio ambiente, mesmo que atualmente a


Fontes utilize práticas mais sustentáveis.

— É…

— Devo estar te aborrecendo com esse assunto, moça —


disse, depois de tagarelar um pouco mais sobre as propriedades

enquanto jantávamos.

Fiz que não com a cabeça. E era verdade, principalmente por

ver no rosto dele o entusiasmo que sentia. Era contagiante, e


também porque João Miguel estava me fazendo recordar do tio Zé.
Ele adorava falar sobre o trabalho da terra, tanto que, às vezes, fazia

minha mãe revirar os olhos, enjoada.

Naqueles breves minutos, fui até capaz de esquecer minha


aflição.

— Só não tenho nenhum comentário relevante para fazer —


murmurei, mas pareceu que demorei demais em responder, pois o

brilho nos olhos dele arrefeceu e ele pareceu ficar taciturno. Até diria
tenso.

Talvez tivesse se arrependido de falar de coisas importantes

para ele, das suas propriedades, para uma pirralha como eu.
Respirei fundo, ignorando a pontada de decepção.

Terminamos a refeição em silêncio, e nem mesmo o fato de ele


ter repetido ajudou a melhorar o meu desapontamento.

— Pode deixar que eu tiro a mesa e também lavo a louça, moça


— ele falou assim que eu comecei a recolher as coisas, e quando

continuei, João Miguel cobriu a minha mão com a sua.

Embora cheia de calos, ela era quente, e seu toque gentil.

Pequenas fagulhas surgiram daquele ponto e minha respiração


pareceu ficar mais curta. Novamente, não soube lidar com aquela

sensação desconhecida que se apoderava de mim.


— Vá descansar — continuou, removendo a mão como se o
contato desse a ele asco. Quis me encolher pela rejeição.

— Não sei se consigo — confessei.

— Você deveria tentar, Natalia... — Fez uma pausa. — Eu só


vou terminar aqui, fazer um café e vou deitar.

— Café a essa hora?

— Nunca é tarde demais para um mineiro tomar café. — Seus


lábios se curvaram para cima. — E eu sempre durmo feito pedra,

moça, não será um café que irá me deixar insone.

Soltou uma gargalhada e eu acabei rindo também, mas logo a

perspectiva de ter que ir dormir não me atraiu.

Eu sentia dores por todo o corpo, minha cabeça pulsava, porém

estava ciente de que seria uma noite rolando na cama. Precisava


desesperadamente contar a verdade para ele, por mais que João

Miguel tenha dito que o problema poderia esperar. Talvez até


concordasse com a sugestão, mas eu não podia ficar na incerteza,

não quando tudo em mim gritava de medo e agonia, de pavor de ele


me julgar. De não ter o seu apoio. De ter esperança em uma
promessa.
Deus, a solidão e o peso das minhas próprias escolhas
prensaram o meu peito instantaneamente, assim como as lágrimas
voltaram a querer surgir em meus olhos.

Estava apavorada. Eu precisava colocar aquilo para fora, por

mim e pela bebê que dormia pacificamente no quarto mesmo que


isso significasse romper com aquele meu conto de fadas em que me

sentia falsamente segura, como se eu não fosse uma criminosa, o


que no fundo eu temia que era.

— Que foi, moça?

Pareceu preocupado e eu quis chorar com a ternura que havia

em suas feições. Chorar por ter quase cem por cento de certeza que
a benevolência dele iria ruir em poucos minutos.

— Natalia? — insistiu.

— Sei que não é justo com você, João Miguel — falou baixinho

—, mas se não for incômodo, podemos conversar agora?


Capítulo sete

— Tudo bem — disse em um fôlego só, apesar de me sentir um

pouco contrariado.

Ainda achava que ela deveria tentar descansar um pouco, mas


a tristeza e o medo estampado em seu rosto fez com que eu

acabasse concordando.

— Obrigada.

Emitiu um suspiro e me deu um sorriso, que não conseguia me

enganar.
— Quer que eu prepare o café? — perguntou suavemente.

— Não precisa — arrastei a cadeira para trás e me ergui —, eu

mesmo faço.

Ela voltou a recolher os pratos, mas eu tornei a impedi-la,


pousando a minha mão sobre a dela. Outra vez me senti agitado

pelas sensações que me percorriam. Estava sendo um cretino, mas

era como se eu não tivesse nenhum controle sobre meus atos. Eu


estava passando dos limites ao usar qualquer coisa como desculpa

para tocá-la.

Raios!

Removi minha mão, engolindo em seco.

— Deixa que eu também faço isso — minha voz soou rouca.

— Mas…

— Você preparou o jantar — interrompi-a —, é justo que eu

contribua com a louça.

— Tá bem. — Sorriu. — Enquanto isso, vou ver como a bebê


está.

— Certo — murmurei.
Quando ouvi os passos dela se afastando, reuni as louças e
levei-as para a pia. Depois, coloquei a água para esquentar e montei

o filtro de café sobre a caneca.

— Como ela está? — perguntei ao escutar o som de uma

cadeira sendo arrastada.

Guardei a comida que sobrou em vasilhas e levei para a


geladeira.

— Dormindo como um anjo.

Suspirou, tamborilando os dedos sobre a mesa.

— Fico feliz por isso. — Sorri e comecei a lavar as panela.

Um silêncio, quebrado apenas pelo barulho que eu fazia e dos


grilos estridulando, caiu sobre nós. Rapidamente terminei de ajeitar

tudo, já que a garota não tinha deixado nenhuma louça suja do

preparo. Porém, a cada minuto, eu tinha que lutar contra a sensação

de completude que se espalhava pelo meu peito. Eu não deveria me

sentir tão bem só por ela estar me observando. Muito menos tão vivo

e...

— E então, moça? — perguntei, indo direto ao ponto, buscando

um terreno seguro, um que provavelmente era muito mais movediço

e traiçoeiro.
Ela emitiu um som abafado, quase que um gemido de dor, e

nossos olhares voltaram a se encontrar, mas logo ela desviou o


olhar, fitando a parede atrás de mim e se abraçou.

Novamente a vulnerabilidade e a tristeza caíram sobre Natalia,


como um manto grosso e pesado.

Beberiquei o meu café que, para o meu gosto, estava meio

fraco, batalhando para não me erguer e aninhá-la em meus braços,


procurando confortá-la com o calor do meu corpo.

Droga, era tão difícil me manter distante quando tudo em mim


queria protegê-la, consolá-la, principalmente quando vi uma lágrima

deslizando pela sua face.

Segurei a borda da mesa com força e apenas esperei.

— É tão difícil começar — falou em um tom quebrado.

— Leve seu tempo, moça.

Dei um sorriso torto para ela, querendo passar confiança.

— É verdade que você sempre mandou dinheiro? — perguntou


depois de um tempo, respirando fundo várias vezes. — Que você

não virou as costas para mim?

Outra vez o sentimento de culpa por não estar presente na vida


dela quando precisou se espalhou pelo meu peito e minha boca
pareceu tomada de fel.

— Sei que não agi certo quando me mantive distante, que não

dei o apoio emocional que você precisava na época — disse. —


Eu… Não sabe o quanto me arrependo por isso, Natalia, mas eu…

— Está tudo bem! — falou baixinho, tentando me consolar. —


Você estava sofrendo.

Balancei a cabeça em negativa. Eu não merecia a

generosidade dela.

— Não, não está tudo bem! — retruquei — A minha dor pela


perda do Zé não tira a minha culpa nisso, principalmente quando
você perdeu duas pessoas… Porra, ele ficaria decepcionado comigo!

Um som áspero deixou a minha garganta e o pensamento de


que eu falhei com a pessoa que mais amava no mundo doeu fundo.

— Depois que vi a merda que fiz ao manter-me afastado, tentei

consertar as coisas, me aproximar… — passei a mão pelo meu


cabelo curto, desgostoso —, mas sua tia achou melhor me manter
afastado, já que eu era um desconhecido.

— Entendo. — Sua voz soou ferida.

Consegui sentir o peso da solidão que ela pareceu ter

carregado ao longo daqueles anos e a culpa pareceu tornar-se ainda


maior.

— Então, fiz a única coisa que pude, que era te apoiar

financeiramente — sussurrei.

— Eu não sabia disso — lágrimas voltaram a deslizar pela sua


face e rapidamente ela passou a mão pelo rosto para enxugá-las —,

pensei que você tinha esquecido da sua promessa, de mim...

— Não, moça — a interrompi. — Seu tio me ensinou que não

há nada mais importante do que nossa palavra.

— Sim — suspirou baixinho —, não havia nada mais importante


para ele do que isso.

— Não, não havia. — Foi impossível conter o sorriso diante das


inúmeras vezes que o Zé tinha falado sobre a honra de um homem,
mas logo voltei a ficar sério. — E eu jurei para ele que iria cuidar de

você e da sua mãe se ele viesse a faltar, mas pelo visto eu falhei, já
que você nem mesmo sabia a existência do dinheiro que mandava

para a sua guardiã — falei amargamente.

Peguei minha caneca e tomei mais um gole do meu café,


tentando dissolver com o líquido o nó que parecia tapar a minha
garganta. Pousei a louça com mais força do que devia sobre a mesa.
— Sua tia pelo menos comprou as coisas para você? — Tive
um fio de esperança.

— Bem — suspirou, cansada —, gostaria de dizer que as


coisas foram fáceis, mas infelizmente não foram. Verônica não se

importava se a geladeira estava cheia ou se a conta de luz estava


em dia. Sendo honesta? Eu nem mesmo tinha acesso a pensão

deixada pela minha mãe. É um salário-mínimo, mas eu tinha direito a


ele, no entanto sempre que a questionava, ela dizia que ela usava

em outras coisas para cuidar de nós.

— Merda! — disse entre dentes, contendo a minha vontade de

socar a mesa com força até que minha mão latejasse com a dor. Só

não agi como um ignorante, pois sabia que ela poderia se assustar,
mas a culpa e a raiva que eu sentia por não ter insistido em fazer

parte da vida da sobrinha do Zé, por não fiscalizar o uso do dinheiro,

era potente.

Caralho!

— Mas o dinheiro, ou a falta dele, nunca foi de verdade o maior


problema de conviver com ela — falou baixinho.

— Foi ela quem te agrediu? — perguntei à queima roupa,


depois de somar dois mais dois.
— Sim.

— Desgraçada! — Me exaltei, a raiva se tornando ainda mais

pungente.

— Ela costumava ficar agressiva quando estava bêbada —

choramingou —, tudo era motivo para que ela partisse para

agressão, mas o pior era os homens que ela levava…

Um soluço alto cortou o ar e a garota levou as duas mãos ao

rosto, começando a chorar.

Meu corpo ficou instantaneamente rígido e meu maxilar trincou

com a possibilidade de a garota não ter sido só agredida, mas

também abusada por alguns daqueles homens, e tudo isso com o

consentimento da tia. Infelizmente, todos os dias ocorriam casos


desses, em que os familiares eram coniventes com abusadores e até

mesmo com assédio.

Meu estômago embrulhou.

— Eles te…? — Não consegui completar.

Fez que não.

— A bebê? — questionei em uma voz tensa.

Seu pranto pareceu tornar-se mais convulsivo e meu corpo todo

esfriou, ficando gelado. Respirar tornava-se cada vez mais difícil.


— Não fisicamente — sussurrou em meio ao choro e quase não

a escutei. — Deus, eu me sinto tão culpada!

— Natalia? O que aconteceu? — questionei, preocupado.

— Eles a violaram quando fizeram sexo no mesmo ambiente

que a Belinha estava, com ela acordada — falou, amarga, rindo


baixinho e chorando ao mesmo tempo, desesperada. — E isso só

para me ensinar uma lição. Deus! Eu deveria ter limpado o quarto

dela antes que ela chegasse.

Uma fúria cega que há nove anos não sentia me invadiu e, no

impulso, eu soquei a mesa, desejando que fosse a cara da mulher e

do homem desconhecido.

Porra! Se eles estivessem na minha frente, eu os surraria até

que os rostos deles ficassem deformados.

Eu enxergava tudo vermelho, mas quando eu ia socar a mesa

novamente, me contive, pensando que as minhas merdas poderiam


acabar acordando a bebezinha.

— Eu não pude fazer nada — balançou a cabeça em negativa

—, não pude fazer nada para protegê-la. Sou tão culpada quanto
eles.
Foi a minha vez de fazer que não com a cabeça, mesmo não

tendo todas as informações. Se ela era culpada, eu também o era


por ter sido omisso na vida dela, por tê-la deixado viver em um

ambiente tão hostil.

Me ergui e me aproximei da cadeira onde Natalia estava,

colocando-me atrás dela, e pousei a minha mão sobre o seu ombro,

tentando oferecer algum conforto.

— Você não tem culpa de nada.

— Eu deveria ter chamado a polícia pela negligência de


Verônica muito antes — pareceu não me ouvir —, mas fui tão

egoísta, com medo de perder a Belinha... — Fez uma pausa. —

Porque eu não tinha nada para oferecer a ela e, até ontem, eu era

menor de idade.

— Se acalme, moça — adotei um tom doce, guardando a raiva

para mim, e deixei um beijo no topo da sua cabeça enquanto minhas


mãos acariciavam os seus braços.

Era perceptível o quanto Natalia amava a bebê, então podia


imaginar o quanto a perspectiva de ser separada da criança deveria

ter doído. Meu coração se apertou pelas duas.

— Está tudo bem… — continuei.


Inclinou a cabeça para trás e me fitou com os seus olhos

vermelhos pelo choro, uma gargalhada áspera escapando da sua

boca. Não gostei do som, muito menos da dor e do desespero que

transfigurava sua face.

— Não, não, está — seus lábios crisparam —, estava

desesperada, mas isso não apaga o fato de que eu fugi com uma
criança que não é minha, João Miguel. O que eu fiz, mesmo que a

minha intenção fosse protegê-la, é crime…

Fiquei em silêncio, digerindo sua afirmação.

Apesar da situação ser complicada, o fato da negligência por

parte da tia e também da situação abusiva que a bebê passou


deveria contar em seu favor.

— Eu te entendo — murmurou.

Limpou a trilha úmida das lágrimas com mais força do que era

necessário, e me deu um sorriso fraco, antes de baixar a cabeça e

inclinar o corpo para frente, como se o meu toque agora fosse


repulsivo.

Afastei minhas mãos dela, mas uma parte de mim, a


asquerosa, sentiu falta de sentir a sua pele macia sob o meu tato. Ela

era tão suave. Minhas mãos tão ásperas… Dei um passo para trás.
— O quê? — perguntei, tentando compreender por que ela

ficou arisca subitamente.

— Não querer ter nada a ver com o meu problema — uma

lágrima escorreu pela sua bochecha. — Acho que fui longe demais

em procurar sua ajuda, valendo-me da sua promessa. Eu não tinha


esse direito. Só nos deixe ficar essa noite, por favor.

— Inferno! — sussurrei vários outros palavrões, voltando a


passar a mão pelos meus cabelos, puxando os fios com força.

Meu estômago revirou ainda mais quando ela passou um braço

em torno de si mesma, se abraçando, e voltou a chorar baixinho.

— Levante-se, por favor, moça — pedi, depois de tragar o ar

com força.

Pensei que ela não iria atender o meu pedido, mas, depois de

hesitar um pouco, a garota acabou se erguendo.

A derrota em seus ombros e a decepção em seu olhar fez com

que eu engolisse em seco. Nunca mais queria ver aquele sentimento


direcionado a mim. Não vindo dela. A razão? Não conseguia

compreender. E não me importava.

Como se não conseguisse mais me olhar, virou o rosto,


encarando a geladeira.
Com um suspiro cansado, dei um passo à frente e toquei o seu
queixo, fazendo com que ela me encarasse.

Apesar de estremecer levemente, Natalia não resistiu ao meu


toque e eu considerei isso um bom sinal.

— Não coloque palavras na minha boca, moça — sussurrei


depois de ficar um tempo admirando os traços bem-feitos dos seus

lábios cheios, contendo a minha vontade de passar o meu polegar

por eles, principalmente quando se entreabriram.

Me obriguei a desviar o meu olhar, porque era igualmente difícil

para mim não me perder nos seus olhos castanhos e exóticos.

— Eu nunca viraria as costas para você e para a Estrelinha,

Natalia — minha voz soou rouca. — Sei que você não me conhece,

nos vimos pessoalmente apenas uma vez, mas, através do Zé, você
deve saber um pouco quem eu sou. Posso não ter todas as minhas

respostas ainda, mas as que tenho são o suficiente para que eu


ofereça ajuda a vocês — fiz uma pausa —, que tipo de homem eu
seria ao deixar vocês duas desamparadas? Eu não conseguiria

dormir à noite.

Ela engoliu em seco e moveu a cabeça suavemente. Ficou em

silêncio e o brilho de esperança que cintilou em seus olhos me deu a


certeza de que, por mais que as consequências para mim também
pudessem ser pesadas, eu estava fazendo a coisa certa.

A tia dela era um monstro, uma covarde, por bater na sua


sobrinha e mais ainda por transar no mesmo ambiente que uma

criança estava. Fora que Verônica me usou esse tempo todo.

— Não cometerei o mesmo erro outra vez, moça — falei,


sentindo a raiva vir à tona novamente, dominando cada centímetro

do meu corpo —, por mais que a situação seja complicada e que,


pela lei, provavelmente você esteja cometendo um delito, eu
colocarei tudo o que tenho a disposição de vocês duas para que ela

pague pelo que fez à vocês.

Natalia deu-me um sorriso por entre as lágrimas, que foi capaz


de suavizar a fúria que sentia tão rapidamente que eu acabei me

assustando com a velocidade com a qual conseguiu essa façanha.

Estava ainda tentando assimilar meus sentimentos confusos


com relação a ela quando, pegando-me completamente

desprevenido, a garota me abraçou.

Minha reação foi envolvê-la de volta, só que mais apertado, de

modo que nossos corpos ficassem o mais colado possível, mesmo


que desse modo ela pudesse sentir meu coração batendo feito um
louco no meu peito.

Assim que ela se aninhou contra mim, seu rosto encostando no

meu peito, suas lágrimas molharam a minha camisa. Emiti um


gemido baixo, agridoce.

Droga, sentia que era errado inspirar fundo e me embriagar

com o cheiro delicioso que vinha dela, me aproveitar-me da situação


para outra vez tocá-la, brincando com os fios de cabelo, que apesar
de estarem um pouco embolados, ainda eram sedosos. E ainda mais

errado era achar que ela era perfeita para os meus braços, me
sentindo tão bem em tê-la contra mim.

Porco maldito!

— Obrigada, João Miguel — falou ao tombar a cabeça um

pouco para trás para me fitar. — Obrigada por manter a sua palavra.

O rosto dela parecia completamente iluminado, os olhos

cintilando de alívio.

— Nada, moça… — Não resisti e toquei a face dela, atraído


pela sua luz. — Amanhã vamos conversar com a minha advogada —

meu tom ficou mais rouco —, ela poderá nos instruir melhor no que
fazer.
Assentiu. Ficamos em silêncio, ainda naquele abraço e naquela
troca de olhares que fazia miséria em meu interior, até que um

lampejo de juízo desceu sobre mim e eu baixei as mãos, dando um


passo para trás antes de voltar para a minha cadeira.

A garota soltou um suspiro quase inaudível e, diferentemente

de mim, ficou de pé.

— Posso te fazer uma pergunta? — Juntou a mão na frente do


corpo e pareceu sem graça.

— Claro, moça.

— Eu e a Belinha poderemos ficar aqui, na sua casa? — Ficou


ainda mais embaraçada.

Não havia pensado nisso, mas, bizarramente, a perspectiva de


não tê-las mais aqui não me caiu bem.

Estava ficando louco.

— Podemos alugar uma casa na cidade se você quiser — forcei

um tom de indiferença à minha voz —, ou em um outro local onde se


sinta segura.

— Me sinto segura aqui, João, com você — respirou fundo e

meu corpo todo vibrou com a informação, mesmo que um pouco


mais de uma hora atrás ela tivesse empunhado uma faca, com
medo, quando cheguei. — E também não quero ficar sozinha. Sei

que…

— Já disse que sempre serão bem-vindas aqui, moça — cortei-


a.

— Mas pode se passar meses e ainda…

— Podem ficar o tempo que for preciso, a casa é enorme! —


Fiz uma pausa dramática e adotei um tom brincalhão. — Será bom
ter um pouco de barulho por aqui, e acho que a Estrelinha fará

bastante.

Ela deu uma risada baixinha, praticamente parando de chorar.

— Sim, ainda mais que ela está ensaiando as primeiras


palavrinhas…

Foi a minha vez de gargalhar.

— Mal posso esperar por isso — falei.

De forma visceral, quis mais do que tudo acompanhar não só


aquele pequeno desenvolvimento da Estrelinha, mas todos os outros.
Dei um sorriso torto ao imaginar a menininha loirinha andando em

minha direção, com suas mãozinhas balançando, soltando vários


gritinhos, quando eu chegasse do trabalho. E eu me agacharia, de
braços abertos, para receber o abraço mais gostoso do mundo. Daria
vários beijinhos em seu rosto...

— Eu também não — falou, me tirando do transe, e sorriu,

provavelmente da minha expressão abobada.

— Vamos ter que comprar um berço para ela — falei, pensativo,


depois de um tempo.

— E fórmula também — disse em meio a um suspiro, torcendo

as mãos. — Tenho algum dinheiro comigo, mas não muito…

— Sem problemas, moça. Vamos comprar tudo o que vocês


vão precisar amanhã cedo — pisquei para ela —, inclusive roupas.

— Okay.

Emitiu um bocejo.

— Por que não tenta ir descansar agora, Natalia? — sugeri. —

Amanhã será um dia longo.

— Verdade. — deu outro bocejo. — E Belinha sempre acorda


cedo.

— Então ela está mais do que pronta para se adaptar ao ritmo

da roça — brinquei. — Aqui a gente acorda antes das seis.


Ela estremeceu e eu ri. Me ergui e, sem perceber, parei de
frente para ela e toquei os seus ombros.

— Se sente melhor? — Minha voz soou séria.

— Bastante — confessou —, principalmente por saber que não


estou sozinha.

— Não! Não mais. — Deixei um beijo na sua testa. — Boa

noite, moça.

— Boa noite, João, e, mais uma vez, obrigada — falou em meio


a um bocejo.

Com um sorriso, desvencilhou-se de mim e eu a observei deixar


a cozinha lentamente, contendo-me para não fitar a sua bunda, mas
foi difícil não o fazer quando meu corpo parecia querer o dela.

Depois de limpar rapidamente a bagunça que tinha feito com o


café, abri a porta de trás e fui recebido pela brisa fresca.

Sentando-se na escadinha, pela segunda vez na noite, olhei

para o céu. Enquanto um suspiro longo e profundo deixava os meus


lábios, tentei ordenar os meus pensamentos caóticos, bem como os
meus sentimentos, mas a única certeza que tive era que, por mais

que meus olhos pesassem, eu não conseguiria dormir essa noite…


Capítulo oito

— Que tal esse? — João Miguel perguntou e meu olhar deixou

o macacãozinho que eu segurava seguindo a direção que ele estava

apontando.

Era um vestidinho estampado com pequenas florezinhas, cheio

de babados e lacinhos rosas, com uma tiarinha combinando. Olhei


da peça para a garotinha, que parecia feliz no carrinho, emitindo

vários gritinhos em meio a sílabas, ao sacudir a Senhora Rosinha,

sua nova pelúcia, um presente do cowboy, tentando visualizar como


a Belinha ficaria dentro dele.
— É lindo — sussurrei —, mas não acho que ela terá uma

ocasião para usá-lo.

— Ela não precisa de uma ocasião para isso — retrucou.

Encarei-o, percebendo que havia um sorriso enorme em seu


rosto, que mostrava seu cansaço. Ignorei a vozinha na minha cabeça

que dizia que, mesmo assim, o cowboy continuava lindo.

Saber que ele não havia pregado o olho na noite passada,

enquanto eu havia dormido feito uma pedra, me fazia sentir bastante

culpa. Eu havia colocado um peso imenso em suas costas, e por


mais aliviada que sentisse por compartilhar o meu problema com

alguém, não tinha certeza se era justo com ele.

— Ela poderá usar nas vezes que formos a cidade — falou,


fazendo com que eu voltasse para a realidade, e me encarou

fixamente, seus olhos brilhando —, ou talvez, no dia a dia.

— Não pode estar falando sério — murmurei, incrédula.

Deu de ombros, encarando novamente o vestidinho.

— Estrelinha ficaria uma bonequinha nele, moça.

— Sim, mas…

— Já posso até a imaginar usando esse vestido para interagir

com os animais — continuou, parecendo distante.


— O quê? — Arfei, meus olhos se arregalando.

— Vou querer um G desse modelo, senhora — fez um gesto

para a vendedora que estava em um canto, que parecia me ignorar

—, e também um GG em outra estampa. Dizem que os bebês

crescem rápido.

— Claro, senhor. — A mulher pareceu sorrir de orelha a orelha,


provavelmente pensando em sua comissão.

Suspirei, dando-me por vencida. Eu não tinha poder nenhum

para frear o consumismo de João Miguel. Além do bercinho, uma

cadeirinha para carro e outra para alimentação, ele havia comprado

várias peças para o enxoval da bebê, e mais brinquedos do que

Belinha seria capaz de brincar.

— Vocês teriam alguma roupinha que se assemelha a uma

minifazendeira? — perguntou para a vendedora. — Ou algo com

estampa de vaquinha? Ela ficará uma graça.

Balancei a cabeça em negativa e fui procurar alguns macacões

acolchoados e conjuntinhos de blusa, shortinhos ou calças, que

seriam bem mais práticos para o dia a dia dela para quando ela
começasse a engatinhar. Quase uma hora depois, finalmente
deixamos a loja, comigo empurrando o carrinho e João segurando

um punhado de sacolas, fruto do exagero dele.

— Aonde vamos agora? — questionei quando ele guardou as

coisas na parte de trás da caminhonete.

— Que tal olharmos algumas coisas para você antes de


almoçarmos e encontrarmos a advogada?

— Eu… — Engoli em seco.

Não passou pela minha cabeça que as compras se estenderiam

a mim também.

— Você também precisa de roupas e outros itens pessoais,


moça.

Me encarou fixamente e eu não consegui decifrar o que ele

pensava.

— Trouxe algumas coisas comigo — sussurrei.

— Não o suficiente, Natalia. — Seus lábios se crisparam em

uma careta. — Deixe que eu te proporcione pelo menos um


pouquinho o conforto que você não desfrutou nos últimos anos. Por

favor.

Engoli o nó que se formou na minha garganta, e o vi se inclinar


em direção ao carrinho para pegar Belinha, que tinha soltado a
Senhora Rosinha e esticava os bracinhos, querendo colo. A

garotinha deu uma risadinha para ele e, automaticamente, João


Miguel sorriu para ela, deixando um beijinho na sua mãozinha.

Ele era tão carinhoso com ela que dava vontade de chorar,

principalmente pela menina nunca ter tido uma figura paterna que
zelasse por ela, que a protegesse e também lhe desse amor, coisas
que, em menos de vinte e quatro horas, o cowboy parecia ter dado a

ela.

O que me surpreendia é que ele parecia fazer isso não por


obrigação, mas, sim, por sentir prazer em interagir com a bebê.

Vê-los juntos fazia com que meu coração parecesse ser feito de
manteiga. Suspirei.

— Você não acha que ela merece ser mimada, Estrelinha? —

falou para a neném, balançando Isabel enquanto a garotinha tentava


pegar a aba do seu chapéu, sua brincadeira favorita.

— Na… Na… — gritou umas sílabas.

— Viu? — segurou Belinha com um único braço e com o outro

tentou dobrar o carrinho. — Até ela concorda comigo, moça.

Gargalhei, fazendo com que uma pessoa que passava pelo


estacionamento nos encarasse.
— Belinha nem deve ter entendido nada — ainda rindo, me
antecipei, e lidei com o carrinho.

— Tenho certeza que sim. — Insistiu.

Baixou a cabeça para que a menina segurasse o chapéu. Os


olhinhos dela brilharam, sua boquinha abrindo e fechando.

— Tá, vamos — concordei.

— Pode me ajudar a guardar o carrinho primeiro? — Apontou


para o objeto.

Fiz que sim e tentei achar algum espaço em meio ao caos de


sacolas no banco de trás. Soltando um som de alívio, o que fez ele

gargalhar, fechei a porta com um tranco e ele acionou o alarme. Para


acabar logo com aquilo, entrei na loja mais próxima, mas quando,
com o canto do olho, vi a etiqueta com o preço, quis sair, mas o

corpo musculoso e alto do cowboy me impediu. Senti que estremecia


com o contato, mesmo que Belinha fosse uma barreira entre nós.

Minha pulsação acelerou e, envergonhada pelas sensações


descabidas, dei um passo para frente.

— Em que posso ajudar? — Uma funcionária da loja me deu


um sorriso simpático.
Não sei se ela era capaz de perceber meu desconcerto, mas eu
quis que o chão me engolisse por reagir a João daquela maneira.

— Estamos dando só uma olhada — falei com ela, minha voz


saindo rouca.

— Viemos comprar um novo guarda-roupa para a moça — João

Miguel retrucou em meio aos gritinhos de Belinha, que tentava pegar


um manequim, e eu suspirei, resignada, enquanto tentava me

recompor.

A mulher me olhou e, por alguns segundos, pareceu

desconcertada, pois reconheceu o milionário do agronegócio.

— Claro, senhor Fontes. — Os olhos dela cintilaram, mas logo

sua atenção voltou-se para mim. — Acabamos de receber algumas

peças da nova coleção que tenho certeza que você irá adorar.

Olhei para as roupas em uma das araras e não posso dizer que

eu não fiquei encantada, principalmente quando meus olhos


pousaram em uma blusa ciganinha branca, que fiquei louca para

experimentar.

— O senhor pode esperar na salinha que fica próxima aos


provadores — a mulher continuou. — Temos água e café, fique à

vontade para se servir.


— Certo.— Sorriu. — Nós dois esperaremos lá pelo desfile, não

é mesmo, Estrelinha?

A menininha bateu as mãozinhas, como se fosse uma

palminha, e João Miguel gargalhou antes de piscar para mim e me


deixar sozinha com a vendedora.

Mesmo que fosse apenas uma brincadeira, outra vez eu senti a

minha pele queimar de vergonha.

— Você é uma moça de sorte — a vendedora emitiu um suspiro

baixinho. — Além de charmoso e rico, ele sabe como cuidar de uma


mulher.

Olhei-a, atônita. Ela estava achando que eu e João Miguel

éramos namorados?

Deus! Senti que ficava ainda mais vermelha e meu coração


bateu mais forte.

Abri e fechei a boca várias vezes, mas não consegui pronunciar

nenhum som para negar. Eu tinha sorte, verdade, mas não pela
razão pela qual ela achava que eu tinha.

Balancei a cabeça, buscando afastar da minha mente a


lembrança do calor que me percorreu quando ele me abraçou de
volta com força, ontem, bem como a sensação de ter nossos corpos

colados enquanto suas mãos me acariciavam com ternura.

Eu o desejei, com intensidade. Ansiei por um beijo que nunca


viria, e isso tinha sido muito ridículo da minha parte. Tão errado. Tão

infantil.

João Miguel nunca se interessaria por uma pirralha. Ele era

maduro demais para sentir atração por uma jovem que mal tinha

acabado o ensino médio.

Dei um sorriso sem graça para a mulher, que continuava a

apontar a minha sorte, tagarelando que adoraria que alguém

oferecesse a ela um novo guarda-roupas ,e outras coisas que não


prestei atenção.

— Não temos tempo a perder. — Tomou a iniciativa, quando viu


que eu não falaria nada. — Você quer ver a coleção que te falei ou

alguma peça em específico?

— Acho que quero começar pelas calças leggings, shorts e

regatas — murmurei —, coisas para o dia a dia.

— Perfeito! Você pode dar uma olhada nas roupas que estão
nos cabides enquanto pego alguns modelos que temos no estoque.

Temos quase todos os tamanhos.


— Okay.

Fui em direção a uma arara e comecei a olhar algumas das

peças ali expostas. Não podia negar que quanto mais eu olhava os

vestidos, mais vontade de experimentá-los eu sentia. Era tudo tão


lindo, tão colorido, modelos tão diferentes, que, sem perceber,

incentivada pela vendedora, eu acabei com uma pilha enorme

separada em cima do balcão.

— Está pronta para ir para o provador ou quer pegar mais

alguma coisa? — perguntou, animada, e eu encarei as roupas

sentindo um nó no estômago.

Era muito mais do que precisava e foi impossível não pensar no

quanto aquilo custaria.

— Acho que já separamos peças demais — murmurei, sem

graça. — Podemos fazer uma pré-seleção delas…

— Por que não experimenta primeiro? — sugeriu. — Só assim

você saberá se ficará bom, se gosta do caimento, ou quer em outras

cores…

— Hm…

Passei um dedo por um vestido de estampa floral e alcancei a


etiqueta, arregalando os olhos ao ver o preço. Era praticamente um
terço do que eu tinha ganhado no meu emprego.

— Tenho certeza de que tudo ficará lindo em você. — Veio com

aquele papo de vendedora para tentar me adular. — E o senhor


Fontes sem dúvida nenhuma irá concordar comigo.

Piscou para mim e pegou uma leva de roupas para colocar no


provador. Senti que fiquei vermelha igual um tomate. Ela

praticamente me empurrou para me levar em direção a salinha de

espera. Meus olhos recaíram automaticamente em João Miguel, que

tinha o rosto escondido atrás do chapéu, fazendo com que Belinha


risse quando ele baixou o acessório, mostrando o seu sorriso.

Um suspiro escapou pelos meus lábios e isso fez com que o


cowboy erguesse o rosto para me encarar.

— Vejo que está indo tudo nos conforme, moça. — Apontou

para a pilha que a vendedora segurava.

— É… — Senti vergonha da quantidade de coisas. — Vou

experimentar algumas coisas e ver o que vou levar.

— Não esqueça de mostrar para nós — falou suavemente e vi

que, ao contrário do que eu achava, ele não estava brincando sobre


“mostrar” as roupas com um mini desfile. — Estou curioso para saber

o que vocês escolheram.


— Tá. — Fiquei mais nervosa, meu estômago revirando.

— Não vai se decepcionar, senhor — a vendedora falou.

Ainda me encarando, João Miguel sorriu para mim de uma

forma que fez com que minhas pernas ficassem um pouco bambas,
então rapidamente adentrei no provador, puxando a cortina,

querendo esconder-me dele e das sensações que ele despertava em

mim com um único sorriso. Colei-me na parede da cabine, tentando


me firmar. Sentia meu coração batendo como uma zabumba no meu

peito.

— As roupas, senhorita. — A vendedora abriu um pouco a


cortina, para me entregar as peças.

Novamente quis sumir depois do papel de idiota que tinha feito


na frente dele. Deus! Eu agi pior do que aquelas meninas de filmes

adolescentes. Ele tinha mil motivos para achar que eu era estranha.

— Obrigada — disse em um fio de voz, pegando as peças da

mão dela e colocando-as sobre um banquinho.

— Qualquer coisa, se precisar de um tamanho menor ou maior,

me fala.

— Okay.
Fechou a cortina, me deixando sozinha.

Puxando o ar com força para os pulmões, várias vezes,

rapidamente removi minhas roupas, colocando o vestido branco com


florezinhas bordô e mangas bufantes.

Olhei-me no espelho e fiquei vários minutos me encarando.


Estava apaixonada pela peça, mas sentia repulsa pelas manchas

que via cobrindo o meu corpo. Achava que por causa dela as

pessoas tinham olhado com estranheza para mim. Não sei como a

vendedora não tinha também feito isso, ou até mesmo comentado.

Suspirei, tentando focar no vestido e em como ele ficava em

mim.

— Já colocou algo, moça? — Escutei a voz de João Miguel

soar do outro lado, parecendo um pouco ansioso, e isso fez com que
eu ficasse ainda mais nervosa.

Queria e muito que ele gostasse daquilo que escolhi, mas


principalmente que ele me achasse bonita. Desejável.

— Estou saindo.

Como não adiantava mais enrolar, e não querendo que ele


perdesse a paciência, com um respirar fundo, constrangida, abri a
cortina e dei um passo à frente, colocando meus braços na frente do
corpo.

Meu olhar automaticamente buscou por João Miguel, que


acariciava as costas da bebê. Eu perdi o fôlego, me sentindo trêmula,

ao ter os olhos verdes dele percorrendo o meu corpo, analisando


cada centímetro, provocando pequenos incêndios em mim por onde

eles passavam.

— Sabia que ficaria lindo em você — a vendedora falou


animadamente.

— Realmente — João concordou em um tom rouco, depois de

voltar a me examinar, se movendo de maneira perceptível no sofá.

Deus! A reação dele, assim como a minha, era muito mais


intensa do que poderia imaginar. Os olhos dele brilhavam de

apreciação enquanto o canto esquerdo dos seus lábios se erguia em


um sorriso, um sorriso bem diferente daqueles gentis que ele havia
me lançado. Isto bastou para me fazer sentir uma das mulheres mais

lindas do mundo, o que sabia que estava longe de ser verdade. Até
mesmo esqueci das manchas e machucados pelo meu corpo. Minha
autoestima, que sempre esteve em segundo plano, pareceu explodir,

como uma bolha de euforia.


— Seu busto ficou lindo, mesmo sem sutiã — a mulher
continuou.

Fiquei mais corada com o comentário indiscreto, mas logo a

vergonha ficou em segundo plano quando as minhas pernas


tornaram a fraquejar quando eu senti o olhar do cowboy se fixar
naquela parte do meu corpo, como se tentasse comprovar o que a

vendedora tinha dito, antes de voltar a passear pela minha cintura e


pelas minhas coxas. Subiu o olhar outra vez. Enquanto era analisada
por ele, pensei que a qualquer momento eu iria cair no chão pela

minha bambeza. Eu lutava para não ofegar muito alto, revelando o


quanto o olhar dele sobre mim mexia comigo.

Era a isso que as pessoas chamavam de excitação?

Olhei para baixo, tímida.

— Ficou bastante bonito e afinou a sua cintura — falou depois


de um tempo que pareceu horas, mas provavelmente durou menos

de um minuto. Ele voltou a se ajeitar no sofá.

— Sim, é lindo, mas pouco prático — forcei a minha voz a sair,

e ela saiu mais esganiçada do que o normal.

— Parece bem confortável para mim, moça — senti pelo seu


tom que estava um pouco contrariado e eu o encarei.
— Você pode usar um shortinho por baixo para ficar mais à
vontade — a vendedora sugeriu.

— Vou pensar. — Soprei uma mecha do meu cabelo que tinha


caído sobre os olhos e tentei aparentar uma normalidade que não
sentia. — Vamos para a próxima.

Sem esperar por uma resposta, adentrei o provador novamente,


mas não sem antes escutar um “vamos levar” e um “claro, senhor”
trocado entre eles. Com um suspiro, experimentei algumas coisas

para o dia a dia, como shorts, blusinhas e as leggings, começando a


sentir o suor brotar minha pele de tanto tirar e colocar as peças.
Ainda que eu adorasse ter o olhar de apreciação de João sobre mim,

não me recordava que comprar roupas fosse tão cansativo, e ainda


havia um monte de coisas para ver como ficava. Pelo jeito, eu não
era a única a ficar exausta, Belinha estava cada vez mais agitada.

— Essa será a última que vou experimentar — falei ao sair de


dentro da cabine com um conjunto de cropped de alcinha e short que
mostrava pele demais.

A vendedora emitiu um som de surpresa e, mais uma vez, senti


o olhar dele sobre mim, que, como se fosse possível, parecia ter
ficado ainda mais intenso ao me ver com essa roupa do que com as
outras. Mesmo que tentasse disfarçar, o cowboy parecia me devorar,

ao mesmo tempo que dava a impressão de querer remover as


minhas roupas, para expor ainda mais meu corpo para ele.

Igualmente avassaladora foi a minha reação ao desejo que

havia nele. Minha boca ficou seca e senti um comichão no meio das
minhas pernas, que me deixou mais constrangida pela impropriedade
do meu comportamento.

— Gostou desse conjunto? — questionou, olhando-me nos


olhos, parecendo mais controlado, fazendo carinho na bebê, que
dava soquinhos nele. Não duvidava que ela em breve choraria, com

fome ou pela fralda.

— É confortável. Poderia usar milhares deles. — Sorri.

— Temos em outras cores e estampas — a mulher logo


ofereceu.

— Acho que vou levar mais alguns.

— Ótimo! — Ela bateu palminhas. — Tem certeza de que não

quer experimentar o resto?

Fiz que não.

— Podemos levar tudo e você experimenta em casa, Natalia. —


Arqueei a sobrancelha para ele.
— Nossa política de troca é de sete dias — informou a
vendedora.

— Certo. Obrigada, João. — Dei-me por vencida.

— Nada, moça. — Fez um gesto com o chapéu.

Entrei no cubículo outra vez e suspirei, aliviada, quando


finalmente coloquei as roupas com que tinha chegado. Fiquei alguns
instantes olhando-me no espelho, tentando me recompor. Mais

controlada, saí do provador, justo no momento que Belinha começou


a chorar.

— Me dê ela aqui — pedi, esticando os braços.

— Acho que é a fralda — disse o cowboy.

— Tem um trocador se vocês quiserem usar.

Assenti.

— Xiu, querida. — Deixei um beijo nos seus cabelinhos,


segurando-a com um braço.

— Tome. — João Miguel me estendeu a chave da picape. —


Enquanto eu pago pelas coisas, você pega a bolsa dela.

— Tá bom.
Segurando a menininha chorosa, fiz malabarismo para abrir a
porta do veículo e, rapidamente, peguei o que precisava e voltei,

descobrindo que ele estava certo e a garotinha realmente precisava


ser trocada, tinha feito muito xixi. Assim que terminei, o sorrisinho
dela por estar com uma fralda limpinha, como sempre, me deixou

abobada.

Quando nós duas voltamos para próximo do cowboy, tive mais


do que certeza que deixá-lo sozinho em uma loja era um grande

perigo, pois ao invés de um, acabei ganhando dois guarda-roupas


novos.
Capítulo nove

— Respire fundo — João Miguel falou em um tom baixo para

não acordar Belinha, que dormia no bebê-conforto depois de ter

mamado.

Fiz o que ele pediu, não uma, mas várias vezes, ainda assim,

não consegui me acalmar.

As compras continuaram, e ele passou comigo em uma

perfumaria para que eu pudesse comprar não só cremes para mim e

para a bebê, mas também uma linha completa de produtos de cabelo


e de maquiagem. Tinha sido um refresco em meio ao caos, tanto que

fui capaz de esquecer do medo sufocante, porém, quando fomos


para o escritório da advogada e esperávamos a doutora Maraso nos

receber, a realidade atingiu-me com força.

Não sabia se não seria melhor me entregar logo para a polícia

de uma vez, mesmo que isso significasse não ver a minha menininha

tão cedo, se é que eu poderia voltar a vê-la depois de tudo. Meu


peito doeu com a possibilidade, e muito. Eu não estava pronta para

isso. Tive vontade de erguer-me da minha cadeira e sair correndo

com a garotinha nos meus braços.

Sabia que não poderia viver fugindo, não sem dinheiro e sem

nada a oferecer a ela. Belinha precisava de um lar, de estrutura, e,


em alguns anos, precisaria frequentar a escolinha para se

desenvolver ainda mais, e eu não poderia garantir isso a ela.

— Estou com você, moça — João murmurou em um tom doce

ao segurar a minha mão, que estava escorregadia pelo suor frio. Ele

entrelaçou nossos dedos, apertando-os suavemente.

Sentindo meus olhos marejarem pela doçura do seu ato,

encarei o cowboy, que, por sua vez, me fitava de volta, sua

expressão cheia de compaixão. Ali, ele não era o homem que tinha
me feito sentir mulher durante as compras, mas, sim, o amigo, o
porto-seguro que eu tanto necessitava nesse momento. E eu temi

não apenas pelo meu futuro, mas também as consequências para

ele.

— Obrigada — murmurei.

Ele maneou a cabeça. Provavelmente, já estava cansado dos


meus agradecimentos, que se repetiam.

Ficamos em silêncio, nos encarando, nossas mãos unidas, ele

me oferecendo conforto através do seu calor, até que o som da porta

se abrindo fez com que quebrássemos o contato.

— Desculpe-me o atraso. A reunião por videochamada com


meu outro cliente demorou mais do que o previsto. — disse a mulher.

Ela era preta, com cabelos nos ombros. Veio em nossa direção

e apertou a mão de João, depois a minha, e deu-me um sorriso que

transmitia confiança, algo que estava longe de sentir, já que meu

corpo todo estava trêmulo.

— Sem problema, doutora Maraso, essas coisas acontecem. —

João Miguel se ergueu. — Vamos, moça?

Fiz que sim com a cabeça e inspirei fundo. O vi se inclinar para

pegar a cadeirinha onde a bebê dormia inocentemente, alheia a tudo.


Independentemente do que acontecesse, eu tinha que ser forte. Por

ela. Mas parecia tão difícil quando estava prestes a sucumbir ao


desespero...

— Em que posso ajudá-la, senhorita…? — perguntou


diretamente para mim quando nos sentamos de frente para ela. João

Miguel pousou o bebê-conforto do seu lado.

Desviei meu olhar da estante cheia de livros e encarei a mulher,


que parecia séria, mas percebi que uma expressão de

compadecimento tomava seu semblante.

Engoli em seco.

— Pode me chamar de Natalia, senhora Maraso — sussurrei.

Instintivamente, busquei pela mão do cowboy, que, como se


soubesse que eu precisava do seu apoio e do calor da sua pele,

encontrou-me no meio do caminho.

Deus, eu era tão grata àquele homem...Mais do que ele poderia


imaginar.

Nossos dedos voltaram a ficar entrelaçados e senti através do


toque que ele parecia igualmente tenso.

— Me chame de Rubia, por favor.

— Certo, Rubia.
Tentei sorrir para ela, mas com certeza meu sorriso deve ter

parecido mais uma careta.

Apesar do cowboy já ter explicado minimamente o caso, criei


coragem, sabendo que eu não tinha outra alternativa a não ser expor

todos os acontecimentos, então me obriguei a começar do início,


contando desde a minha adoção pela minha tia, até a minha fuga.
Minha voz saiu falha em vários momentos enquanto eu lutava contra

o nó na minha garganta e contra as lágrimas reprimidas. Rubia fazia


algumas perguntas pontuais enquanto sua expressão se tornava

cada vez mais séria.

João Miguel, que se mantinha em silêncio, apertava meus


dedos com cada vez mais força, e, com o canto do olho, vi que ele
parecia trincar os dentes. Ele parecia furioso, mas com quem, eu não

sabia dizer.

