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A Pessoa em Psicologia Este livro constitui uma_introducdo & personalidade emogao e motivacdo. Cada um destes temas é€ tratado mais “completamente em outros volumes deste CURSO BASICO DE PSICOLOGIA: Phil Evans analisa a motivagéo e emo- gao no volume D2, Motivos pessoais e Sociais; David Peck estuda as Teorias da Personalidade em seu livro com esse titulo (D3); nds consideramos as diferencgas individuais em nosso outro livro, Diferencas Individuais, volume D4 desta mesma série. A nossa tarefa aqui consiste em apre- sentar algumas quest6es fundamentais dessas dreas. —{> E natural perguntar por que personalidade, emocao e “motivagao se véem citadas na mesma frase. Isso é parcial- mente o resultado de um acidente administrativo: existem numerosos ramos do inquérito psicoldgico e eles tém de ser agrupados em blocos manusedveis. Também existe, entretanto, certa razao para reunir esses trés tdpicos. “Per. sonalidade” é usada para mencionar os modos como as pessoas diferem umas das outras (dai a sobreposicio com diferengas individuais) e os modos em que sao idénticas. O estudo de suas caracteristicas comuns introduz usual- A Prssok EM Psicoocta 13 aaa ce an de seus motivos (a teoria da “personali- roasts Zeud é um bom exemplo de sonalidade” g «. justaposicio de “per- es Motivacio”). E a conexa ivach emocao 6 um da exao0 de motivagiio e mente debatidos ha multe tec od. vem sendo veemente- tarefa ee nosso titulo justamente porque a nossa do inquérito ntar, em termos introdutérios, trés campos Psicologia (i Psicoldgico. Mas também esta surgindo em te) um apele eras Se seré um movimento permanen- Bannister ¢ cede © estudo da pessoa total (Allport, 1961; ando eateel®, 1971; Carlson, 1970; Ruddock, ‘© estes autores falam de “pessoa” referem-se Tande mpéndio i i Pattern and Growth in Pe _compéndio introdutério, a ersonality, intitulou seu ultimo ca- Pitulo “A Pessoa em Psicologia.” Encarou “ a pessoa” como um conceito do futuro para “ @ psicologia da perso- nalidade — um campo que também é conhecido, por ee como personologia, é Nos aproveitamos essa sugestéo e comecamos por per- guntar: O que é uma pessoa? Nunca é cedo demais para Jevantar © problema de definicdes, um dos que mais con- fusdes tem causado em Psicologia. A confusdo parece ter sido devida a berplexidade dos fildsofos e lamento dos psicdlogos, que tém procedido amiuide como se a filosofia nao existis: se (ver Fl, F7). Problemas sérios tém sido sempre criados por palavras aparentemente inde- finiveis, como justica ou virtude. Termos psicoldgicos como inteligéncia parecem caber nessa categoria. Realiza- ram-se simpésios sobre a definig&éo de inteligéncia; e os psicdlogos viram-se embaracados pelas criticas de que difi- cilmente poderiam medir a inteligéncia se nao eram mes- mo capazes de concordar no que ela é. ° problema parecia ser o de captar, de algum modo, o significado de uma palavra ou frase numa outra palavra ou frase. Pelo menos Gois fildsofos de génio, Wittgenstein e Popper, apresenta- — \ “4 © Que % Uma Prsson yam argumentos que parecem dissolver o problema de de- finigdo. Finigrmés aspectos de sua solugio so particularmente im- portantes para a Psicologia. Em primeiro lugar, hé a com- preensao de que 0 “significado” de palavras ou frases — aquele que procuramos nas definigées — pode ser tio-s6 os usos arbitrariamente escolhidos que lhes atribuimos, Palavras e frases sdo rétulos que utilizamos para comuni- car e ordenar 0 nosso universo. Como o referente ou deno- tagdo de uma palavra é escolhido por um ato de arbitrdria convencao lingiiistica, devemos resistir & tentacio de pro- curar qualquer significado “real” para além disso. Em segundo lugar, temos 0 fato facilmente esquecido de que, no decurso de sua vida publica, uma palavra ou frase pode adquirir varios usos ou “significados” diferentes e mutua- mente exclusivo, como qualquer diciondrio nos mostra. © fato das palavras parecerem ter diferentes significados, contraditorios mas presumivelmente relacionados, tem causado uma desnecesséria confuséo. Em terceiro lugar, cumpre fazer uma distingao entre o significado denotativo, que 6, de um modo geral, aquilo que uma palavra indica ‘ou como é definida do dicionario; e o significado cono- tativo. Este wltimo é por vezes como a “penumbra do sig- nificado”: as associagdes que uma palavra tem para uma determinada pessoa e as emogdes que