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4042 LIVRARIA TAVARES MARTINS — PORTO DIGITALIZADO PELA BIBLIOTECA ACIONALISTA VISIIVNOIOVN yaalorials bibliotecanacionalistal blogspot.com bit.ly/bibliotecanacionalista (drive) Que é « Histéria? Uma. ciéncia? Uma arte? Uma éti ', a fungdo exclusiva do histeriador consiste em pes- ¥ arquives, analisar documentos e método, a certeza de wma data, @ veracidade de uma testemunha, a minticia de um aconteci- mento, formular mesmo certas leis, deri twada: — é a Histéria-ciéncia. Para outros, consiste em tra- car belos quadros num estilo sugestivo e elogiiente, com descri- coes coloridas de cenirios e de atmosferas, largos movimentos de turbas, lances culminantes de tragédias, de apoteoses ¢ de batalha. -é @ Histéria-arte. Para outros, consist, niema: galeria de modelos em que se possa distinguir o bem eo mal, mplo a seguir eo érro a evitar e portanto, donde resulite série de normas titeis para a conduta dos conte mpond :—€ @ Histéria-ética. Dentro déstes trés conceitos, hé uriantes; tidas se integram, mais ou menos, num » Ou representam uma combinacdo em que algum déles prepondera. Quanto a nés, a Histéria néo ética; é, ao mesmo tempo, as tr cd mA Evidentemente histéricos possuam. firme metro objective a x apurar, com paciéncia. «a identidade de uma figura, udas da anilise efec- apenas, ciéncia, arte ou coisas —e ainda alguma erd indispensével que os estudos 2 honesto cardcter cientifico: 0 pri sar é saber 0 que se passou, se se passou HISTORIA DE PORTUGAL i bordina- hos eruditos subor ‘a 3 alicerces — indispen- os quais tem Peon Ninguém, 3 paineis deseriti como num luminoso esp e como se passou. ee dos a ésse objectivo, Aiveis, mesmo — soor sdveis, Ma cain de His de apreciar os 9 que se apreenda, cao, a beleza, minadas épocas a Historia se vé nas salas 00 wivos recebem Wi por outro lado, deixa de ressurret- ee de deter- E de que serviria fh o Gk de retratos que sé a da qual sempre oF te Tigao moral? i Parece-nos que | ida. eae uma. ideia eja, precara ¢ temos de colo- ‘A Historia 6 vida — enas vida dos outros éres—mas a nossa Vii 8éres- rio destino quem julgue naseimento e acaba Na A historia dos histéria de cada homem. a Historia inteira, ras wi Go e veio até éle como ee jeans e condenst. somos nos que @ compreender-nos, 0 movimento 4 ou de Caceres Go fosse como es: pat das grandes casas — & ma profunda, impre Historia 6, sem dievids j que se queira — imperfeita que 8 sd essa nos € Di Iguma coisa mais. a que sucedeu 0 relativa que seja, © car-nos diante da, tal 0 axioma inicial — de outros Lathe soil a de nés. Longe esta de omega, ET ee aedat A nossa historia é to Histéria do Homen es Em cada homem, borow na sua fo ew neste momento, néle féz; — agora, é buscar-nos, rios de wm imenso mais vivo, sem dt a nés e@ que N08 Uma vealed que tudo isso. ad igdo, sugerurua me roe historiador — um exal bracar o prop A Histéria nos sentir-nos solidd- we NOS inclue e ida, visto ser aquilo que em N tica? Tudo isso, e mars secdssemos wma defi- site, para o vere nos é anterior 2? Uma é 2? Uma arte? dissem que a a Historia constitu de consciéncia. | — niio ria, de Portuga i, episédios, coisas mor accoes, coisas ramos escrever a zee acursao entre seres, ens, : tacto com personagens, Assim a: lato frio, enn como novo cow PREFACIO XE vivas. Acompanhdmos @ existéncia secular dos portugueses, desde a nebulose indistinta das origens até 0 momento em que alvorece 0 Estado auténomo, separado, fibra.a fibra, do tronco hispanico pela diligente pertinicia de D. Henri: nha e de D. Tereza, decidida: ninsula, e depois alargou pelo Mundo, 0 sew peia. Embarcdmos nas caravelas do Infant ansiedade, temor e diivida, as grandes ameacas palpitantes dos largos oceanos; caperimentdmos, com os navegadores de dualmente, a unidade, « forea, a arquitectura organica, a cons- ciéncia moral que a tornaria apta aos maiores cometimentos. Mais tarde, quando as ctircunstincias e os costumes mudaram