— E então, doutora? — Ele perguntou em um tom baixo, mas


era nítida sua fúria. Me trouxe para próximo do seu corpo quando

finalmente terminei e cedi às lágrimas.

Aninhei-me nele, sem pensar se era certo ou errado. Eu

precisava ser abraçada mais do que nunca.


— Então, senhor Fontes — iniciou, seu tom sério fazendo com
que vários arrepios percorressem a minha coluna e meu corpo
ficasse gelado, o calor de João Miguel não conseguindo me alcançar.

Eu parecia apenas respirar, uma morta-viva —, perante a legislação


brasileira, mesmo Natalia tendo algum parentesco com a criança, ela

não poderia retirar a criança da casa sem o consentimento dos pais.

— Nem mesmo quando a bebê era vítima de negligência e

abuso?

— Bom, isso torna o caso ainda mais difícil... — Fez uma


pausa. — Pela lei, o correto a se fazer seria entrar com um pedido na

justiça para solicitar a guarda da criança, apresentando as provas de


maus-tratos, e aguardar a decisão do juiz, sem nenhuma
interferência direta da solicitante.

— Eu serei presa? — perguntei em um tom estrangulado.

As lágrimas eram mais abundantes, tanto que minha visão

estava desfocada.

— Se a sua tia prestar queixa de sequestro na polícia,

provavelmente será.

Um som gutural, desesperado, escapou da minha garganta, e

eu senti que o cowboy tinha ficado mais rígido, seu braço me


envolvendo com mais força.

— Sua defesa poderá alegar que você estava apenas buscando

preservar o bem-estar e a integridade da criança. Provando-se o fato,


nesse caso, o juiz poderá ou reduzir a pena, que é de até oito anos,

ou até mesmo inocentá-la, por entender que que agiu em defesa da


incapaz.

— E se ela não fizer a denúncia? — João questionou usando

um tom mais ríspido.

— Como o ocorrido envolve familiares, muitos optam por não

acionar a polícia. Caso a senhora Verônica decida por não prestar

queixa, do ponto de vista oficial, não haverá crime.

— Compreendo — disse João.

— Temos que levar em consideração também a acusação do

uso do mesmo ambiente que a criança estava para praticar atos de

conjunção carnal ou ato libidinosos — ela continuou. — Como você


afirma que eles estavam cientes da presença da menor e tinham

intenção de consumar o ato, acredito que existem chances de

reverter a situação ao seu favor, senhorita Natalia.

— Entendi.
Senti um fiozinho de esperança crescer em meu interior,

mesmo que não devesse. Olhei para João Miguel e, ainda que
continuasse tenso, seu maxilar não parecia tão rígido. Nossos

olhares se encontraram por alguns segundos, antes de eu voltar a

minha atenção para a advogada.

— Não será um caso fácil, porque existem várias minúcias, e

será necessário levantar provas contra a sua tia sobre as práticas

que configuram abuso, assim como as de negligência. — Pareceu


pensar e acrescentou: — E tem a questão dos maus-tratos com

relação a você, que será…

Antes que Rubia pudesse completar, a bebê acordou e

começou a chorar baixinho, mas logo se tornou mais forte.

Desvencilhei-me do braço de João Miguel, mas mais do que rápido,

seu protetor pegou Belinha no colo, trazendo-a de encontro ao seu


peito.

— O tio está aqui, Estrelinha — murmurou, deixando beijinhos


no topo da cabeça dela, acariciando as suas costas.

Demorou uns minutinhos para que a bebê se acalmasse no

colo dele, emitindo várias silabazinhas quando ele entregou a ela a


Senhora Rosinha. Aproveitando a deixa, a advogada continuou a
explicar para mim algumas coisas, mas usando termos mais

jurídicos, o que eu não conseguia compreender de fato.

— Você poderá pegar o caso, doutora? — João perguntou,


balançando a bebê, que segurava a gola da sua blusa xadrez. — Os

casos, na verdade.

— Tenho que ser honesta com vocês dois. Faz um bom tempo

que não pego nenhuma causa no âmbito do direito familiar, não é

minha especialidade, então eu precisaria de alguns dias para estudar


o caso e consultar colegas, verificando se há alguma brecha na lei

que possamos utilizar a nosso favor.

— Tudo bem para você, moça? — O cowboy voltou a perguntar.

— Sim — assenti.

— Obrigada pela confiança, Natalia. — Ela sorriu.— Darei o

meu melhor para que possamos vencer esses casos.

— Tenho certeza que sim, Rubia. — Retribuí o sorriso dela.

— Sobre os honorários… — começou a falar e tive que me

conter para não arregalar os olhos quando ela disse o valor do


adiantamento. Nunca, nem mesmo em meus sonhos, eu teria tanto

dinheiro para pagá-la.


— Até sexta-feira, entro em contato com você, Natalia, para te

dar um retorno sobre os procedimentos que iremos adotar — a


advogada continuou. — Tem um número de telefone que eu possa

falar com você?

— Não sei.

Pensei em dar o meu celular para ela, mas confesso que não

tinha coragem de ligar o meu aparelho. Tinha medo de descobrir que


havia inúmeras chamadas da minha tia. Só de pensar em ouvir a voz

dela, eu estremeci de medo.

— Você pode ligar lá para casa — João Miguel sugeriu.

— Tudo bem — a mulher falou e sua expressão ficou séria,

antes de puxar um cartão e o estender para mim. — Se você precisar


falar comigo antes disso, Natalia, aqui estão meus números.

Engolindo em seco, sentindo uma sensação ruim percorrendo a


minha espinha, peguei o papelzinho da mão dela e guardei na minha

bolsa. Torci fortemente para que não fosse necessário ligar para ela.

— Ficou alguma dúvida?

A bebê deu um gritinho, como se estivesse respondendo a

advogada, e acabamos rindo.


— Sua dúvida é legítima, fofura — a mulher brincou com

Belinha quando ela virou o rostinho na sua direção. — Farei de tudo

para proteger os seus interesses.

Nos despedimos com um aperto de mão. Peguei o bebê-

conforto e deixamos o escritório.

Por mais que não devesse e que soubesse que estava sendo

tola, tive fé de que, em alguns meses, eu teria liberdade para viver

em paz com a minha menininha.


Capítulo dez

— Acho que nós dois precisamos de um pouco mais de

emoção — falei para Pesadelo, sentindo que o cavalo começava a

oferecer resistência aos passos mais lentos.

Ele soltou um relincho em resposta e como se entendesse

minhas palavras, encurvou-se levemente para dentro, preparando-se


para a transição.

Ajustando a pressão que eu exercia nas rédeas, adiantei a

minha perna de dentro e atrasei um pouco a de fora, utilizando-as


para exercer uma leve pressão em seu lombo. Passei do trote para o

galope, fazendo com que o mangalarga voasse pela estrada


secundária que quase nunca era utilizada.

A adrenalina que banhava as minhas veias por cavalgá-lo


parecia em sintonia com a velocidade do animal que, a mais de vinte

e quatro horas sem ser exercitado, adotava um ritmo cada vez mais

acelerado, deixando uma nuvem de poeira para trás.

Não tinha medo nenhum que ele empinasse ou acabasse me

levando ao chão, não mais. Estávamos juntos há anos, e quando o

montava, o animal parecia uma extensão do meu corpo. Parecia que


éramos um só. A confiança que existia entre nós foi forjada em um

trabalho exaustivo para domá-lo, e sempre seria assim.

Enquanto seus cascos batiam contra o chão de terra batida,

tentei deixar os meus pensamentos em branco, apenas apreciando o

vento que açoitava a minha pele, o sol que nascia no horizonte e a

sensação de estar fazendo aquilo que eu mais gostava e que me

fazia relaxar, mas falhei miseravelmente quando Natalia preencheu a


minha mente.

Diacho! Não pensava no sorriso dela, muito menos no alívio

que ela pareceu sentir depois que deixamos o escritório de


advocacia da senhora Maraso, há dois dias, nem mesmo no modo
doce como ela tratava e olhava para a bebê, algo que fazia não

apenas o meu coração disparar e minhas pernas bambearem, mas,

sim, nas malditas curvas do seu corpo, que ficaram ainda mais

ressaltadas com as roupas novas e justas.

Infernos! Nunca pensei que uma calça não-sei-o-quê ficaria tão

bem em uma mulher! O tecido ficava grudado como se fosse uma


segunda pele e deixava muito pouco para a imaginação. Sua bunda,

como se fosse possível, parecia mais empinada e eu quis ter muito

aquelas suas nádegas batendo contra a minha pelve enquanto eu a

penetrava. Só de pensar, começava a excitação fluir pelas minhas

veias.

Fechei os olhos por cinco segundos e a imagem dela com o

primeiro vestido que ela experimentou me assombrou. Os seios da

garota tinham ficado perfeitos, como duas frutas suculentas, e o que

eu mais quis naquele momento foi baixar o decote e prová-los. Porra,

só a presença da vendedora e da Belinha que me controlou.

Em outras circunstâncias, eu poderia ter ficado bem ereto só


com a visão, e isso era imperdoável. Ela era uma garota inocente,

podia ver no modo com que tinha me fitado e na vergonha

estampada em sua face ao perceber meus olhos sobre ela. Justo eu,
um velho que teve sua quota de aventuras quando mais novo, tendo

esse tipo de comportamento. E pior: ela era a sobrinha do Zé, quase


que uma irmã para mim.

— Sou um maldito — bufei ao abrir os olhos, puxando as


rédeas com mais força do que deveria, e Pesadelo ameaçou

empinar.

Controlei o cavalo a tempo, afundando-me na sela, jogando o


meu corpo um pouco para trás. Eu bem que merecia cair do cavalo

pela minha estupidez.

— Desculpe-me, amigão — falei para o animal, relaxando os

meus dedos, deixando-o voltar a correr.

Suspirei, fechando os olhos por uma fração de segundos. Por


que diabos eu tinha achado que fazer um minidesfile seria uma boa

ideia? Tudo bem que tinha sido uma tentativa de alegrá-la, até
mesmo elevar sua autoestima, mas eu não contava que eu não
conseguiria me controlar e agiria como um desgraçado.

Porra, Zé me castraria se estivesse por aqui. E com razão. Sou


um porco!

Batendo meus calcanhares na lombar do cavalo e agarrando-

me ainda mais a ele, aumentei a velocidade do galope e, quando


estava chegando bem próximo ao fim da estrada, habilmente, virei-o,

percorrendo o caminho de volta, sentindo um pouco da poeira


entrando nas minhas vias respiratórias.

O sol já estava alto no céu quando, percebendo os sinais de

exaustão em Pesadelo, guiei-o em um passo mais calmo até o


estábulo. Diferentemente do meu melhor amigo, eu ainda estava
agitado.

Assim que desmontei e desencilhei o animal, ele foi direto para

o cocho d'água, enfiando o focinho no recipiente. Seu pelo castanho


e sedoso brilhava ainda mais com o suor.

— Tome. — Me aproximei dele, oferecendo uma pera.

Ele dilatou as narinas para mim antes de aceitar o alimento. Dei


mais algumas frutas e fiz um gesto para chamar o rapaz que estava

numa baia próxima.

— Sim, senhor?

— Dê um banho nele daqui a pouco, Carlos — dei uns tapinhas


na coxa do animal e ele balançou a cauda —, ele precisa de um

refresco.

— Certo. — Ergueu a aba do chapéu em cumprimento.


Comecei a caminhar para fora do estábulo, indo em direção a
um piquete com parte coberta, local onde ficavam os animais
prenhes, a fim de ver como a minha Açúcar estava. Faltava menos

de três meses para ela parir e todo o cuidado era pouco.

Encontrei o animal castanho pastando, arrancando a grama


verde. Como se soubesse que estava sendo observada, se voltou na
minha direção e me encarou com seus enormes olhos negros, antes

de voltar a comer e me ignorar.

Maneei a cabeça, gargalhando com a esnobada, antes de dar


meia-volta e ir em para a casa-sede. O cheiro forte de café invadiu as

minhas narinas assim que pisei no hall de entrada e


involuntariamente meus lábios se ergueram para cima.

Diabos! Eu não deveria ficar tão contente por ela ter preparado,
de novo, café para mim, mesmo assim, eu ficava radiante como o

otário que eu era. Era algo banal, mas me sentia paparicado pela
garota. Cuidado, talvez fosse a palavra certa.

Fazia anos que ninguém se preocupava comigo ou procurava


me agradar, não sem querer algo em troca, dinheiro ou um favor.

Estalei a língua, repreendendo-me por aqueles pensamentos, e


tirei o chapéu, colocando-o no gancho. Passando no lavabo para
lavar as mãos, fui até meu quarto para trocar a camisa e, sentindo-
me subitamente ansioso por vê-las, corri em direção a cozinha.

Meu coração deu um coice com a cena doméstica que vi ali. A


menininha em sua cadeirinha, soltando inúmeros gritinhos enquanto

segurava um pedaço amassado de banana na sua mãozinha, pois já


fazia algumas refeições, além de tomar a fórmula, e Natalia, que,

embora estivesse atenta à bebê, mexia no fogão.

O cheiro de ovo frito invadiu o meu nariz e minha boca salivou


de vontade de comer pão com ovo e tomar um bom café. Não tinha

nada melhor. Bem, talvez pão de queijo feito com queijo canastra...

Como se soubesse que eu estava olhando para ela, a garota


ergueu um pouco o rosto e me fitou.

— Bom dia, João.

Abriu um sorriso que me deu outro coice, bem diferente do

primeiro. Aquele sorriso não apenas aquecia a minha alma, mas,


fodidamente, esquentava outra parte do meu corpo. Porra!

— Bom dia, moça — falei, minha voz soando áspera.

Voltei a minha atenção para a bebê, que mastigava a fruta e me

encarava com seus olhos castanhos arregalados. Sem pensar muito,

caminhei até ela.


Além de ser uma boa distração ao desejo que começava a

sentir novamente, eu não conseguia resistir àquela menininha linda,


ainda mais quando ela começou a balançar as perninhas na

cadeirinha e esticou os bracinhos na minha direção.

— Oi, Estrelinha. — Deixei um beijinho nos dedinhos livres. —

Vocês dormiram bem?

— Maravilhosamente bem — Natalia respondeu pelas duas,


suspirando. — Acho que fazia muito tempo que não conseguia

dormir tão bem, e por várias noites seguidas.

Meus dentes trincaram. A raiva que sentia de Verônica, por ter

trazido tanta dor e preocupação a alguém que ela deveria zelar e

proteger, era volátil, surgindo tão rápido quanto a tempestade que

Natalia conseguia produzir em meu interior somente com a sua


presença, quando via seu sorriso e também com o seu tagarelar.

— Parece que Belinha se adaptou bem ao colchão e ao som da


fazenda.

— Hm, fico feliz por isso.

Não era uma mentira. Queria que a garotinha fosse feliz ali.

Que mesmo que ela estivesse ali temporariamente, que minha


fazenda fosse um lar para ela.
Sorri para a menininha quando ela soltou a banana e tocou o

meu rosto com a sua mão melecada.

— Deus! — Natalia deu um gritinho e eu escutei o som de


passos. — Não pode fazer isso, Belinha!

— Claro que ela pode. — Dei uma risada.

— Ela está te sujando todo — retrucou quando a menina

passou a mão suja na minha camisa.

— Depois eu me limpo, moça — fiz uma pausa dramática —, e

criança sem sujeira não é criança. Está aprendendo a comer, né,

Estrelinha?

Dei um beijo estalado na garotinha e ela gargalhou.

Natalia bufou e eu ri, gargalhando ainda mais quando Isabel fez

uma caretinha para ela antes de voltar a dar atenção para o seu

pratinho de frutas.

— Obrigada, Estrelinha, mas titio não gosta mais de papinha —

brinquei com a neném quando ela me estendeu um pedaço de fruta

amassada.

Belinha fez biquinho e levou a banana à boca. Observei a sua

boquinha mastigando e tive que me conter para não apertar a


bochecha dela.
— Fiz café — Natalia falou bem próximo ao meu ouvido e eu

engoli em seco ao sentir os pelos dos meus braços se arrepiando


com aquele sussurro. — Do jeito que você gosta — continuou.

Outra vez, me senti um imundo por me deleitar com aquela


sensação de que ela cuidava de mim como se fosse minha mulher.

— Obrigado — o agradecimento me soou rude, e eu tentei

consertar. — Só vou tirar essa bagunça de mim.

Apontei para o meu rosto sujo de banana, fazendo uma careta,

e ela riu.

— Como quer o seu ovo? — questionou, falando um pouco

mais alto, já que estava saindo da cozinha.

— Pode deixar que eu frito.

— Eu faço. — A sobrancelha dela se ergueu.

— Tá. Gema mole.

Passei a mão na calça e mandei um beijinho para a pequena

que não me encarava, mas, sim, seu pratinho.

Em menos de dez minutos, retornei e percebi que a garotinha


parecia não querer mais comer, fazendo uma careta, parecendo

irritada.
— Vem cá com o tio — falei, pegando-a no colo antes que

começasse a chorar.

As mãos melecadas tornaram a me sujar, sorte que, dessa vez,


não tinha trocado minha camisa, só limpado.

Sentei-me com ela no colo e, balbuciando algo


incompreensível, a garotinha tentou pegar o pote de biscoito de cima

da mesa.

— Não pode, Estrelinha — dei um tapinha de leve na mão dela


e olhei fixo para ela, que tinha o rostinho virado para mim.

Emitindo sonzinhos, desviou a atenção de mim, tentando pegar


o objeto outra vez. Tirei de perto dela. Imaginei que ela fosse chorar,

mas, para o meu alívio, ela logo ficou interessada em outra coisa.

— Obrigado — agradeci quando Natalia colocou uma caneca

na minha frente e o pão com ovo.

Como ontem, a garota não tentou tirar a menininha do meu


colo. Ter Belinha assim comigo, por mais que fosse difícil fazer uma

refeição com ela agitada, querendo pegar tudo, tentando roubar

minha comida, era incrivelmente bom. Eu acho que nunca me


cansaria desta conexão que tinha com ela e que se tornava mais

forte a cada minuto que se passava.


— Falando em bagunça — Natalia começou a dizer, quebrando

o silêncio confortável daquele momento que, para mim, tornava-se


cada vez mais precioso —, estou pensando em levar Belinha para

dar uma volta pela fazenda, para tomar um sol. Ainda não tive

oportunidade de explorar muito as redondezas.

Tomei um gole de café, que estava bastante forte, do jeito que

eu gostava, fazendo malabarismo para me servir de um pouco mais

do líquido.

— Posso apresentar a fazenda para vocês — levei o pão à

boca, tirando um bom pedaço —, e os bichinhos também.

— Não tem que trabalhar?

Foi inevitável não fazer uma careta, sentindo-me desgostoso


com a possibilidade de ela não querer a minha companhia.

— Tenho, mas não tem nada urgente, pode esperar — fiz uma
pausa, pensando se estava sendo pedante demais —, mas se eu

estiver incomoda…

— Não é isso. Só temo estar atrapalhando a sua rotina —

interrompeu-me, parecendo horrorizada com a ideia.

— Bobagem — disse em meio a um bufar.


— Hm. — Pareceu pensar, antes de abrir aquele sorriso que me
desestruturou. De novo. — Belinha vai adorar sua companhia.

Engoli o: “só a Belinha”, e falei apenas:

— Verdade, Estrelinha? — Olhei para a bebê, que parecia mais

interessada em puxar as coisas e que, obviamente, não iria me


responder.

A garota riu e eu dei de ombros.

Peguei uma mexerica da fruteira e comecei a descascá-la.

Ofereci a bebê metade de um gomo depois de remover todas as

sementes. A menina o agarrou com a sua mãozinha gordinha, mas


preferiu brincar com a fruta do que mordê-la.

— Temos que colocar o vestidinho de babado nela — falei,


sonhador, depois de mastigar um pedaço da fruta.

Natalia só faltou cuspir o leite que tomava. Os olhos castanhos,

meio-puxados, se arregalaram de maneira cômica.

— Que foi? — Fingi inocência.

— De novo essa ideia doida? — Segurando Belinha com uma

mão, ergui a outra em um gesto de desculpas, mas a ouvi dizer: —


Tá, você venceu, mas não vou lavá-lo se ela se sujar.

— Fechado.
A risada escapou antes que eu pudesse contê-la, fazendo com
que a menina no meu colo se assustasse. O choro dela ecoou no ar,
ferindo os meus ouvidos.

— Ooh, Estrelinha!

— Dê-me ela aqui — pediu —, vou aproveitar para limpá-la e


trocar sua roupinha.

A garota piscou para mim e, a contragosto, a deixei pegar

Belinha no meu colo e levá-la.

Restou-me terminar de tomar o meu café da manhã em


silêncio, sozinho. A alegria que tinha sentido a minutos atrás foi

embora com elas, mesmo que apenas poucos metros nos


separassem.

Bebi o café, agora intragável, e tentei engolir com ele a solidão.

Parecia uma previsão de um futuro amargo, pois elas iriam partir um


dia.
Capítulo onze

— Ela ficou mais linda do que imaginei…

Suspirei, apatetado, ao olhar para a garotinha no vestido floral

cheio de laços e frufrus, que estava no colo de Natália e agitava os


bracinhos. O enfeite rosa de florzinha na cabeça só deixava seu

rostinho redondo ainda mais fofo.

— Ficou, não ficou? — Natalia tinha um sorriso lindo nos lábios

enquanto encarava a menininha.

— Uma bonequinha.
Não resistindo, estiquei a minha mão e acariciei a face da

Belinha, que se virou para mim, me encarando com uns zoião,


balbuciando algo. Meu coração errou uma batida.

— Sim — falou baixinho —, minha bonequinha…

— Nossa — a palavra escapou da minha boca sem que

refletisse muito.

Continuei a acariciar o rostinho da bebê. O fato de eu estar

apaixonado pela criança não significava que ela era minha, isso

estava longe de ser verdade, mas era o que sentia.

Meus olhos e os de Natalia se encontraram, e eu pude ver

neles um brilho que roubou momentaneamente o meu fôlego.

Ficamos conectados por vários segundos, como se conversássemos


apenas com o olhar, dizendo coisas que não ousávamos e nem

podíamos dizer em voz alta por serem proibidas, revelando ânsias e

quereres, até que ela virou a cabeça, procurando refúgio na

garotinha.

Engoli em seco.

— Acho que Belinha deveria usar só roupinhas com babados —

minha voz soou áspera, arranhando a minha garganta —, e aquela

coisa bufante que não recordo o nome…


— Tule? — A sobrancelha de Natalia se arqueou.

— É, isso.

— Você é louco, sabia? — disse em tom brincalhão,

balançando a cabeça em negativa.

O sorriso de Natalia pareceu ficar ainda maior, e eu me peguei


retribuindo.

— Sou louco por ela — retruquei, piscando para a garota.

Natalia riu, mas riu tanto que a menininha ficou agitada em seus

braços, seu rostinho se franzindo.

— Vamos? — falei.

Ela fez que sim com a cabeça e começou a caminhar ao meu


lado. Antes de deixar a casa, coloquei o meu chapéu. Talvez fosse

um exagero da minha parte, mas sem estar usando um deles, para

mim era quase que sair desnudo por aí. A peça era parte de quem eu

era.

— Por onde você quer começar? — perguntei.

— Acho que pelos cavalos — acomodou a bebê melhor no colo.

— Tio Zé vivia dizendo que você possui os melhores animais da

região.
— Ele às vezes exagerava demais — comentei.

Uma pontada de saudade dele voltou a apertar meu peito, e eu

encarei Natalia com o canto do olho enquanto as conduzia em

direção ao estábulo. A sobrancelha levemente arqueada indicava


que ela não acreditava no que eu tinha dito.

— Tá — admiti, entre dentes. — Realmente tenho animais que

dariam inveja em alguns criadores. Satisfeita, moça?

Belinha emitiu um balbuciar, parecendo que estava me


respondendo, e isso fez com que nós dois gargalhássemos.

Quando entramos na cavalariça, Natalia mostrou sua


admiração com o lugar.

— Uau! — Os olhos de Natalia se arregalaram. — Não imaginei


que fosse tão grande.

— Foi reformado no ano passado.

Coloquei uma mão no cinto, sentindo um orgulho enorme


borbulhando no meu peito por ver o entusiasmo no rosto dela. Eu

achava que não era um homem vaidoso, mas estava descobrindo


que estava errado.

— Atualmente, são vinte e seis animais. Temos mangalargas

marchadores e paulistas, quarto de milha, appaloosa e alguns outros


— continuei, animadamente, tentando não pensar nesse meu lado

presunçoso.

— Hum.

Olhava tudo ao redor, dando pequenos passos, e Belinha emitia


gritinhos no colo dela, parecendo mais agitada.

Como se soubesse que tinha visitas, Floco de Neve, uma égua


manga-larga, apareceu, passando o pescoço pela portinha e

abaixando a cabeça. Relinchou, querendo chamar atenção.

Pensei que a garotinha poderia se assustar com o barulho


súbito, porém ela apenas voltou seu rosto em direção ao som,
olhando curiosa para o animal.

— Podemos nos aproximar? — Natalia questionou quando


Belinha esticou os bracinhos em direção a égua branca como a neve.

Fiz que sim com a cabeça.

— Ela é uma das mais mansas e doces — aproximei-me do

animal, acariciando os pelos macios da sua crina e a animal emitiu


um som baixo. — Floco de Neve já é idosinha.

— Entendi.

Isso pareceu dar confiança para que a mulher se aproximasse


com a garotinha.
Belinha soltou mais sons fazendo com que a égua girasse sua
cabeça em direção a menininha, e Natalia recuou. Floco de Neve
observou-as da mesma forma curiosa com que a neném olhava para

ela. Surpreendentemente, a égua baixou ainda mais a cabeça, suas


orelhas se inclinando para trás.

— Não precisa ter medo, moça — falei para Natalia. — Tá


vendo as orelhas dela?

— Sim.

— Ela está relaxada na presença de vocês duas. — Sorri

— Hm.

— Mas se ainda tem receio, me dê ela.

— Tudo bem.

Sorrindo, estendeu-me a menininha. Já estava com certa

prática, então a peguei no colo, segurando-a em um braço.

Sem hesitar, sabendo que o animal não faria mal nenhum,


aproximei-me de Floco de Neve, que esperava calmamente,
acompanhando meus movimentos.

— Floco de Neve, essa é a Estrelinha. Estrelinha, essa é a

Floco de Neve. — Abestado, fiz a apresentação formal das duas e


escutei uma risadinha de Natalia.
A garotinha esticou ainda mais os bracinhos, emitindo sons
animados, e aproximei ainda mais as duas.

As mãozinhas ávidas, sem cerimônia, tocaram o focinho do


animal. Apesar de não ter muita noção do que fazia, Estrelinha

acariciou a égua da sua maneira, mas sem machucá-la. Ela ora


olhava para o animal, ora para mim, emitindo gritinhos, agitando as

perninhas. A garotinha não parecia ter medo, pelo contrário, era


movida pela curiosidade de explorar o novo.

Outra vez, o orgulho inflou o meu peito e a euforia deslizou

sobre mim feito uma cascata. Saber que a minha Estrelinha gostava

de animais e não os temia era muito importante para mim.

Não me passou despercebido, em meio aos sons dos outros

animais e dos trabalhadores, um suspiro baixo de Natália, parecendo

tão emocionada quanto eu me sentia. Desviei minha atenção


rapidamente para ela e vi que tinha um sorriso tolo no rosto.

Meu coração retumbou e eu coloquei no fundo da minha mente

o pensamento de como seria ter aquela garota sorrindo


apaixonadamente para mim, como se eu fosse o homem que ela

amava.
Focando na menininha no meu colo, a conduzi até que

alcançasse a crina de Floco de Neve, e com os dedinhos que


adorava pegar coisas, segurou os pelos brancos.

— Ela é tão calma — Natalia comentou, vindo ficar ao meu


lado, me deixando ciente do calor do seu corpo.

Tive que lutar contra o desejo de me aproximar ainda mais, bem

como com as sensações que me deixavam trêmulo.

Como Belinha, ela estendeu a mão para tocar a égua,

acariciando as narinas. Uma risada baixinha e deliciosa ecoou no


recinto.

— Não faz assim, você pode machucá-la, Belinha — continuou,

removendo a mãozinha de Isabel quando a criança tentou puxar os


pelos da égua com mais força.

A bebê fez uma careta e olhou para quem proibia a sua

diversão.

— Só com carinho…

Delicadamente, antes que a menininha começasse a chorar,

Natalia pegou seu pulso e deslizou a palminha dela sobre o pelo da


égua novamente, que logo soltou outro som suave.
— Isso, querida. Desse jeito. — Deu outro suspiro, que pareceu

atingir a minha alma, e outras partes do meu corpo também. — Floco

de Neve é tão paciente com crianças…

— Sim, mas nem sempre foi assim.

— Não? — Estava curiosa.

— Ela era bem braba, tanto quanto o meu Pesadelo… talvez

até mais.

As orelhas da égua se moveram.

— Seu tio foi o primeiro que ofereceu carinho para ela…

Dei tapinhas no pescoço da égua e meus lábios se

transformaram em uma careta enquanto um bolo enorme parecia


tapar a minha garganta com as lembranças da impiedade de

Leôncio.

— Se não fosse pela paciência dele, Floco de Neve teria tido

um destino cruel — disse em um tom baixo, que tinha um quê de

fúria. — Zé passou várias horas do seu tempo livre treinando-a, até

que ela não apenas perdesse o medo que tinha da aproximação de


pessoas, mas, também, que fosse capaz de receber amor.

Natalia não disse nada. Eu continuei com as lembranças.


— E ela não foi a única a ser salva pelo seu tio. Leôncio era...

— Não consegui terminar.

— Lamento — falou baixinho e tocou o meu ombro em um

gesto amigável. — Meu tio disse que seu avô não era um homem de
bom de coração.

— Não… — Olhei para ela e, mais uma vez, ficamos nos

encarando. Dessa vez, compartilhamos a dor da negligência e da


solidão.

Por mais que isso fosse um fato, só nesse instante que me dei
realmente conta dessa realidade. Éramos duas pessoas que, de

alguma forma, acabaram sofrendo, em maior ou menor intensidade,

nas mãos de quem deveria zelar por nós. Senti um certo amargor na

boca ao pensar que, diferente dela, eu tive o Zé para me moldar e


me confortar. Natalia esteve sozinha desde que perdeu a mãe e o tio.

Eu sentia uma espécie de companheirismo que extrapolava a


mera amizade, indo muito mais além. Era como se estivéssemos

ligados de corpo e alma, como se a mulher fosse a minha metade,

tanto na dor, na tristeza, quanto na felicidade.

Desviei meu olhar, pensando que estava indo longe demais, e

fitei a garotinha; a mão dela que ainda permanecia sobre meus


ombros era um bálsamo nos meus ferimentos emocionais.

— Pode parecer cruel o que vou dizer, moça — comecei a falar,

descarregando meu amargor, não só pelo meu avô, mas também por
mim, nas palavras —, mas o mundo está melhor sem ele. Leôncio

plantava maldade onde pisava.

— Não consigo julgá-lo por pensar assim, João — murmurou

suavemente e meu olhar novamente foi atraído para o seu rosto,

precisava ver se ela não tinha falado apenas por falar.

Encontrar compreensão no seu semblante, de alguma forma, foi

um alívio.

— Ele podia ser o meu avô, mas não tenho orgulho de ter o

mesmo sangue que o dele — emiti um bufar raivoso —, muito menos

do que ele fez às pessoas e aos bichos, principalmente o que fez

para a minha avó. Porra, ele era um marido abusivo. Não


fisicamente, mas psicologicamente. Ele tentava miná-la, anular tudo

de bom que ela fazia…

O semblante dela ficou triste.

A menininha soltou uma risadinha e minha atenção voltou-se


para ela. Floco de Neve deixava “beijinhos” na mãozinha enquanto

ela tentava segurar a língua do animal, sem sucesso.


Sorri, mesmo que eu estivesse falando de um assunto doloroso.

Belinha era uma gracinha. Melhor, as duas formavam um par bem


fofo.

— Fico feliz que ele nunca conseguiu — continuei, minha

garganta arranhando com as palavras.

— Eu também…

— O que não entendo é porque ela ficou com Leôncio aquele

tempo todo. Ela merecia ser amada por um homem que a

respeitasse...

Eu sabia que era um assunto espinhoso e que nunca sararia.

Apesar das pessoas dizerem, inclusive a minha avó, que o perdão

liberta mais quem perdoa do que aquele que é perdoado, eu não era
capaz de relevar os erros de do meu avô. Eu era humano. Um bem

imperfeito, cheio de falhas…

— O amor faz com que sejamos capazes de aceitar muitas

coisas — murmurou.

Balancei a cabeça em negativa, amargo.

— Não deveria ser assim — sussurrei— O amor deveria

acalentar, fazer o outro sorrir, não machucar.


— Acho que às vezes isso é inevitável, João. — Usou o mesmo
tom baixo que eu. Novamente nossos olhares se encontraram.

— Eu sei, moça, mas intencionalmente… Porra, nunca serei


esse tipo de homem… Eu…

Com um raio de consciência, voltei a balançar a cabeça,


sabendo que não deveria estar falando sobre relacionamentos com

ela, muito menos dissertar sobre os meus anseios. Muito menos

querê-la.

Eu poderia não ser um cafajeste mulherengo, mas

contemplando-a, era impossível não perceber a inocência nela, sua

inexperiência.

Inferno! A pureza dela me atraía feito uma abelha que buscava

o néctar de uma flor.

Eu era árido, e ela, era uma florzinha delicada cujos lábios


deveriam ser tão macios e suaves quanto as pétalas de uma rosa.

Uma ânsia primitiva de sentir sua boca contra a minha banhou

as minhas veias, e eu precisei usar todas as minhas forças para não


a beijar, para não roubar nem mesmo um selinho inocente, para
comprovar a minha teoria se eles eram tão deliciosos quanto

pareciam.
Diabos! Aquela era a sobrinha do Zé, a menininha dele. Ela era
a última mulher pela qual eu deveria me sentir atraído, mas por mais
que eu tentasse colocar isso na minha cabeça dura, a atração

parecia mais forte do que o meu bom-senso…

Pigarreei, tentando mascarar a minha ânsia, e voltei a falar, em


busca de controlar meu querer.

— As maldades dele ficaram no passado, e ele nunca mais

poderá fazer mais mal nenhum.

Encerrei o assunto, como se isso também colocasse um fim no


desejo que sentia por aquela mulher.

— E o bonitão da baia ao lado? — Ela adotou um tom


brincalhão, depois de uns instantes em silêncio, talvez tentando
aliviar o clima, apontando para o animal ao lado que emitia sons

baixos em meio a relinchos, querendo sua parcela de atenção.

— Acredita que Zé já caiu dele? — Apeguei-me aquela

desculpa fraca como se fosse um bote salva-vidas e dei um passo


para o lado, deixando que a bebê tocasse Tornado.

— Acho que me lembro dele ter comentado. — Embora


estivesse com uma expressão pensativa, seu tom era divertido, e fez
uma cara engraçada ao comentar: — Foi quando olhava para
Marlene, não foi?

— Sim. — Balancei a cabeça, não conseguindo conter a risada

com a lembrança. — Ele foi tentar fazer uma gracinha para


conquistá-la e acabou levando uma queda feia, depois que Tornado
empinou.

Dei uns tapinhas no pescoço do animal e Natalia riu.

— Ele teve muita sorte de não ter quebrado a perna, nem


nada... — comentei.

— É.

— E o idiota ainda teve coragem de se gabar depois, quando foi


paparicado por ela. — Voltei a chacoalhar a cabeça. — Até hoje

posso ouvir Zé falando: você viu que ela me beijou?

— Tio Zé era terrível — disse em meio a risada.

— Terrivelmente apaixonado por ela... — Sorri. — E ela por ele.

— O que não entendo é por que eles não se casaram... —

Pareceu pensativa.

— Eles eram enrolados demais e... — Parei de falar, quando


quase deixei escapar que eles estavam bem do jeito que viviam, com
o caso de anos que mantinham. Fora que, se estivesse aqui, Zé me
mataria se me pegasse falando de sexo com sua sobrinha.

A verdade era que eu temia entrar em um assunto que eu sabia


que era perigoso, na verdade, perigoso para mim. Eu não queria
retomar aquele tema que poderia cair diretamente nos meus próprios

anseios e desejos.

— E? — Ela insistiu.

— Eles foram felizes mesmo sem uma aliança, moça... O amor


que eles tinham um pelo outro, o carinho, isso era o que mais

importava, mais do que um papel oficial.

— Verdade... — suspirou, parecendo melancólica.

Merda! Não era fácil pensar no que poderia ter sido se Zé


estivesse vivo...

— Agora deixe-me apresentar o Canela... — mudei de assunto,

tentando tirar aquela tristeza dela, e pareceu funcionar.

Para o deleite da garotinha no meu colo, passamos por cada


um dos cavalos, que se mostravam pacientes com o carinho

desajeitado da bebê e também com os pequenos puxões dos


dedinhos ávidos. Até mesmo Pesadelo, que tinha um temperamento
mais arisco, aceitou os afagos dela, submisso.
Fizemos um tour pelo chiqueiro e curral, e eu apresentei a

Estrelinha para cada um dos animais, deixando que ela tocasse os


bichinhos e também se sujasse, principalmente com os porcos, que
adoraram cheirá-la, roçando seus focinhos sujos nos pezinhos e

perninhas, que balançavam freneticamente. O vestido floral tinha se


tornado marrom, fazendo com que Natalia ralhasse comigo. Tinha
dado de ombros, sendo até um pouco esnobe ao falar que eu

poderia comprar vários outros iguais a esse. Nada me importava


além de ver a minha Estrelinha rindo e brincando à sua maneira.

— Essas são a Lola, a Lilica e a Zazá — falei. Ainda segurando

a menininha no colo, agachei-me a uma distância segura dos


pintinhos, que ciscavam no terreno, sob o olhar atento da sua
mamãe.

A garotinha se empolgou, agitando braços e pernas, tornando


difícil segurá-la. Belinha conseguia ser bem escorregadia quando
queria.

— Do Cocoricó? — Natalia ficou sobre os calcanhares ao meu


lado e eu virei meu rosto para ela.

A sobrancelha dela formava um arco de incredulidade.


— Sim. — Abri um sorriso. — Você chegou a assistir esse
desenho?

Fez que sim.

— Passava na tv aberta — fez uma careta —, mas está longe

de ser o meu favorito. Sendo honesta, achava bem chato.

— Ara, moça — fechei a minha cara, brincando com ela —, era


tão legal, principalmente as travessuras do Feito e do “bobalhão”.

Fora o rock rural.

— Deus! — Começou a rir e Belinha deu um gritinho,


empolgada.

Isso chamou a atenção dos animais, que olharam na nossa


direção, principalmente a galinha Maria. Como eu sabia que ela era

protetora demais com os filhotes, ergui-me e a Estrelinha começou a


chorar por não ter conseguido alcançar os bichinhos. Acariciei os
cabelinhos dela.

— João, o que houve? — Natalia perguntou, se levantando

também.

O assunto do desenho foi esquecido em meio ao berreiro da


bebê.

— Não quero correr o risco de Maria machucá-la.


— Acho que é melhor evitarmos o galinheiro então —
murmurou.

— Sim. — Assenti e deixamos o local.

— Não precisa disso, Estrelinha. — Tentei acalmá-la com uma


frase que vem se tornando cada vez mais recorrente.

Belinha esticou os braços em direção a garota e, sentindo-me

um pouco contrariado, passei a garotinha para o colo dela.

— Está tudo bem, meu amor — sussurrou. — Ela deve estar


cansada do passeio, ainda mais que daqui a pouco é hora do
almoço.

Olhei para o céu e percebi que o sol estava bastante forte, ao


ponto de queimar. Tinha perdido completamente a noção do tempo.

Diacho! Os minutos tinham passado tão rápido. Rápido demais.

— Então fim do passeio? — Fiz muxoxo, não escondendo a


minha decepção.

— Acho que sim — começou a andar em direção da casa. — E

você também precisa trabalhar…

Meu rosto se transformou em uma careta.

— Que foi? Estou mentindo?


— Tá me despachando, moça? — Meus lábios se curvaram
para cima e automaticamente ergui a aba do meu chapéu.

— Não, mas…

Antes que pudesse concluir, um funcionário apareceu, me


chamando:

— Senhor Fontes?

Inferno…

— Sim? — Virei-me para ele, provavelmente com cenho

franzido.

— Temos um problema com o sistema de irrigação. A água não


está chegando nos hectares de número 1.051 ao 1.750.

— Tá. Já vou lá. — Soei desgostoso.

— Te vejo mais tarde — Natalia cantarolou em meio do


chorinho um pouco mais baixo da bebê.

Estalei a língua com a sua provocação e segui meu funcionário,

pisando duro. Como diz o ditado: tudo que é bom dura pouco, mas o
pouco tempo que dura é suficiente para deixar saudades.

Sim, em menos de um minuto, eu já estava louco de saudades

das minhas meninas.


Capítulo doze

— Isso é conversa de pescador, João — falou em meio a uma

risada. Largando a louça na pia, virou-se para me fitar com a


sobrancelha franzida.

Natalia era pura incredulidade.

— Ara, moça!

Estalei a língua, me divertindo. Peguei a minha caneca de café


e tomei um gole.

— Sua cara me diz tudo! — Bateu os pés, impaciente.


Tentando não rir, pousei o recipiente em cima da mesa e ergui

minhas duas mãos para cima, me defendendo.

— Juro que o dourado tinha quase dois metros!

Balançou a cabeça em negativa.

— Impossível.

— Eu sou um ótimo pescador, moça — dei uma risada —, tanto

que peguei uma tilápia de vinte e dois quilos.

— Vou fingir que eu acredito nisso. — Revirou os olhos. — Meu

tio dizia a mesma coisa.

— Como já disse, ele tendia a exagerar. Quando íamos pescar,

ele só pegava piaba — disse, minha voz saindo rouca, e movimentei-


me na cadeira, tentando controlar o desejo.

Natalia cruzou os braços na frente do corpo, como se estivesse

brava, elevando ainda mais o seu busto.

— Tio Zé dizia a mesma coisa de você... — rebateu, e eu

acabei gargalhando. Era de se esperar que Ricardo fosse me


diminuir pra se gabar.

Ela se virou novamente em direção a pia para terminar de lavar

as louças, e qualquer replica que eu poderia dar morreu quando


automaticamente meu olhar recaiu na sua bunda coberta por uma
daquelas bermudas que a deixavam ainda mais gostosa.

Sim! Eu era um maldito porco que não conseguia tirar o olho de

cima dela, um merda que fitava todas as suas curvas com cobiça

quando ela não estava olhando. Eu era uma besta depravada que

não tinha quase mais nenhum controle sobre si mesmo.

Por desejá-la.

Por achá-la gostosa.

Desviei o olhar para o armário da pia.

Droga! Sabia que o melhor para mim era ir para o escritório e


me afundar na papelada e nos inúmeros e-mails que eu tinha que

responder, e me manter afastado dessa garota que, em menos de

dez dias, vinha fazendo um estrago em mim, por mais que eu lutasse

contra. Tentei ficar em silêncio, mas, sem perceber, eu acabava

falando pelos cotovelos sobre o meu dia, sobre a terra, sobre minhas

recordações dos momentos felizes que passei ao lado do tio dela.

Eu apreciava cada segundo das nossas conversas, mais do

que devia, tanto que, durante o trabalho, pegava-me ansiando não

somente por brincar com a Estrelinha, mas por aqueles momentos a

sós que eu e Natalia tínhamos todas as noites.


Diacho! E a garota parecia ouvir atentamente cada palavra que

saia da minha boca, e, diferentemente da primeira vez, ela fazia


comentários que, mesmo que não fossem cheios de propriedade, me

davam a sensação de companheirismo, o que em nada contribuía


para eu me afastar, o que era absurdo.

Tudo bem que não havia nada de errado em sermos amigos,

provavelmente era algo que Zé até apreciaria, mas da minha parte


não havia nada de “fraterno”. Eu só conseguia enxergá-la como

mulher, um grande erro da minha parte.

Ela era a sobrinha de Ricardo e era jovem, muito jovem, mas

igualmente linda e com uma sensualidade natural que mexia com o


meu brio e me deixava sempre em estado de excitação. E por mais

que eu ficasse em alerta quando estava próximo a garota, pegava-


me não querendo que aquele tempo juntos, que na minha cabeça

eram bastante íntimos, acabasse, porém eles terminavam cedo


demais.

Antes que eu raciocinasse, a pergunta saiu pelos meus lábios

quando vi que ela terminava de lavar o que estava na pia:

— Já tá indo dormir, moça? — Beberiquei o café.

— Ainda não, por quê?


— Estava pensando em ver um filme — movimentei-me na

cadeira, sem jeito, e olhei para o relógio na parede, vendo que ainda
eram nove da noite.

Meu olhar recaiu sobre as nádegas dela outra vez, mas,


segundos depois, voltei a olhar para a caneca.

Eu tinha que parar com aquela merda. Porra, eu não era um


babaca lascivo.

— Hum… — A onomatopeia dela não me dizia absolutamente


nada.

— O que você acha? — perguntei em um fio de voz, a


expectativa corroendo meu estômago.

Diferente das outras noites em que me obriguei a ir deitar só


para ficar rolando na cama sem conseguir dormir, ou a ir trabalhar,

queria prolongar a noite. Algo em mim que não conseguia, e nem


queria, definir, se rebelava contra a ideia de me afastar de Natalia
hoje, por mais sensato que fosse. Só sei que precisava continuar a

ouvir sua voz, ver os seus sorrisos, sentir o cheiro gostoso dela e
também o seu calor, mesmo que isso resultasse em uma verdadeira

tortura para o meu corpo e mente, mas acho que valeria a pena
aquele martírio.
Tomei mais um gole do café, que já estava frio e que parecia
bem mais amargo na minha boca do que realmente era, ao pensar
que ela poderia dizer não, colocando um fim no meu anseio.

— Você não vai dormir durante o filme? — provocou-me,


girando a parte superior do seu corpo em minha direção e me dando

um sorriso doce, que provocou fagulhas em mim, deixando-me


arrepiado.

Tive que me conter para não engolir em seco.

— Ara, moça! — minha voz pareceu arranhar na garganta. —

Eu durmo cedo, mas nem tanto.

— Sei. — Continuou a brincar comigo.

— E então? — perguntei, depois de um instante.

— Só se eu escolher — falou animadamente.

— Combinado!

No fundo, pouco importava que tipo de filme iriamos assistir,

desde que ela ficasse próxima a mim. Talvez um de terror fosse


interessante se ela fosse medrosa. Minha mente fodida gostava da

ideia dela me abraçar quando estivesse com medo. Porra, gostava


até demais...
— Mas você tem que saber que eu gosto de ficar falando
durante o filme. — Deu uma risadinha sem graça. — Sei que tem
gente que não gosta.