desperta. Com fre- aiiéncia, a confusio pode ser causada por ndo se distin- guir entre conotagdo e denotacso. (Por exemplo, “inteli- géncia,” & parte 0 seu limitado uso psicoldgico, possui uma grande quantidade de implicag6es avaliatorias.) Exis- te um outro aspecto especial da obra dos modernos filé- sofos da linguagem. Wittgenstein sublinhou a existéncia de uma classe de palavras, das quais “jogos” 6 um bom exemplo, que tém “significados multicomponenciais.” Quer dizer, hd um grupo de caracteristicas das quais um jogo qualquer deve possuir algumas; mas de tal sorte que quais. quer dois jogos podem nao ter caracteristica alguma em comum. e A luz deste enfoque, esperamos evitar questes emba- ragosas sobre 0 que uma pessoa “realmente” 6 ou em que consiste “realmente” a personalidade. As palavras devem ser nossas escravas e no as nossas amas e senhoras (o problema com que se defrontou Alice quando encontrou Humpty Dumpty). Quando perguntamos “O que é uma pessoa?”, no estamos indagando sobre palavras mas so- — _Aexisténcia de seres humanos individuais st PROBLEMAS PARA ‘A PSICOLOGIA 15 bre seres humanos, acerca de suas possiveis caracteristi: cas distintivas, seus pontos de semelhanca e suas dimen- ses de variagdo. E as nossas sugestdes a tal respeito nio Pretendem ser solugées finais; 0 nosso intuito 6 que o lei- tor as considere e sobre elas reflita, Problemas para a Psicologia ita, ar. gumentamos, dois grupos de problemas para a RisSologia. Ao primeiro grupo chamaremos os problemas das dife- rencas individuais; 20 segundo, os problemas de o eu (the self). Na pratica, os dois grupos sobrepdem-se amiti- de mas consideramos mais esclarecedor separé-los, pelo menos, para comegar. ' Mas, a fim de se ver porque existem problemas, deve- mos indagar primeiro o que é a Psicologia e o que ela esté procurando fazer (ver Al, Fl). “O estudo do comportamento e da experiéncia” 6 real- mente, sem dtivida, todo um grupo de estudos. A seme- Thanga de toda e qualquer disciplina cientifica, é uma co- letanea de problemas diferentes, diferentes métodos e dife. Tentes tentativas de solucdo. Muitas vezes, estas interagem Teciprocamente, causando uma confusao geral. John Be- loff (1973) refere-se a “uma colecio mal alinhavada de ciéncias psicolégicas.” Tradicionalmente, a psicologia expe- rimental ocupou-se de processos separados, como aprendi- zagem, memGria, emogoes; tentou observar as caracteris- ticas do individuo, usualmente sob a epigrafe de “persona- lidade”; conferiu ‘bastante atengao aos aspectos fisiolégi- cos e sociais do comportamento. Apoiou-se substancial- mente na Estatistica e na Medicina, entre outras discipli- nas; e, em menor grau, na Antropologia, Economia, Socio- logia etc. Como estas palavras, por seu turno, sio rotulos Para outros tantos grupos de inquérito cientifico, uma outra espécie de anilise é necessdria, como a que foi feita por Richard Peters (1953). Peters assinalou que os “psicélogos” tém estado inte- ressados em quatro espécies distintas de questdes. Sio as seguintes: Primeiro, as quest6es de teoria, as tentativas de estabelecer qual é 0 caso e somente 0 caso. A Ciéncia © a Historia, tal como sao geralmente entendidas, estio aqui representadas. Por que a palavra “teoria” é'usada 16 O Que E UMA Pessoa para quest6es de fato seré explicado mais adiante, ‘Segundo lugar temos as questdes de tecnologia; estat Interessados aqui em concretizar alguma finalidade ne ‘bora possamos nfo entendéla numa acepeao “cientifi eae A lavoura tradicional era, em grande parte, uma quesiz: de tecnologia, assim como a puericultura e a educ: oH tradicionais. Em terceiro lugar, ha questées de policy questdes sobre 0 que devemos fazer, por razdes morais ou outras. E, finalmente, as questées filosdficas e metafisicas. Estas incluem matérias tais como o método cientifico ¢ os pressupostos gerais que formulamos, ou 0s modelos que adotamos, a fim de explicar 0 universo e n i que adota 16S Prprios # fécil perceber como as questées se sobrepdem. Ve- jamos um problema psicolégico aparentemente simples como este: “A punicéo corporal deve ser abolida?” Por certo, tudo © que temos a fazer como psicdlogos é apurar, por experimento, se isso funciona ou nao. Mas nao é o ‘que fazemos. Para comegar, carecemos de teoria e de ex- perimentos para obter uma resposta cientifica (em parte, porque néo podemos efetuar tais experimentos em seres hhumanos). Mesmo apurar de forma idénea