e ds seis décadas de eclipse parcial sucedeu a alvorada plena da Restawragio—percorremos, com a nossa gente, as chancelariag € os campos de batalha da Europa, admirdmos as qualidades da raga evidenciadas em ambientes e emprésas tio diversos dos antigos. Dolorosamente assi: ‘imos ao desabar dos edificios tra- dicionais—defendidos aqui, até diiltima, por Monarcas previ- dentes—ao sépro das ideologias de revolta e destruicao. O mal caminhou, infiltrou-se, acabou por conduzir & sombria deca- déncia em que parecia ter-se perdido a linha soberana dos nos- -se de novo a encosta, regressou-se as di- mas éste livro — reflexo, apenas, de uma pequena parte dela. narrémos e vivemos como se de nos se tratasse. De-facto, tratava-se de nos, jd que téo flagrantemente nos re- conheciamos, nos encontravamos, emtédas as Jornadas do povo portugués. Se nos acusarem de em algum momento nos termos xD HISTORIA DE PORTUGAL pronunciado com certa veeméncia, responderenvos que nos era impossivel ficar indiferente & nossa propria Histéria. Respon- deremos ainda que sempre tomdmos partido pelo Portugal forte, grande e livre — contra aquilo ou aquéles que the mina- vam a forea, Lhe comprometiam a grandeza, the deminuiam a liberdade. Como criticar — historiar é julgar. Em nome, ape- nas, de um ponto de vista pessoal? Nao. Em nome dos princi- pios, superiores a quem escreve como a tudo sébre que escreve; —em nome das verdades universais e eternas de que os por- tugueses souberam ser apdstolos insuperéveis; — em nome, também, das leis de equilibrio politico, de harmonia social, de estabilidade e felicidade colectivas que a experiéneia de uma longa vida em comum perentoriamente definiu. Nem por isso nos afastémos do rigor objectivo, da veraci- dade substancial que devem. caracterizar os trabalhos histéri- cos. Nasiltimas décadas, tem-se efectuado entrenés um notével esférco de revisio da Histéria—apoiado no exame das fontes, na rebusca de elementos inéditos e clarificadores, no conheci- mento de tudo quanto habilite a formar wm juizo seguro. Den- tro do possivel, sem nos pouparmos a canceiras e sem fugirmos aos obstdculos, procurdmos integrar, nesta obra de sintese; muitas dessas aquisigdes preciosas. Mas néo nos privdmos, uma vez colhidos os informes, pesadas na balanga as varias pe- cas do processo — de concluir com nitidez, ainda no intuito de servir Portugal ao claréo das altas verdades que Portugal ser- viu e serve. Algumas vezes nos exaltou, é certo, essa paixdo de cioso portuguesismo. Seré um mal? Cremos antes que serd um bem. Porque se impée ao historiador a obrigacdo de se fechar numa impassibilidade absoluta? O historiador é um homem — um homem que estuda, pondera, evoea, reflecte, acaba por ver e viver o passado. No momento em que vé e vive, exerce, como é natural, a sua funcéo intelectual de critico: julga. as figuras ¢€ os acontecimentos. Exprime, depois, 0 seu juizo. Se o faz com honestidade, com escripulo, de-certo quem o ler gostard de en- contrar na sua frente um depoimento franco e limpido. Diz algures Bergson que deseja, nos seus livros, dar ao piblico a alegria «de prendre contact avec une Ame vivante». A obra escrita ganha assim outro poder de comunicacéo e de sugestio. Longe de se prejudicar com isso, a verdade—filoséfica ow his- t6rica — adquire maior projecedo humana. Eis o que levou de- -certo José Maria Pemén a gravar, na abertura de uma His- PREFACIO xur toria de Espafia destinada as escolas do seu pais, esta bela afirmagdo: — «el apasionamento no es enemigo, sino aliado de la verdad, como el calor lo es de la luz». ill : Tanto mais que, durante muito tem: pauxao—no sentido contrério. Com pee eupnuiesonanain mais: com wma. espécie de sadismo negativista, e demolidor. Nesse pertodo negro, nao se féz — desfez-se a Histéria de Por. tugal, Repudiaram-se ou contestaram-se as fundas razdes da nossa Jornada de povo crente e guerretro. A obra de apostolado foi convertida em obra de cobica e de rapina. As