Voltou a mexer na pia, e eu olhei para a minha xícara para não


cair na tentação de olhar cobiçosamente para ela.

— Felizmente não tenho problema nenhum com isso, moça —

tentei adotar um tom divertido, mascarando a ânsia que não deveria


estar sentindo.

— Que bom! Eu beiro ao insuportável…

— Hm. — Dei um sorriso jocoso mesmo que ela não pudesse

ver. — A única coisa que peço é que não comente a beleza dos
moços.

Pensar em Natalia falando de outro homem, mesmo que fosse

da película e que ela nunca teria contato, me deu asco. Porra! Isso já

era doença.

— Mas essa é a melhor parte!

Fiz uma careta.

— Homem nenhum gosta de ouvir sobre a concorrência — falei

baixinho, mais para mim mesmo, odiando-me no segundo seguinte


por dizer merda.

— O que você disse? — Tornou a girar na minha direção.

— Você já terminou? — improvisei. Nunca iria repetir aquele

comentário ridículo.

— Sim, só falta a sua caneca.

— Isso eu lavo.

Ergui-me e, mesmo que ainda tivesse bastante líquido, joguei o

restante do café na pia, sem querer roçando meu braço no dela. Os

pelos da minha nuca se arrepiaram quando nossos olhares se

encontraram, meu coração batendo descompassado.

Diacho! Ela era tão linda e estava me custando muito não a

tocar.

Baixei o olhar, fitando os lábios que sorriam para mim e me

senti em um verdadeiro inferno. As chamas consumiam o meu corpo


lentamente, meus lábios formigavam pela vontade de beijar sua

boca, por querer sentir o seu sabor e doçura, testando se eles eram

tão macios quanto pareciam. E quando olhei nos olhos dela,


percebendo um brilho de desejo inocente, estive por um fio de não

dar vazão aos meus anseios.


— Você pode pegar meu computador no escritório? — Afastei a

vista, minha voz saindo áspera. — Está em cima da mesa.

— Okay — disse em um tom animado, dando um beijo


impulsivo na minha face.

O local onde ela tinha me beijado queimava, e várias ondas de

desejo percorreram o meu corpo, culminando no meu pênis. Tinha

sido apenas um beijinho inocente, mas a sensação era tão intensa

que cravei os meus dedos na pia e olhei para o aço inoxidável,


enquanto o meu peito subia e descia rapidamente com a respiração

acelerada.

Fiquei parado, como se estivesse em uma espécie de transe.


Consciente de que ela estranharia a minha demora, balancei a

cabeça em negativa, respirando fundo várias vezes, e, tentando

colocar algum juízo na minha cabeça, lavei a caneca. Aproveitei para


puxar a água na pia com o rodinho também. Quando alcancei a sala,

mais controlado, ela já estava me esperando, sentada no sofá, com o

notebook fechado.

— Por que não está escolhendo o filme, moça?

— Porque é errado mexer nas suas coisas — murmurou,

parecendo subitamente tímida.


— Bobagem, moça, comigo não tem disso. — Fingi que estava

bravo, aproximando-me dela.

Natalia balançou a cabeça em negativa.

— Não quero invadir sua privacidade.

— Só tem trabalho aí — falei, querendo tranquilizá-la, ao abrir a

tampa e ligar o computador que nem senha havia para bloquear —,


nem tenho redes sociais.

— Entendi. — Ainda estava sem graça.

— E como você vai escolher o filme se você não mexer? —

Pisquei para ela, que gargalhou.

— Tem razão. — Me deu outro sorriso de tirar o fôlego. —

Quais plataformas você assina?

Falei para ela e, agora sabendo que eu não iria brigar, começou

a fuçar na biblioteca de filmes.

— É tão difícil escolher só um — comentou.

— Depois podemos ver outro. — Dei de ombros, secretamente

querendo que a noite se estendesse ainda mais.

— Hum… Que tal esse? — Apontou para um romance.

— Parece bom.
— Você nem olhou a sinopse, João! — Parecia indignada.

— Confio no seu bom gosto — brinquei.

Bufou, mas logo sorriu para mim.

Pegando o computador, liguei-o na televisão e dei o play, não


sem antes admirar o rosto iluminado dela. Emoções que eu não

deveria estar sentindo pela garota percorreram o meu peito.

Porra, Natalia radiava por uma coisa tão boba que era difícil
não me sentir atraído pela luz que havia nela, pela sua inocência…

Irritado comigo mesmo, voltei para o sofá e sentei-me


esparramado nele, bem próximo a garota, ao ponto de nossos corpos

ficarem praticamente colados, tanto que jurava poder sentir o calor

dela irradiando para o meu, o que deixou meu corpo retesado, tenso.
Meus pelos todos ficaram eriçados.

— Posso? — perguntou baixinho.

Olhei para ela, consciente daquilo que ela queria de mim.

Eu deveria usar todas as minhas forças para negar, porém, com


Natalia me olhando daquela forma, eu não era capaz.

Mentiroso! Eu que não tinha coragem para me privar dela.


— Claro, moça… — Movi-me para mais próximo e passei meu

braço em torno dela, incentivando-a a se aproximar mais.

Não precisou de mais nada para que ela se aninhasse em mim,

sua mão pequena espalmando o meu peito. Abracei-a, ao mesmo

tempo que sufocava um gemido. Diferentemente das outras vezes


que Natalia esteve em meus braços, frágil, com medo, dessa vez ela

estava ali porque queria, porque se sentia confortável, e pensar nisso

fez com que me sentisse eufórico. Meu ego foi às alturas.

Sorri contra o topo da cabeça dela, satisfeito. Inspirei fundo,

lentamente, deixando que o cheiro do xampu dela invadisse as

minhas narinas, expirando, repetindo o processo várias vezes, como


se fosse um viciado, e de alguma forma eu estava, pois não

conseguia controlar o meu impulso de ter algumas migalhas daquela

mulher proibida para mim. Eu era um bosta. Era errado, mas, mesmo
assim, continuava me aproveitando do contato do corpo de Natalia

com o meu, da inocência dela, obtendo um prazer imensurável,

afinal, era aquilo o que eu mais queria naquela noite. Lidar com a
minha consciência ficaria para mais tarde, pois sabia que ela pesaria.

Estranharia se não me sentisse culpado depois.

— Tomara que Mary não fique com ele — comentou. — Ele é


tão idiota!
— Tenho certeza de que não irá — fiz um comentário genérico
e acariciei o braço dela, já que não estava prestando a mínima

atenção na história.

— Hm. Seria bom que ele também não tentasse atrapalhar o

casal.

Franzi o cenho, e olhei para ela.

— Isso é o ponto alto da história — falei, divertido, e Natalia me

fitou.

— Não mesmo! — resmungou. — O melhor é eles se

apaixonando.

— Romântica — provoquei-a.

— Sempre… — Sorriu, voltando a olhar para a tela.

Tentei ver o filme, já que ficou mais do que óbvio que ela iria
fazer comentários de cada uma das cenas, mas era difícil prestar

atenção quando tudo o que atraía minha atenção era a mulher nos
meus braços, as reações dela, até mesmo os suspiros pelo mocinho
bonitão. Eu estava fascinado pela animação dela, pelos seus

comentários, que certamente fariam qualquer outra pessoa ficar


irritada.
Quando o som de gemidos ecoou na sala, eu me assustei e
desviei meu foco da garota para a televisão. Pensei que era uma
daquelas cenas de minuto, só ilustrativa, mas era bastante explícito.

Senti meu sangue agitar nas veias, não pelo filme ou pela cena, mas
pelo desejo que senti por Natalia. Por mais que eu lutasse para
reprimi-lo, aquela ânsia era um vulcão adormecido que entrou em

erupção.

Fechei os olhos por alguns segundos e fui bombardeado por


fantasias do meu corpo nu cobrindo o da garota, comigo deslizando

para dentro dela enquanto nossas bocas se buscavam.

Para, caralho!

Movimentei-me no sofá, sentindo-me desconfortável e ofegante.


Odiei-me pela ereção que começava a despontar no meio das

minhas pernas com aquela imagem mental de nós dois, me


arrependendo da minha ideia estúpida de vermos um filme juntos.
Ainda assim, encarei o objeto da minha ânsia, que continuava em

meus braços e também me fitava, seus olhos brilhando com desejo.

Comecei a travar uma batalha interna para não tomar Natalia


para mim quando seus lábios se entreabriram e sua respiração

pareceu mais curta. Estava prestes a ceder, mas ela, com mais juízo
do que eu, ruborizando, parecendo igualmente desconfortável,
balançou a cabeça em um movimento sútil e voltou a encarar a tevê,
pondo um fim naquele escrutínio.

Me senti contrariado e, lamentavelmente, odiei a sensação de


que Natalia tinha fugido de mim, do desejo, que mesmo que eu
quisesse negar, queimava entre nós dois.

Encarei a tv, descobrindo que a cena erótica há muito tinha


terminado. Vários minutos tinham se passado, mas a ânsia estava
ali, latente, em cada pedaço do meu corpo.

— Que merda, esse filho da mãe apareceu… — cochichou,


ainda vermelha de vergonha, se acomodando contra mim.

Soltei uma gargalhada abafada, que soou estranha aos meus


próprios ouvidos, e me apeguei ao comentário dela para diminuir

minha rigidez, sem muito sucesso:

— Esse cara é muito pastel em acreditar nesse outro otário…

— Não fale assim do John!

— Mas é verdade. — Dei de ombros, sentindo meus músculos


tensos com o desejo reprimido.

— Ele é um amor.
Suspirou de um jeito apaixonado, e eu fiz uma careta, uma
pontinha de ciúmes ridículo brotando no meu peito.

— Um banana, isso sim.

— Pare com isso, João! — Movimentou-se, dando um tapinha


no meu braço.

— Tá, moça, não está mais aqui quem falou… — fingi que me

dei por vencido.

— Bom mesmo. — Deu outro suspiro.

— É um idiota! — provoquei-a e ela rosnou para mim.

Rindo, continuamos a assistir ao filme e eu torci para que não


tivesse mais nenhuma cena quente. Para a minha sanidade, não

tinha.

Covarde, não sentindo um pingo de orgulho de mim, quando


terminou, usei alguns bocejos como desculpa para me retirar e não
correr o risco de acabar vendo outro filme “picante” ao lado dela, o

que me deixaria ainda mais excitado.

Natalia ficou na sala para assistir outra coisa que queria.

Quando entrei no meu quarto e tranquei a porta, encostei meu

corpo na superfície de madeira e emiti um som cansado, consciente


de que a noite seria longa e insone.
Capítulo treze

— Você escolhe o filme hoje? — perguntei, levando mais um

pedaço de queijo minas e doce de leite aos lábios.

A combinação era tão gostosa que eu poderia comer não


apenas o restante do pote com o doce, como o queijo também.

Quando o sabor explodiu na minha boca, emiti um suspiro de deleite


e cerrei as pálpebras por alguns segundos, antes de voltar a encarar

o homem a minha frente, que tinha os olhos verdes grudados em

meus lábios.
Um arrepio percorreu toda a minha medula espinhal, e eu senti

um incômodo no meu baixo ventre, sensação que, depois de termos


ficado nos fitando fixamente em uma cena para lá de constrangedora

do filme que vimos, parecia se intensificar.

Eu tentava lidar com essas emoções e fingir que nada havia

acontecido entre nós, principalmente quando estava amando ter a

companhia dele por mais tempo nessas últimas noites, mas estava
falhando. Eu ficava com o coração acelerado, pegava-me suspirando

e demorava a dormir com o calor que sentia no meio das minhas

coxas e que não era aplacado.

João olhou para o próprio prato e pigarreou.

— Hoje não estou muito a fim, moça — falou em um tom rouco.


— Duvido muito que eu conseguiria prestar atenção.

— Tudo bem, João.

Dei um sorriso fraco, sentindo-me decepcionada por não poder

me aconchegar nos braços dele hoje. Não podia negar que esse

momento era tão esperado por mim quanto o ouvir fazer um


comentário ácido sobre um personagem que ele detestava.

Peguei mais uma colherada do doce, mas tinha perdido a

vontade de comer o restante. Provavelmente minha expressão


chateada tinha me delatado, já que ele disse baixinho, seu semblante
suavizando:

— Mas a noite não precisa terminar agora, moça.

Esticou a mão, tocando o dorso da minha, e o contato de pele

contra pele me arrancou um suspiro.

— Não? — questionei, esperançosa.

— Só se você estiver com sono — provocou-me, por eu ter

acabado dormindo no sofá com o filme de ação que ele tinha

escolhido.

Bufei, e ele riu da minha cara, passando automaticamente a

mão na barba.

— E o que você está pensando em fazer?

— Ouvir música — disse, divertido, e antes que eu desse uma

resposta, se ergueu da cadeira e foi em direção a um rádio antigo

que acreditava que nem funcionava mais.

— Deus! — Exclamei quando um modão começou a ecoar na


cozinha, alto o suficiente para escutarmos, mas num volume que não

acordasse a bebê.

— É das antigas, moça, e das boas...


Voltou a se sentar, dessa vez esparramado.

Coloquei mais um pedaço de queijo na boca, mastigando

devagar.

— Provavelmente mais velha do que eu... — fiz uma pausa


dramática... — e até mesmo do que você...

— Mas nunca sai de moda — retrucou.

— Se você diz... — brinquei com ele, dando de ombros, e o


cowboy fechou a cara para mim, fingindo-se de bravo.

— Ela foi regravada várias vezes, sabia? Até pelos famosinhos


de tão boa que é.

— Touché. — Pisquei para ele.

— É bem clichê eu gostar de sertanejo, não? — questionou,


depois de cantarolar uma outra música, em que a pessoa faz uma

analogia de si mesmo com um passarinho.

— Não acho — sorri, genuinamente. — E se for, que mal tem?

Deu uma risada.

— É... E você, moça, gosta de escutar o quê?

— Acho que o clichê para garotas da minha idade: Taylor Swift,


Selena Gomez...
Passou a mão na barba, parecendo pensativo.

— Nunca ouvi falar delas.

— Que ofensa! — Levei a mão ao peito, dramatizando.

— Ofensa é você não conhecer essa, Natalia — voltou a me


provocar quando a música De igual para igual, do Matogrosso e

Mathias, começou a tocar.

Essa era impossível de não se conhecer. Minha mãezinha era


apaixonada pelas músicas deles, especialmente por essa em

específico. Hoje, mais velha, suspeitava que era porque ela teve o
seu coração quebrado por alguém...

— Você feriu os sentimentos que a ti eu dediquei... —


cantarolei, desafinada, sentindo meus próprios ouvidos doerem ao
me ouvir, recordando-me do quanto minha mãe também amava gritar

esse trecho.

— Quantas vezes o seu pranto enxuguei — entoou, seus olhos


verdes brilhando de diversão.

Sorri para ele, abobada.

— Enquanto eu amava você me enganava, de igual para igual


quem sabe a gente pode ser feliz.
— A gente canta mal pra caramba, credo! — falei, dando uma
risada baixa assim que a canção terminou e uma outra que
desconhecia começou a tocar.

— Ara, moça — fez uma careta, parecendo desgostoso —,

estava até pensando em formar uma dupla.

— Deus!

Ri, mas ri tanto que tive que passar a mão sobre os olhos para

conter as lágrimas.

— Se eu dependesse desse meu talento, iria morrer de fome...


— tamborilei os dedos sobre a mesa, acompanhando o ritmo da

música —... e você também!

Coçou a barba.

— Talvez... — admitiu.

Deu-me aquele sorriso lindo, de canto, que não apenas fazia o


meu coração saltar no peito, mas também me deixava derretida.

Contive um suspiro apaixonado, que só estragaria tudo e, ao invés


de fazer isso, eu o provoquei, falando que usando o “talvez” ainda
estava sendo bastante generoso consigo mesmo.

Ele riu.
Não sei quantas músicas da rádio havíamos ouvido e
cantarolado juntos, ou até mesmo quanto tempo ficamos ainda ali
conversando, a única coisa que eu queria era que, como nos outros

dias, tão cedo a noite acabasse, mas seria injusto com o cowboy, já
que ele acordava antes das seis todos os dias para andar a cavalo

ou para domá-los.

Sim, eu havia várias vezes o flagrado ou saindo em um galope


ou fazendo com que o animal desse voltas no redondel, gastando a

energia deles para amansá-los. Era hipnótico ver a sintonia entre


homem e animal, ver os músculos de João Miguel destacados

enquanto estava trabalhando.

Dessa vez, não consegui conter um som baixo, de resignação,


e então fechei os olhos, deixando que a música melancólica, que tão

bem combinava com o meu estado de espírito agora, tomasse meus

sentidos. Para minha surpresa, ao abri-los quando uma melodia


romântica que eu não conhecia começou a soar, encontrei João

Miguel parado na minha frente, uma mão estendida para mim.

— O quê? — sussurrei, olhando para o rosto dele, encarando


seus olhos que não conseguiam disfarçar uma ânsia crua.

— Dança essa comigo, moça? — murmurou.


Uma espécie de antecipação que nunca havia sentido antes

percorreu todo o meu corpo. Não acreditava que o cowboy estava


me convidando para dançar.

— Aqui? Na cozinha? — Forcei a minha voz a sair.

— Antes que a minha música favorita acabe, moça...

Meu coração palpitou.

Pareceu ansioso, e isso fez com que eu pousasse a minha mão

sobre a dele, sentindo seus calos e a aspereza, e levantasse, mesmo


sabendo que eu tinha dois pés esquerdos.

Assim que fiquei de pé, o cowboy me tomou em seus braços


fortes, fazendo com que minha cabeça pousasse sobre o seu peito, e

com alguns passos para trás começou a se mover ao ritmo da

balada. Segurei seus ombros, acompanhando-o. Nenhum de nós


dois era um bom dançarino, mas isso não parecia importar.

Suspirei, pelo romantismo do momento. Ter o seu corpo colado

ao meu, rígido, fazia com que eu ficasse mole com o desejo, e vários
arrepios prazerosos me percorriam da cabeça aos pés, choques que

se tornaram ainda mais intensos quando sua mão começou a afagar

as minhas costas.
Sem resistir, ergui meu rosto para fitar o cowboy e o encontrei

me fitando.

Embora me movesse, a música não pareceu mais existir. A


única coisa que estava ciente era ele me puxando mais contra si.

Eu estava completamente presa a João Miguel. Meu corpo


pareceu entrar em combustão quando ele começou a baixar sua

cabeça, antecipando o momento em que sua boca tocaria a minha.

Cravei meus dedos nos seus ombros. Meus lábios formigavam


com o desejo de ser beijada por ele, e me peguei os entreabrindo

para o cowboy, mas, para a minha decepção, seus lábios pousaram

sobre a minha testa.

Seus olhos pareceram tristes e ele deu um sorriso sem graça.

— Obrigado, moça — sussurrou, soltando-me, e eu quis me

abraçar.

Apenas assenti, sem saber o que dizer.

— Amanhã será um dia longo — murmurou, passando a mão

pela sua barba.

— Tudo bem, João... — Forcei a minha voz a sair enquanto o

assistia ir em direção ao rádio para desligá-lo, acabando com tudo.


— Tenha uma boa noite, Natalia... — falou, parando próximo ao

arco que levava para o corredor.

— Boa noite.

Ele ficou ali, estacado no lugar, por alguns instantes, me fitando

fixamente, como se estivesse lutando contra si mesmo, até que,

balançando a cabeça em negativa, deixou-me sozinha.

Com um som dolorido, sentindo um nó na minha garganta,

obriguei-me a guardar o restante do doce e do queijo na geladeira e

a recolher os talheres que estavam sobre a mesa. Jogando-os na


pia, olhei para escuridão lá fora, já que poucas estrelas salpicavam o

céu. Foi impossível para mim não o comparar o breu da noite com o

vazio que ficou depois de ele ter ido dormir, por mais tolo que fosse.

O que não conseguia entender era por que doía tanto...


Capítulo quatorze

— Morder não, Belinha — corrigi a bebê quando ela levou a

orelha do Senhor Caramelo à boca enquanto sacudia outra pelúcia


com a outra mão, suas perninhas esticando e flexionando sobre a

toalha.

Ela parou com o brinquedo na boca e virou um pouco o

rostinho, me fitando com os olhos castanhos por alguns segundos,

antes de continuar a babá-lo. Com um suspiro resignado, peguei o


mordedor que João Miguel tinha comprado para ela pela internet e

substituí a orelha da pelúcia por ele, não sem antes receber uma

careta de quem não gostou de Belinha, mas logo a caretinha se


transformou em alegria quando coçou os seus dentinhos com a

girafinha, tanto que a Mimi, a ursinha, foi completamente esquecida


pela bebê, que a jogou para o lado. Não contive um sorriso ao vê-la

se divertir.

Estender uma toalha na varanda para que ela brincasse no

finalzinho da tarde tem se tornado algo bastante corriqueiro. Era bom

para a bebê tomar um pouco de sol e também brincar ao ar livre,


coisa que não teve oportunidade de fazer enquanto estávamos

morando com Verônica, já que a casa não possuía quintal.

Pensar na minha tia me deixou arrepiada de medo. Tinham se


passado quase três semanas desde que eu tinha fugido com Belinha,

e, até o momento, não tive nenhuma notícia dela. A advogada já


havia entrado com o processo não apenas para eu obter a guarda de

Isabel, como também para transferir para mim a pensão a qual eu

tinha direito até os vinte e um anos. Uma parte de mim se sentia

completamente aliviada por Verônica não ter aberto um boletim de

ocorrência, e se abriu, a polícia ainda não tinha me encontrado, mas

uma outra temia o silêncio dela e as maldades que ela poderia fazer.

Era como se minha vida estivesse suspensa ou eu estivesse

andando em uma corda bamba. Parecia que ora eu me

desequilibrava em direção ao horror de ver aquela tranquilidade


ruindo, ora eu pendia para o esquecimento de que eu era uma
fugitiva e que, a qualquer segundo, Belinha poderia ser tirada dos

meus braços.

Deus! Mas era tão boa essa falsa sensação de liberdade que

estar aqui me proporcionava, era tão bom sentir essa felicidade

momentânea, a segurança de ter alguém cuidando não apenas de

mim, mas também de Belinha.

Suspirei. Não queria nunca mais sair dos braços de João

Miguel e perder tudo aquilo que ele representava. Dei um sorriso e fiz

um muxoxo ao pensar que ele não poderia ser para sempre o meu

porto seguro. Quanto tudo aquilo acabasse, nossas vidas se

separariam e eu teria que tocar a minha vida, sem o apoio dele. Eu


não podia ser um entrave na vida dele, não mais do que estava

sendo. Não era tola.

Desde o nosso quase beijo, eu sentia que o cowboy ficava

tenso na minha presença, por mais que ele tentasse fingir

normalidade ou disfarçar. E saber que eu era a causadora do seu

mal-estar na sua própria casa me deixava triste. Sem dúvida, ele


deveria querer que aquilo tudo acabasse logo, mas o meu coração

doía, e muito mais pela garotinha que agora chacoalhava o


mordedor, fazendo um som que arrancava dela risadas de bebês,

que ficou bem enjoativo com o tempo.

Não seria apenas eu que ficaria triste sem João. A menina, a

cada dia que passava, ficava mais apegada ao cowboy, e não era
para menos. Ele brincava com ela, a beijava, a levava sempre para

brincar com os animais, conversava com ela e a incentivava a


começar a ficar em pé e a arrastar a bundinha no chão. O amor que

ele tinha por ela, não conseguia usar outra palavra para definir os
gestos de João pela bebezinha, era a minha perdição.

Eu sabia muito pouco sobre amor e outros sentimentos.


Recusava-me a tomar as relações sexuais da minha tia como modelo

de algo além de pura satisfação carnal, se é que ela chegou a ter


algum relacionamento sério, mas era inegável que eu estava

apaixonada platonicamente por João Miguel.

Depois de pensar muito, descobri que aquela dor aguda pela


rejeição só poderia significar que eu gostava dele, muito mais do que
só como amigo. Era um sentimento mais forte do que somente

admiração, tipo a que a gente costumava ter no ensino médio pela


beleza de um garoto que nem mesmo olhava para a nossa cara. Não

que ele não fosse bonito, pelo contrário, João era o homem mais
lindo que eu já tinha visto, e quando sorria, sentia algo se derreter
dentro de mim, mas a minha paixão era uma emoção forjada no

cotidiano, na proximidade, nos pequenos toques que vínhamos


compartilhando, na troca de olhares, nos sorrisos, nas conversas

banais sobre como foi o dia dele, nas lembranças do passado, no


modo doce em que ele acalentava a bebê quando ela chorava e,

principalmente, quando ele me abraçava todas as noites enquanto


continuávamos com a rotina de vermos filmes, mesmo que para ele
parecesse uma tortura.

— Na-na — Belinha emitiu umas silabazinhas. Ela ainda não

formava de fato uma palavrinha, mas serviu para me arrancar das


minhas reflexões. Sorri para ela.

Seus bracinhos estavam esticados em direção a pelúcia no


meu colo enquanto tentava se arrastar em direção a mim.

— Você quer o Senhor Caramelo? — Peguei o bichinho,

mostrando para ela.

Os olhos dela se arregalaram ainda mais, suas perninhas se


agitando freneticamente.

Brinquei com a minha menininha, levando o rostinho da pelúcia

para tocar a sua barriguinha, fazendo um barulho com a boca, e a


bebê pareceu amar. Nessa fase, ela explorava não apenas os
objetos, mas também era estimulada pelos sons, o que não faltava
na fazenda.

Enquanto fazia a garotinha rir e emitir várias silabazinhas, como


sempre, esqueci-me completamente dos problemas e até mesmo da

vida ao meu redor. A única coisa que estava ciente era que o calor
do sol se tornava cada vez mais fraco.

— Ti-ti-ti — Belinha começou a gritar ao virar o rostinho.

Acompanhei o olhar da garotinha e meu coração começou a


bater mais forte só de vê-lo. Era sempre assim, igual ao sorriso bobo

que sempre se formava em meus lábios.

Deveria ser um sintoma da minha paixonite que nunca seria


correspondida e que ele deveria estar doido para se livrar, ainda que
eu visse uma centelha de desejo brilhar nos olhos dele.

Ignorei a ferroada dolorosa. O que eu queria? Que um homem


maduro, sedutor e lindo como ele caísse aos meus pés? Que

cedesse? Que perdesse o controle?

Dizendo para mim mesma em pensamentos para parar de ser


infantil, o percorri com os olhos de cima a baixo, franzindo o cenho
ao vê-lo coberto de barro. Se bobear, até os fios curtos estavam

sujos.
— Boa tarde, moça — levou a mão ao chapéu imundo.

Belinha reagiu a voz dele, repetindo as sílabas, claramente

pedindo por colo.

— Estou sujo demais, Estrelinha — falou para a menininha,


mandando um beijinho para ela —, mas, mais tarde, o tio vem para

brincar e dar um cheiro em você.

Claro que a bebê não iria entender. Sua expressão facial


mostrou sua frustração.

— Demais da conta… — falei, tentando distrair a pequena

antes que ela começasse a chorar, apertando a buzina do mordedor.

A atenção dela foi rapidamente desviada e suas mãos lutaram

para pegar o brinquedo, que eu logo entreguei.

Dei uma risada da carranca que o cowboy fez por não ter mais

os olhos de Belinha sobre ele.

— O que você fez para estar desse jeito? — Apontei para as

suas calças.

— Precisava de um pouco de trabalho na terra para espairecer.

— Um canto da sua boca se ergueu. — Sabe como é, né?

A suspeita da razão pela qual ele recorreu ao trabalho braçal

me fez querer encolher, mas apenas mantive um sorriso bobo na


cara. Não era difícil, não quando ele tinha aquela expressão.

— Sou um homem da terra, moça, que precisa dela tanto

quanto o peixe precisa da água. — Seu tom foi travesso, e o sorriso

dele pareceu ficar maior ao voltar a mexer no chapéu. — Mas não se


preocupe com seu chão, moça, vou tomar banho de mangueira.

Apontou para a torneira que ficava do lado da casa.

Era grata pela consideração dele, ainda mais quando tinha

passado pano no chão mais cedo. Embora João ficasse desgostoso

por eu estar ajudando com as tarefas domésticas, falando que não


precisava, sentia que tinha que fazer algo para retribuir o que ele

estava fazendo por nós duas.

— Vai molhar tudo da mesma forma — pensei em voz alta.

Coloquei uma mecha atrás da orelha, me sentindo


envergonhada. A casa não era minha para eu mandar em algo. Ele

tinha o direito de fazer o que quisesse.

A risada grossa de João Miguel alcançou os meus ouvidos e eu


sorri ainda mais. Além de fazer o meu coração sempre bater mais

forte, o cowboy sempre me deixava apatetada.

Deus! Eu me comportava de modo tão infantil na frente dele!


— Fica tranquila, moça, tenho uma muda de roupa no vestiário

dos empregados — completou.

Piscou para mim, brincalhão, e eu senti um calor irracional se


acumular no meu corpo. Fiz de tudo para sufocar aquelas ondas de

desejo, impróprias para se ter próximo uma criança.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ainda gargalhando,

caminhou em direção à torneira, que ficava a alguns metros de

distância, com passos largos.

Balancei a cabeça em negativa e prestei atenção em Belinha,

que gritava estridentemente pelo afastamento de João Miguel sem

ganhar o seu colinho.

Pegando a Mimi, comecei a brincar com a menininha, que

emitiu vários sons gostosos. Enquanto ela estava distraída,


mordendo a girafinha, meu olhar recaiu sobre João Miguel que, de

costas para onde estávamos, segurava a mangueira acima da

cabeça, deixando que a água caísse por todo o seu corpo,

principalmente pelo torso nu.

Meu coração disparou no peito outra vez, o desejo sem freio

percorrendo cada grama do meu ser. Em consequência, minha


respiração se acelerou ao contemplar os músculos das costas e dos
bíceps que se contraiam a cada movimento. Eu sabia que ele era

forte, tinha sentido toda sua força quando estive nos braços dele e
também tinha visto seus antebraços várias vezes desnudos, mas

nunca imaginei que a musculatura das costas dele fossem tão bem-

feitas e que aquela parte do seu corpo, mesmo que a alguma


distância, fosse despertar tanto a minha atenção e minha ânsia.

Senti certa vergonha quando fitei a lombar dele, que tinha “duas

covinhas” que desciam até alcançar a sua bunda, emoldurada pelo


jeans.

Era a primeira vez que olhava para as nádegas dele. Não tinha
reparado que eram tão bonitas.

Com o rosto provavelmente todo vermelho, pegando fogo pela

impropriedade e sentindo um calor absurdo, desviei a atenção para a


menininha, que estava feliz brincando de sacudir e pegar a pelúcia,

mas não se passaram nem mesmo trinta segundos antes que meu

olhar fosse atraído novamente para ele.

O desejo me rasgou ainda mais de cima a baixo, acumulando-

se no meu ventre, quando imaginei as pontas dos meus dedos

acariciando a pele queimada pelo sol, minhas unhas raspando


suavemente nas suas costas. Como o corpo dele reagiria ao meu
toque? Como seria capturar as gotinhas que escorriam pela sua pele

com a minha língua?

— Tola — murmurei, assustada com o rumo dos meus


pensamentos que se tornaram cada vez mais eróticos, lascivos,

perturbadores. — Pare já com isso.

Mesmo tentando me podar, eu não conseguia olhar para outro

ponto, muito menos parar de imaginar nós dois...

— Pare...

Eu lutava para encher os meus pulmões com ar. O ribombar do

meu coração ecoava nos meus ouvidos.

Alheio ao meu escrutínio, de cabeça baixa, ele girou o corpo, se

esfregando, dando-me uma visão do seu peitoral definido, bem como


dos gominhos que compunham o seu abdômen.

Minha boca e garganta ficaram secas. O desejo tornou-se ainda

mais intenso, como se fosse possível.

Eu não deveria desejar João Miguel como homem, mas aquela

ânsia tornou-se ainda mais bruta em meu interior, sem controle.

Uma coisa era nutrir uma paixonite platônica por um homem

bonito, gentil e protetor, outra era ter sentimentos carnais por ele.
Querer beijá-lo, tocá-lo e senti-lo só complicaria a minha situação já

frágil.

João Miguel até poderia corresponder, mas eu só acabaria mais

machucada, com o coração partido, pois eu sabia que seria por

pouco tempo.

Engoli em seco enquanto acompanhava cada um dos

movimentos dele, em transe, principalmente quando o cowboy


deslizava sua mão pelo abdômen, lutando não apenas contra as

sensações caóticas que me deixavam quente, excitada, mas também

combatendo a minha imaginação de ser eu quem o exploraria com

as minhas palmas, que brincaria com os pelos que cobriam o seu


peito, que parecia ser feito do mais puro aço.

Senti uma pontinha de inveja das gotinhas que escorriam pelo


seu corpo, acariciando a sua pele, e a vontade de arrancá-las dele se

tornou ainda maior, o que era um grande absurdo...

Como se soubesse que era observado, ergueu o rosto e olhou


na direção da casa. O jato d’água parou na altura do abdômen

definido dele quando João Miguel me viu olhando diretamente para o

seu corpo.
Quis virar o rosto, escondendo-me, morta de vergonha por ser
pega em flagrante, mas era tarde demais.

Apesar da sua expressão estar indecifrável naquela distância,


ficamos conectados um ao outro através do olhar.

Uma emoção mais forte se espalhou por todo o meu corpo. Os


pelinhos dos meus braços e da minha nuca estavam todos

arrepiados, minha pele, formigando. Meu coração bateu ainda mais

forte, ao ponto de eu achar que ele sairia pela minha boca. Eu

ofegava, meus seios subindo e descendo com rapidez. Meus lábios


se entreabriram como se eu estivesse prestes a receber um beijo,

mesmo sabendo que nunca o ganharia. Ele teve a oportunidade, mas

acabou rejeitando o meu convite. De outro homem, talvez eu


receberia. Mas não de João Miguel.

O desejo roubava toda a minha capacidade de pensar

coerentemente. Minha boca parecia ansiosa por ter a dele cobrindo a


minha, por sentir seus lábios roçarem suavemente os meus, por ter a

sua língua me invadindo. Ansiava por um beijo de verdade, mais


intenso do que aqueles que tinha visto serem trocados por alguns
casais na rua, na escola, naquele primeiro filme que assistimos

juntos, um beijo apaixonado, que deixaria minhas pernas bambas e


roubaria todo o meu ar.
Queria ser beijada por um homem que nutria sentimentos fortes
por mim, e queria que esse homem fosse aquele que com um único
olhar parecia fazer o meu mundo parar e…

Reagindo, João Miguel balançou a cabeça em negativa e

desviou o olhar, quebrando aquela conexão. Ele se abaixou,


pegando a mangueira que em algum momento havia caído no chão,

e deu as costas para mim, parecendo completamente tenso.

Um nó se formou na minha garganta quando a realidade


amarga caiu sobre mim. O desejo, antes pulsante e quente,
transformou-se em pedra de gelo.

Engoli em seco. As fantasias criadas na minha mente não


passariam disso: fantasias. A conexão que parecíamos ter, algo que
eu não conseguia negar, sem dúvida o irritava, os passos rápidos,

raivosos, em direção ao tal vestiário eram a prova viva disso.

Ao mesmo tempo que compreendia a ira dele, afinal, éramos


diferentes em vários sentidos e eu era apenas uma pirralha com

problemas, uma vontade súbita de chorar me invadiu pela segunda


rejeição.

— Não vai chorar por uma coisa tão idiota, Natalia — murmurei
para mim mesma, contendo a vontade de me abraçar.
— Na-na — a menininha, até então esquecida, achando que
estava falando com ela, começou a gritar as sílabas confusamente.

Olhei para ela, que fazia malabarismo ao sacudir as duas

pelúcias, e minha boca foi tomada de um amargor, como se eu


estivesse mastigando agrião.

Como a minha tia, me deixei levar pela luxúria e negligenciei a

pequena, não prestando atenção aos seus movimentos. Tinha sido


por cinco minutos, ou um pouco mais, mas ainda assim, me distraí
totalmente. A comparação doeu no fundo da minha alma.

— Me desculpe por isso, Belinha.

Acariciei seus cabelinhos loiros e ela ergueu o rostinho para me


fitar. A inocência que via no rostinho dela, junto com a culpa que
sentia, acabou arrancando uma lágrima de mim, que desceu

queimando pela minha bochecha.

— Venha cá! — falei, pegando-a no colo quando a bebê

estendeu os bracinhos na minha direção.

Levei o meu nariz ao seu pescocinho, inalando o seu cheirinho


gostoso, que me oferecia conforto e calor; sorri quando a risadinha

infantil dela ecoou nos meus ouvidos.


Naquele abraço, fui capaz de esquecer a dor que a rejeição do
cowboy me causou e minha culpa pelo que fiz com ela.

— Ai, Belinha! — Fiz uma careta quando a criança puxou com


força uma mecha do meu cabelo. — Isso dói.

Ela não soltou os fios, pelo contrário, segurou com mais vigor,

fazendo o meu couro cabeludo arder.

— Não pode. — Ralhei, sentando-a na toalha e, delicadamente,


fui retirando os dedinhos dela dos meus cabelos. — Isso machuca.

Ela emburrou, seus lábios fazendo um bico de todo tamanho,

seu cenho se franzindo quando finalmente consegui me desvencilhar


dos seus puxões. Fiz um coque no topo da minha cabeça. O choro
frustrado logo veio e eu voltei a pegá-la no colo, tentando acalmá-la,

traçando círculos lentos pelas suas costas. Em vão. Nem mesmo o


cantarolar da sua musiquinha favorita fez com que ela parasse.
Segurando-a em um braço, recolhi os brinquedos dela, colocando-os

no centro da toalha e fiz uma trouxa.

Ergui-me, determinada a dar um banho nela e deixá-la brincar

na banheira. Ela era um verdadeiro peixinho, adorava água, e


provavelmente isso iria aliviar seu mau-humor. Felizmente eu estava

certa e, uma hora depois, após mais choro quando a tirei da água,
ela sugava a mamadeira, parecendo agora bem mais calma,

aninhada no meu colo.

Afundei-me no sofá e fiquei acariciando os cabelos dela,


observando os seus olhinhos abrindo e fechando com mais

frequência. Estava sonolenta, mas tentava prestar atenção no som


da minha voz enquanto cantarolava algo para ela.

Quando ela se deu por satisfeita, coloquei a mamadeira ao meu

lado e continuei o meu trabalho de embalá-la. Passou-se uns


minutos até que ela cedesse ao cansaço. Tentando não fazer
barulho, levei-a para o bercinho decorado com cachorrinhos e

patinhas, mais uma das extravagâncias de João.

Suspirei baixinho, sentindo-me quebrada ao perceber que,


nesse meio tempo, não houve nenhum sinal do cowboy, nem mesmo

para brincar com a bebê. E isso doeu. Muito.

Pegando a babá eletrônica, deixei o quarto antes que o soluço


que estava preso na minha garganta junto com o choro viesse e
acabasse acordando a bebê.
Capítulo quinze

Sentindo meu corpo completamente tenso, fechei minhas


pálpebras com força, como se isso fosse o suficiente para que eu

caísse no sono, e obriguei-me a não pensar em nada, mas minha


mente tinha outros planos para mim. Outra vez, todos os meus

pensamentos envolviam uma certa garota morena de cabelos longos


escuros e olhos meio-puxados, eu imaginava a minha boca tocando

os lábios rosados e cheios, expectantes, finalmente experimentando

sua suavidade e gosto, que há muito custo eu havia me negado


durante a nossa dança, o maior erro da minha vida. Enquanto nossas
bocas se moldavam uma à outra, minhas mãos traçariam suas

curvas suaves, tocando-a sem nenhum comedimento, dando vazão a


minha ânsia por ela, e os dedos dela acariciavam a minha pele nua

com igual desejo e…

— Diacho! — cuspi entre dentes, sentando-me na cama de


súbito, uma fina camada de suor cobrindo a minha pele ao passo que

a frustração se espalhava dentro de mim, como uma praga na

plantação.

Ergui a mão para tocar o meu cabelo, porém logo a abaixei com
força sobre o meu colo, sem querer resvalando pelo meu pênis,

completamente duro com a imagem criada pelo meu cérebro

perverso.

Soltei outro palavrão.

Desde a nossa primeira vez vendo filmes juntos, eu que me

gabava em ter um sono de pedra, vinha demorando para dormir, mas

depois do quase beijo e do dia que eu dei inconscientemente um

"showzinho" para Natalia e flagrei-a olhando o meu corpo, como se o


admirasse, como se o quisesse, quando conseguia pegar no sono,

cedendo ao cansaço, pois estava cada vez mais recorrendo ao

trabalho braçal para tentar extravasar aquela ânsia, meu descanso


era povoado por sonhos eróticos com a garota. Eu a beijava
furiosamente, tocando-a por inteiro, conhecendo cada centímetro do

corpo dela e aquilo que lhe dava ainda mais prazer, até que por fim

eu removia as suas roupas e as minhas, fazendo amor com ela de

diversas maneiras. E sempre acordava completamente ofegante,

excitado, implorando por alívio, o que eu não me dava, porque me

masturbar pensando nela, naquele desejo inocente que via nos olhos
de Natalia, era me comportar como um maldito filho da puta.

Diferentemente da razão, meu corpo e minha mente pareciam

estar pouco se fodendo para isso, pois até mesmo tinha sonhado que

eu me enterrava em seu corpo no meio do mato, como um selvagem,

fazendo-a se agarrar em mim e gemer o meu nome a cada investida.

E para a minha irritação, esse sonho fez com que eu gozasse na


minha cueca, como um garoto na puberdade.

— Deus, onde essa merda vai me levar? — murmurei,

balançando a minha cabeça em negativa.

No dia do “show”, me afastei dela para me controlar e não

cruzar a distância para abraçá-la com força, esmagando-a contra o


meu peito, e aceitar aquele novo convite silencioso dos seus lábios,

que pareciam querer o meu beijo tanto quanto eu queria beijá-la.


Por ter ficado por um fio pela segunda vez, disse para mim

mesmo para manter distância dela, não só para colocar um pingo de


juízo na minha cabeça, mas por ser o melhor para nós dois, ainda

que Natalia não compreendesse. Ela era inocente demais, eu, mais
maduro. era por isso que eu precisava ser forte por nós dois, mas
não está sendo fácil.

Ficar longe dela significava também não ficar próximo de


Belinha, a quem eu amava profundamente como se ela fosse minha.

E, infernos, ter negado o abraço para a minha Estrelinha, mesmo que


ela não entendesse a minha promessa, doeu mais do que receber

uma patada de Pesadelo. Tinha me sentido vazio, como se uma


parte de mim tivesse sido arrancada. E foi.

Eu precisava do abraço de Belinha, de ouvir a sua vozinha, de


sentir suas mãozinhas no meu rosto tanto quanto eu precisava de ar

para respirar e da terra para viver, além de que eu também não podia
negar que eu sentia falta do jantar, das perguntas da garota de como
foi o meu dia, dos olhares proibidos que eu e Natalia trocávamos, e

até mesmo dos toques inocentes que sem querer compartilhávamos


ao passar uma vasilha um para o outro.
Tive saudades do sorriso de Natalia e do modo como a sua

sobrancelha se erguia quando eu falava alguma besteira... da nossa


noite de filmes...

Até então estava disposto a me manter firme no meu intento.


Minha determinação de me manter afastado falhou quando

esbarramos no corredor no mesmo dia, e eu percebi a tristeza em


seus olhos, por mais que ela tivesse buscado disfarçar. Natalia não
tinha falado nada, nem questionado a minha ausência, mas eu soube

que a tinha machucado, mesmo que a minha intenção fosse apenas


protegê-la de mim e do meu desejo visceral.

Só então enxerguei a verdade: nem ela e nem minha Estrelinha


mereciam que eu me afastasse só porque eu não conseguia dominar

os meus impulsos animalescos. Eu tinha sido bastante cruel, mas


agir como se nada houvesse mudado naquela troca de olhar, como

se estabelecêssemos que nós dois nos completávamos como um


cavalo e seu cavaleiro, tornava-se mais complicado a cada segundo.

Por mais que eu tentasse enumerar as várias razões pelas

quais nos envolver era errado, ou até mesmo pensar no Zé e nele


me esfolando vivo contribuía para que eu parasse com aquilo, droga,

eu era um homem que estava sozinho há muito tempo e ela era


linda, inteligente, carinhosa, trata-me como um rei... e tinha um corpo
de enlouquecer.

Não era o único a perceber suas qualidades. Podia ser muitas

coisas, mas não um tolo. Há muito Carlos e os outros rapazes, para


o meu desgosto, olhavam-na com admiração, tentavam jogar

charme, ficavam de papo, parecendo um bando de urubus. Não


poderia culpá-los. Eles eram jovens, quase da mesma idade dela, e
ela os tratava com tanta doçura que os deixava abobados. Ainda

assim, vê-los dando em cima dela sempre me deixava com uma


carranca na cara, que logo procurava disfarçar.

— Ocê tá fodido, Jão — escutei a voz brincalhona do Zé na


minha orelha.

Ri baixinho, jogando-me de encontro ao colchão, ao pensar que


ele não acharia nenhuma graça ao saber que eu estava “ferrado”

pela sobrinha dele.

Puxei um travesseiro e usei-o para cobrir o meu rosto. Apelei

para a contagem de carneirinhos para ver se o sono vinha, mas tudo


o que consegui foi mais frustração por não conseguir tirá-la da minha
cabeça, e com isso, ficar ainda mais excitado.
Resignado a passar a noite em claro, queimando de desejo,
lutando contra mim mesmo, abandonei a minha cama e, com passos
curtos e silenciosos, pois não queria acordar a garota, me dirigi para

fora da casa.

Uma onda de vapor quente tocou a minha pele assim que

coloquei meus pés descalços na varanda, piorando minha situação

de querer abrandar o calor que me consumia por dentro. Dei um


sorriso irônico.

Sentei-me em um banco e olhei para a extensão da plantação à

minha frente, como se nos pés de batata eu encontrasse uma

fórmula mágica para acabar com aquela loucura, porém quanto mais
eu fitava a noite, mais ferrado eu me sentia.

Fui tirado do transe ao escutar o som de passos. Sabendo que

era ela, com o coração batendo descompassado, voltei o meu rosto


em direção a porta, encontrando-a parada no batente, olhando para

frente.

Como a besta selvagem que eu era, deixei que meu olhar

percorresse o seu corpo com fome desmedida, alimentando meu


desejo.
Os cabelos soltos, escorridos, caíam pelas suas costas como

se fosse uma cascata, batendo bem próximo à curva suave dos seus
quadris. Torturei-me ainda mais quando percebi que usava uma

camisola de algodão simples, ingênua, mas ao mesmo tempo

devassa por deixar não apenas os braços dela desnudos, mas


também parte das coxas e toda a extensão das suas pernas. E

provavelmente o topo dos seios macios, que quando eu pousasse

meus lábios sobre eles, ficariam…

— Sem sono, moça? — questionei em um tom rouco,


interrompendo minhas fantasias acordado, remexendo-me contra o

banco, ao sentir minha ereção incomodar.