se o castigo corporal funciona na pratica 6 quase impossfvel, tio nume- Tosas séo as varidveis. E se néo o descobrimos, isso tor- na-o certo ou errado? A resposta dependerd, por seu turno, da natureza da nossa concepgéo do homem — uma con- cepcao religiosa, mecanicista, existencial etc. Ora, a maioria dos compéndios de Psicologia come- gam por defini-la nao como um estudo mas como uma ciéncia, indicando que ela deve concentrar-se na primeira espécie de inquérito acima citada. A palavra “teoria’ usada porque Peters adotou uma concepgio de ciéncia derivada de Karl Popper. De acordo com esse ponto de vista (talvez supersimplificado aqui), a esséncia da cién- cia consiste em propor as melhores conjeturas sobre como as coisas realmente sao. Nunca podemos atingir a verdade final mas podemos chegar progressivamente mais perto dela, Fazemos isso propondo uma teoria e vendo depois se ela resiste bem as tentativas para refutd-la. Nao hd vantagem alguma em ficar procurando provas que susten- tem a teoria. Para que a teoria fosse formulada, em pri- meiro lugar, era preciso que houvesse tais provas, ou nfo hhaveria sequer teoria alguma; e 6 sempre possivel sele- 17 PRoBLeMas PARA A PSICOLOGTA ‘i ragoes: if edade de observ: was na infinita vari observasics clonar mals Provs Pye 0 mundo. Pelo Contre os que posefiger & especificar que PATCSS SYentao ver Se Teulares de provas refuta , petiemos descobrilos. Se nao conseee t Podemos continuar sustentande.% oreo njectura ex . prove, 8 con aeverd dar lugar a uma melho 7" bom exemplo (com efeito, 2) °F seoria. psica- [oa nye Freud. ‘Um dos seus prit j te o pensamento de POP! a lente O rms! gerais, o cardter saute é DEEP one ros noe jéncias em os primeir rela ae crests eon eon Bowron, weg ian 0,8 a daa =» Glin ivo e outro c i esp wie de infancia cada um deles teria tido. a Pe gepicl, de ntact, Sa ae amigos a tai Tespeto (6 is i i , come 2 claro, isto poderia ser feito a0 LOS a See oudiana, do o resultado). ancas ©, Preyse, nfo pode fazer nem faré isso. Em primeiro 3 “dito — corretamente — que diferentes lager tard reagdes totalmente diferentes até A mesma crianges ‘Depois, dizse ainda que mesmo no intimo de uum individuo, a reagéio “natural” pode ser reprimida; pelo rie 0 homem décil poderia ter uma infancia estimuladors eo Gressao mas estar reprimindo a sua agressividade. ¢ Sento nao. 6 que isso seja necessdriamente absurdo, pois Pom enais do que claro que as pessoas, por vezes, reprimem Srogbes fortes. Mas a teoria néo vinga como teoria cien- fitics geral porque 6 impossivel dizer o que a refutaria; fodas ‘as provas, por menores que sejam, sio automati- camente convertidas em apoio. Assim, na pior das hipd- feses, assemelha'se mais a magia do que a ciéncia. Na melhor das hipoteses, seré uma forma de encarar as coisas, uma forma que talvez seja verdadeira. Desejamos sugerir que muito do que os psicdlogos (e outros) tém dito sobre pessoas esta nessa categoria. ‘As concepgdes de Popper, que por algum tempo pas- saram a dominar a Filosofia da Ciéncia, nao estio isentas de criticas. Dois pontos sao os seguintes. Primeiro, 6 sus- tentado que uma teoria deve ser refutavel. Isto quer dizer que devemos estar aptos a mostrar que ela nao corres- ponde aos fatos. Mas a suposicdo de que nao corresponde 0 Que B UA PESSOA _ Assim, nenhuma teorig os - i ; eC ntgvel, PO'S que parece contraditorio com og fatos realmente nio sé-lo; jamais poderemos estar aps e Em segundo lugar, a gama de teorj . possivels deve ser infinita, cada uma 6, simplesmente iuma especulaga0 sobre 0 modo como as coisas poderia e, ser € pa 4 uma forma de limitar tais eg m culagoes. Mesmo que se provasse & falsidade de uma Ue ria, néo haveria bases para preferir uma outra. Se na e0- pases para sustentar & veracidade de uma teorig 40 hg pouco existem para afirmar que ela é mais provgy tam. que alguma outra. Se persistissemos neste caminhs do S| i Iria. mos (como de costume )acabar por nos derviarmogs i propdsitos deste livro. JOHN RADFORD da North East London BD steohata RICHARD KirBy do University College, Londres A PESOA E PSICOLOGIA Tradugio de Epuarvo D’ALMEIDA Reviséo Técnica e Apresentagéo do Pror, DR. ANTONIO GoMES PENNA Professor Catedrdtico de Psicologia Geral e Experimental Chefe do Departamento de Psicologia Geral e Experimental do Instituto de Psicologia da UFRJ ZAHAR EDITORES RIO DE: JANEIRO

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