figuras dos Reis foram amesquinhadas com rancorosa sanha. A vida duma Nacéo que deveria explicar-se ad luz dos Evangethos, dos Rotei- vos e das Crénicas — foi éscrita a@ luz da Declaracéo dos Di- reitos do Homem e da teoria do materialismo histérico. Assim se falsificou, se corrompeu o passado portugués: —e tal q influéncia do passado que, uma vez corrompido e falsificado éle, muitos portugueses se falsificaram e corromperam. O de- elinio nacional acelerou-se—resultante das interpretagées pes- stmistas, dos ferozes sarcasmos, das absurdas diatribes com que se nos estancava a@ maior fonte de energia: a confianca em nos proprios. Como represdlia e desafronta, baste-nos resta- belecer a verdade ofendida; logo a confianca voltard. Sabemos bem que estamos na linha da justiga. No mo- mento em que escrevemos, a~pesar-de tantas vicissitudes e de tantas crises, a Histéria de Portugal, vista hoje, em 1940, no seu conjunto — apresenta, sem diwida, um saldo positivo, Cometeram-se erros; atravessaram-se fases de colapso; fomos mmores, porventura, do que somos . Todavia, se muito se per- deu, muito se conservou — entre tantos inimigos de sempre e ultramarino que ainda é dos matores do Mundo. i mantivémos, integra e clara: a trradiagéo Ceo digas dade, dos belos exemplos, dos altissimos troféus que enchem onome portugués de esplendor através das eras ¢ ainda agora nos impoem ao respeito universal, Falta~nos dizer que supomos haver conseguido, pelo me- NOs, segurar nas méos o fio condutor, aquela linha de perma- XIV HISTORIA DE PORTUGAL néncia que comanda a marcha da Nacéo de reinado em reinado e de século em século. Lembram-se da frase de Bainville: — «Pourquoi juger Ja vie d’un pays d’aprés d’autres régles que celle d’une famille?» Da familia portuguesa falémos sempre— dos portugueses na medida em que foram, séo e seréo uma grande familia. Nunca esquecemos que, para além das contin- géncias e flutuagdes ocasionais, existe uma solidariedade viva no espago e no tempo, uma consciéncia revelada e desenvol- vida através das épocas, uma cadeia de geracées aliadas para a obra comum, ligadas a um destino que, simultineamente, as resume eas transcende. Esta, a concepcdo fundamental que - orientou o nosso esfér¢o. Iv Valeré a pena sublinhar quanto reconhecemos as inume- raveis deficiéncias déste livro? Tal como 0 sonhdmos, devia ser um panorama sumério, sim, mas téo denso que parecesse com- pleto, da actividade portuguesa em todos os dominios. Néle se conjugariam harmoniosamente — sob a égide daquilo que é a primeira verdade histérica de Portugal: a fé em Cristo ¢ 0 ser- vico da Sua doutrina — um inventério da nossa acedo politica, militar, maritima, diplomdtica, literéria, artistica, cientifica, econémica e um quadro fiel das instituicdes e dos costumes. Esse panorama revelaria a seqiiéncia logica dos passos que de- mos ao longo das idades. Seria como larga estrada, cheia de sol—em que se visse Portugal nascer na disténcia, surgir, avancar, ganhar vulto e altura. Reduziu-se 0 sonho a muito pouco: um mero esbdco de his- toria politica; o resto — aflorado apenas, em breves incursées, em alusdes apressadas, em resumos insuficientes. Como ate- nuantes, citaremos algumas das maiores dificuldades que de- frontémos. Antes de nenhuma, avastidéo da bibliografia, tanto nacional como estrangeira, nos ultimos tempos enriquecida com mil eum trabalhos valiosos, que fizemos o possivel por consul- tar e assimilar na sua melhor parte e de que damos uma lista, resumida alids, nas péginas finais. Depois a concepedo da obra, de maneira a tentar observar as justas propor¢des entre os vd- rios periodos e as vérias figuras. Depois, a exiguidade do es- paco—um sé volume para oito séculos da vida opulenta e mul- PREFACIO xv timoda de um dos povos-chefes que o mundo tem conhecido. Depois, a brevidade do tempo — jé que obedeciamos ao intuito de dar o livro a piiblico antes que terminasse o ano aureo dos grandes Centenérios. Depois, o estilo — que desejariamos néo fésse indigno do assunto escolhido, mas fésse, ao mesmo tempo, acessivel & numerosa camada que se pretendia elucidar e atrair. Nenhuma destas dificuldades fot vencida, bem o vemos. Saibam. ao menos quantos nos lerem a consciéncia que tivemos delas. Em concluséo: a emprésa a que nos votémos (e prouveraa Deus que outro, mais competente e mais dotado, a executasse, ou venha a exccutd-la) é uma emprésa que se impunha. De tempos a tempos, torna-se necessério que, wpds alguns anos ou algumas décadas de labor e de combate, durante os quais os eruditos investigam e acumulam materiais novos e os doutri- nadores revéem as ideas e fazem triunfar novos pontos de vista (muitas vezes, vélhos pontos de vista remogados) — tor- na-se necessdrio que alguém se abalance a uma tentativa de cristalizacdo, gracas & qual os materiais dos eruditos e as ideas dos doutrinadores ultrapassem os limites relativamente estret- tos em que se confinam, entrem na circulacéo ampla de um maior nimero de atengoes, de curiosidades ¢ de inteligéncias. Foi o que féz Oliveira Martins hé sessenta anos, com o éxito sabido, mas, infelizmente, com péssimo espirito de negagdo e deformacdo que a magia da. sua prosa envolvew em roupagens de rara beleza. O clima que reflectia, era o de uma época de desespéro, de ironia colérica e de inversdo de valores. A nossa tentativa de cristalizagdo é do mesmo tipo — embora contraste em tudo com a de Oliveira Martins: no espirito que a anima, e ésse é, ao invés do seu, afirmativo e construtivo; na prosa em que se molda, e essa é, ao invés da sua, pobre e mondtona. Tenhamos a. esperanca de que apareca um dia —o mais cedo possivel! —o autor capaz de fornecer o antidoto decisivo para o Oliveira Martins do Portugal decadente, isto é: 0 Oliveira Martins do Portugal ressurgido! E néo terminaremos sem mencionar dois nomes, a quem nos cumpre deixar aqui homenagem iniludivel. O primero, é 0 de Anténio Sardinha, que sonhou, antes de nés, a Histéria de Portugal que tanto ambicionariamos ter escrito—«histéria de sintese, tracado arquitecténico completo, em que a proporcao e XVI HISTORIA DE PORTUGAL @ légica do conjunto nos desvendem as razées eternas da Pétria, na quimica incessante da sua renovagéio e vitalidade...» — e chegou mesmo a compor o plano dessa. Histéria. Bastam os titulos dos capitulos para nos fazer adivinhar o desenho ge- ral da obra e lamentar que a Providéncia nio consentisse a sua realizagado. O segundo nome, é 0 de Alfredo Pimenta, Besse, felizmente, realizou a sua Histéria — foi o primeiro a integrar numa obra de conjunto, a~par das melhores fontes de sempre, as grandes rectificagdes do wiltimo meio século. Elaborada para o ensino, a Histéria de Alfredo Pimenta ficou a meio caminho entre a erudigéo e a vulgarizagéo, como éle mesmo acentua no predmbulo. De-certo acabaré por nos dar a grande Histéria erudita do nosso tempo, coréa de uma actividade mul- tiforme em todos os altos dominios da cultura, A nossa tentativa ai fica. Aché-la-do talvez demasiado superficial os doutos e os especialistas, em quem tanto pensd- mos para tentar néo os decepcionar inteiramente. Que nao a achem demasiado pesada todos og outros, em quem pensémos ainda mais, para tentar satis ‘fazer-lhes as ewigéncias, captar- -lhes e prender-thes o interésse. Valeré a pena sublinhar de novo as inumerdveis deficién- cias que reconhecemos? Salve-nos a intenedo primordial de servir Deus e a Pétria. Salve-nos a certeza (jé antecipada- mente a tinhamos ao comecar, e reforgou-se até a vltima linha) de que a Histéria de Portugal néio cabe num tivro, de qe a esséncia perene de Portugal néio cabe sequer em quantas Historias de Portugal se eserevam. Salvem-nos, ainda, o desas- sombro ¢ a boa fé com que nos sujeitémos a triste e honrosa lei da condicéo humana: 0 hébito incurdvel que todos temos de lancar ombros a tarefas maiores que nés... Dezembro — 1940, JOAO AMEAL.

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