Infernos!

Ela deu um gritinho assustada e virou-se na minha direção com


um pulinho, uma mão pousando no seu peito, chamando a minha

atenção para o seu colo. Por cinco segundos, imaginei a minha face

enterrando-se ali.

Sou um filho da puta! Pare com essa merda, desgraçado!

— Deus, você me assustou — falou, baixando sua mão.

E mesmo sabendo que não devia, continuei a olhar para os

seios dela, que subiam e desciam, numa cadência acelerada.


— Desculpe-me, Natalia — engoli em seco, acariciando a

minha barba por fazer —, não quis te assustar.

— Hm. Tudo bem.

Para a minha surpresa, com poucos passos, se aproximou de


onde eu estava.

Inspirei fundo, sentindo o cheiro dela junto com a fragrância que

emanava das pequenas damas da noite que cresciam no canteiro


perto da varanda. Seu aroma deixou-me ainda mais agitado.

— E sobre a sua pergunta — continuou, seu tom parecendo um

pouco trêmulo e seus olhos parecendo assustados —, tive um

pesadelo com a minha tia e acordei sobressaltada.

— Senta aqui, moça. — Bati a minha mão contra a madeira,


convidando-a para ficar ao meu lado.

Mesmo que não fosse uma boa ideia no meu estado volátil, eu

não podia negar a ela um abraço de conforto, como sempre oferecia


nas nossas interações.

Natalia não hesitou e sentou-se do meu lado, colocando a babá

eletrônica no assento. O calor do seu corpo magro irradiou para o

meu e meus pelos se arrepiaram, a ânsia me deixando eletrizado.


Automaticamente, meus braços envolveram os seus ombros e puxei-

a para mim.

Suspirei quando ela se aninhou contra meu peito, como uma

gatinha ferida, sua cabeça pousando sobre o local onde meu coração

batia acelerado.

Ignorei, novamente, a sensação de bem-estar que me invadiu


só por tê-la em meus braços, bem como o pensamento de que eu

poderia tê-la assim pertinho de mim para sempre.

Com as pontas dos dedos calejados, acariciei a sua pele macia,


consciente de que os pelinhos dela se arrepiavam com o meu toque.

E eu desejei ainda mais aquela garota, ansiei fazê-la estremecer de

outra forma, usando meu corpo, minha boca.

Eu era um grande bosta por ter pensamentos repletos de


luxúria quando ela estava vulnerável e, inocentemente, procurava em

mim conforto.

— Você quer me contar sobre o seu pesadelo, moça? — Minha

voz soou grossa.

Ela balança a cabeça em concordância, sem querer batendo

em meu queixo. Doeu um pouco.


— Me desculpa.

— Não por isso.

Continuei a traçar círculos lentos pelo braço dela e imaginei que

ela sorria.

— E então? — insisti, depois de ficarmos um tempo em

silêncio, em que só se ouvia o som das nossas respirações, a minha

mais descompassada que a dela, o piar de uma coruja e outros

barulhos feitos pelos animais.

— Foi um pesadelo esquisito — começou a contar em um tom

fraco. — Eu estava feliz, correndo atrás de Belinha pela plantação,

quando escutei a voz da minha tia. Não tinha ideia de como ela tinha
me achado, mas eu fiquei paralisada enquanto a menina ainda

corria.

Fiquei em silêncio, continuando minhas carícias.

— Verônica me xingava de vários palavrões, de cadela


ordinária para baixo, acusando-me de roubar o namorado dela, de

seduzi-lo.

Mesmo que fosse apenas um sonho ruim, o instinto de protegê-

la daquela mulher pareceu tomar o controle da minha mente, então


trouxe Natalia ainda mais de encontro a mim, como se os meus

braços fossem o suficiente para mantê-la segura.

— Bem, um monte de imagens confusas surgiram, e eu soube

que tinha feito isso mesmo, e ainda por cima tinha gostado… —

confessou, em um tom tão baixo que quase não escutei, e eu soube

que ela estava envergonhada de admitir isso.

— Entendo — murmurei entre dentes, sentindo uma raiva

descabida ao pensar na garota se entregando a outro homem que

não fosse eu, mais ódio ainda por saber que ele tinha dado prazer a

ela e não eu.

Caralho, eu queria surrar esse homem imaginário, o que era um

grande absurdo.

— E o tal homem era você — falou a queima roupa.

Deu uma risadinha, parecendo sem graça, provavelmente


ficando corada, o que sempre a deixava ainda mais linda.

Era ridículo, mas senti a minha fúria arrefecer, transformando-

se em euforia, ao pensar que ela conseguia imaginar, mesmo em


sonho, nós dois nos envolvendo… Meu corpo pareceu reagir a essa

ideia. Meu pau pulsou.


Mil vezes inferno! Eu deveria achar isso uma coisa ruim, não
ficar mais excitado.

— Loucura, né? — disse baixinho, se movendo no meu abraço,

de modo com que nós conseguíssemos nos encarar.

De fato, ela parecia morta de vergonha, mas tudo o que


consegui prestar atenção foi nos lábios levemente entreabertos,

sedutores, em pleno convite, o que seria a minha perdição.

— Sonhos são sonhos. — Dei de ombros, sentindo meus


músculos tensos. — E sendo honesto, dificilmente eu teria algo com

a sua tia — brinquei, tentando desviar o meu foco da minha vontade

de beijá-la.

Dei-lhe um sorriso torto, ignorando a vozinha na minha cabeça,

que dizia que com relação a Natalia não era bem assim…

— Não que eu me recorde muito bem de como ela é —


completei, lutando contra mim mesmo.

— Ela ainda é uma mulher bonita, apesar da bebida ter deixado


o rosto dela inchado e acabado — sussurrou.
— O que adianta a beleza dela, se ela é ruim de coração,
moça? — retruquei. — Beleza não põe mesa, não é o que dizem?

— É — arrastou a palavra, parecendo pensativa —, mas tem


gente que não se importa com isso.
— Não — admiti, fitando os olhos castanhos. — Mas não é o
meu caso, moça.

— Hm.
Voltou a se aninhar em mim, interrompendo nossa conexão.

— E o resto do pesadelo? — perguntei, depois de um tempo.

— Em um momento, ela estava me xingando, no outro, com

uma velocidade descomunal, ela passou por mim, pegou a Belinha


no colo, e eu escutei um choro forte, convulsivo. — Voltou a
estremecer, aninhando-se ainda mais contra mim, como se eu fosse

sua barra de segurança. — E, em um piscar de olhos, só havia


aquele som desesperado dos gritos da bebê, como se Verônica

estivesse a machucando. Eu corria, mas não conseguia alcançá-las.


Estava com tanto medo de perder a Belinha, da minha tia tirá-la de
mim, que ela a ferisse, que acordei assustada, em pânico.

— Foi só um pesadelo, Natalia — repeti, deixando um beijo no


topo da sua cabeça, enquanto continuava a afagá-la.

— Mas só de pensar que… — Escutei o som dela engolindo em


seco, então fiquei ainda mais tenso.

Os sorrisos, os abraços e o cotidiano tranquilo com elas, algo


que passei a apreciar, a ansiar todos os dias desde que eu acordava
até quando eu ia dormir, fazia com que eu me esquecesse que a
calmaria não era completamente real e que, a qualquer segundo,
aquela bolha poderia ser estourada.

— Eu nunca vou permitir isso — prometi mais para mim

mesmo, dominado por um amor intenso que extravasava de dentro


para fora. — Ela só colocará as mãos sobre a minha Estrelinha
quando eu estiver debaixo da terra, moça. Eu daria minha vida por

ela — disse em um tom firme.

Essa certeza estava enraizada na minha alma, mais do que a

ciência de quem eu era. Ela ficou em silêncio.

— Obrigada por amar Belinha — sussurrou instantes depois.

Balancei a minha cabeça, guardando para mim o pensamento

de que era eu quem tinha que agradecer pela Estrelinha gostar de


mim, e também pelo fato das duas terem entrado na minha vida,
mesmo de uma maneira torta, principalmente a bebê. Belinha, em

pouco tempo, tinha me ensinado um outro tipo de sentimento que tão


cedo imaginava sentir. Amor. Amor de um pai por uma filha.

— E você? — Natalia perguntou baixinho.

Seus dedos inconscientemente acariciavam o meu peito,

brincando com os meus pelos, deixando um rastro de calor que


irradiava diretamente para o pênis.

Droga! Era fodidamente gostoso.

— O que está fazendo acordado? Teve um pesadelo também?

Quis gargalhar alto. De alguma forma, ter sonhos eróticos com

ela poderia ser considerado um grande pesadelo.

— Não — fiz uma pausa, pensando em uma mentira —, só não

me sinto cansado o suficiente. Digamos que o trabalho burocrático


não gasta a energia de um homem como eu.

A risada dela fez com que eu sorrisse.

— Não deve ser tão ruim assim…

Para a minha decepção, saiu do meu abraço, se aprumando no


banco. Engoli um bufar de desagrado.

— Não consigo pensar em nada mais tedioso do que responder


e-mails e ler relatórios financeiros.

Fiz uma careta.

— Ainda contínuo não achando tão ruim…

— Deus, moça, eu detesto números! — disse, meio


exasperado.
— E eu sempre fui ótima com eles.

Virou seu rosto, sorrindo docemente e, por um tempo, me perdi

nela e nas sensações proibidas que ela me fazia sentir.

Natalia era tão maravilhosa que chegava a doer. E ficava ainda


mais perfeita quando sorria para mim.

— Deveria tentar uma faculdade de exatas então — sussurrei.

— Quem sabe um dia. — Suspirou. — Um dos meus sonhos é


cursar numa Federal, mas capaz de me afundar no Enem. — Outro

suspiro. — Fora que tudo ficou mais concorrido, e também me


manter não seria nada fácil.

— Você tem a mim, moça. Posso te oferecer todo o apoio que


você precisar — disse. — E também posso te pagar um cursinho.

— Agradeço, mas tenho muitas outras coisas para acertar


primeiro. — Brincou com uma mecha do seu cabelo. — E você não
pode ficar a vida inteira me sustentando.

Meus lábios se torceram em uma careta de aborrecimento.

— Chamo isso de investimento, moça. — Minha voz saiu mais


irritada do que gostaria, e modulei-a para um tom mais ameno. —
Fora que seria bom terceirizar essas burocracias.
Pisquei para ela, que novamente riu, riu até que pequenas
lágrimas se formassem em seus olhos.

— Só você mesmo.

Dei de ombros, nossos braços se roçando.

— Quais os seus outros sonhos, moça? — perguntei, curioso,


quando o silêncio voltou a cair sobre nós. — Você disse que tinha

mais alguns.

— Além de cursar uma Federal e ter um bom emprego para dar


uma vida melhor para a Belinha? — Seu tom era suave, seu
semblante parecendo se iluminar. — Talvez conhecer outros lugares

do Brasil, como a Paraíba, ou Bonito, no Mato Grosso do Sul.

Fez uma pausa.

— Ser amada… — continuou.

Não quis pensar no homem que daria o amor que ela sonhava,

que a faria feliz, e que a teria em seus braços dias e noites, bem
como o corpo nu e sedento dela de encontro ao dele... Pensar nisso

outra vez me encheu de fúria.

— Ser mãe? — questionei o óbvio, mesmo que eu temesse a

resposta. Seria surpreendente se ela dissesse que não.


— Seria bom ter um filho, ou dois — seu tom era alegre, quase
que sonhador. — Quem sabe gêmeos? Parece muito divertido,

apesar de trabalhoso.

— Entendo — murmurei, olhando para o céu estrelado,

sentindo um incômodo no peito.

O desejo dela de ser mãe só mostrava para mim que, por mais

que eu quisesse, nós dois nunca seríamos compatíveis. Bom, já


éramos incompatíveis por várias razões, como idade, experiência, e
sei lá mais o quê. Tudo bem que eu poderia realizar todos os sonhos

dela, menos aquele.

Ervas daninhas pareceram se alastrar dentro de mim. Não que

eu tivesse ido muito a fundo nos possíveis tratamentos para tentar


reverter a minha infertilidade e, sendo honesto, nem sabia se existia

algum, já que, com o ego abalado, não cheguei sequer a passar em


um médico especialista. A dificuldade e a frustração que todo esse
processo geraria não apenas em mim, mas também nela, deveria ser

mais que o suficiente para colocar um fim de vez no meu desejo,


mas tudo o que eu conseguia fazer era odiar o meu próprio corpo, o
que era insano.
Segurei a borda do banco com certa força, até que os nós dos
meus dedos ficassem brancos. Podia sentir também meus dentes

rilhando.

Eu estava perdido. Fodido. Ainda queria beijar a boca da


mulher ao meu lado, queria que ela me fizesse amor...

— E você? — perguntou em um tom que era um misto de

curiosidade e também certo receio.

Novamente fui atraído para ela e nossos olhares voltaram a se


cruzar, antes que eu tornasse a encarar o nada.

— Acho que nenhum, moça — murmurei uma mentira.

Além das fantasias eróticas que eu tinha com ela, uma parte de

mim, cada vez mais, queria que Natalia e a minha Estrelinha


ficassem para sempre comigo aqui na fazenda, que elas nunca
saíssem da minha vida, mas eu sabia que era sonhar alto demais,

que eu não poderia pedir tal coisa.

A garota bufou e eu sorri, mas automaticamente.

— Que foi? — Achei graça da reação dela.

Diferentemente do que achava, ela não riu. Encarei-a outra vez,


percebendo que o seu semblante estava sério.
— Todo mundo tem sonhos, João Miguel — sussurrou.

Dei de ombros.

— Tenho tudo o que alguém pode querer, moça — falei outra


mentira, contendo a minha vontade de fazer uma careta com o
quanto eu pareci arrogante.

Nem tudo o dinheiro podia comprar, sabia muito bem disso.

— Mesmo? — Uma sombra pairou sobre o semblante dela.

Fiz que sim com a cabeça.

— Entendo — falou em meio a um suspiro triste.

Traguei o nó que se formou na minha garganta e, acomodando-


me melhor no banco, acabei batendo a cabeça de encontro a parede

de leve. Fechei os olhos por um momento, antes de voltar a abri-los


novamente.

Ficamos mudos. Um coaxar de um sapo soou ao longe, bem


como um piar, únicos sons que eram ouvidos nesse momento.

Aquele silêncio dela me pareceu ensurdecedor e eu senti que


havia estragado tudo com aquela mentira idiota, principalmente

quando ela voltou a suspirar.


— Acho que vou tentar voltar a dormir — falou baixinho ao se
erguer do banco, parecendo resignada. — Obrigada por mais uma
vez me consolar.

— Boa noite, Natalia — disse a contragosto, sentindo-me

amargo.

— Boa noite, João.

Quando ela estava prestes a entrar, segurei o braço dela


gentilmente.

— João… — sua voz soou falha.

Por um momento, eu apenas deixei que meus olhos


passeassem pelo seu corpo delicioso pela qual estava faminto, até
que fitei o seu rosto. Meu coração bateu freneticamente contra a

minha caixa toráxica, minha respiração ficando entrecortada.

— Está tudo bem? — perguntou.

— Eu menti, moça. — Minha voz soou rouca. — Eu tenho um


sonho, um bem perverso, maldito, sujo, mas eu não consigo mais

lutar contra ele…

Não continuei, apenas segurei o seu quadril com uma mão

enquanto a outra passava por detrás do seu joelho, e a trouxe para


mim, arrancando dela um som abafado de surpresa.

Suas mãos espalmaram os meus ombros em busca de apoio


diante dos meus movimentos bruscos, e meu corpo inteiro
estremeceu ao sentir o calor da sua palma contra a minha pele.

— João… — Arfou o meu nome de uma forma que me deixou


bem próximo da minha própria perdição quando a sentei sobre o meu

colo, deixando que ela sentisse a minha ereção.

Inferno! Aquele som rouco e sexy assombraria minhas noites e

madrugadas por muito tempo.

Assim que nossos sexos se encaixaram, apesar da presença


dos tecidos, os olhos pequenos pareceram ficar do tamanho de duas
jabuticabas de tão arregalados.

Se eu tivesse alguma dúvida da sua inocência, eu teria a minha


resposta agora, ainda assim, como o animal que tinha me tornado,

fiquei ainda mais atraído por ela. Porra!

Enquanto nos encarávamos, tudo em torno de nós pareceu não

existir, nem mesmo os barulhos da noite. Só havia nossos corpos


colados e os sons ofegantes que emitíamos.
Ainda segurando firmemente seu quadril, ergui uma mão e

embrenhei meus dedos nos cabelos próximos a sua nuca e


aproximei o seu rosto do meu, nossos narizes se tocando, nossas
respirações aceleradas que escapavam pelos nossos lábios

entreabertos se mesclando uma à outra.

— Me impeça, moça, por favor — implorei roucamente,

sentindo certo desespero ao continuar acariciando os fios lisos, e


também a curva do seu quadril, mas antes que ela pudesse de

verdade evitar o meu beijo, rocei minha boca na dela, tragando


qualquer resposta que ela poderia dar.

Um arrepio prazeroso percorreu toda a minha espinha com

aquele beijo, se alastrando por cada poro do meu corpo, me


deixando vivo, aceso, e como se fosse a minha primeira vez, eu
fechei os olhos, apenas apreciando a maciez dos lábios dela contra

os meus e todas as sensações que faziam do meu peito o seu


vórtice.

Eu não tinha palavras para descrever o quanto aquele contato


era precioso, o quanto esse era o melhor beijo que havia recebido, o

quanto aquele selinho me comovia.


Logo, o lado irracional sobrepujou o homem emocionado e,

abrindo os olhos, comecei a movimentar a minha boca sobre a dela


lentamente, provando-a, fazendo com que estalos baixinhos

ecoassem na noite junto com os sons baixos que brotavam das


nossas gargantas.

Arfei quando, com as pontas dos dedos, a garota começou a


me explorar. Seu toque era tão suave quanto o pousar de uma
borboleta, fazia cócegas ao mesmo tempo que parecia celestial.

Me perdi e não queria me achar.

Inclinando um pouco a cabeça, capturei sua boca em um outro


ângulo, sem adentrá-la com a minha língua, decorando cada
milímetro dos seus lábios doces e cheios, que correspondiam ao

meu beijo suavemente, suspirando, enquanto seus olhos brilhavam.

Passando um braço em torno do corpo frágil, trouxe-a ainda


mais contra mim, esmagando os seios dela contra o meu peito,
querendo que virássemos um só.

— Inferno, moça — disse em meio a um grunhir, sentindo-me


ainda mais insano ao perceber que, por debaixo da camisola, seus

bicos estavam duros com a excitação.

Aproveitei aqueles segundos para respirar.


— Hm. — Gemeu e meu pau pareceu crescer sob meu short
com aquele som, pulsando, querendo senti-la por completo.

Evitei pensar naquela necessidade em específico, então deixei


um beijinho em cada canto da sua boca e voltei a pressionar os

meus lábios sobre os dela, dessa vez, usando a ponta da minha


língua para intensificar o nosso beijo, mas ela pareceu um pouco

travada.

Diminuindo a pressão que meus dedos exerciam sobre ela,


comecei a acariciá-la, massageando seu couro cabeludo ao passo
que a minha outra mão traçava círculos lentos pelas suas costas.

Outro gemido delicioso escapou dela e Natalia instintivamente


entreabriu seus lábios quando meus dedos alcançaram o seu
pescoço. Usei o dorso para acariciar aquela região que era
extremamente sensível e que a fazia se contorcer no meu colo, sua
vagina roçando no volume no meio das minhas pernas. Por um

segundo ou dois, minha mente ficou em branco com aquele resvalar,


mas logo a confusão tornou-se fogo e, sem hesitar, deslizei minha
língua por eles, lambendo a carne macia, sentindo o seu gosto,
envolvendo-a em um beijo moroso, até que minha língua saqueasse
sua boca, o sabor dela impregnando os meus sentidos.
A hesitação de Natália, os olhos outra vez esbugalhados, a pele
corada, as unhas curtas cravando na minha pele fizeram com que o
pensamento de que talvez fosse a primeira vez que ela era beijada

daquela forma percorresse meu cérebro, mas logo foi afastado com a
ânsia de tê-la. Com um suspiro, delicadamente, fiz a língua dela
deslizar contra a minha, ao mesmo tempo ensinando e aprendendo.

Nosso beijo tinha várias nuances novas para mim, que me


faziam estremecer embaixo do seu corpo.

Eu mergulhava naquelas sensações, me perdendo cada vez


mais no seu gosto, no seu beijo, cujos movimentos se tornavam cada
vez mais confiantes, principalmente quando arrancavam gemidos de
mim. Aquele beijo, temperado com a inocência do mover da sua
língua sobre a minha, poderia muito bem me deixar viciado nele.

Nela.

Sem pensar muito, deixei que ela controlasse o ritmo das


nossas bocas, permitindo que ela me conhecesse, que fizesse o que
quisesse comigo, enquanto aproveitava a oportunidade para explorar

todas as curvas sobre a camisola.

Natalia era gostosa pra caralho! Seu corpo respondia a menor


carícia que eu fazia, movendo-se de encontro ao meu
instintivamente, o que me deixava ainda mais dolorosamente ereto e
também fazendo-me comportar como uma besta, meus toques
tornando-se cada vez mais descoordenados.

Passei a lutar contra mim mesmo, mas acabei perdendo a

batalha furiosa contra o desejo avassalador que eu sentia por ela.

Eu precisava de mais, bem mais, mesmo estando consciente


de que essa ânsia desenfreada deveria fazer com que eu não
apenas interrompesse o beijo e a tirasse de cima de mim, mas
também parasse a fricção dos nossos corpos, porém eu não tinha

forças para parar.

Inferno, eu não queria parar.

Voltando a agarrar a nuca dela com pressão, tombando um

pouco sua cabeça para o lado para ganhar mais acesso a sua
cavidade morna e convidativa, tomei o controle do beijo, provando
cada cantinho da sua boca antes de voltar a entrelaçar nossas
línguas, exigindo que ela se entregasse para mim.

Cravando suas unhas no meu ombro com força, Natalia se


entregou, acompanhando o movimento da minha boca com igual

volúpia, suspirando, colando o seu corpo ainda mais ao meu,


deixando-me cada vez mais maluco.
Perdendo completamente a noção do que fazia em meio ao
beijo, enfiei a minha mão dentro da camisola dela e a espalmei

contra a sua lombar. O choque de sentir pele contra pele me varreu


de cima a baixo e eu a beijei com todo o meu ser, querendo me
impregnar nela da mesma forma que ela parecia infiltrada em mim.

— Deus, moça — murmurei, ofegante, deslizando a minha boca

pela sua bochecha, tentando trazer um pouco mais de ar para os


meus pulmões.

— Hm. — Segurou os meus cabelos curtos, puxando-os


suavemente, incentivando-me a continuar com as minhas carícias.

Inspirando fundo, o cheiro dela impregnando as minhas narinas,


comecei a trilhar uma série de beijos pelo seu rosto, principalmente
pelo seu maxilar, até alcançar a sua garganta. Natalia se contorceu
contra mim, um som baixo escapando pelos seus lábios, no
momento em que deslizei minha língua pela curva do seu pescoço.
Me senti vivo, afoito por ela. Obriguei-me a traçar o caminho de volta

com lambidas, apenas para voltar a descer, dessa vez, minha boca
encontrando a base da sua garganta, onde eu podia sentir sua
pulsação acelerada. Deixei um beijo e uma pequena mordida,
sugando aquela região sensível, o que arrancou vários sons baixos
dela.

Quando o meu rosto estava enterrado no vale dos seus seios,


capturando uma gotinha de suor que escorria naquela região, e meus
dedos estavam prestes a baixar as alcinhas da sua camisola para
desnudá-la ainda mais para mim, ao sentir as mãos dela percorrendo
o meu abdômen e chegando até o cós da minha calça, a realidade se
abateu sobre mim, como um cavalo bravo que empinou e me jogou

para fora dele, fazendo com que eu caísse em uma poça de lama. E
a queda tinha sido das grandes.

Que merda eu estava fazendo?


Capítulo dezesseis

— João? — choraminguei quando ele parou subitamente de me


acariciar com a sua língua, interrompendo aquela onda de prazer que

se espalhava por todo o meu corpo e que fazia com que o interior do
meu sexo se contraísse, ansiando por ser preenchido pelo volume

debaixo de mim.

Mesmo envergonhada, projetei meus seios em direção ao seu

rosto, convidando-o a continuar a deixar beijinhos, sucções e

mordidas na minha pele, para que sua barba continuasse a me


arranhar suavemente, provocando milhares de fagulhas dentro de

mim, mas ele não atendeu ao meu apelo, pelo contrário, apenas
ergueu o rosto para me encarar com os seus olhos verdes repletos

de luxúria, mas sua expressão estava séria.

Subi com a minha mão para acariciá-lo, no entanto percebi que


o toque que antes o fazia retesar contra a minha palma, agora o

deixou tenso. Seu maxilar parecia travado.

— João?

— Não podemos continuar — falou asperamente.

Uma dor aguda atingiu o meu peito, como se eu tivesse levado

uma facada e ele torcesse a lâmina, tornando o corte mais profundo.

— Por quê? — perguntei em um fiozinho de voz, me sentindo

completamente insegura.

Era a primeira vez que realmente era beijada de língua, então

não tinha muita experiência. Embora estivesse aprendendo rápido,


agindo pelo mais puro instinto, talvez meu beijo fosse ruim, babado,

ou sei lá...mas ele não estaria tão excitado e não teria ficado me

beijando por vários minutos se eu não estivesse bom…


— Fiz algo errado? — Fiz outra pergunta à queima roupa.
Queria que um buraco se abrisse e me tragasse.

— Não — continuou no mesmo tom bruto ao colocar uma

mecha do meu cabelo atrás da minha orelha —, eu que cometi um

erro.

— Não entendo.

Como se fosse possível, a dor se tornou ainda maior com a

suspeita que tinha sendo confirmada pelos lábios do homem que

havia me beijado com ternura, mas igualmente com fome.

— Beijá-la foi um erro, moça…

— Ou um acerto — forcei-me a dizer, fingindo uma normalidade

que não sentia.

Tudo o que eu queria era chorar convulsivamente. Eu parecia

estar sendo quebrada ao meio.

Ele balançou a cabeça em negativa ao ouvir o que disse.

— Não, moça, não é certo. — Respirou fundo e, como se

percebesse a tristeza em meus olhos, tocou o meu rosto suavemente

em uma carícia que não apaziguava a minha dor. — Não me entenda


mal, Natalia, eu desejo você, meu corpo todo não esconde, mas

levar isso adiante nunca daria certo.

Meu coração se estilhaçou com o impacto das suas palavras,

que foi como receber um soco.

— Por que não, João? Eu… — comecei baixinho, mas acabei

optando por não revelar os meus sentimentos, tinha medo de que


isso me quebrasse ainda mais.

— Você o quê? — Seus olhos cintilaram com um desejo bruto,


porém ele logo tratou de mascará-lo.

— Deixa para lá. — Dei um sorriso sem graça.

— Natalia? — insistiu.

— Estou me apaixonando por você, João… — falei, depois de


duelar internamente se deveria ou não dizer o que sentia por ele.

Ao mesmo tempo que vi euforia em seu semblante, vi também


certo pesar.

— Não, moça, não está — sussurrou, parecendo ressentido.

Foi a minha vez de negar com a cabeça.


— Como não poderia, se você é tão afetuoso comigo,

principalmente com Belinha e…

— Não, Natalia — calou-me colocando um dedo sobre os meus

lábios, e no lugar que ele tocava, eu sentia um formigamento —,


você só está confundindo as coisas. Você está numa posição

vulnerável e ficou muito tempo sem saber o que é receber afeto. Em


outras circunstâncias, tenho certeza de que eu seria o último homem
para qual você olharia.

Tentei protestar, achando aquele argumento um absurdo, mas

ele me impediu.

— Sou mais velho do que você… sou mais experiente, e isso,


por si só, deveria ser um empecilho. E temos que ser honestos,

moça — deu um sorriso que não chegou aos olhos — o momento


que eu estou na vida é bem diferente do seu.

Acariciou a minha boca e eu o vi engolir em seco,


principalmente quando eu me ajustei em seu colo. Puxou ar com
força, baixando a mão, me fazendo sentir falta do seu toque.

— Eu estudei, viajei, sou estável, e você é tão jovem, Natalia,

tem tanta coisa para viver, para fazer, para conhecer e


experimentar…— Fez uma careta que alimentou a esperança em
meu interior. — O que eu quero seria um egoísmo sem tamanho com
você, então eu tenho que ser sensato, por mais que uma parte de
mim reclame.

— Eu… — Não sabia o que dizer.

— Fora que eu também prometi ao Zé que iria te proteger e


cuidar de você, o que não envolve ter a minha língua dentro da sua
boca, você no meu colo e me aproveitar da sua inocência, da sua

confusão de sentimentos...

Mesmo que tenha dito que não deveria ter-me em uma posição

tão imprópria, não fez nada para me tirar de cima dele. Ele era tão
contraditório...

— Prefiro acreditar que ele ficaria feliz de nos ver juntos.

— Duvido, moça. — Seus lábios se curvaram para cima, como

se recordasse de algo que achava engraçado. — Ele era brabo e me


amputaria se soubesse que te toquei.

Acabei sorrindo com sua fala.

— Eu o decepcionaria… — falou mais para si mesmo.

Subitamente, ele ficou sério, até mesmo sombrio. — Mesmo que isso
não fosse o suficiente, ainda existe o fato de que…
Ele pareceu vulnerável e eu segurei o rosto dele em concha,
querendo oferecer algum conforto, ignorando o fato da sua barba me
pinicar.

— O quê? — Foi a minha vez de insistir quando ele ficou em


silêncio.

— Eu provavelmente não posso te dar filhos, moça — falou

entredentes, e eu pude sentir a raiva de si mesmo. — Mesmo que eu


possa passar por cima de todas as outras razões, por cima da minha

honra, esse fato eu não posso mudar. Eu não posso realizar esse

seu sonho.

Antes mesmo que eu pudesse reagir, parecendo atormentado,


segurou os meus quadris e me tirou do seu colo, colocando-me no

assento ao seu lado antes de se erguer.

Eu fiquei completamente sem reação. A única coisa que


conseguia fazer era olhar para o seu peitoral definido, repleto de

pelos, que instantes atrás eu estava acariciando em meio ao beijo,

que subia e descia acelerado. Mesmo que não devesse, senti minha

boca secar com vontade de tocá-lo outra vez.

— E eu simplesmente não posso começar algo que

provavelmente só lhe trará frustração no futuro — falou como se


sentisse dor. — Seria covardia. E eu odiaria ver o seu sorriso se

murchando com o tempo, sua inocência se esvaindo... E ninguém


entra em um relacionamento esperando o fim.

Seu nariz roçou no meu.

— Nós…

— Eu não vou te usar, moça, não sou esse tipo de homem. E


você merece mais do que sexo, então, por mais que eu queira, eu

não posso te condenar a isso, Natalia. — Sua voz era séria.

— Você não estará me condenando… — Forcei minha voz a


sair, querendo defendê-lo da sua crueldade consigo mesmo, sentindo

meu coração se apertar.

Existiam várias pessoas, tanto homens quanto mulheres, que

sonhavam em ter um filho e que, por várias razões, não conseguiam.


Duvidava muito que João seria tão desumano ao falar para um deles

que eles estavam condenados a não realizar esse ideal. Não gostei

de escutá-lo se depreciando daquela maneira.

— É muito nova para decidir isso, muito otimista ainda. — Eu


deveria me sentir alfinetada e triste pelo seu julgamento, mas tudo o

que eu conseguia era sentir compaixão pelo homem que claramente

sofria. — No início pode funcionar, mas e depois? Quantos


relacionamentos não se acabaram por isso? Por mais que eu queira,

eu simplesmente não posso.

Dando um beijo em minha testa, João Miguel se endireitou e,


com passos apressados, desceu a escadinha e eu vi, com o coração

apertado, ele caminhar em direção aos estábulos, sumindo em meio

a escuridão.

Eu chorei, não por mim mesma, embora eu soubesse que ainda

iria sofrer muito pela rejeição dele, mas, sim, pelo homem que
guardava uma tristeza tão profunda dentro de si…
Capítulo dezessete

Sentindo o suor empapando a minha camisa ao ponto de ela


pregar na minha pele, abaixei-me para pegar outro saco de milho e

jogar para um funcionário, que o pegou no ar. Tinha perdido as


contas de quantas vezes eu tinha realizado aquele movimento

mecânico, a única certeza que tinha era que o meu corpo estava
exausto pelo esforço, enquanto a minha mente não conseguia me

dar um minuto de descanso.

Não conseguia parar de pensar na noite em que,

imprudentemente, beijei a garota e no quanto eu queria beijá-la


novamente. Ela já tinha se enraizado no meu corpo, mas depois de

descobrir a sua doçura, o seu gosto, Natalia parecia ainda mais


impregnada em mim.

Eu tentava me convencer que as palavras dela sobre estar se

apaixonando por mim eram mentiras, porém, diferentemente do que


eu tinha dito para ela, meu coração queria e muito acreditar que ela

realmente estava se afeiçoando a mim. Era um maldito por querer

isso, mesmo depois de deixar claro que nós dois não tínhamos futuro
e de estar consciente de que, se eu cedesse, isso só a faria sofrer,

mas lutar contra aquela ânsia estava se tornando cada vez mais

difícil, ainda mais quando ficávamos tão próximos em vários


momentos do dia, principalmente à noite, depois de colocarmos a

Belinha para dormir. No entanto, não me comportaria como um


covarde, fugindo.

Se fosse honesto, eu admitiria que não tinha forças para me

manter longe dela, porque sentia falta dos sorrisos, da risada e das

conversas banais. Por várias vezes, estive muito próximo de cometer


uma besteira, matando a saudade de sentir seus lábios contra os

meus, de ter a sua língua enroscando na minha, mesmo estando

ciente de que se eu me permitisse isso, talvez não conseguisse

parar, não quando eu sabia que Natalia provavelmente iria me


retribuir, me beijando de volta, me tocando e, principalmente,
gemendo contra a minha boca…

Só de pensar em beijá-la outra vez, tê-la em meus braços,

sentir suas unhas raspando na minha pele, senti o meu corpo arder,

meu pau ganhar vida.

Merda!

— Senhor? — Pedro, o funcionário que esperava receber o

próximo saco, chamou-me, arrancando-me daqueles pensamentos.

Balançando a cabeça, sentindo certa irritação por começar a

ficar excitado com aquele mínimo pensamento, peguei mais um e

joguei para ele.

Descontei toda a minha frustração naquele trabalho até que o

caminhão estivesse pronto para partir.

— Vai ajudar a carregar mais um, senhor? — O homem desceu

da carroceria. Diferentemente de mim, ele não parecia esgotado.

— Para mim já deu, Pedro — balancei a cabeça em negativa.

— Que isso — fez uma cara engraçada antes de me provocar

—, estamos só nos aquecendo. Faltam apenas mais três.


— Já não sou mais um garoto como você. — Deixei uns

tapinhas em seu ombro. — Eu só precisava descarregar um pouco a


energia.

Suprimi uma careta ao pensar que ainda estava completamente


tenso, esgotado, mas igualmente frustrado.

— Ara! — Gargalhou, fazendo com que eu risse também.

— Pode voltar a usar a empilhadeira — falei ficando sério. — A

carga precisa sair daqui até às três horas para estar na Central de
Abastecimento antes das dez.

— Tá.

— Boa tarde, Pedro. — Lhe dei mais um tapinha em forma de

despedida.

— Tarde, senhor. — Ergueu o chapéu de palha em um

cumprimento. Com um aceno, caminhei até o vestiário.

Não correria mais o risco de dar um “showzinho” para Natalia,

embora tudo em mim protestasse contra a minha decisão. Ver o


desejo dela pelo meu corpo com certeza alimentaria o meu ego. E

igualmente a minha fome.


Soltando um som irritado, peguei minhas coisas no armário e

entrei em um box privativo, trancando a porta. Colocando tudo em


cima de uma prateleira, tirei minhas botas e as roupas sujas, já que

tinha mexido com terra mais cedo, e abri o registro do chuveiro,


deixando que a água fresca, quase gelada, me atingisse. O líquido

aliviava o calor pelo trabalho no sol, mas não a agitação e nem


mesmo a sensibilidade do meu corpo, já que, ao passar o sabonete
pela minha barriga, eu senti meus gomos todos se retesarem com o

meu toque, fazendo com que o fluxo sanguíneo se acumulasse na


minha pelve.

— Diacho! — murmurei entre dentes.

Não cedi a tentação de rodear o meu pênis e me masturbar,

buscando por alívio, não quando provavelmente eu iria começar a


fantasiar com ela, com a fricção dos nossos corpos, só que dessa

vez nus, quando eu gozaria chamando pelo nome dela, que estava
gravado não apenas na minha mente, mas também na ponta da

minha língua.

Tomando o banho o mais rápido possível, ignorando a minha


excitação, desliguei o chuveiro e fui me vestir. Em seguida, pegando

todas as minhas coisas, segui para o escritório para resolver


algumas pendências burocráticas, algo que odiava, com o auxílio de
outro funcionário, o que foi o suficiente para amenizar aquele caos
dentro de mim.

No fim do dia, foi com certo alívio que entrei na minha


caminhonete e me pus a caminho do casarão.

A cada quilômetro de estrada que eu percorria, mais louco para


chegar eu me sentia. Seis horas separado delas fez com que eu

morresse de saudade, não só de estar na companhia da garota, mas


também da minha Estrelinha. O tempo que eu passava com a

menininha não eram o suficiente, não para mim. Eu poderia ficar o


dia inteiro acompanhando suas peripécias que não enjoaria.

Mesmo que odiasse correr, pisei mais fundo no acelerador,

querendo chegar mais rápido, meu peito batendo feito um louco.

Ao avistar a casa, sorri, me sentindo no paraíso, e isso graças

àquelas duas. Minhas meninas…

Outra vez, sacudi a cabeça em negativa, segurando o volante

com força.

— Seu boboca, elas não são nada suas — disse entredentes,

sentindo-me desgostoso.
Dirigi por mais alguns minutos, com o humor meio volátil. Ao
estacionar o carro, peguei o chapéu em cima do assento do carona,
colocando-o na cabeça, torcendo secretamente para que a minha

Estrelinha tentasse puxá-lo da minha cabeça assim que a pegasse


no colo.

Assim que deixei o veículo, fui atraído pelo som da risadinha

estridente da bebê. Não contive um sorriso de felicidade, pois


Belinha tinha a capacidade de melhorar o meu humor em segundos,

e segui o barulhinho dela dando passos largos, mas quando alcancei

a parte de trás da casa, a alegria pareceu morrer dentro de mim,


sendo substituído por um sentimento bem mais corrosivo que eu

reconheci como ciúmes. Era a primeira vez que eu sentia isso com

essa intensidade, e achei a emoção repulsiva, principalmente por

não ter nada demais com ela.

Carlos segurava Belinha no colo enquanto tinha uma mão em

uma das bochechas de Natalia, tocando-a da mesma forma que eu

tinha feito várias vezes. A mão rapidamente baixou, mesmo assim,

na minha mente ciumenta e asquerosa, eu imaginei os dois se


beijando, vi o rapaz a tocando e fazendo-a gemer, ainda que o garoto

fosse um franguinho se comparado a mim.


Minhas vísceras se retorceram com o pensamento e meus

passos pareceram ficar pesados enquanto eu me aproximava. Lutei


contra mim mesmo para não socar o rapaz que se atreveu a tocar na

minha mulher, ignorando o fato de que ela na verdade não era

minha. Eu poderia demiti-lo, como meu avô costuma fazer com quem
o contrariava, mas isso não me faria melhor do que Leôncio, e a ideia

de equiparar-me a ele me encheu ainda mais de ódio.

Natalia pareceu ser a primeira a perceber a minha

aproximação, virando-se na minha direção. Apesar de ela ter sorrido


para mim, como se estivesse feliz com a minha chegada, isso só fez

arrefecer uma pequena parcela do ciúmes infantil que se espalhava

em mim como uma erva daninha.

— Chegou mais cedo — ela falou, os olhos castanhos


brilhando.

— Boa tarde, moça — minha voz soou áspera, apesar de eu

tentar mascarar o meu desagrado.

Enganchei meus dedos no passador da calça para me conter, já

que eu estava louco para envolver a cintura dela e trazê-la de

encontro a mim, demonstrando posse, algo que eu não tinha e nunca


teria.
Não reconheci aquele homem bruto que havia dentro de mim,

muito menos gostei dele.

— Felizmente, consegui resolver tudo o que precisava e pude


voltar mais cedo — continuei, e a garotinha começou a se agitar no

colo do rapaz, gritando ti, ti, ti, ao se virar na minha direção,

presenteando-me com um olhar arregalado.

— Fico feliz por isso — Natalia retrucou —, e acho que Belinha

também…

Seu sorriso ficou maior ao acariciar o topo da cabecinha da

bebê e, mesmo ainda consumido pela coisa ruim, eu retribui.

— Carlos. — Ergui o chapéu em um cumprimento tardio.

— Senhor Fontes.

Sorriu para mim, parecendo alheio ao meu estado de espírito,

tentando controlar a garotinha.

— Dê-me ela aqui — pedi quando minha Estrelinha estendeu

os bracinhos na minha direção, seu rostinho quase se transformando


em uma careta. — Pronto, Estrelinha — falei.

Inspirei fundo, sentindo o seu cheirinho infantil, que sempre

ficaria guardado na minha mente, e para o meu deleite, sua


mãozinha babada tocou o meu rosto. Deus! Como amava aquela

garotinha!

— Como Açúcar está? — questionei o homem.

Perguntei sobre a égua prenha, no intuito de desviar minha

atenção daquele sentimento ruim que me tomava.

— Irritadiça. — Coçou a cabeça. — O úbere dela está


começando a ficar um pouco arredondado, o que indica que ela está

no estágio final da gestação, prestes a parir. Tentamos fazer com que

se movesse um pouco, mas ela pareceu não gostar tanto.

— Melhor suspender os exercícios, não? — sugeri, olhando

para a menininha, que fazia inúmeros barulhos e tentava pegar o

meu chapéu.

O rapaz fez que sim.

— Depois darei uma passada por lá para ver como ela está —

falei. — E os outros cavalos, como estão?

— Binho começou a mancar mais cedo, senhor, e descobrimos

um abscesso na pata traseira direita. Já removi o pus e o mediquei.

— Certo. Obrigado. — Apesar da raiva que eu estava sentindo

dele, Carlos era um dos melhores veterinários equinos e sabia muito


bem o que estava fazendo.

— Nada — assentiu. — Agora, se me dão licença, tenho que ir.

— Até mais, Carlos — Natalia, que tinha ficado em silêncio até

aquele momento, sorriu para o moço.

— Até. — Piscou para ela, e eu me senti incomodado ao ver

isso.

Enciumado, fitei a garota com o canto do olho e vi que ela

parecia encabulada. O pensamento de que era apenas charme da


parte dela para atrair a atenção do rapaz, para deixá-lo louco como

ela me deixava, fez com que o meu ciúme tóxico se tornasse ainda

maior, ainda que uma vozinha sussurrasse em minha cabeça que eu


estava exagerando.

— Vamos para dentro? — disse, balançando a garotinha no

meu colo, tentando me controlar, sem muito sucesso. — Quero

comer alguma coisa antes de brincar com a minha Estrelinha.

— Claro…

Continuou a sorrir e, como sempre, atraindo a minha atenção

para os lábios desejáveis. Senti vontade de cruzar a pequena

distância que nos separava e capturá-los com os meus, marcando-a


como minha. Diferentemente do veterinário, estava mais do que claro

que ela percebia que eu estava incomodado.

Fiquei mais tenso enquanto torcia para que a garota não fizesse

nenhuma pergunta para a qual eu não queria dar uma resposta,

porque, diante da raiva que eu sentia, faria com que eu tomasse

aquilo que não deveria.

— Posso passar um café novinho para você — prosseguiu. —

Fiz uma massa de biscoito de polvilho, só falta fritar.

— Senti a minha boca salivar — brinquei com ela, tentando

anuviar o clima.

Infelizmente, dessa vez, não consegui me entregar por inteiro a

brincadeira, nem mesmo a conversa de Natalia. O sentimento

daninho de inveja e despeito era mais forte do que a minha força de


vontade.
Capítulo dezoito

— Ela custou a dormir? — perguntei para João Miguel ao ouvir


seus passos adentrando na cozinha enquanto lavava a louça do

jantar.

Era quase que uma pergunta retórica, já que fazia quase uma
hora que ele tinha levado uma bebê inquieta e chorosa para o

bercinho.

— Só dormiu no meu colo. — Suspirou fundo. — Ela estava


bastante agitada.
— Entendo… — Belinha não era a única nesse estado.

Desde o dia em que o cowboy me beijou e confessou que não


poderia ter filhos, ele não apenas parecia tenso, mas também triste,

embora tentasse disfarçar com sorrisos e brincadeiras. Poderíamos

nos conhecer há pouco tempo, cerca de seis semanas, mas nesses


dias que passamos juntos, eu estava aprendendo a ler os

sentimentos dele através dos seus gestos, das linhas de expressão e

principalmente daquilo que via em seus olhos.

Por mais que João tenha dito que não poderíamos ter nada um
com o outro, eu via o desejo que ele sentia por mim no modo como

ele me fitava, além da frustração.

Eu não deveria me sentir esperançosa, mas a menina tola e


apaixonada dentro de mim queria acreditar que um dia, quem sabe,

poderíamos ficar juntos. Era um sonho infantil, mesmo assim eu o

tinha.

Tive muito tempo para ponderar e meu coração dizia que não

importava se ele não pudesse me dar filhos biológicos. Apesar de


Belinha ser minha priminha, eu já fazia o papel de mãe para ela e a

garotinha para sempre seria a minha bonequinha, por isso que eu

estava dando um tempo antes que pudéssemos continuar essa


conversa, que para mim não estava acabada. Eu poderia ser jovem
demais, e até mesmo tola, mas eu era capaz de lidar com as

consequências das minhas próprias escolhas.

Apesar de eu respeitar os limites de João Miguel, desde que

chegou do trabalho, ele parecia mal-humorado e retraído. Mesmo

tendo rido e contado piadas, o comportamento estranho dele estava

me incomodando, bastante, por isso estava próxima a cruzar as


barreiras por ele impostas.

Peguei a panela com uma crosta de angu no fundo e tentei

remover a sujeira dela.

— Não precisa fazer isso agora, moça — falou em um tom

rouco ao se aproximar, parando atrás de mim.

Tudo em mim ficou consciente do cowboy, do calor do seu

corpo próximo ao meu, o cheiro que exalava dele, a sua

masculinidade, e, com isso, veio também a lembrança de como foi

ser beijada por ele, de como me senti ao ter os seus lábios deixando

beijos pela minha pele, de ter a sua barba roçando no meu

pescoço… Foi imediata a onda de arrepios que me deixou


formigando, bem como o desejo pulsante que irradiou diretamente

para o meu centro.


Lutei contra a vontade de dar um pequeno passo para trás e

colar minhas costas contra o seu peitoral, deixando-o excitado. Mordi


meus lábios, sentindo-me uma devassa.

— Melhor deixar de molho— continuou quando não respondi.

— Estou tirando o excesso — forcei a voz sair.

— Tá bem, moça — murmurou.

Diferentemente do que eu imaginava, ele não se afastou, pelo

contrário, ficou parado atrás de mim, tão próximo que eu podia sentir
a sua respiração contra a minha nuca.

Senti-me nervosa e afogueada, com os pelos do meu pescoço


se eriçando.

Engolindo em seco, terminei a tarefa o mais rápido possível.


Fiquei alguns segundos olhando para a louça no escorredor antes de

criar coragem e girar-me na direção dele. João deu um passo à


frente no momento em que eu recuei em direção a pia, buscando por
apoio quando o modo como ele me encarava deixou as minhas

pernas bambas. A tentação de espalmar minhas mãos nos seus


ombros procurando me firmar era demais.
Novamente, nossos olhos ficaram fixos um no outro, mas, além

da conexão que sempre nos unia, havia aquela chama que crepitava
entre nós dois que sentia que poderia nos incinerar.

— João Miguel? — sussurrei. Ergui um pouco o meu rosto,


entreabrindo os meus lábios, buscando por ar e pelo beijo dele.

Eu estava me oferecendo para ele, mesmo que não devesse.


Estava presa no seu magnetismo, minha mente rodopiando com o

desejo.

Ele apenas respirou fundo, antes de balançar a cabeça em

negativa. Sua mandíbula parecia rígida, como se fizesse um esforço


sobre-humano para se controlar.

— Desculpe-me por isso, moça — disse em um tom baixo,

dando um passo para trás, se afastando, mas não o suficiente para


colocar uma distância segura entre nós dois.

Olhei para o seu peito que subia e descia, acelerado.

— Deus! — Emitiu um suspiro longo.

Ergui meu rosto para fitá-lo, e vi seu rosto tomado de

frustração.

— Está tudo bem com você?


— Não… Sim…

Ergui minha mão para tocar sua face. Enquanto acariciava a


sua bochecha, os pelinhos curtos fizeram cócegas na minha mão.

Ele fechou os olhos e respirou fundo. Era como se sentisse dor, ao


mesmo tempo que dava a impressão de estar nos céus.

— Sei que algo está te incomodando. — Talvez eu estivesse


me precipitando, mas vê-lo daquela maneira me deu a coragem de

abrir a boca. — Tem a ver comigo?

Silêncio. Continuei a acariciá-lo, pensando que não teria uma

resposta, até que ele falou:

— Você faz um baita estrago na minha mente e no meu


coração, moça — deu um sorriso sem graça —, mais do que pode

imaginar.

Um pequeno bolo se formou na minha garganta. Com certeza


ele achava que era algo ruim.

— Estou por um fio de cair do cavalo, e a queda será feia. —

Inalou fundo. — Deus! Estou completamente desesperado para te


beijar outra vez .— Minha boca secou, porque, de uma maneira que

não conseguia compreender, eu também estava completamente


agoniada por sentir seus lábios sobre os meus. — Você invade as
minhas noites, o meu sono, o meu dia... Eu queimo por você, Natalia.
Porra! Eu até sinto ciúmes de você. E eu não gosto nada desse
sentimento corrosivo.

Não soube o que dizer. Fiquei atônita. Ele tinha ciúmes de


mim? Ele voltou a falar, interrompendo meus pensamentos.

— Eu morro por dentro a cada segundo por saber que não

podemos… — seu tom foi enfraquecendo.

— Nós podemos, João — falei em um fio de voz, tentando

controlar a animação que crescia cada vez mais no meu peito.

— Não, moça… — Antes que ele pudesse continuar, pousei um

dedo em seus lábios, impedindo-o.

Eu sabia o que ele iria falar e não iria deixar que o cowboy se

machucasse outra vez com palavras duras para si mesmo.

— Você pode me achar imatura, inocente ou jovem demais para

conseguir lidar com um assunto tão delicado, João, mas acredite em


mim, sou capaz de tomar as minhas próprias decisões — falei firme.

Ele tentou dizer algo, mas não deixei.

— Se eu posso te garantir que eu não ficarei triste, ou

chateada, não consigo — fiz uma pausa, sentindo o meu peito se


apertar um pouco ao olhar para a dor que havia nos olhos dele. —

Você diz que isso acabará com o nosso relacionamento, mas existem
tantas outras coisas que podem colocar um fim em tudo…

Acariciei o lábio dele, ousada.

— E você não pode me garantir que sentirá atração por mim

amanhã, João. — Me senti um pouco triste com essa possibilidade.

Para minha surpresa, ele pegou a minha mão e a abaixou.

— O que sinto por você é mais forte que uma simples atração,

moça — sussurrou. Vi um pinguinho de esperança em seus traços,


mas que ele logo tratou de massacrar. — Mesmo assim, nós…

— Existem outras alternativas para termos filhos juntos, no

futuro — o interrompi. — Podemos adotar caso não haja algum

tratamento, ou até recorrer a doação de…

Antes que eu pudesse terminar a frase, segurando o meu rosto

com as duas mãos, a boca de João Miguel baixou sobre a minha

enquanto seu corpo me prensava contra o balcão da cozinha,

deixando-me sentir não apenas a solidez do seu corpo, mas também


o seu pênis, que começava a ganhar vida, contra o meu abdômen.
Um suspiro baixo deixou-me quando os seus lábios começaram

a mover-se sobre os meus devagar, dando-me selinhos, nem

parecendo o homem que dizia estar desesperado por mim.

Ergui minha mão e enterrei meus dedos nos cabelos curtos,

arrancando dele um som gutural, faminto, antes dele intensificar a

pressão que os seus lábios exerciam sobre os meus, apenas para

logo voltar a adotar um ritmo lento, que só fazia com que a tensão
acumulada no meu baixo-ventre se tornasse mais intensa. E eu não

era a única, já que sentia o pênis de João ficar ainda mais duro

contra mim.

Saber que só aquele beijo suave o deixava daquela maneira,


me fazia sentir nas nuvens, tanto que dava vontade de gargalhar de

euforia. Não tive tempo de rir, pois, segurando o meu rosto com mais

firmeza, deslizou a língua pelos meus lábios, umedecendo-os,


deixando-os formigando com a antecipação. Seduzindo-me

lentamente, ele fez com que eu abrisse a minha boca para recebê-lo,

e, dessa vez, me deu um beijo urgente, finalmente dando vazão ao

desespero que o consumia.

Segurando os cabelos dele, incentivando-o, gememos em

uníssono quando nossas línguas bailaram uma contra a outra,


afoitas, e tudo em mim vibrou quando, baixando uma mão, o cowboy

começou a acariciar o meu pescoço, descendo até meu braço,


apenas para fazer o caminho inverso, deixando meus pelos

arrepiados. Pensar que eu teria suas mãos em outras partes de mim,

pedaços ainda nunca tocados, fez com que eu arqueasse meu corpo
de encontro ao dele, querendo que nós nos fundíssemos, mesmo

que a roupa nos impedisse.

Sua pelve moveu-se contra a minha instintivamente e ele

grunhiu, excitado. Por instinto, fincando minhas unhas nos seus


braços, aproveitei aquela pequena brecha para capturar seu lábio

inferior entre os meus dentes, puxando-o suavemente. Seus olhos

verdes estavam mais escuros pelo desejo e o som rouco que saiu
dele acabou com toda a minha insegurança, então, sem hesitar, fiz o

mesmo com o lábio superior antes de voltar a mergulhar a minha

língua na boca dele, tomando o controle do beijo, sentindo o gosto de

café que a impregnava e que tornava o contato ainda mais delicioso.

Eu o devorava, deslizando a minha boca contra a dele,

experimentando cada canto, deixando que o beijo embaralhasse a

minha capacidade de pensar racionalmente. Eu estava perdendo o

fôlego, mas não me importava. Nossas respirações aceleradas


faziam com que nossos peitos se friccionassem, deixando os bicos

dos meus seios duros com o atrito.

Estremeci e não contive o meu gemido quando, sem nenhuma

cerimônia, João Miguel roçou o dorso da mão na lateral do meu


corpo, acariciando um mamilo suavemente sobre o tecido fino da

blusa. Agradeci por não usar sutiã, que provavelmente diminuiria

minha sensibilidade as carícias dele, que faziam com que o meu


sexo ficasse mais contraído, incitado também pelo roçar das nossas

carnes.

Nunca imaginei que aquela região fosse tão sensível e que me

deixaria extremamente bamba, ao ponto de precisar segurar-me com


força em seus ombros para não cair.

O prazer se espalhava como chamas pelo meu corpo, e eu o

beijei e o toquei com mais fome, sentindo a solidez dos seus braços,

enterrando meus dedos nos pelos que os cobriam.

Subindo e descendo as mãos, com os olhos radiando

contentamento, ele me estimulava. Aproveitando o fato de eu estar

perdida perante a sensação de ter seus lábios sobre os meus, de ser


acariciada com desejo e ao mesmo tempo com ternura, tomou o

controle do beijo, tornando-o mais moroso.


Seus dedos baixaram até que uma mão ficasse pousada sobre

o meu quadril e a outra adentrasse a minha blusa. O calor da palma


quente contra a minha pele nua fez com eu estremecesse e jogasse

um pouco a minha cabeça para trás, interrompendo o beijo. João

rosnou, irritado pela interrupção, mas o chiado se tornou um gemido

quando sua boca deslizou pela minha bochecha, trilhando um


caminho de beijos em direção a garganta.

Sua barba roçando pela minha pele só aumentava as

sensações, que eram como um vendaval dentro de mim. Fechei os


olhos, acariciando seus ombros, o desejo tornando-se ainda mais

forte.

Remexi contra ele, esfregando-me sem nenhum pudor, quando

a sua língua me lambeu lentamente até alcançar a base do meu


pescoço, sugando o ponto sensível próximo a minha clavícula para

depois deixar uma mordida.

— João... — O nome dele saiu pelos meus lábios em um tom


irreconhecível quando soprou a pele úmida pelo seu beijo e a sua

mão alcançou a minha bunda.

Enterrou os dedos na minha carne, trazendo-me mais de

encontro a ele.
— Gostosa demais, moça — murmurou com voz rouca,
inspirando fundo, provocando pequenos tremores em mim, antes de

me encarar. Nosso olhar era de puro desejo.

Ele roçou as costas dos seus dedos novamente na curva de um


dos meus mamilos e minha única reação foi gemer, principalmente

quando seu polegar brincou com o bico do meu seio, deixando-o

ainda mais duro e sensível.

— Diacho. E eu ainda nem te provei por inteiro, Natalia.

Como se fosse possível, fiquei ainda mais excitada com as

suas palavras, e estive muito perto de perguntar “por que não

prova?”, mas a vergonha foi bem maior, não sabia o que ele acharia
da minha provocação.

Segurei a gola da sua camisa xadrez e o puxei para um beijo


sôfrego, intenso, enquanto seus dedos provocavam magia no meu

corpo, tanto que precisei fechar as pernas com a comichão que


surgiu em minha vagina.

— Vamos para o meu quarto. Por mais interessante que seja,


nossa primeira vez não será na cozinha — sussurrou contra a minha
orelha, depois de tomar o meu lóbulo entre os dentes e puxá-lo, sua

mão, para o meu desespero, deslizando pelo meu abdômen.


— Hm. — Acariciei a nuca dele. — Não vejo por que não.

Soltou os meus cabelos do coque, massageando os fios.

— É a sua primeira vez, não é, moça? — Ignorou o meu


comentário, e um frisson me percorreu quando ele acariciou a parte

de trás da minha cabeça.

— Sim, você é o meu primeiro. — Não tinha por que mentir,

apesar que, nesse momento, eu queria ser mais experiente para ele.

João sorriu, sua expressão parecendo tomada de prazer.

— Não deveria — começou em um tom pastoso, ainda sorrindo


de orelha a orelha —, mas me alegra muito saber disso, moça.

Deixou um beijo na ponta do meu nariz, o que fez cócegas.

Não quis pensar no passado e nem na experiência dele, pois


não tinha dúvidas que eu me chatearia. Era ridículo querer que eu
fosse a primeira mulher da sua vida.

— Vamos? — falei, sentindo-me subitamente ansiosa para

sentir o corpo nu dele de encontro ao meu.

Ele gargalhou, dando um passo para trás.

— Com prazer, moça.


Os olhos dele brilhavam, repletos de luxúria. Surpreendendo-
me, João enlaçou as minhas pernas e ergueu-me nos ombros, como
se eu fosse um saco de batatas e ele, um brucutu. Dando um

gritinho, cravei minhas unhas nas suas costas, com medo de cair.

João Miguel gargalhou ainda mais e deixou um tapa nas


minhas nádegas, de leve, gesto que não tinha a intenção de me
machucar.

— Não vou te deixar cair, Natalia — deu outro tapinha e me


acomodou melhor —, nunca.

— Não esqueça de pegar a babá eletrônica — dei-me por


vencida, quando ele acariciou a minha bunda, o que alimentou ainda

mais a minha ânsia por ele.

— Tá. — Manobrando, pegou o aparelho e começou a


caminhar para fora da cozinha.

Não podia negar que era no mínimo engraçado ser carregada

daquela maneira, apesar de me sentir um pouco enjoada. Sorte que


em poucos passos ele alcançou o quarto dele. Assim que abriu a
porta e ligou a luz, deslizou-me pelo seu corpo, arrancando um

gemido de ambos.
— Gostei disso — provocou-me, deixando um beijinho no canto
da minha boca.

Arqueei a sobrancelha, mas ele apenas deu de ombros, antes

de fechar e trancar a porta. Dei uns passos para frente,


contemplando o quarto em que eu tinha entrado algumas vezes para
limpar. Para um milionário, a decoração era bastante rústica, mas

combinava bastante com ele, principalmente os inúmeros chapéus


expostos em uma parede. Mas o que realmente chamava a atenção
era a cama enorme de mogno entalhado, de aparência antiga. João

Miguel era um homem grande, mas aquilo era exagerado.

Olhei para a janela panorâmica e sorri ao ver vagalumes

voando lá fora. Eles quase que formavam um redemoinho.


Aproximei-me do vidro, atraída pelo brilho deles.

Ele colou seu corpo nas minhas costas e meu bumbum roçou
no seu pênis excitado. Em silêncio, torceu os meus cabelos e jogou
as mechas para a frente. Suspirei ao sentir as pontas dos dedos dele

baixando uma alcinha, para remover a minha blusa, e meu corpo


inteiro entrou em combustão quando expôs um mamilo. Tentei

prestar atenção nos insetos lá fora, mas a minha vista pareceu


completamente desfocada quando encheu sua mão com o meu seio,
ao passo que levava a boca para cravar seus dentes no meu ombro,

deixando uma mordida na região.

Meu sexo se contraiu involuntariamente e a tensão no meu


corpo se tornou ainda maior. Rebolei contra a sua pelve, deixando-o
mais duro. Com um gemido baixo, ele levantou o meu mamilo e o

segurou com mais pressão, enquanto seus lábios deixavam vários


beijinhos pela minha pele nua. Deixei que o cowboy me explorasse
de várias formas, apenas ajudando-o a passar o meu braço pela

outra alça e remover de vez a minha blusa.

Senti-me um pouco constrangida, porém logo a vergonha se


dissolveu quando carinhosamente ele começou a brincar com os

meus seios, traçando os bicos com os polegares, massageando as


minhas mamas com uma ternura que fazia com que ao mesmo

tempo que eu ansiasse pelo alívio e a culminação do ato, desejava


que ele apenas continuasse a me tocar. As mãos dele, embora
pesadas e calejadas, me tocavam com tanta suavidade que me

emocionava.

— Uhm…

— Gosta, moça? — sussurrou contra a minha orelha ao pinçar

a aréola novamente, puxando-a.


— Muito. — Suspirei.

— Hum.

Me contorci contra ele, me perdendo no mar de sensações que


seu toque proporcionava, e escutei a sua risada abafada ecoar nos

meus ouvidos quando choraminguei por ele ter deixado o meu


mamilo, para deslizar os dedos pelo meu abdômen.

Arfei, quando a mão dele se infiltrou pelo meu short e alcançou


a calcinha, e roçou o meu sexo.

— Deus, moça! — falou em meio a um gemido, voltando a


raspar os dentes e a barba na minha nuca ao acariciar os pelos da

minha vagina, que estavam úmidos pela minha excitação.

João continuou a brincar com eles, fazendo com que meus

músculos internos se apertassem, me fazendo querer ser


preenchida.

— Você vai me matar — falou, e eu bem que poderia dizer a


mesma coisa.

Como para enfatizar sua fala, esfregou o seu pau contra a


minha bunda, deixando-me sentir o quanto estava rígido.
— Eu posso gozar só por saber que os meus beijos e toques te
deixam assim, moça…

Riu outra vez, só que não havia humor.

— É... acho que não vou durar muito tempo, Natalia..., — sua
voz saiu entrecortada quando ele brincou com as minhas dobras, e
uma tensão irracional passou a me consumir —, mas eu farei você

estremecer primeiro.

— Por favor. — Mesmo ficando corada, implorei por algo que

não sabia ao certo o que era, a única certeza que tinha era que seria
intenso.

Deixando um beijo na minha nuca, delicadamente, usou a ponta


do dedo para contornar os meus grandes lábios antes de inserir um

dedo dentro de mim. Com a penetração súbita, apoiei as duas mãos


contra o vidro da janela, buscando por apoio. A invasão era um
pouco estranha e meu corpo ficou tenso, mas as carícias gentis do

seu indicador, que explorava todas as paredes do meu sexo,


assomado com os beijinhos, fez com que rapidamente me
acostumasse e uma enxurrada de prazer, que nunca senti na vida,

banhou as minhas veias.


Um som baixo, ofegante, escapou pela minha garganta no
momento em que ele encontrou um ponto dentro de mim, ao passo

que beliscava suavemente o bico do meu seio, já excitado pelas suas


carícias.

Meu corpo pareceu ficar completamente tenso sob o toque dele


e, ao mesmo tempo, mole. Minha visão estava ficando cada vez mais

turva.

Senti uma gotinha de suor começar a se formar na minha nuca,

mas antes que escorresse pela minha coluna, o cowboy a lambeu e


emitiu um grunhido de prazer, como se apreciasse o meu gosto.

Estremeci contra ele.

João continuou a roçar a gema do seu dedo, para cima e para


baixo, naquele lugar sensível, fazendo com que eu emitisse vários
sons confusos.

Eu precisava de mais intensidade, mas ele não me deu aquilo


que eu queria, pelo contrário, deixou de acariciar meu clitóris e
removeu o seu dedo do meu interior, passando a brincar com os

meus pelos.

— João! — choraminguei, segurando o seu punho com força.


Sua resposta a minha súplica foi rosnar contra a minha orelha,

friccionar seu pau na minha bunda e enterrar dois dedos dentro de


mim, voltando a me estimular com círculos lentos até arrancar um
chiado angustiado de mim.

Riu roucamente, mantendo aquele ritmo que parecia que não

iria me levar a lugar algum, mas subitamente aumentou a velocidade


dos seus movimentos, comigo ainda segurando seu braço, e arqueei
a minha pelve contra os seus dedos, incentivando-o a continuar a

friccionar, me deixando cada vez mais tensa e desesperada.

Eu passei a lutar por ar ao tentar controlar o volume dos meus

gemidos. Meu corpo parecia que a qualquer momento iria se partir ao


meio, minha mente não conseguia ter um pensamento coerente que
não fosse chegar lá.

Estava completamente dominada pelo som da sua respiração


entrecortada, pelo seu pênis esfregando contra mim selvagemente,

como se procurasse a sua própria satisfação.

Sem parar de me masturbar, de me beijar, de me morder e de


lamber a minha pele, beliscou o meu mamilo outra vez e depois
baixou a mão para explorar todo o meu corpo, procurando por zonas

erógenas.
— Deus — blasfemei baixinho, sentindo-me convulsionar,
quando ele traçou círculos na região do meu umbigo e fez mais
movimentos sobre o meu ponto de prazer, dessa vez, sem nenhum

comedimento.

Riu baixinho, parecendo eufórico.

Perdi todo o controle com o seu ritmo alucinante, me


esfregando nele com igual selvageria, querendo aplacar aquela onda

que só crescia dentro de mim, até que, com um estímulo mais forte e
um pinçar diferente sobre a minha carne dura e sensível, senti que
estilhaçava. Uma sensação poderosa, indescritível, tomou o meu

corpo, me deixando completamente sem reação, até mesmo sem


voz. Deslizando a mão do meu umbigo para o quadril, o agarrou, me

mantendo firme, enquanto continuava a trabalhar habilmente no meu


clitóris, prolongando o meu êxtase.

— Natalia — chamou o meu nome em um tom baixo, o que me


deixou completamente arrepiada.

Poderia ser a minha primeira vez, mas eu soube que ele tinha
encontrado o mesmo prazer que o meu.

Com ele ainda me apoiando, ficamos em silêncio, apenas


respirando, até que, removendo os dedos de dentro de mim, virou-
me para ele, mantendo-me de encontro ao seu peitoral firme, que
ainda subia e descia aceleradamente. A fricção do bico dos meus

seios na sua roupa era delicioso e fazia com que o meu sexo se
contraísse em um espasmo.

Nossos olhares se encontram, e ele parecia emocionado,


deixando meu coração acelerado. Com um sorriso que roubou o meu

fôlego, baixou a cabeça e deu-me um beijo suave, extremamente


carinhoso, que tornou as sensações do orgasmo que ainda me
percorriam em algo mais doce. Retribui, deslizando meus lábios

contra os deles, colocando minha língua em sua boca, enquanto


acariciava seus cabelos. Um grunhido baixinho alcançou os meus
ouvidos. Ele deixou vários beijinhos nos meus lábios, e eu acabei

sorrindo contra a sua boca, me sentindo ainda mais apaixonada por


João Miguel.

Ele interrompeu os beijinhos e, para o meu desapontamento,

também afrouxou o abraço e deu um passo para trás.

Seu olhar recaiu sobre os meus seios. Fiquei subitamente


envergonhada por ser a primeira vez que ficava nua na frente de um
homem, então desviei o meu olhar e coloquei os meus braços sobre

eles, querendo escondê-los.


— Não os esconda de mim, moça — falou em um tom rouco,

antes de gentilmente baixar meus braços e desnudar-me para ele. —


Eles são lindos.

Olhei para baixo, tentando enxergar do ponto de vista dele, mas


tudo o que vi foi um par de seios de tamanho mediano.

— Comuns! — sussurrei e ele balançou a cabeça em negativa.

— Perfeitos… — me contradisse.

Como se para provar o seu ponto de vista, as mãos dele

subiram e os seguraram em concha, seus polegares traçando


círculos pelas pequenas protuberâncias. A carícia gentil e o olhar
ardente fizeram com que o meu sexo latejasse, mesmo que não

tenha passado nem minutos que eu tinha chegado ao ápice.

— E cabem certinho nas minhas mãos.

Sorriu, e notei que não estava sendo gentil, pelo contrário, ele
parecia um animal faminto que a qualquer momento me devoraria.

De alguma forma, ele estava me fazendo acreditar na beleza deles.

— Até parecem que foram feitos para mim.

— Não sabia que você era tão convencido, João — provoquei-


o.
— Estou me descobrindo um… — Deu de ombros.

Beliscou a pontinha do meu seio e eu gemi com a excitação

que me varreu.

— Eles são lindos, de verdade. Sou um homem de sorte.

Dei uma risadinha.

— Só me resta saber se eles são tão deliciosos como parecem,


moça.

A antecipação se espalhou pelo meu corpo com a sua sentença


faminta. Quando ele se curvou, erguendo um dos meus mamilos, e
roçou seus lábios no meu bico, pensei que iria cair, meus joelhos

ficando extremamente fracos. Apoiei-me nele e um suspiro alto


ecoou pelo quarto quando sua língua traçou movimentos lentos pela
aréola, deixando-a úmida, excitando-me ainda mais. Meu corpo todo

pareceu entrar em frenesi no momento em que, gemendo, tomou um


bico em sua boca e passou a sugá-lo lentamente, enquanto sua mão
acariciava o meu outro mamilo.

Embora vê-lo me chupando fosse delicioso, principalmente

pelos sons que deixava escapar, fechei os olhos quando a sucção se


tornou mais forte e, igualmente, o meu prazer. Seus dedos não
ficaram apenas no meu seio, passaram a percorrer todo o meu
corpo, transformando-me em uma gelatina sob o seu tato.

— Gostosa... e minha — falou em um tom possessivo, mas eu


apenas chiei quando ele deixou o meu mamilo.

Entreabrindo minhas pálpebras, levei a mão ao seu cabelo,

guiando-o de volta, e ele riu, antes de tomar o outro bico entre os


dentes e puxá-lo.

A pontinha de dor em meio ao prazer embotou meus


pensamentos, tanto que perdi completamente a noção do pudor

quando senti as mãos dele baixando o meu short junto com a minha
calcinha nada sexy, lentamente, torturando-me ao roçar os dedos
pelas minhas coxas.

Em um instante, o cowboy sugava meu peito, no outro, ele


estava ajoelhado e seu rosto bem próximo da minha vagina.

— Você é toda perfeita... nem acredito que estou fazendo isso,


moça — falou com a voz rouca ao cheirar o meu sexo, e eu senti que
novamente eu poderia explodir com a selvajaria do seu ato.

Minha resposta foi um ruído incongruente, já que ele deixou

uma lambida pelos meus grandes e pequenos lábios. A sensação de


ter a sua boca sobre mim era tão insana, que se ele não me
segurasse, eu iria desmanchar.

— Está pronta para mim outra vez — sussurrou antes de


encontrar aquele ponto pulsante e eu arqueei contra a língua dele —,
diacho, Natalia...

— Isso é uma reclamação, João? — falei, tímida com a minha


ousadia. — Eu posso…

— Não! — Cortou-me.

Eu quis gargalhar ao ver sua expressão, mas logo a minha


diversão morreu quando, depois de dar uma pequena sugada no

meu ponto de prazer, ele se levantou.

— Estou faminto por você, moça… — Me encarou diretamente


nos olhos.

— Hm. — Segurei a gola da sua camisa.

— Pode ser que doa muito… — Pareceu aflito por um momento


e eu segurei o seu rosto, acarinhando sua barba.

— Sei que você será o mais carinhoso possível, João. —


Embora devesse estar receosa, eu confiava nele para ser o meu

primeiro.
— Sim, sempre, moça, preferiria me agredir a te fazer mal.

— E eu preciso sentir você dentro de mim, amor — falei


baixinho, ficando envergonhada não só pelas minhas palavras sujas,
mas também por eu estar me esfregando no seu pau.

— Caralho... — sussurrou, e com os seus olhos brilhando,


roçou os lábios nos meus ao me acariciar com ternura.

Ele suspirou e ficamos assim por um tempinho.

— Tire minhas roupas, moça — pediu com tanta súplica que


percebi o seu desespero, que estava não apenas na sua voz, mas
também no seu rosto. — Me toque da mesma forma que te toquei.
Me beije da forma que eu te beijei. Faça meu corpo seu, pois minha
alma sabe que ela é cada vez mais sua.

Emocionada pelas suas palavras que poderiam muito bem me


levar às lágrimas, sem hesitar o beijei, querendo demonstrar a minha
paixão por ele com os meus lábios enquanto minhas mãos
percorriam os seus ombros, alisando-o por cima da roupa.

No instante que a minha língua encontrou a dele, sedenta, e


João se deixou levar, gemendo em retribuição, a ânsia que sentia por
ele se tornou mais intensa e a vontade de sentir a pele dele contra a
minha dominou-me. Sem descolar as nossas bocas, instintivamente,
levei meus dedos à primeira casa e comecei a remover o botão. A
tarefa simples pareceu tornar-se mais difícil enquanto o desejo e o

beijo embaralhavam os meus sentidos.

— São botões demais — murmurei, indignada, beirando ao


desespero. — E pequenos!

Ele gargalhou e mordiscou o meu pescoço, fazendo com que

eu me retorcesse ao sentir seus lábios úmidos e a barba arranhando.


E não me ajudou a desabotoar sua camisa.

Para vingar-me, mesmo que me causasse várias comichões, à


medida que eu ia desnudando-o, eu o acariciava, brincando com os

pelinhos macios do seu peito, sentindo toda a sua força com as


pontas dos meus dedos, percebendo os seus músculos irem se
contraindo quando eu o tocava.

Finalmente cheguei a última casa. Dando um pequeno passinho

para trás, sem remover a camisa, fitei o seu peito forte subindo e
descendo acelerado. Abaixando os olhos, percorri lentamente pelo
seu abdômen cheio de gominhos, parecendo não ter nenhum grama
de gordura, até que, ousada, encarei o cós do seu jeans. Ver seu pau
excitado fez com que minha boca secasse e o desejo reverberasse
na minha vagina.
Ruborizei ao voltar a olhar para o rosto de João e ver que ele
esperava que eu o tocasse ali. Bem, eu iria, mas não agora, o
torturaria mais um pouco, apenas olhando, mas logo apenas encará-
lo foi insuficiente e eu espalmei minhas mãos em seus ombros, o

calor de pele contra pele me esquentando em várias partes. Com um


suspiro, fui baixando a minha mão, percorrendo cada uma das
protuberâncias do seu abdômen enquanto ele estremecia sob o meu
toque.

— Você é tão forte, sabia? — falei, subindo outra vez.

— Acha mesmo? — Deu-me um sorriso que eu poderia muito


bem classificar como cafajeste e convencido.

— E gostosão.

Apesar de ser uma verdade, outra vez senti-me envergonhada.

João riu, parecendo eufórico, mas logo a risada dele morreu ao


sentir meus lábios pressionando o seu pescoço, em um beijo que era
acompanhado pelo toque das minhas duas mãos em seu peito.

— Porra, moça! — disse em um tom estrangulado quando lambi


toda a extensão da sua garganta.
O gosto salgado do suor que cobria a sua pele impregnava a
minha língua, enquanto seu cheiro invadia as minhas narinas.

Incentivando-me, removeu a blusa dando puxões apressados,


dando-me mais acesso a ele, e eu deixei vários beijinhos na lateral
do seu corpo, sentindo cada arrepio que percorria o corpo dele.

Eu me sentia molhada e pronta, meus músculos internos


pareciam se contraírem, e um incômodo me invadia, o que me dava
vontade de fechar minhas pernas e roçar uma na outra, mas
continuei minha exploração.

Ergui um pouco os meus olhos e a sua expressão, que era um


misto de dor e prazer, foi o combustível para que eu continuasse a
lamber, beijar, mordiscar e sugar, enquanto meus dedos traçavam a
sua pele.

Quanto mais meus lábios baixavam, mais altos se tornavam os


sons que saíam da boca de João Miguel. Estava completamente
viciada no sabor da sua pele, em sentir os músculos dele tensos e
suados contra o meu tato.

Ele entrecerrou os olhos e sua mão segurou os meus cabelos

com gentileza, acariciando-os. Sedento, João Miguel puxou-me para


um outro beijo que nada tinha de inocente. Seus lábios eram duros,
exigentes, seus movimentos queriam a minha entrega, sua língua
enroscava na minha, rendendo-me. Ele me fazia amor com a boca.

Enquanto ele tombava a minha cabeça, meus dedos se


aproximaram do cós da calça com a intenção de desnudá-lo de vez.
O cowboy rugiu contra a minha boca quando meus dedos roçaram
seu pau ao abrir o botão e baixar o zíper.

— Porra! — disse contra a minha boca quando minha mão se


infiltrou pela sua cueca e tomei seu pau duro e melado entre os
dedos.

Não sabia muito bem o que fazer, mas o brilho nos olhos dele e
a respiração entrecortada eram incentivos para que eu deslizasse

meus dedos de cima a baixo, sentindo-o latejar contra minha palma.

— Posso gozar outra vez só com as suas carícias, moça —


falou, entrecortado, e pensar nisso me encheu ainda mais de desejo
—, mas preciso estar dentro de você quando isso acontecer

novamente.

Intensifiquei meus movimentos, fazendo-o grunhir. Meu sexo se


apertou, como se antecipasse o momento em que ele iria me
preencher.
— Eu adoraria, João — disse contra o ouvido dele, plantando
um beijo no lóbulo de sua orelha.

— Céus, moça!

Minha fala fez com que o cowboy perdesse completamente o


controle. Nos girando, ao mesmo tempo que tomava meus lábios
com os seus e me trazia de encontro ao seu peitoral nu, fez com
déssemos vários passos até que os meus joelhos encostassem na
borda da cama. Um arrepio de antecipação percorreu minha coluna.

Com delicadeza, tombando-me contra o colchão, deitou-me no


centro dele e um som gutural escapou da minha garganta ao sentir
todo o peso do seu corpo contra o meu, o peito firme achatando os
meus mamilos. Segurando o meu rosto, lambeu meus lábios, mas
logo voltou a me beijar com fúria, ao passo que minhas mãos

percorriam suas costas, acariciando-o enquanto o suor fazia com que


deslizássemos um contra o outro.

Gememos juntos quando nossos sexos se esfregaram um no


outro em meio ao beijo, João ficando ainda mais tenso sob meu

toque. A cada atrito, eu sentia minha vagina pulsar e novamente me


vi presa em um turbilhão.
— Tire o resto das roupas — pedi, ondulando meus quadris

contra o dele. — Faça-me sua, Miguel.

— Caralho! Sim!

Sem que eu precisasse pedir outra vez, descolou nossos


corpos ao se ajoelhar no colchão. Acomodei-me melhor na cama,

colocando-me próxima a cabeceira, para observá-lo removendo a


calça junto com a cueca. Não podia negar a curiosidade que sentia
por ver um homem excitado. O meu homem.

Fitei-o hipnotizada, olhando o seu pênis rígido. Por mim.

Outra vez, a sensação de poder circulou pelos meus poros. Eu


mal podia acreditar na minha sorte em ter aquele cowboy, e muito
menos que eu era capaz de deixá-lo tão rígido.

João jogou a calça e a cueca no chão e deixou que eu

contemplasse seu pau por um segundo ou dois até que eu tomasse a


iniciativa e, me movendo na cama, o puxei para que eu voltasse a
ficar debaixo dele. Queria sentir seu corpo cobrindo o meu, dessa
vez completamente nu, então segurei a bunda dele e o trouxe para
mim; o peso dele fez com que eu arfasse e impulsionasse os meus
quadris para frente, buscando o seu.
Minhas mãos tornaram a percorrer a pele suada das suas
costas, querendo tudo dele enquanto seus lábios se juntavam aos
meus em um beijo que passou a me devorar. Imaginei que ele fosse

me penetrar em meio ao contato das nossas bocas, porém, para


minha surpresa, fez com que nós trocássemos de posição, me
deixando por cima.

Dei um gritinho ao espalmar as duas mãos sobre o seu peito

quando passou uma perna minha por entre seu corpo e fez a mesma
coisa com a outra. Segurando minha cintura, encaixou-me melhor
contra ele, sentada.

— João?

— Você vai cavalgar o seu cowboy, moça. — Ergueu uma mão


para remover uma mecha de cabelo que caiu em meu rosto.

— Eu… — Fiquei um pouco insegura.

— Vou te ajudar — piscou para mim, brincalhão —, apesar de

que será difícil eu me concentrar com essa visão.

Os olhos verdes estavam concentrados em meu rosto e as


mãos foram parar nos meus quadris. Não suportando mais a tensão,
finalmente deu o que eu queria ao erguer-me um pouco e colocar um
pedaço do seu pênis dentro de mim. Meu corpo ficou rígido, isso que
ele nem havia rompido a minha barreira.

— Tome seu tempo, moça — incentivou-me naquele tom rouco,


mantendo-me pairando sobre ele.

Respirando fundo, afundei-me mais um pouco, sentindo que ele


deslizava fácil devido a minha lubrificação. Embora eu o tomasse
devagar, centímetro a centímetro, isso não aliviava aquela urgência
por alívio, e olhando para o cowboy, percebi que por mais que
tentasse se controlar, ele também estava aflito.

Respirando fundo, criando coragem, deslizei sobre a sua


ereção com um tranco e perdi o meu fôlego ao sentir uma dor aguda
com o rompimento. Pequenas lágrimas se formaram em meus olhos
e não consegui contê-las.

— Está tudo bem, amor — passou o polegar pelo meu rosto,


limpando a trilha de lágrimas —, vai diminuir. Respire fundo.

Inspirei e expirei várias vezes, e apesar da dor parecer me


rasgar ao meio, comecei a movimentar meus quadris lentamente,

buscando o prazer do ato. Ainda mantendo uma mão sobre a minha


anca, João Miguel, que claramente usava todas as suas forças para
não reagir aos meus movimentos, usou a mão livre para acariciar a
lateral do meu seio, e o seu toque carinhoso pareceu tornar tudo

mais fácil.

Apoiando-me no peitoral dele, tentei encontrar o meu ritmo e as


chamas do desejo por tê-lo, por ouvir os sons que ele emitia, se
espalhavam pelo meu corpo e sobrepujavam o ardor causado pela
fricção. E eu comecei não apenas a me mover para frente e para

trás, ondulando o meu corpo, mas também a me erguer para cima e


para baixo.

Eu estava cada vez mais ofegante e suada. E, de alguma


forma, mais excitada. Meus seios balançavam com os trancos que eu
dava, e o sorriso predatório de João, que parecia no seu limite,

indicava que ele gostava e muito de vê-los pendulando.

Subi e desci várias vezes, testando o ritmo e o tempo da


penetração. Eu levava o pau dele cada vez mais fundo no meu
interior, sentindo minhas paredes apertando-o, querendo prendê-lo

dentro de mim.

— Isso — sussurrou quando desci com mais força sobre a sua


rigidez, parecendo perdido nas próprias sensações.

Não respondi, apenas continuei a mexer a minha pelve contra a

dele, a gemer, pressionando meus joelhos mais contra o colchão,


tentando me firmar.

Com um grunhido, levou a mão à minha bunda e, depois de

acariciar a fenda entre as minhas nádegas, enterrou seus dedos


nelas e me puxou mais de encontro a sua ereção.

A cada estocada, o cowboy parecia me ajustar ainda mais a


ele, fazendo com que o seu pênis roçasse naquele ponto duro e
excitado, e, em troca, sons incoerentes escapavam dos meus lábios,

misturando-se aos dele. Nossos corpos, banhados de suor, só


facilitavam a fricção.

— Deus! — blasfemou, entrecortado, ao aumentar o ritmo.

Fechou os olhos e mordeu os lábios, tentando abafar os seus


barulhos, e a imagem dele assim, preso no prazer, era extremamente
poderosa, despertando ainda mais a minha fome.

Passando a erguer e baixar seus quadris, João adotou um ritmo


quase insano. O chocar de pelve contra pelve ecoava pelo quarto em
meio a vários outros sons. A rigidez dele era nítida. Eu sabia que ele

estava prestes a se esvair, ainda mais quando o meu canal oferecia


mais resistência ao se contrair em torno dele.

João Miguel abriu as pálpebras e me encarou fixamente, os


olhos verdes parecendo nublados. Eram tão belos... E bastou mais
algumas estocadas para que eu não só ouvisse o meu nome saindo
pelos lábios dele, como também sentisse o líquido dele me
preenchendo.

Observei cada uma das reações do meu homem enquanto

aproveitava para me movimentar sobre ele, mas aquela dor que vez
ou outra aparecia impedia-me de ir junto com o cowboy. Como se
soubesse o que eu precisava, comigo ainda o cavalgando, inseriu um
dedo dentro de mim e encontrou o meu clitóris.

Diferente da primeira vez, ele não hesitou em esfregar aquele


ponto sensível, de cima a baixo, com precisão, provocando vários

arrepios. Minha vista desfocou, meu corpo pareceu desfalecer no


momento em que, removendo seu pênis que começava a ficar flácido
de dentro de mim, inseriu mais dois dedos e encontrou outro local
que era igualmente prazeroso e acariciou-o sem nenhuma modéstia.
Eu me movimentava contra a sua mão até que, após um toque mais

habilidoso, estilhacei-me em outro orgasmo, perdendo a noção de


tempo e espaço.

Meu cérebro parecia não processar nada, dominado pelas


sensações do êxtase que me fazia tremer de euforia. Bem, somente
uma ele registrou: o cowboy deitando-me em cima dele e clamando a
minha boca mais uma vez.
Capítulo dezenove

Tornei o beijo mais suave, dando quase que selinhos, ao


acariciar as costas dela com movimentos lentos enquanto que com a

outra mão prendia os seus cabelos molhados pelo suor em um


coque.

Não contive um sorriso de regozijo ao sentir o corpo dela se

arquear contra mim quando dedilhei a linha da sua coluna.

Eu tinha sorte. Muita sorte, mesmo achando que não era digna
dela.
Suspirei, apreciando o fato de ter o corpo dela contra o meu,

sentindo os mamilos, a cada respirar, roçando no meu peitoral.

Caralho!

O modo como o corpo dela tinha se encaixado no meu, a forma

que ela me fez amor, ficariam gravados em mim como se um ferrete

tivesse tocado não apenas a minha pele, mas também a minha alma.

Foi difícil me controlar para não gozar rápido demais, mesmo

assim, não consegui me segurar antes de ela alcançar o ápice. Fiz

uma careta ao pensar nisso, mas logo afastei esse pensamento da


mente, dizendo a mim mesmo que na próxima as coisas seriam

diferentes. Bem diferentes…

Deixei um beijo na pontinha do seu nariz.

— Isso faz cócegas — sua voz soou pastosa. Ela veio apoiar o

queixo no meu peitoral para poder me encarar com seus olhos

semipuxados.

— Hm.

Beijei-a outra vez e o narizinho dela se franziu. Brinquei com

ela, repetindo o gesto até que a careta se transformasse em um


sorriso provocante, que me fez beijá-la outra vez, dessa vez de
língua, e Natalia gemeu contra a minha boca.

— Como você está? — questionei, ofegante, parando de beijá-

la para encher o meu pulmão de ar.

Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha dela, uma onda


de ternura e preocupação me invadindo.

— Bem — sussurrou. — Ainda dói um pouco e também arde.

Senti uma pontinha de culpa. Talvez se tivéssemos feito em

uma outra posição teria sido menos doloroso.

— Me desculpe por isso, moça. — Deixei um beijo nas suas


pálpebras.

Ela se acomodou melhor sobre mim, seu sexo tocando o meu

pênis flácido que pareceu recobrar um pouco de vida, mas não o

suficiente para ficar duro outra vez. E mesmo que ficasse, não iria tê-

la. Não por algumas horas pelo menos.

— É muito doce você se desculpar, João, mas não precisa. —

Beijou o meu queixo. — Era algo inevitável e que não tinha como

fugir.

— Não, infelizmente não.


Colou nossos lábios em um beijo gostoso e, para o meu

desagrado, findando-o, saiu de cima de mim, deitando de costas


contra o colchão. Movimentei-me, colocando-me de lado e a

observei, seus seios subindo e descendo com a respiração ainda


descompassada. Mesmo consciente de que deveríamos nos levantar
e tomar um banho, queria aquela intimidade de estarmos nus e

cansados um nos braços do outro. Puxei uma caixa de lenço dentro


da cômoda e, depois de limpar o meu pênis, para a vergonha dela,

gentilmente a ajudei a se limpar também, retirando principalmente o


sangue no meio das suas pernas. Temporariamente satisfeito, tornei

a abraçá-la.

— Foi uma experiência muito ruim? — questionei, a


insegurança me dominando.

— Não — seus dedos brincaram com os pelos do meu peito —,

eu gostei. Bastante.

— Bom. — Outra vez eu sorri.

— Eu nem preciso perguntar como foi para você, não é

mesmo? — falou, divertida, voltando a olhar para mim.

Uma gargalhada brotou dentro de mim, mas logo morreu


quando sua boca pousou sobre a minha pele, o que fez meu coração
disparar e também me deixou todo eriçado. Foi impossível não

imaginar como seria ter os lábios deliciosos por todo o meu corpo,
deixando um rastro úmido de beijos, mordidas e lambidas.

Senti que endurecia com a ideia de tê-la me tomando em sua


boca enquanto sua língua traçava círculos na cabeça do meu pau.

Diacho! A imagem era fodidamente forte e deliciosa. Em


breve…

Minha risada se juntou à dela.

— Não, não precisa — falei roucamente, voltando ao assunto

ao levar a minha mão em direção a sua bunda e a apertar —, mas eu


falarei mesmo assim: você foi deliciosa, moça.

— Não tenho tanta certeza disso. — Mordiscou os lábios,


parecendo insegura.

— Pois tenha, moça — deixei um tapinha na sua nádega antes


de acariciá-la ali —, tive que pensar em contratos para não acabar
logo com a graça.

— Deus! — Gargalhou.

— O que posso fazer se a minha mulher é gostosa?


Dei um sorriso de canto e enrolei os fios longos entre os meus
dedos.

— Sua mulher? — Os pontinhos dourados dos seus olhos

brilharam, seus lábios se curvando para cima.

— Sim, moça, agora você é minha, e não se livrará de mim tão


fácil — falei, possessivo, minha boca encontrando a dela novamente.

Em meio ao beijo urgente, senti que ela colava a sua pelve na

minha por instinto, e eu a impedi, segurando-a pelo quadril.

— João? — choramingou.

— Vamos com calma, amor — falei.

Ela fez um biquinho desgostoso, e eu o cobri com um selinho.

Natalia era tão linda, tão inocente...

Com a ponta de um dedo, ela acariciou a lateral do meu corpo,


me deixando tenso.

— Sou uma tola por gostar de ser chamada assim? —

questionou em meio a um suspiro.

— Claro que não, meu amor — usei outra variação. — Como eu

não me importaria em ser chamado de amor também.


— Tá bom — ronronou.

Fiz uma careta quando ela não me chamou pelo apelidinho


carinhoso que sugeri.

— Amor… — Alisou o meu queixo.

— Assim está melhor.

Mordi o ombro dela e Natalia gemeu, seu corpo ondulando

contra mim. Outra vez a podei, apenas aninhando-a no meu corpo.


Ela acomodou a cabeça no meu braço.

— Nós realmente estamos juntos? — perguntou depois de

minutos.

— Só se você aceitar ser a minha namorada — provoquei-a.

— Humm… preciso pensar.

A carranca foi imediata.

— Natalia… — Minha voz soou perigosa ao girar nossos corpos

e pairar em cima dela, impedindo-a de se movimentar.

Ela riu.

— É claro que eu aceito — arranhou as minhas costas, até

alcançar a lombar —, como eu poderia te recusar?


— Hm. Pensei que teria que jogar sujo com você!

Gargalhou ainda mais.

— Deveria ter esperado, então.

Bufei, para depois gemer sobre o seu toque.

— Amor?

— Sim, moça? — rocei meus lábios nela.

— Você me dá um anel?

— Anel? — Arqueei a sobrancelha para ela. Fiquei confuso.

— De namoro.

— Nunca ouvi falar disso.

— Sei que é bobo — pareceu sem graça —, mas algumas


meninas da minha escola tinham e eu achava bonitinho.

— Vou pensar no seu caso — brinquei com ela.

— Posso jogar sujo com você — retrucou com meu próprio


argumento, seus quadris roçando nos meus.

Gemi.

— Diamantes? — sussurrei à queima roupa.


— Não precisa exagerar.

— Você merece tudo de melhor, moça, e eu vou te mimar,

muito. — Falei entre beijos. — E também não quero que ninguém


tenha dúvidas de que você me pertence, principalmente os rapazes

que dão em cima de você.

— Ciumento.

— Muito, tanto que quase perdi a cabeça quando vi você junto


com Carlos.

— Ah! Isso? Ele só estava tirando um inseto. — Fez uma pausa

e eu tentei deixar meu ciúme de lado. — Devo ter medo da sua

possessividade?

— Nunca!

Deixei outro beijo e rolei para o lado.

— Mas podemos continuar tendo essa conversa na banheira.

Os olhos dela cintilaram e me deu um sorriso lascivo.

Provavelmente conversar seria a última coisa que faríamos.


Capítulo vinte

— Calma, Estrelinha — conversei com a bebê, que balançava


seu corpinho freneticamente. — Você está tão escorregadia quanto

um peixe.

Natalia deu uma risada com a minha analogia enquanto


colocava a mangueira dentro da piscininha de plástico. Belinha

pareceu se agitar ainda mais.

— Porque ela é mesmo igual a um peixinho, não pode ver água


— comentou, risonha, indo em direção a torneira.
— É. — Não tinha como negar. Tirar a menininha do banho era

um grande “Deus nos acuda”.

— Nana! — gritou estridentemente, chamando por Natalia.

Sorri. Uma semana atrás, tivemos uma doce surpresa quando,

brincando com ela, a garotinha acabou gritando a palavrinha

dissílaba, quando quis pegar a Senhora Rosinha que estava no colo


da Natalia. Minha garota tinha ido às lágrimas, considerando “Nana”

a primeira palavra de Belinha.

Tinha ficado feliz por ela, mas não pude negar que sentia uma
pontinha de inveja. Secretamente desejei que a primeira palavra de

Belinha fosse João, ou “titi”, mas sabia que dificilmente isso

aconteceria, pois, apesar de eu ter passado a fazer parte da sua


vidinha, ainda estava há muito pouco tempo nela e minha namorada

ficava com a menininha quase o tempo todo. Quem sabe um dia eu

seria a primeira palavrinha de alguém, ou escutaria alguém me

chamar de pai ou papai.

Depois da noite em que tivemos nossa primeira vez, eu e


Natalia havíamos tido uma conversa séria sobre termos um bebê.

Talvez estivéssemos indo rápido demais com as coisas, mas

passamos a planejar a nossa vida juntos, e decidimos que filhos


ficariam para um futuro longínquo. Minha namorada tinha que
estudar primeiro, se realizar como pessoa e como profissional, e eu

não a privaria disso. E tínhamos Estrelinha para cuidar e mimar.

Olhei para a menininha no meu colo, sentindo uma onda de

ternura por ela. Algo dentro de mim ansiava que ela me chamasse de

“papa” ou “papai”. Eu sabia que seria algo impossível, já que, embora

eu e a prima dela estivéssemos juntos há pouco mais de dez dias,


nenhum de nós dois mencionava a palavra ‘pai’ para Belinha. Ainda

que eu estivesse na vida dela, que eu a amasse com todo o meu ser,

e estava mais do que disposto a prestar o papel de pai para ela, de

ser seu protetor incondicional, sabia que não era certo eu me

denominar assim. Nem mesmo Natalia, que dedicava sua vida à

garotinha, se intitulava como mãe dela.

Tinha que aceitar que para sempre seria denominado como o

titio de Estrelinha, embora me sentisse como o pai dela, não

biológico, mas o mais importante: o de coração e de alma. Fora que

havia a questão legal. Por mais dinheiro que eu tivesse, o processo

para obtenção de guarda da garota não tinha saído do status


“juntada de petição” e a condição de Natalia ainda era precária. A

doutora Maraso estava trabalhando bastante no caso, reunindo todas

as provas possíveis contra Verônica. Mesmo assim, nesses quase


dois meses, nada havia ocorrido de fato. Tentávamos não deixar que

o medo de que ela fosse presa atingisse a felicidade que vivíamos,


mas a insegurança sempre estaria ali até que tudo fosse resolvido.

— Pronto! — Natalia me tirou do transe e eu vi que a piscina


estava cheia.

— Nana!

Belinha emitiu vários sons em meio a gritos e, para minha

surpresa, apontou para a piscina.

— Olha, amor — falei, abobado, quando ela continuou a


apontar. Era a primeira vez que Estrelinha fazia isso.

— Tô vendo. — Ela sorriu, aquecendo o meu coração. —

Vamos colocá-la logo na água antes que comece a chorar.

Assentindo, coloquei a garotinha na piscininha, e assim que

entrou em contato com a água, deu uma gargalhada linda típica de


bebê. Seus bracinhos e suas perninhas fizeram com que a água
espirrasse para todo e qualquer lado.

Por alguns segundos, apenas contemplei a imagem da

garotinha no seu biquíni cheio de babados se divertindo, rindo. Ela


era tão linda em sua inocência que foi impossível conter os meus

suspiros apaixonados, nem o meu sorriso abobado.

— Vou pegar os brinquedos dela — Natalia disse, fazendo com

que eu olhasse para ela.

Igual a mim, minha namorada tinha um sorrisão que roubou o

meu fôlego.

Mandei um beijo para ela e Natalia deu uma risadinha, antes de

piscar para mim e ir em direção a casa.

Por alguns segundos, meu olhar recaiu sobre os quadris e a

bunda perfeita da Natalia, que várias vezes eu tinha agarrado


enquanto me afundava nela, mas logo os gritinhos da garotinha me
roubaram a atenção. Todo o cuidado era pouco, mesmo que a

piscina não tivesse nem um palmo d’água.

Sentei-me no chão para brincar com a Estrelinha e, capturando


a água com as minhas mãos em concha, deixei cair sobre a
cabecinha da bebê, como se fosse uma cachoeira. Ela me encarou

com seus olhos arregalados e sua boquinha aberta, e mostrou os


seus dentinhos para mim, enquanto continuava com as suas

peripécias, molhando minha camisa e minha calça com os


respingos.
— Deus — sussurrei, emocionado. Toquei o seu rostinho com a
minha mão molhada e o acariciei.

— Ti! — Balançou as perninhas, fazendo pequenas ondinhas.

— Você não para de me fazer amar ainda mais você, não é,

Estrelinha? — A emoção embargou o meu peito.

A garotinha continuou a sorrir para mim, antes de voltar a olhar


a água e gritar ao dar um tapinha na superfície, fazendo

estardalhaço.

— Titio — falei para ela.

— Ti!

— Cheguei — Natalia falou, balançando uma caixa de plástico,

o que atraiu a atenção da menininha; tinha também uma toalha de


banho em seus ombros.

Sentou-se ao meu lado e, colocando a caixa entre nós, tirou o


Senhor Quack de lá, o patinho de borracha de Belinha que

participava das brincadeiras do banho.

— Nana! — Estendeu os bracinhos querendo agarrá-lo, e

começou a empurrar a bundinha em direção a borda da piscina.


Natalia aproximou o brinquedo dela e Belinha o agarrou com
força, tentando puxar da mão de Natalia.

— Não, Belinha — corrigiu-a em um tom autoritário, dando um

tapinha na mão dela, que recuou um pouco.

A menina olhou para ela, fazendo um bico enorme.

— Não pode puxar.

Estendeu o brinquedo novamente e a menininha o pegou, mas,


dessa vez, com mais cuidado.

A risada da garota ecoou nos nossos ouvidos quando ela jogou

o patinho na piscina, suas perninhas dobrando e esticando com

rapidez.

— Desse jeito nem vamos precisar tomar banho hoje — Natalia

comentou em um tom de diversão ao olhar para a sua blusa

molhada.

Gargalhei.

— Não sabia que você estava querendo virar uma porquinha,

amor — zombei.

— Bobo! — Mostrou a língua para mim.


Dei de ombros.

Escolhi um brinquedo que esguichava água e, depois de encher


o compartimento, apertei-o, fazendo com que esguichasse o líquido

contra a menininha. Estrelinha riu, querendo pegá-lo de mim com

suas mãozinhas ávidas. Apenas repeti a brincadeira, o que a deixou


deleitada.

Ficamos brincando com a bebê, enchendo o recipiente em que

ela estava várias vezes, já que Estrelinha, com a sua agitação,

esvaziava-o toda hora, jogando água para fora da piscina e na gente.

Meu olhar, vez ou outra, recaía sobre o anel de diamante que

Natalia usava no dedo anelar, que combinava com a aliança na

minha mão, a confirmação de que ela era minha e eu era dela, e,

outra vez, me senti o homem mais afortunado do mundo por tê-la


comigo, e também a bebê.

Foi impossível não pensar no Zé durante aquele momento tão

doce e perfeito, e não tinha certeza do que ele acharia do meu


relacionamento com a sobrinha dele. Ainda acreditava que ele me

castraria, mas diferente do que imaginava, não conseguia sentir

culpa por estar com ela, por estar cada vez mais apaixonado, e
principalmente por fazer amor com ela todas as noites e
madrugadas, conhecendo cada milímetro dela, conhecendo seus

gostos, e ela, os meus. A única coisa que sentia era felicidade, e

também completude. Talvez se o Zé visse como me sentia, se ele me


desse a chance de explicar, me perdoaria por ter ousado tocar nela.

Sem explicação, a memória dele sorrindo e erguendo o seu

copo de cachaça me veio à mente. Não contive um sorriso, mas a

saudade dele logo apertou meu peito.

Porra, como queria que ele estivesse aqui, brincando comigo,


contando seus causos... Como desejava o seu abraço, a sua

benção...

— Parece distante, amor. E também triste. — Natalia pousou


uma mão no meu ombro.

— Estava pensando no Zé e no quanto queria que ele estivesse

aqui com a gente —confessei.

— Sinto falta dele também, principalmente do carinho. O abraço


dele transmitia um conforto sem igual. — Suspirou dolorosamente

— Bastante, acho que ele era a pessoa mais calorosa que

conheci. — Poderia brincar, falando que o meu era melhor, mas


minha namorada estava certa, o aconchego que Zé transmitia era

indescritível
Ela não disse mais nada, apenas pegou outro brinquedinho

esquecido pela bebê na piscininha e mostrou a Belinha. Como


sempre, Estrelinha ficou desesperada para agarrá-lo. Natalia acabou

cedendo e o sorriso da menina alcançou o meu peito.

— Só tenho que agradecer a ele — continuei, minha voz


embargando. — Principalmente por me fazer prometer que cuidaria

de você, e por ter acreditado na minha palavra…

— Ele confiava em você, por que não acreditaria?

— Não, amor — virei-me para ela, olhando para o seu rosto de


perfil com todo o carinho que sentia —, não seria qualquer um que

acreditaria em uma promessa dita em um momento em que a pessoa

não estava bem.

Busquei pela sua mão e entrelacei nossos dedos, segurando-os


suavemente.

— Nunca conseguirei demonstrar o quanto sou grato a ele,

Natalia. — Meus lábios se curvaram para cima, meu coração

martelando forte na minha caixa toráxica com aquilo que tinha para
dizer. — Se Zé não tivesse se apegado a ela, vocês não estariam

aqui e muito menos eu teria conhecido o amor…

— João? — Encarou-me, os olhos brilhando.


— Eu amo você, Natalia — sussurrei, apertando com um pouco

mais nossas mãos —, amo você e a minha Estrelinha.

— Eu… — a interrompi.

— Sei que talvez seja cedo demais para me declarar assim,


moça, e falar de um sentimento tão forte, mas é o que sinto.

Os olhos de Natalia se encheram de lágrimas e ela pareceu

perder sua capacidade de falar temporariamente, abrindo e fechando

a boca sem emitir som, emocionada. Olhei para a menininha, que


parecia prestar atenção na minha voz.

Era nítido que Estrelinha parecia cansada de ficar na água, e

seus dedinhos enrugados mostravam que estava na hora de removê-


la de lá. Não fez birra quando eu a tirei da piscininha e a enrolei na

toalha, secando-a gentilmente.

— Não posso mais viver sem dizer isso em voz alta e ficar sem

demonstrar o que sinto… — Coloquei a menina no meu colo.

Deixei um beijo na testa da bebê, como forma de mostrar o

amor que eu sentia por ela, e aninhei-a contra mim. Os olhinhos

castanhos me olharam de volta. Mesmo que pudesse estar errado,

senti que a afeição era recíproca.


— Queria ter palavras bonitas para traduzir o que sinto, mas eu

só tenho amor…

— Elas são perfeitas, João — segurou o meu rosto e fez com

que nossos olhos se encontrassem, as lágrimas molhando a sua face

—, e nós duas também amamos você!

Sorri e inclinei-me um pouco, tomando cuidado com Belinha,


então Natalia me deu um selinho. Por mais inocente que fosse,

aquele roçar de bocas foi o melhor beijo que recebi, porque continha

todo o amor que aquela mulher sentia por mim. E eu senti esse amor

em todos os meus ossos.

— Eu amo você, João — falou, sorrindo.

Foi a minha vez de deixar um beijinho em seus lábios.

Parecendo radiante, Natalia me abraçou e encostou a cabeça no


meu braço. Um dos dedos dela foi capturado pela mãozinha de

Belinha, que o segurou entre seus dedinhos, enquanto emitia várias

sílabas, como Na e Ti. A bebê em sua inocência parecia estar unindo


nós três em um laço inquebrantável, tornando-nos uma família.
Capítulo vinte e um

Bufei e revirei os olhos, perdendo o restante da minha


paciência, quando percebi que a velha à minha frente não havia

conseguido digitar a senha a tempo pela segunda vez, encerrando a


operação.

Idosos molengas deveriam ser proibidos de irem ao caixa

eletrônico sozinhos. Estava perdendo minutos preciosos da minha

vida, em que poderia fazer milhares de coisas mais interessantes,


como trepar. Senti minha boceta latejar só de pensar em ser
preenchida por um pau bem grosso e gostoso. Eu precisava ser

comida tanto quanto necessitava de ar.

Nada mais me importava do que sexo, mas para isso, tinha que

ter grana.

Glauber tinha me pedido uma grana emprestada, e eu daria em

troca do seu pinto na minha vagina. Dinheiro não era problema para
mim. Aquele milionário idiota, que era tolo o suficiente para cumprir

uma promessa feita a um desgraçado como meu irmão, mandava um

valor alto demais para aquela prostitutazinha, eram milhares de reais.


A puta da Natalia não valia tudo isso, na verdade, ela não valia nem

o prato que comia. Aquela garota mimada era um fardo, só a grana

que me fez deixá-la morar em minha casa.

Outra vez o som de transação incompleta.

Minha vontade era de surrar aquela velha, mas, infelizmente,

ela era bem quista pelas pessoas do bairro, então não ia dar.

Revirando os olhos com desdém, coloquei um sorriso falso nos

lábios e me aproximei dela.

— Precisa de ajuda? — Fingi uma bondade que não havia em

mim.

— Agradeceria, filha.
Sorriu para mim. Aquele ar de gentileza e bondade dela me
deixou com mais raiva ainda. Esse tipo de pessoa era irritante.

— Eu te ajudo.

— Obrigada, filha. Eles não me deixam fazer a transação.

Contive a vontade de bufar e peguei o cartão da mão dela. A


tola até mesmo chegou a me passar a senha, que tratei de guardar

mentalmente, quem sabe eu não precisaria no futuro.

Com mais agradecimentos, finalmente despachei aquela velha,

mas não sem antes ouvi-la dizer um “Deus lhe pague”.

Colocando o meu cartão na máquina, apertei a opção extrato e


digitei minha senha. Pegando o comprovante, fui checar se a pensão

daquela puta já havia sido creditada, bem como a transferência

gorda do idiota. Tinha passado do dia do pagamento e com certeza

deveria ter caído. Não encontrei.

Olhei de novo, calmamente, o papel, para ver se eu encontrava

os depósitos em meio aos saques e transferências que eu tinha feito,


mas nada havia.

Encarei o saldo. Comecei a sentir meus dedos tremerem. Não

me recordava de quanto tinha, mas sabia que deveria ter mais


números.

Tirei outro extrato, mas deu na mesma.

O cartão que estava na minha mão caiu e, baixando-me,

peguei-o, colocando no bolso da calça.

Eu tremia de raiva. Meus dentes rilhavam, a ponto de doerem.

— Droga! — Bati no caixa eletrônico, sentindo a irritação me


consumir.

Tentei tirar o valor que precisava, mas deu saldo insuficiente.

— Caralho! — Dei outro tapa com força na máquina, fazendo

meus dedos latejarem.

Tudo o que não precisava era ter que ir a uma agência por um
erro do banco. Não havia outra explicação.

Cuspindo fogo pelas ventas, chutando o terminal, saí dali

pisando duro, indo em direção a agência, que ficava a uns seis


quarteirões de onde estava.

A cada segundo que eu esperava ser atendida por um gerente,


eu praguejava, sendo rude com o funcionário que distribuía as

senhas. Não tinha nenhuma culpa de eles serem incompetentes.


Depois dessa, eu deveria abrir uma conta em outro local, opções não

faltavam.

— Em que posso ajudar, senhora? — O homem perguntou

assim que me sentei de frente para ele, depois de um tempo enorme


de espera.

— Isso…

Joguei meu extrato na mesa, irritada. Estava mais do que

disposta a fazer um barraco.

— E qual seria o problema? — Pegou o papel.

— Teve um erro e meu pagamento não consta no


demonstrativo.

— A senhora poderia me emprestar sua identidade, por favor?


Verei se houve algum erro e, caso tenha havido, o que posso fazer

para corrigi-lo — pediu.

Sua sobrancelha se ergueu como se não acreditasse em mim.

A contragosto, entreguei meu documento a ele.

— Não encontrei nenhuma pendência de pagamento, senhora,

só de créditos — falou em um tom que, para mim, mais se


assemelhava a um deboche.
Controlei a vontade de estapeá-lo. Infelizmente, precisava
daquele imbecil.

— Isso é um absurdo! — disse entre dente. — Todos os meses

eu recebo certinho, principalmente a pensão.

— Seu benefício pode ter sido bloqueado por alguma razão que
eu não tenho acesso para informar — explicou, tentando ser gentil, o
que me enfureceu ainda mais. — A senhora terá que ligar para o

seguro social para saber o que aconteceu.

— Não!

Balancei a cabeça em negativa, meu tom ficando bem mais


alto, estridente, assim como a minha raiva.

— Tenho certeza de que isso não ocorreu. Mês passado recebi


normalmente — repeti, como se estivesse falando com um retardado.

— Isso é um erro de vocês!

— Infelizmente não é, senhora — falou pacientemente. —


Posso ajudá-la com algo mais?

— E os meus dez mil? Todos os meses um amigo deposita

esse valor para mim.


— Como disse, no sistema não consta nenhuma transferência
pendente, senhora, mas se estiver com um comprovante do
depósito, eu…

— Eu não preciso de comprovante. — Bati a mão com força


sobre a mesa.

— Se acalme, senhora, por favor, ou terei que chamar a

segurança. — Olhou por cima do meu ombro.

— Vocês estão me roubando e eu tenho que me acalmar? Vou

processar vocês!

Ri estridentemente, pouco me fodendo se estava chamando

atenção dos presentes.

— Podemos verificar se foi um problema interno caso tenha o

comprovante e número da transação, senhora — falou calmamente

—, sem isso, não podemos ajudar.

Parei para pensar. A pensão que minha irmã deixou para


aquela puta era mísera, um salário-mínimo, mas o valor que recebia

do milionário era alto demais para eu deixar passar batido. Não havia

a mínima possibilidade de ele não ter depositado o dinheiro, mesmo


que a prostitutazinha tenha feito dezoito anos. Algo me dizia que o

trouxa iria pagar até que ela se aprumasse.


— Tá — acabei cedendo —, vou pedir para me enviarem o

comprovante, mas, pelo constrangimento, vou entrar na justiça.

Sem deixar a minha cadeira, pois não sairia dali sem resolver

aquilo, peguei meu telefone e, com dificuldade, já que não era boa

com tecnologia, encontrei o número da casa do otário e disquei. Não


era presunção a minha, mas sabia que ele iria atender por causa da

promessa que tinha feito.

Para me deixar ainda mais furiosa, chamou até cair. Filho da

puta!

Disquei novamente e, dessa vez, no terceiro toque, uma voz

feminina atendeu, uma que não esperava escutar nunca mais e que

inflamou a minha ira.

— Boa tarde.

Não respondi. Disse para mim mesma que deveria ser minha

mente pregando uma peça, mas sabia que não era, tinha ouvido

demais aquela voz para achar que era outra pessoa, senão Natalia.

— Se não falar nada, vou desligar…

O que essa prostituta estava fazendo na casa dele? Não sabia

dizer, mas eu não era burra: aquela vadia era a responsável por eu
não ter recebido o dinheiro do milionário. Sem nenhuma dúvida, ela

deve ter enchido a cabeça dele com mentiras só para ficar com a

grana, e, conhecendo-a, não duvidava que tinha trepado com ele


para conseguir o que queria.

Natalia é ambiciosa, além de ser uma puta ingrata. Ela nunca

deu valor para as coisas que eu tinha feito por ela, para todos os

sacrifícios.

Ela desligou na minha cara. A raiva que senti dela fez com que
eu rilhasse os dentes com força. Eu deveria ter acabado com a raça

dela, ter batido mais naquela desgraçada, bem mais, ao ponto de ela

não esquecer que nunca deveria brincar comigo.

— Posso te ajudar em mais alguma coisa, senhora? — o

gerente perguntou, parecendo estar impaciente.

— Mais tarde eu volto, ele não me atendeu — falei, tentando


ficar por cima da carne seca.

— Tenha uma boa tarde, senhora.

Não respondi, apenas ergui-me da minha cadeira e me dirigi

para a saída.
Deixei a agência debaixo do olhar atento dos vigilantes e com o

ódio daquela puta e do manipulável corroendo minhas veias.

Ela poderia ter começado a guerra, mas eu venceria. Eu tinha

uma arma para destrui-la e não hesitaria em usá-la.


Capítulo vinte e dois

— Estrelinha não quer o melão de jeito nenhum — João disse,


fazendo um muxoxo.

O cowboy estava empolgado para que a menina

experimentasse a fruta que ele mesmo havia colhido no pomar, e que


ele tinha alardeado que era o melhor que ela provaria na vida.

Vi a menininha ignorar o pedaço que João oferecia a ela e

esticar sua mãozinha, tentando pegar uma banana na fruteira,

enquanto eu mastigava um pedaço da fruta, sentindo o seu sabor


doce em contraste com o salgado de um presunto que nunca havia
comido antes, mas que era delicioso. Eu poderia me viciar naquela

combinação.

— Está tão docinho — continuou, se lamuriando.

— Está mesmo, mas acho melhor não a forçar a comer — falei

suavemente depois de uns instantes. — Li em algum lugar que isso

pode fazer uma criança passar a odiar todas as refeições.

— Hm… Não queremos isso, não é, Estrelinha?

— Titi — gritou em resposta, sabendo que ele falava com ela.

O cowboy olhou para a menininha agitada no seu colo com uma

ternura e um amor que a cena roubou o meu fôlego. Já havia se


passado quase três meses em que nós duas morávamos com ele,

mas não me cansava de ver esse carinho todo que tinha com a

minha Belinha.

O muxoxo tornou-se um sorriso enorme quando a garotinha

ergueu o rosto para encará-lo também. Como sempre, suas


mãozinhas tentaram pegar o chapéu dele enquanto mostrava os

seus dentinhos, em um arremedo de sorriso.

Também sorri, ainda mais apaixonada pelos dois, como se isso

fosse possível.
— Podemos fazer um suco e oferecer para ela depois —
continuei, ainda que não precisasse mais animá-lo.

Garfei mais um pedaço de melão e presunto, suspirando ao

comer os dois juntos.

— Sim — João Miguel largou o melão descartado por Belinha


dentro do pratinho e esticou a mão para pegar uma banana.

Por mais tentador que o chapéu fosse, o olhar de Belinha

pousou na fruta. Os olhos se arregalaram tanto que pareciam que

iriam saltar da órbita.

— Dá… Dá… — Ela esticou os braços em direção à comida.

— Calma, Estrelinha, vou terminar de descascar e depois vou

picar para dar a você — falou com a bebê.

Ignorando-o, ela continuou a se agitar e só sossegou quando

João Miguel partiu um pedacinho e deu para ela que, segurando

entre seus dedinhos, logo levou a boca.

— O que você pretende fazer hoje? — perguntei, puxando

assunto ao voltar a comer. — Trabalho burocrático? — provoquei-o.

— Felizmente, não — estremeceu, o que fez com que Belinha

emitisse vários barulhos de deleite, principalmente quando o cowboy


ofereceu mais um pedaço de fruta para ela. — Ou infelizmente…

Arqueei uma sobrancelha para ele, estranhando. Para João,


tudo era melhor do que resolver burocracias.

— Preciso fazer uma visita às plantações de cebola em


Pedrinópolis. — Fez uma careta. — Recebi um e-mail falando que

encontraram alguns focos de tripes na plantação por causa do calor


e da estiagem. Vou com um técnico ver o que pode ser feito.

— Hm. — Dei um gole no suco de laranja.

— Odeio não poder almoçar com as minhas meninas — falou,


parecendo chateado.

— Acontece, amor.

— Hmph!

O mau humor dele me fez sorrir. Esticando a mão para tocar a

dele, acariciei o dorso.

— Não vai ser a primeira, nem a… — O som de pneus contra o

caminho de cascalho fez com que eu me interrompesse.

Franzi o cenho. Não sei por que razão, mas meu coração se

acelerou de uma maneira ruim, e o pavor fincou suas garras em mim.


— Você está esperando alguém? — Minha voz soou trêmula.

Ele fez que não e logo se ergueu.

— Vou ver quem é. — Se aproximou de mim e me entregou a


bebê. — Não precisa ter medo, amor, pode ser alguém que tenha
errado o caminho.

Deixou um selinho carinhoso em meus lábios antes de sair, o


que fez com que eu relaxasse um pouco, mas a sensação de

tranquilidade não durou muito, pois o som de alguém batendo com


força na porta fez com que eu ficasse apreensiva outra vez.

Sentindo a tensão no meu corpo, a bebê começou a chorar, o


som estridente incomodando meus ouvidos.

— Não precisa ficar assim, querida. — Afaguei as costas dela,


traçando círculos lentos, e a trouxe mais de encontro a mim, mas não

adiantou.

Cantarolei uma musiquinha que ela gostava, no entanto,


quando o som de vozes se tornou mais alto, a bebê ficou ainda mais

agitada. Em meio aos gritos infantis, ouvi passos indicando que


alguém estava se aproximando.
Com o coração prestes a sair pela boca, minha pele ficando
molhada com o suor frio, girei meu rosto em direção a porta da
cozinha e meu olhar recaiu automaticamente em João Miguel.

A expressão séria dele, parecendo preocupado, fez com que


um calafrio percorresse toda a minha coluna. Minha garganta se

apertou.

Olhei para trás e as lágrimas se formaram instantaneamente

assim que a minha mente absorveu que ali estavam duas mulheres,
uma de farda, acompanhada por mais dois policiais. Fechei os olhos,

torcendo para fosse apenas um pesadelo, mas quando os abri, eles


ainda estavam no mesmo lugar, e eu não tinha dúvidas do que eles
estavam fazendo ali.

A vontade de sair correndo era enorme, mas eu estava


completamente paralisada pelo medo, pela perda iminente.

— A senhorita é Natalia Ribeiro? — A voz grossa de um deles


soou alta em meio aos gritos histéricos da bebê e João se aproximou

de mim, pousando as mãos sobre os meus ombros, oferecendo


apoio. Ainda assim, me sentia com medo e sozinha.

— Senhorita? — Repetiu, de modo desagradável.


— S-i-i-m, so-u e-u — gaguejei, minha voz saindo
extremamente fraca.

— Recebemos uma denúncia de subtração de incapaz e

gostaríamos que nos acompanhasse à delegacia para dar alguns


esclarecimentos.

As lágrimas se tornaram ainda mais abundantes; meu coração

afundou no peito. Abracei Belinha com mais força, em um gesto


instintivo, como se isso fosse os impedir de a tirarem de mim, mas

eles iriam.

Deus! Seria tão doloroso!

— Eu…

— Nós entramos com um pedido de guarda exclusiva da

criança. Estamos aguardando a justiça nos dar uma data para a

audiência. — João Miguel tentou argumentar e ouvi o desespero na

sua voz, que parecia tão forte quanto o meu.

O policial ergueu a mão, silenciando-o.

— Temos um mandado para levá-la para depor, senhor. — Ele

arqueou a sobrancelha loira em um gesto que achei desdenhoso.

— Mas…
— Tudo bem, vou com vocês — consegui falar, mesmo que as

palavras me causassem uma dor enorme no peito.

— Natalia? — João disse em um tom estrangulado.

— Tenho que colocar um fim nisso, João. — Dei um sorriso

fraco.

Eu tinha que arcar com as consequências dos meus atos e


preferia sair de cabeça erguida e não ser levada a força, algemada.

Quando fugi com a bebê, mesmo que tenha feito essa loucura

para protegê-la, eu sabia que isso poderia acontecer, mas aquele


conto de fadas que eu vivia ao lado de Belinha e João Miguel nessas

últimas semanas fizeram com que aquela possibilidade se tornasse

algo distante, e cheguei a imaginar que se nunca fosse acontecer.

Fui uma tola.

— Ligarei para a advogada — o cowboy murmurou, contrariado,

e eu vi lágrimas tomarem seus olhos.

Assenti. Estava mais do que claro que ele se sentia impotente,

não apenas por mim, mas também pela bebê. Eu não era a única
que sairia perdendo nessa história.
Ainda abraçando a bebê, que chorava estridentemente, estava

bem assustada, me aproximei dos policiais.

— Podemos ir — falei, parando perto deles.

— Dê-me a criança, senhorita — a mulher pediu, dando um


passo para frente.

Eu estaquei no lugar, me encolhendo, como se eu tivesse

acabado de receber um soco na boca do estômago.

Sem pedir outra vez, mesmo que meus braços segurassem

Belinha como se fossem feitos de aço, a mulher a tirou de mim. Meus

braços nunca estiveram tão vazios.

— Nana — minha bebê gritou, chorando ainda mais,

debatendo-se.

Minhas pernas fraquejaram e eu caí ao chão quando ela se

afastou com a minha pequena. Eu estava oca por dentro, minha boca

tomada pelo amargor.

— Ficará tudo bem — João se abaixou e sussurrou em um tom


quebrado, e eu o fitei.

Fiz que não com a cabeça. Ele me ajudou a levantar quando o

policial pigarreou.
— Prometo que farei de tudo para ter vocês de volta, amor —

prometeu em um tom sério, segurando o meu rosto. — Vocês são a


minha família.

Eu deveria ter ficado completamente nas nuvens com suas

palavras doces, mas a dor era grande demais para que eu tivesse
alguma reação.

Ao longe, eu escutava o desespero da minha bebê, o som

perfurando a minha alma.

— Te encontro na delegacia. — Deixou um beijo na minha


testa, me soltando para que eu pudesse acompanhar os policiais.

Uma policial segurou o meu braço para me escoltar até o carro.

Sem forças, eu me deixei ser arrastada para fora da casa, e nem

percebi que algum dos trabalhadores de Miguel, que devem ter vindo
por estarem curiosos com as luzes das sirenes, me fitavam.

Eu tinha sido cortada ao meio, meu coração estava dilacerado,

e essas sensações se tornaram ainda maiores com o pensamento

doloroso de que Belinha poderia voltar para as mãos de quem só lhe


causou sofrimento. Chorei ainda mais, não por mim, mas pela

menininha. Não me recordava se alguma vez eu me senti tão

desesperançosa e tão infeliz…


Capítulo vinte e três

Me encolhi na cadeira dura, apoiando minha cabeça, que


latejava de dor, sobre a mesa. Meus olhos ardiam e eu não parecia

ter mais lágrimas para derramar.

Não sabia há quanto tempo aguardava na sala da pequena


delegacia de Santa Juliana para eles começarem o interrogatório, e,

sendo honesta, não me importava. Nem mesmo estava me

importando se acabaria presa ou não, pois a minha maior sentença


seria não poder nunca mais olhar para aquele rostinho que tanto

amava.
Uma lamúria escapou pelos meus lábios sem que eu pudesse

conter ao pensar que Verônica nunca mais deixaria que eu me


aproximasse da bebê, não porque ela realmente estivesse

preocupada com a segurança da criança, mas, sim, para me punir.

Diferentemente do que imaginava, ainda havia lágrimas dentro


de mim, e elas escorreram mais dolorosas.

Não sei quanto tempo fiquei naquele limbo de dor, até que o

som de vozes e da porta sendo aberta tirou-me do transe. Reuni

minhas forças, que eram poucas, para virar meu corpo para trás,
mas ver minha advogada entrando na sala não me deu nenhum tipo

de alívio, já que não tinha ideia do que ela poderia fazer por mim.

— Desculpe-me a demora, Natalia — disse e colocou uma


mecha do seu cabelo escovado atrás da orelha. — Vim o mais rápido

que pude ao receber a ligação do senhor Fontes.

— Obrigada.

— Conforme a lei, você tem o direito de conversar com o seu

advogado antes de te interrogarem — o policial falou.

Assenti em concordância, e ele saiu, nos deixando a sós.


— Dará tudo certo, Natalia — a mulher soou gentil ao sentar na
cadeira ao meu lado e segurar uma das minhas mãos.

— Não consigo acreditar nisso — disse em meio a um suspiro.

— Eu sei que deveria nesse momento estar sendo a sua

advogada e não uma amiga, mas a vida me ensinou a sempre ter fé,
por mais difícil que seja. Temos que ter fé de que o bem prevalecerá.

Dei um sorriso fraco para ela.

— Você pode não ter agido da maneira mais correta, mas você

era uma garota desesperada, vulnerável, sem nenhum apoio

emocional, e também sofreu abusos.

— Não me arrependo do que fiz — confessei baixinho.

— Sei que não. — Apertou minha mão suavemente. — Diante

de tudo que vi nas provas que colhi, eu teria feito a mesma coisa. Eu

farei o que estiver ao meu alcance para que a criança termine com

quem vá proporcionar um lar de verdade para ela, e sua tia não tem

capacidade psicológica nenhuma. Ela precisa procurar ajuda para a


doença dela.

— Duvido muito que ela faça isso — murmurei. — Sobre a

minha tia… ela… — não consegui completar, um grande bolo se


formando na minha garganta. Minha tia nunca admitiria que ela tem

um problema sério com bebidas.

Ao pensar na possibilidade da Belinha ir morar novamente com

Verônica fez com que o meu coração sangrasse. Eu não duvidava


em nada que ela negligenciaria minha menininha.

Mil e uma coisas percorriam a minha cabeça, e a pior delas foi


pensar nos homens estranhos que poderiam ter acesso a bebê e

fazer algum mal a ela, que poderiam machucá-la caso voltasse para
aquela casa.

— Apesar do sistema se provar falho em várias ocasiões,

acredito que a chance de o conselho tutelar a entregar para a sua tia


é muito pequena, ainda mais quando temos um processo em

andamento alegando maus tratos e negligência contra você e um


outro contra Belinha.

— Entendo.

Senti uma onda de alívio banhar as minhas veias, e um pingo

de esperança de que Belinha ficasse comigo me invadiu.

— Provavelmente Isabel será enviada para um abrigo…


Levei um balde de água fria ao ouvir isso. Como já estava

fragilizada, senti as lágrimas voltarem a se acumular nos meus olhos.

— Entrarei com um pedido de guarda provisória em seu nome

para que ela fique o mínimo de tempo possível lá e volte a viver com
você.

Assenti, mas estava desanimada. Sabia que permanecer no


abrigo era melhor do que com a minha tia, mas, ainda assim, me

doía e muito o fato de ter que me manter distante da minha


garotinha.

Nunca havia ficado mais de dez horas sem vê-la, sem tocá-la,
sem beijá-la, e isso era uma tortura. E a consciência de que Belinha
deveria estar assustada, me machucava ainda mais. Eu daria a

minha vida para ter a minha menininha de volta.

Comecei a chorar novamente. Rubia não disse nada, apenas

afagou os meus ombros, tentando oferecer algum tipo de consolo.

Logo alguém bateu na porta.

— Podemos começar? — Uma voz masculina soou abafada


pela superfície de madeira.
— Está pronta, Natalia? — minha advogada perguntou,
removendo alguns papéis de dentro da sua pasta e também um
notebook.

Fiz que não com a cabeça.

— Tenho medo de falar alguma besteira quando eles me


pressionarem — confessei em um tom baixo, ainda chorando.

— Você não tem nada a temer — falou, confiante. Eu queria

poder acreditar que eu não tinha mesmo, mas não conseguia. — Eu


estarei aqui com você e intervirei se as perguntas fugirem do escopo.

— Senhoras?

Ao ouvir a pessoa bater novamente na porta, balancei a cabeça

em concordância, não tinha por que ficar adiando o inevitável,


também não queria correr o risco de irritá-los.

— Estamos prontas — Rubia respondeu.

Dois homens entraram na sala e eu engoli em seco ao olhar

para um deles que tinha uma cara marrenta, com óculos escuros, e
levava o distintivo preso ao pescoço por uma corrente. Pensar que

ele poderia ter o meu futuro em suas mãos fez com que eu quisesse
chorar outra vez.
O tal policial sentou de frente para mim e apoiou os cotovelos
em cima da mesa depois de jogar uma pasta sobre ela. Não havia
dúvidas que ele me trataria como uma criminosa.

— Vamos ver o que temos aqui — falou com deboche,


removendo os óculos de sol.

Após explicar minimamente como funcionaria, ressaltando que

meu depoimento seria gravado, abaixou a cabeça e começou a ler o


que tinha nos documentos que trouxe. O silêncio dele enquanto

passava os olhos sobre os papéis era opressor.

Sentia minha pele suar frio, e eu lutava para não estremecer no

assento, o que poderia fazer com que ele me achasse ainda mais
culpada.

— Pelo que vejo — falou, seu tom, bem como sua expressão,

se suavizando —, a senhorita entrou com um processo judicial


requerendo a guarda exclusiva da criança sob a alegação de maus

tratos, negligência e também exposição da menor a ambiente com

ocorrência de práticas sexuais.

— Entramos há quase três meses com o pedido — Rubia


assumiu sua postura de advogada —, mas até o momento, não
houve nenhum movimento na Vara de Família, mesmo que tenha

sido solicitado urgência, já que se trata do bem-estar de uma bebê.

— Culpa da defasagem na contratação de novos servidores,

doutora Maraso — os lábios do homem curvaram-se para cima,

desdenhosamente, enquanto voltava a folhear a documentação —,


mas isso não vem ao caso. Há também um outro processo aberto em

que a acusada da subtração alega também maus tratos…

O delegado começou então o interrogatório. Ele era detalhista,

levantando questões sobre a minha adolescência, de como era a


minha convivência com a minha tia antes de morar com ela, sobre a

gravidez de Verônica e o nascimento de Belinha e a relação entre as

duas. A doutora Maraso precisou intervir pouco, apenas em

perguntas que diziam respeito à minha relação com o João Miguel.


Com o canto do olho, percebi que, em alguns momentos, Rubia

lutava contra as lágrimas.

As perguntas eram tantas que pensei que elas nunca iriam


terminar, até que o delegado se deu por satisfeito.

Suspirei. Eu estava cansada física e emocionalmente. Minhas

energias tinham sido sugadas por relembrar várias coisas que, no


momento que ocorreram, pareciam não ter tido importância, mas

que, agora, eu podia perceber o quão nocivas e abusivas eram.

— Eu vou ser presa, senhor? — perguntei em um fio de voz, o


medo me dominando quando o silêncio voltou a me oprimir. Senti

uma gota de suor escorrer pelas minhas costas.

— Existe o agravante de você ter sido pega em flagrante,

senhorita Ribeiro, e isso por si só é prova mais do que o suficiente

para que você pegue alguns anos — começou e meu coração parou
de bater, tinha certeza de que eu fiquei branca como papel —, mas

como há dois processos contra Verônica Batista Ribeiro, com

acusações nada levianas e também provas e testemunhas que


embasam a denúncia, entendo que agiu visando o bem-estar físico e

emocional da menor. Enquanto prosseguimos com o inquérito, a

senhorita responderá em liberdade.

Fui dominada pelo alívio por poder voltar para casa, mas logo o

vazio de saber que estaria faltando uma parte de mim enfraqueceu

aquela sensação de conforto. Eu não conseguiria ser feliz sem ter a

minha bebê junto a mim.

Presa na dor, a conversa entre o delegado e a minha advogada

não passou de sons desconexos para mim.


— Vamos? — Rubia me tirou daquele torpor, e só então percebi

que ela já estava de pé. — O senhor Fontes deve estar nos


esperando lá fora.

— Claro. — Ergui-me e, como uma morta-viva, a segui.

Uma pontada de culpa me invadiu por em nenhum momento ter

me lembrado do homem que amava e que tinha proporcionado a


minha defesa, que compartilhava do meu sofrimento e angústia, mas

era difícil para mim não ficar apenas pensando em Isabel e no

quanto ela deveria estar assustada. Recordar-me do quanto ela tinha


chorado me machucou.

Será que ela havia parado de chorar? Será que ela tinha

comido? Será que haviam trocado a fralda dela? Essas questões me

matavam por dentro.

— Amor… — João me viu primeiro do que eu a ele. Notar sua

expressão abatida, seus olhos vermelhos, como se tivesse chorado

muito, também me doeu.

O cowboy se ergueu do banco onde estava sentado e, em


poucos passos, se aproximou, me abraçando.

Sem dizer nada, chorei em seus ombros, e senti as lágrimas

dele molharem a minha blusa.


Éramos dor e desespero. Medo e incerteza.

— Você foi liberada? — perguntou em um tom rouco depois de

alguns instantes.

— Sim — falei. — Vou responder ao processo em liberdade.

— Que bom.

Deixou um beijo na minha testa e eu balancei a cabeça em

negativa.

— A Belinha, ela… ela não vai voltar com a gente —


choraminguei.

— Eu sei… — sussurrou com a voz quebrada, seus braços me

apertando com força. Pude sentir naquele abraço toda a tensão

reprimida no seu corpo. — A doutora Maraso me disse que ela vai


ficar sob custódia do governo.

— Se vocês me derem licença, vou agora mesmo para o meu

escritório abrir uma petição solicitando a guarda provisória dela.

— Obrigado, doutora — João Miguel respondeu, mas sem


deixar de me abraçar.

A mulher nos desejou boa tarde e falou que em breve entraria

em contato conosco.
João continuou a me abraçar e a acariciar meus cabelos, ao

mesmo tempo que deixava vários beijinhos no topo da minha


cabeça. Ficamos assim até que um policial fez um som de

reprovação.

— Vamos para casa, amor — falou baixo, finalmente colocando

uma pequena distância entre nós.

Não fazia sentido protestar. Ainda que eu quisesse acampar em

frente ao local onde Belinha estava, não tinha ideia para onde a

tinham levado, e duvidava que me dariam o endereço.

— Em breve ela estará com a gente de novo, moça — ele


sussurrou, enlaçando os meus quadris, oferecendo seu corpo como

apoio a cada passo que eu dava.

Durante a volta para casa, rezei para que João estivesse certo,
mesmo sabendo que um minuto para mim naquele momento era

tempo demais.
Capítulo vinte e quatro

— Acorda, amor, você não pode dormir o dia inteiro —


sussurrei, removendo uma mecha que havia caído no rosto dela,

mas ela não se mexeu.

Deixei um beijo no seu rosto pálido que, mesmo em meio ao


sono, não parecia descansado, e senti meu coração que já estava

triste ficar ainda mais. Odiava ver a mulher que amava tão derrotada,

tão fragilizada, sem forças até mesmo para fazer coisas básicas,
como comer ou se levantar da cama.
Não ter a Estrelinha conosco tinha aberto um buraco enorme

não só no peito de Natalia, mas também no meu, e essa cratera só


seria preenchida com o retorno da garotinha.

Porra, eu daria todo o meu dinheiro para colocar Belinha outra

vez no meu colo, para ouvir sua risadinha, para dar um beijinho em
suas mãozinhas melecadas de comida, daria a minha alma para ver

Natalia segurando a sua menininha outra vez nos braços, mas nem o

dinheiro nem minha alma não serviam de nada no momento.

Eu ainda não tinha infringido a lei nessa minha vida, mas essa
semana de espera estava se mostrando desafiadora para que eu não

fizesse uma besteira. Deixar de lado todos os meus princípios, minha

honestidade, parecia um preço pequeno demais a se pagar para


fazer a minha garota e a Estrelinha felizes, eu não tinha dúvidas que

a criança também estava sofrendo.

Meu estômago revirou. Como faria Natalia se alimentar direito

novamente, se cada pedaço de pão que comi mais cedo pareceu

ficar entalado na minha garganta?

— Acorda, amor — repeti quando percebi que ela parecia

imersa em um pesadelo, já que começou a ficar agitada.


Segurando-a pelos ombros, sentindo a pele nua contra minha
palma, chacoalhei-a suavemente, até que ela abriu os olhos e me

encarou, assustada, e um grito ecoou no quarto.

— Está tudo bem, amor — plantei um beijo na sua testa —, foi

só um sonho ruim.

As lágrimas deslizaram pela sua bochecha.

— Pareceu tão real — sussurrou em meio a um arfar, e a dor

em seus olhos foi como um coice em mim. — Belinha tinha sido

adotada por um casal e nunca mais eu conseguiria vê-la…

— Isso nunca vai acontecer, amor.

Passando o braço por debaixo dela, ergui seu tronco e a

abracei, deixando que ela chorasse o quanto quisesse, engolindo a

minha impotência.

— Por que demora tanto?

Suas mãos agarraram a gola da minha camisa em desespero, e

ela me fitou com os olhos avermelhados.

— Eu não sei — suspirei, cansado. — Queria muito te dizer que

será logo, mas não posso, amor.

Ela fungou e abaixou a cabeça.


— Não sabe o quanto me odeio por isso, moça… — Acariciei

suas costas, repetindo aquela frase que parecia ter escapado dos
meus lábios já um montão de vezes.

— Você não tem culpa de nada …

— Talvez… — disse, desgostoso —, mas temos que ser fortes,

da mesma forma que a nossa Estrelinha está sendo. — Tentei usar


um tom esperançoso.

O silêncio caiu sobre nós e não havia nenhum conforto nele.


Ouvi outro fungar.

— Bora tomar um banho e comer alguma coisa.

— Quero dormir um pouco mais. — Saiu dos meus braços e se

encolheu na cama, puxando o edredom para cobrir sua cabeça.

— Nada disso, moça. — Arranquei o cobertor dela. — Você

precisa comer algo e ficar saudável por ela.

— Tá! — resmungou desgostosa, mas não fez nada para sair

da cama.

Antes que pudesse insistir com ela, meu telefone começou a

tocar em cima do móvel de cabeceira. Peguei o aparelho e o


desbloqueei. Ao olhar para o visor, meu coração deu um salto no

peito e minha respiração ficou ofegante.

— É a doutora — falei para Natalia.

— Atenda logo! — Natalia pareceu ganhar vida, sentando na


cama rápido, como se seu corpo tivesse uma mola.

Não sei se considerava a esperança nos olhos dela algo bom


ou ruim, não queria que aquela ligação colocasse mais tristeza em

seu coração. Imediatamente coloquei a ligação no viva voz.

— Bom dia, doutora. — Meu tom saiu afoito ao atender.

— Tem novidades boas para nós? — Natalia perguntou, indo


direto ao ponto, revelando sua ansiedade.

— Bom dia, senhor Fontes, Natalia. — A mulher nos


cumprimentou com uma voz alegre que me encheu de esperança

também. — Tenho uma ótima notícia, na verdade, uma excelente.


Acabou de sair a liminar que dá a Natalia a guarda provisória de
Isabel.

— Deus! — Minha namorada deu um gritinho alegre, para

depois cair no choro, desta vez tomada pela felicidade, pelo alívio.
Sabia que ela iria chorar ainda mais, principalmente quando ela
reencontrasse a bebê.

— Que ótima notícia! — falei emocionado, enquanto segurava o

celular com força nos meus dedos trêmulos.

Bom, se fosse honesto, eu estava bambo, minhas pernas mal


me sustentavam.

— Sim, finalmente — disse, emitindo um suspiro longo e eu dei

uma risada.

— Quando podemos trazê-la para casa?

— Farei de tudo para agilizar o processo com a assistente


social responsável pelo caso, senhor Fontes, afinal não é de

interesse de ninguém que a bebê passe muito mais tempo longe do


seio familiar. Ligarei para ela assim que encerrar essa ligação.

— Por mim pode ser agora, Rubia — Natalia disse em um tom


choroso, fungando.

— Está certo. — A advogada deu uma risada, parecendo não


se importar com o comentário. — Até o meio-dia eu devo ter uma

resposta.

— Obrigado, doutora — agradeci, seguido de Natalia.


— Até mais tarde.

Assim que doutora Maraso desligou a ligação, sem pensar


muito, eufórico, soltei o celular em cima da cama e ergui Natalia nos

meus braços, fazendo com que ela soltasse um grito abafado em


meu ombro. Ela envolveu o meu pescoço no momento que, dando

uns passos para trás, comecei a girar com ela no quarto, como se

fosse um menino que tivesse ganhado um baita presente. Comecei a


gargalhar alto.

— Estou ficando tonta — Natalia falou, dando-me vários tapas.

— Me desculpe — disse, então parei de girá-la e a coloquei no

chão, roçando o seu corpo contra o meu no processo.

Suas mãos pequenas apoiaram sobre os meus ombros.

— Tudo bem, amor.

Um sorriso que há muito tempo não via desabrochou em seus

lábios e, dominado pela emoção, não resisti em deixar um beijo


suave neles, gesto que foi capaz de me fazer estremecer.

Nenhum de nós intensificou o contato, nem precisávamos,

porque não era motivado pelo desejo, mas, sim, pela alegria e pelo

alívio.
Quando colocamos um fim no beijo, colei minha testa na dela, e

fiquei admirando a felicidade que tomava conta de todo o seu


semblante. Deslizei o dorso da mão na curva suave do seu rosto,

acariciando-a.

— Será que conseguiremos pegá-la ainda hoje? — Natalia


questionou, os olhos dela brilhando, cheios de esperança.

Eu deveria dizer que não, pois, infelizmente, por mais que a

doutora Maraso dissesse que tentaria agilizar o processo, essas

coisas demoravam, mas não consegui desmotivá-la, não quando eu


também tinha aquela mesma expectativa.

— Torço para que sim, amor. — Deixei um beijinho na ponta do

seu nariz.

— Daqui a pouco chega o Natal, mas não chega o momento de


ter Belinha em meus braços — falou tão baixinho que eu sabia que

ela estava prestes a chorar novamente.

— Isso é exagero… faltam muitos meses para o Natal — tentei

brincar com ela, mas ela não riu, e nem eu.

— Cada minuto que passa é um martírio, e agora parece ainda

pior. Eu tenho o direito legal, mesmo assim… — Fungou.


— Eu sei… — Abracei-a com mais força quando ela voltou a

chorar.

— Deus, estou com tanta saudade dela!

— Eu também, amor… — Beijei a sua testa.

Não sei quanto tempo se passou até que ela finalmente

parasse de chorar.

— Se sente melhor?

— Não muito… — Tinha o pressentimento de que não mesmo,


quando ela ergueu o rosto e vi a angústia dela. — Você deve me

achar tão chorona...

— Eu estranharia se você não estivesse mal, Natalia —

coloquei para trás uma mecha de seu cabelo que havia colado no
seu rosto úmido —, mas está acabando…

— Promete?

— Sim. Agora, vá tomar um banho e depois trate de comer

algo, moça — falei em um tom sério, ela precisava se cuidar.

Seu nariz franziu um pouco, mas ela concordou com a cabeça,

e seus cabelos embolados balançaram.


— Estou indo.

— Enquanto isso vou preparar seu café.

— Faz uma omelete de presunto? — Sua expressão se

suavizou um pouco.

— Sim.

Me deu um selinho antes de se virar para ir em direção ao


banheiro. Dando um suspiro, pus-me a caminho da cozinha.

Após pegar os ingredientes que precisava dentro da geladeira,

pousei-os na ilha e meu olhar recaiu na cadeira onde costumava me

sentar com a bebê no colo, e a dor da ausência e da saudade me


invadiu, aquela cozinha estava vazia e silenciosa demais.

Puxei ar com força para os meus pulmões, expirando devagar

ao agarrar um garfo e um recipiente para preparar a comida.

Natalia estava certa, iam chegar todas as datas comemorativas


de fim de ano, menos a hora de termos Estrelinha de volta.
Capítulo vinte e cinco

Escutando os meus batimentos cardíacos pulsarem acelerados,


umedeci meus lábios secos enquanto minha mão suada deslizava

contra a palma de João Miguel.

Por mais que tentasse, não conseguia controlar a minha


ansiedade e expectativa. A inquietação se prolongou pela tarde, noite

e varou a madrugada inteira, impedindo-me de descansar. Para a

minha tristeza, e também a do meu namorado, no dia anterior, a


profissional responsável pelo caso de Belinha não estava no

escritório para analisar a documentação expedida pelo juiz.


Apesar de estar cansada, com meus músculos tensos e

doloridos, minha mente se mantinha em estado de alerta e, de


minuto em minuto, eu olhava em direção a porta, esperando Belinha

aparecer.

— Agora falta pouco, amor. — João Miguel levou o dorso da


minha mão aos lábios quando me movimentei mais uma vez na

minha cadeira.

— Já faz quinze minutos que elas foram buscá-la —

resmunguei.

Sabia que estava me comportando de modo infantil, mas a

aflição me corroía por dentro.

João deu uma gargalhada. Me mexi outra vez, lutando para não

me levantar e andar de um lado para o outro, ou até mesmo…

— Confesso que estou quase indo atrás delas... — O cowboy

ecoou meus pensamentos, e acabei rindo.

— Estava pensando a mesma coisa…

— Talvez devêssemos ir jun… — Ele parou de falar assim que

escutou o choro de uma criança.


Como se meu corpo fosse uma mola, saltei do meu assento e,
com passos largos, fui em direção a porta, e quando ela foi aberta,

minhas pernas fraquejaram e eu jurei que acabaria indo ao chão,

mas o rostinho molhado pelas lágrimas me manteve de pé.

Eu sorria, ao mesmo tempo que chorava. Estava trêmula, meu

coração batendo ainda mais forte.

— Olha quem está aqui, Isabel — a assistente falou e a

garotinha finalmente olhou para mim.

— Nana! — gritou em meio ao choro e estendeu os bracinhos

para mim.

— Oi, meu amor! Eu senti tanta falta de você, Belinha!

Sem pedir permissão, peguei a menininha do colo da mulher e

trouxe seu corpinho de encontro ao meu. Minhas lágrimas ficaram

mais abundantes.

— Tanta saudade de sentir o seu cheiro — inspirei fundo,

sentindo o perfume da sua pele infiltrando nas minhas narinas —, de


ouvir seus barulhinhos...

Beijei os cabelinhos dela e acariciei as suas costas com

círculos lentos.
— De ver o seu sorrisinho, de brincar com o Senhor

Caramelo…. — suspirei. — Senti falta de tudo em você…

A garotinha me deu vários soquinhos no peito enquanto seu

pranto ainda ecoava nos meus ouvidos. Sabia que demoraria para
que a minha menininha não só se acalmasse, mas também
compreendesse que eu não sumiria mais. E se fosse honesta comigo

mesma, acho que eu precisaria de vários dias para que a minha ficha
caísse e tivesse a certeza que esse reencontro era real e que ela

estava de volta nos meus braços.

— Me desculpe, Belinha… — minha voz estava embargada. —

Desculpe-me por te fazer sofrer...

Se para mim os danos emocionais foram pesados, para ela,

foram mil vezes pior. Ao pensar nisso, um bolo se formou na minha


garganta, tornando difícil falar.

— Eu sei, minha pequena, que você sofreu, que ficou com


medo... Por mais bem cuidada que você tenha sido, estava com
desconhecidos e em um ambiente diferente. Eu prometo que nunca

mais ficaremos separadas…

Dei outro beijo na sua cabeça e a cheirei outra vez, acho que
não me cansaria de sentir seu perfuminho de bebê.
— E nunca mais te machucarei, nem mesmo indiretamente…

Lágrimas grossas escaparam dos meus olhos, deslizando pela


minha bochecha, quando fiz essa promessa para Belinha, clamando

aos céus para poder concretizá-la.

Ainda chorando, sentindo várias emoções misturadas no meu

peito, como alívio, felicidade, até uma pontada de culpa, continuei a


afagar Belinha, que estava menos agitada, provavelmente confortada

pelo calor do meu corpo.

João Miguel me envolveu em seus braços, seu rosto apoiando

no meu ombro para olhar a bebê, e naquele abraço triplo voltávamos


a ser a família que o cowboy falou que éramos. Sentir as lágrimas
dele molhar minha regata me reforçou ainda mais essa certeza.

Suspirei, apaixonada.

Ele ergueu a mão para tocar a bebê. Sabia que estava sendo

egoísta, João também deveria estar doido para pegar a “sua


Estrelinha” no colo, mas ainda não estava pronta para me afastar
dela, eu precisava da sensação de tê-la contra mim, de ter o seu

coraçãozinho batendo contra o meu. Era grata por ele ser generoso
demais e me dar aquele tempo.
Ficamos vários minutos assim, até que a garotinha olhou para
cima e encontrou o rosto de João Miguel.

— Titi!

— Oi, Estrelinha…

A boquinha dela se abriu em um sorriso, antes de se agitar no


meu colo, parecendo o “peixe” que João Miguel falava que ela era.
Belinha esticou seus bracinhos em direção ao cowboy e eu soube

que tinha que passar a vez para ele se eu não quisesse que a minha
pequena voltasse a chorar.

Com a delicadeza de sempre, João pegou sua Estrelinha em


seus braços, e ela rapidamente ficou calminha.

— Eu amo você, Estrelinha — sussurrou por entre as lágrimas,


emocionado, e eu acabei aos prantos novamente quando ele deixou

um beijo na mãozinha dela.

João Miguel não precisava dizer uma única palavra para que eu
soubesse de seu amor por Belinha. Estava no olhar, no toque

carinhoso, no sorriso, e também naquelas lágrimas que deixava rolar


por sua face. Como se soubesse que eu o fitava, ele ergueu o rosto e

nossos olhos ficaram presos um no outro, até que a bebê reclamou


de novo a sua atenção ao pronunciar um monte de sílabas confusas.
— Estava com saudades disso, Estrelinha — falou, divertido,
quando os dedinhos dela alcançaram o seu chapéu e ela tentou
puxá-lo da sua cabeça.

Ri por entre as lágrimas, e João me acompanhou, deixando a


menininha pegar o adereço.

— Deveríamos comprar um para ela — comentei, abobada,

impedindo que ela levasse a aba a boca.

— De acordo, mas acho que ela ainda vai preferir o meu.

Deu vários beijinhos no rosto da bebê que, para a decepção

dele, estava mais interessada no objeto entre seus dedos. Gargalhei

ainda mais com a carranca que ele fez.

— Já podemos ir? — João perguntou à assistente social, e eu

olhei para a mulher gentil, havia me esquecido dela completamente.

— Sim, só preciso que Natalia assine um último documento. —

Sorriu.

— Certo.

Enquanto eu cuidava da parte burocrática, senti meu coração

mais leve ao ouvir a risada infantil de Belinha em meio a tagarelice

de João.
— Essa via é sua. — Estendeu-me um papel.

— Obrigada. — Guardei o documento no envelope e peguei


minha bolsa.

— Pronta para ir para a nossa casa? — ele perguntou quando

me levantei.

Fiquei ainda mais apaixonada por aquele homem considerar a


casa dele como nossa.

— Sim — disse em meio a um suspiro abobado.

Depois de nos despedirmos não só da assistente, mas também

da pessoa encarregada do abrigo em que Belinha ficou, João


envolveu a minha cintura, enquanto com o outro braço segurava a

bebê firmemente, e juntos deixamos aquele lugar sem olhar para

trás, mirando o futuro, um futuro em que ninguém poderia separar


nós três…
Capítulo vinte e seis

Havia apenas uma coisa nesse mundo que eu amava tanto


quanto amava as minhas duas meninas e a terra: nascimentos.

Muitos poderiam considerar nojento ver o líquido amniótico

escorrendo e também a placenta que envolvia o animalzinho, mas,


na minha opinião, ver uma nova vida surgindo diante dos seus olhos

era algo indescritível. Eu não tinha palavras para descrever a beleza

do ato, eu apenas sentia e me deixava consumir por aquela emoção


que se espalhava no meu peito e que me fazia sorrir feito um bobo.
— A patinha está saindo, senhor — Carlos, que estava comigo

do lado de fora da baia, pronto para dar todo o suporte a égua caso
ela precisasse de intervenção, comentou.

— Sim. — Sorri, abobado. Não dissemos mais nada,

Quando Carlos foi me avisar que a bolsa de Açúcar havia

estourado há algumas horas e ela havia deitado, o que indicava que


o parto iria começar, acabou interrompendo meu momento de colocar

Estrelinha para dormir.

Ao chegarmos no curral, não dava para negar que a égua


estava sofrendo com a dor das contrações, que ficavam cada vez

mais intensas. Ela se balançava de um lado para o outro, tentando

expelir o filhote. Seus relinchos ecoavam nos meus ouvidos e,


mesmo estando a alguns metros de distância, podia ver o suor

cobrindo a sua pele. Ficamos ali apenas contemplando a natureza

fazendo a sua mais bela mágica. Saiu uma pata, depois outra,

seguido da cabeça, até que o corpinho castanho com manchas

brancas começasse a surgir lentamente. Lágrimas começaram a


surgir nos meus olhos quando a última patinha do animal apareceu.

Quando tudo terminou, Açúcar ficou parada apenas respirando,


exausta. Livre, o animalzinho se debateu na placenta, desesperado,
até que puxasse ar para os seus pulmões.

— Ele é lindo — comentei, não conseguindo conter a minha

emoção.

Meu coração parecia inflar no peito, e tinha que confessar que


estava um pouco trêmulo também ao ver cena tão tocante.

Sabia que muitos poderiam considerar patético chorar por algo

assim, mas não tinha medo de me taxarem de frouxo ou sensível, eu

não me achava menos homem por expressar as minhas emoções. E

continuaria demonstrando.

— Ou ela. — Carlos me corrigiu, rindo.

— É… — Acabei caindo na gargalhada.

Continuei a observar os dois animais e sorri ainda mais quando

a mãe se levantou e começou a limpar o potrinho, lambendo-o.

— Vou nessa — dei uns tapinhas nos ombros do jovem, após

ter passado vários minutos contemplando mãe e filhote —, Natalia

deve estar louca para saber como foi.

— Vou ficar de plantão caso eles precisem de mim, senhor. —

Carlos ergueu a aba do chapéu para mim.


— Obrigado e boa noite — cumprimentei-o com um acenar. Na

pressa, tinha esquecido de colocar o meu chapéu.

— Boa noite, senhor.

Com um último olhar para os animais, sentindo-me feliz e com o


coração acalentado, deixei o celeiro e caminhei a passos largos em

direção a casa, sem nem mesmo parar para contemplar as estrelas,


algo que eu gostava bastante de fazer.

Diferente do que imaginava, Natalia não me esperava na


varanda. Fiz um muxoxo. Estava tão acostumado a tê-la sempre me
esperando ali, que se tornou praticamente algo cotidiano.

Sem fazer barulho, aproximei-me do nosso quarto e abri a


porta. Minha boca secou ao encontrar a minha mulher deslizando a

mão lentamente em uma das pernas, passando creme nela. Meus


dedos tremeram com a vontade de acariciar a sua pele macia e

deliciosa.

Parando de se alisar, Natalia ergueu o rosto para me fitar, seus

cabelos lisos caindo sobre suas costas como se fosse uma cascata,
e sorriu sedutoramente para mim.

Olhei-a mais atentamente, subindo o meu olhar pela sua


panturrilha, até alcançar as coxas grossas, percebendo que ela
usava uma espécie de roupão de cetim rosa. Estava surpreso, já que

ela nunca havia usado algo assim antes.

Meu pau começou a despontar na minha calça

instantaneamente com a visão, meu sangue correndo veloz pelas


minhas veias. Sorri, como se fosse um predador. Bem, eu era uma

besta faminta no que tangia aquela mulher, nunca me cansaria do


seu corpo, da sua entrega.

— Está tudo bem com a mãe e o potrinho? — questionou


suavemente.

Atraído pela beleza de Natalia, dei alguns passos até me


aproximar de onde ela estava. Fiquei observando-a, louco para
remover a peça que usava.

— Perdeu a fala, amor?

Olhou-me de uma forma inocente ao voltar a deslizar seus


dedos pela batata da perna, de uma maneira diabolicamente sexy.

— João?

— O quê? — Minha voz soou áspera, cheia de desejo.

Arqueou a sobrancelha para mim.


— Ah! — pigarreei, tentando manter o foco na sua pergunta,
não no quanto ela estava deliciosa. — Os dois estão bem. Foi um
parto bastante tranquilo.

— Entendi.

— Carlos ficará de olho neles, e vai examinar o potrinho quando


Açúcar estiver mais calma… — Fiz uma pausa e me deixei levar
pelas lembranças daquele parto. — É um momento tão lindo de se

ver, moça, que só de pensar sinto meus olhos marejarem.

— Posso imaginar, queria ter visto. — Sua voz era suave e seu

cenho se franziu levemente.

— Você terá outras várias oportunidades…

Curvei-me na direção dela e, segurando os seus ombros, deixei


um beijo suave em seus lábios. Minha boca formigou por mais, para

que eu intensificasse o contato ao usar a língua. Meu corpo,


principalmente meu pau, protestou contra a minha decisão, mas me
controlei.

— Estrelinha conseguiu dormir no berço? — perguntei ao


acariciar o rosto dela, um pouco preocupado.
Desde que a trouxemos de volta, a bebê não queria dormir no
seu bercinho, apenas no colo de Natalia, sentindo o calor e o cheiro
dela. Isabel poderia não saber se expressar com palavras, mas

estava mais do que claro que a menininha estava com medo de


perdê-la de novo, e isso fazia com que o brilho nos olhos de Natalia

se apagasse um pouco, dando lugar à culpa.

— Dormiu depois de chorar bastante — tomou uma respiração


mais longa, parecendo chateada —, é difícil vê-la assim…

— Venha cá…

Abri meus braços e, entendendo o meu recado, ela se ergueu e

se deixou envolver.

— Essa fase vai passar — sussurrei contra os cabelos dela.

— Espero que passe logo… — cochichou, agarrando a minha

camisa.

Inspirei fundo depois de um tempo em que só aproveitamos


aquele abraço e o calor um do outro.

Deus, o cheiro dela atiçou ainda mais o meu desejo por ela, me

deixando alucinado. Minhas mãos ganharam vida, alisando os seus

ombros, seus braços, bem como as costas, por cima do tal roupão.
Minha boca encontrou a dela novamente, mas, dessa vez, eu não me

contive. Suguei e lambi seus lábios, arrancando dela um suspiro de


deleite, fazendo com ela colasse ainda mais seu corpo ao meu antes

de encontrar a sua língua em um beijo ávido, que não conseguia

aplacar a minha vontade por ela.

Prendendo seus cabelos em uma mão, puxei-os suavemente,

fazendo com que Natalia inclinasse um pouco a cabeça, e ganhei um

novo acesso a sua boca gostosa, grunhindo, excitado, quando ela

roçou a pelve contra a minha, deixando o meu pau mais rígido, e


seus dedos pressionaram os meus ombros.

Torturando-nos, diminuí a intensidade do beijo, com as nossas

bocas se moldando, se encaixando perfeitamente, enquanto nossas

línguas deslizavam lentamente uma contra a outra.

— João — meu nome deixou os seus lábios, no momento em

que eu comecei a acariciar as suas nádegas, minha boca deslizando

do seu maxilar até alcançar o pescoço, que cheirava bem pra


caralho.

— Hm?

Mordisquei e deixei vários beijinhos pela sua pele até alcançar

a base da sua garganta, usando a ponta da língua para acariciar


onde sua pulsação batia acelerada.

Antes que eu fizesse o caminho de volta, ela infiltrou as duas

mãos entre os nossos corpos colados e me empurrou.

Bufei, contrariado, fitando o seu rosto.

— Que foi, moça? — Tentei agarrá-la novamente, mas ela me

impediu.

Fiz uma careta e emiti outro bufar.

— Tire a roupa, amor — ordenou em um tom rouco e meu


corpo todo vibrou com o seu pedido.

Meu pênis pulsou, dolorosamente, antecipando o momento em

que sentiria os músculos dela apertando todo o meu comprimento.

Minha carranca foi logo substituída por um sorriso lascivo e,


automaticamente, levei as mãos aos botões, começando a tirá-los

das casas.

Os olhos castanhos dela tornaram-se pura luxúria à medida que

me observavam desnudar o meu tronco.

— Tem certeza de que não quer me ajudar, moça? —

provoquei-a, apontando para o volume no meio das minhas pernas.


Apesar da ordem dela ser excitante, preferia ter as suas mãos

pequenas e habilidosas sobre mim.

— Não — seu tom foi firme.

— Que pena! — Emiti um muxoxo. Removi a minha camisa,

jogando-a para o lado.

Deslizei meus dedos pelo meu abdômen, chamando a atenção


dela para aquele ponto, e a simples carícia feita por mim mesmo fez

com que minha barriga se contraísse, o sangue se acumulando na

minha ereção. Vi Natalia morder os lábios a fim de conter um suspiro


e eu me senti vingado pela sua recusa.

Sentando-me na cama, removi uma bota de cada vez, e depois

as meias, sem pressa, contrariando a minha urgência.

— Ande logo — seu tom era impaciente.

— Eu iria mais rápido se você me ajudasse — provoquei-a

novamente ao dar de ombros.

Ri quando ela emitiu um som nada elegante e bateu o pé no

chão. A urgência que havia na minha mulher despertou a minha


curiosidade.
Ergui-me e levei as minhas mãos ao cós da calça. Com um

puxão, removi o jeans junto com a cueca, ficando nu.

Bombeei meu pau, buscando um pouco de alívio, mesmo

sabendo que só encontraria completamente nela, mas como ela não


fez nada, ficou apenas parada me observando, sentei-me na cama,

meu pênis roçando no meu abdômen.

Deixei que meu olhar percorresse a minha mulher lentamente,

como se fossem os meus dedos acariciando sua pele. Diacho, ela


não sabia o quão gostosa ela estava com aquela peça. Contive a

vontade de rodear meu pau outra vez e me masturbar, usando sua

imagem como incentivo, e apenas apreciei todo o seu corpo.

Se o desejo que sentia por ela já beirava o insano, quando ela

levou a mão ao laço que fechava o roupão e o abriu, imaginei que

poderia gozar só com a visão do sutiã, que embora fosse rosa

clarinho e bordado com algumas florezinhas, era transparente,


deixando-me ver não apenas a curvatura dos mamilos, mas também

os bicos duros, o que me encheu de água na boca, com vontade de

tomá-los entre meus dentes e sugá-los.

Engoli em seco quando, dos seios, meu olhar percorreu sua

barriga plana até pousar na calcinha pequena combinando, que


mostrava os pelos bem aparados e úmidos, úmidos para mim.

— Diacho, Natalia — mal reconheci a minha própria voz quando


ela tirou o roupão, ficando apenas com o conjunto.

— Gostou? — Deu uma voltinha e eu me movi na cama quando

ela me deixou ver o fiozinho de renda que separava as suas

nádegas.

— Se eu gostei? — falei, abobado. — Você ainda pergunta,

mulher?

Sem esperar resposta, estiquei meus braços, trazendo-a na

minha direção, enterrando meus dedos na polpa da sua bunda nua.


Comigo sentado, o sexo dela ficava quase na altura da minha boca.

— Está gostosa demais, moça.

Ela gargalhou, para depois gemer, quando, como para provar o

meu ponto, aproximei meu rosto do abdômen e deixei vários beijos


ali, me banqueteando da sua pele enquanto acariciava a sua nádega

e brincava com a renda.

Seu corpo começou a ondular em direção a minha boca, que

percorria cada centímetro da pele exposta, e dei atenção ao umbigo,


uma das zonas erógenas nela, inserindo a língua e removendo-a
como se fosse meu pênis a penetrá-la.

Foi a minha vez de rir no momento em que Natalia soltou um

impropério quando deixei uma pequena mordida no seu grande lábio,


puxando-o junto com o tecido da calcinha.

— Diacho, muito gostosa — minha voz soou rouca quando

inspirei o cheiro da excitação da minha mulher —, mas não me

recordo de você ter comprado isso, amor.

— Comprei na dona Lúcia para ajudar. — Arfou quando usei

minha língua para provocá-la.

— Teremos que comprar todo o estoque dela então —


murmurei, voltando a subir com a boca, deixando uma trilha de beijos

até alcançar o seio dela.

Curvou-se na minha direção, oferecendo um mamilo, e eu


capturei o bico atrevido com os lábios e suguei-o por cima do tecido,
molhando-o com a minha saliva, fazendo-a rebolar sob as minhas

palmas.

Apliquei mais força a minha sucção, arrancando gemidos

baixos dela, que reverberaram na minha ereção que, felizmente,


diferente da nossa primeira vez, era capaz de controlar.
Levou seus dedos à minha cabeça, afundando-se nos meus
fios, incentivando-me a continuar. Mesmo que eu quisesse colocar
minha boca contra o botãozinho duro, para o sentir ficando ainda

mais rígido com as minhas carícias, dei o que ela pediu e abocanhei
a outra auréola, estimulando-a, alternando mordidas e sucções,
enquanto meus dedos baixavam a calcinha lentamente. Ela estava

linda com a lingerie, mas a preferia nua. Natalia me ajudou a terminar


de remover a peça e, como ela foi boazinha comigo, abri seu sexo
molhado e lambi lentamente seus pequenos e grandes lábios,

sentindo o gosto pungente impregnando a minha língua.

Resolvi que deixaria o sutiã, para dizer que os esforços dela


para me agradar não foram em vão, ignorando a vozinha que me
chamava de mentiroso, já que a perspectiva de manter a peça frágil

me soava como um afrodisíaco.

Natalia estremeceu e eu senti que ela ficava arrepiada. Grunhi,


minha pelve se movimentando em um espasmo. Porra, aquela

mulher era deliciosa.

Movi novamente a língua, roçando naquele ponto pulsante que


eu sabia que faria Natalia gemer. Sorri ao escutar o som de deleite
ecoando pelo quarto e ver os seus olhos perderem
momentaneamente o foco, seus dedos segurando os meus cabelos
com mais força.

Rodopiei minha língua pelo seu clitóris, provocando-a, fazendo


com que ela chamasse pelo meu nome baixinho, várias vezes,

implorando para que eu trabalhasse com mais afinco. Eu sabia que


ela queria que eu tomasse aquela carne dura entre meus lábios e
iniciasse os movimentos de sucção, mas não acabaria com a

brincadeira antes da hora, tinha outros planos... e pensar neles fez


meu pau pulsar, uma gota de pré-gozo escapando pela glande.

Inspirando fundo, me perdendo ainda mais na excitação dela,


voltei a percorrer o seu sexo, explorando cada pedaço, conhecendo
novos locais que a faziam se contorcer contra os meus lábios.

Segurando seus quadris com uma mão para firmá-la, com a outra, eu
acariciava a carne macia da sua bunda, apalpando-a, enquanto
lentamente adentrava o seu canal, sentindo as paredes dela se

contraírem com a invasão.

Dei um tapinha na sua nádega, quando a safada rebolou contra


a minha palma. Ela jogou a cabeça para trás, seus cabelos
escorrendo pelas suas costas e alcançando a sua lombar.
Entrei e saí de dentro dela com a língua, imitando os
movimentos do meu pênis. Enquanto meu dedo roçava a fenda do

seu traseiro, a fiz se movimentar contra mim, cada vez mais


freneticamente, observando uma gota de suor escorrer do vale dos
seus seios e deslizar pelo abdômen, ouvindo sua respiração ficar

mais pesada misturando-se ao som da minha, que era igualmente


ruidosa.

— Isso, João! — Mordiscou os lábios e fechou os olhos quando


encontrei sua carne inchada novamente e puxei-a suavemente entre

os dentes.

Minha resposta foi um grunhir e passar a sugar seu clítoris

lentamente, deixando-a cada vez mais mole e próxima a estilhaçar.


Enquanto ela estava perdida em si mesma, afoita, brinquei com o
seu buraco enrugado, sentindo-o se contrair quando a ponta do meu

dedo roçou a sua entrada.

Quando os gemidos dela se tornaram altos e ela soluçava de

prazer, eu simplesmente parei, deixando um beijo no seu monte.

— Por que parou? — questionou com um tom rasgado,


parecendo irritada, e eu olhei para os seios maravilhosos que,
subindo e descendo, acelerados, pareciam querer escapar do sutiã.
Não respondi de imediato e, com um último beijo no abdômen

suado, apenas me acomodei na cama, minha cabeça repousando


sobre o travesseiro.

Safada e fodidamente gostosa, Natalia subiu em cima de mim,


roçando nossos sexos, e eu não contive um gemido alto, meu corpo

arqueando-se contra o dela. Ela fez uma tentativa de nos encaixar,


porém não deixei. Franziu o cenho.

— Senta na minha cara, moça — dei um sorriso malicioso para

ela, enchendo minhas mãos com as suas nádegas.

Natalia me encarou e eu vi insegurança em seus olhos.

Segurando seus cabelos, puxei-a para um beijo delicado,

moldando nossas bocas, enroscando a minha língua na dela


lentamente, deixando que ela sentisse seu próprio gosto.

— Vai ser bom — murmurei, meus lábios deixando um rastro


úmido pelo rosto dela —, para nós dois.

Ela pareceu pensar por um momento.

— O que tenho que fazer? — perguntou entre selinhos.

— Coloque minha cabeça no meio das suas pernas e apoie as


duas mãos na cabeceira da cama — falei lascivamente, e senti outra
gota de sêmen escorrer pelo meu pau.

É… não tinha tanto controle assim quando estava com essa

gostosa.

Deixando um último beijo em meus lábios, ela fez o que eu

ordenei e me senti eufórico no momento em que seu corpo pairou em


cima da minha cara, ainda que suas pernas estivessem afastadas
demais. Acariciei a parte de trás do seu joelho e Natalia se

contorceu.

— Tem certeza disso? — perguntou, insegura.

— Estou no paraíso, amor. — Gargalhei.

E realmente estava. A visão dos pelos úmidos e o cheiro do seu


sexo me faziam sentir como se estivesse nos céus.

Segurando os seus quadris, abrindo seu sexo novamente para


mim, baixei-a e novamente minha língua encontrou as paredes da

sua vagina que se contraiu com a minha invasão. As pernas dela


automaticamente se fecharam ainda mais no meu rosto quando
encontrei seu clitóris e comecei a acariciá-lo gentilmente, dando

lambidas suaves que a faziam arfar.


Com a mão livre, afagando as costas suadas, percorri toda a
linha da coluna, sua lombar e também nádegas, mas sem deixar de

envolvê-la com a minha língua, dando pequenas lambidas, traçando


círculos até que Natalia passasse a se esfregar instintivamente em
mim, sem nenhum comedimento.

— João — sussurrou meu nome quando capturei seu clitóris


entre meus lábios e passei a chupá-lo, adotando um ritmo mais lento.

Aumentei a velocidade da sucção, apenas para diminuir logo


em seguida.

Uma risada eufórica brotou no meu peito ao ouvir seus


choramingos, que morreu de encontro a sua vagina.

— Deus! — Blasfemou quando inseri um dedo nela, e minha

pelve reagiu a sua heresia, se erguendo no colchão em um espasmo.

Eu a torturava, mas a recíproca também era verdadeira. Meu


pau latejava, querendo o alívio que eu não me dava.

Grunhindo, contornei suas paredes internas, sentindo meu dedo

deslizar facilmente por elas, e aumentei a pressão dos movimentos


da minha boca sobre seu clitóris, alternando chupadas, lambidas e
mordiscadas.
Sob o meu tato, o corpo de Natalia tornava-se mais tenso,
como se estivesse bem próximo de se deixar levar, e eu intensifiquei

os meus movimentos, querendo prolongar aquela tortura.

Gememos juntos.

Ela, pelo meu dedo ter encontrado o seu ponto G e ter iniciado
uma esfregação nada gentil. Eu, por sentir suas coxas me apertarem

e sua vagina roçar ainda mais na minha cara, ao ponto de que


respirar tinha se tornado uma tarefa cada vez mais difícil, mas, porra,

morreria feliz por ter a minha mulher rebolando dessa forma tão
selvagem e indomável em cima de mim, buscando o próprio ápice.

Não podia negar que adoraria ver a sua expressão nesse


momento, com ela me cavalgando, pendulando para frente e para
trás, buscando novos ângulos das minhas carícias.

Inseri outro dedo nela, friccionando-a ainda mais, e a

combinação dos meus dedos com as minhas chupadas fez o corpo


dela estremecer e um grito abafado escapar pelos seus lábios. Seus
quadris afundaram no meu rosto com força, suas pernas pareciam

duas barras de ferro, me prendendo, mas continuei a lamber, sugar,


roçar meu polegar no seu outro ponto de prazer até que sentisse a
tensão do orgasmo diminuir, deixando-a relaxada.
Queria continuar assim, mas minha respiração ficava cada vez

mais precária. Segurando suas ancas, a ergui um pouco, para que


pudesse encher meus pulmões com ar.

— Me desculpa — falou em um tom rouco, e lentamente,


parecendo totalmente mole, saiu de cima de mim.

Ficou ajoelhada ao meu lado e eu acariciei sua pele nua,


olhando fixo para seu rosto satisfeito.

— Não por isso. — Quase não escutei minha voz arfante, e abri
um sorriso após respirar fundo e pedir: — Me beija, amor.

Enrolei seus cabelos nas minhas mãos e, sem que eu

precisasse puxá-la, ela se inclinou sobre mim, roçando


delicadamente seus lábios nos meus, moldando-os, sua língua
ganhando terreno até estar dentro da minha boca. Nossos olhos se

fitavam, e a conexão que havia neles parecia tornar nosso beijo


ainda mais saboroso, mas, no fundo, eu sabia que era o fato de
fazermos amor com a boca que o deixava ainda mais gostoso.

Os movimentos lentos e carinhosos permitiram que eu me


recuperasse e tivesse força o suficiente para intensificar o contato,
mergulhando minha língua na dela até que acabássemos emitindo

sons baixos do mais puro prazer.


Assim que paramos para respirar, Natalia, sem dizer uma
palavra, aproveitou para se acomodar sobre mim e eu suspirei
pesado quando ela começou a se encaixar no meu pênis. Ela se

inclinou e capturou mais um gemido meu com um outro beijo, que foi
capaz de me deixar mole debaixo dela, principalmente quando sugou
a minha língua. Caralho, ela sabia como me deixar maluco!

Tive que controlar o impulso dos meus quadris ao sentir seus

músculos contraírem, agarrando o meu pau, à medida que ia me


deslizando no seu interior.

— Deus, mulher! — Foi a minha vez de blasfemar quando ela

me tomou por inteiro, até a base.

Ela riu e puxou o meu lábio entre os dentes, e isso alimentou o


meu lado selvagem, que precisava tê-la mais do que tudo. Com um
movimento abrupto, ainda com o meu pau dentro dela, girei-nos e

cobri seu corpo com o meu, jogando o meu peso todo sobre o dela
até que seus seios fossem achatados pelo meu peitoral. Seus braços
envolveram minhas costas, aumentando o contato.

Olhei para os seus lábios entreabertos pela surpresa por alguns

segundos antes de voltar a reclamar a sua boca em um beijo


urgente, impulsionando os meus quadris para trás, apenas para
voltar a preenchê-la outra vez.

Contrariando a minha ânsia por um ritmo alucinante, o que me


levaria ao êxtase logo, adotei uma cadência lenta, entrando e saindo

do canal apertado, sentindo todos os músculos das minhas costas


ficarem tensos com o esforço que eu fazia para me controlar,

principalmente quando ela arqueou sua pelve, encontrando-me na


metade do caminho.

Uma gota de suor escorreu pela minha espinha no instante que,

sem me remover completamente, afundei novamente nela, fazendo


com que nós dois gemêssemos.

Ver seus olhos ficando nublados, escutar os seus gemidos e


sentir suas unhas cravando em minha pele enquanto, a cada

estocada, comigo construindo mais uma vez o prazer dela, valia


muito a pena o meu sacrifício.

Nossas línguas passaram a acompanhar o ritmo dos nossos


quadris, que se chocavam cada vez mais rápido, os estalos se

misturando a grunhidos e arfares. E eu não podia negar que estava


ficando cada vez mais perdido naquele mar de sensações
proporcionado pelas nossas bocas e pelos nossos corpos suados

que deslizavam um contra o outro.

— Mais forte, João — pediu contra a minha orelha.

Tomou o meu lóbulo entre os dentes, puxando-o de uma


maneira provocante enquanto me abraçava com as pernas, se

abrindo ainda mais para mim. Estoquei-a com mais vigor.

— Por favor…

As paredes do canal dela apertaram ainda mais o meu pau, e

isso me fez perder completamente o controle de mim mesmo.

Lambendo os lábios generosos e doces, sacramentei o meu


desejo ao colar nossas bocas em um beijo urgente e arremeter com

mais força para dentro dela.

O som gutural que eu traguei para mim e as unhas arranhando


minhas costas com o impacto da minha pelve contra a dela, tudo isso
foi como adicionar mais pólvora ao meu corpo que já estava em

chamas, e o prazer explodiu em cada poro. Sem pensar, comecei a


entrar e sair dentro dela com velocidade, em uma busca cega pela
minha própria liberação.
Eu sentia meus músculos ficarem mais tensos do que uma

corda de um arco a cada estocada, e eu não era o único, pois tudo


na minha mulher parecia igualmente retesado, seu canal oferecendo

mais atrito a penetração.

Fechei os meus olhos, entrando e saindo mais rapidamente,

não contendo o meu grunhido.

— Mais! — pediu outra vez, se contorcendo debaixo de mim,

acompanhando os meus movimentos, e eu tentei dar a ela aquilo que


queria.

Sabendo que não conseguiria aguentar mais tempo, passei


uma mão entre nossos corpos enquanto continuava a preenchê-la
com o meu pau e deslizei meus dedos até alcançar o seu monte.

Mesmo com certa dificuldade, encontrei o seu clitóris e o esfreguei


na mesma intensidade com que eu deslizava para dentro dela,

sentindo que aquele ponto ficava mais sensível.

Suas pernas me seguraram com mais força, suas unhas eram

pequenas garras sobre a minha pele, e seus quadris iam para frente
e para trás, recebendo minhas investidas e também minhas carícias.
Quando ela me prendeu com força, sabia que estava perdido, e

bastou que eu saísse e entrasse uma última vez para que eu


explodisse e o meu líquido jorrasse dentro dela. Apesar de todo o
meu corpo estar mole, o orgasmo me deixando em uma espécie de
torpor, forcei-me a continuar bombeando meu pau nela e a friccionar

o seu ponto de prazer até que seu tronco se ergueu para me receber,
caindo de volta no colchão, estremecendo com o próprio êxtase;

minha boca abafou o seu grito.

Não consegui prolongar a sensação para ela e, me achando um


pouco egoísta, deixei o meu peso cair sobre o dela, permitindo que
as últimas ondas de prazer se esvaíssem, percebendo o seu sexo se
contraindo. Senti-me tocado quando os seus dedos, que antes
tinham feito um estrago nas minhas costas, passaram a me acariciar.

— Isso é bom — murmurei contra os cabelos dela.

— É — fez uma pausa e adotou um tom brincalhão: — mas eu


não estou conseguindo respirar direito.

— Diacho!

Rolei para o lado, a última coisa que eu gostaria era acabar


machucando-a.

— Melhor assim. — Sorriu, se virando para mim.

— Hm.
Brinquei com a alça do sutiã, acariciando seus braços.

— Acho que vou ter que sentar em você outra vez — sussurrou,

parecendo tímida.

Gargalhei.

— É mesmo? — Dei um sorriso de canto.

— Se você estiver interessado, é claro.

— Assim você vai me matar, moça. — Puxei-a para os meus


braços.

— Então melhor não… — Fingiu inocência.

Bufei e ela riu da minha cara.

— Não tem graça. — Fiz uma careta.

Ergueu a mão e acariciou o meu rosto, seus olhos ficando


sérios.

— Eu amo você, João.

— Não mais do que eu amo você, moça…

Puxando-a pelo queixo, colei nossos lábios, demonstrando com


um beijo terno, pela milésima vez, o quanto eu a amava…
Capítulo vinte e sete

Meses depois...

— Verônica não poderá fazer nenhum mal a vocês — João

Miguel falou baixinho, respeitando o ambiente em que estávamos,


percebendo o quanto me sentia nervosa. — Hoje só é a formalização

da guarda exclusiva.

— Eu sei — sussurrei, mexendo-me no meu assento,

controlando-me para não apertar demais a menininha que estava no

meu colo.
Faltavam pouco mais de vinte minutos para a audiência

começar. Por conta do trânsito de Belo Horizonte, decidimos sair


mais cedo do apartamento que João tinha na cidade, para não

corrermos o risco de nos atrasarmos. Notei que minha tia ainda não

havia chegado. Conhecendo-a, eu sabia que ela iria chegar em cima


da hora, e, pela primeira vez, agradecia o fato de Verônica não ser

nada pontual. Ficar no mesmo ambiente com ela já era ruim o

suficiente, e ter que ficar esperando o início do julgamento com


minha tia próxima a mim só me deixaria ainda mais ansiosa. Por

mais que fosse um local seguro, temia o que ela poderia fazer

conosco.

— E eu estou aqui — continuou em um tom firme e eu encarei

sua expressão séria. — Acha mesmo que eu a deixaria machucar


você ou a Estrelinha?

— Não — falei, dando um sorriso amarelo para ele, que

acariciou a minha bochecha.

— Então respire fundo, amor. — Tocou os meus lábios com os


dele, deixando um selinho.

Fiz o que ele sugeriu, e deixando um beijo no topo da cabeça

de Belinha, olhei para Rubia, que conversava pacificamente com a


defensora pública, parecendo confiante e tranquila. Desejei estar
naquele estado de espírito.

Novamente meu olhar recaiu no corredor, esperando

angustiada o momento em que Verônica passaria por ali.

Cumprimentei duas mulheres que chegaram com um aceno de

cabeça, eram minhas antigas vizinhas, e dei um sorriso que me

pareceu forçado devido a minha tensão. Elas deveriam ser as


testemunhas que Rubia faltou que iriam depor ao meu favor,

endossando ainda mais o meu pedido pela guarda exclusiva da

bebê.

Quando fomos chamados para entrar na sala, não pude negar a

esperança que senti de que a minha tia não comparecesse, o que


sabia que seria algo ruim, já que a audiência teria que ser remarcada

para outro dia e ela ganharia apenas uma multa por isso.

Meu corpo todo ficou rígido no assento quando escutei a voz

estridente dela. Foi automático envolver Belinha em um abraço mais

apertado, mas logo obriguei-me a afrouxar os braços, dizendo a mim

mesma que eu não precisava ficar tensa, mas recusei-me a olhar


para trás.
— Não se aproxime, Verônica — meu namorado falou em um

tom mais rígido, e eu virei meu rosto para o lado, encontrando minha
tia mais próxima de nós do que esperava.

— Ou o quê?

A voz da minha tia pareceu bastante enrolada, e quando ela

tropeçou nos próprios pés, tive certeza de que estava bêbada. Os


olhos estavam avermelhados, olheiras cobriam suas pálpebras, mas

era a fúria que havia neles que me fez estremecer.

Voltei a proteger Belinha com os meus braços, mesmo que


entre mim e minha tia estivessem João Miguel e Rubia.

— Se acalme, senhora — a advogada de Verônica pediu,


emitindo um suspiro cansado, segurando o braço dela para levá-la

ao seu lugar.

Minha tia deu um safanão para se livrar dela, e a mulher deu


um passo para trás.

— Calma uma ova — gritou, fazendo com que a menininha no

meu colo chorasse, assustada.

Deixando um beijinho na testa dela, acariciei suas costas,


cantarolando uma canção bem baixinha para ver se a acalmava. Me
sentia péssima por expor a garotinha a tal coisa.

Um guarda se aproximou da minha tia e interveio:

— Por favor, senhora, estamos num tribunal.

— Essa puta merece uma lição por ter robado o meu


dinheiroooo!— gritou, as palavras soando confusas, e ela começou a

se debater como um animal ferido enquanto era arrastada para o seu


lugar. — Essa vagabunda tinha que tá presa!

— Senhora…

— Ela robô meu dinheirooooo — continuou a gritar do outro

lado da sala, apontando o dedo na minha direção. — Vô acabá com


sua raça, sua vagabunda!

Me encolhi com a sua ameaça, mesmo que soubesse que ela


não conseguiria cumpri-la.

O choro de Belinha tornou-se mais intenso. João Miguel, para


tentar acalmar a garotinha, a pegou do meu colo e trouxe-a contra o

seu peito, embalando-a suavemente.

— O que está acontecendo aqui? — A juíza tinha acabado de

entrar no recinto e falou em um tom de autoridade. Encarei a mulher,


que franziu o cenho ao se sentar.
— Essa puta me robô, me deixou na pior — Verônica repetiu,
aos berros. Ela se ergueu de sua cadeira e tentou dar um passo para
o lado, mas tropeçou nos próprios pés.

Sem perceber, ela se incriminava. Era doloroso saber que em


nenhum momento minha tia pareceu se importar com a bebê, e que

ela tinha me denunciado para a polícia por conta do dinheiro que não
caiu mais na conta dela.

— Desculpe-me por isso, Excelência — a advogada dela falou,


parecendo constrangida, e fez um gesto para que minha tia voltasse

para o seu lugar.

— Sente-se, senhora Ribeiro, para que possamos começar a


audiência — a juíza ordenou, sua voz vencendo o choro da bebê,

enquanto folheava o processo.

Verônica fez que não com a cabeça.

— Essa vaga-buda tirou tudo de mim— começou a gritar


histericamente, suas palavras se embaralhando enquanto ela repetia

a mesma coisa. — Deveria ter batido mais nela…

— Mais uma vez irei pedir, por favor, sente-se…


— Não. — A sobrancelha da juíza se ergueu quando foi
interrompida pela minha tia. — Essa puta…

— A senhora está muita alterada. — A magistrada fez uma

pausa, desviando a atenção dos documentos que lia, sua expressão


ficando mais severa. — Claramente fez uso de alguma substância

antes de comparecer ao tribunal.

— Men-ti-ra! Isso é coisa daquela puta… — Minha tia começou


a subir em cima da mesa, e o segurança veio depressa para contê-

la.

— Se a senhora não se controlar, considerarei isso um insulto a

minha autoridade.

Verônica riu da cara da mulher como se ela tivesse contado

uma piada, e a juíza não teve outra alternativa a não ser acionar a

equipe de segurança.

— A senhora está presa por desacato, com o agravo de ter


consumido substância indevida antes de comparecer a essa sessão,

ato passível de multa. — A juíza deu três marteladas com o malhete.

Com o canto do olho, vi o escrivão registrar tudo. — Por favor,


retirem essa mulher da sala.
— Não! — Verônica começou a se debater novamente, mas o

homem usou um pouco mais de força para contê-la.

Minha tia tentou estapeá-lo, enfurecida. Voltei a me encolher na

cadeira, não era uma cena bonita de se ver.

Minutos se passaram até que tudo ficasse em silêncio, até

mesmo Belinha havia parado de chorar.

— Acho que agora podemos começar — a juíza disse,

parecendo mais falar consigo mesma e me surpreendi pela

informalidade dela —, levantem-se, por favor.

A magistrada iniciou a audiência. Confesso que, depois de tudo,

estava bastante aérea para assimilar todas as formalidades iniciais,

principalmente quando envolvia termos jurídicos. A juíza ouviu

ambas as partes, minha tia estava sendo representada pela


defensora pública que parecia, de alguma forma, estar ciente de que

a causa de Verônica, diante das provas, estava perdida.

Mesmo bastante trêmula e receosa, quando foi solicitado, dei a

minha versão dos fatos, agradecendo silenciosamente pela presença


reconfortante de João Miguel e da competência de Rubia para me

defender das acusações de ter raptado Belinha, o único argumento

apresentado pela advogada da minha tia. As duas testemunhas que


foram convocadas para depor a meu favor apenas reforçaram aquilo

que eu tinha dito, além de trazerem novas informações, o que fez o

meu coração sangrar ainda mais por dentro.

— Na maioria dos casos que julgo, eu sempre peço um tempo

para deliberar sobre a minha decisão… — a juíza começou a dizer

após ouvir o depoimento da última mulher.

Quando ela fez uma pausa, João Miguel segurou a minha mão

e apertou-a. Olhei para ele com o canto do olho, percebendo que ele
parecia confiante.

— No entanto, diante das inúmeras provas apresentadas contra

a senhora Verônica Ribeiro, não apenas concedo a guarda exclusiva


de Isabel Ribeiro à Natalia Martins Ribeiro, como também decreto a

detenção da senhora Verônica por negligência e exposição de

incapaz à ambiente onde ocorreram práticas sexuais por dois anos


em regime fechado, sem possibilidade de fiança — a expressão dela

era severa ao bater o martelo —, e também estabeleço uma ordem

de restrição de quinze quilômetros da senhorita Natália Ribeiro e

também da menor Isabel Ribeiro.

— Acabou — João Miguel apertou minha mão com mais força

ao sussurrar.
— Sim…

Sorri para ele, lutando para não chorar com o alívio que me
preencheu. A certeza de que a minha bebê era apenas minha, que

nada mais nos separaria, e que minha tia não poderia se aproximar

dela quando fosse solta, me deixou trêmula.

A juíza terminou as formalidades e nós nos retiramos da sala,


pois haveria ali a realização de outra audiência. Dei um abraço nas

minhas duas vizinhas, finalmente as agradecendo como deveria.

Abracei Rubia também, era extremamente grata a ela.

— Eu não tinha dúvidas de que iríamos conseguir — o cowboy

falou, animado, ao balançar Belinha no seu colo, depois de

passarmos em uma outra sala para que eu pudesse assinar alguns

papéis.

Gargalhei, balançando a cabeça em negativa para ele, dando

vazão a minha felicidade.

Para o meu deleite e do João, que ainda a segurava, Belinha

juntou as mãozinhas e pareceu bater palminhas enquanto emitia


vários gritinhos, acompanhando nossa felicidade.

João Miguel passou o braço em torno dos meus quadris e me

trouxe para mais perto.


— E você foi demais, doutora — continuou, olhando para a

nossa advogada.

— Você é a melhor — acrescentei.

— Só fiz o meu trabalho. — Ela sorriu. — Agora só temos que


esperar pela audiência da semana que vem, para resolvermos de

uma vez isso tudo. Tenho certeza de que, depois do resultado de

hoje, você será considerada inocente do crime de subtração de

menor.

— Assim eu espero.

— Eu não tenho dúvidas. — A advogada olhou para o relógio

de pulso. — Se vocês não precisarem mais de mim, combinei de


almoçar com uma amiga que há muito tempo não vejo.

— Tudo bem, doutora. — João assentiu.

— Obrigada, mais uma vez, Rubia. — Desvencilhei-me de João

e dei outro abraço na mulher. — De verdade.

— Por nada. — O sorriso dela ficou ainda maior. — Nos vemos


na semana que vem, certo?

— Sim.

— Tenham uma boa tarde.


— Para você também.

Dando um aperto na bochecha de Belinha, Rubia nos deixou.


João voltou a me abraçar, deixando um beijo no topo da minha

cabeça.

— E agora? — perguntei em meio as palavrinhas de Belinha,

cujo repertório vem se tornando cada vez maior.

— Que tal irmos almoçar também? Tenho certeza de que daqui

a pouco a Estrelinha vai chiar de fome.

— Papá! — A garotinha deu um gritinho histérico, pedindo já

por comida.

— E temos que comemorar a nossa vitória, também…

— Self-service? — Sugeri, cheia de segundas intenções.

Eu adorava poder colocar a comida que quisesse em um prato,

que acabava se tornando uma pilha enorme, mas que eu comia tudo
e com gosto. Fora que haveria várias opções de legumes cozidos

para a bebê se banquetear.

Foi a vez dele de rir.

— Claro, moça. — Cobriu os meus lábios em um selinho, antes


de me dar a mão para sairmos do tribunal.
Com os gritinhos animados da bebê, fomos a um restaurante
que havia próximo dali, parecendo realmente como uma família.

Agora, uma que estava mais feliz do que nunca.


Capítulo vinte e oito

Dois meses depois…

Pisei um pouco mais no acelerador, aumentando a velocidade

da picape, ansioso para chegar em casa.

Não havia nada que eu odiasse mais do que passar três dias

longe das minhas meninas, mas, infelizmente, tive que fazer uma
pequena viagem para vistoriar uma das plantações que eu tinha em

Goiás. Diferentemente das outras vezes, Natalia não quis ir comigo,


preferindo ficar em casa para continuar mantendo o foco nos seus

estudos para prestar o Enem.

Apesar de termos nos comunicados por videochamada todos os

dias e trocado mensagens, não era a mesma coisa.

A saudade apertava o meu peito e eu estava mais do que louco

para abraçá-las, beijá-las, sentir o cheiro delas e principalmente


continuar a ajudar a minha Estrelinha com as suas pequenas

andanças. Já não duvidava de que em pouco tempo ela conseguiria

dar passinhos sem precisar se segurar em algo ou de apoio.

Não podia negar que eu também estava afoito para afundar-me

no corpo delicioso da minha mulher que, durante as noites, tinha me

deixado aceso com conversas sujas e fotos provocantes. Natalia


vinha se tornando cada vez mais safada, mais autoconfiante, e

estava desesperado para vingar-me dela, já que nem mesmo as

punhetas que bati por ela foram o suficiente para aplacar o meu

desejo. Ela imploraria para ter o meu pênis a preenchendo.

Só de pensar em tê-la, de sentir o calor dela me envolver, eu


senti que ficava agitado, meu pau ganhando vida.

— Mais tarde — disse para mim mesmo, focando na direção.


Demorou pouco mais de vinte minutos para eu finalmente
avistar a casa e, assim que estacionei, deixei rapidamente a picape.

Com passos largos, aproximei-me da varanda e sorri ao ver Natalia

sentada lá com uma apostila no colo e um marca texto na mão,

próxima a Estrelinha, que brincava com um cavalo de pelúcia, e que

foi a primeira a perceber a minha chegada.

— Titi — gritou, balançando os seus bracinhos e se erguendo


com dificuldade.

— Oi, Estrelinha — falei, completamente abobado, meus olhos

fixos nela.

Diacho! Poderia ser apenas saudades, mas, no meu ponto de

vista, minha Estrelinha parecia ainda mais linda do que dias atrás.

Para minha surpresa, agitada, a garotinha deu um pequeno

passo para frente. Fiquei paralisado, prendendo o ar nos pulmões,

quando a bebê deu mais um passinho, gritando, vindo até mim.

Com o canto do olho, percebi que Natalia também


acompanhava os movimentos da Estrelinha, com um sorriso largo no

rosto. O orgulho pela pequena conquista da garotinha deixou o meu

peito inflado, e eu me senti emocionado pelos primeiros passos dela

sozinha serem direcionados a mim.


Porra, não tinha certeza se merecia isso, mas eu a amei ainda

mais.

Sorri, enquanto meus olhos lacrimejavam. O amor pulsava junto

com cada batida do meu coração. Agradeci, silenciosamente, pela


Estrelinha ter realizado o meu sonho de ser amado por um filho, e
também por ter me dado aquele presente de vê-la pela primeira vez

andando em direção a alguém, e em direção a mim. Sim, ela era a


minha filha de alma e coração, e não havia ninguém que iria me dizer

o contrário, nem mesmo um papel ou uma lei. Estrelinha era minha


para amar desde que meus olhos pousaram sobre ela. E eu amaria a

minha filhinha até que eu desse meu último suspiro.

Belinha deu um terceiro passo, mas no quarto a menininha caiu

de joelhos e o choro dela cortou o ar. Isso fez com que eu finalmente
reagisse daquele mar de sensações boas e fosse apanhá-la.

— Não precisa chorar, querida. — Tentei consolá-la.

— Titi!

Com o coração agora apertado, deixando vários beijinhos no


rosto molhado pelas lágrimas, subi a calça acolchoada dela para ver

se ela havia ralado seus joelhinhos. Não havia marcas, mas


acreditava que o impacto tinha sido doloroso.
— Foi só um susto, Estrelinha.

Continuei a afagá-la e olhei aflito para Natalia, que se


aproximou de mim e ajoelhou ao meu lado. Estendeu a mão e pegou

o Senhor Pocotó.

— Olá, Belinha — fez uma voz engraçada ao roçar o focinho da

pelúcia no bracinho da bebê —, não chore, querida.

Continuou a conversar com ela, desviando a atenção da

Estrelinha para o brinquedo, até que o choro lentamente cessasse e


agora a menininha passasse a interagir com o cavalinho, tentando

puxá-lo da mão da minha namorada.

Sentei com ela no chão e Natalia entregou o cavalo para a bebê


que começou a agitá-lo.

— Senti saudades de você, amor. — Ela me cumprimentou

direito ao colar nossos lábios em um beijo doce. Controlei-me para


não aprofundar o contato.

— Eu também.

Deixei um selinho, depois outro, e Natalia deu uma risadinha

antes de se sentar ao meu lado.


Envolvi a cintura dela, que pousou sua cabeça no meu ombro,
observando Belinha brincar, que parecia entretida com o cavalinho e
também com um outro brinquedo barulhento que tocava uma música

quando chacoalhado.

— Você viu? — sussurrei depois de um tempo, quando me

deixei levar pelas emoções causadas com a lembrança da minha


garotinha andando em minha direção.

Eu acho que não cansaria de me recordar desse momento


precioso, e provavelmente ficaria um pé no saco repetindo aquilo,

mas eu não conseguia me conter.

— Vi… Foi lindo, não? — disse em um murmuro.

Com o canto do olho, notei que ela sorria.

— Foi a coisa mais bela que vi na vida — confessei em um tom

embargado, me sentindo à beira das lágrimas novamente. — Pode


parecer algo pequeno, mas você não sabe o quanto eu sonhei com
isso…

— Posso imaginar, João.

Se aninhou em mim e fiquei contemplando a minha Estrelinha


brincar.
— Eu amo você. Também amo a minha filha… — cochichei em
seu ouvido, depois de alguns minutos —, muito.

— Filha?

Olhei a mulher que amava, encontrando os olhos marejados

dela, e assenti com a cabeça.

— E eu amo você, João — falou. Aquelas palavras eu nunca

me cansaria de ouvir.

Estrelinha, cansada do seu brinquedinho barulhento,

engatinhou em nossa direção e, automaticamente, meus braços a

envolveram.

Suspirei, e olhei para o horizonte, contemplando o pôr do sol,


momento que Zé mais amava, e agradeci a ele, aonde for que ele

estivesse, pela milésima vez, por ter me dado, de alguma forma, a

minha família inesperada.


Epílogo

Três anos depois…

— Mamãe! — Belinha saiu correndo assim que me viu na porta


da escola, e eu fiquei sobre meus calcanhares para receber o abraço

da pessoa que mais amava no mundo.

Sorri de imediato ao sentir os pequenos bracinhos envolverem

o meu pescoço, e eu a abracei de volta.

Apesar de eu ser prima de Isabel, a garotinha passou a me

chamar de mãe, como João Miguel de papai, para o deleite do


cowboy, que, depois que nos casamos na igreja, entrou com um

pedido de paternidade socioafetiva, tornando-se legalmente pai dela.


Não podia negar que meu marido não era o único a gostar de ser

chamado assim, já que eu também adorava escutar aqueles lábios

adoráveis me chamarem de “mãe” ou “mamãe”. Felizmente, Verônica


virou apenas uma sombra no nosso passado, e eu não tive notícias

dela esse tempo todo, e ela nunca tentou entrar em contato com a

filha, o que considerava um alívio. Isso permitiu que Belinha tivesse


uma infância saudável, sem ter que lidar com os dramas e também

escândalos. Talvez fosse algo cruel da minha parte, mas sentia que a

garotinha estava melhor assim.

— Como foi a aula hoje, meu amor? — perguntei para ela,

deixando um beijo na sua bochecha rosada, acariciando os seus


cabelinhos loiros, que tornavam o seu rosto ainda mais angelical.

— Apendi um montão de coisa, mamãe — falou em meio a uma

risadinha, devolvendo o beijinho.

— Mesmo, querida?

Ergui-me e, pegando a mochilinha dela, colocando-a sobre os

ombros, dei a mão para Belinha, para que caminhássemos em

direção ao meu carro. Tirar a carteira de motorista e começar a


cursar administração em uma universidade privada, já que na
Federal do Triângulo Mineiro não havia o curso que queria, foram

duas das minhas conquistas mais importantes, dentre inúmeras

outras que alcancei com o apoio de João Miguel. Para o deleite do

cowboy, ainda que faltassem alguns semestres para me formar, eu já

cuidava das burocracias para ele.

— Sim! — Com o canto do olho, a vi balançar a cabecinha para


enfatizar sua fala.

— Como o quê? — Incentivei-a a dizer.

Sabia que ela estava doida para me contar e, mesmo que

Belinha fosse repetir não uma, mas várias vezes, devido sua típica

empolgação, eu a escutava atentamente. Tanto eu quanto o meu


marido concordávamos que deixar sempre uma via aberta para o

diálogo era importante. Acreditávamos que Belinha tinha que se

sentir confortável para falar o que pensava sempre, nunca temendo

nos relatar algo, seja uma simples bagunça que ela tenha feito ou

algo mais grave.

— A gente pintô um tantão de figulas com palavas com B… —


Soltou a minha mão, para abrir os bracinhos.
— Figuras — a corrigi, destravando o alarme e abrindo a porta

de trás para que ela entrasse. — E o correto é “palavras”, com a letra


r.

— Palavas — repetiu errado, se acomodando no assento de


elevação.

— Pa-la-vras — soletrei, prendendo-a no cinto e coloquei a


mochila dela no assoalho —, “vras”.

— “Vras” — falou em meio a uma risadinha e eu assenti.

— Isso, palavras.

— Palavras! — Bateu palminhas.

Sorri e fechei a porta. Dei a volta e fui me acomodar atrás do

volante. Ligando a playlist que a garotinha gostava, dei partida.

— E quais palavras começam com a letra B?

Olhei a garotinha pelo retrovisor.

— Bala, boca, bola — contou nos dedinhos —, bela e boneca.

— Tem mais, não?

Fez silêncio por um minutinho, parecendo pensar.


— Bica! — Deu um gritinho histérico que me assustou, mas

logo acabei caindo na gargalhada com o jeito espertinho dela.

— Beco também? — provoquei-a, sabendo que a garotinha

deveria ter aprendido muito mais palavrinhas do que apenas seis


delas. Ontem, tinham sido as que começavam com a letra a.

— Tamém — deu uma risadinha —, banana!

— Hm.

Continuou a tagarelar, tentando se recordar de cada uma das


palavrinhas, até que cansou e mudou de assunto, falando do

amiguinho dela pela qual ela era apaixonada, para o desespero do


seu papai cowboy, que se mordia de ciúmes, mesmo que fosse
apenas uma amizade infantil. João tinha a ilusão tola de que ele seria

o único homem da vida dela.

— Tamu ino no shopi, mamãe? — perguntou com uma vozinha


animada assim que eu parei o carro no estacionamento do shopping.

— Sim, meu amor. Nós vamos comprar um presente para o

papai.

— Eeeee — gritou, animada, removendo o próprio cinto —,


vamu compá um cavalo?
— Deus, não!

Outra vez, não consegui conter a minha risada. Ri tanto que


pequenas lágrimas se formaram em meus olhos. Igual ao pai dela,

Belinha era apaixonada não apenas pela terra, mas também pelos
animais, mas era de se esperar, já que João a levava quase todos os

dias para brincar, não apenas com os cavalos, mas também com os
porcos e as galinhas. Fora que ele havia dado um pônei para ela,
ensinando-a a montar, algo que eu ainda não me atrevia a fazer

sozinha, só com o cowboy me guiando.

— Ué! — Fez bico, contrariada.

— A gente não consegue comprar um cavalo em um shopping,


meu amor.

— Ah! — Pareceu desanimada. — Vamu compá o quê?

— Ainda não sei ao certo, filha, mas se você me ajudar a


escolher, vou comprar um sorvete para você…

— Eeeeee! — Deu vários gritinhos e pulinhos.

Senti um friozinho na barriga, contendo a vontade de tocar o

meu abdômen plano, enquanto caminhava de mãos dadas com


Belinha pelo estacionamento e entrava no shopping.
Fazia pouco menos de duas horas que tinha passado no
laboratório para pegar o resultado do exame que tinha feito em
segredo de João Miguel, e eu contava os minutos para poder dizer a

ele que nós dois finalmente estávamos “grávidos”. Enquanto dirigia


para buscar Belinha na escola, tinha decidido que iria fazer uma

pequena surpresa para ele, tornando aquele momento ainda mais


especial para o cowboy. Para nós. Para a nossa família.

Depois de passar por alguns testes, tínhamos descoberto que a

infertilidade de João estava ligada ao fato da deficiência de produção

de espermatozoides nos testículos. Não havia uma “cura”, apenas


uma cirurgia que coletava o gameta em um tubo que fica na parte de

trás da glândula, mas, mesmo assim, as chances de sucesso eram

muito baixas.

Tínhamos feito várias tentativas, o que causou uma frustração


enorme no meu marido, que tinha se apegado àquela esperança de

ser pai novamente com suas unhas e dentes. Ele tinha me avisado

que não seria fácil, e não foi. Exigiu muito emocional para que não

sucumbíssemos a frustração e a impotência. Para o cowboy, os


sentimentos eram ainda piores. Ele poderia tentar esconder de mim,

mas sentia uma culpa ferrenha que parecia se tornar cada vez maior
a cada vez que descobríamos que teríamos que tentar mais uma

vez.

Era por isso que, por mais difícil que fosse, tinha escondido

dele a possibilidade de finalmente termos conseguido, apesar de que

uma hora eu teria que contar se deu certo ou não. Não queria que a
expectativa nascesse nele, apenas para morrer subitamente,

transformando-se em dor, quando o teste desse negativo. Então

precisava confirmar primeiro que os sintomas que eu vinha tendo e a

ausência da minha menstruação realmente eram porque estava


grávida, e, graças aos céus, eu estava!

Só de pensar que eu estava carregando um menininho ou uma

menininha dentro de mim sentia vontade de chorar de alegria

novamente.

— Mamãe… — Belinha puxou a minha mão, tirando-me do

transe de pensamentos.

— Oi, filha? — Sorri para ela.

— Balão! — Apontou para o quiosque.

— É o balão ou o sorvete que você quer, Belinha? — perguntei

suavemente.
— Soveti!

— Tá bom então.

— Com bastante cobetura…

— Cobertura… — corrigi-a e parei em frente a uma loja de


enxoval de bebê.

Outra vez lutei contra as lágrimas ao contemplar um par de

sapatinhos de crochê branco. Meu coração bateu acelerado e foi


instintivo tocar o meu ventre enquanto encarava a vitrine, imaginando

como João se sentiria ao olhar para aquelas pecinhas. Seria lindo,

perfeito em sua simplicidade.

— Po quê cê tá olhando aí? — Me virei para a garotinha, que

tinha o queixo levantado e me fitava, curiosa, tirando uma mecha do


seu cabelo e jogando para trás.

— Para comprar o presente do papai.

— Mas ele num é bebê! — Tombou a cabeça de um jeito tão

bonitinho que lutei para não apertar suas bochechas.

— Não, mas tenho certeza de que ele vai amar, Belinha…

Ela pareceu ficar pensativa.


— Tá.

Deu de ombros e, desvencilhado da minha mão, entrou na loja


antes de mim.

Emiti um suspiro e fui atrás dela, ralhando com Belinha por ter

corrido na minha frente. A garota fez um bico de todo tamanho, mas

logo passou a sorrir quando eu falei que ela podia escolher algo para
o papai dela também.

Depois de deixarmos a loja, comprei um sorvete de cascão para

Belinha, que acabou fazendo uma lambreca enorme, e tive que parar
para limpá-la antes de irmos para casa, já que ainda teríamos que

percorrer uma grande distância para chegarmos em Santa Juliana.

Quando avistei a plantação de batatas ao longe, senti que

minhas mãos suavam contra o volante e meu coração batia


descompassado. Como seria a reação de João Miguel? Ele ficaria

bravo por eu ter escondido? Ele pularia de felicidade? Ou choraria?

Respirei fundo, acalmando-me. Em poucos minutos descobriria.

Assim que parei o carro na garagem, como sempre, o cowboy


já estava nos esperando na varanda com um sorriso bobo no rosto.
— Papai! — Belinha gritou, assim que meu marido se

aproximou de nós.

— Oi, minha Estrelinha. — Pegou a pequena no colo e eu

escutei o som estalado de vários beijos em meio a risadinha da


menina, que adorava ser paparicada pelo seu pai. — Que saudades

de você.

— Cê já me viu hoje — ela retrucou em uma voz manhosa e

não precisei olhar para João para saber que ele tinha uma careta no
rosto.

Tranquei o carro e me juntei aos dois.

— Mesmo assim, o papai estava morrendo de saudades de


você… — Voltou a deixar uma série de beijos nela e começou a fazer

cócegas.

Belinha ria, se contorcia, quase chorando de tanto gargalhar.

— Para, papai! — Deu um gritinho.

— Ara! — Continuou.

— Vô fazer xixi! — Isso fez com que o meu marido parasse e a

baixasse no chão.

— Oi, amor — falei.


— Saudades de você também — cochichou ao envolver a

minha cintura, trazendo-me para o seu corpo, colando nossas bocas


em um beijo suave, que foi capaz de arrepiar os meus pelinhos.

— Eu também, querido. — Deixei um selinho nos lábios dele.

Estávamos juntos há alguns anos, mas o fogo não havia

diminuído, pelo contrário, parecíamos ficar cada vez mais sedentos


um pelo outro.

Eu era completamente apaixonada pelo meu cowboy, mas

como poderia não ser, se ele me conquistava todos os dias com

mimos e carícias? E ele ainda era um verdadeiro gostoso!

— Vocês demoraram…

— A gente foi compá um pesente — Belinha respondeu, se

intrometendo entre as nossas pernas.

Dando um passo para trás, meu marido a colocou no colo


novamente. Aproveitei para pegar a sacola.

— Presente? — João pareceu curioso ao deixar um beijo no

rosto da garotinha.

— Pru papai! — Bateu palminhas.

— Para mim?
Ela balançou a cabeça em concordância.

— Mas é supesa… — Deu uma risadinha.

— Deus! Vou ter que esperar muito para descobrir o que é? —

Apontou para o embrulho.

— Num sei — a menina falou baixinho —, mamãe?

— Vamos entrar, querida, e você poderá entregar o que você

comprou — decidi deixar Belinha entregar o body rosa que ela

mesmo havia escolhido, apesar que não sabíamos se era uma


menina.

— Então vamos, pois não vou aguentar de curiosidade…

Dando risada, nós três entramos na casa, indo direto para a

sala.

— Me dá, mamãe! — Belinha pediu estridentemente.

Abri a sacola e entreguei a caixinha para a menininha que,


animadamente, entregou para o cowboy. Ele ficou olhando para o
embrulho, como se estivesse em uma espécie de transe.

— Abi, papai. — Bateu os pezinhos no chão.

— Certo!
Meu coração começou a bater com mais força no momento que
os dedos dele tocaram a fita e lentamente começaram a puxá-la, o
nervosismo fazendo as minhas palmas voltarem a suar frio. Ele

retirou a tampa da caixa e ficou olhando para ela por segundos a fio,
as lágrimas deslizando pela sua face.

A emoção que havia em João Miguel me fez chorar também,


extremamente apaixonada pela reação dele.

— Cê tá cholando, papai? — Belinha tocou a barba dele,


parecendo preocupada.

— Eu… — Ergueu o body rosa com delicadeza.

— Po quê, papai?

— Você realmente está grávida? — Sua voz soou embargada


ao perguntar para mim.

— Sim, amor.

— Deus!

Levou a peça ao rosto e o seu choro se tornou mais convulso,


ao ponto de soluçar.

— Papai? — Belinha pareceu ficar assustada e também cedeu


ao pranto.
Aproximei-me dela e peguei-a no colo.

— Seu pai está chorando de felicidade, querida — expliquei,


ouvindo o seu berreiro.

— Po quê?

— Você vai ter um irmãozinho ou uma irmãzinha, meu amor…

— Num quero!

O choro dela se tornou ainda maior, e eu tentei acalmá-la.


Sabia que nem todas as crianças teriam uma reação otimista à
novidade, então considerei isso normal.

Saindo da sua letargia, João aproximou-se de nós, e pegou a

menina no colo.

— Num quero, papai! — Deu soquinhos nele.

— Você terá um novo amiguinho com quem brincar, Estrelinha.


— Beijou o rostinho molhado.

— Num quero… — repetiu.

— Eu sempre vou te amar, Estrelinha — ele falou com a voz

embargada.

— Pometi?
— Sim, meu amor.

Selou essa promessa com um beijo na mãozinha dela e


reforçou o quanto a amava, e que ela seria para sempre a sua

garotinha. A ternura do momento fez com que a emoção, que já era


muita, explodisse no meu peito. Foi impossível não me sentir bamba,
apaixonada pelos dois.

— Vô podê brincá com ele? — Apesar das lágrimas, Belinha


parecia um pouco mais animada.

— Quando ele crescer, sim.

— Vai demoiar muito? — Deu um sorrisinho.

— Para nascer, quase um ano, mas para brincar, um pouco

mais.

— Ah, não, papai! — Ficou emburrada, e meu marido deu uma

risada.

— Passa rápido.

Cheirou o pescocinho dela e, com a mão livre, começou a fazer


cócegas novamente na garotinha até que ela se contorcesse e

pedisse para que meu marido a colocasse no chão.


Belinha começou a correr pela sala, gritando, parecendo mais

animada com a ideia de que ela teria um irmãozinho para brincar no


futuro.

Aproveitando a deixa, João se aproximou de mim e me abraçou


carinhosamente. Aninhei-me nele, pousando a cabeça no peitoral

dele, que subia e descia cadenciado. Senti as lágrimas dele


molhando os meus ombros.

— Diz que não estou sonhando, amor — murmurou em um tom

choroso —, confirma que eu realmente vou ser pai outra vez.

Sem sair do abraço, ergui meu rosto para encará-lo. Toquei o


rosto barbado dele, a umidade molhando as minhas palmas.

— Não é um sonho, querido — sorri, sentindo as minhas


próprias lágrimas voltando a escorrer pela minha face, enquanto meu

coração batia apaixonado só com a ideia de ter um serzinho


crescendo dentro de mim —, realmente nós vamos ter um bebê.

— Deus! — murmurou.

Fitou meu rosto, completamente emocionado, enquanto suas

mãos desciam em direção ao meu abdômen. Mesmo que ainda não


houvesse nenhum indício de que havia uma criança ali, seus dedos
tremeram assim que tocaram a minha barriga. Uma onda de amor
me engolfou por aquele toque, e várias emoções me perpassaram
quando ele começou a acariciar a região. Tanto eu quanto ele
olhamos para baixo.

— Deus! — repetiu.

Sorri e pousei minhas mãos sobre a dele.

— Se não acredita, tenho o resultado de exame de sangue para

provar — sussurrei, deixando um beijo em seus lábios.

— Você não mentiria para mim, não a respeito disso —


comentou.

— Não, nunca.

Acariciei as costas dos dedos dele, e sorri.

— Você não está com raiva por eu não ter te contado sobre
minhas suspeitas? — questionei, sentindo uma pontada de receio.

Fez que não com a cabeça e ergueu uma mão para acariciar o
meu rosto também.

— Como poderia ficar triste se você me deu mais uma

Estrelinha para preencher o meu céu? — disse com a voz


embargada.
— Que coisa mais doce de se dizer, João. — As palavras dele
tocaram a minha alma, tanto que eu chorei ainda mais.

— É a mais pura verdade, moça. — A mão pousada na minha


barriga voltou a deslizar de cima para baixo. — Eu não sabia que

minha vida era tão cinzenta sem o brilho de vocês duas. Agora, de
vocês três.

Abracei-o com força, nós dois compartilhando nossa felicidade


em meio a lágrimas, sorrisos e sussurros de confirmação que
realmente estávamos “grávidos”, mas logo senti Belinha se

colocando entre as nossas pernas. Dei um passinho para trás, com


isso, afastando-me do toque do João Miguel.

— Mamãe?

— Oi, meu amor?

— Tô com fome!

— Então vou esquentar o angu com frango. Vá para o seu


quarto e me espera lá, vou te dar um banho antes do jantar — Com a

rotina corrida, eu preparava apenas uma refeição no dia e


esquentava as sobras na refeição da noite.

— Eeeee!
Foi depressa em direção ao quarto, animada, e eu acabei rindo.
Havia apenas uma coisa que ela gostava tanto quanto os animais:

comer.

João Miguel voltou a me abraçar e, aproveitando que a


menininha não estava ali, dessa vez, seus lábios desceram sobre os
meus sem comedimento, sua língua encontrando a minha em um

beijo cheio de volúpia e ânsia, fazendo com que eu estremecesse


contra o seu corpo duro e definido, suspirando. Finquei minhas
unhas nos seus ombros quando sua mão começou a deslizar

sensualmente pelas minhas costas, mas sem tocar a minha bunda, e


mordiscou os meus lábios, antes de voltar a mergulhar na minha

boca.

— Eu-pre-ci-so esquen-tar a comi-da — falei entre beijinhos.

Ele não parou.

— E Belinha pode ver. — Insisti e isso fez com que ele parasse.

Uma coisa que eu amava nele era esse poder de se controlar


para que não passássemos dos limites perto da nossa menina.

Demonstrávamos afeto na frente de Belinha? Sim, mas apenas


beijinhos, toques bobos, afinal, uma criança precisava ver que os

pais se amavam.
Deu um beijo na minha testa.

— Eu já disse que te amo, moça? — perguntou antes que eu

me afastasse.

— Todos os dias desse nosso felizes para sempre — falei, meu


sorriso ficando enorme. — E eu também te amo, de montão.

— Não mais do que eu, Natalia. — Me deu outro beijinho.

— Hm.

— Obrigado por me fazer o homem mais feliz do mundo.

— Bobo!

— Depois que terminar de arrumar a Estrelinha, tome um banho


também. Pode deixar que eu dou a janta dela— deu um tapinha na

minha nádega —, sei que você deve estar doida por um.

— Obrigada, amor. — Lhe dei outro selinho. — Realmente

estou morrendo de vontade de tomar uma ducha.

— Sabia…

Piscou de um olho só, e me deu um sorriso malicioso.


Maneando a cabeça, apartei-me do seu abraço, e comecei a

caminhar em direção ao nosso quarto.


— João?

— Sim?

— Esquenta comida para mim também — fiz uma pausa


dramática —, ultimamente ando faminta.

Meu homem jogou a cabeça para trás e riu com a minha

indireta, a felicidade parecendo irradiar por todo o seu ser, uma


alegria que pareceu me contagiar ainda mais, mas foi a imagem do
cowboy pegando novamente o bodyzinho rosa e o levando ao rosto,

como se ainda não acreditasse que seria pai, que me deixou mais
abobada do que estava.
Bônus

Nove meses depois…

Eu parecia um maldito obcecado, mas eu não conseguia parar


de olhar para o rostinho franzido da outra Estrelinha que eu havia

ganhado e que dormia tranquilamente no bebê-conforto durante o

trajeto de volta para casa. Ela era tão pequena, seus dedinhos
parecendo tão frágeis, que dava até medo de tocá-la, porém, a cada

momento e oportunidade que eu tinha, eu a pegava no colo para

tocar sua mãozinha ou rostinho.


Quando descobrimos que teríamos uma outra menininha, além

de torcer para que ela viesse com bastante saúde, também torci para
que a garotinha puxasse os traços da mãe e fosse uma minicópia

dela, mas o destino quis que ela puxasse meu nariz, meu queixo...

Diziam que um bebê mudava muito, mas isso não mais me


importava, já estava completamente apaixonado por Letícia só por

ela existir. Ela e Belinha tinham iluminado a minha vida, tornando o

meu céu mais colorido.

Se antes eu era um pai babão e coruja, agora eu parecia ter me

tornado ainda mais, e estava contando os minutos para as duas

irmãs interagirem outra vez.

Infelizmente, Letícia tinha nascido um tempinho antes da hora e


ela precisou ficar na incubadora por alguns dias em observação, o

que partiu o meu coração e o de Natalia. Foram dias angustiantes, e

mesmo que tivéssemos levado Belinha para conhecê-la e ficar um

pouco com a sua irmãzinha, estávamos cientes que um quarto de

hospital não era um local adequado para uma criança, por mais que
fosse particular, então, para compensar a ausência de Natalia e para

que a minha primogênita não sentisse muito sua falta ou que

achasse que nós não gostávamos mais dela, eu fiquei cuidando dela

na fazenda e, praticamente, só ficava com Natalia e Letícia no


período que Belinha ia para escola ou quando eu ia para lá com a
garotinha.

Finalmente isso acabou, já que a bebê, um pouco mais

gordinha e extremamente saudável para quem nasceu prematura,

teve alta. E isso merecia uma comemoração em família!

Minha esposa não gostou muito da minha ideia de buscar

Belinha mais cedo, tirando-a da aula, mas acabou concordando com

a minha sugestão ao ver minha empolgação.

Enquanto Carlos dirigia, fazendo o percurso do hospital até a

escolinha, fiquei zelando o sono da minha pequena, observando sua

boquinha se mover, seu narizinho se franzindo a todo momento. Eu

tinha certeza de que sorria que nem um idiota.

— Chegamos — minha esposa murmurou assim que o carro

parou em frente à escola da minha filha, e eu saí do transe.

— Vou buscá-la — falei baixinho para não acordar a bebê, mas

acabou que Letícia começou a chorar.

— Ela deve estar com fome.

Removeu o cinto da bebê e o dela e, com uma delicadeza que

todas as vezes fazia meu coração saltitar no peito, pegou a


menininha no colo. Colocando-a na posição correta, baixou um

pouco a blusa e, erguendo um pouco o seio, o ofereceu para Letícia,


que capturou o bico com os lábios rosados bem-feitos.

Eu deveria ir pegar a Belinha, mas fiquei, como sempre,


fascinado com a imagem da minha mulher amamentando a minha
bebê. Era um ato singelo, corriqueiro, mas o modo como Natalia

olhava amorosamente para a pequena enquanto ela sugava era


lindo.

— Você não vai buscar Belinha? — perguntou suavemente,


desviando a atenção da criança por uma fração de segundos, sua

sobrancelha arqueada interrogativamente.

— Claro. — Meio a contragosto, removi meu próprio cinto e abri

a porta, andando em direção a escolinha.

A empolgação voltou a me dominar enquanto esperava alguém

atender o interfone. Demorou alguns minutos para que eu explicasse


a situação e Belinha fosse trazida até mim.

— Papai? — Saiu correndo na minha direção e agachei-me


para aparar a corrida dela com um abraço.

— Oi, Estrelinha. — Deixei um beijo estalado na sua bochecha,


fazendo bastante barulho, e ela me devolveu o beijinho.
— Tá tudo bem, papai? — Seu cenho se franziu, parecendo

confusa.

— Sim, meu amor, só vamos para casa mais cedo.

— Por quê?

— Sua irmãzinha teve alta hoje, querida. — Acariciei seus

cabelos loiros e fininhos.

— EEEEE! — Deu pulinhos no lugar, os bracinhos se agitando.

— Vô poder brincar com ela?

— Não, meu amor, ela ainda é muito pequena para isso. —

Estiquei meu braço para pegá-la no colo, e com um aceno de


cabeça, agradeci a monitora.

— Mas ela num já cresceu, papai? — perguntou, desanimada.

Belinha era uma menina esperta. Dias atrás, eu tinha explicado


que Letícia tinha que ficar na incubadora para ganhar um pouco mais
de peso, porém, na sua cabecinha infantil, ela provavelmente achava

que isso significava ficar grande o suficiente para poder brincar.

— Sim, mas não como você imagina.

— Ah! — Fez um muxoxo.


— Mas quando chegarmos em casa, papai vai deixar você
pegar Letícia no colo outra vez…

— Tá bom! — Pareceu mais contente e eu sorri.

— Mas nada de gritar se ela estiver dormindo, ok?

— Tá. Prometo, papai!

Mostrou o dedo mindinho e, ajustando ela no meu colo,


entrelacei nossos dedos.

— Oi, filha — minha mulher cumprimentou-a assim que a sentei

no assento elevado que Carlos, antecipando-me, tinha colocado ao


lado do bebê conforto.

— Num posso falar, mamãe… — sussurrou.

— Como assim?

— Não pode gritar, querida — a corrigi, colocando seu cinto —,


não pode gritar para não acordar Letícia quando ela estiver
dormindo. E sua irmãzinha parece que está acordada agora.

— Tá! Oi, mamãe — falou.

— Como foi o seu dia, querida?


Dei a volta no carro, sentando-me no banco da frente, e
acompanhei a conversa que morreu em alguns minutos, já que
Letícia voltou a dormir. Durante praticamente todo o trajeto, fiquei

observando as minhas três meninas no banco de trás, principalmente


Belinha, que fazia carinhos suaves no cabelinho da irmã.

O amor que sentia pelas duas correu veloz pelas minhas veias.

Podem me chamar de tolo, de fraco, mas eu me peguei suspirando


pelo carinho que, a cada segundo, parecia se construir entre as duas

irmãs.

Somente cerca de quase duas horas depois, após muito choro

de Letícia, outra mamada da pequenininha e uma troca de fralda,


que finalmente pude contemplar e registrar em mais uma fotografia,

dentre as inúmeras que eu sabia que colecionaria durante a vida,

minha Estrelinha segurando sua irmãzinha no colo, sendo auxiliada


por Natalia.

Apesar de ser ainda muito pequena, a menina tomava todo o

cuidado com a irmã, e o sorriso que minha garotinha tinha ao ter a

bebê nos seus bracinhos encheu meus olhos d’água, ao mesmo


tempo que quis rir de felicidade quando Belinha chamou Letícia de

“minha Bonequinha”. Se ela fosse um pouco mais velha e tivesse


mais firmeza nos braços, sem dúvidas minha primogênita iria

carregá-la para cima e para baixo, como se realmente fosse uma


boneca.

Encarando às três pela milésima vez, senti-me o homem mais

agraciado do mundo por ter uma bela família, uma família que
sempre incluiria aquele a quem amo como o pai de coração que

sempre foi para mim: o Zé.


Agradecimentos

Mais um livro escrito e você não está aqui, mãe. É difícil pensar

que nos próximos você também não estará. Te perder foi a pior coisa
da minha vida e, todos os dias, eu sinto a sua falta nas pequenas

coisas, nos pequenos comentários, e até mesmo no fato de você


fazer com que eu colocasse meus pés no chão. Embora você esteja
imortalizada em cada página que escrevo, que o seu amor de mãe
esteja presente em cada um dos meus personagens, não é a mesma

coisa. Eu daria tudo o que tenho para ter você de volta, mas,
infelizmente, não posso. Então, é por você e pelo nosso amor que
vivo dia após dia.

Amanda, obrigada por ser a muralha que me impede de ruir, por


apoiar a minha jornada, por consolar-me em minhas crises, por

compreender minhas inseguranças, por não levar a mal meus

comentários, por me amar incondicionalmente. Você sempre será a


pessoa que mais amo no mundo e eu não sei o que seria de mim

sem você, sem o seu abraço e também as suas puxadas de orelha.

Ana, amiga, eu nunca vou me cansar de agradecer a sua

presença em minha vida, nem a de Pedro. Eu agradeço muito por


você tornar os meus livros mais lindos e também por sempre

incentivar as minhas ideias e projetos, mas o que realmente sou


grata é por ter a sua amizade, seu apoio emocional, seu abraço de

consolo e poder ver o seu sorriso.

Rubia, muito obrigada pelas informações jurídicas para a


construção desse livro. Sem você, essa história teria muitas pontas

soltas. Você estará eternizada como a advogada dos milionários.

Um beijo especial para as meninas do meu grupo de WhatsApp

que sempre tornam o meu dia melhor e que pacientemente leem e


entendem minhas frustrações: Dina, Danny, Patrícia, Valdete, Iandra,

Gisele, Edna, Fernanda, Nedja, Débora, Cristina, Ionara, Glei, Yslai,

Ju, Leila, Thaty, Wilzanete, Helenir, Helineh, Tatiane, Talita, Rosi,


Eryka, Mari, Roseane, Elisângela, Dri, Vânia, Thais A., Jennifer,

Ellen, Caroline C., Mônia, Athina, Adriana, Larissa, Patrícia, Abigail,

Michelly, Caroline, Regina, Jéh, Nalu, Rosana, Naiane, Cris, Danusa,

Maria, Juscelina, Bianca, Kiola, Lauryen, Laís, Natália, Luciana

(Nana), Amanda, Márcia, Isabella, Kelliane, Bárbara, Karol, Roseane,


Nay, Rose, Adriana, Edi, Beeh, Sirleni, Kaká, Jéssica Luiza, Vanessa,

Paulinha, Fabi, Elisangêla, Juhh, Thamy, Sueli, Lizzi, Cami, Kelly,

Naiane, Vera, Isis, Ariane, Naira, Ariane, Fátima, Fernanda, Eugênia,

Lara, e Eliaci.
Por último, agradeço a você, leitor, por ter chegado ao final
desta obra, a você que sempre apoia a minha escrita e minha

carreira, ou que está me conhecendo agora. Você é a razão de eu

sentar atrás do meu computador e escrever, nem sempre com

sucesso, mas sempre dando o meu melhor a cada palavra.

A Aline Damasceno não existiria sem vocês.

Beijos!
Sobre a autora
Mineira, se apaixonou por romances há alguns anos, quando
comprou e devorou um romance de banca que adquiriu em um
supermercado. Após aquela leitura, não parou mais de comprar livros
e ler. Encontrou no mundo da literatura um lugar de prazer e refúgio.
E agora se aventura em escrever suas próprias histórias.

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Minha segunda chance


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Sinopse: Sentindo-se culpado pelo acidente de carro que

vitimou o seu melhor amigo, o milionário do ramo madeireiro,


Alexander Brooke, como forma de autopunição impôs-se a solidão,

afastando-se de todos que o amavam. Recluso e agora sombrio, ele

abandonou seus sonhos, inclusive de ser amado e formar uma

família.

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